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LINHAS AÉREAS DE ANGOLA

*
ANGOLA AIRLINES
DURANTE OS quatro anos e meio de publicação de cadernos do
terceiro mundo raras vezes tivemos semelhante dificuldade
em «fechar» uma edição. Essa dificuldade, que motiva um
Inevitável atraso na distribuição da revista, advém exclusivamente
do prolongamento de dois acontecimentos que continuam a agitar
a cena politica mundial: Malvinas e Llbano.
Se, como publicação mensal, não podemos pretender o
acompanhamento das crises internacionais - bruscamente
alteredas em muitas ocasi6es num limitado espaço de tempo, dias
ou mesmo horas -situaç6es há que não é posslvel virmos a prelo
sem 8 elas nos referirmos, seja por um desfecho previslvel
(Ma/vlnas), seja por um abrupto acontecimento de dimensões e
implicações gravlssimas (Llbano).
, . No extenso «dossier» que dedicamos ao tema Malvinas, partimos
" ':~'.:' <: 0'0 ~ de uma resenha histórica e da abordagem da questão do petróleo
I .'
para a análise politica e militar dos antecedentes e do desenrolar
,' o
",\
O" ••••
da crise. Conclulmos com uma visão da nova Argentina que
, .,0
forçosamente sairá da derrota dos generais de Buenos Aires e da
" ;" mudança radicai nas alianças, estratégias e definições politicas
., produzidas pela tentetiva frustrada da Junta militar para recuperar
.'. . .,". o arquipélago do AtJ4ntico Sul.
Como era esperado, Galtieri não sobreviveu à rendição e os
.. :". ;'.:. "
. ' " . membros da Junta, na incapacidade de encontrarem um
candidato consensual, entraram em conflito entra si. A
permanência no cargo do novo presidente imposto pelo exército,
•• • ,0 general Bignone, surge aos olhos de todos muito duvidosa .
'.' Quanto a nós, uma certeza: a situação na Argentina estará
' ,','
'
.
. ..... presente nas páginas das nossas próximas edições.
'.' De Beirute, onde se encontravam no principio de JunHo, Neiva
Moreira e Beatriz Bissio trazem-nos testemunho dos
bombardeamentos israelites que ao longo de todo esse mês
arrasaram a capital libanesa. Nos seus textos, os nossos
companheiros corroboram a interpretação de um largo sector da
opinião pública internacional, para quem a politica sionista 'na
região assenta no genocldio do povo palestino e no megalómano
sonho do «Grande Israel», que se estenderia do Nilo ao Eufrates:
as duas linhas azuis da bandeira do Estado israelita.
Os métodos para a «solução final» palestina, aplicados por Begin e
Sharon, assemelham-se aos outrora tentados por Hitler, quando o·
«Fumer» pretendeu o extermlnio da população judaica. Se na
Europa das décadas de 30 e 40 os judeus eram diferenciados por
uma humilhante estrala amarela, no Llbano, em 1982, o exército de
ocupação israelita marca os palestinos com uma cruz nas costas.
Mas todos sabemos que, dos mil anos a que aspirava, o III Reich
durou apenas doze.
~_ _ _ _ _IIIIIDII_ _ _IllDlllIllUDllIUIUlllnIUUnnIRlWUW IIUIIIIIIIIIIIIIIUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII

arta
Malvlnas
Em toda a questão da guerra das Ma/vi- Graças à extensa análise que oscader-
nas, para lá da acção coi0niaiista britâ-
nos do terceiro mundo publicaram sobre a
nica, da -solidariedade- do imperialismo
(com particular realce no apoio norte- -Nova Ordem Informativa Intemacional.
pude esclarecer multas dúvidas que este
-americano à senhora Thatcher) e do 0ci-
dente em geral (até o senhor Balsemão e termo teve sempre para mim. Após a lei-
amigos. .. ), hã um aspecID curioslssimo tura dos vários artigos cheguei a uma

...
que vali a pene referir. Falo da grande conclusAo a que muitos outros leitores
-arnbeIhota. que os generais argentinos A derrota a que me quero reterir é esta: chegaram certamente: é ainda muito
torIm abrigados a efectuar no que res- os povos da América latina devem ter longo o caminho para que o Terceiro
pela • alianças (embora tácticas) e percebido bem a lição e hão-de pressionar Mundo alcance um verdadeiro sistema aI-
os seus go'IGmos a oporem-se às alianças tematlvo à Informação comandada e
PIra lustrar esta situação basta reler com Washington. Claro que não me refiro orientada pelas grandes empresas trans-
uma pequena noticia vinda no número dos a todos os govemos latino-americanos, nacionais.
Alberto Chambuga, Mapufo
CIIdIrnoiI de Janeiro deste ano. AD tomar pois alguns deles não precisaram das
posae do &eu cargo de ministro dos Negó- Malvinas para saberem o que são os diri-
cios Eslrangeiros, Costa Méndez decla- gentes norte-americanos, corno é o caso
rava orgulhoso que a Argentina, ao oon- de Cuba, Nicarágua, etc.
trWIo etc. palses do Terceiro Mundo, per- Manuel Anjos, Luanda illllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll
. . . . . , grupo das -naçóes de raça
Innca • de religião cristã- e que o seu Brasil, Cuba e Nicarágua
pala . . estava identificado - nem com a IntercAmblo
orfgInI lIIIIórica nem com as condições (... ) Gostaria de vos pedir: primeiro, uma
soc:iaIIIoo dIIsse bloco. E acrescentava reportagem sobre a situação económica
Costa M6ndez que o aspecto fundamental brasileira no que diz respeito a emprésti- • D. Marques Gaivão
da politica externa da Argentna seria -a mos ao exterior e contratos de risco em Caixa Postal 134
manutenção de boas relações com os es- projectos de mineração; segundo, uma 58000, João PeS$08, PB - Brasil
tados Unidos-. reportagem sobre Cuba e Nicarágua -
Pelos vistosos norte-americanos nunca palses pelos quais tenho grarlde admira- • Guilherme J. Ferreira da Rocha
deixaram de oonsiderar a Argentina um ção - também no campo económico. Rua Feliciano de Aguiar, 424, Casa 1,
aliado -branco e cristão- de segunda Guilherme J.F. Rocha, Rio de Janeiro Fundos, Maria da Graça
classe e não hesitaram em 98 colocar ao 20781 , Rio de Janeiro, RJ - Brasil
lado dos ingleses quando chegou a hora gula
de escolher o campo. Outra conclusão que Já me tinha habituado, no inicio de cada • Rui de Carvalho M. da CUnha
os generais de Buenos Aires já tiraram ano, a adquirir o -guia do terceiro mundo- Escola Nacional de Aviação Militar
certamenta é a de que a solidariedade tem que, para mim representa mais do que C.P. 140, Negage - Ulge
vindo apenas desse Terceiro Mundo que uma publicação a comprar regularmente. Rep. Pop. de Angola
tratavam com desprezo e do mundo socia- É um utensllio de trabalho dada a minha
lista que não tem regateado apoio politico qualidade de professor lioeal de his16ria. • CsrIos Manuel Bravo Rodrigues
apesar do anti-<:omunlsrno visceral dos Corno Idé agora ainda o não vi à venda Praça da Igreja, 7, c/v D.
governantes argentinos. nem tão-pouco anunciado na revista, 27~ Amadora - Pot1ugal
A -cambalhota- a que me refiro é ex- pergunto-vos: sai ou não sai o gula de 82?
emplificada pelos calorosos agradecimen- • EsMvão Helder FaJé Infante
tos de Costa Méndez ao Movimento dos Albino Esteves, Usboa Av. Combatantes da Grarlde Guerra, 80,
Não-Alinhados e ao seu presidente, Fldel 2.° D.
n. d. r: Com efeito, em 1982 não haverá 2700 ~ - Portugal
Castro. Terá ele descoberto onde deverá «guia». Publicado durante dois anos con-
procurar os 'lGrdadeiros amigos? E esse secutivos em que figurou corno -best- • Ladislau José Bernardo
reconhecimento perdurará para lá do fim -eellero, não só nas livrar/as poIfuguesas Rua Joaquim Kapango, C.P. 447
da guerra? mas igualmente em Angola e Moçambi- W~ - Rep. Pop. de Angola
António Costa Torres, que, o nosso suplemento anual correria o
risco de não poder oferecer aos le/fores • José castigo Mutemba
Portalegre,Portugal C.P. 2814
811f1cienfes aspectos Inovadores e que, ao . Maputo - Rep. Pop. de Moçambique
Qualquer que seja o resultado final da repetir parte do seu texto, não justlf/casse
crise das Malvinas, um dos derrotados é, plenamente a compra e consulta de uma • Bemardo Vasco Chavango
de certa forma, o govemo dos Estados nova edlç/lo. Mas podemos anunciar que Largo da Palmeira Manhlça, C.P. 3
Unidos. A razão é simples: a preparaçlJo do gula 83 Já se Iniciou nas Maputo - Rep. Pop. de Moçambique
AD apoiarem a reacção colonialista dos nossas redaç6es no México, Rio de Ja- • Mutar cassamá
ingleses, depois de hipocritamente se neiro e Usboa, prevendo toda a equipa de alc Am4ncio da Cunha, C.P. 100
terem mostrado neutrais, os norte-ameri- «cademos de terceiro mundo- lançar a Bissau - Rep. da Gulné-Bissau
canos revelaram perante todos os povos próxima edlç/lo em Dezembro de 1982 ou • Utos Jerónimo dos Santos
latino-americanos que quando foi neces- Janeiro do próximo ano. E desde Já esta- C.P. 634 - Belra-Sofala, Rep. Pap. de
sário escolher entre o -espirito america- mos em condlç6es de assegurar que o Moçambique
no- e o -clube da NATO., eles não hesita- gula 83 contará, além das actuallzaç6es • Albino Chlmuca da Costa Changonga
ram nem nunca hesitarão. Entre os - ir- das monoaraflas dos Dalses. das tabelas C.P. 634 - Beira - Sofala
mãos continentais- e os -primos britâni- económicas e estatlstlcas, novas Rep. Pap. de Moçambique
cos-, Reagan, HaIg e Comp.· não perde- secç6es que /enio um dmblto não confi- • Avelino da Costa Lobo
ram muito tempo: passaram-se para o nado apenas aos palses considerados do C.P. 720 - Luanda
lado dos -primos-. Terceiro Mundo. Rap. Pap. de Angola

2 cadernos do terceiro mundo


cadernos do
terceto
munao 45
Editorial
5 Petróleo: quem força a queda dos preços?

Matéria de capa: Malvinas, a grande lição


8 A história dá razão à Argentina, Roberto Remo
11 A Argentina Já nllo será â mesma, Carlos Castilho
21 Petróleo: chave para o quebra-cabeças, Beatriz Bissio
30 As viúvas de Monroe, Neiva Moreira
32 Dois exércitos, dois mundos em confronto, Esteban Valenti
35 Os dilemas do pós-guerra, Carlos Castilho
38 O processo de latino-americanização, Aguslin Caslano

Comunicação
43 A guerra psicológica da elA, Fred Landis

América Latina
53 Nicaráglla: «Zero- à direita, Arqueies Morales

57 Cabo Verde: Refonna Agrária deita sementes à terra, Baptista da Silva

Médio Oriente - . I
62 Beirute sob as bombas, Beatriz Bissio
71 O ataque israelita: como nos tempos de Hitler, Neiva Moreira

Norte-Sul
77 O sistema do café, Marcos Arruda

81 Panorama Tricontinental

~C~ie~An~c~i~a~e~t~ec~n~o~l~o~g~i~a~_____________________________ ~_ _
89 ' Pode a mandioca salvar o Terceiro Mundo? Ed Cowan Reforma Agrária em Cabo Verde

N.· 45/Junho-Julho 1982 cedemos do terceiro mundo ' 3


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PORT'EPAGO
. . REVISTA EHSA1.

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Mlnh 103, Maputo. NICARÁGUA: Ignácio Brlones Torres,
Reparto Jardines de Santa Clara, CaUe Oscar Pérez Cassas
N.· 80, Quinta Soledad, Manágua, Nicarágua. PANAMÁ:
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RoaaIdo Fomeca Apartado PootaI, 20.572 - Mo!xico, DF. PERU: Distribuidora Runamarka, Camaná 878, Lima 1.
PORTUGAL: CDL. Av. Santos Dumont, 57, 1000 UsbOa.
PORTO RICO: Ubrerlas La Tertulla, Amalia Marln Esq. Ave
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29918, 65th Inf. Station, Rio Pedras, P.R. 00929. REPU-
BLICA DOMINICANA: Centro de Estúdios de la Educacion,
~ do tauiro mUDdo utiliza os serviços da.! seguinles .pias: Juan Sánchez Ramirez 41 , Santo Domlngo .- DESVIGNE,
ANGOP (Angola), AIM (Moçambique), INA (Iraque), IPS (lnter Presa Ser.. S.A., Ave BoIlvar 354, Santo Domingo. REPUBLICA FEDE-
vic), SHlHATA (Tanzania), WAFA (Palestina), e do pooI de apias dos RAL DA ALEMANHA: Gunlher HopfenmOUer, Jerlngstr 155,
2102 Hamburgo. S. TOM~ E PRINCIPE: Mlnlslérlo de Infor-
Países N~AIinhados . Man~m um intetclmbio editorial com as revistas Nuna maçãoe Cultura Popular. SU~CIA: Wennrgren- WIIUams AB,
(Equador), Novembro (Angola), Tempo (Moçambique) e com o jomaI DalI)' S-I0425, Slockholm. VENEZUELA: publlcaciones Espano-
News de Dar-.Salaam (Tanzania). las, S.A., Ave México Lechoso a Pie. BrIon, Caracas.

4 cadernos do terceiro mundo


---itor-

Petróleo: principais produtores e·exportadores, quer dizer,


as nações do Terceiro Mundo.
O desenvolvimento das potências capitalistas

quem força assentou na obtenção de matérias-primas bara-


tas e abundantes, o que implicava ser a procura
dos consumidores industriais o factor que contro-
lava os mercados. Esse domínio das economias
a queda centrais sobre as periféricas prosseguiu depois
de liquidados os impérios coloniais e por isso foi
caracterizado como «neocolonialismo»: a OPEP

dos preços foi a única organização de produtores que pôde


romper com tal imposição graças às característi-
cas especiais do petróleo e à concentração das
suas reservas em poucos países.
partir de 1973, o mundo assistiu a uma Ao colocar a sua oferta alguns pontos abaixo da
A subida em espiral dos preços do petróleo.
Fdesde meados de 1981 , a um fenómeno
inverso: a queda das cotações do crude. Para
procura, perante um Ocidente industrializado e
lançado numa expansão que implicava um con-
sumo crescente de energia proveniente do petró-
explicar os dois fenómenos, os meios de im- leo, a OPEP conseguiu controlar o mercado. Foi
prensa do sistema transnacional usaram as leis assim que pôde articular uma política altista entre
do mercado, isto é, a relação entre a oferta e a 1973 e 1980, oferecendo aos países membros
procura. notáveis beneficios económicos.
Essas explicações omitiram ou colocaram em As potências ocidentais procuram por diversos
segundo plano a razão mais relevante da involu- meios deter esses avanços da OPEP desde 1973.
ção dessa tendência: uma programação deli- Mas uma contradição as impedia: pretendiam
neada no seio da Agência Intemacional de Ener- prosseguir os seus programas de expansão com
gia (AlE) e sancionada durante a reunião cimeira base no aumento do consumo de petróleo, por ser
das sete maiores potências capitalistas realizada este o energético que mais vantagens apresen-
em Veneza em Junho de 1980. tava. Enquanto se seguiu esse caminho, a OPEP
A AlE é a instituição antagónica da Organiza- continlJOU numa posição privilegiada conser-
ção dos Paises Produtores de Petróleo (OPEP) e vando a chave do mercado e das cotações ..
foi criada principalmente a instâncias do ex-se- Diversos acordos no plano das grandes potên-
cretário de Estado norte-americano Henry Kis- cias não bastaram para deter a OPEP, pois não
singer com a missão de neutralizar o grupo de havia consenso entre elas - principalmente pela
produtores de petróleo do Terceiro Mundo, após recusa dos Estados Unidos em aplicar um pro-
estes terem decidido, em 1973, a primeira grande grama de poupança de energia.
alta do preço do crude. Até que se produziu a segunda grande onda
cadernos do terceiro mundo chamou cons- altista (1979-1980), elevando os preços a inusita-
tantemente a atenção para os móbiles que incita- dos niveis (em alguns momentos a mais de 40
vam as potências capitalistas a combaterem de- dólares o barril). Para isso, concorreu o desenca-
nodadamente a OPEP. É que esta tinha instituido deamento da revolução iraniana e a consequente
um procedimento inaceitável para aquelas: o queda drástica da produção desse pais que,
controlo dos preços e do fomecimento de matéri- antes do derrube do xá, era o segundo produtor
as-primas por parte dos paises que são os seus mundial. Isso não SÓ deu impulso ao processo

N.O45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 5


altista como também fez temer que pudesse procura; esperam, com isso, dobrar o braço da
acontecer uma prolongada carestia do crude e, OPEP".
portanto, faltasse a base energética em que se Com efeito, a programação de Veneza deu logo
apoiava o desenvolvimento ocidental. resultados. Nos primeiros meses de 1981, as
Nesse momento, as potências ocidentais deci- compras petroliferas dos Estados Unidos tinham
diram ter uma programação eficaz, apesar dos baixado 10%, enquanto as da Europa Ocidental e
sacriflcios a curto prazo que ela implicaria. Ao fim do Japão fizeram-no em cinco e seis por cento.
e ao cabo tratava-se de estabelecer um período Dados da AlE (na qual participam todas as po-
de relativa austeridade nos países ricos. tências capitalistas) dizem-nos que a procura
A nova politica foi adoptada por ocasião da conjunta dos seus países membros baixou 7,7%
conferência cimeira de Veneza. Vale a pena citar em 1980, 7 % em 1981 e que no ano em curso a
alguns parágrafos do editorial dedicado a esse redução poderá ficar entre dois e quatro por
encontro por cadernos do terceiro mundo (.. Os cento.
sete grandes contra a OPEP .. , número 26, Agosto Ao analisar esse processo, os partidários de
de 1980), pois as previsões de então cumpriram- não dar importância à programação das potên-
-se inteiramente: cias capitalistas argum'3ntam que tão grandes
.. Os Estados Unidos, Alemanha Federal, Ingla- economias não se teriam realizado sem desen-
terra, França, Japão, Canadá e a Itália adoptaram cadear a recessão do Ocidente. Isso está fora de
duas medidas fundamentais: conter o consumo e
dar força às fontes altemativas de energia.
objectivo estatlstico é que o petróleo baixe, de
° questão, mas a recessão também é uma medida
de politica económica e são os governantes das
potências centrais que dispõem como e quando
hoje a 1990, dos 53 % actuais a 40%, como fome- ela deve ser aplicada.
cedor da energia consumida pelas sete grandes Essa tendência em ocultar os verdadeiros me-
potências. canismos do controlo da economia mundial res-
.. Poderão surgir dúvidas quanto à aplicação ponde a diversas razões. Uma é ideológica, pois
concreta por todas as potências dos planos de esse tipo de intervenção contraria radicalmente o
expansão das fontes altemativas e, principal- suposto livre jogo do mercado, caro aos técnicos
mente, de que algumas medidas de austeridade clássicos da economia capitalista. Num nível mais
sejam aplicadas com firmeza. Isso só faria a per- • concreto, os interesses do sistema transnacional
centagem variar em alguns graus, mas não o estão altamente concentrados, muito mais do que
sentido geral da estratégia. pode parecer à primeira vista. E uma contradição
(... ) ..O objectivo declarado consiste em elimi- que tentam ocultar é o facto de que, nas demo-
nar a dependência das potências capitalistas em cracias ocidentais, apenas uns poucos podero-
relação ao petróleo em geral e à OPEP em parti- sos decidam, em função dos seus interesses, um
cular. A reunião cimeira anterior, em TÓQuio, tinha ordenamento económico que afecta as suas po-
dado um primeiro passo ao decidir fixar um tecto pulações e o resto do mundo.
para as importações até 1985, meta que agora Verificada a queda da procura, a oferta da
continua estabelecida até 1998. Essa decisão e o OPEP (apesar dos continuos cortes efectuados
desenvolvimento de novas fontes altemativas pelos países membros, com excepção da Arábia
tendem a provocar a inversão do presente qua- Saudita) ficou acima do novo nível da procura. E
dro. Se considerarmos que actualmente não há verificou-se a consequente queda dos preços do
escassez de petróleo, o facto de atingir as metas crude desde 1981, segundo uma evolução da
faria com que a oferta de petróleo superasse a qual a nossa revista tem informado nas suas

6 cadernos do terceiro mundo


sucessivas edições. com aqueles quanto a preços e colocações, e
Chegou-se, assim , a uma desesperada situa- estão a fomecer ao mercado uns oito milhões de
ção para os membros da OPEP. Ao mesmo tempo barris diários.
que baixavam as cotações, viam diminuir a quan- E, principalmente, deverá aguardar-se a posi-
tidade das suas vendas. Esses paises, quase ção das potências membros da AlE que acumula-
todos envolvidos em grandes planos de desen- ram enormes reservas. Em todo o caso, a reacção
volvimento (assim como num ritmo de consumos da OPEP é apenas conjuntural. Ela não adoptou
sumptuosos e chocantes desperdicios, em alguns ainda uma verdadeira programação, equiparável
casos), comprovaram que não podiam financiar à das potências capitalistas, as quais, particular-
os seus orçamentos. mente por meio das grandes transnacionais pe-
Assim, depois de vários encontros falhados, na troliferas, estão a preparar-se para uma econo-
reunião da OPEP de 1981 chegou-se a uma si- mia p6s-petrolifera. Independentemente das evo-
tuação limite. luções do mercado (que só poderão influir no
A Arábia Saudita, intrinsecamente ligada aos ritmo de execução dos seus planos), estas conti-
Estados Unidos, era um dos principais responsá- nuarão a desenvolver os seus programas de
veis, pois nesse contexto aumentava a sua pro- energias alternativas. E dependerão cada vez
dução em vez de reduzi-Ia. Os próprios sauditas, menos do crude.
não adoptando medidas severas, teriam em O grave dessa projecção é que só as potências
pouco tempo que baixar os preços do seu petró- industrializadas poderão caminhar nessa direc-
leo, que até aos primeiros meses de 1981 era o ção. Os paises do Terceiro Mundo não têm recur-
mais barato dentro da OPEP. sos para investir em fontes alternativas, de ma-
Assim, a recente reunião extraordinária da neira que, a longo prazo - e por dependerem
OPEP (Viena, 18 e 19 de Março passado) res- substancialmente do petróleo - serão os que ele-
pondeu ao desafio com cortes. Pouco antes da varão uma oferta que encarecerá o preço do
reunião, a oferta da OPEP era de pouco mais de crude a nlveis intoleráveis para as suas econo-
20 milhões de barris diários. Depois da reunião e mias. Os déficits crónicos e o gigantesco endivi-
a partir de 1 de Abril, ficaria em 17,5 milhões. Isso damento dos palses do Terceiro Mundo não-pe-
pressupôs uma mudança de atitude da Arábia troliferos já são uma realidade penosa e explo-
Saudita, que controla cerca de 45 % da produção siva, pl'!'5sivel de agravar-se ainda mais.
da OPEP (equivalente à metade das exportações Diante dessa ameaçadora realidade a resposta
mundiais) que baixou a sua participação no mer- adequada seria um acordo entre produtores ~
cado de 8,5 para 7 milhões de barris diários. consumidores, para ordenar um mercado OSCI-
Com essa e outras disposições complementa- lante (devido às pugnas entre a OPEP e a AlE) e
res, os membros da OPEP esperam ficar abaixo Rara atender às necessidades de todas as partes.
da procura e que os seus preços oficiais de refe- E óbvio que não existe vontade de dar seme-
rência (34 dólares por barril) sejam mantidos. lhante resposta, mas, nesse plano, a responsabi-
As providências, por si mesmas, são apropria- lidáde da OPEP é relativa. O determinante é a
das para que o desafio seja encarado. Mas é cedo atitude negativa das potências capitalistas que,
para se saber se a aspiração da OPEP será sob os ditames dos Estados Unidos - que aplica
verificada, pois antes terá que se comprovar se uma politica particularmente dura sob. a actual
todos os seus membros as respeitam rigorosa- presidência de Ronald Reagan -, resistem em
mente. Também pesa a atitude dos exportadores efectuar negociações globais entre o Norte e o
não-membros da organização que competiram Sul, inclusive no tema critico da energia.

N.O 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 7


metade deste século, há várias referencias imprecisas
sobre as ilhas, com diferente nomes .
Em todo o caso, o certo é que foram os franceses os
primeiros a estabelecer actividades económicas nas
ilhas, às quais chamaram Malouines em homenagem
ao seu porto de origem: Saint-Malo . Desde o começo
do século XVIII os franceses dedicam-se a caçar focas
no arquipélago e a eles é atribuIda a introdução de gado
bovino. Em 1764, o francês BougainvilIe estabelece
uma pequena colónia (Port Louis) em lsla Soledad, a
metade oriental das Malvinas . Por um acordo entre
Paris e Madrid (a quem corresponderia o território pelo
Tratado de Tordesilhas), a colónia passou para as mãos
da Espanha dois anos mais tarde .
Nesse mesmo ano de 1766, os ingleses estabelecem
em Port Egmont a sua primeira colónia, com 100
habitantes . Em 1767, cedem os seus direitos à Espanha
(que o rebatiza Puerto Soledad) por 24 mil libras .
Porém, os colonos resistem a retirar-se . Por este mo-
tivo, a Espanha e a Inglaterra estiveram à beira da
guerra em 1770. No ano seguinte, depois de prolonga-
das negociações, os espanhóis devolvem Port Egmont
à Orá-Bretanha.

Uma simples placa de chumbo

No entanto, o que não conseguiram as armas ou as


negociações foi imposto pelo clima inóspito das ilhas
(onde, corno escreveu um inglês numa carta cheia de
lamentos, «não há madeira maior do que o meu lá-
pis,,). Em 1774, a Gra:Bretanha abandona a colónia,
economicamente inviável, e deixa uma placa de
aliança anglo-americana contra a Argentina na
A disputa pelas ilhas do Atlântico Sul não é
novidade. De facto, foi graças a uma interven-
ção militar norte-americano que os ingleses consegui-
chumbo alegando que «as ilhas FalklaIid pertencem
por direito e propriedade" ao rei Jorge ill.
Basear naquela placa a reivindicação inglesa de hoje
equivaleria a reconhecer que a Lua é dos Estados
ram arrebatar as Malvinas à Argentina em 1833. Unidos porque Neil Armstrong deixou nela uma ban-
A história do arquipélago deve ser lembrada na hora deira com listras e estrelas.
de avaliar-se o conflito actual, já que o problema da As ilhas Malvinas foram parte do vice-reino espa-
soberania e dos direitos que cada uma das partes nhol do Rio da Prata desde a sua criação em 1776 e os
invoca é chave para a sua resolução. espanhóis mantiveram nelas um destacamento militar,
até que, em 1811, o vice-rei ordenou ao último gover-
Os ingleses reivindicam o mérito do descobrimento nador espanhol, Gerardo Bondas, que corresse em seu
das ilhas, oficialmente atribuído ao capitão John auxilio para combater os independentistas, que o ha-
Strong, que em 1690 as baptizou de "Falkland" , em viam obrigado a abandonar Buenos Aires e buscar
homenagem a um visconde com esse nome que era refúgio em Montevideu.
então tesoureiro da marinha britânica. Pon:m, também Assim, as ilhas Malvinas são parte constitutiva das
os holandeses reivindicam esse mérito, atribuindo-o ProvÚlcias Unidas do Rio da Prata (a actual Argentina,
ao marinheiro Sbald de Weert, que visitou a região em ainda que então incluIsse também o Paraguai, Uruguai
1600. Oito anos antes, em 1592, outro capitão inglês, e Bolívia) desde a sua criação. O principio de que as
chamado John Davis, tinha dado notícias sobre as fronteiras coloniais vigentes em 1810 seriam as fron-
ilhas, com as quais deparou uma esquadra britânica teiras dos novos Estados independentes (salvo poste-
que tentava entrar no Estreito de Magalhães. Deve-se rior modificação por tratados) foi enunciada pelos
notar, no entanto, que a rota de Magalhães era transi- juristas latino-americanos desde os primeiros anos de
tada por espanhóis e portugueses desde os primeiros independência.
anos do século X.VI. Em !520, um marinheiro espa-
nhol notificou ter avistado umas ilhas que poderiam Em 1922, o Conselho Federal Suíço, actuando
ser as Malvinas e , em mapas publicados na primeira como árbitro numa disputa territorial entre a Colômbi~

8 cadernos do terceiro mundo


.s. PIWo
(Br.)
• Pemando de NoroDha
(Br.)
.AJCeIlIIo
(G.Br.)

• St. lIeleDa
(G. Br.)
.1'lfDdade
(Br.)
o conIurblldo
AUntIco Sul.
Com . . . .Iv.....
ATLANTICO SUL • GI6rgIaa • •
SendwIch••
Grl-Sf'IIIMhII - •
por ...
• TriItiO da Cunha
(G. Br.)
1,,_,,1I6dIo, •
NATO-cIap6e ele
-Goup um. cedeI8 de
(G. Br.) POIIII'- que
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pela AqeDtIDa .vleede_
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InexpIorwdwe cIII
AntI6ItIcIII

e a Venezuela. pronunciou uma sentença na qual A defesa do meio ambiente


afIrmava que: «na antiga América espanhola não exis-
tia. do ponto de vista do direito. nenhum território sem Em 1820. o governo de Buenos Aires resolve
dono. As regiões não exploradas ou ocupadas pelos ocupar de facto as ilhas desabitadas que lhe perten-
espanhóis ( ... ) eram consideradas. de comum acordo. ciam de jure e designa Daniel Jewit como primeiro
como ocupadas de jure, desde o primeiro momento. governador argentino das ilhas. Ao chegar. Jewit
~la nova República- . encontra nelas meia centena de navios ingleses e
norte-americanos dedicados à pesca de leões-
Esse principio. acrescenta o tribunal. «oferecia a -marinhos. cujas peles eram um lucrativo negócio. A
vantagem de acabar ( ... ) com as disputas de limites caça foi proibida. porém o governador carecia de força
entre os novos Estados-. O critério pareceu tão lógico para impôr a sua decisão.
para toda a comunidade internacional que foi adoptado Para controlar a depredação dos recursos natu-
um século e meio mais tarde pela Organização da rais. em 1829 Buenos Aires envia às Malvinas um
Unidade Africana: os novos Estados independentes novo governador. Luis Vernet. e comunica ofIcial-
herdaram as fronteiras traçadas pelos colonizadores. mente ao encarregado de negócios dos Estados Uni-
somente modifIcáveis por tratados internacionais e dos. John Forhes. a proibição da caça de leões-mari-
não pela força . nhos nas ilhas.

N.O45/Junho-Julho 1982 cademos do terceiro mundo 9


Vernet, que em 1826 tinha fundado uma colónia devido à ua ' aberração de ideia e irregularidades de
argentina em Puerto Soledad, elabora um detalhado linguagem' , e pediu explicações aos Estados Unidos,..
relatório sobre as riquezas e potencialidades das ilhas, O governante argentino ignorava talvez que o
estimula a sua colonização e, em 1830 celebra nelas o presidente norte-americano Andrew Jackson, num re-
primeiro casamento: o casal de argentino Gregório latório enviado ao Congre o baseado na versão que o
Sánchez e Victoria Enriquez. Não se tem notícias, no capitão do Breakwater fornecera à marinha norte-
entanto, de cidadãos argentino nascido ne época -americana, já havia anunciado como uma acção de-
nas Malvinas. cidida por ele mesmo, o envio de um navio armado
Os problemas imediato de Vernet eram mai para as Falkland Islands (denominação já usada então
complexos. Os caçadores de leões-marinho conti- pelo ingleses), " para prestar toda a protecção legal ao
nuavam as suas actividades ilegais. Em Ago to de nosso comércio,..
1831, ele conseguiu aprisionar doi navio norte-
-americanos que violavam as lei que hoje chamaría- Bandeira arriada
mos de «preservação do meio ambiente,.. Uma ter-
ceira embarcação, o Breakwater, conseguiu fugir e Na realidade, não interessava aos Estados Unidos
informar o capitão Benjamin Cooper do incidente, estender as sua possessões a tão longínquas terras,
então comandante de um esquadrão naval norte ameri- mas o facto é que Ducan, ao actuar da forma como o
cano casualmente ancorado no Rio de Janeiro. fez, facilitou a posterior ocupação do agora deserto
território por parte dos ingleses, naturalmente infor-
O jornalista argentino Gregorio Selser narra
mados dos acontecimentos .
assim o desfecho do episódio:
A 3 de Janeiro de 1833, dois anos depois do
«Cooper ordenou então ao capitão Silas Ducan,
trabalho realizado pelo Lexington, a corveta inglesa
da corveta Lexington que se dirigisse às Malvinas,
Clio entrou sem qualquer dificuldade em Puerto Sole-
mas, segundo parece, com o ambíguo encargo de
dad, e os seus marinheiros baixaram a bandeira azul e
«proteger os direitos do comércio dos Estados Uni-
dos,.. branca que esvoaçava numa das poucas casas que
escaparam do incêndio e da destruição provocados por
«Ducan fez uma escala em Buenos Aires antes de
Ducan . A escuna platense SaraTl{ii, pobremente ar-
chegar às Malvinas, informando-se então dos.aconte-
mada, nada pôde fazer para o imPedir, mas o capitão
cimentos, mas através da versão do cônsul norte-ame-
inglês teve a cortesia de entregar ao oficial da guarda
ricano Joshua Slacum . Por meio deste, Ducan notifi-
do navio argentino a bandeira arriada, respeitosa-
cou o ministro dos Negócios Estrangeiros argentino,
mente dobrada.
Tomás de Anchorena, que o seu navio partia 'com a
A 2 de Dezembro de 1823, o presidente dos
força do seu comando' e pediu a entrega de Vernet
Estados Unidos, James Monroe, tinha declarado que o
como 'acusado de pirataria e roubo ',..
seu país não consentiria que nenhuma potência euro-
«A 31 de Dezembro de 1831, entrou em Port
peia se apoderasse no futuro de territórios do conti-
Louis, nas Malvinas, um navio com bandeira francesa
nente americano que tinham pertencido à Espanha e
e que, por meio de sinais, solicitou um piloto da barra.
eram parte integrante dos novos Estados independen-
Em resposta, dois pilotos ingleses que operavam na
tes do hemisfério. Contudo, recorda Gregório Selser,
zona, Matthew Brisbane e Henry Matcalf, dirigiram-
a doutrina Monroe não foi aplicada pelos Estados
-se de bote para esse navio que falsamente levava a
Unidos diante da acção desencadeada pela Grá-Breta-
bandeira francesa, pois tratava-se do Lexington».
nha no arquipélago das Malvinas .
«O capitão Ducan prendeu os pilotos da barra e
em seguida desembarcou com as suas forças para A ocupação britãnica das Malvinas resulta assim de
proceder com toda a calma à destruição das precárias , um acto de força (com apoio norte-americano, por
instalações existentes no local, incendiando à pólvora acção prévia e posterior omissão de qualquer pro-
e destruindo as armas da pequena guarnição; além testo), ao qual a comunidade internacional não pode
disso apropriou-se como troféu de guerra, das baixel as reconhecer nenhuma legitimidade. Desde o século
e objectos pessoais dos colonos, e de todo o gado xvm (ou seja, muito antes da ocupação), o direito
bovino e ovino". internacional estipulara que a ocupação pela força
«Entre os 'troféus' , Ducan levou ainda todos os «não implicava transferência de soberania" .
colonos que conseguiu capturar, incluindo 15 escra- A Argentina jamais firmou tratado algum que lega-
vos negros. No final da sua acção, nada ficou de pe; lizasse a nova situação criada de facto e, pelo contrá-
nem as casas dos civis, nem fortificações militares. rio, sempre protestou contra ela, reclamando por
Por último, Ducan desembarcou os seus prisioneiros meios pacíficos, durante 149 anos, a devolução das
clandestinamente em Montevideu a 2 de Fevereiro de ilhas
1832".
«O governador da Província de Buenos Aires A definição das Nações Unidas
. (designação que na época compreendia toda a Argen-
tina), Juan Ramón González Balcarce, notificou o Tão-pouco gera direitos o tempo decorrido desde a
cônsul Slacum que as suas relações estavam cortadas ocupaçiio (se o fizesse, quanto tempo seria necessário

10 cadernos do terceiro mundo


para que a ocupação por parte de Israel de terras árabes
passasse a ser considerada legal?) ou o facto de existir
uma população britânica permanente nas ilhas.
9uand~ o . Comité de ~scolonização das Nações
~mdas fOI c~ado , as M~vmas e as suas dependências
(ilhas Sandwlch e Ge6rglas do Sul) foram incluídas na
lista de territórios «não-autónomos». Porém, o Comité
(e depois a Assembleia Geral) não consideraram vá-
lido para e~se ~erritório a apliçação do princípio de
autodetermmaçao dos povos, que teria posto a decisão
sobre o futuro das ilhas Malvinas nas mãos dos kelpers
(os habitantes das ilhas, que foram buscar o nome a
uma alga local) .

Em termos de direito internacional, os kelpers não


constituem um povo, com direito a se autodeterminar.
Isso não se deve tanto ao seu reduzido número (1800
residentes permanentes, dos quais li maioria não nas-
ceu nas ilhas), mas sim ao facto de serem legal e
etnicamente cidadãos britânicos, em dependência di-
recta da metrópole, como funcionários públicos ou
empregados da Falkland lslands Company (FIC), uma
típica empresa colonial no estilo das velhas Compa-
nhias das índias .
A FIC é proprietária directa de 46% da terra apta
para pastagem nas ilha e o resto é propriedade de outras
empresas registadas em Londres, nas quais a FIC tem
maioria de acções. Uma resolução semelhante foi
adoptada pela ONU com relação a Gilbratar. Carlos Castilho
Desde 1965 que a ONU vem instando com a Argen-
tina e a Grã-Bretanha para negociarem «com o fim de
solucionar o litígio o mais breve possível», ignorando
claramente a existência de uma terceira parte (os UANDO os soldados argentinos desembarcaram
kelpers) com direitos sobre o território. A Argentina
reconhece que os interesses da população local devem Q na madrugada do dia 2 de Abril, o comando
militar de Buenos Aires estava a jogar a mais
ser atendidos (indeminização no caso dos que.queiram arriscada empreitada politica desde o golpe de Março
abandonar as ilhas, reconhecimento de direitos de de 1976. A acção não chegou a ser uma surpresa.
propriedade e traços culturais próprios dos que optem Várias revistas argentinas tinham já edições pratica- o
por ficar), porém Londres insiste que a sua opinião mente prontas e até alguns especialistas de assuntos
deve ser ouvida, já que esta indubitavelmente favore- latino-americanos dos jornais ingleses haviam já pre- ·
ceria a Grã-Bretanha. visto o ataque.
O impasse nas negociações foi dramaticamente Ao decidir-se pela invasão do arquipélago contro-·
rompido pela ocupação militar das ilhas por forças lado pelos ingleses há 150 anos, a Junta militar usou a
argentinas de 2 de Abril passado . A medida foi clara- sua últirn;1 cartada no esforço para tentar anular um
mente contraria à resolução 2625 da Nações Unidas, crescente desgaste da sua imagem politica. Após seis
que proíbe o uso da força «como meio de resolver( ...) as anos de governo, os militares argentinos já começa- o
disputas territoriais». Porém, uma vez que a nova vam a mostrar sinais de divisão interna, que levaram
situação de facto das ilhas passara a coincidir com o em 1973 o general Lanusse a entregar o poder aos
reconhecido direito argentino de soberania, também foi civis, para preservar a imagem do exército.
uma violação desse mesmo princípio a reacção militar A causa das Malvinas foi sempre extremamente
britãnica, que vai contra, além disso, a resolução do popular na Argentina. Os militares não tinham ne- ·
~nse.lho de Segurança de 3 de Abril, que no seu nhuma dúvida de que ela seria apoiada em massa pelo
pnmelro ponto exigir «o imediato cessar das hostilida- povo. Em termos de mobilização, foi mais intensa do
d~s» . Para cumprir o segundo ponto (<< retirada ime- que o campeonato mundial de futebol em 1978, porque
dIata de todas as forças argentinas das Malvinas»), envolveu também todas as organizações politicas du- ·
Buenos Aires exigir o afastamento da frota inglesa e o ramente atingidas pela repressão desencadeada em
prévio reconhecimento da sua soberania por parte da 1976. Mas no afã de procurar uma saída para os seus
Grã-Bretanha, um ponto sobre o qual o Conselho de problemas imediatos, o governo subestimou a capaci-·
Segurança não se pronunciou dado o poder inglês de dade dos argentinos de assumirem a defesa de uma
~o. O causa, que estava mais identificada com a defesa da

N.O 45/Junho-Julho 1982 cademos do terceiro mundo 11


soberania nacional, do que com o apoio a um regime Malvinas . O único fa to concreto é que enquanto
desgastado. Ale ander Haig e encontrava em Bueno Aires, na
E além dis o, o governo do general Leopoldo ua segunda iagem à capital argentina em Abril, o
Galtieri não avaliou correctamente a consequência go erno de Buenos Aire a inou um acordo técnico
do seu gesto. Se fo se derrotado militarmente, eria com a União oviética obre o fornecimento de urânio
inevitável a ua queda. e encesse, teria desenca- às fábrica em c n tru ão na Argentina.
deado um proces o irre ersível que nece ariamente egundo Garcia Lupo, algun oficiais navais
culminaria numa abertura política, preci amente o con ideram a que tão nuclear mai importante do que
motivo que o le ou a derrubar o eu antece or, o o problema da Malvina no que e refere à manuten·
general Viola. O cálculo de Galtieri e ta a todo ele ão de um programa independente . E a prioridade,
baseado na certeza de que o Estado nido conven- para a questão atómica resulta de uma concepção
ceriam a Inglaterra a não reagir, garantindo im uma «primeiro-mundi ta .. de muito oficiai que não se
solução rápida e indolor para a cri . Ma Galtieri .conformam com um papel secundário dentro do bloco
enganou-se em rela -o ao norte-americano. E a capital i ta, e que negam qualquer vínculo com o Ter-
partir daí, todo o tabuleiro mudou. ceiro Mundo. Para eles, a autonomia nuclear obrigará
o chamado «grande .. a di cutir com a cúpula militar
Resistir às interferências argentina em pé de igualdade. Um dos ideólogos desta
externas facção militar é o almirante Castro Madero, ore pan-
sável pelo programa nuclear argentino.
A que tão das ilha Malvinas transformou-se no A Argentina não assinou até hoje o Tratado de
episódio mais recente de uma campanha de pressões Não-Proliferação de Armas Nucleare , alegando que
movida por grupo militares de tendência nacionalista ele limita a autonomia nacional no que se refere ao
cujo principal objectivo é o de preservar o programa desenvolvimento de um projecto autónomo, baseado
nuclear argentino das influências de politicos e milita- principalmente na utilização do urãnio natural. E a
res norte-americanos . Existem, especialmente na ma- pressão norte-americana tem sido constante. A crise
rinha argentina, fortes sectores da oficialidade que se das Malvinas transformou-se, no entanto, num vio-
opuseram às negociaçõe tripartidas, envolvendo lento revés para os militare que defendem a posição
também os Estado Unido na questão das Malvinas, «primeiro-mundista... A reivindicação de soberania
justamente por acharem que o país deve resistir o mais sobre o arquipélago foi violentamente rejeitada pelos
possível às interferências externas. países europeus e pelos E tados Unidos.
Esta tese tem sido defendida pelo jornalista e O revés foi duramente sentido tanto na marinha
ex-professor da Universidade de Buenos Aires, Roge- como no exército. Na marinha, porque esta tem sido
lio Garcia Lupo, como sendo uma das principais tradicionalmente uma arma muito ligada à Inglaterra e
preocupações da alta oficialidade naval na Argentina. aos Estados Unidos. Todos os oficiais navais usam
Nenhuma referência oficial foi feita até agora sobre ainda a gravata negra que é um sinal de luto pela morte
uma vinculação entre a questão nuclear e o tema do almirante Nelson. A marinha é também o sector

GdIert • ThIItcher: • faItnc:Ia da


NgOCtaç6ee bI...... foi o fae10r
decIaIvo para o agravamento do
conMo

12 cadernos do terceiro mundo


SoIcIedoa Irgentlnos
aprIlIonIm efectlv08
cio deâIc:amento
brttinlco
e.tIIcIonIcIo nu
Ilha. Uma IVlIIIçto
poIltIcI equivocada

militar mais aristocrático da Argentina . As uas posi- Mas isso não aconteceu . AJexander Haig não
ções nacionalistas derivam muito mais de um senti-o manteve apenas os seus vínculos com a NATO, e
mento de competição com os europeus do que do portanto com os ingleses, como foi até Buenos Aires
nacionalismo revolucionário de outros países do Ter- · para pressionar os militares que antes o consideravam
ceiro Mundo . Seria, mais ou menos, como o naciona-· como um aliado. Isso provocou uma forte reacção
lismo pequeno-burguês de alguns países do velho militar que causou também fortes fissuras no plano
mundo . interno. Não há dúvidas de que os militares argentinos
A marinha argentina foi também quem sofreu o . prepararam muito bem a tomada das ilhas Malvinas
primeiro choque com a ocupação das ilhas Ge6rgias do segundo um plano militar minuciosamente elaborado
Sul. A sua reacção ao ataque britânico e à posição nos aspectos técnicos. Mas falharam completamente
norte-americana foi de uma profunda irritação. Uma na avaliação das circunstâncias políticas internas e
irritação que terá consequências ainda não previsíveis. externas .
O exército foi também profundamente afectado . Da mesma forma que não previram a violenta
Após o golpe contra o general Viola, o regime militar . reacção britânica, com a intransigências da senhora
alinhou-se rigidamente com o departamento de Estado Thatcher e a «traição- norte-americana, também in- ·
norte-americano . O general Galtieri enviou militares ternamente eles não conseguiram perceber que os
argentinos para EI Salvador, prometeu efectivos para interesses económicos europeus e norte-americanos
uma força de paz no Sinai e retomou a política de seriam capazes de causar importantes tensões. Depois
alinhamento automático com os Estados Unidos . O de se autoproclamarem adeptos do Primeiro Mundo,
governo actual chegou a apresentar-se como o melhor não esperavam que o governo britânico sofresse uma
aliado de Reagan na América Latina . «recaída- imperial e colonialista. Para a primeira-mi- ·
nistra Thatcher, Galtieri passou a ser um «ditador
Um erro de cálculo cruel- , logo que as Malvinas foram tomadas. Toda a
velha soberba britânica ressurgiu repentinamente,
Mas a crise das Malvinas mudou todo esse quadro . para espanto dos a sessores de Galtieri que se conside- ·
Galtieri contava com o apoio incondicional dos Esta-· ravam aceites no fechado círculo dos bons e fiéis
dos Unidos contra a Inglaterra. Inf()rmações bastante anticomunistas . O desprezo inglês e a vontade de
fidedignas indicam que Galtieri e os seus auxiliares no castigar o regime militar de Buenos Aires da mesma
exército estavam convencidos que o departamento de forma que a rainha Victória punia os rebeldes das suas
Estado norte-americano não vacilaria em apoiar o colónias, colocaram alguns ministros do governo em
governo argentino para preservar um aliado capaz de posições extremamente delicadas. O mais atingido foi
segui-lo na arriscada aposta salvadorenha. .0 ministro dos Neg60ios Estrangeiros e do Culto,

cadernos do terceiro mundo j 3'


N.O 45/Junho-Julho 1982
Nicanor Co ta Méndez, que tem profunda ligações general Galtieri, forçando-o a um recuo militar e
com a Swift inglesa e com o grupo Rockefeller do diplomático, em que fo e nece ário di cutir com os
Estados Unidos . Co ta Méndez tentou conciliar os demai chefe militare argentino . Galtieri, sob inspi-
frustrados oficiais do exército com Alexander Haig, ração de Nicanor Co ta Méndez e do ministro da
mas não teve ucesso . Pior do que is o, foi violenta- Economia, e tava já di posto a fazer concessões,
mente pressionado. Em diversas oportunidade, teve quando decidiu levar as propo tas a toda a Junta
que engolir « apo vivo " nada agradávei durante o militar. E foi aí que a ituação e inverteu totalmente.
seu encontros com Haig eaJuntamilitar. Além di o, Diante da forte re i tência da marinha, fracassaram as
Costa Méndez foi obrigado pela opinião pública civil e tentativas de negociação e Alexander Haig foi obri-
militar a acusar o coloniali mo durante a reunião da gado a voltar a Wa hington de mãos vazias, sem se
OBA em Washington . Foi também obrigado pela cú- de pedir de nenhum dos seu anfitriões argentinos.
pula militar argentina a invocar o Tratado Interameri- O papel de Galtieri no episódio das Malvinas
cano de A i tência Recíproca (fIAR), para dese pero também parece bastante controverso . Há informações
do departamento de Estado. de que ele discutiu com os norte-americanos o projecto
A invoca ão do TlAR foi feita num claro clima de argentino de invadir as ilha como uma medida desti-
vingança pela humilha -o imposta por Alexander nada a dar um mínimo de apoio a um regime que sofreu
Haig. Depoimento de pessoas que tiveram acesso ao um enorme desgaste nos escassos cinco meses em que
encontro de Haig com a Junta militar dão conta de um assumiu o poder. Na sua última viagem a Washington,
diálogo particularmente áspero entre o enviado norte- Galtieri teria avisado o departamento de Estado que a
-americano e o comandante da marinha, almirante tomada das Malvinas era absolutamente essencial para
Jorge Isaac Anaya . Além disso, o facto de Haig ter idO a sobreVivência do seu regime. Os norte-americanos
j6gat ténis, no momento em que as negociações eram , teriam então elatlorado com ele uma estratégia que
mais tensas, foi encarado por alguns militares argenti- · previa uma acção militar nas ilhas, e a subsequente
nos como um sinal de despreocupação num momento discussão do problema no Conselho de Segurança da
em que a tensão atingia ponto críticos . O certo é que ONU . Sempre segundo essas versões, Galtieri tam-
os militares argentinos resolveram desligar-se da me- bém teria ficado encarregado de convencer a União
diação norte-americana muito antes dela ter sido con- Soviética a vetar no Conselho qualquer moção anti-
siderada oficialmente como fracassada . -Argentina. Não havendo condenação da ONU à ini-
ciativa militar do governo de Bueno Aires, a lngla-
A posição da marinha terra ficaria sem base jurídica para tentar qualquer tipo
de retaliação . Porém, os Estados Unidos condenariam
Alexander Haig parece ter cometido um grave (um pro-forma semelhante ao utilizado nas agressões
erro de avaliação nos seus contactos em Buenos Aires . israelitas ao sul do Líbano) a ocupação militar das
Ele acreditou que não teria dificuldade em pressionar o Malvinas, tendo de enfrentar assim a atitude que a

Lord Clllrtngton nIo


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14 cadernos do terceiro mundo


União Soviética deveria tomar e transfonnando o caso
num conflito Leste-Oeste.
Até ai, nada de novo: o acordo entre Reagan e
Galtieri fazia parte de um acordo maior que beneficia- o
ria ambos . À Argentina, porque recuperaria as Malvi- ·
nas e aos norte-americanos porque, gerando um clima
de guerra fria, seriam criadas as condições parajustifi- .
car a instalação de uma base de detecção de misseis nas
ilhas Geórgias do Sul, cedidas por Galtieri para «neu- ·
tralizar» o seu «pecado» de ter contado com a ajuda
dos soviéticos no Conselho de Segurança. O ex-mi- ·
nistro dos Negócios Estrangeiros inglês, Lord Carring_·
ton, cujo objectivo seria de resolver o problema das
ilhas por meio de uma operação financeira, também
teria conhecimento da negociação entre Reagan e
Galtieri.
Embora esta versão esteja sujeita a muitas dúvi-
das e contradições, o certo é que ela se encaixa numa
série de manobras políticas anteriores à crise. Mas
todo o projecto fracassou no momento em que os
soviéticos, petcebetldo a árirtadilha. se abstiveratl\ /\a
votação da resolução 502 do Conselho de Segurança,
que exigia a retirada das tropas argentinas . Há indicios
bastante concretos de que Galtieri teria decidido atacar
as Malvinas antes do dia 3 de Janeiro, data em que se
comemoraria o 150.° aniversário da ocupação inglesa
das ilhas. A Junta Militar decidira também que nada
deveria ser tentado antes das eleições em El Salvador.
Mas o que precipitou os acontecimentos foi o temor de
um golpe de Estado contra Gualtieri. A invasão de 2 de
Abril surpreendeu os ingleses, especialmente Lord
o leio Imperial fica ra/voeo «quando lhe plaam a cauda-.
Tropa britAnlcaa em exerc:fc:lo. a bordo do porta-avl6ea
Carrington que acreditava piamente na possibilidade «Herm.- ..,... da Invado
da solução do problema ser alcançada por via bancária.
Um grupo económico argentino, chefiado por varandas da Casa Rosada, assumiu um compromisso
Héctor Capozzolo, fez no começo deste ano ~a público com os manifestantes. Mas estes não fizeram
segunda tentativa para comprar a Falkland Islands nenhum pacto com as autoridades. Isso ficou claro em
Company, por 20 milhões de dólares, quase o dobro do vários slogans e faixas que pediam «Malvinas sí, pero
que a companhia vale. O grupo britânico Coalite, que también democracia».
detém o controlo accionário da Falkland Islands Co., Galtieri foi buscar ao povo um apoio essencial
já teria concordado com a negociação, quando foi para a sobrevivência do seu empreendimento militar.
surpreendido pela invasão . Por ter jogado todas as suas Mas a grande maioria das forças políticas, tanto parti-
cartas na possibilidade de uma solução financeira do dárias como sindicais, em nehum momento desvincu-
problema das Malvinas, com a cedência pelos argenti- lou a questão das ilhas do problema das liberdades
nos aos ingleses dos direitos de exploração do petróleo políticas e da mudança do programa económico mone-
das ilhas, Lord Carrington foi obrigado a renunciar. E, tarista, que vigorando desde 1976 é o responsável pela
com isso, a crise passou a ter, nos seus primeiros 30 pior crise da história da Argentina.
dias, um aspecto aU;unente emocional, particular- Dirigentes políticos da oposição ilegal, vários dos
mente por parte dos ingleses. quais estiveram detidos durante bastante tempo, viaja-
ram para Porto Argentino, capital das ilhas Malvinas
Apoio popular condicionado para assistir à posse do novo governador argentino do
arquipélago, o general Menéndá, tristemenie conhe-·
Não há a menor dúvida de que apesar da sangui- cido pela repressão aos movimentos guerrilheiros em
nária repressão na Argentina posta em prática pelos Córdoba. Junto com esses oposicionistas, viajou o
governos militares posteriores a 1976, a população general Jorge Videla, ex-presidente e responsável pelo
apoiou em massa a recuperação das Malvinas. A golpe que afastou os civis do poder em 1976. Foi o
concentração da Praça de Mayo, no sábado de Aleluia, primeiro reconhecimento pelos militares da existência
comprovou esse apoio, mas teve também um papel de um sector político e dos sindicatos peronistas, que
fundamental numa aliança politica inédita nos últimos continuaram a existir apesar de uma dramática clan-
anos no país . O general Galtieri no seu discurso das destinidade de seis anos.

N.· 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 15


A Multipartidária em cena da concentração, apareceram até cartaze~ dos monto-
neros e da radicalizada juventude peroDlsta.
o maior núcleo político está organizado em torno O Movimento de Integração Democrática (MID),
da chamada Multipartidária, formada por cinco parti- do ex-presidente Arturo Frondizi, antecipou-se aos
dos ilegais, entre eles o dois maiores da Argentina, o seu colegas da Multipartidária, divulgando um do-
Justicialista e a União Cívica Radical. Ma o governo cumento sobre a situação actual, dando especial ên-
estendeu também os seus contacto a grupos mai à fase que tão económica. No terreno das reivindica-
esquerda como a Frente de Esquerda Popular, do ções políticas, o MID ficou mais ou menos ao nível da
escritor Jorge Abelardo Ramos, um critico intransi- uperficialidade, sem avançar muito. Na economla, o
gente do regime militar e da sua política económica. partido desenvolvimentista da Argentina fez severas
A Multipartidária ganhou um grande de taque criticas ao moribundo projecto monetarista posto em
político durante a crise. O seus dirigentes pa aram a prática por Martinez de Hoz em 1976 e mantido sem
ter acesso à televisão, onde o controlo do governo é alterações até à crise das Malvinas.
total. Além disso, os jornais começaram a dar uma Dentro da Multipartidária, existem também vaci-
razoável cobertura às actividades dos partido, inclu- lações quanto à exigência de realização de eleições
sive os que não fazem parte da Multipartidária .. 0 gerais em 1983. Alguns sectores consideram que co-
únicos que continuam totalmente expurgados da UD- locar a reivindicação no auge da crise equivaleria a
prensa são os monJ01U!ros, que, não obstante, conse- uma espécie de chantagem. Outros sectores acham, no
guiram interromper no auge da crise as transmissões da entanto, que o governo não está em condições de abrir
TV estatal em Mar dei Plata, para divulgar um mani- uma nova frente de luta e que agora seria o momento
festo político apoiando a tomada das Malvinas, mas ideal para arrancar maiores concessões. Mas não):lá a
fazendo severas criticas ao governo. meDOr dúvida de que, logo que terminar o conflito
A estratégia geral dos cinco partidos da Multipar- com a Grã-Bretanha, a questão eleitoral assumirá uma
tidária é dar apoio a Galtieri, sem no entanto assumir enorme importância. Do que os partidos ainda têm
qualquer compromisso fora da questão das Malvinas. dúvida é a forma como seria feita essa nova transição
A União Cíviea Radical e os justicialistas, conforme de um período ditatorial para outro de experiência
conversas informais com jornalistas, deixaram claro democrático-representativa.
que manterão uma distância prudente em relação ao
governo, esperando que ele se desgaste durante o
conflito militar, e acabe por ser obrigado a fazer
concessões maiores do que as actuais. Um novo período Lanusse?
De momento, os dois partidos estão mais preocu-
pados com a questão da amnistia. Em ambos existem
sectores que querem intensificar a campanha a favor Para esse periodo de tranSlçaO, existem duas
do «esquecimento" das arlJitrariedades cometidas tendências: uma acredita, de certa maneira, na repeti-
pelos militares, enquanto outros grupos, que não con- ção do fenómeno Lanusse, quando os militares se
trolam os comités {lxecutivos nacionais, consideram autoconsciencializaram do seu profundo desgaste in-
que o governo deve prestar contas publicamente das terno e da sua enorme impopularidade, decidindo
violências cometidas desde 1976. A principal delas é a devolver o poder aos civis, isto é, aos peronistas,
questão dos desaparecidos, cerca de vinte mil argenti- como aconteceu em 1974; a outra corrente acredita
nos vitimas dos grupos p_~tares. da repressão. que já não existem condições para um retrocesso na
história, acreditando num possível entendimento entre
A grande preocupação dos partidos argentinos é,
civis e militares. Os justicialistas parecem ser os
nesta altura, ocupar o espaço político aberto pela crise.
maiores interessados na primeira hipótese, enquanto a
O governo, pela sua natureza ditatorial e arlJitránà,
segunda tem numerosos adeptos dentro do MID. O
tem-se mostrado úmido na mobilização popular. Tem
preferido travar a campanha nos gabinetes e através da certo é que os partidos argentinos estão a ruu: ~a

propaganda na imprensa escrita e na televisão. Mas grande importância às modificações na área rruhtar.
Em primeiro lugar, pelo destaque conquistado pelos
não tem força para impedir que os políticos avancem.
chamados oficiais combatientes, ou seja o sector que
Mas o custo da guerra, tant& em viaas como em
recll.ÇSOS económicos, obrigou o general Galtieri a se envolveu directamente nas operações militares das
Malvinas, ou os que, estando na segunda linha do
fazer concessões que antes da crise eram impensáveis
para os militares. Isso ficou claro no dia seguinte à poder, tendem a recolher os dividendos do desgaste
dos que ocupavam os 'principais postos do governo.
invasão britânica das ilhas Geórgias, quando os prin-
cipais sindicatos argentinos encheram a Praça de O outro factor militar é a tendência, detectada
Mayo, numa manifestação que não foi autorizada nem dentro dos sectores mais nacionalistas, de procurar um
reprimida pelo governo. Nessa manifestação, reapare- entendimento directo com os sindicatos, tentando uma
ceram os bombos peronistas e s/ogans como .Peron, reprodução modernizada do corporativismo. Os mili·
Peron, mi corazón», que antes eram sufocados com tares mais nacionalistas no sentido pequeno-burguês,
granadas de gás lacrimogénio e bastonadas. No meio acham que os partidos, e principalmente os seus lide·

16 cadernos do terceiro mundo


. As manlfestaç6es de
apoio ao governo
argentino pela
soberania da. Ilhas
1\60 eecondem a
vontade popular no
reg .....o_
caminhos
defnoçrjtlcos

res, estão velhos e incapazes de oferecer algo novo ao


país. Sabem, por outro lado, que não é mais possível
reproduzir regimes militares olimpicamente distantes
dos sectores civis, porque isso conduz quase sempre
ao desgaste , fenómeno que até hoje funciona como um
fantasma assustador para os militares.

Haveria, nessa última hipótese, um res urgi-


mento dos sectores mai retrógrados que predomina-
ram no governo durante a época do ditador Juan Carlos
Onganía, ao qual é muito ligado o ministro Nicanor
Costa Méndez . É o nacionalismo in pirado no fas-
cismo, ultraconservador e ferrenhamente católico .
Desde o dia 2 de Abril, que os meios políticos
argentinos passaram a viver um período extremamente
tumultuoso . Todos os politicos que ouvimos se mos-
traram muito preocupados e cautelosos no sentido de
analisar os efeitos da crise. Mas, mesmo no meio das
dúvidas, a grande maioria garantia que, qualquer que
fo se o desfecho da guerra, a política argentina nao ena
a mesma quando o combates tive em ce ado.

economi~ a um período de crise, sem que fosse decre-


Economia de guerra tada a economia de guerra ~. O ex-ministro afuma que
os adeptos das medidas de emergência são os defenso-
res do - dirigismo económico~.
o projecto monetarista do ministro Roberto Te-
odoro Alemann, ao que tudo indica, será a grande A Argentina vive hoje a sua pior crise económica
víiima da guerra. O sistema de liberdade total foi desde 1930. A dívida externa do país passou de nove
drasticamente afectado pela necessidade de apertar os biliões de dólares em Março de 76 para 32 biliões em
controlos sobre o empresariado visando as exigências Maio de 82. A inflação continua acima dos 130% ao
da guerra. Surgiu aí a polémica entre os economistas ano, o desemprego não pára de crescer e a recessão
que defendiam a implantação da chamada economia começa a atingir todos os sectores da economia. Nesta
de guerra e os ferrenhos defensores do liberalismo, diflcil situação, o país gastou, desde 2 de Abril, vários
que não podendo defender impunemente o purismo milhões de dólares só com a guerra contra o Reino
monetarista procuravam disfarçar semanticamente as Unido. As reservas do país hoje apenas são suficientes
medidas restritivas. Foi o caso do ex-ministro Álvaro para cobrir alguns meses de importações. As reservas
Alzuragay, que publicou um artigo no jornal La Razón monetárias disponíveis de imediato apresentam uma
onde, em síntese, afumava que se _poderia ajustar a queda ainda maior. Segundo fontes do Ministério da

N.· 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 17


A ArgentInII vive hoIe
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Economia, a Argentina tem hOJe em dmhelI'O só 600 e


ficiou os exportadores tradicionais fez cair sobre os
milhões de dólares no Banco Central, o que pennite assalariados o peso da nova corrida inflacionária.
apenas cobrir três semanas de importações.
Nestas condições, o crédito internacional passou Durante a crise, os sectores que mais ameaçaram
a ser muito importante para o país. Até ao fim do ano, o o precário equiHbrio das fmanças oficiais foram jus-
governo argentino tem de pagar 7200 milhões de tamente os que pagaram menos pela crise. A corrida
dólares de dívidas a curto prazo. Numa situação de aos bancos para retirada maciça de depósitos foi feita
guerra, esse dinheiro terá que ser fornecido por bancos pela burguesia que resolveu converter em dólares toda
estrangeiros, elevando ainda mais a dívida. Simulta- a sua poupança. Nos bainvs pobres de Buenos Aires
neamente, os exportadores argentinos estão a bloquear não bouve saque em massa dos depósitos bancários.
as vendas ao exterior esperando que as inevitáveis Na chamada «cintura industrial" - que hoje é mais
desvalorizações do dólar lbes tragam maiores lucros . propriamente uma cintura de miséria - também não
Mas isso vai contra os interesses do governo que chegou a ocorrer a corrida aos supermercados, como
precisa manter alto o nível das vendas externas para aconteceu nos bairros aristocráticos de San Isidro e
obter empréstimos estrangeiros. Palermo. Por absoluta falta de economias, o trabalha-
dor argentino comportou-se como o mais desinteres-
sado dos patriotas, enquanto os ricos procuravam
especular com a crise.
Vínculos novos com o bloco socialista
Mas o preço da guerra deve recair sobre os traba-
lhadores, porque são eles que vão sofrer as conse-
o bloqueio económico determinado pela Comu- quências da inflação, que, se nada for feito em termos
nidade Económica Europeia (CEE) não chegou a ser mais drásticos, deve ultrapassar os 160% . Este é um
catastrófico durante o período de guerra. A Argentina problema crucial para a oposição politica. Quase todos
tem um saldo favorável no comércio com a EuroIJà os membros da Multipartidária denunciaram que en-
Ocidental, e além disso cria vínculos cada vez maiores quanto o país vivia as agruras de uma guerra de
com o bloco socialista, que boje já fornece cerca de afrrmação nacional, os circulos económicos argenti-
40% das divisas externas da Argentina. nos, silenciosamente e acobertados pela protecção
A situação depois do dia 2 de Abril criou, para os oficial, travavam uma guerra diferente . A guerra con-
responsáveis pela economia argentina, uma dificil tra a mudança da política económica. No auge da crise,
opção política. A implantação dã economia de guerra a oposição política não teve muitas condições para
impôs sacrifícios que deverão ser pagos também pelos ampliar as suas denúncias, temendo ser apresentada
empresários, banqueiros e latifundiários. E a isto eles como divisionista num momento difícil. Mas não há a
estão resistindo, apesar de se apresentarem .da boca menor sombra de dúvida de que, passada a guerra, 'a
para fora» como defensores intransigentes dos brios questão económica será o ponto principal dos conflitos
patrióticos. Mas, as medidas postas em prática pelo entre a oligarquia financeira e a grande massa do povo
ministro Alemann, no começo de Maio, demonstra- argentino. E o governo militar não poderá reutilizar
vam claramente que o remédio para as dificuldades impunemente a repressão porque teve o apoio do povo'
económicas continuava a ser classicamente moneta- na hora em que roi preciso tazer sacnticios pela causa
rista e inflacionário. A 'desvalorização do dólar bene- das Malvinas. O.

18 cadernos do terceiro mundo


GUERRA LIMPA terminação de resistir à frota restauradora e ao
bloqueio económico ocidental, provoca solidarie-
dade em todas as latitudes do planeta que vivem sob
E GUERRA SUJA ameaças semelhantes ou sofreram a afronta colo-
nial. Mas toma-se difícil para a opinião pública sim-
o Num sugestivo artigo sobre .A outra guerra do patizar, por exemplo, com o capitão da marinha
general Menéndez», a revista sensacionalista Alfredo Astiz que comandava as tropas argentinas
Gente, de Buenos Aires, publicou uma fotografia do derrotadas a 26 de Abril pelos britânicos nas ilhas
primeiro governador argentino das Malvinas, neste Ge6rgias do Sul.
século e meio, quando ele era coronel e .. se movia
com segurança» numa .guerra cruel, dura e sem Conhecido como o .anjo louro" Astiz era tenente
leis» contra a guerrilha na provlncia de Tucumán. durante a ·guerra suja" e, em 1976, ocupou o cargo
Gente descreve o adversário de 1975 como .um de administrador da Escola de Mecânica da Mari-
inimigo capaz de usar qualquer recurso, qualquer nha, um dos pelo menos 15 campos secretos de
tramóia .. , e assinalava que Menéndez enfrentava concentração e extermínio. Ali, segundo o jomal
uma .guerra mais convencional ... espanhol Cambio 16, .foi inaugurado o serrote utili-
zado para amputar e aniquilar os presos políticos
É posslvel que o redactor estivesse a sofrer da argentinos, tarefa na qual Astiz se aperfeiçoou rapi-
• anglomania da velha sociedade victoriana.. que, damente» .
segundo o historiador argentino Jorge Abelardo
Ramos, ·sobrevive no meio de uma guerra contra o De acordo com a Amnistia Intemacional, de 4700
imperialismo britânico.. , já que trata, obviamente, homens, mulheres e crianças que passaram pela
com mais cortesia o actual inimigo da Argentina que Escola, só sobreviveram 100. Em 19n, o .Iouro
os revolucionários argentinos eliminados ontem. Em Astiz" participou do sequestro e posterior assassi-
todo caso, não resta a menor dúvida de que a nato da cidadã sueca Dagmar Hagelin, segundo
recente guerra pouco teve a ver com a .guerra suja.. denúncias de um jornalista sueco que obteve os
anti-subversiva, na qual uma percentagem mlnima números dos telefones secretos do campo e falou
dos trinta mil .desaparecidos", assassinados e tor- pessoalmente com ele. A revista norte-americana
turados chegou realmente a empunhar armas. Covert Action acusou-o também (antes da invasão '
das Malvinas) de se infiltrar em centros religiosos
Em vez de se tomar uma experiência para o fazendo-se passar por parente de um cidadão desa-
recente conflito com uma potência colonial, a parecido e comandar depois pessoalmente o se-
-guerra suja" de triste memória e cicatrizes que questro, tortura e assassinato de militantes defenso-
ainda afloram é um pesado fardo para as forças res dos direitos humanos que conseguiu identificar.
armadas argentinas. O povo, reunido na Plaza de
Mayo para demonstrar a unidade nacional e a de- A 20 de Junho de 1979, o capitão Astiz foi no-
meado adido naval em Pretória, África do Sul, na
altura em que crescia a campanha a favor da criação
de um Pacto do Atlântico Sul entre o regime do
apartheid e as ditaduras do Cone Sul. Astiz foi
identificado como torturador por jornalistas liberais
sul-africanos do Sunday Tribune e, em Dezembro
de 1981 . teve de abandonar o cargo, tomando rumo
desconhecido. Supôs-se que estivesse a colaborar
na preparação das forças repressivas em EI Salva-
dor.

Astiz reaparece finalmente na imprensa como


comandante dos 140 efectivos argentinos nas Ge-
órgias do Sul, todos eles treinados na luta anti-sub-
versão, segundo informações oficiais da Junta .
• Enquanto alguns se dirigiram para as montanhas
oferecendo resistência - comenta o Diario 16 - Astiz
não foi capaz de travar com os ingleses a mesma
guerra - desigual, sem moral e sem respeito pelas
regras do jogo - que travou com os argentinos e,
mais grave ainda, com as suas mães».

N.O 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 19


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PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA
Petróleo:
chave para o
quebra-cabeças
Um pedaço de terreno rochoso ou um
segundo Kuwait? As Malvinas, com
grandes jazidas petrolíferas, poderiam
tlansformar a Argentina no segundo
exportador sul-americano de «crudé». É
essa a opinião de Silenzi de Stagni,
especialista argentino no assunto
BeétlrlZ Bissio
S/'enzj de Sú!gn'

P ARA algumas pessoas, é impossível entender


a guerra entre a Grã-Bretanha e a
Argentina - e ainda mais, as proporções
Fevereiro passado, por Hugh O'Shaughnessy, um
dos jornalistas britânicos que mais conhece a
realidade latino-americana, no The Observer, de
qu~ o conDito alcançou - pois o arquipélago Londres: «A Argentina prepara-se para tomar pela
tena, armal, uma importância estratégica duvidosa força as ilhas Falkland. Sob a actual violência dos
para fins militares. Outros especulam que o argentinos, esconde-se muito orgulho ferido e
interesse estaria na projecção sobre a Antártida enorme desejo de garantir a sua possessão, que é
que o domínio das ilhas concede à nação que potencialmente rica em petróleo, gás natural e
detenha a sua soberania. Houve inclusive quem minerais sob o solo do Atlântico Sul e da
entendesse esta luta como a expressão da Antártida ...
decadência de um antigo império e a prepotência de
umas forças armadas que acreditam poder resolver Comentando o que poderia ser o projecto dos
todos os problemas com o uso da força. militares, o dr. Conrado Storani, funcionário do
Mas, e~ geral, houve um aspecto que foi relegado, Governo de Arturo lllia, denunciou que por detrás
esquecIdo ou desprezado na hora das análises sobre da desnacionalização da empresa Yacimientos
o porquê do empenho das duas nações no controlo Petrolíferos Fiscales (YPF) está a filosofia da
das Malvinas. No entanto, esse «detalhe .. é da «actual direcção económica que supõe que com a
maior.importância. Trata-se do petróleo; a riqueza venda do subsolo poderá pagar a divida externa ... E
acrescentou: «Eles não tremem ao leiloarem cerca
. da região austral e das Malvinas, «vinte
petrolífera
de três milhões de quilómetros quadrados, ou seja,
vezes maIOr que a localizada em terra firme .. ,
~do as palavras de Adolfo Silenzi de Stagni, a superfície do território nacional. A isso devemos
estudIOSO do assunto e autor do livro «As Malvinas somar outro tllOtO, que corresponde à plataforma
~ ~ petróleo .. , um best-seller na Argentina desde o marítima nacional (inclusive as Malvinas).
ID1CIO de 1982. Aqueles que favorecem esse plano deverão
O .general Jorge Leal, que em 1965, dirigiu a enfrentar no futuro um governo constitucional que
pnmeira expedição argentina ao Pólo Sul, aOrmou fará um julgamento político e anulará esse roubo
e~ declarações publicadas pelo Clarín de Buenos do património nacional ...
Aires em Março passado: «Essas ilhas são Estes reduzidos antecedentes são suficientes para
saliências de toda uma imensa plataforma mostrar a importância do assunto do petróleo na
SUbmarina onde se sabe existir petróleo ... crise do Atlântico Sul. Essa é justamente a óptica do
O assunto também era analisado em círculos e livro do dr. Adolfo Silenzi de Stagni que nos
publicações inglesas, só que antes da crise; depois, autorizou a reproduzir as partes do texto que
o véu do silêncio. O que se segue foi escrito a 18 de achamos conveniente.

N.o 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 21


ftUANOO Adolfo Silenzi de Stagni tomava o avião

las malvinas . . em Buenos Aires em direcção ao Rio de Janeiro,


não podia u peitar que voltaria rapidarne~te a? eu
par em con equência da eféme~a rec.u~raçao mIlitar

y el Petróleo voi..:1 da ilha Malvinas , que ele haVia exIgIdo no prologo


do u bem- u edido livro cA Malvina e o petróleo»
livro que lhe cu tara um breve ex{(jo .
Todo o livro - fruto de dez anos de pacientes
pe qui a - é um libelo contra a pre en~a britânic~ ~o
arquipélago e uma documentada análise. da politica
petrolifera do diferentes governos argentinos desde a
década de 60 até hoje.
Na Argentina de Galtieri publicar criticas à polftica
entregui ta do governo pode custar a vida. A ousadia
de Silenzi teve rapidamente respo ta: chamadas tele-
fónicas anónimas com ameaças ao autor - ostensiva-
mente eguido na rua - e à ua famOia , bombas nos
locais onde devia dar conferências, enfim, todos os
elementos de uma guerra psicológica que acabaram
por obrigar Silenzi a abandonar temporariamente o
pars .
O jornal La Nación de Buenos Aires comentou em
12 de Março de 1982: «O especialista em politica
petrolífera, doutor Adolfo Silenzi de Stagni , abando-
nou o seu domicilio para refugiar-se num hotel, como
con equência de reiteradas ameaças contra a sua vida.
Silenzi de Stagni, um advogado de reconhecida actua-
ção política no nacionalismo histórico , formulou ulti-
mamente várias denúncias contra a política petrolífera
do actual Governo, sendo a ultima delas, a conferência
que pronunciou há pouco numa entidade sindical. O
seu último livro, 'Malvinas e o petróleo' provocou
criticas em determinados sectores ao vincular o tema
com as negociações que actualmente a Argentina efec-
Um -best-sel/er» I~ ... tua com a Grã-Bretanha •.
Depois de uma bomba ter impedido a sua conferên·
A nossa entrevista foi realizada poucos dias depois cia sobre a possível desnacionalização da empresa
do desembarque argentino nas Malvinas e antes estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF),
do inicio das acções bélicas e das suas Silenzi havia divulgado um documento no qual afuma:
consequências no plano político «Durante estes últimos anos de regime militar não
interno e internacional. No entanto, algumas das houve um só dia de greve, o país não sofreu nenhum
apreciações de SUenzi sobre a situação já eram cataclismo e, no entanto, a economia nacional e as
muito claras: regionais ficaram totalmente destruídas porque ser
«Apesar do apoio dado à Junta no primeiro produtor é um mau exemplo . Os únicos que tiveram
momento - dizia-nos ele - eu, pessoalmente, • direito, não só de sobreviver como de enriquecer,
estou certo de que o povo argentino, com a sua foram os intermediários, os correctores, os que em·
elevada consciência política, não hesitará em vir prestam dinheiro, os cambistas, os financeiros, os
novamente para as ruas, mas para reivindicar homens ligados à área do petróleo e todo o tipo de
liberdades, e direitos civis, no dia em que a crise traficante parasita e especulador. . E acrescentava:
tiver sido superada. Os argentinos sabem «Agora, está em marcha a segunda etapa para desna- c
diferençar os problemas. Estão com a Junta Militar cionalizar a economia e o objectivo é a liquidação de
no caso da ocupação das Malvinas, um facto de todas as empresas estatais de energia, com a entrega às
unidade nacional. Mas não aceitam nem a sua transnacionais das reservas descobertas pela YPF , que (
política económica nem o cerceamento dos direitos excedem um bilião de metros cúbicos em petróleo e f
bumanO!! e desejam ver o país rqomar os caminhos gás natural, com um valor comercial de 200 dólares o
democráticos. Ninguém se vai confundir•• metro cúbico, ou seja, 200 biliões de dólares .~
acrescentava. «Estou ameaçado de morte por eles
e, boje, eu aplaudo-os. Mas não tenho dúvidas de A obsessão do regresso
que, amanhã, estaremos novamente a
enfrentar-nos •• 'Quando encontrámos Adolfo Silenzi no Rio de

22 cadernos do terceiro mundo


pesquisa, o autor afirma no prólogo do livro, con- ·
cluído em Buenos Aires a 3 de Dezembro de 1981: «Só
seria possível uma solução pela via diplomática se
estivéssemos dispostos a aceitar a troca, a restituição
nominal da soberania sobre o arquipélago contra a
comparticipação na exploração do petróleo na bacia
do golfo de San Jorge, Marinha Austral e das Malvi-·
nas. Situação esta que, no melhor dos casos, deixaria a
Argentina com as mesmas limitações de soberania que
tem a Arábia Saudita •.

it.
Numa resenha dós principais antecedentes que se
~ri umar l fM"la ia
conhecem do interesse britânico na riqueza petrolífera
cHpIctmalklt esti ;sei dl"IJO!'>1.~ a potencial das Malvinas, Silenzi recorda que «na sua
edição de 29 de Novembro de 1969, o jornal La
trocar uma n... sohHania subI"(' ..
{lrquipt"laao ""1..
t.a-patrtki~:an lU'
XpltN"a(IIIJ du 1M"1'Ók'C. na bIM'úe 'h....
Nación publicou um telex da Associated Press, pro-
veniente de Londres, que intitulou 'A exploração da
plataforma continental das Malvinas'. Segundo esse
Malvina.o; telex, 'fontes autorizadas do governo britânico' afir-
mavam que estavam sendo estudados 'diversos pedi-
dos para explorar a plataforma continental em torno
do arquipélago' em busca de petróleo •. Acrescenta o
Janeiro, começavam a chegar as versões da ocupação autor que os pedidos haviam sido apresentados por
militar das Malvinas por tropas argentinas. Conhe- · diversas companhias petrolíferas ao governador inglês
cendo como poucos o problema das ilhas e também a das Malvinas e que este tinha transferido para o
fLlosofia que o governo do seu país defende - a qual Foreign OJJice a decisão final sobre o assunto. Ainda
combateu com tantos ar~umentos de peso nos seus segundo esse telex, «a Grã-Bretanha (apelando para o
livros - Silenzi achava necessária a sua presença na direito internacional) pode reclamar direitos sobre o
Argentina nesses momentos críticos . petróleo e minerais da plataforma continental em
Em sua opinião, a tomada das Malvinas correspon-· frente às Malvinas, até uma profundidade de 200
deu a uma sentida aspiração popular (Silenzi apoiou a metros. De facto, as águas em tomo das ilhas são
acção militar e inclusive instou a que se tomasse esse consideravelmente menos profundas .. conclui o men- ·
tipo de medida) . Porém, por isso mesmo, se a opera- cionado despacho telegráfico.
ção estivesse inspirada em objectivos de curto alcance, Silenzi não deixa o facto sem resposta, demons- ·
, procurando um efeito político interno, o episódio trando a inexactidão da afirmação: «Uma potência
poderia terminar com a entrega do petróleo das Malvi- · ocupante de um território a ser descolonizado (as
nas às transnacionais ou ao usufruto britânico, em Malvinas entram nessa categoria segundo a resolução
troca de uma soberania sobre as ilhas que. - desprovi- 2065 de 1965, aprovada pela Assembleia Geral da
das da sua riqueza em hidrocarbonetos - perderiam a ONU), onde há controvérsia sobre a sua soberania e
maior parte do seu valor estratégico. em relaçao à qual as Nações Unidas recomendaram
-Os militares querem reivindicá-las, porém uma meios concretos de solução, não pode alegar nenhum
vez satisfeito o orgulho nacional, vão entregar o petró- direito sobre Qualquer tipo de jurisdição marítima,
leo., dizia-nos . «E quero dizê-lo para que se publique chame-se mar territorial, plataforma continental ou
e se dissipem as eventuais dúvidas , que a Argentina mar patrimonial ...
pode explorar o petróleo por si mesma. Hoje em dia Segundo os estudos de Silenzi, naquela época, a
quem não tem tecnologia, compra-a. E acrescentou: Grã-Bretanha havia feito um novo e documentado
-Este governo está reeditando, e de forma mais aceno . mapa geológico da região, que «já permitia adiantar
tuada, a polftica económica de Videla . Desnacionaliza que a bacia das Malvinas continha estratos de sedio.
todas as actividades produtivas e não os serviços mentos de uma espessura duas a três vezes maior qu.e l).
públicos. E pretende desnacionalizar o petróleo, que é do mar do Norte ... Uma das consequências desse
o oegócio de maior rentabilidade do mundo .• estudo. sel!:undo o autor. foi Que «a partir de então se
Silenzi regressou apesar das ameaças, e tal como decidiu que todos os trabalhos de prospecção geofi- ·
previa a sua presença em Buenos Aires foi fecunda, sica nas águas que circundam o arquipélago deviam
desempenhando uma intensa actividade desde então, ser realizadas de forma estritamente reservada, rece- ·
em diferentes níveis. A escalada bélica que levou à bendo instruções directas do Fort!ign Office».
guerra no Atlântico Sul deu uma nova e relevante força
às afirmações premonitórias do seu livro.
«Relatório Griffiths..
As revelações de SUenzi
O primeiro documento dando conta da enorme
Como uma nota prévia das conclusões da sua potencialidade petrolífera das Malvinas data de 1975 e

N." 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 23


foi realizado, a pedido do Foreign Office , por dois argumento não ter tido ito, con egue, contudo, o
geólogo da Universidade de Birrningham: Donald H . eu objectivo oito anos depoi , em 1979, durante o
Griffith e P. F. Parker. O resultados dos eu estu- governo do general Videla, ao e conceder à Shell duas
do - mantido em egredo - foram reunido num área na Bacia Marinha Austral, denominadas Rio
documento conhecido como .. Relatório Griffith ». Na Gallego e Magallane ".
opinião de Silenzi, que te e ace o a um documento Silenzi alienta que o coronel Raimunde foi substi-
que ele considera ó «uma parte» d e relatório, tuído pelo general Jorge Raul Calcagno, que «imedia-
re ultado .. foram suficientemente animadores para tamente após ter as umido o cargo de administrador-
acon elhar o governo (britânico) a não economizar o -geral da YPF declarou que .. não faria modificações
fundo necessário para continuar imediatamente o sub tanciais na politica aplicada pelo eu antecessor_.
trabalho de pro _pe ão . Entre o as essore de Calcagno na YPF estava o
A im a árias e pedi cões que o inglese patro- coronel Fortunato Galtieri , hoje presidente da Argen-
cionam de 1971 a 1974 Mal ina ão todas elas tina.
coincidentes no eu re ultado : a fonna ão gelógica
da bacia das ilha é rica em jazidas de petróleo. Também o FMI
Como não podia deixar de er, o norte-america-
no também e interessaram pela potencialidade pe- O livro «As Malvinas e o petróleo» faz também uma
trolífera da região . Uma empresa norte-americana , a resenha das pre sôes do Fundo Monetário Internacio-
Geocom Inc ., apresentou um relatório em 1971 que, nal (FMI) contra a aplicação de uma nova lei de
como as inala Silenzi , «ape ar de reconhecer a ne- hidrocarbonetos que , aprovada em 1972, concedia,
ces idade de realizar novo trabalho de sísmica, o com carácter exclusivo , todas as actividades relacio-
certo é que localizou várias estruturas , iniciando- e nadas com a exploração, transporte , refinação e co-
uma di puta entre árias companhias petrolíferas , mercialização dos hidrocarbonetos à YPF e à Gas dei
logo que houve conhecimento das suas conclusões». Estado . No capítulo .. Um novo Kuwait., Silenzi cita a
A política petrolífera dos sucessivos governos revista norte-americana US & World Report, que na
militare argentino empre foi condescendente com edição de 3 de Dezembro de 1973 afirmava que «o
o interesses e trangeiros . Em 1971, foram publica- petróleo que se encontraria na plataforma submarina
do pelo Buenos Aires Herald e EI Cronista Comer- do arquipélago das Malvinas., de pertava o interesse
cial, de Bueno Aires , e pelo semanário Marcha , de dos Estados Unidos .
Montevideu , documentos que certificavam a desco- «As companhias petrolíferas norte-americanas
berta dessas imensas jazidas nas Malvinas e revelam estão voltadas para a Argentina, mas temem o nacio-
as negociações das transnacionais Shell (anglo- nalismo do governo de Per6n» , afrrmava a revista. Em
-holandesa) e Esso (norte-americana) com os gover- relação à disputa com os ingleses , a publicação susten-
nos dos generais Marcelo Levingston e AJejandro tava que «estava a ser resolvida » e que a Grã-Bretanha
Martin Lanusse, para se apropriarem dos hidrocarbo- · pediria a sua participação na eventual exploração do
netos . solo submarino , onde «se acredita que haja petróleo •.
O episódio levou à demissão do coronel Manuel Silenzi também cita o jornal local FalkLand IslandJ
Raimundes , administrador-geral da YPF, e do enge- ·
nheiro Jorge Haiek, secretário de Energia, ambos
defensores da política de passar o sector petrolífero
para o controlo do Estado argentino. Porém as pres- ·
sôes das transnacionais foram mais fortes .
Silenzi inclui no seu livro uma análise ponnenori- .
zada do episódio e um documento redigido pelo
comandante-em-chefe do exército dirigido ao chefe do
Eatado-Maior da arma, general Galán , um verdadeiro
«advogado » como Silenzi o descreve, da Shell . No
último ponto desse memorando, sugere que se comece
a trabalhar (a Shell, naturalmente) quanto antes na
plataforma submarina defronte das Malvinas, - como
afumação nacional » já que «o melhor argumento é
utilizar o que é reivindicado».
..o governo argentino não reconhece nem
Silenzi responde assim: - É surpreendente que se recanhecerá o fundamento ou o exercício
possa acreditar que a soberania nacional sobre as de nenhum direito relativo à exploração
Malvinas seja reafrrmada se entregarmos a urna com-
panhia petrolífera inglesa - a Shell. a segunda maior
de minerais ou hidrocarbonetos nas
transnacional do mundo - a concessão para explorar Malvinas por parte de um ~merno
uma área na Bacia Marinha Austral por um prazo que estrangeiro ..
ultrapassa meio século. Apesar de em 1971, esse

24 cadernos do terceiro mundo


Times, de Novembro/Dezembro de 1974, no qual se
confirmava que o governo (inglês) havia recebido
vários pedidos de concessão para perfurar poços de
exploração de petróleo, porém no momento não se
propunha conceder nenhuma delas.
O jornal assinalava que o governo inglês das Malvi-
nas estava a estudar propostas para criar em torno do
arquipélago uma zona económica de 200 milhas .
• Essa pretensão do governo britânico - escreve
Silenzi - de reivindicar uma zona de 200 milhas,
como já afirmámos antes, carece de fundamentação
jurídica. Existe consenso na maioria absoluta dos
Estados que participam na Terceira Conferência sobre
Direitos do Mar definido na cláusula (incluida como
disposição transitória do texto do Tratado a ser fir- ·
mado) estipulando que, quando existe controvérsia
sobre a soberania de um território sob ocupação es-
trangeira, ou dominação colonial, em relação à qual as
Nações Unidas recomendam meios concretos de solu-·
ção - e este é o caso da Resolução 2065 sobre as
Malvinas - os direitos sobre soberania e/ou jurisdi-
ção maritima não podem ser exercidos enquanto a
questão não for resolvida».
la
o A reacção do governo Pel'Ón
a
Silenzi demonstra nos parágrafos seguintes como
o governo PefÓn - o breve intervalo democrático que
IS a Argentina viveu nas últimas décadas - reagiu com
frrmeza e indignação a todas essas pretensões britãni- ·
n cas e às continuas pressões das transnacionais petroli- .
~ feras. Um documento oficial afuma entre outras coi- o
II sas: . Levando em conta que as ilhas Malvinas são o.lntereuMdu
parte integrante do território nacional, o governo ar- o tnlnaneclonal. Esso
gentino manifesta que não reconhece nem reconhecerá (no.... mertCllne) e
I.! Shell (Ingleae) ne
nelas o exercício de nenhum direito relativo à explora- . aproprlllÇlo do
ção de minerais ou hidrocarbonetos por parte de um petróleo do llhu
governo estrangeiro . Por conseguinte, também não foram um hICtor
reconhece nem reconhecerá e considerará irremedia- · Importam. na
poIltICII
velmente nulos qualquer actividade, medida ou petroI/fenI doa
acordo que a Grá-Bretanha possa realizar ou adoptar governe»
com referência a esta questão, que o governo argen- · milita.... argentinos
tino considera da maior gravidade e importãncia».
O dr. Silenzi também reproduz no seu livro um
telex da agência France Press do dia 9 de Março de
1975, no qual já se admite a possibilidade de um
choque armado entre a Argentina e a Inglaterra pela
soberania das Malvinas. Diz o telex: .uma guerra
entre a Argentina e a Grá-Bretanha por causa do
petróleo das Malvinas pode provocar um enfrenta- o
mento militar», acrescentando que .os receios de uma
guerra petrolifera entre a Argentina e a Grá-Bretanha
se multiplicaram devido às pressões de que o Ministé-
rio do Negócios E trangeiros britânico é objecto para
conceder licenças de prospecção a empre as petrolí-.
feras . Quase 50 companhias apresentaram pedidos
para explorar as jazidas do Banco Burwood, situado
ao sul das Malvinas, cuja riqueza petrolifera é maior

N.O 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 25


que a do mar do Norte, segundo peritos consultados podem atlstazer as nece sidades actuais e de um
pelo Sunday Telegraph . futuro próximo e jazidas potenciais, ainda inexplora-.
das, e que e calcula sejam suficientes para uma
população várias vezes maior do que a actual».
As possíveis soluções «Mas além disso - continua Garcia Mata - a
Argentina tem outra reserva ainda maior sob a plata- .
Reproduzimos aqui as propostas que o governo forma continental que e estende em frente à Patagónia
britânico estudava em 1975 e que seriam submetidas à e continua em direcção ao leste das Malvinas. Euma
consideração da Argentina, sobre o destino do dispu- o das maiores plataformas continentais do mundo,
tado arquipélago. Escreve Silenzi: «O Financial muito maior do que a do Golfo do México nos Estados
Times assinala Que o governo do Reino Unido está a Unido ».
oferecersolu~s Q!le harmonizariam as reivindica* GarcIa Mata cita depois a opinião do geólogo Wal- ·
da Argentina de soberania sobre as Malvinas com as lace E. Pratt, que prognosticou que as plataformas
reiteradas afirmações do governo do Reino Unido de continentai «chegariam a ser o principal factor da
que essa matéria seria ubmetida à apro ação do produção de petróleo do futuro, pois o volume de
habitantes do território». E reproduz as propostas rochas sedimentares apropriadas à produção petrolí-.
britânicas : fera que estas plataformas possuem é o dobro do
I) o estabelecimeno de um condominio anglo-ar- volume das rochas similares em todos os continentes».
gentino sobre as Malvina . Em seguida, o técnico afirma que mesmo de posse
2) a transferência da soberania para a Argentina, da soberania sobre as Malvinas, seria muito caro para
que por ua vez daria as ilhas em arrendamento ao a Argentina começar a explorar o petróleo do arquipé-.
Reino Unido; lago, pois antes deveria ser utilizado o da parte conti- ·
3) o congelamento de todas as reivindicações de nental . Garcia Mata sugere, então, que «contra o
soberania e a exploração dos recurws petroUferos reconhecimento total e completo da soberania argen-
sobre uma base binacional. tina nas ilhas e na plataforma» o governo argentino
poderia arrendar por 30 anos «a exploração de toda a
o relatório Garcia Mata plataforma continental situada abaixo do paralelo 42
(digamos, a partir de 50 km da costa) a um 'consórcio
Já em 1974 a questão do petróleo das Malvinas das ilhas Malvinas', criado e de propriedade da C0-
tinha despertado o interesse do engenheiro argentino munidade Económica Europeia». Continuando com a
Carlos García Mata, descrito por Silenzi no seu livro proposta de Garcia Mata, «esse consórcio visaria a
como «um homem de negócios radicado em Nova obtenção imediata de créditos no mercado do eurodó-·
Iorque» . Com o título de «O petróleo argentino e as lar para fazer um adiantamento substancial de várias
ilhas Malvinas», García Mata apresentou um estudo e centenas de milhões ao governo argentino, que os
uma proposta política à embaixada argentina em transferiria imediatamente à YPF para um plano de
Washington, que foi encaminhado para Buenos Aires
com carácter «confidencial e urgente».
Diz o engenheiro: «Do ponto de vista da ecorwmia
argentirw actual as ilhas Malvinas são de pouquÍSsima
importância. Do ponto de vista da economia da Ar-
gentina do século XXI as ilhas Malvinas (com a
plataforma continental que as circunda e as montanhas
submarinas do «Plateau» das Malvinas que se estende
até leste, serão um factor de capital importância.
Porém para que possamos usufruir das enormes rique- •
zas naturais dessa zona é indispensável que a nossa
soberania seja indiscutível. A crise mundial do petró- .
leo dos últimos meses dá-nos a oportunidade de resol-
ver definitivamente este problema, além de obter hoje
um grande adiantamento financeiro, por conta dessas
riquezas».
Depois assinala que «se traçarmos um paralelo
entre o problema petrolífero argentino e o europeu,
notamos uma grande diferença. Enquanto a Europa
experimenta uma aguda crise por causa da escassez de
jazidas petrolíferas no continente, que atenderiam às
necessidades de mais de 500 milhões de habitantes, a
Argentina, com uma população reduzida e um índice
muito baixo de crescimento (pelo menos no fun do
século) tem jazidas continentais exploradas que

~6 cadernos do terceiro mundo


Um dIIdo que.Juda. montar o .queb ..... c:abeça•• da cri ..: mister Thatcher, marido da prirnelro-rnlnl.tro brtttnlc:a,' um
eepec:I.llata em ...unto. petrollferoa • um doa principal••ccIonlata. da .F.lklllnd I.lenda Compeny.

intensificação ~as explorações de petróleo e gás no I de metros cúbicos) . Por dedução, afirma: «Se levar· ·
continente» . mos em conta que a plataforma continental da Argeri· ·
Em argumentações posteriores , Garcia Mata de· · tina é quatro vezes mais extensa que a dos Estados
fende a sua tese de arrendamento por 30 anos , assina· Unidos, que a espessura dos sedimentos é maior, e
lando que no fim do período, o problema energético que, das bacias argentinas, duas já se encontram em
será muito diferente do actual, pelo& avanços conquis· · produção em terra fmne, seria acertado calcular que a
tados através da utilização do urâÕio, e que, por essa reserva de petróleo da plataforma continental da Ar· ·
razão, não seria tão importante preservar as jazidas gentina é, pelo menos, quatro vezes ~aior que a dos
das Malvinas para as futuras gerações de argentinos . Estados Unidos no Atlântico». Ou seja, . um volume
de petróleo potencialmente recuperável entre os 6,4 e
Também um chileno os 32 biliões de metros cúbicos».
Datam de 1975 os estuõos do geólogo chilel!0 Outro relatório britânico, o de Lord Shacleton,
Bernardo Grossling, que támbém se ocupou do petró·· apresentado às autoridades inglesas em Julho de 1966,
leo das Malvinas. No seu trabalho «As perspectivas e que também confirma a presença de petróleo, faz
petrolfferas da América Latina dentro da crise de referência ao estudos de Grossling.
energia», citado por Silenzi , esse cientista afirma que .
-a plataforma continental da Argentina pode ser com•. O dr. Silenzi recorda que «o axioma no campo da
parada com a da bacia da costa do Golfo do México e geologia do petróleo é que quanto maior o volume de
com a plataforma continental dos Estados Unidos no sedimentos, maiores são as probalidades de achar
Atlântico • . petróleo»_ Assim, para Silenzi, é de extrema impor· .
Grossling assinala que as reservas calculadas na tância o dado segundo o qual, o volume de sedimentos.
plataforma continental atlântica dos Estados Unidos das Malvinas é quatro vezes maior que o dos Estados _
oscilam entre 10 e 50 biliões de barris (1,6 a 8 biliões Unidos sobre o Oceano Atlântico.

N.O 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 27


Tanques argentinos em Port Stanley. Buenoa A1rM ainda acr.dltava na rKUpenIÇ60 do arqulp61ago

Num artigo de 3 de Junho de 1981 , o Wall Street de comunicação transnacionais terem omitido qual-
Journal refere-se também à potencialidade petrolí- . quer referência directa ao pano de fundo da crise, é
fera argentina. O autor é o jornalista Bill Paul , espe"· evidente que nos gabinetes da senhora Margaret That-
cialista no assunto. Afmna ele: «Geólogos que têm cher e do general Alexander Haig não se ignora a
estudado o país afmnam que a Argentina pode~ documentação que o dr. Silenzi revela no seu Livro.
exportar até 300 mil barris por dia nos próximos anos. Pelo contrário, eles devem dispor de relatórios ainda
Ocuparia assim o segundo lugar, depois da Vene- · mais amplos e actualizados e que nunca foram levados
zuela, entre os exportadores sul-americanos e ficaria ao conhecimento do público .
na frente de alguns membros da Organização de Países
Rádios uruguaias que comentavam a crise nas
Exportadores de Petróleo, OPEP".
Malvinas divulgaram um dado interessante, que ajuda
a montar o quebra-cabeças da crise: o sr. Thatcher,
Interesses pessoais e transnacionais marido da primeira-ministra britânica, é um especia-·
lista em assuntos petrolíferos e um dos principais
As informações citadas por Silenzi são contunden- · accionistas da Companhia das Ilhas Falkland. Quando
tes e falam por si mesmas. Este território, que fora Margaret Thatcher enviou a frota em direcção ao
chamado pelo presidente Reagan «um pedaço de ter- o Atlântico Sul não estava apenas a defender o orgulho
reno rochoso .. encerra riquezas incalculáveis e a alta nacional perante a ofensa de um governo que somente
do preço internacional do petróleo já toma a sua agora ela reconhece como autoritário. Defendia tam-·
exploração economicamente viável. Apesar dos meios bém interesses de família. O

28 cadernos do terceiro mundo


guerra que as potências ooloniais, pelo seu carácter
GOVERNOS MANIFESTAM-SE e evolução, tratam de transformar em lição para
OFICIALMENTE A FAVOR todos os palses do Terceiro Mundo que - não im-
DA UNIÃO LATINO-AMERICANA porta qual seja o seu regime politico e social -
defendem a sua soberania e integridade territorial."
(Fldel Castro, presidente do Movimento dos palses
D A NIaIr6gua: .. Se as iniciativas de paz forem
oondenadas ao fracasso definitivo, reiteramos
Não-Alinhados, em carta aos restantes chefes de
Estado da organização, datada de Havana, em
a nossa sollderiedade activa para oom a Repúblit::a 10/5/82).
Argentina irmã em todas as medidas por ela toma- O M6"co "oondena qualquer forma de oolonia-
das." O ministro dos NegóciOs Estrangeiros, Miguel lismo.. e .. tem apotado invariavelmente a soberania
O'Esooto, na OEA, 28/4/82). argentina sobre esses territóriog.., mas "rejeita o uso
da força, tanto por parte da Argentina oomo da
o. ChIna: " Várias sessões do Movimento dos
Grã-Bretanha", (Comunicado do Ministério dos Ne-
palses Não-Alinhadoà iII t1Caram a quem pertence a
gócios Estrangeiros, 12/5/82.
soberania sobre as ilh~aIVinas. O govemo chinês
A Venezuela ..oontinua firme na sua solidarie-
espera que ambas as partes_exerçam a sua mode-
dade para oom a Argentina.. . (Presidente Luis Ver-
ração e solucionem a disputa razoável e pacifica-
rera Camplns, 25/4/82).
mente." (declaração do Ministério dos Negócios
A Unllo Sovlttlce lembrou que a Grã-Bretanha
Estrangeiros, Pequim, 26/4/82).
..recusou-se obstinadamente a respeitar as resolu-
, O UruguaI "oondena a acção armada da Grã- ções das Nações Unidas sobre a desoolonização
-Bretanha no Atlântico Sul e oonsldera que a posi- das ilhas Malvinas e dificultou as negociações com a
ção assumida pelos Estados Unidos no oonflito Argentina.. , em oomunicado 00 Ministério dos Ne-
anglo-argentino fere a unidade latino-americana... gócios Estrangeiros emitido em 7/4/82 para explicar
(Comunicado do govemo uruguaio, Montevideu, a sua abstenção na votação do Conselho de Segu-
2/5/82). rança.
O ChIle .. lamenta profundamente que a disputa
Doa revolucl0n4r\oa NlvlIdorenhoa: .. A Frente entre a Argentina e a Grã-Bretanha tenha atingido
Farabundo Martl de Libertação Nacional (FMLN) nlveis tão graves que se traduzem, neste momento,
oonsldera que, independentemente das motivações em perdas de vidas.. ; está disposto a oolaborar"com
iniciais que levaram o govemo do general Leopoldo todas as iniciativas de paz" e reitera que a sua
Galtieri ao envio de tropas visando a reconquista das posição é de "neutralidade... O ministro dos Negó-
ilhas, esta é uma acção legitima, soberana e patrió- cios Estrangeiros Renê Rojas Arias Stella, 11/5/82).
tica que merece o apoio maciço deste povo irmão...
A FMLN assinala, além disso, que se o govemo
argentino deseja ser ..coerente oom os princlpios
que invoca para reintegrar as Malvinas na soberania
do seu pais, deve ordenar a retirada imediata dos
conselheiros militares (em EI Salvador) e a suspen-
são de todo o tipo de cooperação militar oom o
genocida regime salvadorenho." (Declaração divul-
gada em San José da Costa Rica, 2214/1982).
o. Guatemala: .. A Argentina deve ser apoiada
militar e politicamente, mas o envio de tropas seria
uma medida extrema.. , disse o ooronel Francisoo
Gordillo, membro da junta militar, já que ..estamos
bastante preocupados em resolver os nossos pró-
prios problemas", isto é, o oombate às forças guerri-
lheiras. (Declarações recolhidas pela IPS na cidade
da Guatemala, 2314/82).
Do Pana...a: "'As ilhas Malvinas são parte inte-
grante da nação irmã do Sul, por direito, pela sua
história e a sua geografia... (Aristides Royo, presi-
dente do Panamá, em carta ao presidente Gallieri
datada de 314/82). FldeI Castro: ..uma guelTll que aa poItnclaa colonlala
o. Cube: " Uma guerra oolonlal está prestes a tratam de tlllnaformar em llçAo palll todoa 08 pal_ do
Terceiro Mundo..
atingir a sua etapa mais cruenta e criminosa. Uma'

N,O45/Junho-Julho 1982 cademos do terceiro mundo 29


As viúva
de Monroe acreditavam encontrar no Tratado lnteramericano de
N I I MOI Ir.' Assistência Recfproca (TIAR) . Ambo , monro{smo e
TlAR, ape ar de eparado por mais de um século,
foram concebido como um e cudo de protecção do
continente, do Alasca ao e treito de Magalhães, con-
tra as ameaças de qualquer país não americano que
OUCAS emanas ante do de embarque na ou asse vulnerar as águas, as terra e os céus america-
P Malvinas, um alto funcionário da Junta militar
de Bueno Aires declarou que a Argentina não
pertencia ao Terceiro Mundo. E sentenciou: «Somos
nos. Cuba havia sido a ovelha negra, a «noviça rebel-
de" da famma monroísta, mas, por isso mesmo, foi
não somente amaldiçoada como colocada sob rigorosa
um país rico, branco e cri tão-ocidental". quarentena que já ultrapassa os vinte anos .
O ministro NicanorCo ta Méndezé, sabidamente, No campo da defesa criou-se a doutrina da segu-
um sócio de transnacionais norte-americanas e euro- rança continental, com a aplicação em cada país da sua
peias, e já estava a ser discutida a retirada argentina do componente nacional. O princfpio era simples: o ini-
Movimento dos Paí es Não-Alinhados. migo ~ América, poderoso e solerte, não poderia ser
Nas vésperas da cri e das Malvinas, doi jovens contido por forças nacionais, débeis e desarticuladas
surfistas brasileiros que entravam na Argentina com no plano continental. Enfrentá-lo, era tarefa do irmão
exemplares de cadernos do terceiro mundo foram mais forte e mais armado, ou seja, o «Tio Sam".
detidos e as revistas confiscadas. Os policias da fron- Para dar eficácia ao TlAR, as doutrinas militares
teira nem sequer examinaram o conteúdo da publica- foram homogeneizadas, os armamento e o manuais
ção. O nome já era suficiente para a sua apreensão . padronizados . Criaram-se, no sul dos Estados Unidos
Não há dúvidas de que o general Leopoldo Galtieri e no Panamá, escolas especializadas na «defesa do
e os seus colegas estavam absolutamente seguros de mundo livre" e na «luta contra a subversão •. Milhares
que já pertenciam ao clube dos ricos e, como tal, o de militares latino-americanos passaram por esses
episódio das Malvinas, mesmo desagradável para um centros de adestramento ideológico e operacional. Um
dos seus parceiros influentes, a Inglaterra, poderia ser permanente fluxo de informações - que íam directa-
absorvido como um problema em familia, sem guerra . mente aos computadores do Pentágono e lá devem
Até hoje Galtieri não deve ter entendido o que estar bem fichadas - corria em paralelo às manobras
aconteceu. Os Esados Unidos a apoiarem a Ingla- conjuntas e aos exercfcios militares combinados,
terra, a ceder-lhe as suas bases, como a da ilha de sempre modelados pelo «irmão mais poderoso .
Ascensão (essa base, situada entre o Brasil e Angola, é De quando em quando, um desses comandantes
vital à esquadra inglesa para apoio logístico no Atlân- norte-americanos, por vezes broncos, autoritários e de
tico Sul), a entregar-lhes aviões e armas e a espiar os profundas raízes colonialistas, inspeccionava a região,
movimentos da frota argentina com os seus satél(tes . dando conselhos é fazendo recomendações de políticas
Sem essa informação teria sido praticamente impossí- e medidas tendentes a dar maior eficácia ao que se
vel aos ingleses descobrir e afundar o cruzador Gene- . chamou, pomposamente, o Sistema lnteramericano de
ral Belgrano, que estava muito distante da zona de Defesa. Nos exercícios, os americanos poderiam va-·
bloqueio. riar de cores: seriam azuis, amarelos, brancos, verdes,
Do mesmo modo, os generais argentinos não con- roseos. Isso seria secundário. O outro lado, sim, o
seguiram compreender a posição dos seus «aliados. agressor implacável era sempre vermelho, e quanto
brancos e cristãos da Comunidade Económica Euro- mais vermelho melhor; uma coloração que facilitava à
peia (CEE), que, dos conservadores da democracia- distância a identificação do inimigo.
-cristã alemã aos socialistas de Mitterrand, se alinha- Segundo a doutrina do Pentágono, às forças arma-
ram automaticamente com a sra. Margareth Thatchere das nacionais ficaria reservada a tarefa de «limpar» a
a sua visão colonialista e victoriana do mundo. frente interna dos inimigos ostensivos ou encapuçados
Mas o nó na cabeça dos generais, almirantes e dessa visão bipolar e maniqueísta do mundo. O seu
brigadeiros argentinos foi, decerto, ainda maior armamento deveria adaptar-se às necessidades do
quando analisaram a posição de Washington à luz da combate à «subversão» 1 uma denominaçJio genérica e
doutrina de Monroe e das garantias continentais que imprecisa que, conforme o governo ou o ditador,

30 cadernos do terceiro mundo


poderia abarcar ~esde uma inofensiva greve de profes- Em sectores da direita na América Latina e nas
sores até à guemlha, ou de uma insurreição annada a Carafbas há uma espéci~ de orfandade. Viúvas de
um manifesto de intelectuais reclamando liberdade e Monroe, carpindo as frustações do adultério de Rea-.
justiça. gano
As transgressões a esse enquadramento, por mais As preocupações com o futuro das relações entre
leves que fossem, seriam condenadas como heréticas e a América Latina e ao Carafbas com os Estados Unidos
perigosas . O general Velasco A1varado, no Peru, foi são grandes nas classes dominantes do continente. Há
deposto e o general Omar Torrijos, do Panamá, desa- claros indícios de que essas relações estão muito
pareceu num inexplicável desastre de avião. Ambos deterioradas e a situação amanhã já não será como
lideraram revoluções militares, populares e naciona- . antes.
listas, vistas com desconfiança pela Casa Branca, o
Pentágono e a Wall Street. O Pentágono também Internamente, a situação argentina terá de evoluir
nunca aceitou a decisão brasileira de implantar uma para uma abertura política. A união nacional que se
indústria bélica, e assimilou mal a retirada do Brasil do impôs para a guerra desembocará hoje ou amanhã na
tratado militar com os Estados Unidos . união para a democracia, fundamental e urgente para
O episódio das Malvinas foi o momento da desmis- que a Argentina receba um apoio eficaz das grandes
tific~ção de toda essa montagem que, no fundo, só forças do pensamento prógressista e liberal do mundo,
servia os desígnios estratégicos e os interesses eco- que resistem em concretizá-lo com a reserva de que
nómicos dos Estados Unidos . podem estar a ajudar a consolidar uma ditadura.
A primeira constatação do Pentágono, mas não a Uma reflexão final, sobre os caprichos da histó-
única, foi a de que, em silêncio e habilidosamente, a ria. Um governante extremamente reaccionário, o rei
Argentina adquiriu umknow-how militar insuspeitável Faiçal da Arábia Saudita, encabeça em plena guerra do
e acumulou armas tão sofisticadas que lhe permitiram Suez, em 1973, a rebelião dos produtores de petróleo
responder, no ataque aosuperdestroyer Sheffield, com contra as nações industrializadas, seus «aliados natu-
um mIssil francês de alta tecnologia, ao rombo que rais», que pagavam preços vis pelo seu produto. Desde
levou para fundo do mar o seu cruzador General então, acentuou-se a crise no sistema capitalista e um
Belgrano . E mais ainda: novo centro de poder, a OPEP, foIjado nas áreas mais
- ao contrário do que os Estados Unidos vatici- · marginalizadas do Terceiro Mundo, apareceu vigoro-
naram em todos estes anos, não foi a União Soviética samente na cena internacional.
mas a Inglaterra, a potência europeia que violou a
doutrina de Monroe e desafiou o TIAR; Agora, e um grupo de generais de extrema-direi-
- na hora do aperto, a Argentina «branca, rica e ta, ainda com as mãos tintas do sangue dos patriotas,
ocidental» contou com a solidariedade do Terceiro que, para sair da sua crise interna, por ambições
Mundo. Na América Latina e nas Carafbas, de Cuba à pessoais e até mesmo pelas pressões na~ionali~~ do
Guatemala, surgiram - mesmo com as conhecidas povo, armou esta complicação toda. O episódio
restrições à Junta - as manifestações de apoio à causa das Malvinas já produziu resultados históri-·
do povo argentino. cos: liquidou a ilusão da «solidariedade continental»,
- a crise não veio via Cuba ou Nicarágua, como revelou a verdadeira face do «aliado» poderoso, mos-
se fazia crer, mas através da Argentina, dirigida por trou que não é com a Comunidade Económica Euro-
uma Junta militar genocida que após o massacre da peia nem com o Japão, mas com os próprios latino-
oposição interna, interveio em EI Salvador, Nicarágua -americanos, caraibianos, africanos e asiáticos com
e Guatemala e, sendo o mais servil e incondicional quem a América Latina contou nas suas lutas de
gendarme de Washington na América Latina, se con- emancipação e, por fim, criou novas condições de
vertera, por isso mesmo, no seu a1i!ldo privilegiado; unidade para um continente que as grandes metrópoles
- os Estados Unidos aliaram-se abertamente coloniais capitalistas balcanizaram.
com a potência europeia atacante, sepultaram nas É um paradoxo que o general Galtieri possa
águas geladas das Malvinas a tão decantada «unidade figurar amanhã na história ao lado do rei Faiçal como
continental» e deixaram a falar sozinho o seu aliado tendo contribuído, mesmo sem esse propósito, para
incondicional, que era a Junta militar de Buenos Aires. um reordenamento político tão relevante. O

N.O45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 31


; ,.
Dois exercitas,
dois 'mundos
em confronto
Face à terceira marinha de guerra do
mundo e a um exército altamente
profissionalizado, os efectivos argentinos
opuseram denodada resistência, não
obstante a sua escassa preparação, n/vel
de material e actuarem sob as ordens de
uma oficialidade cuja única guerra que custos de permanência de 3000 homens da 5. 8 brigada
(gurkas, galeses e escoceses), que aí permanecerão
conduziu foi a que desencadeou contra o como defesa estável. Para além dos custos de aprovi-
seu próprio povo. sionamento do arquipélago a partir de Inglaterra. Isto
de um ponto de vista estritamente militar, sem entrar
E teban Valenti em linha de conta com a profunda erosão das relações
entre a Grã-Bretanha e os Estados U,nidos com todo o
continente latino-americano . Como afirmava um di-
OM a rendição da guarnição argentina em
C Puerto Argentino, composta, segundo o alto
comando inglês, por 13 600 homens - o que
plomata latino-americano na Organização de Estados
Americanos (OEA), . juntamente com os destroyers e
as fragatas no Atlântico Sul naufragou toda a doutrina
somado aos 1200 anteriormeõle capturados em pan-americana e os seus principais instrumentos, o
Goose Green dão um total de 14 800 prisioneiros - TIAR e a própria OEA».
encerra-se uma etapa da dura e sangrenta guerra das
Malvinas. .Royal Navy»:
De novo a . Union Jack- ondeia sobre o arquipé- um preço muito alto
lago . Mas que preço tiveram que pagar os britânicos
por esta expedição de reconquista colonial? E que Não restam dúvidas, porém, de que a Argentina
ensinamentos, de um ponto de vista militar, trouxe a pagou também um preço altíssimo com esta guerra, o
operação? mais elevado de uma óptica estritamente militar. A
Segundo as fontes oficiais, a . Royal Navy» teria primeira e mais flagrante: a perda territorial das ilhas.
perdido 10 unidades de primeira linha (destroyers, O que, como qualquer guerra, na hora de fazer contas,
fragatas lança-mísseis das classes mais modernas) surge sempre como o ónus mais pesado e frustrante.
numa tonelagem muito superior às 35 mil toneladas; Os observadores militares estimam as perdas aéreas
entre 14 e 18 caças de descolagem vertical . Sea argentinas em cerca de 40 a 60 aparelhos do tipo
Harrier» embarcados e um número similar de helicóp- • Mirage», . Daggen., cSuperEtendart., cSkyhawk. ,
teros .Sea King» e . Linx». . Puccara». E, no mínimo, pelo menos 30 pilotos, o
As baixas sofridas em toda a operaçã:> são difíceis que, sem dúvida, pela sua alta preparação e especiali-
de estimar, mas segundo a dureza dos combates ter- zação, o seu papel em todas as operações e o longo
restres e o número de pessoal interveniente, calcula-se período de treinamento a que são sujeitos, representa
de 1200 a 1500 entre mortos e feridos . Até à recon- uma perda muito importante.
quista da capital das ilhas, o custo total da operação era O cruzador . General Belgrano> - torpedeado pelo
avaliado entre 2800 e 3000 milhões de dólares, conta- submarino . Conqueror» - e os seus trezentos trip~­
bilizando as perdas navais, custos operativos (muni- lantes mortos constituíram o principal tributo da man-
ções, combustíveis, transportes ... ), etc. nha de guerra argentina. Enquanto que as baixas nas
Os custos derivados da nova situação criada com as fileiras argentinas terão de se estimar numa cifra
reconquistadas • Falkland », esses são inestimáveis: ligeiramente superior às verificadas entre os britâni-
reparação das pistas de aterragem para aviões de cos.
grande porte e uma esquadrilha ae «Phantom F-4», No entanto, a interpretação militar desta guerra não

32 cadernos do terceiro mundo


A .Ropl Alr Force»
a 1.
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Hsrrler ele
daecoIagem vertical

se poderá confinar apenas a um exaustivo balanço das


perdas sentidas por ambos os lados, mas também, e
fundamentalmente , a um resumo dos principais ensi-
namentos que se podem retirar do conflito.
As perdas inglesas, a res\stência argentina, a dura-
ção dos combates, foi , sem dúvida, muito superior ao
previsto pelo almirantado britânico , e para isso contri-
buiu decisivamente a aeronáutica militar argentina.
A «Royal Navy" pagou um preço extremamente
alto, e isso não ficou a dever-se apenas - como
adiantam alguns observadores - à acção quase «mi-
lagrosa. dos mísseis ar-mar «Exocet», aos quais se
atribuem todas as desgraças da frota britânica. Os
pilotos argentinos demonstraram, sem contestação,
perfcia, capacidade de explorar ao limite os seus O.Shelfleld>t eo.AnteIope» dual rnodemal unldaclea da
aparelhos . .Royal Navy. afunct.du pela IVIaçIo argentina
Tudo isso, porém, não conseguiu travar a força da
«Royal Navy,. , como af11IDava uma agência interna-
cional, «que é a vantagem de possuir a terceira força Pacto de V BrSÓvia, confrontaram-se com recrutas com
naval de guerra do mundo, apenas superada pela dos 12 meses de instrução, no melhor dos casos, com outro
Estados Unidos e União Soviética •. nível de material e às ordens de uma oficialidade cuja
A batalha decisiva viria a travar-se em terra. E única guerra que conduziu foi contra o seu próprio
quando os efectivos britânicos ocuparam, com relativa povo.
facilidade, diga-se, Goose Green e Port Darwin, em A este quadro haverá que juntar os sérios erros
certa medida estava traçado o destino da guarnição tácticos e operativos do alto comando argentino, em
argentina nas ilhas. No plano das operações terrestres, especial do general Mario Menendez, o governador
segundo assinalam todos os especialistas, as diferen- militar das Malvinas, que, após ter concedido sempre a
ças eram demasiado evidentes para que não pesassem, iniciativa aos ingleses, sacrificou inutilmente dois
.em definitivo, ~obre o resulta~o fmal. batalhões em Goose Green. Esta a opinião, não só de
observadores europeus, como de uma boa parte da
Pentágono: Imprensa argentina.
uma vitória como sua ••• Outro factor deverá ser valorizado em todo o. con-
flito . A ajuda decisiva dos Estados Unidos à Grã-
Unidades profissionalizadas, contando com longos -Bretanha. Não será por acaso que o Pentágono e o
perfodos de instrução , que chegam a atingir entre 4 e 5 próprio secretário de Estado Alexander Haig tenham
anos, com experiência de combate (Irlanda), e com considerado a vitória como sua .. .
umll grande tradição militar sobre os ombros, concebi- Sem a base da ilha de Ascensão como retaguarda
das e formadas para uma guerra modema dentro de um próxima, «a Royal Navy nunca poderia ter conduzido
esquema NATO de enfrentamento com as tropas do com êxito as operações., reconhecia um oficial inglês

N.O 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 33


de alta patente. E a ajuda none-americana não e
circunscreveu apenas ao apoio logístico (aviões-
-cisterna para abastecimento em pleno voo, 100 mí -
seis "Sindewinder» ar-mar, placas de duro alumfnio
para pistas de aterragens, etc.): no campo da informa-
ções ela foi insubstitu!~el. O sat6lites none-ameri-
canos que cobriam a região não só forneceram toda a
informação fotográfica para as operações de de em-
barque nas ilhas, como deram informaçõe sobre as
condições meteorológicas (vitais nes a área) e exerce-
ram uma permanente vigilância obre a frota argen-
tina.
Dezenas de trabalho e relatório do erviço de
informação dos E tados Unido (da DIA e da CIA)
sobre as Forças Armadas argentinas alimentaram o
computadores britânicos com precio os dados sobre
armamento, instrução das tropas, estruturas das bases Fechado o cerco brttAnlco a Port Stanley, a rend~ do
continentais argentinas, etc., etc. contIngem. argentino era uma quMtio de tempo
Por último, terá de considerar-se o factor fundamen-
tal que constituiu o bloqueio aeronaval em si mesmo,
que obrigou o alto comando argentino a travar uma tem muito que aprender, como seguramente os analis-
guerra de infantaria e de tanques sem contar com tas da NATO retirarão desta guerra muitos ensinamen-
reservas adequadas, nem possibilidade de reforçar tos. Um construtor naval britânico afirmava, por ex-
essas unidades . emplo: «até aqui pensávamos que o mais refinado nas
construções navais era combinar um casco de aço com
Por seu lado, a frota argentina praticamente não superestruturas de alumínio . Agora, com a guerra das
interveio nas operações . Isso foi conseguido atrav6s da Malvinas , ficou demonstrado que isso constitui um
presença de 3 ou 4 submarinos a propulsão nuclear, grave erro: o alumínio funde a 600 graus e os seus
tipo .Hunter Killer-, que imobilizaram todas as uni- gases são combustíveis». Este 6 um exemplo de como
dades da Armada de Buenos Aires, incapaies de muitas indústrias euroPeias , que estão em fase de
combater essa abissal diferença tecnológica. O afun- estudo de novas armas em matéria de intercepção
damento do . General Belgrano- pretendeu esse ob- antimíssil, utilizarão esta guerra como «banco de en-
jectivo: demonstrar aos argentinos que qualquer uni- saios» . . .
dade da sua frota seria presa fácil dos torpedos tele- Esta guerra provocará também igualmente uma
guiados dos seus submarinos. nova espiral de armamentismo a todos os níveis
- corrida fomentada por todas as multinacionais da
indústria de guerra , que pagam dispendiosas campa-
Malvinas, um "banco de ensaios- nhas de publicidade sobre a eficiência dos . Exocet- ou
as " maravilhas _ conseguidas pelos . Sea Harrier• .
Assim como são estas multinacionais, os Estados do
Também de um ponto de vista militar estiveram em Primeiro Mundo, quem tem as chaves do sistema.
confronto não só dois exércitos díspares, como dois Quando a Argentina necessitou de novos mísseis e
mundos. A potência colonial, que apesar da sua deca,.- armas, fecharam-se-Ihe as ponas, decretou-se-lhe o
dência mantém - para além do orgulho imperial - bloqueio, aduzindo-se valores «morais» e de «respeito
uma potentíssima frota , avançadíssima tecnologica- das normas internacionais • . ..
mente, e um exército profissionalizado que chega a
contar nas suas fileiras unidades nepalesas - os .. .Quando Israel invade o Líbano, massacra deze·
«gurkas» - , em confronto com uma nação do Ter- nas de milhar de palestinos e libaneses, nem a CEE
ceiro Mundo, das mais ricas é ceno, detentora de umas nem os Estados Unidos consideram isso razão sufi-
Forças Armadas que , não obstante alguns recursos ciente para lhe declarar o embargo de armas ou o
eficazes e válidos (a .aviação) , não podem competir bloqueio económico!
globalmente com o dispositivo britânico apoiado pela
. A moral é uma opinião», dizia um pensador fran-
NATO e pelos Estados Unidos.
cês. Fazendo eco dessa ' máxima', um dos maiores
E, sobretudo, as vitórias, são o resultado de muitos teóricos militares, o general prussiano Clauswitz,
factores conjugados, do funcionamento global e har- afirmava: «a guerra é a política por outros meios».
mónico de toda a máquina militar, e não da valentia ou Também no plano da guerra o Terceiro Mundo
perícia demonstrada por uma das partes. sofre, «por outros meios. , os efeitos da mesma polí-
O Terceiro Mundo, e em especial a América Latina, ~. O

34 cadernos do terceiro mundo


como.,..
OgeMl1ll G8ItIert: tal e.perIIdo, nao
1Obrw1v. .
poIItIcament. • derrotII na Malvlna

depois da guerra. O que a maioria tinha em mente era a


queda da Junta militar presidida pelo general Leopoldo
Carlos Castilho Galtieri, ou a redemocratização, após seis anos da
mais repressiva ditadura que o país já conheceu. O que
muito poucos esperavam é que ele de repente, face à
criada do Botei entrou no quarto com gestos queda do mito de que ingleses e americanos não
rápidos e nervosos . Ao contrário do habitual permitiriam uma humilhação de um país. como a Ar-
ela não disse nada, procurando esconder o gentina, todo um pais fosse colocado diante do dilema
rosto . Num dado momento, não pôde ocultar as lágri de reavaliar a sua própria história e as origens da crise
mas que lhe corriam pelo rosto . Depois, sentou-se em que todos foram protagonistas.
bruscamente e falou entre soluços: «O meu irmão
morreu nas Malvinas. Recebi há pouco a notícia. E só Revolta aristocrática
agora sinto que estamos mesmo em guerra. E o pior de
tudo: estamos a perder esta guerra. Este país precisava A derrota perante os ingleses e norte-americanos
ganhar, era uma das poucas esperanças que a gente deixou, em primeiro lugar, os militares argentinos
ainda tinha.. extremamente debilitados. Eles não saíram vencidos
A notícia da morte de um soldado de 18 anos levado apenas no terreno militar, diante de forças anglo-
pelo exército para Puerto Argentino chegou aos seus -americanas muito mais poderosas. A Junta militar, e
familiares num momento em que as informações sobre especialmente o general Galtieri, já estavam derrota-
o desembarque ingles em Puerto San Carlos ainda dos política e economicamente mesmo antes da inva-
eram muito confusas. E na opinião pública argentina são das Malvinas no dia 2 de Abril. Galtieri' surpreen-
ninguém ainda ousava falar em derrota. Os jornais, a deu muita gente quando audaciosamente afirmou, logo
rádio e a televisão pintavam um quadro optimista das depois <ia sua posse, que a Argentina era um país do
acções militares contra as tropas britânicas, ao mesmo Primeiro Mundo. A declaração não era uma frase de
tempo que toda a propaganda oficial se concentrava no efeito ou uma galfe diplomática. Era, na verdade, a
slogan: - Argentinos. a vencer-o expressão de um sentimento que sempre esteve pre-
Perder a guerra era talvez a única coisa que não - sente em consideráveis sectores das forças armadas.
estava nas cogitações da maior parte da população da Generais como Onganía, Levingston, Lanusse, Vi-
classe média de cidades como Buenos Aires, Córdoba dela, Viola e Galtieri são a expressão militar da revolta
e Corrientes . Quando a dura realidade do fracasso da aristocracia argentina Contra o populismo pero-
militar começou a surgir quase imperceptivelmente nista, da mesma forma que o regime de Juan Domingo
através dos comunicados oficiais ou dos telegramas Perón em 1943 foi a revolta da pequena-burguesia
informando os parentes da morte de soldados, teve argentina contra os desmandos perpetraaos pela deca-
início a tomada de consciência de um trauma que deve dente elite política e económica durante a cham.ada
provocar a mudança .mais profunda nas estruturas «década infame», entre 1930 e 1940. Em 1930, rulU o
sócio-económicas da Argentina desde 1930. sonho da oligarquia argentina que transformou Buenos
Logo depois do dia 2 de Abril, muitos intelectuais e Aires num pedaço da Europa encravado na América
políticos afirmavam que o país nunca seria o mesmo Latina.

N.O 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 35


Entre o golpe de 1976 e Abril de 1982, os militare revolucionária na América Central . Era por isso im-
argentinos fracassaram em tudo, salvo os duvidoso portante ter um imulacro de apoio continental. Vie.
êxitos colhidos na sanguinári repressão a movimen- ram as eleiçõe e os argentino , ainda segundo a
to guerrilheiros, partido marxistas e indicatos mili- mesma versão, ter- e-iam con iderado livres para ata-
tantes. O saldo do seis anos do autoproclamado «pro- car. o ktdp~rs em Puerto Argentino.
cesso de recuperação n cional .. é de pobrez.a fi grante, Foi o que Galtieri fez no dia 2 de> Abril perante uma
a ponto de semanas antes da invasão das Malvinas, dnica surpre a do Departamento de Estado e do Fo-
alguns oficiais argentinos terem manifestado em pri- r~ign Office . A inva ão das Malvinas não foi um
vado sérias dúvidas sobre a possível repetição de uma ge to intempe tivo . Revistas argentinas já tinham
«nova década infame •. edições preparadas . Jornais ingleses chegaram a pu-
blicar fotomontagens divulgadas em Buenos Aires,
EHtismo .crioDo. mostrando o de embarque de tropas argentinas nas
ilhas que os ingleses chamam Falkland. E o jornal
Em conversas com militares argentino , torna- e Financial Tim~s, de Londres , publicou duas matérias
evidente que o golpe tram do no final de 1980 contra o do seu correspondente latino-americano Hugh
governo do general Viola foi basicamente um mo i- O' Shaugnessy dando como iminente o ataque ao ar-
mento de oficiais ambiciosos que qualificavam o re- quipélago de duzentas ilhas controlado pela coroa
gime deposto como vacilante no que toca àquilo que os britânica desde 1833 .
conspiradores chamavam os .grandes desígnios na: A invasão, portanto, não foi uma surpresa. Os
cionais • . Noutras palavras, o grupo do general Le- norte-americanos e ingleses ficaram surpreendidos foi
opoldo Galtieri acreditava que a Argentina tinha por com a audácia de Galtieri, que na época se julgava
.direito de nascença. , um lugar garantido entre as protegido pelo «acordo. feito com Vernon Walters.
nações do Primeiro Mundo. Isto é, a herança recebida Quando Alexander Haig esteve em Buenos Aires ten-
dos colonizadores europeus e as tradições da aristo- tando servir de medianeiro na crise com a Inglaterra,
cracia garantiam ao país um posição diferente da dos os militares argentinos obtiveram dele a promessa de
demais países latino-americanos. Galtieri propunha-se • fechar os olhos •. Walters, que acompanhava o secre-
ser uma espécie de . caudilho de luxo .. , em contraposi- tário de Estado, teria então dito que Galtieri se precipi-
ção ao .caudilho populista.. que foi Peron . tara ao considerar automática a autoriz.ação para inva-
A feroz repressão aos movimentos guerrilheiros dir as Malvinas logo depois das eleições salvadore-
como o ERP e os Montoneros foi feita em nome deste nhas. Para espanto da Junta, o ex-director da ClA disse
elitismo ~ri 01/ o. Era preciso esmagar a qualquer preço que se os argentinos tivessem consultado Washington
a mais ténue ameaça a este sonho aristocrático. Mas, antes do ataque do dia 2 de Abril teriam sabido que a
seis anos depois, vencida a ferro e fogo a batalha Casa Branca desaconselhava a acção naquele mo-
contra a guerrilha, foram poucas as sobras para ali- mento e sugeriria que fosse retardada por mais alguns
mentar o orgulho de Galtieri . A economia do país meses .
mergulhava com velocidade crescente no caos e na
recessão, embora iluminada pela fina flor da elite Obrfgação moral
tecnocrata adepta do liberalismo monetarista. Os mili-
tares começavam a ter dúvidas sobre o futuro do seu A versão termina dizendo que Haig, Walters e os
projecto. A sombra do pessimismo começava a pairar três membros da Junta argentina se envolveram numa
ameaçadoramente sobre a Casa Rosada, ao mesmo áspera troca de acusações, que penetrou profunda-
tempo que o regime militar sentia os efeitos do isola- mente no terreno dos insultos, acabando aí a m~diação
mento internacional determinado pelo barbarismo re- de Washington e o sonho de que a grande potencia do
pressivo. Norte patrocinaria os interesses do seu sócio do Cone
Sul. Começou aí o plano inclinado da Junta. A invasão
Não foi surpresa das Malvinas era essencial para a sobrevivência de um
regime cambaleante e carente de motivações que lhe
O incidente das Malvinas foi a válvula de escape dessem um mínimo de popularidade. Por outro lado,
descoberta por Galtieri mesmo antes da sua ascenção desafiar o poderio militar anglo-americano significaria
ao poder no fmal de 1981. Corre em Buenos Aires a colocar a Argentina em guerra contra a NATO, algo
versão de que, ao visitar Washington antes da sua que nem mesmo os sonhos primeiro-mundistas de
posse, Galtieri teria feito um acordo com Vemon Galtieri consideravam possível e muito menos capazes
Walters através do qual, a Argentina cederia tropas e de conduzir a uma vitória argentina.
conselheiros militares para uma força de intervenção A Argentina perdeu a guerra quando Walters aban-
em EI Salvador, enquanto os Estados Unidos .fecha- donou subitMOente as reuniões da Casa Rosada, na
riam os olhos» a uma recuperação das Malvinas . segunda semana de Abril, enquanto Alexander Haig
Galtieri cumpriu o seu triste papel no acordo, man- esperava quarenta minutos para que alguém o rece-
dando assessores para EI Salvador. Os Estados Unidos besse na sede do governo . O recuo norte-americano
acreditavam na época que as eleições salvadorenhas de deixou os militares argentinos órfãos. Já não havia
Março não seriam suficientes para reduzir a escalada saída possível. A guerra tornou-se uma espécie de

36 c:ademoe do terceiro mundo


o «tango doe ~.. : lp6e • ~ de Port Stanley, . . contradIç6ee no MIo da Força Armada. da Junta
ergantIna YIeram • tona

o~rigação moral assumida perante uma opinião pú- ram o O entusiasmo manifestado pela opinião pública
blica que viu na invasão das Malvinas uma luta antico- foi ilimitado e muito superior às respostas b6licas
lo?~al, enquanto a Junta responsável directa pela acção dadas pela Junta, que vacilou no terreno diplomático e
milItar buscava uma escapatória. Essa dicotomia es- no terreno que teoricamente lhe era próprio: o terreno
teve presente em todos os momentos da crise, mesmo da guerra. A única força que em rigor se salvou foi a
quando pareceu a muitos que o regime militar havia
conseguido romper o círculo fechado do isolamento
Força A6rea, cujos pilotos depois do ,."i"
a6reo do dia
25 de Maio passaram a lutar mais como argentinos
polftico. patriotas do que como profissionais na arte de conduzir
aviões.
Duas guerras
A Marinha foi a grande ausente, embora os seus
Na verdade, aconteceram duas guerras pelas orgulhosos oficiais tenham sido os mais intransigentes
Malvinas: a guerra travada pelos militares, que fize- e radicais face à posição norte-americana. O Ex6rcito
ram das ilhas uma peça do seu jogo para reconquistar entregou todas as forças estacionadas nas ilhas ao
um mInimo de base popular, e uma negociação nebu- comando do general Mario Benjamin Men6ndez, um
losa com os grandes de Washington; e a guerra do povo oficial de ascend~ncia indígena, marcado pela san-
argentino . A primeira era uma jogada polItica, a se- grenta repressão dos movimentos guerrilheiros de
gunda era a expressão de velhos sentimentos antico- Córdoba e Tucumán, em 76 e 77. Men6ndez transfor-
lonialistas, especialmente antibritânicos, porque em mou a batalha das Malvinas numa guerra pessoal. Ele
~s ocasiões anteriores a Inglaterra já havia in vadido o queria mostrar aos generais da aristocracia do Campo
te'!itório argentino. O recuo norte-americano deixou a de Mayo que era capaz de ganhar sozinho o combate
Junta à merd do impulso anticolonial. contra os ingleses. O orgulho pessoal foi mais forte do
Foi essa perda de iniciativa politica que caracteri- que a sua capacidade como comandante, testada ape-
zou o desenrolar da crise durante o final de Abril e o nas numa guerra suja contra guerrilheiros. O resultado
?lês de Maio. A opinião pública, despertada pela 6 que Men6ndez sucumbiu melancolicamente perante
Invasão, obrigou os militares a fazerem aquilo que eles o desembarque dos fuzileiros britânicos. A sua suposta
deveriam saber fazer mais do que ningu6m: defender o eficiência (revelada na hora de massacrar rebeldes em
pafs e os seus direitos. Tucumán e Córdoba) desapareceu quando o inimigo
Acontece que os militares não souberam encon- era branco, europeu e defensor dos mesmos interesses
trar uma solução para a contradição em que se mete- politico-económicos que ele representa.

N.· 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 37


glesa, num momento em que a dificuldades económi-
Dias de grande tensão
ca já atingiram o limite máximo da tolerância.
A derrota militar diante das forças britânicas
abalou seriamente o prestígio político do general Gal- Desgaste peronlsta
tieri. Os seus dias na Casa Rosada estão contado
O partido tradicionais também saíram desgasta-
porque ele não poderá pagar a factura que lhe será
do da guerra. Teoricamente ele eriam os principais
apresentada pela opinião pública, pelos partido e
beneficiado num fraca o do militares. Mas acon-
também por muitos militares do activo. O desfecho da
tece que faltam aos partidos argentinos Ifderes com
guerra também enterrou as aspirações do almirante
uficiente envergadura e autoridade moral para levan-
Jorge Isaac Anaya, pelo menos a curto prazo. O único
tar os destroços da guerra e criar algo de novo. O
que sai da guerra com pre tIgio , é o brigadeiro Basilio
peroni mo ainda receberia 70 % dos votos em qual-
Lami Dozo, comandante da Força Aérea. Foi ele que
quer eleição livre que fos e realizada na Argentina.
tentou abrir alternativa políticas novas para o período
Mas o peronismo hoje já não é sequer a sombra do que
de pós-guerra, sugerindo a formação de um governo de
era em 1943 ou 1955, quando Juan Domingo Perón era
união nacional. Ma as uas declarações foram desau-
o lfder incontestável do Ju ticiali mo.
torizadas pelo general Galtieri que, sentindo-se amea-
Os seus lídere tradicionais estão velhos, o movi-
çado pelo seu colega de Junta, garantiu que o seu
mento está dividido em , pelo menos , três correntes, a
mandato vai até 1984.
nova geração de peronistas foi cruelmente extermi-
O de afio de Galtieri e a pos ível ingenuidade
nada na repressão posterior a 76, e a mística do líder
política de Lami Dozo mostram que as forças armadas
morto em 1974 não será suficiente para assegurar um
argentinas vão enfrentar a curto prazo um período de
mínimo de estabilidade para um novo governo justi-
grandes tensões. O Departamento de Estado norte-
cialista. Os dirigentes peronistas actuais acham, além
-americano tenta de todas as formas evitar aquilo que
do mais, que é melhor apoiar um regime militar débil
na sua opinião será o pior: o fraccionamento da uni-
do que estar no poder, sob a vigilância de um disposi-
dade militar na Argentina. Mas a grande verdade é que
os processos políticos , económicos e sociais desenca- tivo castrense forte e unificado .
Essa táctica dos peronistas da chamada linha oficial
deados pela guerra não poderão ser já contidos pelos
(maioritária no movimento) envolve uma contradição
mecanismos tradicionais, dos golpes palacianos e das
insanável: tenta co,\ciliar o aparelho militar com uma
trapaças políticas interesseiras.
base popular que hoje está descrente dos regimes
ditatoriais. A actual liderança peronista mostra uma
~ derrota dos militares
incapacidade muito grande para entender que os ve·
O desgaste dos militares argentinos chegou a um lhos estilos polfticos justicialistas deixaram de fun-
ponto crítico e quase irreversível. Fecha-se o ciclo cionar no país . E este é outro drama, na série de
iniciado em 1966 com o golpe do general Onganía e dramas que os argentinos passaram a enfrentar depois
que incluiu o período 73/76 quando os peronistas do desfecho da guerra das Malvinas .
voltaram ao poder com a autorização militar, na tenta- O peronismo é uma ideia, ou melhor, uma recorda-
tiva de adiar o impasse que hoje a guerra das Malvinas ção de uma etapa histórica que ainda empolga milhões
tornou brutalmente claro. Todos os pomposos pro- de pessoas . Mas hoje é incapaz como força polftica de
gramas de salvação nacional apresentados pelos su- assumir sozinho a complexa tarefa de tirar o país do
cessivos governantes militares fracassaram . O desen- beco sem saída em que foi metido pela sucessão de
canto da população com os generais que se revezaram regimes militares . Visto apenas pelo lado teórico, é
na Casa Rosada chegou ao ponto máximo. A única fácil criticar o peronismo e apontar as suas falhas
hipótese de um militar continuar na presidência seria a actuais. A realidade , porém, não é tão simples . É
do surgimento de um novo caudilho, cujo autorita- justamente aí que reside o grande problema .
rismo fosse envolvido numa proposta para reerguer o
orgulho nacional, partindo da idéia de que é necessá- nUa ressuscitado
rio refazer quase tudo . O segundo partido político em importância na Ar-
Mas esse caudilho ainda não está à vista. A Argen- gentina é a União Cívica Radical. Mas a UCR vive
tina é um país de classe média. Uma classe média também um problema muito parecido com o do Justi-
pauperizada, que nos últimos oito anos perdeu a maior cialismo. O seu líder histórico, Ricardo Balbín, moro
parte do seu poder económico para as grandes empre- reu não faz muito tempo , e não surgiram nomes novoS.
sas transnacionais e para o capital financeiro especu- Por incrível que pareça , no meio da crise das Malvi·
lativo. Mas a ideologia predominante ainda hoje é a nas, foi ressuscitado o nome de Auturo Illía, hoje com
ideologia pequeno-burguesa, com o seu nacionalismo 82 anos . Illía surgiu no seio de um movimento intemo
apaixonado e estéril. Para esta classe média, que liderado por Raul Alfonsin, contra a liderança parti·
influencia decisivamente os partidos tradicionais , dária exercida por Carlos Contin, acusado de ser
ainda é impensável uma solução do tipo revolucioná- excessivamente débil diante do governo Galtieri.
rio. Ela também terá poucas condições de conviver O grupo Alfonsin, ligado aos sectores mais jovens
com a humilhação nacional imposta pela vitória in- da UCR, considera que a Iidera~lÇa de Contín se

38 cadernos do terceiro mundo


desgastou nos suces ivos contactos do dirigente radi-
cal com membros do governo e que o partido deve
guardar as distâncias necessárias em relação à Casa
Rosada, para não ser envolvido pelo descrédito poli-
tico de Galtieri depois do fim da guerra.
Mas a ressurreição polftica de Ima tem também
outro objectivo . O ex-presidente derrubado pelos mili-
tares em 1966 foi apresentado como uma das poucas
alternativas polfticas capazes de oferecer um nome
civil dotado de uma suficiente popularidade nacional
para ser uma opção no caso dos militares não terem
outra saída senão devolverem o poder aos partidos.
Mas Il1fajá não tem, nem a força tIsica suficiente para
suportar o peso da responsabilidade de reerguer o país
após a guerra, nem as respostas polfticas e sociais que
a Argentina de hoje exige .

Teia de contradições militares no poder como uma espécie de mal menor.


Pelo que ficou exposto, pode-se ter uma ideia da
Quase todos os partidos argentinos apoiaram a natureza do impasse e do dilema politico que os
guerra usando com intensidade variável o raciocínio argentinos passaram a enfrentar. As soluções imedia-
-nós ganhamos, mas eles perdem-. Como não foram tistas e reformistas no plano politico atingiram um
consultados sobre o desenvolvimento das hostilidades ponto de tal desgaste que nem mesmo os seus defenso-
contra a Inglaterra, sentem que não têm responsabili- res mais intransigentes conseguem dissimular as dúvi-
dade nenhuma quanto ao adverso desfecho militar. das quanto à sua eficácia.
Principalmente os peronistas que empurraram o go- Isso cria o clima necessário para que o país mergu-
verno até à beira do abismo divulgando slogans e lhe mais profundamente dentro das suas próprias estru-
manifestos contra um fim negociado da guerra . Mas os turas, procurando mudanças mais radicais do que as
partidos também ficaram enredados na teia de contra- que foram tentadas até agora. A estrutura do poder,
dições do país a partir do momento em que ficou tanto no plano politico como no económico, foi tão
evidente que não haveria uma vitória militar clara para afectada pelas crises anteriores e agora pelo ónus da
a Argentina. guerra que a tentativa de a remediar será necessaria-
Também eles ficaram atados à crise politica e eco- mente precária e instável. .
nómica em que a nação foi lançada. A solução eleito-
ral, levantada no meio da guerra, interessava aos Futuro de incertezas
Estados Unidos, de tal maneira que vários funcioná-
rios da embaixada norte-americana em Buenos Aires O período que se abre agora será extremamente
iniciaram contactos com politicos visando sondar as traumático porque não existem nem soluções claras
possiblidades para que um acordo pudesse evitar a nem lideres capazes de conduzir à recuperação nacio-
desmoralização completa do regime. A solução foi, na nal. O futuro argentino é todo ele cheio de incertezas.
altura, queimada pela Marinha, sob a acusação de que A única coisa certa é que o que foi usado até agora
era uma espécie de traição nacional num momento em' não serve para as condições actuais . A realidade eco-
que o país estava todo ele mobilizado para a guerra. nómica, que era trágica antes da guerra, mas dissimu-
lada pelo autoritarismo, agora não poderá mais ser
Impasse político escondida. A guerra não chegou a mudar radicalmente
o rumo da crise económica, porque antes mesmo do
Depois da invasão inglesa das Malvinas, a solução dia 2 de Abril, a economia argentina já estava arrasada
voltou a ser cogitada, mas com um empenho bem pelo monetarismo e pelo liberalismo.
menor. A reabertura política não empolga já a opinião A reactivação do mercado interno é, no momento,
pública depois de tantas frustrações com civis ou uma exigência inadiável, porque sem ela o povo ar-
militares na Casa Rosada. É claro que o fim do período gentino está marginalizado . E, portanto, eliminado de
ditatorial e a reconquista das liberdades democráticas qualquer possibilidade de participação num projecto
será um bálsamo para a população . Mas os dirigentes politico.
militares e os responsáveis de partidos como a UCR e o O autoritarismo militar não tem já condições para
Movimento de Integração Democrática (MIO) do ser preservado porque está em aberta contradição com
ex-presidente Arture Frondizi (defensor de uma solu- a política liberal económica adoptada até agora. Por
ção reformista no plano económic<» têm consciência outro lado, o autoritarismo económico não pode ser
de que a liberalização pode lançar os actuais partidos implantado porque levará inevitavelmente à explosão
noutro beco sem saída . E dentro desses partidos vol- social, num povo que atingiu o nível mais baixo de
tam a surgir vozes que admitem a permanência dos toda a sua história em termos de empobrecimento. q

N.· 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 39


graus na sua poUtica externa, aproximando-se dos
países socialistas (incluindo a directriz oficial de
explorar todas as possibilidades de ampliação do
intercâmbio) e reinserindo-se no Movimento dos par-
es Não-Alinhados , que a Junta militar tinha classifi-
cado como alheio aos seus interesses .
O espectáculo que o ministro dos Negócios Estran-
geiros argentino, Nicanor Costa Méndez, deu em
Havana quando, no começo de Junho, participou na
reunil o ministerial do Movimento, foi talvez o indício
mais revelador da mudança. Costa Méndez atacou os
imperialismos brit1nico e norte-americano e conde-
nou a África do Sul e Israel, ambos governos aliados
de Buenos Aires até ao momento em que se iniciou o
conflito.
Em relação à América Latina , a Junta encetou
diálogo com o Pacto Andino, com o qual procura
expandir o intercâmbio. Por outro lado, o Sistema
Económico Latino-Americano (SELA) criou em 3 de
Junho um comité de apoio à Argentina integrado por
18 países.

Vlra.cm "ctlca
Esta viragem, no entanto, foi de ordem táctica.
Obrigada pelas circunst1ncias, a Junta militar
voltou-se para os países socialistas e para os nlo-
-alinhados. Mas no seio das forças armadas e do
establishment argentino, .no momento em que se
adoptaram essas decisões, houve grupos que se pro-
nunciaram contra uma inversão das alianças, o que,
segundo eles, teria tomado Moscovo objecto de uma
relação preferencial.
Esses sectores opinavam que, uma vez terminada a
quebra das alianças provocada pela crise do guerra, a Argentina deveria voltar ao «curral- oci-
A Atlântico Sul abriu inesperadas possibilida-
des para a integração da América Latina, uma
aspiração sempre adiada. A aplicação de sanções
dental. A disputa entre as duas alas acarretou diver-
sas ambiguidades . Por isso, ati que a correlação de
forças se esclareça e se estabeleça uma nova política
contra a Argentina por parte dos Estados Unidos e da externa, esses aspectos da viragem deveriam ser con-
Comunidade Económica Europeia (CEE) - com ex- siderados como meramente tácticos.
cepção da Itália e da Irlanda - interrompeu o fluxo Em compensação , a abertura em direcção à~­
comercial com a Argentina, que respondeu proibindo rica Latina poderia ter características duradouras. É
as importações dos países dessas áreas . difícil prever quanto tempo e que dimensão terá o
Essas medidas, juntamente com o rancor por esses conflito com a área ocidental, mas é fácil imaginar a
países terem apoiado a Grã-Bretanha numa guerra resisltncia a um rápido retomo a curto prazo aos
colonial sangrenta com a Argentina, criaram as pre- termos anteriores, independentemente do governo que
missas políticas para a cisão da Organização dos esteja no poder em Buenos Aires.
Estados Americanos (OEA) e para a deterioração dos E existem, por outro lado, reais oportunidades de
vínculos entre a América Latina e a Europa Ocidental. ampliar o intercAmbio regional com o qual todas as
A Argentina foi o país directamente afectado e partes só ~m a ganhar. O problema que a Argentina,
viu-se obrigada a buscar solidariedade e intercâmbio o Pacto Andino e os países membros do comité de
em outras regiões . Logicamente, escolheu a América apoio do SELA terão de resolver tem a ver corri o tipo
Latina como prioritária pois os países irmãos apoia- de integÍ-açio que irão favorecer. O desejo de integra-
ram por esmagadora maioria a reivindicação das ção não elimina as limitações inerentes à condição de
Malvinas e condenaram a iniciativa bélica dos ingle- pafses subdesenvolvidos e dependentes, como são -
ses. guardando-se as diferenças de grau - os latino-
Na realidade, o governo militar argentino que, -americanos.
desde a sua instalação em Março de 1976, tinha dado Essa condição consiste em serem exportadores de
prioridade à sua relação com o Ocidente, viu-se produtos básicos e importadores de manufacturados e
compelido a empreender uma viragem táctica de 180 maquinaria, contando com um baixo grau de indus-

40 ~ do terceiro mundo
trializaçlo. Como já existe intercAmbio a nível de Unidos e a CEE - seriam os seus fornecedores indus-
produtos básicos, t pouco o que se pode expandir por triais.
esse lado, e no máximo, um país poderia comprar à Proc~u-se, assi'!l' encaixar a economia do país
Argentina os alimentos que estava a adquirir noutro no proJ~to da ComIssão Trilateral. Essa orientação
pais latino-americano. c.c0nóml.c~ com~l~m~ntava-se com uma aliança poU-
hca e mtlitar pnvilegJada com as po~ncias capitalis-
IDtearaçio marginal ~s e, em primeiro lugar, com Washington. Enquanto
ISSO, colocava-se em segundo plano a Amtrica Latina
Isso podeni aliviar as dificuldades de momento do e retirava-se importlncia à partiCipaçãO .(14lS institui-
pais platino, mas essa orientação, não uma integra- çócs do Terceiro Mundo.
~o, fomentaria uma substituição de mercados ou, em A iniciativa btlica britAnica e as sançõcs constituí-
outros termos, uma integração marginal. ram a contradição irresistível que quebrou essas
Só t possível caminhar rumo a uma integração alianças e. induziu o governo argentino a procurar
significativa e duradoura se a industrialização regio- novos SÓCiOS com dramática urg~ncia.
nal for incluída. Depois de terem cortado os vÍDculos com a CEE as
Vejamos o caso da Argentina e da Venezuela, que t autoridades argentinas interrogavam-se, por ex~m­
importante, pois o governo de Caracas - que conta pio, como fariam para encarar a situação causada por
com um significativo mercado consumidor - manttm uma depend!ncia de 40% na esfera tecnológica.
a decisão poUtica de ampliar o intercâmbio bilateral e . ~ evidente que a Argentina - independentemente
enviou com esse propósito uma missão a Buenos dos problemas poUticos - 010 podeni resolver o
Aires. dilema ~Dóm.ico.em mudar a sua actual orientação.
As exportaçõe. venezuelanas aio compostas de A pounca económica da Junta militar culminou
97% de hidrocarbonetos. Mas a Argentina cobre mais num total fracasso cuja principal vítima foi exacta-
de 90% das suas necessidades petrolíferas, de forma mente o sector industrial.
que apresenta uma limitada capacidade de incremen-
tar as suas importaçpcs com a Venezuela. Condições objectivas
As exportaçõcs argentinas estão mais diversifica-
das. Os produtos básicos - principalmente cereais e O Produto Nacional Bruto (PNB) da Argentina caiu
carnes - representam 74%; maquinaria e equipamen- 6,1% em 1981 e a actividade industrial em 16%. O
tos, 8%; ~xteis, 3%; e outras manufacturas, 15% .(1) PNB cresceu 15% durante os seis anos anteriores ao
Por sua vez, a Venezuela dedica 12% das suas golpe militar de 1976 e caiu cerca de 4% nos seis
iIoportaçócs aos alimentos, contra 83% para maqui- seguintes, entre 1976 e 1981.
naria, equipamentos e manufacturas. V~-se, por- Em 1974, o sector industrial representava 29% do
tinto, que apesar de a Argentina poder ampliar as PNB e, em 1981, tinha baixado para 22%. Como
suas exportaçõcs alimentares, t o sector industrial outros países subdesenvolvidos, a Argentina expandiu
que poderia oferecer as melhores pe.rspcctivas de as suas indústrias durante as duas guerras mundiais,
intensificação do intercâmbio. quando o comtrcio com as potências ocidentais fOI
Paradoxalmente t a própria poUtica argentina o radicalmente afectado.
factor que limita a expansão industrial. Os sectores Hoje, deveria fazer a mesma coisa, mas de forma
nacionalistas e progressistas argentinos são partidá- planeada, para enfrentar a guerra económica que os
rios da industrialização e impulsionaram-na quando seus aliados ocidentais de ontem lhe declararam. E
tinham influ~nçia governamental . Mas o sector do não podeni avançar em. direcção à integração latino-
establishment aliado ao regime militar adoptou um -americana se não cóncretizar com os países da região
programa económico ultraliberal, executado sucessi- um processo de industrialização compartilhada.
vamente pelos ministros da Economia, Martínez de Nenhuns desses caminhos são possíveis se for man-
Hoz e Alemann. Esse sector sustentou que a manuten- tida a política económica ultraliberal do ministro
ção de indóstrias pouco competitivas era muito one- Alemann. Este manteve-se no meio da contradição,
rosa para o país . alegando que essa política e os seus contactos inter-
Por causa disso, a indóstria não foi protegida, nacionais permitiriam à Argentil)a negociar com os.
baixando-se drasticamente as tarifas alfandegárias, seus credores. Mas a Argentina defronta-se com a
fazendo-se com que a competição deixasse agir no hora da verdade.
mercado as indústrias que tivessem condiçõcs vanta- Uma poderosa e inesperada corrente histórica está
josas. Tratava-se de uma orientação semelhante à impelindo o país a integrar-se na Amtrica Latina.
adoptada no Chile pelo regime militar de Augusto Qualquer que seja o resultado da disputa, o facto é
Pinochet. que, até hoje, nunca houve condiçócs objectivas tão
Os ultraliberais afrrmavam que a Argentina deveria favoráveis para que se desenvolva o processo de
acentuar a produção de alimentos e aceitar o esquema integração desta região do Terceiro Mundo. O
de divisão do trabalho internacional, por meio do qual (I) - Dados de 1978. Fonte: World D~v~/opm~nl R~port.
as po~ncias capitalistas - principalmente os Estados 1981. BIIICO Mundial.

N.O 45/Junho-Julho 1982 cademoa do terceiro mundo 41


VESPER Comércio Geral de
Importação e Exportação Importação e Exportação
Empresa de caplals mlslos Luso-AngoIana Representações, Serviços,
AssocIadaS . Actividades Conexas e
IMPOATANG UE E
Cenlral Angolana de Imporlaçlo
Agência de Empresas
EXPORTANG U EE Nacionais e Estrangeiras
Cenlral Angolana de Exporlaçlo
ANGOOESPACHOS U E E
Empresa de Despachos AJlandegános de Luanda VESPER
COTECO Imporlaçao e Exporlaçao. Lda.
Sociedade de CooperaçAo Técnica e Comercial. Lda
Av. AnIOnio José de Almeida . 44. 1.0 .0.
1000 LISBOA Porlugal
Telels 7311231 7313231731423
Telex 14069 JOMASU P

--
42 cadernos do terceiro mundo
COMUNICAC--- 11111111111111111111111111~lllllllllmlllllllllllllllllllI
A guerra
psicológica
da elA
«E/ Mercurio», do Chile, o «Dai/y
G/eaner», da Jamaica e «La
Prensa», da Nicarágua, são
ferramentas de uma mesma
estratégia para desestabílízar
governos progressistas Fred Landis*

A última década, quatro minar, caluniando os ministros do Aqui estudaremos o que faz a elA
N países latino-americanos
optaram por um modelo não
governo, promovendo uma con-
tra-elite para substituir o governo
socialista, disseminando desinfor-
com os «seus» jornais quando estes
processos se desenvolvem.
capitalista (ou declaradamente s0- A metodologia
cialista) de desenvolvimento: Chile, mação, fomentando a criação de
Jamaica, Nicarágua e Granada. Nos conflitos artificiais, e coordenando A primeira medida que a CIA
três primeiros casos, a Agência o esforço de propaganda com uma toma ao reestruturar um jornal para
Cen~ de Informações (CIA) dos ofensiva económica, diplomática e utilizá-lo nas suas campanhas deses-
Estados Unidos respondeu, entre paramilitar, de acordo com as tácti- tabilizadoras é levar o dono do jor-
outras medidas, tomando conta do cas de guerra psicológica descritas nal em questão a integrar a junta da
principal jornal do país e utilizan- no Field Manual of Psychological Sociedade Interamericana de Im-
do-o como instrumento de desesta- Operations do exército norte- prensa (SIP). O New York Times
bilização. (G ranada fechou o Jornai -americano. citou (26/12/77) um alto funcioná-
opositor pouco depois da revolução, Essas etapas, juntamente com as rio da CIA, para o qual a SIP seria
por este não cumprir a lei q ue exigia mudanças drásticas de paginação, «uma fonte de acções encobertas»
que os seus proprietários não fossem são tão específicas que tomam pos- da Agência. Num segundo passo, a
estrangeiros) . sível suspeitar da influência da CIA. SIP coloca o país na lista de regimes
A CIA apropria-se dos periódicos Se a ofensiva de propaganda se que ameaçam a liberdade de Im-
através de etapas discretas porém combina com sabotagem econó- prensa. A Divisão de Serviços Téc-
identificáveis: utilizando uma as- mica, o terrorismo paramilitar e ou- nicos da SIP é enviada para «mo-
sociação internacional de Imprensa, tras actividades encobertas, então dernizar» o jornal. As inovações
despedindo parte do pessoal, mo- pode-se afirmar sem dúvida que a «técnicas» quase sempre conduzirão
dernizando o sector de impressão, CIA está em acção. à dispensa dos tipógrafos (cujos
mudando a diagramação da primeira A CIA tem acesso a mais de 200 sindicatos são geralmente de es-
página, usando propaganda subli- periódicos no mundo, assessorados querda na América Latina) e de
pelo Departamento de Orienfação da grande parte do corpo editorial, in-
Propaganda Internacional, que edita cluindo alguns jornalistas conserva-
o boletim Bi-Weekly Propaganda dores.
• o autor t um psicólogo nonc-americano
nascido 00 Oúle, formado pela Universidade Guidance para uso das estações lo- O estilo da primeira página muda
de Illinois com uma tese sobre a guerra psico. cais da CIA nos seus contactos com radicalmente, adoptando fórmulas
lógica no Chile 00 perfodo 1970-13 . ~ cc). . os periódicos. Neles se desenvolve
·autor de um livro sobre o assassinato de
sensacionalistas com grandes fotos e
Orlando Lecelier e produtor de uma curta-me-
uma campanha permanente de pro- títulos. Os jornais conservadores do
lragem sobre as operaçOes jomaUsticas da paganda para evitar processos como Terceiro Mundo destacam quase
CiA, 00 qual se baseou esce artigo extraldo da os do Chile, Jamaica e Nicarág_~a. sempre na sua primeira página notí-
revi.ta Covert ACllon

cadernos do terceiro mundo 43


N.O45/Junho-Julho 1982
cias dos Estados Unidos ou da Eu-
ropa. Em uma media operation da
CIA, as notícias locais passarão para
o primeiro plano. Do resto do
mundo, só se noticiarão catástrofes,
convcrtendo o planeta num lugar
obscuro e assustador.
l'1um periódico sob a inf1~ncia
da CIA, os títulos serão sempre de
natureza negativa, culpando o go-
vcrno socialista de todos os males
que se abatem sobre o par . Quando
não se pode fabricar uficiente
problemas locais, acontecimento
antigos ou distantes serão transfor-
mados em .. notícia. para seguir a
linha traçada: .. Colapso económico
em Cuba.; .. Colapso económico na
Polónia.; «Colapso económico na
Nicarágua•.
. O caos económico ~ o primeiro
tema, porque este ~ mais fácil de ser
criado pelos Estados Unidos. A
ajuda ecooómica ~ suspensa: o
Banco Interamericano de Desen-
volvimento, o Banco Mundial e os
bancos privados norte-americanos
cortam os créditos; nega-se a reposi-
ção de peças para maquinaria de
fabricação norte-americana.
O tema seguinte ~ o caos social.
Em quase todos os países ocorrem
factos que normalmente um jornal
conservador não trataria. De re-
pente, estes enchem a primeira pá-
gina: violência, crise permanente,
acontecimentos sobrenaturais, va-
ticínios, mortes, um cachorro que 0rtIge )unto. um
assassina o seu dono, crianças que -..o mutlledo
delatam os pais, empregados que se
rebelam contra os seus patrões. De-
pois de criado o clima de tensão, o de outro artigo, a propaganda su- textos não tinham nenhuma indica-
governo será apontado como cul- bliminar e as associações de pala- ção de que os ministros tivessem
pado. Primeiro, acusar-se-á a ideo- vras. alguma coisa a ver com a agressão,
logia (socialismo) que o governo Em 5 de Dezembro de 1980, La mas o efeito foi conseguido.
representa, depois o próprio regime, Prensa da Nicarágua publicou uma A 25 de Setembro de 1972, EI
por insinuação ou explicitamente; foto do ministro da Defesa e diri- Mercurio do Chile associou subli-
com humor e depois com terror; ~ente da FSLN, Humberto Ortega, minarmente o ministro da Educação
destruindo inicialmente a imagem Junto à foto de um cadãver mutilado. com o estupro e assassinato de uma
pública e depois assassinando a -Ligando. ambas, um bloco da po- jovem estudante. Sete anos mais
própria pessoa, como ocorreu no licia sandinista supostamente en- tarde, na Jamaica, uma foto do mi-
Chile com os generais constitucio- contrado perto do corpo. nistro da Habitação, Anthony
nalistas René Schneider e Carlos Durante a campanha eleitoral de Spaulding, foi colocada junto a
Pratts e o ex-ministro dos Negócios 1980 na Jamaica, o Daily Gleaner, fotos e títulos de casas incendiadas.
Estrangeiros Orlando Letelier. colocou três fotos de ministros do Na secção dedicada à preparação
governo de Michael Maoley de- de impressos para a guerra psicoló-
Propaganda subliminar baixo de um título que dizia ,,23 gica, o Field Manual of Psychologi-
homens violam menina de 15 anos". cal Operations (FM 33-5) do exér-
Os ataques indirectos empregam A página foi cuidadosamente ma- cito norte-americano considera que
a justaposição de fotos com títulos quetada para chocar os leitores. Os a insinuação pictórica ou gráfica é

44 cadernos do terceiro mundo


~ -, - ' ÉL MERCURIO

23 ME~
r- - ...... : ... - .. _ ._.... _--
~

~ Asesinoid ele Imo loven r====:-:-:':::=-:=":':"'--:-~

APE1~ Renunció
Minislro dE
Educac;ón

GIRL
ONI
,ap.d
or 1J MIII/ I\Ilfll 111\1 nl"",
D l~ ~N', 0101 .chool QIII nn th ..
9 roun ch (II 'h .. Ali ~n"". 1111 nq"
.ONE S
OY cc
guerra das mentes,,), o sociólogo
Peter Watson anota que no mês de
Maio de 1968, 300 milhões de pan-
fletos psyops (de Us Anny Psycho-
/ogical Operations) foram lançados
sobre o Vietname. Segundo Paul
Linebarger, muitos biliões de
1(1\001 01 ~tudl .. V rn,k Rond ""n' ,hol psyops volantes foram «bombar-
ond ",ill...t br th .. 1'", 1" .. ,,,'. ",o,nlnq deados- pelos Estados Unidos sobre
ond hll gvn ounci 011 "i,
body o teatro de operações alemão . Dado
,,- ' . . 4 -.~ h., h .... ........ ",~ • ., 1 04 " 81 "
14 ...· '.·.4 •• to. .. 'fi " AI "b ('~ ..
1'14) , ...
o enorme esforço em imprimir e
,. t.,, 1 .... )ri . , _".1 . lançar este material por detrás das
linhas inimigas, é surpreendente que

Traffic system o assunto tenha sido tão pouco estu-


dado.

causing havoc Colaboração SIP-CIA

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fmisfers ~'''r'' '''1

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• Durante a Segunda Guerra Mun-
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......... .....
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mo.tr8d8 )unto
doe mlnlmo. de
EetIIdo, 8Im
motivo ..,.,..,.
çavam os panfletos, a fonte dessa
propaganda era evidente para o lei-
tor. Hoje os logotipos dos periódi-
cos conservadores são empregados
mais eficÍlz que o ataque directo a identificados abertamente com um para ocultar a procedência real das
líderes, já que a população local partido, ou que os «pasquins" po- campanhas .
pode reagir adversamente e rechaçar pulistas. Isso explica porque, nos Com centenas de periódicos filia-
este último. Paul Linebarger, o pai tres casos estudados, a ClA se apo- dos, a SIP está pronta a gritar contra
das modernas operações da ClA nos derou do principal jornal conserva- . a «ameaça marxista à Imprensa li-
meios de comunicação, realçava dor de cada país . vre" se o governo atacado tenta res-
que durante a Segunda Guerra A primeira página parece um car- tringir o fluxo de propaganda hostil.
Mundial os Estados Unidos tinham taz ou um panfleto de guerra psico- Em 1969, a ClA tinha cinco agentes
muito mais exito nas campanhas lógica precisamente porque é uma empregados como executivos no El
psicológicas quando os seus «volan- anna de guerra psicológica. A evo- Mercurio. Todos eles foram eleitos,
tes- eram apresentados no estilo e lução histórica é clara. Durante a nos anos seguintes, para integrar a
fonnato dos jornais aleptães . Line- Segunda Guerra Mundial, o Bata- Junta de Directores da SIP. O dono
barger estudou a propaganda dos lhão de Propaganda do exército do El Mercurio foi presidente do
aliados e do eixo nazi-fascista e norte-americano produzia panfletos Comité de Liberdade de Imprensa e,
concluiu que a técnica britânica era que atacavam os lideres inimigos depois, da própria Sociedade.
superior, porque a propaganda era por insinuação na imagem. Depois, Pouco antes da campanha eleito-
apresentada como notícia . os' panfletos assumiram o estilo e o ral contra o primeiro-ministro
Na América Latina, os periódicos fonnato dos diários inimigos . Hoje a social-democrata Michael Manley,
conservadores gozam de mais cre- CIA apodera-se pura e simples- da Jamaica, o editor do Daily Glea-
dibilidade entre todas as classes so- mente do próprio jornal. ner, Oliver Clarke, foi incorporado
ciais que os periódicos oficiais, NolivroThe Waron the Mind (<<A no .Comité Executivo da SIP e agora

N," 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 45


foi promovido ao cargo de te ou-
reiro . Na sua última convenção
ralmente apoiada por documento
apócrifo.
°
maica. artigo foi reproduzido pelo
Dai/y Gleaner com o título -Castro
anual, em San Diego, Califórnia, a Ralph McGehee, veterano agente quer fazer da Jamaica uma Cuba de
SIP integrou Pedro Joaquín Cha- com 25 ano de experiência na ClA, Ifngua ingle a». Segundo dados do
morro filho, na uajunta de directo- escreveu no semanário liberal governo jamaicano, havia 420 cu-
res, ainda que este não fo então norte-americano Th~ Nalion (11- banos na ilha, a maior parte dos
director ou editor do La 7>r~nsa . /4/81): "Onde se carece das circun - quai eram médicos, professores e
Porém, a CIA neces itava dele pôr- tância ou prova nece sária para especialistas agrícolas.
que tem o nome de seu pai, as as i- apoiar a intervenção norte-america- A 10 de Agosto de 1981, Moss
nado por Somoza e unanimemente na, a CIA cria as ituaçóe apropria- escreveu no Dai/y Telegraph que
considerado mártir da revolução ni- das ou inventa-a e distribui-as cinco mil cubanos tinham sido - des-
caraguense. Depoi de a promo- mundialmente atravé do seus tacado » para a Nicará~ua.
ção, Chamorro foi de ign do direc- m~dia opualions ( ... ) Preocupada De acordo com o seu propósito, as
tor assistente do La Pr~nsa e integra com a re i tência dos militare em operações de guerra psicológica
agora o Comité E ecutivo da SIP. empreender acções contra Allende, podem ser classificadas de estabili-
A última reunião da SIP no Rio de a CIA falsificou um documento re- ~zadoras e desestabilizadoras. No
Janeiro, em Outubro do ano pas- velando um conluio esquerdista para caso de se tratar de um governo
sado, foi dominada por referências assassinar militares chilenos. A amigo, a propaganda da CIA tenta
alarmistas sobre a situação da Im- Imprensa deu grande de taque à criar uma imagem positiva do re-
prensa na Nicarágua. descoberta do conluio, pouco antes gime para apoiar a sua estabilidade.
Obviamente, os donos dos pe- de Allende ser derrubado e assassi- E este o caso da defesa do xá do Irão
por parte de Amaud Borchgrave
riódicos conservadores da América
Latina não necessitam de dinheiro
da CIA para opor-se a um governo
°
nado .»
principal agente da campanha
de desinformação do Chile foi Ro-
(correspondente do Newsweek
frequentemente apontado como
socialista. A assi tência que a CIA bert Moss que, sete anos mais tarde, agente da CIA) ou dos elogios do
fomece é técnica e não financeira. foi co-autor do livro The 'Spike. no próprio Mos à Junta chilena.
Sem a ajuda da CIA, o periódico qual sustenta que os soviéticos in- A desestabilização é um termo
explicitaria a sua linha oposicionista ventaram uma estranha técnica que se tomou famoso quando o ex-
nas páginas editoriais, com uma lin- chamada desinformação. -director da CIA William Colby o
guagem própria da ideologia da elite Certa vez, Moss escreveu sobre a empregou para descrever o que a
conservadora local . Isso, porém, existência de um exército secreto de CIA tinha feito no Chile. Depois de
seria guerra ideológica e não psico- cubanos no Uruguai. Depois do haver estudado o que mantém uma
lógica. À CIA não interessa, neste golpe militar no Uruguai, "revelou» sociedade unida, usa-se esse co-
nhecimento para desuni-Ia.
tipo de operações, a ideologia. ELa
concentra-se no uso do seu amplo
a presença de um exército secreto de
14 mil "esquerdistas,. uruguaios, °Manual de Operações Psicoló-
gicas recomenda "estimular diver-
reportório de truques sujos . Um bolivianos e cubanos no Chile. De-
deles é a desinformação. pois do golpe no Chile, Moss des- gências entre as classes militar e
cobriu um exército secreto de cinco política; abalar a confiança nos diri-
Desinformação mil cubanos em Portugal . gentes; estimular os atritos de ele-
A 8 de Outubro de 1979, Mosso mentos religiosos, étnicos, políticos
A desinformação é um tipo espe- escreveu no Daily Telegraph de e económicos entre si e contra o
cial de propaganda "negra,. (infor- Londres que havia um Exército se- governo; fortalecer os líderes ami-
mação falsa no jargão da CIA), ge- creto de cinco mil cubanos na Ja- gos e debilitar os inimigos».

Jamàicc Canais de desinformação

soldou' A presença desse tipo de propa-


ganda divisionista ou de manobras

theCub de desinformação deve ser conside-


rada uma evidência de que está em
marcha uma operação psicológica.

forlesSl Um dos métodos para descobrir se


se trata de uma operação da ClA é
investigar os canais que levam a

30pjecl_~_ desinformação ao pais em questão.


Explica o ex-agente da CIA Philip

ofSilvei ~m:~~ Agee: "Por exemplo, a estación


(sucursal) da CIA em Caracas pode

46 cademos do terceiro mundo


telegrafar para Bogotá a infonnação
sobre um complol comunista na
Venezuela. A estação de Bogotá le-
vantará a versão através de UIJ1 ..__.............
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atribuirá a um funcionário gover·
namental venezuelano não-
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cado na Imprensa colombiana será


retransmitido para as «estações da
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distante dá só por si uma pista.

assassinale tE.
Como pode um jornal colombiano
ser o primeiro a inteirar-se de um
plano secreto na Venezuela? . -,
La Prensa fornece um exemplo
recente deste tipo de propaganda
.negra •. Em 16 de Agosto de 1981, police ....-
officers'
ojornal noticiava que o ministro dos
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Negócios Estrangeiros nicara-
guense, Miguel d ' Escoto, havia-se
referido à igreja católica em tennos
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Prensa disse que a sua fonte era o
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Diario de las Américas, jornal em
língua espanhola de Miami publi-
cado porexilados cubanos . ODiario
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e tem entre o seu pessoal vários
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Ramon Castro,
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agentes da ClA. Ante a insistência I • .. • , I . ... . , _

nicaraguense, o Diario de las


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LI/t· I~''!I expert, vlsits
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Américas disse que as declarações
de O'Escoto haviam sido tiradas de
um obscuro jornal mexicano cha- Símbolos até então membro da Junta de Go-
_ mado El Periódico, que então tinha verno) como embaixador nos Esta-
poucos meses de vida. Consultado, dos Unidos junto a um título que ·
EI Periódico disse que as declara- Talvez uma das características dizia: «Se vá el Cuerpo de Paz•. A
ções estavam contidas em uma en- mais típicas de um jornal controlado associação era óbvia, «Cruz se vá,
trevista com D' Escoto realizada seis pela ClA seja o abandono de todo o se vá la paz» .
meses antes por um de seus repórte- interesse em transmitir uma mensa- Nesta época, não havia na Nica-
res em Nova Deli. Desafiado a gem no texto, apoiando-se antes rágua nenhuma operação do Corpo
demonstrá-lo, o repórter disse que a nuns poucos símbolos chaves que de Paz. A Imprensa de esquerda
gravação era inaudível porque as pi- são inseridos na primeira página. Os considerou que o título mentiroso
lhas tinham-se esgotado. símbolos manipulados são aqueles era uma provocação, porém ignorou
que suscitam fortes associações a manipulação emocional do tema
Como pode um jornal mexicano emocionais no público que se quer da paz e o símbolo da cruz.
de segunda classe fmanciar o envio alcançar. No Chile, durante três anos,
de um repórter a Nova Deli? Porque Assim, por exemplo, La Prensa foram raras as vezes que EI Mercu-
~solve de repente fazer um título de publicou em 7 de Março de 1981 um rio publicou fotos da presidente Al-
0110 colunas a partir de uma entre- artigo sobre a nomeação do dr. Ar- lende na primeira página. Mas cada
vista realizada seis meses antes? turo Cruz (um banqueiro moderado, vez que o fez, o retrato aparecia

N.O45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 47


cercado de titulos que incluíam as Gl~aller d Jamai a publicou uma Dai/)' Gleaner ou La Prensa pare-
palavras soviético, comum ta, foto do primeiro-mini tro Michael cem- e entre i e diferenciam-se dos
marxista, violência ou morte. Manley perto de doi titulo que não eus velho formato conservado-
A 28 de Ago to de 1970, EI Mer- e tavam relacion dos com ela: «Fu- re . É claro que stiio eguindo um
cur;o publicou uma foto do mini tro turo negro» e «O nnelhos toma- modelo pré-e tabelecido , mas será
da Economia, Pedro Vuscovic, ram o controlo ... São abundante os que siio eficazes? Muitos teóricos da
junto à de uma criança que trazia o e emplo de caso semelhante . comunicação su tentam que a pro-
titulo: «Queria estrangular e ta Com a imples ju tapo i -o de paganda de qualquer tipo tem pouco
criança». Em 12 de Junho de 1972 foto e titulos, o Udere sociali tas impacto obre a eleições ou outras
outra foto de Vuscovic apareceu e a ideologi que representam são forma de comportamento poHtico.
junto a uma matéria intitulada «Mãe associado violência, a pragas e I so foi precisamente o que disse
violada e assas inada.. . morte. um congres i ta norte-americano ao
A 31 de Março de 1980, o Dail)' A no versõe deEI Mercur;o, dr. Frederick Frei, do Massachu-
ett Institute of Technology . Ar-
gumentava esse deputado que não se
devia destinar mais fundos norte-
-americanos para a propaganda, já
que tais actividades não produziriam
nenhum beneficio concreto à segu-
rança nacional dos Estados Unidos.
Frei replicou que estudos levados a

vam o contrário . °
cabo no Chile e Turquia demonstra-
testemunho de
Frei foi feito numa sessão secreta do
Congresso , da qual só se publicaram
versões parciais . Fica claro, no en-
tanto, que Frei referia-se às eleições
chilenas de 1964, quando a elA
investiu. 20 milhões de dólares na
campanha contra Allende . E embora
desconheçamos como foram reali-
zados os estudos, é óbvio que a elA
crê que os seus métodos de propa-
ganda funcionam .

Técnicas subliminares

Em artigo publicado no semaná-


rio The Nat;oll, Ralph McGehcc
afirma que a ClA tentou recriar no
Chile o mesmo clima psicológico
que imperava na Indonésia em
1965, quando um golpe de Estado
levou ao massacre de centenas de
milhares de «comunistas... Arnold
C. Brackman, que foi repórter em
Jacarta, capital da Indonésia, des-
......... . .........
.:.
creve este clima: "Os indonésios
... .. . .. . . , IvrIiL •
falam de 'terror mental' quando se
.rf . !f~:: · , :_ -, ~" I::,~ H AA. . referem ao período de 1964/6S.
Nesse contexto, os assassinatos
Misión Secreta dE podem ser descritos como uma 'ex-
plosão psicológica' que eclode num
povo reprimido e enlouquecido pelo
'P artido Comúnist 'terror mental' ...

.. ...... --. -
A bomba psicológica que a elA
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_............ uma
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1/3172: AI"" •
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.. . ........ fez explodir na Indonésia matou


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MIIUICionaIlatII

48 cad8mos do terceiro mundo


Hiroshima. Essa capacidade de
gerar maremotos emocionais e ter-
ramotos políticos exige que as ope- --- ----.- - -- ..
_
EL MERCURIO';';
. .-.........-. . .
rações psicológicas da CIA sejam
examinadas .
Rechazado el
A 8 de Abril de 1972,El Mercurio Recorrido de
publicou urná foto toda colorida de
uma operação cirúrgica em coração la Marcha
aberto, ao hido de urna foto de AI-
Rf/lr: .rr~ ·
oe
o
lende. Não é o tipo de imagem que
um chileno conservador esperaria
encontrar no seu jornal ao tomar o ,
;:~ I!k) .,!
'111,!,\ ê_
~ ,~~.,~, . 'e::
I· café da manhã. A 24 de Novembro
r· desse mesmo ano, El Mercurio in-
e sisle na mesma tecla, cercando uma
~. foto de Allende com quatro fotos a
cores da implantação de uma bateria
o radiaoctiva no coração de um chi-
I· leno.
I. A mensagem que se tenta trans-
a mitir é que o marxista Allende,
I· como a bateria, é um elemento es-
~ tranho que penetrou bem no coração
o do Chile, que seria um corpo sadio.
p A 13 de Agosto de 1973, exacta-
mente um mês antes do golpe, El
Mercurio publicou uma foto de uma Ranz('f In icio Vis;fo (1 Paraguai
~ procissão fúnebre tomada no mo-
~ mento em que passava em frente do
palácio presidencial de La Moneda,
como nefasto augúrio do que viria "fQ'_~ r:
depois .
' '' .&, 1'.
A 9 de Março de 1972, uma foto
de um cão raivoso é publicada de-
baixo de uma de Vuscovic . Outros
augúrios de morte - em particular
~! .
galinhas e vacas mortas - foram
frequentes em Agosto de 1972.
~ Em Abril e Maio de 1981, o sim- ',lu, I" GonéJ
~ bolismo das vacas mortas reaparece .0 P "fr10flO
no La Prensa da Nicarágua, que
o começou uma campanha afumando
n que as vacas trazidas de Cuba esta- lizada. Um título ao lado comenta: mobilizou milhares de fiéis para um
o riam contaminadas por doenças . La «Foi para isso que o nosso povo lugar onde a Virgem Maria teria
lutou? aparecido a um simples camponês
e Prensa não provou essas notícias e
d teve depois que se retratar, porém a de nome Bernardo. De acordo com o
n associação psicológica entre as pra-
Manipulando a religião jornal, a Virgem não estaria con-
gas e o marxismo estava estabele- tente com a situação actual da Nica-
s cida. O Manual de Operações Psicoló- rágua.
gicas do exército norte-americano Embora as relações entre a hie·
A mensagem subliminar também explica que «entre os cristãos, a cruz rarquia católica e o governo nem
se estabelece por contraste . A 18 de é efectiva como símbolo porque re- sempre sejam as melhores, a mani-
Março de 1981, La Prensa publica presenta graficamente o sofrimento pulação do simbolismo religioso foi
uma foto do ministro D'Escoto to- e morte de Cristo pelos homens" . La iniciada pelo La Prensa e pela CIA,
mada de um ângulo que lhe deforma Prensa recorre frequentemente a não pela Igreja Católica da Nicará-
a zona do pescoço. A legenda da esse simbolismo e, quando pode as- gua. As notícias de «milagres» e
foto diz que o ministro está «trans- socia-o ao nome do dr. Arturo Cruz, «aparições» tomaram-se tão fre-
bordando de saúde e muito opti- a quem somente cita como «Cruz», quentes que o governo acabou por
mista" , em notório contraste com a sem títulos nem outros nomes. proibir a publicação de tais factos
foto inferior de uma jovem hospita- A 1 de Abril de 1981, La Prensa enquanto o seu carácter milagroso

N.· 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 49


não fosse comprovado pela Igreja, o jornais. A campanha de propaganda que fronteiriço e o sacerdotes que
que em nenhum momento aconte- interna é parte de uma ofensiva co- desempenhavam cargos governa-
ceu. ordenada com aspecto económi- mentais foram pre sionados a que
A manipulação do simboli mo co ,diplomáticos e paramilitare . O renunciassem (sem ucesso até ao
cristão foi também frequente no cao económi o que a propaganda momento).
Chile; e, na Jamaica, o Dai! Glea- progno tica pode chegar a ser real .
ner chegou a publicar uma enorme A falta de ab tecimentos também. Um programa detalhado
foto de um ovo com uma mancha A comuni çõe e o tran porte são
negra. Segundo o jornal, o ovo, que abot dos, re urgem velhos confli- As etapas da campanha estão cla-
havia sido mostrado como curio i- to étnico e fronteiriço . ramente defmidas e o exército nor-
dade por um bom camponê cri tão, Na Nicarágua, a aparição da Vir- te-americano tem um manual espe-
reproduzia um mapa da União So- gem coincidiu com a chegada de cifico para cada uma delas. No en-
viitica e a ua aparição mágica devia Morri Zerulo, um evangelista tanto, a responsabilidade de planear
ser considerada uma mensagem di- norte-americano direitista que pro- e conduzir as primeiras fases não
vina de alerta sobre a iminência da meteu exorcizar o demónios que pertence aos militares, mas à CIA.
entrega do pâ.í ao comunistas . afligiam o pais. Em pouco tempo, os A im como, supostamente, James
Apesar de poder chegar a extre- Estado Unidos cortaram a ajuda Bond tinha «ordem para matar», só
mos ridiculos, a CIA não está a económica, os guardas somozistas a CIA se deve encarregar da propa-
brincar com a sua manipulação de exilados intensificaram os seus ata- ganda 'negra', da falsificação de
'1IIg":nD'= ~-:-:~~ =-.=.== ..-~-: __ ~ = -- '=~.-.=--- =..- documentos, das acções paramilita-

'"'== f?) JGRN dite: Lá


=-:='7'=
res e outras operações encobertas . A
guerra psicológica é uma forma se-
creta de guerra não-convencjonal e
só se recorrerá à intervenção militar
directa quando esta, e tudo o mais,

n~~'
fracassar.
De acordo com a terminologia do
exército norte-americano, as etapas
são: Propaganda, Operações Psico-
a=::-__ =t-=..- :-::.-;;=
'.-:.;:;K ~~_~::-
_ _ O'a-.te . . ..........., _ _
1
lógicas, Guerra Psicológica, Assun-
tos Civis e Reconstrução.
~resó de- Propaganda - Destinada a apre-
sentar uma imagem positiva dos Es-
tados Unidos e negativa do bloco
socialista. Nesse esforço, a CIA co-
labora com a Agência de Comunica-
ção Internacional dos Estados Uni-
dos, que está em processo de reor-
ganização e recuperará o seu antigo
nome de USIA (United States ln-
formation Agency).
---;.para esta luchó nuestro Operações psicológicas - São
.(' : Calvario de un in desenvolvidas em tempos de paz
para influir nas eleições ou na polí-
~ .: ~E.-:i ~=::--: :;:'1-:'::' ::::.- tica de um Governo estrangeiro.
U/u"'~ Nr~ Guerra psicológica - É uma
18 muertos eiãccidenta guerra não-declarada. Todas as
agências do governo norte-america-
no coordenam as suas actividades e
todos os recursos são mobilizados,
menos a guerra aberta. Grupos de
resistência clandestinos ou declara-
dos são montados pela CIA. Tenta-
-se mobilizar as massas contra o
governo . Operações paramilitares,
- - f, ...... "..w... CM li. - inclusive subversão e assassinatos,
Cruzsevah "'o _. - - - ", ___ ... La Prensa lnal"
são coordenadas com a propaganda
subversiva. Embora instigados pela
~i":§ ~.:;,:.:.1~iª ~~ no a/mboIo da CIA, os seus agentes são fundamen-
cnrz
talmente «nativos~, civis ou milita-
---,- ,- 00. - - -

50 cadernos do terceiro mundo


res manipulados para derrubar o seu La prensa
próprio governo. (3/4/81.A
Chegar a uma etapa de Assuntos 1IpII!1çAo da
Vlrgem.um
Civis, quer dizer que a elA fracas- CMIpOI'IM: lIpIIIo
sou nas metas traçadas pelo presi- • rellgloeld8de
den~. para a fase anterior. Se não
houver gólpe militar convencional,
os marines deverão entrar em cena.
Aqui, os actores principais são as
forças militares regulares dos Esta-
dos Unidos e os seus amigos
Na etapa de Reconstrução , forças
amigas dos Estados Unidos têm o =-=-,:-- _. Imnillfil'tlm .. llftt.
controlo flsico indisputável de todo depois de a elA ter fracassado nos
o território . O país foi "pacificado". Michael Manley por Edward Seaga.
seus esforços de reverter os resulta- Essa mesma etapa é a que está em
Economistas, advogados e jornalis- dos eleitorais de 1970 e 1973 . Na
tas treinados nos Estados Unidos andamento na Nicarágua. Medidas
Jamaica, a elA foi derrotada em defensivas finnes e oportunas, e
darão assessoria ao novo governo 1976 e preparou-se para a campanha
pró-norte-americano. particularmente a consciencializa-
de 1980 com opções eleitorais e mi- ção do povo sobre a natureza da
Dos exemplos que estudámos, só litares. Aí, a elA triunfou na etapa
o Chile chegou a essa última etapa, guerra psicológica, podem evitar o
de guerra psicológica, substituindo triunfo da elA. o
Colecção
« UMA TERRA SEM AMOS»

AJex La Guma

As contradições e os
dramas explosivos
da África do Sul ,
numa linguagem rica
e densa, a par de igual
exactidão
no retrato do mundo negro,
que resiste .

52 eademos do terceiro mundo


I

AMERICA LATINAlllllllllmlllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll1 111111111111111111111111111


país» a Direcção Nacional da FSLN
Nicarágua (Frente Sandinista de Libertação
Nacional).

«Zero» à direita Dez meses antes, Pastora e um


grupo que tinha combatido com ele
na Frente Sul . Benjamin Zeledón" ,
na fronteira com a Costa Rica, saí- -
Com o claro apoio dos Estados Unidos, raro da Nicarágua renunciando aos
Edén Pastora proclama-se «dissidente» seus postos e cargos numa atitude
da Frente Sandinista e poderá se que surpreendeu o povo nicara-
colocar ao serviço dos mesmos guardas guense e que pareceu extemporânea
somozistas contra os quais lutou no num momento em que pairavam
passado sobre o país as ameaças de incre-
mento de agressões externas .
ArqueIes Morales* Num estilo rude, desprovido de
grande profundidade ideológica,
Pastora anunciou numa carta que
abandonava o país . para cumprir
um dever internacionalista noutra
nação latino-americana.. As refe-
rências expressas nessa carta davam
a entender que esse país poderia ser
a Guatemala ou EI Salvador. Ao dar
publicidade à carta de Pastora, a
FSLN deplorou a sua decisão, ins-
tando para que ele voltasse ao país
embora manifestasse . profundo
respeito» pela sua . vontade de se
integrar num processo de libertação
em qualquer país latino-ameri-
cano».
Dez meses durou a ficção de um
Pastora . internado na montanha em
algum lugar da América», como ele
próprio tinha assinalado noutra
mensagem. A 15 de Abril, em San
Jo<-' -la Costa Rica, . Zero» mudou a
~ua posição ~ colocou-se à direita.
l. uma dispendiosa conferência de
Imprensa realizada num hotel lu--
xuoso, com guarda-costas armados,
Pastora dedicou quase três horas a
atacar o governo da Nicarágua e a
ocomandam. no 1IUg4t: a vItór1a da tomada cio pal6clo de Somou Frente Sandinista usando exacta-o
mente os mesmos argumentos que o
MA foto percorreu o mundo
U em 1978: a de Edén Pastora,
o com8Jldante . Zero» , chefe
passou a ser o objectivo especial dos
jornalistas que um ano antes tinham
contribuído para criar a sua lenda no
presidente dos Estados Unidos, Ro- ·
nald Reagan, o seu secretário de
Estado, Alexander Haig, e a embai- -
de uma operação sandinista que mundo. xadora dos EUA na ONU, Jeanne
culminou com a tomada do palácio A 15 de Abril de 1982, a foto de Kirlcpatrick, têm utilizado nos últi--
nacional da Nicarágua e a cedência . Zero» tomou a precorrer o mundo. mos meses.
de Somoza à libertação de cerca de Mas desta vez, tratava-se totalmente
sessenta prisioneiros políticos . De- do contrário: Edén Pastora anun- Metamorfose ou
pois da vitória de Julho de 1979, ciava a sua deserção do sandinismo carta esc~lDdida?
-Zero», vice-ministro do Interior, e ameaçava . escorraçar, a tiros, do
Algumas pessoas falam da «me-
• Nosso colaborador em Manágua tamorfose» que levou Pastora, um

N.O 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 53


dos mais duros e agressivos orado- sandini ta? .. perguntou Borge a Pas- entre Anasta io Somoza e Edén Pas-
res entre os dirigentes andini ta ,a tora, que era um entre as dezenas d tora".
colocar-se contra esse m mo di- dirigent que e encontravam pre- Seja como for, corajoso nas suas
rigentes e a anunciar que se tran - sentes no acto . acções militare , audacioso e espec-
formará no chefe da contra-revo- Outra contribuição mai concreta tacular, «Zero .. ocupou um lugar no
lução. Outros consideram que não para compreender o ucedido foi re- coração do nicaraguense que o
se trata de uma metamorfose mas da velada pelo comandante da Revolu- admiraram e amaram como um do
explosão de um entimento durante ção e mini tro do De envolvimento lutadores que arri cou a vida no der- o
muito tempo escondido nele: a vai- Pecuário , Jaime Wheelock: depoi rube da ditadura de Somoza. Agora '
dade pessoal, a prepotência e a ten- do triunfo re olucionário , Pa tora o eu nome tomou-se o símbolo da
dência de .. Zero .. para a publicidade pediu a e mini lério que lhe fo - traição , a imagem não só do trâns-
combinaram- e com interesses pes- em devolvida as terras de ua fuga mas também de instrumento
soais no plano económico e com propriedade que tinham sido repar- consciente do Estados Unidos
desenfreadas ambições de poder no tidas durante a guerra. Pa tora numa acção que a direcção nacional
plano politico. sempre foi um homem rico e o eu da FSLN qualificou como «a última
Em apoio a esta segunda interpre- pró pero negócio de pe ca na cartada que a administração Reagan
tação, existe um discurso do c0- vizinha Co ta Rica continuaram a joga contra a Nicarágua .. .
mandante da revolução e ministro dar dividendo depois da vitória do
do Interior, Tomás Borge, que em sandinismo . Apanhado no jogo
Fevereiro de 1981, pouco tempo No plano polftico, talvez nin-
antes de Pastora abandonar a Nica- guém tanto como Pastora tenha ne- Ao iniciar-se a conferencia de
rágua, anunciou aquilo que, por ca- gado na práxis a concepção sandi- Imprensa em San José, Pastora leu e
sualidade ou conhecimento, seria nista de não falar em termos pes- fez entrega aos jornalistas estrangei-·
mais tarde realidade. Falando da ir- soais mas sempre considerando o ros convidados (mais de cem) de um
revogável decisão dos sandinistas conjunto da FSLN . Desde os tempos documento que obviamente não
que recebiam o eu cartão de mili- da guerra de libertação, quando co- tinha sido escrito por ele. Nele, o
tante nesse dia (entre eles. Pastora), mandava a Frente Sul, Edén Pastora ex-dirigente sandinista adoptava
Borge definiu as qualidade que pareceu aos observadores e analistas uma posição «dissidente .. da FSLN
devem caracterizar üm militan-te, um personagem demasiadamente e do governo da Nicararágua com
sublinhando a modéstia, a negação propenso à propaganda pessoal . Isso argumentos políticos que o aproxi-
do «cbefismo .. , etc . Ao finalizar, levou o falecido líder panamiano, mavam de certos critérios manipu-
sublinhou que o cartão da FSLN general Omar Torrijos, a dizer certa lados por alguns sectores da social-
nunca poderia ser negociadô. vez com a ironia que lhe era própria, -democracia latino-americana. Até
«Diz-me Irmão, Irmão Edén, por que a guerra na Nicarágua «parece aí, o plano concebido pelos Estados
quanto venderias o teu cartão de às vezes quase uma luta pessoal Unidos ia bem .

54 cadernos do terceiro mundo


Mas tudo caiu por terra quando,
depois da leitura e entrega dos do-
cumentos , os jornalistas interpela-
ram Pastora sobre diversos aspec-
tos . A megalomania de «Zero» anu-
lou a primeira intenção da confe-
rência de Imprensa e transfonnou o
acontecimento num grotesco espec-
táculo no qual o egocentrismo subs-
tituiu a coerência que os seus patro-
cinadores lhe tinham imposto no
discurso escrito . Batendo no peito
teatralmente, Pastora reivindicou
ser o mais antigo combatente san- o
dinista, o mais querido, o mais ho-
nesto, o mais consequente, tudo em Milha... de c:artOM fonIm . peIoe mlllct.noa que rec:u..,.m COIIMI'Var
termos superlativos . Nem um só dos um documento .... 1IIIdo por um u-compIInhelro deMrtor
argumentos de Pastora contra a po- .
lítica dos sandinistas difere das acu-·
saçóes que os Estados Unidos fazem
contra esse país .
Quando, há dois meses , o rninis- ·
Iro dos Negócios Estrangeiros nica_ o
raguense Miguel D' Escoto e a em- o
baixadora dos Estados Unidos na
ONU , Jeanne Kirkpatrick, se en- o
frentaram num programa da televi- ·
são norte-americana, a diplomata
utilizou exactamente - inclusive na
mesma ordem - os argumentos re- ·
petidos por Pastora: na Nicarágua
existe uma ditadura sandinista, os
indígenas misquitos da costa atlân- ·
tica do país são reprimidos, expro- ·
priam-se herdades e empresas sem
justificativas, restringe-se a liber- ·
dade de Imprensa, há conselheiros
militares estrangeiros em demasia e
um crescente arrnamentismo, . Não
faltou mesmo o ponnenor que tanto
--,..,.
Joe6 Velcllvle:

Putora _ _ _- - í

irritou Kirkpatrick e agora, parece


que por osmose, também irrita Pas- povo irmão». Toda aquela intenção na guerra, «Zero" deslocou-se aos
tora: a referência que o hino sandi- se desvaneceu em dez meses. Oco- · Estados Unidos a fim de se entrevis- ·
nista faz do «ianque inimigo da hu- mandante José Valdívia, que partiu tar com esses funcionários. A trai-o
manidade». com «Zero» mas de quem se SI 'parqu ção foi urdida em Washington com
Em três horas, pôde-se estabele- em Dezembro do ano passado, um «Zero» que já não pensava «em·
cer com clareza que o show da Costa disse, em 22 de Abril, que tinha disparar a minha espingarda contra a
Rica tinha sido preparado. A acção acontecido uma metamorfose no injustiça em qualquer parte do
estava enquadrada na estratégia antigo guerrilheiro. A sua meta te- Mundo» mas sim em constituir-se
americana de isolar o governo san- órica era realmente incorporar-se numa carta táctica do imperialismo
dinista da Nicarágua . nas guerrilhas guatemaltecas com as contra a acossada Nicarágua. Foi aí
quais manteve contacto. Mas que Valdívia o abandonou.
quando em Dezembro lhe propuse-
O internacionalismo ram entrar na Guatemala, Pastora A decomposição de Pastora foi
de Pastora negou-se. Poucos dias antes tinha facilmente detectada pela União
sido contactado no Panamá por Revolucionária Nacional da Guate-
Quando «Zero» saiu da Nicará- funcionários do departamento de Es- mala (URNG), que agrupa as quatro
gua, emocionou o seu povo anun- tado e da ClA. Segundo o testemu- organizações guerrilheiras: "Perce- ·
ciando que ia «lutar até à morte, se nho de Valdívia, comandante guer- bemos a sua falta de solidez política
necessário, pela libertação de um rilheiro e ex- «segundo» de Pastora e a sua incrível imaturidade», assi- ·

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nala o documento da URNG que reiro da Frente Sul foi ub tituída Nicarágua nenhuma base social que
acusa Pastora de ter utilizado a sua pela do homem fátuo que na Costa Pastora (mais hábil no uso das armas
teórica vinculação com os revolu- Rica teve a pretensão de que o amor do que na prática política) possa
cionários guatemaltecos para com- popular para com a sua figura ..é conseguir no contexto dos planos
por a traição. Pouco depois, a uficiente para derrubar os andinis-· imperialistas .
FMLN de El Salvador emitia outro tas». Apesar dis o, Pastora ainda tem
documento condenando a traição de Horas depois da traição, milhares uma opção: em Honduras, existem
Pastora. de milicianos devolveram os cartões - segundo estimativas - mais de
A cartada Pastora foi concebida que o credenciavam como tais e quatro mil ex-guardas de Somou,
por politicos norte-americanos que traziam a assinatura de "Zero». treinados e armados, que fazem in-
como opção para apresentar uma Todo os comandantes que comba- cursões na Nicarágua causando
fissura nas fileiras da FSLN . Não se teram junto com ele durante a guerra morte e destruição. Eles carecem~
deve esquecer que, apesar da lin- condenavam o eu antigo chefe em termos concretos r de um Hder
guagem agressiva que usava quando "agora convertido em simples peão militar. Por mais paradoxal que isso
foi vice-ministro do Interior, os do imperialismo», como dissera o possa parecer, talvez a intenção
manipuladores da Informação seu ex-"segundo», Valdlvia. A isso fmal de Washington (uma vez fra-
sempre o apontaram como .. um dos juntaram-se milhares e milhares de cassada a ideia de apresentá-lo como
moderados », num inútil esforço pessoas que, em manifestações nos .. um sandinista moderno» e perante
para dividir os sandinistas. bairros, povoados e cidades, grita- - a sua própria burrice ao desmascarar
raro palavras-de-ordem ridiculart-- prematuramente todo o projecto)
Os resultados zando .. o comandante mais querido seja fazer de .. Zero» o comandante
de toda a Nicarágua», como ele desses ex-guardas contra os quais
Talvez nas matemáticas selva- mesmo se autodenominou . combateu mais de uma vez. O pro-
gens que Reagan e Haig manipulam, Alheio às múltiplas experiências jecto parece discutível , mas fora
a ideia de fazer passar .. Zero» para a da história, .. Zero», como disse ele, Pastora não tem outra alterna-
direita tivesse por objectivo multi- o Valdlvia, .. acabou por acreditar que tiva.
plicar os seus pontos de apoio até a popularidade era propriedade pes- Aliás, .. Zero» parece ter dado um
agora nulos na sórdida guerra que soal, esquecendo-se que ela se ori- passo nessa direcção no dia 22 de
fazem contra a Nicarágua. gina do povo». Maio último, após a sua expulsão da
A prática eVidenciou que esse Os planos de Washington ficaram Costa Rica. Acusado pelo govemo
cálculo era erróneo. A traição de reduzidos por três motivos: porque de San José de violação da soberània
Pastora, a sua declaração de que fará .a Nicarágua a repulsa a .. Zero» foi nacional e de contrariar a «neutrali-
a guérra à Revolução, foi primeiro unânime; porque os movimentos re-, dade tradicional» costa-riquenha,
tomada com dor e depois com uma volucionários da Guatemala e El Edén Pastora escolheu fixar-se nas
fria raiva pelo povo. A imagem de Salvador fizeraro o mesmo; e porque Honduras para, segundo declarou,
Edén Pastora saindo do palácio 10-. - excepção feita aos pequenos par- "ficar perto do meu país e o libertar
mado pelos sandinistas ou a do guer- tidos da burguesia - não existe na do jugo comunista». O

o Dora Maria Téllez, a comandante «DoIs,. e


secretária politica da Frente Sandinista
em Manágua, também condenou com ve-
em6ncla as declaraç6es de Edén Pastora- C0-
nhecida como «Dois,. desde que coadjuvou o
comandante «Zero,. na tomada do palácio do
governo em 1978, Dora Maria afirmou ser a
atitude manifestada por Pastora na Costa Rica
«um acto de mera tralçAo,..
Em relaçAo à salda de Edén Pastora da
Nicarágua anunciando que «Ia combater nou-
tros palaes,., a comandante Téllez disse:
«Onde é que Edén praticou o seu anunciado
Internacionalismo, enquanto o nosso povo lu-
, tava com o Imperialismo? Onde andou ele
todos estes meses em que o nosso povo tem
sido agredido e em que os aomozlstas assas-
sinaram mais de uma centena dos n08808
combatentes?"

56 cadernos do terceiro mundo


I

AFRICAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII111111111111111111111111111111111111111111111111111111111IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIi
Cabo Verde

Refonna Agrária
deita sementes à terra
A nova Lei de Bases procurará pÔr termo aos
regimes indirectos de exploração da terra, benefi-
ciando camponeses e pequenos proprietários

Baptista da Silva

o dia primeiro de Janeiro do


N próximo ano entrará em
vigor a Lei de Bases da Re-
forma Agrária, através da qual as
autoridades cabo-verdianas preten-
dem atingir ' um duplo objectivo:
aumentar a produção e incrementar
a produtividade das explorações
agrícolas - de forma a melhorar a
situação alimentar no arquipélago e
a reduzir, desse modo, a dependên-
cia do estrangeiro; e, simultanea-
mente, . libertar os que trabalham a
terra» da sujeição de relações eco-
nómicas arcaicas e anquilosantes ,
procurando alterar qualitativamente
e de forma substancial, - do ponto
de vista económico, social e cultural
- as condições de vida existentes
no mundo rural.
Mas, perguntar-se-á: quais as ra-
zões que terão levado a que só agora
- sete anos após a independência.
do país - fosse aprovada e promul-
gada uma lei de tal importância e
alcance económico e social?
Sem dúvida por se tratar de uma
questão muito . sensíve1», dado o
tradicional apego do camponês ao
seu «torrão », num país, como Cabo
Verde, onde a propriedade da terra é
esmagadoramente dominante, «em
que a propriedade privada existe na
mentalidade das pessoas .... », como
nos referia, dois anos atrás, quando
da ultimação do projecto de lei agora
aprovado, o ministro do Desenvol-
vimento Rural cabo-verdiano, eng.

N.O 45/Junho-Julho 1982


João Pereira da Silva. E, como em Os incidentes de Santo Antão de intere es e privilégios bem de-
qualquer proces o de liberta ão, a terminado.
mudança das mentalidade é a bata- Efecti amente, logo que o pro- Ma e os incidentes ocorridos no
lha mai dura de tra ar e de en- je to de Lei de Base da Reforma concelho da Ribeira Grande, em
cer ... grária foi po to à d cu são pú- Santo Antão, pela sua gravidade
Muito embora a nova Lei de blica, em meado do ano pa ado, constituiram uma mancha negra no
Bases da Reforma Agrária não apó um longo perfodo para a ua panorama de paz social em que as
venha pôr em que tão, ou atentar elabora ão - recorde- e que a co- ilhas têm vivido desde a indepen-
contra, a po e pri ada do fa tor de mi ão encarregada de o realizar foi dência, eles representaram, ao
produção terra - de d que o pro- criada por portaria de 5 de Junho de mesmo tempo, um alerta para o par-
prietário a explore directamente por 1979 - regi taram- e graves inci- tido que, a partir de então, do topo à
conta própria - f cil erá compre- dente na ilha de Santo Antão, a base, e mobilizou para essa grande
ender até que ponto e e «e panta- mai importante em termo de apti- batalha de esclarecimento que dura-
lho. poderia er agitado por todo dão agrfcola, e da mai populo as ria cerca de seis meses. Esse esforço
aqueles elemento que, em Cabo que compõem o grupo norte. A 31 de militância viria a servir não só
Verde ou no estrangeiro, se opõem de Ago to, quando dirigentes do como factor de aglutinação e de
às transformaçõe da inju tas e tru- partido ai davam início a uma reu- afirmação do PAICV como força
turas herdadas do tempo colonial . nião de esclarecimento sobre o pro- dirigente do país - o partido,
Logo apó a independência - a 5 jecto de lei, viram a sessão boico- recorde-se, vivia então, ainda, o
de Jullho de 1975 - a que tão agrá- tada por um grupo de indivíduos, o violento processo de ruptura com o
ria foi encarada com especial cui- que originou confrontos que resul- ramo guineense do PAIGC - como
dado e ponderação pelas autoridades tariam na morte de uma pessoa e na a dar combate à reacção interna e
cabo-verdianas, con cientes de que prisão de 19 outras. Coincidindo àqueles que procuravam desvirtuar
era no mundo rural - caracterizado com estes acontecimentos, os con- os verdadeiros objectivos da Re-
por um forte analfabetismo e que se sulados de Cabo Verde em Roterdão forma Agrária. Observadores que
havia mostrado alheado das recentes e em Estocolmo eram atacados e, em acompanharam o processo de dis-
movimentações de massas pela rei- Lisboa, uma organização de sigla cussão do projecto de lei sobre o
vindicação independentista, cir- UCID, integrada por elementos terreno, garantiam-nos que nunca
cunscritas praticamente às grandes cabo-verdi anos que se haviam - nem mesmo quando da discussão
cidades - que os opositores do pro- oposto à descolonização - o presi- pública da Constituição ou da Lei
cesso procurariam ganhar campo de dente da dita organização é, nem sobre a Famflia - se vericara tanta
manobra. mais c.em menos, que o último go- participação e empenhamento. O
Essa prudência, assumida e mani- vernador colonial, Sérgio Duarte Conselho Nacional do PAICV,
festada pelos quadros do Estado e do Fonseca - promovia uma manifes- reunido na cidade da Praia, entre I e
Partido - então ainda sob a sigla de tação frente à embaixada cabo- 5 de Fevereiro passado, ao fazer o
PAIGC; o PAICV s6 surgiria após o -verdiana que, para frustração dos balanço desse amplo debate, reco-
golpe de Estado de 14 de Novembro seus organizadores, não conseguiu nhecia isso mesmo, salientando que
de 1980 na Guiné-Bissau e a conse- arrastar pouco mais de 300 elemen- «as discussões se realizaram num
quente ruptura com o ramo gui- tos de uma comunidade em Portugal clima de grande participação e inte-
neense - explicaria, em alguma avaliada em cerca de 40 mil pessoas. resse, a despeito das tentativas ini-
medida, a particular dureza empre- Evidentemente que a ocorrência cialmente levadas a cabo em áreas
gada contra uma ala jovem' do par- de tais eventos, não obstante a sua do concelho da Ribeira Grande, por
tido - mais tarde apodada de pouca representatividade, mereceu agentes internos e externos da reac-
«trotskista. e completamente mar- da parte da ~hamada imprensa inter- ção, no sentido de as perturbarem •.
ginalizada - que fazia da Reforma nacional algum destaque, o mesmo O Conselho Nacional constatava
Agrária (embora não se lhe conhe- não acontecendo, como também não ainda «que os objectivos da Re-
çam textos teóricos sobre.a sua apli- será de estranhar, à própria Lei de forma Agrária haviam obtido gene-
cação) a sua principal consigna. Bases e à campanha de auscultação ralizado consenso e aprovação po-
Os acontecimentos posteriores - democrática que a mesma gerava no pular. e adiantava uma série de alte-
ainda que pontuais e localizados - interior das ilhas. rações ao projecto inicial tomadas
viriam comprovar que o governo do A «simultaneidade. destes acon- em linha de conta as sugestões apre-
pais e os dirigentes do pártido ti- tecimentos, porém, era demasiada- sentadas durante a discussão popu-
nham razões sérias ao não pretende- mente -evidente., tendo depressa as lar.
rem «queimar etapas. que introdu- autoridades cabo-verdianas con-
zissem alterações abruptas à situa- cluído que mais não se tratava do
ção existente nos campos cabo- Uma terra madrasta
que de uma campanha de desestabi-
-verdianos, assente numa complexa lização, levada a cabo pela conjuga-
e secular teia de relações dos ho- Mas quais os contornos dessa
ção entre a reacção, no exilio, e realidade complexa - e «sensíve).,
mens entre si, e entre estes e a terra. alguns focos no interior, defensores como já vimos - sobre a qual a

58 cadNnos do terceiro mundo


:- nova Lei de Bases da Reforma
Agrária procurará gradativamente
intervir e alterar? Quais as razões
desse secular apego à terra, num
pars, por dez ilhas repartido, em que
74 % do seu solo - constituído por
áreas rochosas - não apresenta
qualquer aptidão agrícola?
Talvez que esse amor pela terra
resida na constatação de ela ser
pouca e muito partilhada. Neste ar-
quipélago, com uma superfície de
403 .300 hectares (4.033 Km2),
atingido pela desertificação, a área
cultivada é apenas, e só 1/7 da área
total; sendo a quase totalidade dessa
pouca terra cultivável (97 %) utili-
zada em culturas de sequeiro e ape-
Das 3 % em regadio.
Segundo dados da Secretaria de
Estado da Cooperação e Planea-
mento de Cabo Verde, de uma popu-
lação activa estimada em cerca de
290 mil pessoas, cerca de 39 % tra-
balham no sector rural, mas a maio-
DIquM PIII'II ob8tar. eroeIo
ria vive numa situação de subem- da igU88 da chuv. . .
prego avaliada em cerca de 60 %. A promover 8 _ Inflrtr.çlo:
um desemprego crónico, vem tudo • força de bl'llÇO
juntar-se o desemprego sazonal após
a época das chuvas - que em anos
normais dura de Agosto a Outubro
-e em anos de muito pouca precipi-
tação surge o desemprego provo-
minifúndio é a característica domi-
cado pela seca.
.nante.
Cerca de 39 % dos camponeses Este desolador quadro do sector
cabo-verdi anos não possui qualquer rural faz com que a produção agrí-
parcela de terreno, cultivando terras cola nacional seja manifestamente
alheias em regime de arrendamento insuficiente para cobrir as necessi-
ou parceria, sendo essa percentagem dades de urna população segundo o
de camponeses sem terra mais alta último censo avaliada em cerca de
Das ilhas com aptidão agrícola do sul 300 mil pessoas, o que obriga as
- principalmente Santiago, onde se autoridades a ter de comprar no es-
situa a capital, e em que esse valor trangeiro aquilo que não é produzido
atinge os 51 % - do que nas ilhas internamente. Do total importado
dispostas a norte, que foram cenário por Cabo Verde, 68 % é constituído
de uma colonização algo diferente por artigos de consumo, na sua es- Esta dependência do estrangeiro
da verificada nas ilhas de sotavento. magadora maioria bens alimentares. tem provocado crescentes défices da
Veja-se, como exemplo, o caso do balança comercial- ou seja a rela-
A magreza e a repartição da terra milho, principal base da dieta ali- ção entre o que se exporta e o que é
leva, porém, 30 % dos proprietários mentar da população cabo-verdiana importado- , apenas compensados
a trabalhar terras de outrem, para (com o milho se faz a «cachupa», o pela crescente ajuda exterior, em
além evidentemente das suas, num prato nacional por excelência). As conjugação com o aumento signifi-
trabalho agrícola penoso, essen- necessidades anuais de milho são cativo das remessas da população
cialmente virado para o auto- contabilizadas em 45 mil toneladas, cabo-verdiana emigrante, calcu-
-consumo das suas famílias e com mas a produção normal/ano, em ge- lada em, pelo menos,.igual número
base sobretudo no milho e feijão, as rai, não ultrapassa as 15 mil tonela- à população residente no país. O
espécies que tradicionalmente me- das, sendo uma produção de 24 mil único produto agrícola exportado é
lhor se adaptam ao fraco e extrema- toneladas considerado um excep- a banana, que representa aproxi-
mente curto período de chuvas. O cional ano agrícola! madamente 19% do total exportado.

N.· 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 59


Dependente de uma pouco co- regime de conta própria.. (ou eJa, mento, c mo até agora ainda acon-
piosa e aleatória estação de chuvas, atravé de a alariado ou com a tecia . Bloco popular que o ministro
trabalhando arduamente uma terra uas próprias mão ). do De envolvimento Rural de Cabo
magra e pouco fértil, o camponês Ora a Lei de Bases procura, de Verde, em relatório apresentado em
cabo-verdiano, em qualquer base fa to, criar mecanismo jurídico reunião conjunta do Conselho de
material para investir em obras de que permitam vir a a abar com este Mini tro e do Conselho Nacional
protecção e melhoramento do solo regimes indire to de exploração , de PAICV, havida antes se de ter
- que o Estado chamou a i, dado que, como já referimo , são clara- iniciado a discussão pública da Lei
os seus altos custos e a sua pouca mente dominante no arquipélago. de Ba es, definia como a «classe
rentabilidade imediata em termo Nela e afirma : « erão expropria- estratégica .. que deveria servir de
de produção - vê- e ainda, na ge- do pelo E tado o prédios rústicos base social de apoio e «motor- às
neralidade do ca o , na obriga ão de regadio ou misto de regadio e necessárias transformações a intro-
de pagar anuahnente uma renda, em sequeiro ou ua parcelas ora ex- duzir nos campos do arquipélago,
género ou dinh iro, ao arrendatá- plorada indirectamente, quando nomeadamente por constituir a
rio pela cedência da explora ão . pertençam a proprietário com área imensa maioria da população que
Pagamento que terá de e efecti ar, igual ou uperior ao limiar de inter- neles trabalha. Segundo o ministro,
independentemente de ter sido um venção .. , fixado e~te em um hectare es e «bloco popular.. representaria
bom ou mau ano agrícola. para terras de regadio (ou mistos de 83% dos cultivadores em Santiago e
Na sequência destas dependên- regadio e sequeiro) e em cinco hec- 45% em Santo Antão, trabalhando
cias, outras existem, já que, muitas tares para os prédios de sequeiro .
Dois tipos de sujeitos, no entanto,
86% da área cultivada no primeiro
caso e 58% no segundo - isto s6
I
vezes, é o arrendatário quem «fia ..
os géneros de que o rendeiro e o seu são alvo de especial protecção no para citar a situação prevalecente
agregado vai necessitando ou é quadro geral da lei : os emigrantes nas duas maiores - e também mais
ainda ele quem lhe empresta algum - cujas remessas de poupanças em importantes de um ponto de vista
dinheiro para ocorrer a alguma má divisas são fundamentais à própria agrícola - ilhas do arquipélago.
eventualidade. Quadro que mais se sobrevivência do Estado - , que Para além do rol de artigos que
adensa e complica se se atender à verão a posse sobre as suas terras definem em que casos, e sob que
teia de relações de parentesco que, salvaguardada; e a Igreja - com formas, se darão as expropriações,
em muitos casos, liga rendeiros e um peso social e politico bem pa- a Lei de Bases estabelece ainda uma
proprietários, ou a circuitos de co- tente nas ilhas, dado o tradicional outra série de medidas «e mecanis-
mercialização - se assim se lhes fervor religioso do povo cabo- mos eficazes de fomento agrário, de
pode chamar - de alguns produtos -verdiano- cujas terras serão alvo promoção da participação dos
da lavoura. de negociações com as autoridades camponeses ~ do associativismo ru-
governamentais. ral. _ Cri ação de créditos e seguros
A expropriação de terras - que o agrícolas, apoio técnico por parte
Reforma Agrária: Estado fará com indemnização pe- do Estado, estabelecimento de pre-
garantia s para o cuniária ou através de titulos da ços de garantia ao produtor, regu·
emigrante dívida pública - criará as bases lação dos circuitos de comercializa-
para um futuro e racional emparce- ção, são algumas das medidas tam-
A Lei de Bases da Reforma Agrá- lamento, e beneficiará, a mais curto bém apontadas, embora, quanto a
ria agora aprovada e que muito em prazo, os camponeses que nelas este particular, a Lei de Bases não
breve terá execução, assenta, no trabalham, pois estes passarão a seja muito pormenorizada, antes
fundo, em dois pressupostos de ficar isentos do pagamento de renda anunciando processos de intenção.
base: o primeiro é que o desenvol- ou outra forma de retribuição, com
vimento agrícola no país não po- reflexos positivos evidentes na si- ReOorestar
derá ser realizado à custa do au- tuação económica do seu agregado 1/4 das ilhas
mento das áreas cultivadas, por não familiar.
existirem terras com essa aptidão, Será este bloco popular, consti- Assim como o estudo, elaboração
mas antes pelo acréscimo de produ- tuido por camponeses sem terras e e discussão que precedeu a promul·
tividade das explorações derivando pequenos proprietários simulta- gação da Lei de Bases da Refonna
o segundo do primeiro destes pres- neamente parceiros ou rendeiros, o Agrária constituiu um processo
supostos: para que haja aumento de principal e mais directo beneficiá- amadurecido e arrastado ao longo
produção e produtividade, haverá rio da nova Lei de Bases da Reforma de alguns anos, certo é também que
que introduzir alterações profundas Agrária. A nível da sua situação a aplicação da nova legislação ser~
nas estruturas e parcelamento exis- económica, como já referimos, e a gradativa e paciente. E se esta úl·
tentes, e fazer diminuir a população outro não menos importante: ga- tima característic a é uma herança
activa ocupada na agricultura, o rantia de continuidade na explora- secular do camponês cabo-
que passará, segundo a lei, pelo ção das terras que trabalhava, afas- -verdi ano, ela parece constituir
«afastamento do sector dos proprie- tada que fica a eventualidade de igualmente atributo de que as auto-
tários que não exploram a terra ~ quebra de contrato de arrenda- ridades se dotaram. De resto, o ar·

60 cadernos do terceiro mundo


ei
se
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li
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D,

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S,
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~ ICIbo Verde • um pai. que 80fre .. COONqutncl. . da MCa que .tlr1ge todo o SlheI.
os tigo 4.° da Lei de Bases afinna ta- Com o pensamento no futuro, o ques e banquetas para protecção
~. xativamente que a realização da Re- secretário de Estado da Coopera- dos solos da erosão de águas e ven-
~ fonoa Agrária será concretizada ção e Planeamento de Cabo Verde, tos, luta contra a desertificação e a
~e segundo as grandes orientações de- José Brito, referia num colóquio necessária reflorestação das ilhas
e· finidas pelo Plano Nacional de De- realizado na Praia, entre 24 e 29 de - um trabalho de gerações com que
u· senvolvimento. (O primeiro a entrar Novembro passado, e que reuniu os cabo-verdi anos estão confronta-
a. em execução, previsto para o pe- alguns dos mais conceituados técni- dos .
b· riodo 82/85, levou recentemente as cos nacionais e estrangeiros que A Refonna Agrária é, sem dú-
a autoridades do país a promoverem têm trabalhado em diversos projec- vida, neste contexto, um contributo
\o um encontro na Cidade da Praia tos no país, que «o desenvolvimento importante para atingir mais ri-
es com os parceiros internacionais que passa a longo prazo por uma verda- queza e justiça social. A sua aplica-
I. mais têm contribuído com a sua deira revolução agrária, baseada ção será programada e escalonada,
~uda para o desenvolvimento do numa diferente estruturação e numa sem sobressaltos, procurando o go-
pais-arquipélago .) mais eficiente exploração e utiliza- vemo da Praia, como até aqui, o
Este primeiro plano quadrienal ção da água ». Fixando o horizonte «consenso nacional» e a compreen-
- comprovativo também ele da para o ano 2000, aquele secretário são do maior número para as medi-
competência e seriedade que anima de Estado defmia como objectivo das a serem implementadas. Como
as autoridades cabo-verdianas, uma área irrigada da ordem dos nos dizia dois anos atrás o eng.
comprovadas, aliás, pelos próprios 10 000 hectares - considerada su- Pereira da Silva, ministro do De-
dadores internacionais - coloca ficiente para cobrir todas as neces- senvolvimento Rural de Cabo Verde
especial ênfase nos trabalhos contra sidades internas - e a plantação de (ver cad erno s do terceiro
aerosão dos solos, que irão «pros- cerca de 100 mil hectares de flores- mundo n. O 23) «mais do que um
ICguir numa área aproximada de 10 tas, ou seja praticamente um quarto conjunto acabado de regras, a Lei
mil hectares» - distribuídos sobre- da superfície total do país, para o das Bases deverá apontar-nos o
tudo em Santiago e Santo Antão-, que seria necessário, nas duas pró- caminho .. »
r e de reflorestamento, a uma média ximas dé4:adas, um investimento DO Hoje, poder-se-á dizer que a lei
fI prevista de 7500 hectàres/ano. sector rural de aproximadamente foi aprovada nO"consenso, o cami-
r Recorde-se que, desde a indepen- 380 milhões de dólares. nho está, pois, traçado ... e a Re-
· dência, foram já plantadas em Cabo Mudança nas relações de produ- fonna Agrária pode, agora, deitar
r Verde mais de 3 milhões de árvores. ção nos campos, construção de di- sementes à terra em Cabo Verde. O

N." 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 61


I

MEDIO ORIENTE"""""""""IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII 111111111111111111111111111111111111111111111111111111

centrado muita gente e um dos com·


panheiros palestinos que nos acom·
panhara nesses dias confirmou-nos

Beirute o bombardeamento . Adiantou-nos


que a baixas eram consideráveis e
que havia um grande movimento de

sob as bombas ambulâncias em direcção às áreas


afectadas .
«Devem ser mais de vinte aviões.
- afirma. «E temos informações de
que também há movimentos de troo
Um testemunho do bombardeamento de 4 pas israelitas na fronteira sul do
de Junho passado, começo da invasão em país . Podemos estar ante uma inva·
grande escala que levou os tanques são em larga escala, como que de
israelitas até ao Palácio do govemo da boas-vindas a Philip Habib •.
Referia-se à anunciada chegada a
capital'libanesa, arrasou o pais e causou a Beirute, na segunda-feira seguinte,
morte de mais de quinze mil pessoas do enviado especial do presidente
norte-americano, que estava a ser
esperado para retomar a discussão
Beatriz Bissio sobre «um plano de paz- para a
região .
No terraço do hotel, onde alguns
U M ruído ensurdecedor en-
cheu o ambiente e ele não
poderia provir dos aviões
busca das máquinas fotográficas,
tele-objectiva e gravador.
Quando focámos o céu na mira
quadros palestinos e libaneses ti-
nham ido tentar fazer um reconhe-
comerciais que normalmente cru- dos aviões não os vimos, mas no cimento das áreas atingidas, chega-
zam aquela área de Beirute, em di- visor da nossa câmara surgiu uma ram a caír alguns fragmentos de
recção ao aeroporto internacional . figura bem delineada e focada que bombas . Mais tarde, soubemos que,
Era nitido que o ruído era provocado até aí só conhecíamos de fotogra- num edifício próximo, uma pessoa
por aviões supersónicos, cuja versão fias: «é uma bomba- - gritámos - morrera atingida por um desses pe-
comercial - o Concorde - nunca «estão a bombardear-. daços incandescentes de metal, esti-
aterrou na capital libanesa. Colunas de fumo negro irrompe- lhaços de grande poder mortífero.
- Têm de ser aviões israelitas. ram de imediato naquele céu azul- Porque as bombas lançadas sobre
Devem estar a fazer vôos de reco- -celeste do verão libanês . Provi- Beirute, para além de serem de
nhecimento, exclamámos. Neiva nham de um lugar inconfundível, do fragmentação, possuiam um enorme
Moreira e eu precipitámo-nos sobre bairro Fahkani e de toda a área de raio de acção.
a varanda e aí comprovámos que grande concentração palestina, dos Quase todos os terraços dos edi-
esse acto instintivo - sair para ver o arredores da Universidade Árabe de fícios próximos - apesar da teme-
que se passava - também tinha Beirute, baptizada por alguns jor- ridade - se encontravam cheios de
atraído às janelas dos édifícios do nalistas d~ «Fatablândia- por aí se gente - inclusive de crianças, -
bairro a maioria dos nossos vizi- encontrar a maior parte dos escritó- que assistia com uma mescla de im-
nhos. Com uma diferença: enquanto rios da «AI Fatab_ e da OLP, e ser potência, medo e ódio ao dantesco
que para nós tudo era surpresa e um dos habituais locais de trabalho espectáculo do bombardeamento.
novidade, para aquela população de Yasser Arafat. «Armado- com um pau de vassoura,
martirizada pelo sofrimento era vi- Ainda na véspera, um amigo liba- um rapazito de uns seis anos ía e
sível que se avizinhavam momentos nês se nos queixava de uma certa vinha na varanda da sua casa em
de terror e destruição. As suas caras «calma-, o que augurava maus pres- marcha militar, como que querendo
diziam tudo ... ságios. O dia amanhecera sem imitar a coragem e determinação dos
Em pouco~ segund~s,outro ruído, vento, límpido e soalheiro; e tanto soldados com quem, libaneses e pa-
igualmente perturbador e pene- libaneses como palestinos sabem lestinos, desde crianças, aprende-
trante. respondia do solo. Era o ma- bem que esse é o clima ideal para um ram a conviver.
traquear da artilharia anti-aérea e bombardeamento. Um dos edifícios das traseiras do
das metralhadoras, tão familiar nas Nesse instante um telefonema hotel alberga actualmente numero-
noites de Beirute. Sem muita noção afastou-nos de especulações: «bai- sas famílias de refugiados libaneses
do perigo que corríamos nem da xemjá- , ordenavam-nos. No hall do do sul, onde vivem 15 e mais pes-
situação criada, precipitámo-nos em Wiener Haus Hotel tinha-se con- soas em cada quarto, constituindo

62 cadernos do terceiro mundo


uma pesada carga para as estruturas desde o último bombardeamento is-
polfticas e assistenciais do Movi- tão-pouco as suas bombas, conti-
raelita de Julho de 1981, que provo- nuaremos a lutar até à vitória •.
mento Nacional Libanês e da OLP, cou várias perdas humanas e mate-
encarregadas do seu sustento . As Aquelas canções, cuja força fazia
riais (mais de 300 mortos e vários superar a barreira da língua, conta-
roupas a secar nos estendais e va- edifícios totalmente destruídos) no
randas, e a precaridade das instala- giavam-nos com a mística revolu-
bairro Fahkani. Lugo dirigia-se para cionária que transmitiam. As infor-
ções que partilham , e que divisamos a área dos bombardeamentos pen-
do nosso hotel , contrastam com a mações que eram radiodifundidas e
sando que estes já haviam termi- que davam conta serem númerosos
sumptuosidade exibida pelos edifí- nado, procurando captar imagens
cios do lado , habitados, na sua os mortos e feridos, todo aquele
das operações de salvamento ruído dos aviões zumbindo nos nos-
maioria, como nos informaram , por quando foi atingido por uma das
diplomatas . sos ouvidos, a resposta da artilharia
bombas que provocou ferimentos - precária artilharia montada em
IS- Do editTcio dos refugiados também em alguns dos seus colegas. camiões, de pouca eficácia militar,
de gritam-nos algo em árabe. E habi- É o terceiro jornalista francês que mas com o papel moral de dizer,
;o. tuados como estávamos aos cuida- morre no Líbano desde 1975 . «resistimos » - tudo constituia uma
do dos que os militantes tomam em «Nesse lugar de onde saiem as experiência que nos esmagava e
la· relação a quem empunha câmaras , nuvens de fumo vivem mais de 300 transcendia.
de depressa deduzimos que se trata de mil pessoas», explica-nos um dos
1-. uma advertência para que não foto- Olhámos o relógio. Eram cinco
companheiros que connosco está no
a grafemos. Mas o nosso anfitrião pa- horas da tarde. O bombardeamento
terraço do hotel. Enquanto no céu
:e, lestino, com quem subíramos tam- durava havia, pelo menos, duas ho-
azul se adensam as colunas de fumo,
te bém ao terraço, responde-lhes: ras. O que estariam a fazer e a pensar
a rádio da Resistência Palestina co- os nossos amigos e familiares quase
r . Sarraftie. Fatej (AI Fatah) >> Ou meça a difundir canções revolucio-
ão seja, «jornalistas» após o que se no outro lado do mundo? Imagina-.
nárias . «Estão a dizer que não serão
identificou como quadro palestino riam o Inferno em que estávamos
8 os aviões que nos irão deter, nem metidos? «Passam mais de duas
da OLP. Com um gesto de aprova-
ns ção, permitem-nos, então, que con-'
tinuemos a apontar o céu .


de Morre um jornalista
e,
>8 Procuramos imaginar a distância
e. que nos separa do massacre: não
i. devem ser mais que vinte quartei-
o. rões. E se os bombardeamentos
It alastram a outras áreas? Cada vez
de que os aviões desaparecem ressurge
le 8 angústia. De onde surgirão da
próxima vez? Uns cinco a sete minu-
tos separam cada uma das incursões .
Explicam-nos que essa «táctica»
permite fazer um maior número de
vítimas . Quando os aviões «desapa-
- recem», a população corre a socor-
o· rer os feridos e tenta salvar pessoas
ainda vivas do meio dos escombros .
Éentão que os F-16 surgem de novo
e voltam a bombardear. Foi assino
e que foi atingida uma das ambulân-
pi eias do Crescente Vermelho (o
o equivalente muçulmano da Cruz
Vermelha) Palestino, quando se di-
rigia para o hospital do campo de
'. refugiados de Sabra com vários feri-
dos. Ninguém sobreviveu.
Foi assim que morreu também o
Operador de câmara da televisão
francesa, Jean Lugo, de 50 anos,
que cobria a situação no Líbano

N." 45/Junho-Julho 1982


horas e ei-Ios que tomam a bombar- mostrava- e. no entanto. optimista. CIBlIi. à população palestina refu-

dear!. - comentámos. O hospital tinha começado a funcio- giada e à população jontana em ge-
A nosso lado. Neiva Moreira e os nar e os primeiros pacientes estavam ral. -Somos uma associação huma-
palestinos procuram contar os a começar a receber o primeiros nitária e oferecemos os nossos ser-
aviões envolvidos. que. para sua tratamentos. viços a quem no-los solicite. sem lbe
protecção. lançam balõe incandes- Entre o enfermos encontrámos perguntar qual a sua nacionalidade
centes. de forma a confundir a arti- um jovem combatente mutilado que ou religião. - afrrmara-nos. Na
lharia anti-aérea e assim não serem falava alguma coisa de e panhol e dezena de hospitais que actualmente
atingidos. com ele havíamos conversado de- têm no Líbano. mais de 40 por cento
- Isto é uma ratoeira - desaba- moradamente - metade em caste- dos pacientes a cargo do Crescente
fávamos Neiva e eu própria - lhano. metade em fran~s - sobre Vermelho Palestino é constituido
Como pode Beirute ficar expo ta lutas no Médio Oriente e as lutas por libane es das classes mais ne-
assim. sem qualquer protecção? na América Latina. Tinha-nos im- cessitadas.
Vocês que vivem aqui e que sabem pre sion do particularmente o seI! Apesar de ser muito jovem. talvez
como Israel se preparou ao longo de grau de informação obre o conti- 19 anos. Lamia mostrava-se muito
todo este tempo para um ataque em nente latino-arnencâno . Pergunta- adulta e consciente do seu papel
larga escala. expliquem-nos: como é ra-no , inclu ive. algumas opiniões dentro do Crescente Vermelho e da
possível não se terem instalado aqui sobre o desenlace provável da OLP. em geral. Tinha-me confes-
rampas de mísseis SamoÓ. radares e guerra nas Malvinas. que ele via sado que a sua grande ambição era
outro tipo de protecção anti-aérea? com pe imismo. dada a superiori- estudar jornalismo. mas que os seus
Se eles quisessem acabar com a ci- dade militar britânica. pais não a deixavam. Pensavam que
dade. com todo o país. poderiam Vinha-nos à memória aquele ve- era uma profissão pouco adequada
fazê-lo sem enoontrar uma resposta lhinho paralítico que pintava a sua para para uma mulher. Ela então
militar adequada! Estão a travar uma cerámica com carinho e dedicação. dedicara-se ao estud2 ~s Unguas
guerra de David contra Golias! Me- Tão belas eram as peças produzidas por forma a desempenhar o seu tra-
tralhadoras e artilharia montada em pelos pacientes que a direcção do balho de relações públicas e entrara
camiões contra bombas de fragmen- hospital seleccionara algumas delas para o Crescente Vermelho um ano
tação e aviões F-16 .. . ! para as enviar para o estrangeiro, atrás . Porém. o seu objectivo era
integrando uma exposição de arte- conseguir ser independente econo-
Só uma bora antes .•. sanato e arte palestinos. E aqueles micamente a fim de iniciar os seus
jovens - entre eles um grupo de estudos sobre jornalismo. Com se-
A rádio palestina e a Rádio Monte cegos - que construiram móveis e renidade, Lamia contara-me que, na
Cario começam a dar informações brinquedos em madeira. Tínhamos Jordânia. o Crescente Vermelho Pa-
concretas sobre os bombardeamen- conversado também com uma en- lestino chegara a ter 33 centros mé-
tos. Concentram-se sobre a área dos fermeira voluntária da Noruega que dicos e hospitalares. Mas após
campos de refugiados de Sabra e trabalhava no hospital havia apenas aquele terrível ano de 1970 -
Shatila, na cidade desportiva. no um mês. Antes de vir para o Líbano quando o rei Hussein expulsou pelas
bairro Fahkani e sobre o campo de ela tinha trabalhado junto de refu- armas a OLP da Jordânia - tudo se
Burj el Barajneh. Percorre-nos uma giados latino-americanos exilados perdeu .
sensação estranha ao constatarmos na Noruega. onde tinha travado co- No Líbano tiveram que recome-
que apenas uma hora antes do início nhecimento e feito amizade com çar. Pouco a pouco tinham voltado a
do bombardeamento tinhamos per- vários uruguaios. Em jeito de brin- formar e estruturar os seus quadros
corrido aqueles mesmos lugares.
No campo de Bur el Barajneh u-
cadeira, tinha-me dito que se o médicos. Actualmente o Crescente
Vermelho possui 12 hospitais, dos
I
tempo o 'permitisse podiamos até
nhamos visitado o Haifa Socio-me- sentarmo-nos a conversar e vería- quais um na Síria e outro no Egipto,
dical Center, instituição para mos que encontraríamos até amigos e os restantes no Líbano. Para além
reabilitação de paraplégicos. muti- comuns. -O Uruguai é tão pe- destes hospitais, existem clínicas no
lados de guerra e crianças deficien- queno", dizia-nos - -todos se co- Sudão. Qatar e Kuwait. Em todo o
tes. Conversáramos com o director nhecem". mundo árabe existem secções da or-
do centro. sr. Mustafa Kadoura. que Lamia, que trabalha no Departa- ganização assim como grupos de
nos informara quanto custara cons- mento de Relações Públicas do solidariedade em todo o mundo,
trurr aquele hospital, dotado de tã!) Crescente Vermelho Palestino (por- particularmente na Europa. de onde
modema infra-estrutura e pessoal que fala muitíssimo bem vários é enviada ajuda fmanceira e pessoal.
especializado. O problema mais di- idiomas) tinha-nos acompanhado na Os membros do Crescente Verme·
ficil nem sempre era encontrar di- visita ao Hospital Gaza. de cirurgia lho Palestino espalhados por todo o
nheiro. Bastante mais árduo era en- geral. do campo de Sabra. Em con- mundo têm a obrigatoriedade de
contrar quadros médicos e enfermei- versa com ela, soubemos que o eleger o Conselho Administrativo
ras especializadas em fisioterapia e Crescente Vermelho Palestino havia da organização, que se reúne duas
no tipo de tratamentos que ali se sido fundado em 1968, na Jordânia. vezes por ano, o qual nomeia o pre·
administravam. O dr. Kadoura para prestar serviços médicos e so- sidente da instituição. O actual pre·

64 cadernos do terceiro mundo



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II O Inldo do bombardellmento 1arMI/ta obMrvlldo do t.mIço do WlfH'l6r Haus Hotel
I'
~ sidente 6 o sr. Fathi Arafat, irmão de prestada em colaboração com a Cruz Os filhos dos mártires
~ Yasser Arafat, e um dos fundadores Vermelha Internacional . Por úl-.
do Crescente Vermelho Palestino. timo, Lamia contava-nos que muito Depois da visita aos hospitais tí-
IS Desde sempre integrou a sua equipa recentemente se formara um depar- nhamos ido à escola Somoun, onde
m6dica. tamente de orientação profissional
It vivem os filhos dos mártires do
.Contamos tamb6m com centros para mulheres . Aí, as jovens rece- bairro de Befrute de Tal al Zaatar,
e· de medicina preventiva nos campos bem lições de bordados, IInguas e cujos habitantes foram massacrados
de refugiados. Procuramos melho- secretariado e o próprio departa- pelas falanges direitistas cristãs du-
IS rar as condições de saúde da popula- mento se encarrega de lhes arranjar r~te a guerra civil libanesa, em
te ção e oferecemos protecção às mães colocação logo que terminam os 1976. E, lamentavelmente, nesse
IS e rec6m-nascidos •. seus cursos. Na sua maioria, IIS alu- massacre também estiveram envol-
Outra das actividades do Cres- nas são raparigas dos campus de vidas as tropas sírias que, naquele.
I'D cente Vermelho, desenvolvidas refugiados. tempo, se apresentavam no Líbano
atrav6s do seu Departamento Social, Agora - não podíamos deixar de do lado das falanges contra libane-
está ligada à ajuda às famílias dos pensar - aquelas colunas de fumo ses progressistas e palestinos.
territórios ocupados . Desses terri- negro bem poderiam provir dos Kassen, o director da casa-escola
tórios trazem objectos de artesanato hospitais que visitáramos! Quais e um dos sobreviventes de Tal ai
para os vender em Beirute, em daquelas crianças e jovens com Zaatar, conheceu e tratou com mui-
stands da instituição - um dos quem estivéramos havia pouco mais tos dos países dos orfãos que hoje
quais visitáramos também naquela de três horas estariam entre as víti- tem a seu cargo. «Temos aqui 200
manhã de 4 de Junho - sendo o mas? Mais tarde viemos a saber crianças, de idades compreendidas
dinheiro , posteriormente, enviado efectivamente que tanto o hospital entre um ano e meio e 18 anos» -
de retomo a essas famOias. Igual- como as fábricas da SAMED* do explica-nos. Um grupo do Comité
mente se ajudam as fammas dos campo de Burj el Barajneh tinham Norueguês de Solidariedade com a
detidos e os próprios presos polIti- sido muito atingidos. E que aquela Palestina, que se encontrava tam-
cos em cárceres israelitas nos terri- ambulância bombardeada era do bém em Beirute, visitou connosco a
tórios ocupados, ajuda esta que é hospital do campo de Sabra. escola.
N.· 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 65
- Criámos aqui um sistema de e o no o pa ado: história, geogra- superar as sequelas da guerra, se a
famnia. Cerca de 75 por cento das fia, folclore e cultura pale tinas . As guerra é uma presença quotidiana?
crianças que temos a nosso cargo criança têm de conhecer a sua pá-
perderam pai e mãe, e nos caso em tria cantar as sua can õe nacio- Um espaço para a cultura
que algum destes obre viveu , ele nais.»
Voando de Paris para Beirute
não está em condições - nem ma-
- E a educa ão da menina e encontrámo-nos casualmente com o
teriais nem p icológica - de ter a
rapariga ? - procurámo aber. poeta Mahmud Darwish, a quem
seu cargo o filho . Os que têm meno
- En aramo-Ia de forma dife- entrevistáramos há já alguns anos no
de 3 anos são de Rashidieh , do ul .
rente da tradicional. A mulher está México e que recém-encontráramos
- São todos pale tinos? - per-
preparada para a suas tarefas espe- no Rio de Janeiro. Como era lógico,
guntámos .
cffica mas também para assumir procurámos saber mais em porme·
- Não são de diferente nacio-
outra re ponsabilidade . Para além nor da situação no Líbano, onde
nalidades e religiõe . Há libane es,
di o, pelo no sos e tatutos , as ra- reside.
sírios - a maioria evidentemente
parigas não podem casar-se antes «Em Beirute não se morre por
são palestinos - e há até uma famf-
dos 18 anos . De acordo com as suas acidente, vive-se por acidente. ,
lia turca que habitava próximo de
capacidades nós apontamos quais as respondera-nos . No entanto , entre
Tal El Zaatar, numa localidade tam-
jovens que devem ser encaminhadas escaramuças militares, bombas e
bém arrazada pela falange . Há cris-
para a Universidade . Yasser Arafat atentados, a cultura havia ganhado
tãos. e muçulmano .
determinou que as raparigas desta espaço. Não só Mahmud estava a
Naquele belo casarão, próximo
casa têm prioridade para todas as editar com êxito a sua revista literá-
do campo de Burj el Barajneh , as
bolsas de estudo universitárias . ria «Al Karmal. , um orgulho da
crianças de um ano e meio a três
- Há mães de várias nacionali- • OLP em todo o mundo árabe, como
anos passam todo o dia na creche.
dades? tinha sido criada uma editora pales-
As crianças entre 3 e 6 anos de idade
- Sim , palestinas e libanesas. tina.
vivem num esquema de funciona-
Muitas delas são viúvas de mártires Uma longa conversa com Hous-
mento semelhante a um jardim-
e têm aqui os seus próprios ftlhos. sine Halak - director da editora -
-escola, enquanto que os maiores de
Cada uma tem a seu cargo 10 crian- um sírio , cujo espírito militante
seis anos ar dormem, mas frequen-
ças . Elas ajudam-nas e ajudam-se a levou-o a juntar-se à luta da Frente
tam diferentes escolas no exterior.
- Frequentam escolas normais, si próprias a superar esta situação . de Libertação Nacional (FLN) da
pois somos contra o isolamento. Procurámos saber de Kassen do Argélia e a Nasser, no Egipto, para
Terãoqueseadaptaràsociedadeaque apoio financeiro à escola. mais tarde se integrar na luta da
- Tunisinos, belgas e franceses causa palestina - revelou-nos um
pertencem , não podem viver num
ajudam-nos com algum dinheiro . panorama animador nesse impor-
«ghetro ».
Alguns quiseram até adoptar crian- tante campo da divulgação literária.
Os parentes das crianças - avós,
ças, mas nós não as autorizamos a A editora tem por nome Dar ai
tios e primos - podem visitá-las
abandonar o pars . No entanto, a Kalima , ou seja, a palavra. «É uma
todas as sextas-feiras das 8 ao
maior responsabilidade económica editora independente, não obstante
meio-dia . E podem até almoçar com
cabe à OLP. os seus estreitos vínculos à OLP e,
elas, já que, na maioria das vezes,
- Qual o rendimento escolar e particularmente à AI Fatah, diz-nos
são pessoas em situação económica
social das crianças? Halak. Antes da editora se ter for-
muito precária, que não têm posses
- Subsistem os problemas mado, deu-se, no entanto, todo um
para custear um almoço fora de
emocionais . Ao começo foi pior, processo de maturação dentro das
casa.
agora pens~ que os superámos, em estruturas da Organização de Liber-
Kassen , um homem de uns qua- parte» . tação da Palestina sobre o signifi-
renta anos, palestino endurecido por «Superámo-los, em parte- . cado da cultura na luta pela autode-
aquela e por outras traumatizantes Aquela frase ficara-nos gravada na terminação de um povo . «Consta-
experiências de guerra, tem naque- memória, já que , após a explicação támos que a cultura havia sido rele-
las 200 crianças os seus verdadeiros de Kassen, durante a visita pelas gada, que nós próprios a ignoráva-
filhos. «Nesta casa - dizia-nos - instalações da casa-escola, sentíra- mos, e que um povo que vai desco-
temos a oportunidade de educar as mos o olhar triste e muitas vezes nhecendo a sua cultura vai perdendo
crianças segundo critérios da OLP, distante, das crianças. Outras, mais também a sua própria identidade».
de acordo com as formas que enten- alegres, como todas as crianças do «Também compreendemos que
demos que a educação deve ser ad- mundo, de pronto se apressaram a não poderíamos obter êxito na
ministrada, com um novo conteúdo . «posar» para as fotos, «agitando. o construção de um movimento de-
Reparem que as nossas crianças não ambiente. Algumas, porém, nem mocrático e revolucionário se não
têm livros próprios, são educadas sequer tinham levantado a cabeça déssemos importância a outras ques-
em escolas libanesas. Mas da parte para nos mirar. Depois, no terraço, tões que não fossem exclusivamente
da tarde eles encontram aqui, nesta no «tecto- do hotel e de Beirute, políticas ou mesmo militares.
casa, matérias específicas sobre nós veio-nos à memória a escola. Como Fomos descobrindo que um erro

66 cadernos do terceiro mundo


muito comum entre os revolucioná-
rios era serem mais atrafdos para a
execução de um golpe de Estado do
que para iniciar um processo de
transformação. Quando, depois de
1970, a maioria de nós se viu obri-
gada a vir para o Lfbano, o sector
cultural começou a impor-se e tive-
mos que pensar em termos estratégi-
cos, para o futuro . Tfnhamos que
estudar ampla e profundamente a
sociedade árabe. Concentrámo-nos
no estudo das expressões culturais,
políticas e criativas, com especial
atenção em relação aos conflitos
dentro da sociedade árabe. Ou seja,
conhecer aprofundadamente as dife-
renças que existem entre iraquianos,
libaneses , yemenitas e palestinos,
por exemplo .
Dentro dessa linha, elaborámos e
publicámos já um livro sobre o pro-
blema do Sahara. Antes de tudo
analisámos o problema. Depois
fomos à Argélia, Marrocos, Mauri-
tânia e ao próprio Sahara. Isso foi
em 1980. Elaborámos e publicámos
também um trabalho sobre o Sudão .
Depois de termos avançado nessa
linha editorial sobre problem:.s e li-
teratura árabes (e palestina, em par-
ticular) estendemos a nossa acção à
África e América Latina. De escrito-
res latino-americanos publicámos já
. Cem anos de SoUdão» (1979, 3
edições) e . 0 Outuno do Patriarca»
(1981 , 2 edições), de Gabriel Garcia
Márquez . Os livros foram distribuf-
dos em quase todos os pafses árabes .
As experiências anteriores tinham
sido com Pablo Neruda, muito co-
nhecido no mundo árabe , embora
muito mais pelas posições políticas
que tomou do que propriamente pela
sua poesia.
Para o futuro, disse-nos Halak,
estão programados Carpentier e I
Cortázar. De África já editámos
Agostinho Neto (poemas) e Nyerere
(ensaio sobre a experiência política
das ujamaa - aldeias camponesas
colectivizadas), para além de um
livro sobre o Zimbabwe (1979) e
algumas novelas de autores africa-
nos e ensaios de Lumumba e
N'Krumah .
Os trabalhos publicados esten- 0a1.,...,1tII. aflrmllram que tinham bombIIrdMdo o estádio de Beirute porque
ele . . . um dap6a1to de Irmllrnento e munlç6ea peleetlno-. No entanto, NelVI
deram-se ainda à situação do Irão, MoreIra (na toto do melo) e Beatriz Blaalo, envledoe eepec:Iel. de cadernos do
com um livro de Bani Sadr( . Oi! and terceiro mundo, puderam compFOvlr que I ' «munlç6ea_ eram ..coa de cereal.
Violence», escrito antes de regres- e c:one«VI. pera IUmenterOl retugledOl vindos do IUI do pIÚ' (foto em baixo).

N.· 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 67


sar do exflio) e outro e MahJ Ba-
zargán sobre as cara teri tica! do
povo iraniano, ambos muito 'bem
recebidos. I j
A editora estava II lançar uma
média de dois livros or mes, com
uma tiragem média de 5 mil exem-
plàres.
Com Halak que antes de tudo é
um militante politico, a conversa
também havia girado em tomo do
problemalibaneepalestino.Foi
exactamente na noite de 3 de Junho e
ele mostrava- e pe imi ta. - E ta-
mo a viver um slatu quo doentio».
E pormenorizava: - As forças aqui
dentro reflectem cada vez mais
todas as contradições e conflitos do
Médio Oriente e de âmbito mundial.
E constato que na opinião pública
mundial, e até entre n6s, há uma OU...". todo o mM de Junho .Inva. israelita cauaou mala de 15 mil mortos
espécie de habituação a esta situação entre • populaçio llbaneaa • palNtlna
de nem-paz, nem-guerra. Não sinto
·um empenho profundo em superar Afirmámos-lhes que temos de saber foram quebrados pelas ondas-de-
esta terrível e perigosa conjuntura». exactamente o que se está a passar. -choque provocadas pelas detona-
O militar que transportou a enfer- ções.
meira vai para lá mas nega-se a À porta da sede da OLP notava-se
Morte e destruição levar-nos. Adianta que a ordem é de nervosismo . Entrámos directamente
retirar as pessoas das áreas bombar- para o refúgio anti-aéreo do subter-
- Parece que agora se dirigem deadas, não conduzi-Ias nessa di- râneo do edifício. O encarregado da
para o sul. recção. Insistimos: . Somos jorna- Imprensa estrangeira , Issa, lia o
- O nosso interlocutor palestino listas, vimos da América Latina ... ». primeiro dos comunicados oficiais
acaba de apanhar do chão do terraço Um diálogo em árabe dá-nos a sen- de guerra ante todos os membros do
do hotel um estilhaço de bomba. sação de que não conseguiremos saír grupo norueguês do comité de apoio
Depois de controlar pelo rel6gio a do hotel. Finalmente, fazem-nos à Palestina e para jornalistas de vá-
passagem de quinze minutos sem sinal para que subamos para o veí- rias nacionalidades ali presentes.
novas incursões dos F-15 e F-16, e culo. Lembrei-me que quando nos des-
de acordo com as informações que . Há que evitar mais mortes, e a pedimos do grupo norueguês, às
estavam a ser radiodifundidas, de situação continua extremamente duas da tarde, para irmos para o
que, nesse momento, os israelitas perigosa» comentam-nos . . S6 fi- hotel, havíamo-los deixado ainda na
estavam a bombardear Damour e zemos uma excepção por serem jor- casa-escola de Somoun, onde se
outras áreas do sul do Líbano, nalistas». demoraram. Seguramente o bom-
achámos conveniente baixar de O trânsito, ainda que escasso, era bardeamento tinha-os apanhado no
novo ao hall do hotel. completamOllte louco. Ambulâncias caminho, vindos daquela institui-
Ai, uma famma acabava de che- iam e vinham, cortando o silêncio ção, e o responsável palestino que os
gar, transportada por uma ambu- em que a cidade havia mergulhado acompanhava teria preferido levá-
lância. A mãe encontrava-se em es- com o ulular fúnebre das sirenes. A -los directamente para a sede da
tado de choque. O edifício em que maioria das pessoas estava armada. OLP.
viviam, no bairro Fahlcani, tinha Os postos de vigilância tinham-se Quem está num refúgio anti-aéreo
sido arrasado e vários membros da reproduzido como cogumelos, perde completamente a noção da-
fanulia encontravam-se debaixo da- quase um por quarteirão . Quem não quilo que se está a passar no exte-
quilo que fora a sua casa. A mulher é empunhava espingarda-automática rior.
conduzida para uma das salas e no pelo menos tinha pistola. - O que é que se passa lá fora?
mesmo instante chega um veículo Chegámos à esquina da Universi- - pergunta-nos Ingrid, urna das jo-
militar palestino com uma enfer- dade Árabe de Beirute e aí descemos vens norueguesas.
meira. da viatura. A área apresenta-se - Agora tudo parece tranquilo,
Pedimos aos nossos acompanhan- calma mas as ruas estão cheias de mas as baixas parecem ser grandes.
tes para ir para o bairro Fahkani, vidros estilhaçados . Primeiro sinal Isso confrrma as primeiras cifras:
onde fica a sede do departamento de visível da proximidade dos estragos Mais de 40 mortos . No dia seguinte
imprensa estrangeira da OLP. causados pelas bombas: os vidros os diários falavamjá em várias cen-

68 cadernos do terceiro mundo


As ambulâncias
o seu tra-
pel~osiarrlenlte
toda a noite e o dia

Rétomámos o trajecto a pé pelas


ruas do campo de refugiados de Sa-
. bra. Passámos pelo mercado que
nessa manhã visitáramos e pela co-
operativa da Federação de Sindica-
tos Palestinos, da qual pouco resta.
Que sentimento estranho, que
impotência e ao mesmo tempo que
ódio expressam aqueles olhos in-
consolados que nos vêem passar,
silenciosos. Tal como nós, deverão
centro de rMbIlltIIÇIo de deflcientM motOl'M • muUladoa de guetTII no
HoepitalHeIhI, no CIImpo de Burj-al.sa"Jneh dMtruldo horas depoIa de O- pensar, quanto trabalho, quanto sa-
nouoe companhelroe o t.rem vla/IIIdo. crificio perdidos. Quantas vidas cei-
fadas em vão. Porquê este preço tão
tenas . Mais tarde a cifra atingiria os Explicam-nos que nos campos de alto para um povo cujo único delito é
15 mil mortos ... refugiados, dada a precaridade das pretender regressar à sua pátria? E
Aí decide-se percorrer a pé as instalações, não existem abrigos para os libaneses? Beirute é hoje,
áreas mais atingidas. Algumas das anti-aéreos . E por isso a população assim como praticamente todo o Lí-
companheiras presentes preferem , dos campos vizinhos, em caso de bano, uma amálgama onde palesti-
no entanto , ficar, pouco seguras de bombardeamento, costumava acor- nos e libaneses se confundem. Nos
poder resistir ao que poderiam ver. rer ao estádio, pois o considerava campos, vivem e morrem palestinos
Nas ruas toda a gente corre e um lugar seguro. Essa a razão por e libaneses pobres, sem distinção.
mostra-se exaltada e há quem varra que, apesar de ser dia útil e não Numa esquina, dois automóveis
as montanhas de vidros estilhaça- haver jogo, o número de vítimas ter estão desfeitos. Nos primeiros mi-
dos . Um adolescente que não terá sido tão elevado. As crateras das nutos do bombardeamenio choca-
mais de 14 anos está de guarda num bombas têm mais de três metros de ram. O nervosismo e o desejo de se
dos postos, metralhadora na mão . diâmetro. Milhares de latas de con- protegerem das bombas levaram os
Continuam a aparecer homens ar- serva e sacos de cereais que se en- condutores a perder o controlo da
mados de todos os lados, à civil 'ou contravam guardados nas galerias direcção das respectivas viaturas.
uniformizados de verde-oliva: mi- do estádio encontram-se destruídos. Entrámos no hospital do campo
licias palestinas e libanesas pro- Os comunicados de guerra israelitas de Sabra. A porta está manchada de
gressistas . De súbito, ao longe, uma dão uma versão bem diferente: -o sangue fresco e gotas de sangue
multidão agitada, a três ou quatro estádio foi bombardeado por servir espalham-se pela escada. Lá dentro
quarteirões de onde nos encontrá- de depósito de munições e arma- reina uma grande agitação. Acaba
vamos. Estão a retirar corpos das mento palestino». Na verdade, as de chegar a notícia da ambulância
ruínas do estádio da cidade despor- - munições» eram parte da ajuda in- bombardeada. Era conduzida por
tiva ... ou mais correctamente, da- ternacional para socorrer as vítimas um membro da equipa de enfermei-
quilo que dele resta. Procurámos da guerra no sul do LfbanC?, que, em ros deste hospital. Há gente que pro-
aproximar-nos mais mas barram- massa, foram evacuadas para Bei- cura identificar os seus familiares
·nos o caminho. Proibem-nos . E rute onde vivem em condições ex- entre os feridos, na esperança que
quando surgem as primeiras foto- tremamente dificeis. ainda estejam vivos. Enfermeiros e
grafias das operações de salvamento Do estádio pouco ficou . Dias de- médicos carregam vítimas e soro. A
compreendemos, então , perfeita- pois prosseguiam ainda as buscas de rádio transmite pedidos urgentes de
mente a razão dessa proibição: cor- cadáveres sob as ruínas. A sede da sangue. É incrível, mas não há pâ-
pos irreconhecíveis, mutilados , Unesco encontra-se do outro lado do nico. No meio da tragédia, tudo
queimados. Uma mulher que correu estádio, separado deste apenas pela funciona, organizadamente.
em busca do seu filho e encontrou o estrada que conduz ao aeroporto in-
seu cadáver despedaçado, regres- ternacional, também bombardeada. Todos os habitantes das redonde-
sava, amparada por dois milicianos, O edificio nada sofreu, mas não zas sabem o que fazer e onde ir
gritando enlouquecida numa voz ficou um vidro intacto. Um dos pos- oferecer a sua ajuda.
que mais lembrava um urro: . e de- tes de iluminação da via-rápida, na A encarregada do hospital,
pois eles chamam-nos terroris- separatória entre os dois sentidos da Ilham, leva-nos para o primeiro
faixa de rodagem, ficou reduzido a piso. Não estava ainda pronto -

cadernoS do terceiro mundo 69


N." 45/Junho-Julho 1982
Vária famílias libanesas fugiam da
guerra.
Enquanto esperávamos a partida
do voo, a artilharia sentia-se cada
vez mai intensa e próxima. Pensá-
mo que o aeroporto ia ser nova-
mente encerrado. Fizemos um para-
lelo com outras experiências, a
guerra da independência em An-
gola , Luanda sitiada, a luta na pro-
vrncia de Cabinda, ou em Cabo Del-
gado, em Moçambique . Mas aqui a
ensação de abandono e isolamento
era maior. - Onde estão os nossos
irmãos árabes nestes momentos?>
- perguntava-me um dos funcio-
nários do aeroporto com quem nos
detivemos a conversar quando
II~ paleetlno.: uma Mnwgedora dMlgualdade de melo. face ao vimos o seu rosto carregado de pre-
-a1'MSOl' ocupação. - Levo meses a chamar
também e te hospital é muito re- por telefone a minha mulher cada
desde a guerra civil, impregnada de
cente - mas tiveram de o abrir, vez que chego ao trabalho aqui ao
tensão. Em princfpio não se espera-
forçados pela necessidade. As aeroporto, para a acalmar e dizer-lhe
vam novos bombardeamentos. Con-
camas estão instaladas precaria- estou vivo •. Na realidade, reflectia
tudo, depois do meio-dia começa-
mente. E uma parte inteira do corre- em voz alta: - Isto já não é vida. Os
ram a chegar notícias que referiam
dor está em ruínas , em consequência aviões israelitas a poucos quilóme- meus filhos estão em permanente
do bombardeamento. crise nervosa. Os vizinhos do meu
tros ao sul de Beirute. Às quatro da
Furamos entre mortos e feridos . tarde a artilharia antiaérea responde bairro deixaram de dormir nas suas
Na sala contígua estão feridos que casas. Receando os bombardeamen-
novamente aos F-16 .
receberam os primeiros tratamen- tos vão dormir para os parques e
Domingo já se tinha uma certeza:
tos . As camas não foram suficientes para as ruas. São muitos anos ... >,
Israel iniciava uma invasão . Os
e os menos graves foram deitados no continua, como numa confissão ín-
bombardeamentos arrasavam 40 lo-
chão . Na outra sala estão crianças. tima. - Sabe, diz-me, hoje ao vir
calidades do sul do Líbano e havia
Um bebé com pouco mais de três para aqui senti pela primeira vez
navios de guerra em posição de de-
meses, com o rosto queimado, necessidade de empunhar uma
sembarque ao largo da costa. As
arma ...
quase desaparece entre as garrafas tropas israelitas já tinham alcançado
de oxigénio e os curativos . a praia em vários pontos . No Líbano a vida perde valor. E
Salvar-se-á? Quem o poderá dizer ... cada vez mais enrafza-se na popula-
Beirute estava deserta. A con-
Um menino de cinco anos, de ção uma convicção: é melhor morrer
signa era dirigir-se para os abrigos
boca para baixo, está cheio de san- na resistência que viver na humilha-
antiaéreos . A população dos campos
gue. O sangue seco fez com que uma ção . Foi esse sentimento que vi re-
de refugiados tinha sido transferida
parte da roupa se pegasse ao corpo. flectido em muitos rostos naqueles
durante a noite. Os que não tinham
Um dos jornalistas que nos acompa- momentos. Os homens e mulheres
para onde ir deveriam dirigir-se para
nham desata a soluçar. do Líbano que assumiram o seu
os parques ~e esconder-se debaixo
das árvores. No caminho para o compromisso com a causa palestina
até às últimas consequências sentem
aeroporto notava-se tensão nos pou-
-Onde estão os que a insânia israelita uniu mais fir-
cos carros que se aventuravam nessa
nossos irmãos árabes? .. direcção. No sábado o aeroporto memente os seus destinos e que já
tinha estado encerrado. não é possível voltar atrás.
No outro andar estavam as mulhe- Antes de embarcarmos pedimos Talvez Begin, sem o pensar, ao
res . para fazer uma ronda pelos hospi- ordenar esta invasão haja dado um
Recebemos as últimas notícias do tais, onde encontrámos muito pou- passo concreto para a criação de um
dia já no hotel. Houve três aviões cos feridos . - E o resto? .. , pergun- Estado palestino independente. O
israelitas abatidos: - dois em territó- támos. - Quase ninguém sobrevi-
rio inimigo e um perto de Damour... veu " . • A SAMED I uma instituiçõo da OLP q/U
Já há Gentenas de mortos . No nosso avião viajavam também promove o lÚsenvolvimento lú actividades
Sábado de manhã tudo parecia passageiros do dia anterior, cujos produtivos e ajuda economicamente os re-
fugiados (ver cadernos do terceiro mundo
-regressar à «normalidade .. . Aquela voos haviam sido cancelados ou n. o 27 -Quem são ~ onde estõo os polesti-
normalidade que caracteriza Beirute desviados para Lamaca e Atenas . nos.).

70 cedemos do terceiro mundo


necessária a invasão do Líbano, mas
receava as suas consequências. Não

Como nos se preocupava, naturalmente, com


as repercussões diplomáticas. Com
o invariável apoio dos Estados Uni-

tempos de Hitler dos, Begin nunca deu grande impor-


tãncia à opinião internacional, so-
bretudo porque conhece bem a ca-
pacidade do «lobby» israelita em
influenciar a opinião pública nos
meios de comunicação do mundo
Nem o atentado de Londres nem a situação no sul
ocidental. O que o afligia era o
influiram na decisão de Begin e Sharon. A sua ofen- «aprés », ou seja, o que fazer depois
siva é parte de um projecto maior: o de um Israel do de ter o Líbano ocupado. «Daqui até
Eufrates ao Nilo à fronteira com Israel, dizia-nos um
veterano combatente das milícias
progressistas do Líbano, não há
quase ninguém desarmado. De 12 a
Neiva Moreira 14 anos até aos 90, o mínimo que a
gente possui é uma «kalatchinikov»,
a metralhadora soviética de carrega-
dor curvo .
OS dois dias anteriores à in- passo a dar. O ministro da Defesa,
N
Convertido o exército invasor em
vasão do Lfbano , o Ariel Sharon, e o general Eytam, força de ocupação, quando a fase de
ambiente era de relativa chefe do Estado-Maior do Exército , guerra ceder lugar à- guerrilha, na
calma. Em Beirute, considera-se um conhecido pelas suas pOS1ÇQCS qual os palestinos e os seus aliados
dia «calmo» quando se registam agressivas , eram partidários de uma libaneses são mestres, a situação
apenas «accrochages» (enfrenta- ofensiva total. Sharon, que foi mi- poderia então ser muito desfavorá-
mentos) rotineiros, mesmo que o nistro da Agricultura, considerava vel aos israelitas.
número de mortos e feridos seja ele- essencial controlar o sul do Líbano Begin também receara os desdo-
vado . até Saida, não apenas por motivos bramentos imediatos da ocupação
Um desses confrontos ocorreu na estratégicos mas para poder dominar do Líbano: enfrentamento com a Sí-
noite de quinta-feira, dia3 de Junho, totalmente o rio Litani, que era a ria, com o possível envolvimento da
entre shiitas pró-Khomeiny , libane- fronteira real israelita-palestina. Ac- URSS, aliada de Damasco, e temia
ses e curdos partidários do Iraque. tualmente estão a ser desviadas as deixar em apuros o presidente do
Saldo: oito mortos e cinquenta e dois águas do Litani para Israel - Egipto, Mubarak.
feridos . Como a minibatalha se de- calculando-se em mais de 20% do A invasão realizou-se e é possível
senvolveu durante muitas horas com seu ca~dal - privando os libaneses que Begin e Sharon tenham abando-
metralhadoras e morteiros , exacta- de um eleménto essencial à vida da nado as suas discrepâncias secun-
mente na linha divisória das «duas » sua região. dárias e se tenham posto de acordo
Beirute , não nos foi possf vel atra- Begin considerava igualmente num aspecto fundamental: antes que
vessar a «fronteira » para o lado im-
propriamente chamado cristão , pois
Da área dita muçulmana o número de
católicos é bem maior do que do
outro lado .
Na manhã de quinta-feira discu-
timos com alguns jornalistas o pro-
jecto que nos levara ao Lfbano, ou
seja, uma edição em árabe de cader-
nos do terceiro mundo . Um deles,
Nabil Hani, era redactor do AL Ni-
daa, e considerava aquela «tran,\ui-
!idade» um mau presságio .
Nos meios de Imprensa de Beirute
e Damasco corria uma versão in-
quietante: em Tel-Aviv discutia-se
há vários dias a invasão do Líbano . .I. -
Pela primeira vez, o gabinete de CoIURII de bllncMdoe larMlltu ."..,.,-.-M para .tKer •• Força. ÁrabN de
guerra de Israel divergia sobre o DlaaunIo a/r1u no v.1e de lUkM

cadernos do terceiro mundo 71


N.o 45/Junho-Julho 1982
o exército sioni ta deixe o Líbano, Em todo este dram tico episódio Israel facto que não podem deixar
os combatentes palestinos devem da invasão do Líbano, Reagan man- de er preocupantes. Embora seja
ser não apenas desbaratados mili- teve uma atitude de indisfarçável cada vez menos firme a posição dos
tarmente, mas fisicamente liquida- compreen ão e apoio mais ou meno E tado conservadores árabes em re-
dos. Como qualquer palestino a aberto a I rael. O eu ecretário de lação aos pale tino , não é tão sólida
partir dos sete anos - imbuído até à E tado chegou ao ponto de anunciar a sim do ponto de vista institucio-
medula do ideal da pátria e do re- os resultado das batalha aérea no nal, a posição dos seus governos.
tomo a uma Palestina libertada - é Líbano dizendo que «perdemos tan- São vi {veis as inquietações das
um combatente, então a estratégia tos aviõe . (o aVloc israelitas massas árabes, seja em alguns paí-
foi a que se aplicou no Líbano: bom- abatido ), como e fo e Sharon e ses do Golfo, bastiões tradicionais
bardeamentos maciços e indi crimi- não Haig quem fal va. do conservadorismo árabe, ou
nados e terra arrasada. Reagan tem muito moti o para mesmo na Jordânia e no Egipto . Não
Mas porque motivo e colheu Is- apoiar a inv ão . Os avanço israeli- se deve excluir, num futuro não
rael esse exacto momento, quando ta poderão ser contabilizados elei- muito distante , transformações pro-
tudo parecia encaminhar- e para toralmente entre a comunidade ju- fundas na região, como a queda, sob
uma negociação global obre o pro- daica, quando a ua popularidade pressão popular, de certos governos
blema do Médio Oriente? de ce a níveis drásticos nos Estados árabes con ervadores .
Unidos. Ao mesmo tempo , seria Begin tem pressa. Para ele e para
criado um novo foco de tensões in- o seu projecto do Grande Israel
Os interesses ternacionais capaz de desviar a aten- eventuais governos populares,
norte-americanos ção do mundo da guerra colonialista apoiados pelas riquezas árabes, te-
das Malvinas, na qual, com a cres- riam reflexos inevitáveis na capaci-
A primeira constatação a fazer na cente condenação da América La- dade militar dos seus inimigos.
análise do problema é que seria ilu- tina e das Caraíbas , o governo Rea- Mas não é só isso. Presente-
sório separar as iniciativas israelitas gan esteve até ao fim abertamente mente, o que poderia ser uma
da politica e dos interesses de Was- comprometido, sustentando a Ingla- aliança árabe atravessa um período
hington. Os Estados Unidos estão terra. altamente conflituoso. Mesmo na
numa posição diplomática dificiJ. É possível que haja divergências Frente de Resistência onde os sírios
Estão a caminhar para uma negocia- tácticas entre as direcções dos dois têm urna posição intolerante em re-
ção sobre armamento nuclear com a governos, o de Washington e o de lação ao Iraque e não são eficazes os
União Soviética enfraquecidos pelas Tel-Aviv . Pode ser que, estimulado laços orgânicos militares que unem
contradições entre a sua posição, pelo cheiro da pólvora que o ali- os demais países progressistas: AI-
rígida e agressiva, e a dos seus par- menta e excita, como já antes acon- gélia, Líbia; Iémen do Sul, além da
ceiros europeus, que temem uma teceu com Hitler, o sr. Begin tenha OLP. Isso no campo aliado, entre os
guerra nuclear cujos alvos imediatos ido longe demais e isso não estivesse países progressistas da rej(ião.
seriam os seus próprios países. Esse totalmente dentro das previsões de
não é, no entanto, o único ponto de E o que dizer dos outros? A não
Washington . Mas serão desenten- ser o Kuwait, que mantém uma linha
desentendimento com a Comuni- dimentos internos, entre parceiros,
dade Europeia, que protesta também de maior cooperação com os pales-
que facilmente se solucionarão.
contra os juros altos, o proteccio- tinos e os libaneses progressistas, os
nismo económico, os gastos insu- demais limitam-se a dar algum di-
portáveis para manter uma intermi- Os interesses israelitas nheiro, sem empenhar nem o seu
nável «guerra fria. , as posições au- poder poUtico nem a sua força mili-
toritárias e unilaterais da Casa Da parte de Israel não havia um tar, para enfrentar seriamente Israel.
Branca. momento ntais adequado para o seu E mesmo o apoio financeiro é cada
O governo Reagan considera tudo ataque ao Líbano como o actual. Em vez mais escasso. Com a excepção
isso secundário, face ao objectivo todo o Médio Oriente, mesmo entre do Kuwait e, sobretudo, do Iraque,
maior, que é preparar a guerra con- a opinião pública não fanática de que já antes da guerra não condicio-
tra a União Soviética. Para isso, não Israel e entre os povos árabes, há um nava a sua cooperação com os pa-
seria recomendável desprezar um só c..ansaço de guerra e um desejo de lestinos a eventuais divergências
dos factores politicos e militares que uma solução justa para os problemas sobre linhas tácticas, os restantes
melhorem a posição estratégica da da região. Os acordos de Camp países petrolíferos do Golfo prefe-
chamada Aliança Atlântica. Ora, David estão sepultados e toma-se ririam techar as suas arcas ou limitar
avançar a fronteira militar anti- cada vez mais patente que será in- a sua ajuda se não temessem as re-
-soviética no Médio Oriente, ao viável, condenada ao fracasso, presálias dos palestinos que contro-
mesmo tempo que se enfraquecia o qualquer fórmula de paz no Médio lam os seus bancos , os seus poços de
poder armado de aliados da URSS Oriente que não parta da satisfação petróleo e são o núcleo da sua força
como a Síria ou de amigos como as da exigência palestina de um Estado de trabalho.
forças conjuntas libanesas-palesti- Nacional independente. Israel jogou nesse complexo
nas não seria um ganho desprezível. Há no campo dos adversários de quadro de desentendimentos . E

72 cademos do terceiro mundo


jogou com eficácia, pois os palesti- nês, sob ordens do governo.
nos e libaneses progressistas tive- E o que representa hoje o exército
ram que enfrentar o peso da ofensiva libanês? Com cerca de 20 mil ho-
de uma das mais poderosas potên- mens, responde nominalmente pe-
cias militaristas do mundo de hoje rante o presidente, mas, na reali-
que é Israel só com a limitada parti- dade, está muito ligado às Falanges
cipação síria e apoio logístico da Libanesas (Kataeb), uma organiza-
Líbia. ção de direita dirigida pela famma
Nada mais frustrante do que ver, Gemayel. As Kataebs receberam os-
como nós vimos, superaviões F-16, tensivamente, em muitas ocasiões ,
orientados por modernos sistemas apoio e armamento de Israel e,
de radar, enfrentados por metralha- mesmo agora, foi gente das suas
doras antiaéreas do fim da Segunda fileiras - algumas jovens da «high
Guerra Mundial ou da guerra da Co- society» de Beiture-Ieste - as liba-
reia. Essa desigualdade de meios é o nesas que receberam com flores os
que explica a supremacia da aviação invasores da sua pátria. Não se po-
israelita na luta contra os palestinos. deria esperar que Pierre, Béchir ou
Acrescente-se a essa situação os Amin Gemayel estimulassem, no
resultados extremamente negativos exército, uma atitude de resistência
da guerra Irão-Iraque que dividiu os a Israel.
dois poderosos adversários de Is- O que se vi:! foi muito claro. Tan-
rael, debilitanto por muito tempo as ques israelitas ocupando o aeroporto
possibilidades de ambos coopera- o de Beirute e o palácio presidencial
rem na frente militar anti-sionista. de Baabida, sem que o exército liba-
Se esses dois governo pudessem nês, guardião legal da soberania do
enviar as suas força armadas - que país, disparasse um só tiro. Aa forças da. N8ç6M Unldu
estão entre as as mais poderosas da Naturalmente que seria possível IImlWam-... contabilizar o n6mero ele
aos palestinos, com imaginação e bllnd8doa • efectivos I n v _
região - e não apenas pequenos
contingente de voluntários para audácia, levar mísseis para defender
milhões de seres humanos, servidos
fortalecer a luta dos palestinos , a as suas posições . Mas, os riscos p0-
por uma rica tradição de cultura e de
situação seria outra no Médio líticos talvez não compensassem as
civilização milenária. Possuem,
Oriente . vantagens militares.
com a descoberta do petróleo, recur-
Os mísseis sos ilimitados e têm revelado em
E agora? momentos cruciais da sua história,
.Porque não têm vocês mísseis»? como na batalha de Suez em 1973,
perguntámos a Abu Issa, um jovem O facto concreto é que Israel rea- talento militar e capacidade de
quadro da OLP . • Pergunte a eles», lizou o que vinha sonhando fazer: unir-se e de luta. Ampliaram, tam-
disse-nos simplesmente. ocupar a maior parte do Lfbano. O bém, consideravelmente, as suas
O problema é um pouco mais que se irá passar agora? alianças internacionais e passaram a
complexo do que parece, embora Numa situação tão movediça ser, nos últimos anos, a ponta de
não se excluam as responsabilidades como a do Médio Oriente não é fácil lança de um universo de setecentos
de certos países árabes que desejam avaliar o que ocorrerá amanhã, milhões de muçulmanos.
os palestinos fortes . . . mas não quanto mais daqui a uma semana ou Herdeiros de conflitos tradicio-
tanto. Uma rampa de mísseis difi- um mês . Há, no entanto, elementos nais, que as actuais gerações árabes
cilmente escapa aos satélites es- e factores que devem ser considera- receberam do colonialismo, e em
piões, ou, mais directamente, aos dos em qualquer evolução dos acon- grande parte envolvidos na teia da
agentes do Mossad israelita e dos tecimentos . O primeiro é o próprio penetração e do domínio das gran-
serviços secretos ocidentais, que pu- Mundo Árabe. des potências capitalistas, ainda não
lulam no Lfbano. O governo de Begin tem desa- conseguiram juntar os seus· eslOrços
O governo libanês é uma ficção fiado com extrema arrogância e uma e canalizar o seu poderio para uma
para muitas coisas ( «temos todos os alta dose de irresponsabilidade as tarefa comum do que eles próprios, '
encargos do Poder mas não o Po- nações e os governos árabes. Mais por ve~es mais retóricos do que prá-
der», queixava-se o presidente Elias do que isso: tem-nos humilhado ticos , consideram o desafio histó-
Sarkis), mas não para vigiar os pa- numa escala que só se pode compa- rico de defender a Nação Árabe.
lestinos e os libaneses progressistas. rar às posições do hitlerismo quando Mas se compararmos a situação
Qualquer iniciativa da OLP para me- a Alemanha da década de trinta pre- actual com a de vinte anos atrás ou
lhorar a qualidade e o poder do seu parava e executava a sua ofensiva um pouco mais, com a dos tempos
armamento era dificultada ou sobre o leste e o sul da Europa. de Lawrence, e dos ingleses no
mesmo impedida pelo exército liba- Os árabes são, hoje, mais de cem Cairo , em Bagdade e Amam, é pos-

N.O 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 73


Este é um fenómeno novo que me-
rece referencia à parte.
Os problemas entre as nações is-
lâmicas não são menores do que
entre os árabes . Paquistão e Afega-
nistão têm estado à beira da guerra e
o Irão, sob a liderança do ayatollah
Khomeiny, ressuscita os velhos esti-
los imperiais da dinastia de Reza
Pahlevi prolongando uma guerra já
sem finalidades contra o Iraque, que
é um país de vanguarda na luta con-
tra Israel.
Se analisarmos os problemas com
uma visão de curto-prazo, então o
vaticínio de Begin e Sharon de que
dominarão o Médio Oriente por
mais mil anos, estaria correcto . Mas
a história é dinâmica e são evidentes
os sinais de avanço de uma cons-
ciência anti-imperialista, senão na
maioria dos governos, pelo menos
nas massas populares islâmicas.
O caso do Irão é típico. Não há no
Jov.na paIMtf~ c:.ptunldoa, v~, aIgernIIdoa • (aegundo tMtemunho momento uma linha política mais
ocular de m6d coa noruevu-), torb.Iradoe peI.. rorç.. sionista contraditória do que a do regime
iraniano. Declara-se instrumento de
uma revolução, mas continua ma-
sfvel constatar que eles avançaram expansionista, terá de enfrentar um tando, deportando, prendendo revo-
muito na escala de desenvolvimento poder árabe diferente do actual. lucionários. Combate Israel e envia
político, científico e tecnológico . guardas islâmicos para ajudar os pa-
Hoje ou amanhã, um Israel cujos o mundo islâmico lestinos em Beirute mas compra
cimentos da unidade nacional são armas a Israel para atacar o Iraque.
cada vez mais débeis e contraditó- A essa força em desenvolvimento Essa realidllde provocou confu-
rios e que encontra crescentes resis- acrescente-se o imenso arsenal po- são e desânimo em muitos sectores
tências internacionais à sua política lítico e militar do Mundo Islâmico . progressistas, mesmo entre os que
reconhecem o potencial revolucio-
nário da nova situação instaurada no
Irão.
Entre os sectores progressistas
árabes encontrei agora uma grave
preocupação: por detrás de uma
terminologia radical, há na revolu-
ção iraniana um surto de fanatismo
religioso que se projecta sobre o
Médio Oriente como nunca se vira
desde as Cruzadas cristãs do começo
do segundo milénio. E o mais sério é
que a matéria-prima desse movi-
mento são os shiitas, grande parte
dos quais e em muitos países - o
Líbano, por exemplo - são, pela
sua condição de marginalizados e
discriminados, forças de vanguarda
nas lutas sociais.
Mas, seja como for, o Mundo
Islâmico é uma presença nova e in-
o governo de Begln (na foto) • Sharon (ministro da Def_ • reaponúv" fluente nesse complexo e dificil con-
múlmo da operaçto de InvllÚlO) contaram com • cumplicidade ou o slltnclo texto do Médio Oriente. E se as
da pot6nclaa ocIdentIIl. guerras têm sido, ao longo da histó-
. .
74 cadernos do terceiro mundo
ria, a parteira das revoluções, o
M6dio Oriente não seria, em ver-
dade, a excepção.
Talvez que por sorte, para o pro-
cesso da revolução árabe, Israel não
tem sido administrado por homens
sensatos e respeitadores dos direitos
dos seus vizinhos, mas por gover-
nantes imbuidos de uma obcessão
fanática, apaixonada e irresponsá-
vel de criar um Israel cujas frontei-
ras devem ir do Eufrates ao Nilo .
Nenhum factor de unidade dos ára-
bes- unidade extremamente neces-
sária neste período de transição his-
tórica que estão vivendo - é maior
do que Israel e, mais precisamente,
do que a acção de políticos do cali-
bre de Menahem Begin e Ariel Sha-
ron. E se isso é verdadeiro em rela-
ção aos árabes o é também no que
diz respeito ao Mundo Islâmico.
Muitas das querelas que separam os
seus governos estão sendo ou serão
inevitavelmente postas de lado ,
frente ao desafio maior de enfrentar
Israel. A invasão do Líbano poderá
ler, assim, um resultado totalmente
diferente do que esperam Reagan e
Begin e funcionar como uma emul- ·
são capaz de acelarar um dificil , Duplareapon..bllld8deparaoOlP: ....latlr.lmpedlrogenoc:/dlodouupovo.
lento e turbulento processo de uni- o Que .. Interroga: -onde MtIo oe nouoe Irmloe 6rabes?»
dade do qual participam não apenas
os países da linha de frente mas o .cavar hoje a ruína futura do seu país . a esses fanáticos da guerra a frase de
Mundo Árabe e o Mundo Islâmico . É possível.que muitas pessoas, Coventry, mas com uma variante
deslumbradas com a máquina mili- contemporânea: .Coitados dos is-
A posição soviética tar israelita, considerem essa adver- raelitas ».
Há, no entanto, nesse grave pro- tência fora de tempo e até mesmo Não há dúvida que a OLP e os
blema do Médio Oriente um factor a inócua. Quem sabe se os soviéticos libaneses progressistas sairão mili-
considerar que é a União Soviética. não estão pensando como Churchill tarmente enfraquecidos desta bata-
O governo de Israel tem agido como ao visitar os escombros de Coventry lha. Mas eles contam com milhares
se a URSS não existisse com frontei- depois do bombardeamento alemão de jovens combatentes que sobrevi-
ras próximas dos poços de petróleo que destruiu aquela cidade inglesa? verão a este massacre e estarão pron-
que alimentam a máquina industrial Caminhando entre as ruínas e os tos a empunhar novas armas e reto-
do Ocidente e do Japão. A nota de clamores dos sobreviventes do mar a luta. Politicamente, no en-
Brejnev alertou Begin e os eus alia- bombardeamento Churchill repetia tanto, os palestinos, os seus alia-
dos de Washington para uma reali- sem cessar: _Coitados dos ale- dos libaneses e aqueles governos e
dade que deve ser levada em conta: a mães! » Como alguém lhe advertisse , povos árabes que apoiam verdadei-
URSS, aliada dos sírios e amiga dos que eram os· ingleses e não os ale- • ramente essa luta poderão ver-se for-
pelestinos, não poderia permitir o mães que estavam sedo vítimas da- talecidos.
massacre dos últimos e a derrota dos quele terror e por isso não entendiam É tão brutal o que se passa no
primeiros, cruzando os braços em as suas exclamações, Churchill res- Líbano, tão descarado o objectivo
face de uma operação militar que pondeu profeticamente: . Estou a expansionista de Israel e evidente a
esconde maio apoio do Pentágono. pensar no que vai acontecer depois cumplicidade da maior parte das po-
Uma observação importante que com os alemães». tências capitalistas neste genocídio,
resalta das notas emitidas em Mos- O que se passou todos sabemos. que a causa palestina se toma mais
covo sobre a agressão ao Lfbano é a Begin e Sharon seguramente não se nítida, muito mais justificada e se
advertência dos soviéticos a Israel recordarão. Mas seria construtivo convertirá na bandeira de luta de
de que o seu governo - o seu des- que alguém tão profético como milhões e milhões de homens e mu-
vairado governo - pode estar a Churchill nesse episódio recordasse lheres em todo o mundo. O

N.O45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 75


~ar
EM QUALQUER PONTO QUE PRECISE
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FRETAMENTOS
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PORTUGAL PORTUGAL
LISBOA PORTO
ESCRITÓRIOS ESCRITÓRIOS
Av. 24 de Julho, 2-2.° D Rua Infante D. Henrique, .83-2.0
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Telex 12704 ARNAU P Telex 22200 ARNOPO P
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REPÚBLICA POPULAR REPÚBLICA POPULAR


DE ANGOLA DE MOÇAMBIQUE
LUANDA MAPUTO
Av. 4 de Fevereiro Av. Armando Tivane, 494
Edificio Presidente, SALA 441 , 4. 0 Andar Te\. 741143
Caixa Postal 2271 Telex 6528 COFIN MO
Tel. 71'788/11483/11518 MAPUTO
TELEX 3159 ARNAUD AN
LUANDA

I MARINHA GRANDE. AÇORES. MADEIRA

76 cadernos do terceiro mundo


IIT~Mri-e-·~-I:-------------------
o sistema do café
A transnacionalização e monopolização são as
caracterlsticas de um conjunto de operações responsáveis
por um volume de vendas superior a 11 biliões de dólares

Marcos Arruda*

uma pena que as palavras


E não tenham o impacto das
imagens. Tente o leitor vi- o
sualizar um grupo de humildes habi- ·
tanles do interior, trabalhando numa
plantação de café no Brasil, em EI
Salvador, na Costa do Marfim ou na
Indonésia. São homens sem terra,
sem habitat flXO . Só têm emprego
durante uma estação do ano. São
pais de prole numerosa, crianças
que envelhecem antes do tempo, de
corpo franzino e coração sem espe-·
rança. Sempre que tentam organizar
um sindicato e lutar pelos seus direi- o
tos , deparam com a violência e a
repressão. Encontram-se entre as
populações mais pobres do mundo.
Agora uma segunda imagem: su-
ponha o leitor estar sentado na com-
panhia de executivos do mundo dos
negócios, no alto de um arranba-
-céus de Nova Iorque, onde fica a
saber que as vendas de café, em
1979, do maior precessador norte-
-americano, a General Foods. ul-
trapassaram em dólares o pm de,
pelo menos. vinte países do hemis- vendeu o equivalente a 21 vezes o vendas a retalho. Sem esquecer a
f6rio sul; ou que está a beber urna total das exportações da Tanzania. publicidade! Quase todos conhecem
chávena de nescafé nas margens do O trabalhador da plantação de as propriedades estimulantes e car-
Lago de Genebra, ao lado de um café e o vendedor e processador são diotónicas do café, devidas ao seu
director da Nestlé que o infonna de dois elos da mesma cadeia, a que ingrediente activo, a cafeína. Mas,
que, em 1980, a sua companhia chamaremos «o sistema do café,.. se o café se tomou parte obrigatória
De um lado da cadeia, está o traba- da dieta de populações inteiras em
lhador da plantação; do outro, o lei- todo o mundo, isso deve-se à publi-
• O autor ~ coordenador do Programa do tor, consumidor de café. Entre os cidade. Nos EUA, país que consome
Conselho Mundial de Igrejas sobre as Corpo- dois, há urna longa e complexa se- 40% de toda a produção mundial de
l1IÇ6eJ Transllllciooais. membro do Instituto quência de elos, incluindo activida- café, milhões de pessoas que vivem
BruUeiro de Amliaes Sociais e Económicas urna vida tensa e agitada, caracte-
(IBASI!) e do Instituto Transllllcional (Ames- des como comercialização, embar-
terdIo) ques, torrefacção, embalagem e rística das modernas cidades super-

cadernos do terceiro mundo 77


N.o 45/Junho-Julho 1982
povoadas, acrescentam cinco a oito teve refie o directo sobre o alá- ramo de comércio, começam tam-
chávenas de café ao seu stress diá- rio " . (3) bém a diversificar e a ingre sar no
rio. A publicidade é parcialmente Em 1960. o palse ubdesen- mercado do café. É o caso da VolJes-
responsável por e e ce so de olvidos podiam comprar um tractor wagen que, em 1980, fundou um
consumo. pelo pre o de 160 aco de café; em trading - a Trans-Trading Expor-
1977, tinham que dar 400 aco em tadora S.A. - com um banco trans-
Um sistema de 11 biliões troca do me mo tr1l tor. Naquele nacional sediado no Brasil. (5) . O
de dólares me mo ano , a Nicarágua podia maior cliente de café brasileiro é a
comprar 13 barris de petróleo com General Foods (GF), enorme com-
um o d café; em 1981, o me mo panhia processadora que, muitas
Examinemos rapidamente o i -
aco de café valia somente doi bar- veze , compra junto de produtores
tema do café. O café não é um gé-
ri e meio . Esta det.erioração das privados a preços não revelados,
nero alimentício essencial: se não
condiçôe do mercado internacional armazena o café e, em seguida, usa
podemo passar sem legume e ce-
obrigou o palse pobres a exporta- as suas informações privilegiadas
reais, podemo facilmente p ar
rem muito mai café para obterem a para manipular preços e especular
sem café. No entanto, o café é uma
mesma quantidade de mercadorias mais tarde no mercado. Vinte e
commodity (1) * responsável pelo
importadas. Fica claro, portanto, cinco por cento dos contratos futu-
segundo maior v<.'.lume de vendas no
que o beneficio para os palses produ- ros resultam dessa especulação . A
mercado internacional, com expor-
tores vem a diminuir em termos re- GF é o maior importador privado de
tações de mai de 11 biliões de dóla-·
lativos . Trata-se de uma situação café, superada apenas pelos pró-
res em 1980. Quem são os persona-
especialmente grave no caso, por prios Estados Unidos. As suas
gens do sistema de produção do
exemplo, dos nove palses africanos compras anuais de café brasileiro
café? Quem beneficia desse negócio
onde um quarto de toda a receita de são superiores às de nove dos maio-
intenso e rentável? O que nos ensina
exportação depende do café. res palses importadores, inclusive
o sistema de café sobre o sistema de
mercado mundial, de firmas e ban- Japão, Suíça e Reino . Unido. Esta
concentração de poder de comercia-
cos transnacionais, e da ética do big Até a Volkswagen ...
lização faz, sem dúvida, com que
business?
Como produto tropical, o café é um número cada vez menor de gran-
Se o sector da cafeicultura está
uma mercadoria típica dos países des processadores, apoiados por po-
ainda relativamente fragmentado,
menos desenvolvidos do Sul: Brasil, derosos fmanciadores , possa açam-
os elos subsequentes da cadeia estão
barcar uma grande fatia dos exce-
Colômbia, México, EI Salvador e sendo cada vez mais dominados por
dentes do negócio do café.
Guatemala, Costa do Marfim, trusts. O comércio do café conta, na
Uganda e Etiópia, além da Indoné- realidade, com três actores - o in- ·
sia, estão entre os maiores produto- termediário local que compra ao o papel dos conglomerados
res e exportadores de café. Só o produtor e transporta o café para o na negociação dos acordos
Brasil é responsável por um terço da porto; o negociante internacional
produção mundial para exportação . que leva os sacos de café para o Os processadores são responsá-
A produção brasileira de café está importador; e o comerciante que veis pela torrefação, processamento
nas mãos de cerca de 250 mil cafei- compra os sacos do negociante in- e distribuição no comércio a retalho.
cultores. Mas, lentamente, o sector ternacional para torrar e processar o No mercado mundial, apenas 20 dos
tem sido infiltrado pelos grandes café. Os intermediários locais ainda principais processadores de géneros
conglomerados: já em 1977, 20% continuam a desempenhar um papel alimentícios são produtores de
dos cafeicultores possuiam 97% de importante na primeira operação, vulto . Os oito maiores processado-
toda a terra utilizada para a planta- mas um bom número de negociantes res controlam de 55 a 60 % das ven-
ção de café. (2) internacionais, associados a grandes das mundiais, sendo que as duas
Normalmente, os grandes fazen- bancos internacionais, começam a maiores firmas - GF e Nestlé -
deiros auferem enormes lucros à ganhar terreno . Entre os mais fortes dominam quase 20 % do mercado
custa dos seus trabalhadores. Mui- agentes de comercialização estão a mundial. (6) Nos Estados Unidos, o
tos destes recebem de um a um dólar ACL lnternational (sediada nos número de torre factores indepen-
e meio por dia durante as seis sema- EUA, que controla 10 % do mer- dentes diminuiu de 261, em 1963,
nas da colheita, e muito menos ainda cado mundial de café), a Vollcart para cerca de 40, em 1978. Destes, a
durante o resto do tempo que passam (sediada na Suíça) e a J. Aron (se- GF e a Procter & Gamble controlam
nas plantações. Os benefícios decor- diada nos EUA) (4). No Brasil, um mais de 50 % do mercado de caíé
rentes dos preços internacionais do grupo de 10 exportadores controla torrado .
café geralmente não chegam a atin- 65 % do volume de vendas de café Os torre factores também armaze-
gir os trabalhadores. O próprio Insti- verde. Os 15 maiores controlam nam café, o que lhes permite especu-
tuto Brasileiro do Café reconheceu mais de 80 %. lar com os stocks: quando o preço do
que o facto de os preços do café em Certas grandes companhias, que café em grão aumenta, eles transfe-·
grão terem triplicado em 1977 "não fizeram a sua fortuna em outros rem o custo para os comerciantes a

78 caderIICJS do terceiro mundo


retalho, ficando como únicos bene- Roasl, NACU., Vot XI, N. 4, Abril de 1977,
ficiários do lucro extra. p.26. (5) A VOlbwagen, o Banco Itaú, a Duratex
e Monteiro Aranha unem-se para formar a
O poder que os processadores (3) Ibid. , p. 27 . Trans-Trading Exportadora S.A., Revilla do
Com/reio do Café, Brasil, Maio 1980, p.3l .
exercem no mercado baseia-se, em (4) F.F. C1airmooteeJ. Cavanagb, Corpo-
grande parte, em dois factores. Pri- (6) TraMnational CorporalioM in Food
meiro, o importante papel que de- rale Slranglehold on Comnwt!ilies Marke/$, and Beverage Proce..ing, Centro dos Nações
Monthly Review, Nova Iorque, Vol 33, N . 5, Unidas sobre as Transnacionais, Nova Ior-
sempenham na negociação dos Outubro 1981, p . 30-32. que, 1981, p .79.
Acordos Internacionais de Café
entre países produtores e consumi- o
dores . Nos Estados Unidos, os pro- o
cessadores fundaram uma agência
para actuar nos bastidores do Con-
gresso - National Coffee Associa-
I;on - que tem grande influência
sobre a polftica norte-americana de
importação, tendo conseguido blo-
quear, durante anos, o esforço brasi-
leiro para organizar os países produ-
tores . Durante as negociações, as
empresas jogam um produtor contra
outro, na tentativa de obterem o
preço mais baixo . S6 se chega a uma
solução quando os produtores, por
intermédio do governo do país onde
está localizada a sua sede, passam a.
assumir um papel dominante.

Segundo, a posição privilegiada


dos processadores é mantida através
de publicidade e promoção, e do
controlo de patentes de processa-
mento. De facto, essas patentes
fazem da indústria do café uma in-
dústria onde a concorrência é pe-
quena e os lucros são altos. Os or-
çamentos de publicidade da GF e da
Procter & Gamble (que são os maio-
res anunciantes do mundo) ultrapas-
sam, em conjunto, o orçamento
anual da Organização Mundial de
Saúde. Nos Estados Unidos, os
quatro principais processadores gas-
tam mais de 3,5 % do total das suas
vendas de café em publicidade. Os
maiores processadores europeus -
Nesllé (Suíça), J. Jacobs (Reino
Unido), Tchibo (Alemanha Fede-
ral), Brooke BOM Liebig (Reino
Unido), Cadbury Schweppes (Reino
Unido), J. Lyons (Reino Unido) e
Melitta (Alemanha Federal) - gas- ·
tam também vultosas somas em pu-
blicidade. O

(I) Neste contexto eommodiry significa


bem 1\10 essencial, artigo sup!rfIuo.
(2) HanIt FundI, Coffee - The Corporale

N.· 45/Junho-Julho 1982


* PROJECTO,
FABRICO
E MONTAGEM DE:
Reservatórios de pressão
Reservatórios de armazenagem
Tubagens industriais
Estruturas metálicas
Permutadores de calor
Pontes e pórticos rolantes
Aparelhos de processo
Silos em aço carbono,
aço inox e alumínio
* Mecânica geral
* Reconstrução de motores
* Manutenção fabril
Solidariedade
com África Austral
o A Conferência Internacional de Solidariedade
com os Estados da Linha da Frente a realizar
em Lisboa de 16 a 18 de Julho próximo, terá como
um dos seus patronos o Presidente Ramalho Eanes
que deste modo aceitou juntar-se aos seus homó-
logos de Angola, Moçambique, ZAmbla, Tanzania,
Zimbabwe e Nigéria e aos presidentes da SWAPO e
ANC.
O convite ao Presidente português, que deverá
estar presente na sessão inaugural da Conferência,
foi dirigido no tenmo da II Reunião PreparatÓria que
teve lugar na capital portuguese nos últimos dias de
Maio. O tenente-coronel Vltor Alves, porta-voz do
Conselho da Revolução e figura de destaque do
Movimento das Forças Anmadas que derrubou o VItor AIv_
regime colonial-fascista português em 25 de Abril
de 1974, foi escolhido para presidir à Conferência de mité Preparatório da Conferência lembrou em lis-
Solidariedade. Na mensagem que dirigiu às comis- boa que além de mais de trezentos delegados de
sões que em diversos palses apoiam a Conferência diversos palSes e de variadas orientações politicas
de Julho, Vltor Alves depois de recandar que em e ideológicas a Conferência de Solidariedade tem o
Junho de 1977 já se realizou em Lisboa uma Confe- patroclnio dos chefes de Estado dos paises abran-
rência Mundial contra o Apartheid, exprime a opi- gidos e do Presidente da República portuguesa,
nião de que a Conferência Internacional de Solida- pelo que a acusação do PS português é inteiramente
riedade -muito contribuirá para a indispensável e -desprovida de fundamento ...
definitiva sensibilização dos Estados, das organi-
zações Internacionais e da opinião pública mundial
para a necessidade de superação dos graves pro-
blemas com que a paz, a libendade e o direito inter-
Cidade de crianças
nacional se encontram intoleravelmente confronta-
dos na África Austral ... no Kampuchea
Entre as diversas mensagens de apoio à Confe-
rência vindas de numerosas organizações e entida- o A Húngria e vários movimentos pacifistas da
des democráticas portuguesas ou estrangeiras que Europa patrocinam a criação de uma cidade
têm sido tomadas públicas pelo Comité Preparató- para alojar mil crianças Órfãs no Kampuchea. O
rio, refira-se uma declaração dos embaixadores de projecto visa a instalação dessa -cidade.. em
Angola, Moçambique, Zâmbia e Nigéria em Lisboa Kompong Kantut, a trinta quilómetros de Phnom
na qual os diplomatas afinmam -o seu total apoio e Penh. Ao mesmo tempo, será reconstruida a Es-
empenhamento.. na Conferência e manifestam pre- cola Superior Pedagógica, no mesmo local sobre
ocupação pelo facto de -alguns elementos da so- os escombros da antiga. Os órfãos do Kampu-
ciedade portuguesa terem, porventura inadverti- chea, de idades compreendidas entre os 3 e os 6
damente, suscitado dúvidas quanto à independên- anos, ficarão alojados nessa cidade até atingirem
cia das politicas extemas dos palses da Linha da a idade de trabalhadores qualificados. Ser-Ihes-á
Frente, e quanto ao total empenho posto no apoio ministrado treino em diversas especialidades de
concreto dos seus povos e governos à próxima trabalho industrial e agricola. A partir deste Verão
Conferência Intemacional de Lisboa... turnos de jovens húngaros começarão os traba-
Esta tomada de posição vem no seguimento e é, lhos de construção da cidade dos órfãos.
de certo modo, uma resposta à atitude assumida Espera-se que os trabalhos estejam concluidos
pelo Partido Socialista Português de Mário Soares no dia 7 de Janeiro de 1984, e que a sua inaugura-
que se desvinculou da Conferência de Solidarie- ção coincida com os festejos nacionais do Kam-
dade conslderando-a -controlada pela URSS e puchea. A ideia nasceu em 1979, e partiu do Con-
pelos partidos comunistas ortodoxos" e a associou selho Nacional Húngaro da Paz, rendo sido poste-
a presumlvels Intenções para prejudicar uma confe- riormente aprovada pelo Conselho Mundial para a
rência da Intemacional Socialista sobre a África Paz e Cooperação. Em muitos paises têm decor-
Austral a realizar em Dar-es-SalAm. rido acções de apoio a esta iniciativa, na qual
Ainda sobre este assunto, um porta-voz do Cc- participam numerosas empresas húngaras.

cadernos do terceiro rnundo 81


N.O 45/Junho-Julho 1982
r-III
Movimento pacifista
Electricidade invade Nova Yorque
Instrumentação
Hidráulica o Seis dias após o inicio, na Organização das Na·
Automação Naval ções Unidas, da sessão especial sobre o desar-
mamento, Nova Iorque tomou-se palco da maior mani-
festação pacifista jamais realizada nos Estados Unidos.
e Industrial Efectivamente, no passado dia 12 de Junho, cerca de
800 mil pessoas - segundo fontes policiais de Nova
Iorque, o que leva logicamente a admitir ser superior o
número de manifestantes - convergiram para Central
Pari< protestando contra a desenfreada corrida aos ar-
mamentos que tem caracterizado a administração Rea-
gan, com reflexos evidentes na bolsa do contribuinte
norte-americano. Mas, em verdade, não se poderá
dizer serem motivações de ordem económica - ainda
que importantes - que arrastaram aquelas largas cen·
tenas de milhares de manifestantes a Central Pari<. A
principal razão terá de ser procurada no medo do holo-
causto nuclear, medo que o discurso belicista da admi-
nistração Reagan mais não tem feito que agudizar.
Músicos, actores, intelectuais, padres juntaram-se
aos manifestantes gritando -Não à guerra, sim à vida--
a palavra de ordem central desta grande marcha entre o
Palácio de vidro da ONU e os relvados do principal
parque novaiorquino.
Dois dias após este acontecimento, o chanceler ale-
mão Helmut Schmidt, discursando na ONU, afirmaria
que os governos não deveriam ignorar o movimento
Reparação naval e industrial mundial a favor do desarmamento. Abordando a mesma
temática - e reflectindo, talvez, sobre os ensinamentos
• Electricidade alla/baixa tensão que essa questão tem suscitado dentro do seu próprio
partido, o SPD -o dirigente oeste-alemão lembraria não
• Electrónica ser "só em Nova Iorque, mas em muitos palses, que !
• Pneumática e electro-pneumátiça temos vindo a testemunhar que imensas pessoas mani-
festam o seu receio de uma excessiva concentração
• ffidráulica e electro-hidráulica armamentista- e que -não devemos subestimar a
• Reparação e rebobinagem em grande força moral positiva que emana do movimento
motores eléctricos incluindo pelo desarmamento-, o que viria a ser entendido por
alguns observadores como um apelo à moderação por
geradores parte da administração Reagan. Esta, no entanto, pela
Montagem naval e industrial
• Em todos os sectores de automação e
j
electricidade
Controlo técnico de montagem
e reparação

Av. 25 de Abril, 9-1.° Dt.O


Paivas - 2840 Seixal - Portugal
Telex 43702 I.A.N.I.-P Tel.221723/30

82 cadernos do terceiro mundo


voz do secretário norte-americano da Defesa, Caspar
Welnberger, responderia que a manifestação em nada
virá alterar a politica do govemo que considera - errado
e multo perigoso» concordar com o congelamento de
armas nucleares.
Por seu lado, o maior jornal da China Popular, o
Remnmln Rlbao (Dl6rlo do Povo) exprimia uma opi- Paul
nião favorável ao movimento pacifista no Ocidente,
contrariando em absoluto as criticas manifestadas o
B-..- _Il ~_';;"_ _ _ ~ ._, .

ano passado pelas autoridades chinesas ao movimento


pela Paz. O jornal, na sua edição de 22 de Junho último,
afirmava que foi este movimento quem forçou os Esta-
dos Unidos e a União Soviética e reabrirem negocia- Vitória da esquerda
ções para a redução das armas estratégicas (START).
O DI6r1o do Povo, numa surpreendente mudança de
opinião, acha agora que o movimento pacifista - consti-
em Maurício
I
tui uma corrente gigantesca contra a corrida aos arma-
mentos das duas superpotências, EUA e URSS» e não
o Amento
coligação de esquerda MMM/PSM (Movi-
Militante Mauriciano/Partldo Socialista
~
I
I
I já .um perigo para a paz e a segurança na Europa.. ,
como era afirmado alguns meses atrás, ao mesmo
tempo que acusa os Estados Unidos de sub-avallarem
Maurlclano) liderada por Paul Berenger averbou
uma esmagadora vlt6rla nas eleições de 11 de
Junho conquistando mais de 60 por cento dos votos
I a sua importAncia, considerando-o apenas como uma
-conjura fomentada pela URSS».
expressos, o que lhe garantiu 'Uma maioria de três
quartos no Parlamento graças à qual poderá alterar
a Constituição do pais.
O velho dirigente, sir Sewosagur Ramgoolam,
Desarmamento: vê-se assim apeado do poder, por efeito de uma
consulta eleitoral, ao fim de 22 anos de uma admi-
nistração favorável aos interesses imperialistas.
esperança, temor Esta vitória eleitoral assume importância decisiva

-
e preocupaçao
no contexto regional e mundial. A esquerda mauri-
ciana favorece a cessação da soberania anglo-
-americana sobre Diego Garcia, a liquidação dessa
o primeira
Na sede da ONU, em Nova YOrk, iniciou-se na
semana de Junho deste ano a sessão
base de grande valor estratégico para os EUA, e a
restituição da ilha à soberania de Maurício. Além
disso, defende uma politica afric,ana decididamente
especial da Assembleia Geral das Nações Unidas con- antiapartheid e a favor da libertação dos povos
aagrIIda aos problemas do desarmamento. Esta é a aa Atrlca Austral. Por último, a esquerda agora
segunda sessão especial que a AG consagra ao tema vitoriosa defende a transformação do Oceano In-
após uma primeira reunião que decorreu há quatro dico em .zona de paz .. , de acordo, aliás, com a
anos. O pre.sldente da AG, Ismael Kittani, afirmou que o esmagadora maioria das populações ribeirinhas
mundo está atento aos trabalhos da AG, com -espe- daquele oceano. Em 1979, a Assembleia Geral da
rança, temor e preocupação». Esperança de que os 157 ONU decidiu convocar para o Sri Lanka em 1981
Estados presentes adoptem medidas eficazes, temor uma conferência internacional a fim de debater esse
de que a sessão fracasse e preocupação pelas conse- tema. Mas os EUA fizeram frustrar a convocação
quências que a corrida às armas acarreta para toda a dessa reunião. Para Washington e para os demais
humanidade. Segundo Kittani, o programa aprovado palses imperialistas, a base de San Diego e a milita-
I em 1978 ficou letra morta e estes quatro anos têm sido rização do Indico constituem um Instrumento de
uma Impressionante colecção de fracassos. primacial ImportAncla ~ra. os seus de~lgni~s nos
Antes da sessão da ONU, 500 "pariamentares para a continentes africano, aSiátiCO e no MédiO Oriente.
ordem mundial» , de 20 palses, estiveram reunidos no Durante a campanha eleitoral em Mauricio, a CIA
Palácio de Vidro e apelaram para o congelamento teve uma interferência directa e, depois aa vnOlllS,Cl
Imediato dos arsenais nucleares seguido de medidas esquerda mauriciana interroga-se agora sobre o
adequadas para um desarmamento geral. As resolu- que a direita derrotada, em conluio com os norte-
ções adoptadas neste - forum .. serão presentes ao Par- -americanos e sul-africanos, irá tentar, para con-
lamento Europeu e às assembleias legislativas do Ca- trariar a vontade popular tão eloquentemente ex-
nadá, Nigéria, EUA, índia, Grã-Bretanha, Malásia, . pressa nas urnas. Um dos meios que poderão ser
Austrália Nova Zelândia, Quénia e Itália. Este mesmo utilizados é o recurso a Gaetan Duval, dirigente do
grupo co~stituiu anteriormente uma delegação ao mais partido mauriciano social-democrata,. I.iga~o. a.Pre-
alto nlvel que visitou Moscovo e Washington para sub- tória. Não é também de exduir que Mauricio, na
meter à apreciação de altos funcionários soviéticos e esteira das Seychelles e das Comores, passe agora
norte-americanos uma série de propostas sobre o con- a ser um objectivo favorito dos atentados dos mer-
gelamento nuclear. cenários.

N.· 45/Junho-Julho 1982 cademos do terceiro mundo 83


Maputo:

Cabo Verde
e Guiné-Bissau
reconciliam-se
o A Guiné-Bissau e Cabo Verde decidiram restabe-
lecer relações diplomáticas ao nivel de embaixada
e manifestaram "o desejo de resolver as questões
pendentes e relançar a cooperação entre os dois pal-
ses, na base do respeito mútuo, da soberania dos
Estados, da não ingerência nos assuntos intemos, da
igualdade I e reciprocidade de vantagens... Estas as
decisões mais importantes tomadas públicas no termo
de um encontro que, entre 16,17 e 18 de Junho pas-
sado, reuniu em Maputo importantes delegações dos
dois paises, chefiadas pelos respectivos chefes de Es-
tado, João Bemardo Vieira (Nino) e Aristides Pereira.
O presidente de Moçambique, Samora Machel, o
principal dinamizador deste esforço de aproximação
entre os dois paises - que não mantinham relações
desde 14 de Novembro de 1980, altura em que se deu,
em Bissau, o golpe de Estado que levaria ao derrube de
Luis Cabral e à posterior cisão entre os ramos cabover-
diano e guineense do PAIGC, - afirmaria que os resul-
tados deste encontro de Maputo terá de ser conside-
S
rado . uma vitória para as antigas colónias portugue-
sas-.
No termo das conversações, as duas delegações
concordaram, ainda, na realização de um encontro a
e
realizar em finais de Julho na capital guineense, onde
serão analisadas e perspectivadas as relações de c0-
d
operação entre os dois paises em todos os campos,
nomeadamente no incentivo das relações económicas
e culturais. Crê-se, igualmente, que desta reaproxima- O
. ção entre os govemos da Praia e Bissau resulte uma
mais regular e eficaz troca de opiniões entre os dirlgen- lu!
tes de ambos os paises não só quanto aos grandes se
problemas com que o continente afrlcano se debate, de
como aos que subsistem naquela região de África onde oh
os dois paises se localizam. aI
É de esperar, igualmente, que a normalização de bn
relações entre Cabo Verde e a Guiné-Bissau permita, e:
agora, retomar e incentivar os encontros alargados a I
todos os paises afrlcanos de expressão oficial portu- pa
guesa. já que era reconhecido em todas aquelas capi- do
tais que o diferendo entre as autoridades da Praia e de lia
Bissau enfraquecera a unidade politica e diplomática Me
desse conjunto de paises, tanto no relancionamento Qrl
entre si como na sua intervenção a nivel das mais nk
variadas instâncias intemacionais. I

84 cadernos do terceiro mundo N.


mult~dões, pôde ver com os seus próprios olhos a ex-
tensao dos .danos ~ausados ao ~vo nicaraguense pela
guerra de hbertaçao que lhe fOI imposta pela ditadura
somozista.
'. Na cerimónia comemorativa do 87.· aniversário nata-
IIcio do herói nacional, Augusto César Sandino Machel
discursou quase duas horas, falando em port~guês, e
mod.ul~ndo as palavras de modo a ser entendido pela
multldao . .. Só a crueldade do colonialismo e do imperia-
lismo tomaram possível que os nossos dois povos ti-
vessem permanecido tantos anos sem se conhece-
rem" , disse. Depois aludiu aos males do colonialismo e
do imperialismo, exemplificando com a pesada herança
que tanto Moçambique como a Nicargua herdaram do
passado. De seguida, Samora Machel lembrou que
tanto a Nicarágua como Moçambique tiveram de derro-
tar o opressor durante uma sangrenta e duradoura
guerra de libertação.
No mesmo discurso, Samora Machel explicou o que
era o regime do apartheid e afirmou que não basta
combater a África do Sul com as resoluções da ONU:
essa luta tem de ser travada também por meio de
acções concretas - acrescentou.
Momento emotivo e de extraordinário significado foi o
que se seguiu ao discurso: Samora começou a cantar o
hino dos combatentes da FRELlMO, o qual, após um
momento de hesitação, foi acompanhado em coro pela
multidão presente. Numa capital tão distante do Maputo
como Manágua, num pais, cuja existência muitos mo-
çambicanos durante anos e anos decerto desconhce-
ram, ecoou, cantado por milhares de vezes, o hino que
simboliza a luta contra o colonialismo em Moçambique.
Da Nicarágua, Samora Machel deslocou-se a Gra-
nada, onde foi recebido com o mesmo entusiasmo pelos
Samora Machel dirigentes e pela população local. AI, Samora teve oca-
sião de dar testemunho da solidariedade do seu povo

em terras libertadas para com esse pequeno Estado, que, com todas as
dificuldades por demais conhecidas, tenta libertar-se
definitivamente das sequelas do colonialismo e do ne-

da América ocolonialismo, encetanto os passos que hão-de con-


duzir à edificação de uma nova sociedade.
A última etapa da viagem foi Cuba, onde Samora se
demorou q' "atro dias. Estudantes moçambicanos sau-
o Nicarágua, Granada e Cuba - eis as três etapas daram com especial carinho o chefe do Estado mo-
da viagem que o presidente Samora Machel efec- çambicano, que recebeu em Cuba o mesmo acolhi-
Iuou no passado mês de Maio pela América libertada, a mento caloroso a nlvel de dirigentes e população. Na
segunda que fez àquele continente, na sua qualidade noite de 25 de Maio, Samora foi agraciado pelo presi-
de chefe de Estado. Samora Machel viajou acompa- dente Fidel Castro com a condecoração José Marti. Um
nhado de uma importante delegação, na qual se in- ponto alto da visita foi a deslocação à Ilha da Juventude.
cluiam diversos altos funcionários do Partido e mem- Por todos os locais aonde se deslocou, Samora rea-
bros do govemo, como os ministros Joaquim Chissano firmou a inquebrantável vontade do povo moçambicano
eSérgio Vieira. " em lutar contra o imperialismo e o colonialismo. A certa
Oacolhimento caloroso que Samora recebeu nos três altura, louvando o exemplo cubano, afirmou Samora
palses visitados, a ausência de protocolo e o reforço Machel: .. Cuba não é um pais de petróleo. Não é produ-
il?s laços afro-latino-americanos caracterizaram esta tor de ouro. É um pais pobre, mas Cuba é um exemplo
~~, no decurso da qual a República Popular de da nossa época, um exemplo de intemacionalismo.
"""rdIllbique e Cuba estreitaram a sua cooperação, Devemos aprender a lição que Cuba nos dá, através do
graças à assinatura de importantes acordos nos dom 1- seu apoio aos movimentos de libertação e aos povos
nlos do comércio, transportes, e a nlvel interpartidário. em luta. Cuba cumpre em todos os domlnios o seu
Na Nicarágua, Samora, sempre rodeado de grandes sagrado dever revolucionário».

N.· 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 85


Calamidade A revolução e a letra
na Nicarágua Fase após fase, a campanha nacional etlope para a
o -A maior tragédia desde a guerra.. , -perdas
só comparáveis às causadas pelo terramoto..
erradicação do analfabetismo obtém notáveis êxitos.
Em 9 de Maio deste ano, a campanha entrou na sua
sétima fase, cujo objectivo consiste em ensinar a ler e
- eis o que responsáveis sandinistas dizem escrever a 1,4 milhões de etlopes depois de Já terem
ao referir-sa às consequências catastróficas para sido alfabetizados 9.6 mllh6es nos últfmos três anos.
a economia do pais, resultantes das chuvas de Para entender a magnitude deste avanço deve-se ter
Maio. Globalmente o desastre causou danos su- presente que, em 1974, quando os militares progressis-
periores a duzentos milhões de dólares, criando tas encabeçados pelo coronel Menglstu Halle Mariam
mais 60 mil desempregados neste pais que, nos derrubaram a monarquia, apenas 7% da população
últimos dois anos, se esforça por resolver o grave estava alfabetizada, percentagem que equivalia a
problema do desemprego. Milhares de hectares de cerca de dois milhões de pessoas numa população total
sementeiras ficaram perdidas. Dois mil quintais de de trinta milhões. Em três anos o Indice de analfabe-
sementes de algodão, 90 mil quintais de açúcar, tismo foi reduzido de 95 % para 55 %.
dois milhões de caixas de bananas inutilizadas A campanha deste ano está a mobilizar 20 mil instru-
foram os prejulzos mais senslvels na área agrl- tores e deverá custar 4 milhões de dólares, dos quais
cola, com incidência danosa no comércio externo. metade provém de contribuições voluntárias.
Nas inundações perderam-se ainda dez mil cabe- No inicio de Abril realizou-se em Addis Ababa um
ças de gado vacum. Os dirigentes sandinistas seminário com o fim de extrair as conclusões da expe-
concentram agora os seus esforços no desenvol- riência trienal e projectá-Ias para a presente fase.
vimento imediato dos sectores industrial e agro- No encontro o vice-presidente do conselho de minis-
-pecuário, no maior controlo dos gastos adminis- tros enquadrou ideologicamente a campanha com a
trativos, e na poupança incessante de divisas, seguinte definição:
como meio de obviar aos males causados por esta -O objectivo final da revolução é a elevação do nlvel
catástrofe natural, cujas consequências vêm de vida das classes trabalhadoras libertando-as do
agravar ainda mais os- problemas dum pais analfabetismo e desenvol~endo a sua perspectiva ideo-
recém-saido duma mortlfera e destrutiva guerra lógica de maneira que possam contribuir apropriada-
de libertação. • mente nos esforços para implantar o socialismo e ao
mesmo tempo desenvolver a sua criatividade·.

Crianças sem cérebro


o Cubatao: este nome fiê:ará 'na história da huma
nidade como um sim bolo das destruições
Ciência
ecológicas causadas pelo capitalismo selvagem.
Esta cidade brasileira, slta a 70 quilómetros de São
Paulo, apresenta alto grau de contaminação da Agua
e tecnologia
e do ar, devido à grande concentração de Indústrias
qulmicas e outras, altamente poluentes. A saClde da o Agrava-se cada vez mais o fosso tecnológico
entre o Terceiro Mundo e os parses Industriali-
população ressente-se tremendamente deste de-
sastre, que está a ter consequências catastróficas,' 'zados: esta uma das conclusões a que chegaram
a mais Impressionante das quais é a elevada taxa de em Nova Iorque os 157 membros da Comissão In-
nascimento de crianças sem cérebro ... O governo tergovernamental para a Ciência e Tecnologia, reu-
brasileiro pretende que os empresários alterem o nidos sob os ausplcios da ONU naquela cidade
seu sistema de fabrico, recorrendo nomeadamente norte-americana. A Comissão, criada em 1979, no
à utilização de -fuel 011. de menor teor sulftJrlco e ao final da conferência de Viena sobre Clênclae Tecno-
tratamento dos dejectos, e projecta ainda a mu- logia, chegou à conclusão pessimista de que du-
dança dos bairros sltos perto das Instalações fa- rante estes três anos não se avançou um mllimetro
bris. No entanto, os Industriais opõem-se às pro- na solução do problema. O programa estabelecido
postas do governo, consideradas multo onerosas, e em 1979 decretava que a Comissão auxiliaria os
os habitantes dos bairros recusam-se a sair das palses do Terceiro Mundo mediante financiamentos
suas casas, receando ficar sem abrigo. A Sociedade de projectos cientifico-tecnológicos. Mas até agora
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cuja a Comissão tem esbarrado com uma dificuldade
preocupação central no corrente ano é a degrada- Inultrapassável: a falta de fundos. Das 800 propos-
ção do melo ambiente nacional, promoveu uma con- tas de financiamento recebidas, só foram atendidas
ferência sobre a crise ecológica de Cubatao e está a 65. Outros 33 projectos aprovados continuam a
analisar medidas tendentes a solucionar este pro- aguardar fundos adicionais. E 678 dos 800 projec-
blema. Entretanto, vão nascendo mais crianças tos apresentados não têm quaisquer hipóteses de
. . .sem cérebro. vir a ser financiados .

86 cademos cio terceiro mundo


telex telex telex telex te]ex
1111 IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIH11111111111111111111111111

Penetraçao cultural- a preocupação com a crescente o malar c:eneo- está em curso na China a operação
penetração económica e cultural norte-americana no censitária mais importante do Mundo: trata-se de
México tem suscitado vigorosas declarações por parte proceder ao recenseamento da população do pais
de representantes governamentais deste pais, e mais habitado do Planeta A campanha inclui filmes
educativos, diapositivos e programas de Rádio 9
particularmente do candidato à presidência da Televisão, além de toda uma série de iniciativas
República pelo partido no governo, PR I, Miguel de la tendent&s a explicar à população como vai
Madrid. realizar-se o censo. Panos de rua, emissões
Entre os principais efeitos desta penetração estão a radiofónicas diárias irão apelar para o contributo de
cotação em dólares dos artigos e dos contratos de bens cada cidadão. A mobilização para este
e serviços vendidos ou comprados em território recenseamento não tem paralelo em mais parte
mexicano, a substituição parcial do idioma espanhol nenhuma do Mundo: quatro milhões de
inquiridores, um milhão de supervisores, cem mil
pelo inglês e o Incitamento ao consumismo, pela
codificadores de dados, quatro mil operadores de
televisão norte-americana, dos quatro milhões de computadores estarão durante oito meses
mexicanos que vivem na fronteira com os Estados ocupados na contagem de uma população, que,
Unidos. Tudo isso leva, naturalmente, a uma distorção segundo se calcula. é de mil milhões de pessoas.
de valores e tradições culturais autóctones que multo
Fundo para. Seychel. - o Conselho 'de Seguraça
preocupa as autoridades aztecas. da ONU 'aprovou a criação de um fundo especial
Um velho ditado mexicano diz: .. Coitado do México, tão para compensar as ilhas Seychelies dos danos
longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos... Com económicos causados pela invasão dos
uma fronteira comum de quase três mil quilómetros mercenários de 25 de Novembro passado. Os
distribuidos por seis estados, o México sente que essa fundos serão recolhidos na base de contribuições
penetração pode ..colocar em risco a sua soberania.. , voluntárias, cujo total será depois entregue às
segundo a expressão usada por um alto funcionário da autoridades das Seychelies. Ao mesmo tempo,
criou-se uma comissão de três membros para
chancelaria mexicana. investigar a origem, antecedentes e financiamento
do ataque.
A ONU na Repúblca DomInIcana - a partir de 5 de ~ EIUdoa ná Ng*Ia - o presidente nigeriano
~ulho , passa a funcionar na República Dominicana Shohu Shagari, afirmou recentemente que em
um alto organismo da ONU : o Instituto Internacional Outubro do ano próximo estarão criadas condições
de Investigação e Promoção da Mulher. O instituto para a criação de novos Estad_os adentro da
será dirigido pela jugoslava, Dunja Federação Nigeriana. Um dos primeiros novos
Pastlcci-Flvencl, assistida por uma junta de Estados será o de Kaduna.
conselheiros, da qual constam um representante
dominicano e outro das Nações Unidas. O Instituto Mudll'lça no m«C8do de arm. - um estudo do
actuará em cooperação com outras organizações general peruano Mercado Jarrin analisa as
da ONU como a Comissão Juridica e Social da mudanças ocorridas no mercado de armas da
Mulher, o Centro de Desenvolvimento de Assuntos América Latina, r.o último número da revista da
Humanitários, a UNICEF e Centros Regionais de Venezuela. Nueva Sociedad. Os dois factos mais
Mulheres. Este novo organismo visa estabelecer signifir.atlvos neste campo são: a diversificação de
uma estratégia eficaz a fim de superar os forneoodores, que acabou com a dependência
obstáculos e as limitações que impedem a tradicional em relação aos EUA e à Inglaterra, e o
participação da mulher nos processos de aparecimento de três produtores de a~mas
desenvolvimento. regionais (o Brasil, o Chile e a Argentina). Na
década de 90, segundo Jarrin, o México, o Peru e a
Enconlro de Indloe - duzentos representantes de ColOmbia poderão surgir como novos fornecedores
várias comunidades indias do Brasil reuniram-se de armas, o que virá alterar o equilibrio militar
em Brasilia e exigiram a demarcação das suas . tradicional na região.
terras, o direito a uma organização própria e
Independente e a demissão dos funcionários EconomIa b1nnan... - a Birmânia anunciou o inicio do
governamentais que não lhes mereçam confiança. seu quarto plano quadrienal de desenvolvimento, no
Uma carta exigindo a demissão de vários qual se prevê um crescimento de 5,9 por cento da
funcionários da Fundação Nacional do (ndlo produção para o primeiro ano do plano, em comparação
(FUNAI) foi enviada às autoridades brasileiras: são com os resultados alcançados em 1980-81. Durante o
considerados .. antl-indlos" quatro coronéis e o seu terceiro plano de desenvolvimento, a Birmânia
antigo presidente da FUNAI: Mas o actual registou um crescimento económico de 6,6 por cento. O
presidente, coronel Paulo Moreira Leal, é
valor da produção agricola subiu 5,2 % (total: 712,4
considerado um homem integro que inspira
confiança a todos os lideres presentes na reunião. milhões de dólares), o da pesca, 6 por cento.

N.O 45/Junho-Julho 1982 cadernos do terceiro mundo 87


Na grande ou pequena
intervenção
damos-lhe a garantia
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pórticos
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MAGINE-SE uma planta de cultivo que pro-
I duza, ao mesmo tempo, energia e proteínas,
duas das necessidades básicas do mundo civi-
lizado de hoje. Uma média de 8.530 litros de etanol
(álcool etJ1ico) por hectare por ano e 731 quilos de
~rotcína; uma planta capaz de produzir grandes quan-
tidades de proteína, amido, ou açúcar em vez de
álcool; que exija pouco fertilizante e tenha resistência
natural contra a seca, doenças e insectos. Que grande
futuro não teria uma planta comó essa!
Pois essa planta existeechama-seManihotesculenta
- conhecida pelos povos do hemisfério sul pelo nome
de mandioca ou maniçoba. As suas longas raízes
tuberosas, muito ricas em amido, são actualmente
consumidas em substituição da batata por várias cen-
tenas de milhões de pessoas em todo o mundo tropical.
Hoje, a mandioca já possui uma técnica científica de
cultivo e um sistema de comercialização internacio-
nais, mas só agora começa a atingir o seu melhor -
potencial que é fornecer energia e proteínas. O amido
das raízes pode ser usado para a produção de grandes
quantidades de etanol. A mandioca pode vir a ser tão
importante para o mundo como o trigo e o arroz
porque, devidamente utilizada, pode ser uma fonte
benigna de energia renovável, promover a saúde
mundial e gerar prosperidade para o Terceiro Mundo.
Há vários anos que o Brasil produz etanol a partir da
mandioca, mas os métodos brasileiros parecem gros- -
seiros e pouco imaginosos quando comparados ao
esquema adoptado pelo Dr. Dick McCann, ex-quí-
mico de pesquisas da Universidade de Sydney, na
Austrá1ia. Actualmente, McCann está a promover o
desenvolvimento da produção de etanol da mandioca
no sector privado, ao mesmo tempo que prossegue a
pesquisa que realizou na Universidade de Sydney,
aplicando-a a outras formas de biomassa, ou seja,
material orgânico não-fóssil que pode ser convertido
em combustível.
O plano de McCann prevê um sistema agro-
-industrial que utilizaria toda a planta da mandioca. As
folhas contêm até 30 % de proteínas (numa base de
pesagem a seco), sendo capazes de produzir proteínas
em quantidade e qualidade superiores às produzidas
pela melhor soja. Não devemos, portanto, ignorar a
importância dessa proteína. Podemos considerar a
mandioca como uma produtora de energia que fornece
proteínas como subproduto, ou como uma produtora
de proteínas cujo subproduto é a energia.
O que sobra da planta após a extracção do amido e
da proteína pode ser convertido em metano mediante
fermentação anaer6bica. Esse gás pode ser usado
como combustível para accionar toda a operação de
processamento, desde o descascamento das raízes até
à destilação final do álcool. Parte do metano poderia
ser usado como combustível para tractores. Futura-
mente, a operação de processamento usaria energia
solar, o que permitiria utilizar todo o metano nos
tractores, aumentando o seu rendimento energético
• Pesquisador norte-americano em Reno, Nevada (EUA) efectivo. Mas, mesmo nas condições actuais, o plano

N.O 45/Junho-Julho 1982 cedemos do terceiro mundo 89


de McCann prevê uma produ ão de energia 6,7 vezes c
superior ao consumo . o
Convertendo- e as parte superiores da planta e as
cascas das raíze em metano, em vez de serem direc-

SOGUIPAL tamente queimada ,certo elemento nutritivos do


solo, como potás io e fósforo, permaneceriam no
liquido de de pejo para serem devolvidos ao solo.
(ex-ACTIMESA) Teoricamente, nenhum nutritivo seria perdido, à ex-
cepção do nitrogénio, o que levaria a que uma vez
adequadamente fertilizado o solo, seria necessário
somente acrescentar-se nitrogénio. Segundo o plano
de McCann , obter-se-ia e se nitrogénio mediante a
rota -o da cultura de mandioca, cada quatro anos,
Socledade Comercial com um legume fIXador de azoto, como a alfafa. Na
Luso-Gulneense, SARL prática, alguns outros nutritivos seriam perdidos, ha-
vendo nece idade de reaplicá-Ios periodicamente.
IMPORTAÇAO: _ A fermentação
Amendoim, coconote, cera,
couros, borracha, bagaço, etc. Actualmente, no caso de quase toda a forma de
biomassa, o sector em que se pode introduzir maior
economia e eficiência é o processo de fermentação .
Pelo sistema proposto por McCann, o amido da man-
dioca seria transformado, primeiro, em polpa e, em
EXPORTAÇAO: seguida, em açúcar (mediante hidrólise), o qual seria
Produtos alimentares, têxteis, finalmente fermentado para produzir etanol.
materiais de construção e bens de Se for possível encontrar um fermento que decom-
ponha o amido, este dispendioso processo em dois
equipamento estágios pode vir a ser elimina,do . Talvez não tenha-
mos de esperar muito . Henry Schneider, do Conselho
Nacional de Pesquisas do Canadá, descobriu recente-
mente um fermento capaz de decompor açúcares de
cinco átomos de carbono, tais como a xilose, encon-
trada na madeira e em vários resíduos industriais, bem
ASSIST~NCIA TÉCNICA: como a glicose e outros açúcares de seis átomos de
Areas administrativa e financeira carbono . A sua descoberta permitirá um rendimento
50 a 80 % maior no caso de certos materiais da
biomassa, As matérias-primas utilizadas para a fabri-
cação do etanol usado no "gasool» (gasolina adicio-
nada de álcool) contêm açúcares de cinco e seis
ÁREA GEOGRÁFICA DE átomos de carbono, e o programa actualmente con-
some quase tanta energia quanto produz.
ACTUAÇAO: .
Larga experiência dos mercados
africanos e europeus A concorrência do álcool

Se actualmente, no Brasil e nos EUA, o álcool pode


fazer concorrência à gasolina, é porque recebe isenção
de impostos federais e estaduais para uso em motores.
O aperfeiçoamento do processo de fermentação será
SOGUIPAL um grande passo no sentido de se atingir a paridade de
preço entre os dois combustíveis.
LISBOA - - Tel. 54 83 16/54 83 47/54 82 69 No caso da biomassa da mandioca, outra área em
TELEX 14238 ACTIME/P que se pode obter pde economia de custo é o
R. Tomás Ribeiro. 50-4.° rendimento das colheItas. Já se atinBiram rendimentos
1000 US!30A/PORTUGAl de até 49 toneladas de tubérculos de mandioca por
hectare em terras não irrigadas da Austrália, ao passo
ARMAZEM - R. Vale de Formoso de Cima. que, na América do Sul, já se conseguiram índices de
125-8 e C Tel. 3862·85 até 66 toneladas por hectare . McCann, bem como
outros cientistas que estudaram a taxa em que a planta

90 cadernos do terceiro mundo


converte a energia solar, prevêem um rendimento
optimo de 84 a 89 toneladas de tubérculos por hectare .
O complexo para processamento da mandioca pode
ser construído em qualquer escala. Em grande parte do
mundo subdesenvolvido, num estágio inicial, o mais
adequado seria o modelo destinado a pequenas povoa-
ções. Uma vez que a mão-de-obra seria barata, o
equipamento simples e os custos de distribuição quase
nulos, McCann prevê, no seu estudo, que o etanol
assim produzido custaria cerca de sete centavos de
dólar por litro. Para uma comunidade agrícola de seIS
mil hectares, McCann propõe um complexo de pro-
cessamento de tamanho médio, que custaria 24 mi-
lhões de dólares . Para a produção de etanol de man-
dioca em grande escala, ele sugere um complexo
agroindustrial capaz ·de atender 47 mil hectares de
terra plantada. Anualmente, 35 mil hectares seriam
destinados ao plantio da mandioca; os restantes 12 mil
seriam utilizados para o plantio de um legume que
contribuísse para aumentar o teor de nitrogénio do
solo, como a alfafa. Com um rendimento médio de 49
toneladas de tubérculos por hectare, esse complexo
seria capaz de produzir 230 mil toneladas de álcool e
63 mil toneladas de proteinas (extraida dos caules e
folhas) por ano. O investimento total para um com- o caNto,
combuatfveI
plexo desse porte seria de 115 milhões de dólares - fóall, ,
quase nada em comparação com o custo de uma ./temente
central nuclear, uma central de liquefacção de carvão poluidor. 0610001
pod8nIi
ou até mesmo uma nova refmaria. (combIMdo com
A única desvantagem do álcool como combusti- .-';'l0iii1)
vel é que não produz tanta energia ou potência quanto
8Jud8r ••lmlMr
-probIem8
os combustiveis de petróleo. Para substituir determi-
nada quantidade de óleo combustível num fomo, por
exemplo, seria necessário utilizar 1,5 vezes essa
quantidade em álcool. De um modo geral, o etanol é
um excelente combustível para automóveis. É mais
limpo que a gasolina, e produz menos poluição quando
utilizado puro ou em mistura com a gasolina.
Além disso, o álcool pode tomar-se - como jã o
é no Brasil e na índia - uma matéria-prima para
alguns sectores da indústria química.
Uma fãbrica que use ãlcool como combustível
será muito mais limpa que outra que queime combustí-
veis fósseis que enviam para a atmosfera, vastas quan-
tidades de carbono . A liquefacção e a gaseificação do
carvão mineral só contribuirão para agravar o pro- térmica provocado pela presença de grandes quantida-
blema. De facto, os combustíveis sintéticos, além de des de dióxido de carbono na atmosfera.
exigirem grandes investimentos de capital, são tripla-
mente antieconómicos e poluidores. Hã consumo de As vantagens da mandioca
energia e produção de poluição quando o carvão é
retirado da mina, quando é convertido em combustí- A mandioca adapta-se de tal forma ao aproveita-
vel, e quando o produto final é queimado. Jã a bio- mento em grande escala da biomassa que até parece ter
massa não faz mais do que reciclar os elementos sido feita especialmente para esse fim. Não tem época
básicos - carbono, hidrogénio, oxigénio e nitrogé- obrigatória para colheita: continua a crescer até que o
nio . As plantas verdes retiram da atmosfera o carbono lavrador se disponha a colhê-la. Ao contrário da cana
introduzido no ar pela queima dos seus produtos. de açúcar, que precisa ser processada oito horas após o
Assim, a sociedade que use álcool como combustível corte, os tubérculos da mandioca só começam a apre-
ajudará naturalmente a eliminar os problemas de chu- sentar problemas de deterioração após quarenta e oito
vas ácidas, poluição urbana e o efeito da inversão horas. A parte aérea da planta pode ser cortada e

cadernos do terceiro mundo 91


N.O 45/Junho-Julho 1982
processada, enquanto os tubérculos pennanecem in- 11
cultura menores que tenham as me mas característi-
definidamente no solo, sem se estragar. Ou, então, o cas d tas cinco, ou seja, cujos produto sejam vendi- r
tubérculos podem ser secado e annazenado , o que dos em grandes quantidade para o hemi fério norte,
permitiria a produção do álcool em qualquer época do que é o mundo desenvolvido, e tenham valor nutritivv
ano num clima onde a colheita em qualquer e tação duvidoso . Se o Terceiro Mundo agisse em conjunto
seria impossf vel. para ub tituir e a cultura pela mandioca, numa
Como o plantador pode escolher entre uma cen- redução ordenada e uniforme que fosse relativamente a
tena de variedades diferente de mandioca, esta pode me ma em cada pai , é provável que is o trouxesse
ser plantada em muito clima, terreno e altitude uma série de beneficio .
diferentes. Requer apenas metade da água e do adubo
exigidos pela cana-de-açúcar. Como euforbiácea tí- Na sequência da diminuição da oferta, haveria um
pica, resiste bem à seca. Durante as longas e tiagen , aumento no pre o de cinco commodities - bebidas,
as folhas caem e a planta como que «adormece. até à doces, cigarros, chá, café e chocolate. O aumento
chegada das chuvas; ne a ocasião, recorre às reservas seria maior para aquelas que não têm substituto reais
acumuladas nas raízes e faz germinar folha novas. em grande escala - cigarros, café e chocolate - e
Presente em toda a planta, o ácido cianídrico preci a menor no caso do chá e do açúcar. No fIm da década,
ser retirado por meio de fervura ou moagem ante que a um maço de cigarros talvez cu tasse 3 dólares, ao
planta possa ser consumida pelo bomem, mas é esse passo que o quilo de café ultrapassaria a marca dos 30
ácido que a toma naturaImente resistente às doenças e dólares. O aumento do preço e a redução da oferta
pragas da lavoura. trariam uma redução do consumo desses produtos,
Mas a principal característica da mandioca é a sua todos prejudiciais à saúde. O açúcar refinado, na
produtividade. Daremo alguns exemplos . A um ren- fonna que é hoje consumido no mundo, é rico em
dimento de 49 toneladas por hectare, bastariam 22% calorias, mas quase não contém vitaminas nem sais
de toda a terra arável do Terceiro Mundo para que o minerais. É um factor de obesidade e cáries dentárias.
plantio de mandioca pudesse suprir todo o consumo de O café contribui para problemas cardiacos; o tabaco é
energia queimada por e se países sob a fonna de agente de cancro da garganta e dos pulmões. Metade
derivados de petróleo em 1979. A Austrália, que é o de todas as mortes que ocorrem hoje em dia no mundo
continente mais seco, poderia - dependendo da utili- desenvolvido é o resultado da ingestão excessiva de
zação ou não dos seus lençóis subterrâneos de água - açúcar, cafeína, nicotina, gordliras, colesterol, sal e
produzir o equivalente a entre duas a cinco vezes o seu álcool - «excesso de nutrição», como é ironicamente
consumo actual de combustíveis derivados do petró- chamada. No entanto, aqueles que continuarem a
leo, sem que para isto precisasse reduzir apreciavel- exigir a sua «Coca Cola» e o seu maço de .. Marlboro.
mente a terra destinada a outras culturas. poderão continuar a comprá-los, embora a um preço
bem mais elevado .
A substituição dessas culturas pela mandioca con-
A saúde do Terceiro Mundo tribuirá de duas maneiras para a saúde do Terceiro
Mundo. Trabalhando em conjunto para reduzir a ex-
Admitindo-se, para fins de discussão, que já tensão de terra a elas dedicadas, os países produtores
existem uma agronomia e uma tecnologia de proces- ganharão mais - provavelmente muito mais - pro-
samento da mandioca, cheias de potencialidades e duzindo menos. Uma redução de 15 a 20% das terras
esperando apenas o momento em que serão desenvol- produtoras de café levará, ao cabo de alguns anos, a
vidas, como iniciar e desenvolver a produção de meta- duplicar o preço do produto no mercado mundial. Isto
nol da mandioca nos países tropicais da maneira mais criará uma transfusão de capital do norte para o sul -
inteligente e que traga o maior beneficio para todos os divisas e créditos que as nações do Terceiro Mundo
povos do mundo? poderão utilizar para comprar alimentos ou para outros
Embora o mundo tropical não use adequadamente fms que mais lhe convenham. E, reduzindo as suas
a terra que possui por não ter recursos para fazê-lo, importações de energia através da produção local de
podemos pressupor que, nesta altura, resta pouca terra álcool, terão verba adicional para comprar mais ali-
virgem nas regiões tropicais. Sem dúvida, existem mentos ou, o que é mais provável, expandir a sua
florestas, mas o mundo necessita das suas selvas e nascente indústria de etanol. E, naturalmente, estarão
florestas tropicais. Actualmente, elas encontram-se já a produzir também um precioso suprimento de proteí-
ameaçadas e precisam da nossa protecção, e não de nas que poderão acrescentar aos pratos locais.
devastação para novos plantios. Além disso, a trans- Um outro tipo de terra que o mundo tropical poderia
fonnação de selva húmida em terra de cultivo cria utilizar é a que é empregue em culturas que podem ou
tantos problemas quantos pretende resolver, como o não ter valor alimentício e que são vendidas princi-
vem constatando o Brasil . palmente para o norte. Estas incluem frutas, algodão,
Mas mesmo aqueles países que possuem boas borracha e plantas têxteis, principalmente juta e sisai.
terras aráveis ainda não cultivadas achariam mais Isso em nada contribuiria para a saúde do mundo
sensato plantar mandioca em terras onde hoje cultivam desenvolvido - no caso das frutas, iria prejudicá-la-
cana de açúcar, tabaco, café, chá, cacau e talvez outras mas aumentaria o rendimento e a produção de proteí-

92 cadernos do terceiro mundo


nas do mundo tropical . Finalmente, a mandioca pode-
ria ser plantada em terras aráveis não cultivadas, mas,
pelos motivos já mencionados, conviria ao Terceiro
Mundo usá-las na menor escala possível. O tipo de
terras que os pafses em desenvolvimento não devem
utilizar para a mandioca é o utilizado nas culturas
como o arroz, bambu e outras que eles mesmos con-
somem.
A ideia parece óptima, mas, resultaria? O plano é
radical, e existem bons argumentos em contrário.
O mais óbvio de todos é que a elevação do preço de
determinada mercadoria criará a tentação de ampliar a
sua cultura, especialmente num Terceiro Mundo de-
sesperadamente necessitado de dinheiro. Um pafs pro-
dutor de chá, como o Quénia, desejaria que todos os
outros passassem a produzir menos chá, enquanto ele
ampliaria as suas culturas, talvez até sacrificando a
produção de alimentos, para produzir chá devido ao
aumento de preço. Trata-se de uma reacção natural,
especialmente forte num primeiro estágio da mudança.
No entanto, vários factores sugerem que não seria
diffcil ultrapassar essa tendênci~.

o papel do Brasil, China e índia


Somente poucos pafses detêm o grosso da produção
mundial de cana-de-açúcar, café, tabaco, chá, cacau,
borracha e algodão. De um mínimo de três países no
caso do chá e da borracha, até um máximo de sete no
caso do tabaco, os grandes produtores são responsá-
veis por 56 a 80% dessas C'Jlturas. Caso os três grandes
do Terceiro Mundo - índia, Brasil e China - aceitas-
sem o plano e agissem em conjunto, poderiam exercer
considerável pressão sobre o preço dessas mercado-
rias, uma vez que produzem 42% do total mundial. E,
se fossem seguidos pelo Paquistão, Colômbia, Cuba,
Indonésia, México, Tailândia e Malásia, provavel-
mente poderiam elevar os preços até ao nível desejado,
pois esses dez pafses são responsáveis por 70% da
produção mundial. E, embora os pafses menores não
tenham o poder de fazer baixar os preços, também
produzem essas mercadorias. Zaire, Camarões e Peru
cultivam todas as sete, e a maioria dos países tropicais
cultiva várias delas. Em média, cada uma dessas sete
mercadorias é cultivada por 58 países do Terceiro
Mundo. Todos estão interessados em manter os preços
elevados, e isto só ocorreria se mantivessem baixo o
total de terras a ela dedicadas.
O mais importante, porém, é que este contra-argu-
mento ignora as vantagens da mandioca, que propor-
ciona um triplo beneficio. Se um dos pafses do Ter-
ceiro Mundo, em oposição aos sews irmãos, resolvesse
aumentar, ao invés de diminuir, o total de terras
dedicadas a uma dessas culturas, grande parte do
rendimento adicional que auferiria voltaria para o
exterior sob a forma de importações de petróleo. Por
outro lado, se diminuísse o total de terras ocupadas por
tais culturas e plantasse mandioca, seguindo o exem-
plo de outros produtores, teria energia de fabricação

N.O 45/Junho-Julho 1982


nacional para reduzir as suas contas de petróleo. Isso ao ponto de tomá-la antieconómica.
equivaleria a aumentar a sua receita de exportação. A produção de beterraba não poderia ser expandida
Além disso, criando sistemas energético locais, re- para satisfazer a procura; a percentagem da produção
duziria o desemprego, que é um grave problema em de açúcar natural de beterraba é hoje 34%, e está em
todo o Terceiro Mundo, e aumentaria a sua produção declínio. Acontece que a beterraba é também uma
de protefnas. Tudo isso, a par de um preço maior pelas excelente cultura de biomassa, e a Europa, que possui
mercadorias acima mencionadas, uma vez que o paí !DCtade da produção de beterraba e importa a maior
estaria a agirem conjunto com o outro para manter o parte do petróleo da OPEP, pode muito bem vir a
preços elevados. preferir o açúcar mais caro a uma gasolina mais cara.
Os substitutos representam um argumento mais As im, parece correcto afirmar que o preço do açúcar I
sério contra esse plano. Vejamo o segundo grupo de não subirá tanto nem tão depressa quanto o de outras
culturas: frutas, algodão, borrach e plantas texteis. mercadorias que não tem substitutos reais, mas o preço
Cada uma delas é um produto muito especial. As frutas subirá se o mundo tropical reduzir apreciavelmente as
são um alimento vital para a úde, de forma que seria suas culturas de cana-de-açúcar. E o mais importante
de esperar que o Norte exigisse que o Sul não dimi- na ubstituição da cana-de-açúcar pela mandioca é que
nuísse o total de terras em que são cultivadas. O a cana ocupa actualmente as melhore terras tropicais;
algodão é uma mercadoria que o Terceiro Mundo o rendimento da mandioca em terras de plantio de cana
exporta para o mundo desenvolvido apenas em peque- tenderá a exceder as 49 toneladas de tubérculos por
nas quantidades. Caso o Terceiro Mundo reduzisse hectare que servem de base ao nos o cálculo .
drasticamente o total de terras dedicado à cultura do
algodão, deixaria de vendê-lo ao Norte. Mas a substi-
tuição do algodão pela mandioca faz sentido, porque o o preço do eaté
país poderia usar parte do etanol como combustível e
outra parte para a produção de fibras sintéticas, a fim
de compensar a redução da oferta de tecidos de algo- Os consumidores de bebidas não alcoólicas serão as
dão. Isso para não falar da produção adicional de maiores vítimas deste plano. Se o café fosse a única
proteínas. A borracha é um material e tratégico, e mercadoria a sofrer a pressão da oferta, os consumido-
novamente os países desenvolvidos poderiam exigir res de café passariam a beber refrigerantes, chá e
que os produtores não diminuíssem apreciavelmente o chocolate quente. Mas estes tres produtos estarão
total das terras dedicadas à plantação de borracha. É também mais caros. Restariam somente chás de ervas,
possível produzir borracha a partir de gauiúle (Part- - sumos de fruta, refrigerantes dietécticos e leite para
henium argentatum) das regiões subropicais do suprir a procura, o que não traria muita satisfação aos
mundo; mas, como o rendimento é menor que o das viciados em cafeína. Uma vez que os preços em
árvores tropicais, e como a planta é nativa de regiões ascensão dessas quatro mercadorias - açúcar, café,
áridas - onde a água é escassa - o custo seria alto. Os chá e chocolate - servem de apoio uns aos outros, e
Estados Unidos só poderiam produzir grandes quanti- uma vez que o Norte está viciado em cafeína, o que
dades de borracha de guaiúle se esta planta passasse a significa uma procura real independentemente do
substituir outras culturas nas terras irrigadas do sudo- preço, não seria irrealista prever um aumento do preço
este do país, o que elevaria o preço destas últimas. do café para 20 - 30 dólares o quilo e o da lata de
Fá-lo-iam por precisar da borracha, não para forçar a refrigerante para 2 - 3 dólares dentro de dez anos.
baixa do preço do produto tropical. Suponhamos agora que o mundo tropical venha a
Uma vez que quase todos os países do mundo tem aceitar esta ideia e, trabalhando em conjunto com as
uma certa produção nacional de açúcar a partir da cana Nações Unidas para a formação daquilo que prova-
ou da beterraba, e como é possível produzir açúcar a • velmente poderia ser chamado de um cartel, come-
partir do milho e de outros cereais (inclusive man- çasse a reduzir sistematicamente as suas culturas de
dioca), pode parecer que nem mesmo uma redução cana-de-8ÇÚcar, café, chá, tabaco, cacau, algodão,
drástica da cultura da cana poderia forçar um aumento borrachaejuta. O que poderia ocorrer daqui a 12 anos,
apreciável do preço do açúcar. Não obstante, o milho tempo suficiente para gerar algumas alterações? O que
já é usado hoje para diversas finalidades, além de poderia isso significar em termos de mudança de
ração animal, sendo a conversão em etanol já hoje uma condições materiais para o Terceiro Mundo?
dessas fmalidades importantes. Wallace Tyner, eco- Digamos que, por volta de 1993, as culturas de chá e
nomista agrícola da Universidade Purdue, que estudou de açúcar tenham sido reduzidas a metade, e que isso
o efeito do «gasool,. sobre o preço do milho e dos tenha duplicado o preço dessas mercadorias que vigo-
cereais, prevê que, quando a produção de álcool de rava em 1979, mesmo depois de descontada a inflação.
milho ultrapassar a case dos dois mil milhões de galões As culturas de tabaco, café e cacau também terão sido
por ano (o que pode ocorrer antes do fim da década), o reduzidas a metade, mas, uma vez que é mais difícil
preço do milho aumentará substancialmente. É pouco substituí-las, o preço terá triplicado. Uma vez que a.
provável que se possa desviar grandes quantidades de borracha é uma matéria-prima estratégica e como os
milho para a produção de açúcar sem que o preço suba produtores de borracha foram generosos com o mundo

94 cadernos do terceiro mundo


A dMnutrtçAo , um flicto
IndI8cutfveI em todo o Ten:lIIro
1Iundo. A utlllzIIçAo di! lIIMCIIoca
!*ln produzlr l1'li18 combuatfveI
lOCIaI (Inc1u11ve .nullndo I
poIuIçto • o tIrrOrIamo di opçIo
.....r) • mala c:ornbudvaI
humano cHll (proWInu, amido,
8p)car)

desenvolvido, reduzindo somente 10% das culturas Acrescente-se a isto os 9,4 mil milhões de dólares
existentes em 1979, o preÇÕ apenas duplicou, graças resultantes do aumento de preços causado pela redu-
em parte à borracha de gauiúle. Os produtores de ção das culturas, e teremos uma receita efectiva mais
algodão do Terceiro Mundo também reduziram a me- alta para o Terceiro Mundo de 35,1 mil milhões de
tade dasr;uas culturas.O preço subiu,mas não chegou a dólares em 1993. São algarismos conservadores.
duplicar dada a concorrência das fib~ sintéticas, Mark Mueller, analista de mercadorias da firma Bache
grande parte das quais produzidas a partir do etanol da Halsey Staurt Inc., de Nova Iorque, confirma que é
mandioca. Mas como o Sul já não estará a vender realmente conservador sugerir que, reduzirem-se a
algodão ao Norte, teremos que subtrair os 435 milhões metade, em 1993, as culturas da cana-de-açúcar, chá,
de dólares (que era quanto ó Sul ganhava com o café, tabaco e cacau, os preços do açúcar e do chá
algodão em 1979) da sua receita de 1993. O mesmo se apenas duplicassem e os preços do café, do tabaco e do
aplica àjuta, pois os países produtores de juta estariam cacau apenas triplicassem. Uma geada no Brasil pode
a receber em 1993 apenas um terço das suas receitas de facilmente fazer dobrar o preço do café. Se conside-
exportação de juta de 1979, embora, por outro lado, rarmos que os preços do chá e açúcar triplicarão, e os
tenham drasticamente reduzido as suas importações de preços de café, tabaco e cacau quadruplicarão, tere-
petróleo e aumentado o seu consumo de protemas. mos uma receita adicional para o Terceiro Mundo de
47,3 mil milhões de dólares em 1993.
Portanto, reduzindo as suas culturas de tais merca-
Processando todos esses dados num computador, dorias e plantando mandioca, como propomos acima,
verificaremos que a terra subtraída a essas oito merca- o Terceiro Mundo geraria anualmente mais 35 mil
dorias e destinada à mandioca produzirá 51,4 mil milhões de dólares de receita líquida. Os países tropi-
milhões de galões de álcool por ano. Esta cifra cais do Terceiro Mundo reduziriam o consumo mun-
baseia-se na utilização de três quartos da terra para o dial de combustíveis fósseis poluentes, promoveriam
plant!o de mandioca, e um quarto para o plantio de as indústrias locais que ajudam a reduzir o desem-
alfafa, cujo valor monetário -ignoraremos a fun de prego, e ajudariam a eliminar o kwashiorkor - do-
simplificar os cálculos. f'eito o ajuste referente ao ença causada pela extrema deficiência de protemas -
menor teor de calorias do álcool, verificamos que esta produzindo 41 milhões de toneladas de protemas de
produção substitui 20% de todo o petróleo consumido folhas de mandioca por ano.
pelo Terceiro Mundo em 1979. Isto significa uma Há ainda outro beneficio que não deve ser esque-
economia de 25,7 mil milhões de dólares . cido. Este plllno promove a renovação da sociedade. A

cadernos do terceiro mundo 95


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biomassa pode ser dividida em doi tipo : a decorrente vermo a biomas a e outra forma de energia branda o
directamente das culturas agrícolas e aquela que re- mai breve po ível, os preços do petróleo e da gaso-
sulta de fontes não-agrícolas, como resíduo vegetai , lina tenderão a e tabilizar-se.
animais e humanos, lixo e outro re íduo . Amory
Lovins, o estratego da energia que contribuiu para
ampliar a nos a compreen -o do problema com o Excelente solução
termo soft energ (energia branda), prevê que a bio-
massa resultante de fonte não-agrlcolas pode produ-
zir toda a gasolina que o E tado Unidos u ariío em Tudo i to se baseia no pressupo to de que não
começos do próximo século . Note- que o consumo exi tam problemas intransponíveis no tocante a uma
de gasolina do EUA em 1979 representou 70% de tecnologia da mandioca. No entanto, pode ser que
todo o petróleo consumido DO me mo ano pelo 3,5 existam . Problemas que podem ser previstos, mas não
biliões de pe soas do Terceiro Mundo. Se isso é em nível suficiente para impedir o desenvolvimento
verdade, ou ainda que reduzamo a metade a e tima- em grande escala. Ou talvez swja outra solução me-
tiva de Lovins, para quê perder tempo com a mandio- lhor. No momento actual, porém, a mandioca
ca? Por que não usar e se tipo de biomassa tarui..tm no afigura-se"DOS uma excelente solução.
Terceiro Mundo? O argumento maIS usado contra a biomassa resul-
A resposta é que o Terceiro Mundo pode desenvol- tante de fontes agrícolas é que ela utiliza terra que um
ver - e desenvolverá - a sua biomas a de fontes mundo faminto poderia usar para a produção de ali-
não-agrícolas juntamente com a mandioca, e, dentro mentos . (O Banco Mundial calcula que há no mundo 1
de 50 anos, poderá produzir grande parte da sua bilião de pessoas subnutridas) . O consumo de proteí-
energia líquida a partir dessa biomassa e somente nas das populações do Sul é apenas 59% do consumo
pequenas quantidades a partir da mandioca. Mas, para nos países do Norte, e 55% do consumo norte-
isso, o Terceiro Mundo precisará de possuir o /cnow- -americano . Ainda assim, até mesmo nos EUA há
-how e o capital necessário. quem morra de subnutrição, e o motivo disso não é a
produção inadequada de alimentos. No mundo inteiro,
O /cnow-how está a ser rapidamente criado nos as causas da desnutrição e da subnutrição são barreiras
Estados Unidos, graças ao seu programa de cgasool .. e políticas, barreiras comerciais, barreira ideológicas,
pesquisas universitárias, e pode ser assim facilmente o desemprego, a ignorância, a cobiça e a distribuição
partilhado com o Terceiro Mundo . Quanto ao capital, inadequada - para citar algumas de uma lista inter-
a coisa é diferente; e este plano é um meio de gerar esse minável de causas. A insuficiência de terras de cultivo
capital de uma maneira naturaI, sem a chamada ajuda ainda não é uma causa importante . Uma prova pelo
externa. Um método pelo qual o Terceiro Mundo pode menos parcial disso são os 32 milhões de hectares de
pôr a funcionar a sua bomba de energia. terra que o Terceiro Mundo dedicou ao plantio de
cana-de-açúcar, café, chá, tabaco e cacau em 1979.
A conversão de parte dessas terras para o plantio da
A retaliação económica mandioca não eliminará todas as causas da subnutri-
ção, mas constitui provavelmente o maior e melhor
passo isolado nessa direcção, porque muitas das cau-
sas pertencem à categoria geral da pobreza. Ou, para
Caso o Terceiro, Mundo venha a adoptar este plano, reduzir o argumento à sua essência, o plano reconhece
os países do Norte poderiam retaliar, aumentando o que tanto os alimentos como o petróleo e o etanol são
preço dos produtos manufacturados que vendem ao combustíveis. O alimento serve de combustível ao
Sul. Esta será a reacção de muitos conservadores, e os corpo humano; o petróleo e o etanol servem de com-
economistas do mundo desenvolvido ficarão muito bustível à sociedade humana. Substituindo pela man-
mais insatisfeitos com a inflação promovida pelo dioca aqueles alimentos que constituem mau combus-
Norte do que impressionados com os aspectos saudá- tível humano - café, chá, tabaco etc. - poderemos
veis do plano. No entanto, a retaliação económica produzir mais combustível para a sociedade (etanol) e
seria uma medida insensata. A inflação está à espreita mais combustível humano útil (proteínas). E, redu-
do mundo desenvolvido, qualquer que seja a opção zindo a oferta daqueles maus alimentos, que não
tomada; uma polj,tica de cruzar os braços, baseada em passam de aditivos geradores de dependência, aumen-
preços 'cada vez mais altos da OPEP, o custo ainda tamos o seu valor monetário, criando um fluxo de
;nais elevado, a poluição e o terrorismo da opção capital em direcção àquela região do mundo que mais
nuclear e dos combustíveis sintéticos; ou os preços necessita - e recebe - ambos os tipos de combustí-
cada vez mais caros da energia da biomassa, com o vel, humano e social . De modo que, além de mais
Norte a usar principalmente a biomassa de fontes etanol e proteínas, o Terceiro Mundo gera uma receita
não-agrícolas, e o Sul principalmente a mandioca. A maior que contribui para minorar a sua pobreza. Com
inflação causada pela última ocorrerá naqueles aditi- isso, pode comprar e distribuir uma quantidade maior
vos que não representam alimentos; e, se desenvol- dos alimentos saudáveis de que precisa. O

96 cadernos do terceiro mundo

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