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EvaldoCabralde Mello

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A OUTRA INDEPENDÊNCIA
O federalismo pernambucano
de 1817 a 1824

SBD-FFLCH-USP

1111111~111111111111111111111111111111
321807

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A outraIndependência© Evaldo Cabral de Mello, 2004

A fotoc6pia de qualquerfolha deste livro é ilegal e configura uma


aproprias:ão indevida dos direitos intelect11aise patrimoniais do autor. Prefácio ..................................................................................... . 11
Abreviaturas ............................................................ ,................ . 23

Capa, projeto gráfico e editoração eletrónica: 1. Dezessete ,................................................................................. . 25


Bracher& Malta ProduçãoGráfica 2. A junta de Gervásio ................ '.................................................. . 65
Revisão: 3. O governo dos matutos ........................................................... .. 113
Ci.dePiquet 4. Vinte e Quatro (1) ................................................................... . 163
Beatriz de FreitasMoreira 5. Vinte e Quatro (2) .................................................................. .. 203

Apêndice................................................................................... 239
l ª Edição - 2004
Indice onomástico...................................................................... . 253
Sobre o autor ........................... .-................................................. . 259

Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro


(Fundação Biblioteca Nacional, RJ, Brasil)
Mello, Evaldo Cabral de, 1936-
M217o A outra Independência: o federalismo
pernambucano de 1817 a 1824 / Evaldo Cabral de Mello. -
Siio Paulo: Ed. 34, 2004.
264p.

ISBN 85-7326-311-3

1. Brasil- História - Século XIX. 2. Brasil•


História da Independência. 3. Brasil: História· Revolução DEDALUS- Acervo- FFLCH
de 1&17(Pernambuco). 4. Brasil- História • Confederação

/1111111111111
do Equador, 1824. I. Titulo.

20900047968
A OUTRA INDEPENDÊNCIA
O federalismo pernambucano
de 1817 a 1824
"De todos os partidos em que se acha dividido o Brasil [...] são duas
as principais divisões, a saber não-separatistas e separatistas. @s primeiros
são os inimigos da Independência, estes fanáticos chamados vulgarmente
pés-de-chumbo, que ainda suspiram pelas cebolas do Egito [...] Os segun-
dos são os sectários da Independência do Brasil e que querem que ele fi-
gure como nação livre. J:>.orém estes separatistas ainda se subdividem em
quatro classes: 1ª, os que querem a separação, mas não a liberdade, pois
preferem o antigo governo, e são chamados corcundas; 2ª os republicanos
a que chamarei prognósticos; estes não podem levar à paciência que o Brasil
não quisesse por voto unânime ser república e preferisse a monarquia cons-
titucional; este partido é hoje miserável e abandonado por todo o homem
sensato; 3ª os monárquicos-constitucionais: estes fitam suas vistas na feli-
cidade do Estado; não querem democracias nem despotismo, querem li-
berdade mas liberdade bem entendida e com estabilidade; este partido for-
ma a maioria da nação; 4ª os federalistas, ou bispos sem papa, a que eu
também chamarei os incompreensíveis. Estes, que não querem ser monár-
quico-constitucionais, que não podem ser corcundas e que não querem ser
republicanos de uma só república, querem um governo monstruoso; um
centro de poder nominal e cada província uma pequena república, para
serem nelas chefes absolutos, corcundas despóticos."

José Bonifácio de Andrada e Silva (1823)


T
Prefácio

......

A fundação do Império é ainda hoje uma história contada exclusivamen-


te do ponto de vista do Rio de Janeiro, à época, pelos publicistas que partici-
param do debate político da Independência, e depois pelos historiadores como
Varnhagen, Oliveira Lima, Tobias Monteiro ou Octavio Tarquínio de Sou-
sa, que repristináram a versão original visando à maior glória ou da monarquia
ou da unidade nacional. Çomo esta última fosse encarada teleologicamente,
el~ limitaram-se a desenvolver, sem os-por em causa,_ospr~!iê'§~~os·anaeo:·-
l~gia da (i;it~;--r~urind~ ãTndependência à construção do EstacÍ~unitário
p()r-al~ni}ndi~í~;_;:~s-do!:i.4~úi~-~-~2~~~:-~i!~O.
polítici_g~r~~e~t~-n~scidos.
,~ri.º tFiâ11g_!:1!~-~o_j_~_()_~_3:lll<>:-_~inas.
A despeito das qualidades de erudição ou
de narração destas obras, o filão esgotou-se, como demonstra o mais recente
trabalho de conjunto a inscrever-se nesta tradição, o de José Honório Rodri-
gues, prejudicado, entre outras carências, pela inclinação a encarar a emanci-
pação consoante critérios nacionalistas de meados do século XX. E, contu-
do, há cerca de quinze anos, malgrado as limitações inerentes a uma obra de
síntese que abrange toda a primeira metade de Oitocentos, RoderickJ. Bar-
man questionou, no seu Brazil. The forging of a nation, 1798-1852, o paradig-
ma ainda vigente.
Embora Barman pressuponha a existência de um sentimento autono-
mista que estava longe de conhecer a mesma força nas províncias em geral,
ele tem razão ao assinalar que a criação do Estado unitário no Brasilnãô foi
um "destino manifesto", para usar a expressão com que nos Estados Uriidos
do século XIXjustificou-se a expansão para o Pacífico. Se a Revolução Por-
tuguesa de 1820 fazia previsível a mudança do statu quo colonial, não esta-
va escrito nas estrelas que ela desembocaria no Império do Brasil. Nas pala-

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A OUTRA lNDEPENDt.NCIA PREFACIO

vras do autor, "a dura realidade subestimada pela interpretação nacionalista a algumas das mesmas províncias, abstendo-se de intervir nos que são só par-
é que, em junho de 1821, o Reino do Brasil havia-se dissolvido nas suas par- ticulares a esta ou aquela".
tes constituintes, não devido aos manejos das Cortes de Lisboa mas ao dese- Mas se tais desejos existiam Brasil afora, do que cabe duvidar, apenas a
jo daselites locais de recuperarem a autonomia provincial e de escaparem ao Bahia e Pernambuco estavam, em posição de articulá-los de maneira consis-
domínio tanto do Rio de Janeiro quanto de Lisboa". O triunfo do federalis- tente, graças inclusive às suas respectivas posições na economia de exporta-
mo ou a criaç_ãode Estados reg~o.nais,não de um Im~9_ unid..rio, t:eriã"prõ--- ção e às receitas das suas alfândegas. Em Lisboa, os baianos sensibilizaram a
-vavelmente ocorrido, casei três momentos decisivos não nouvessém lnfleir.:- - bancada paulista para as reivindicações provinciais, ignoradas pelas instruções
do o curso dos acontecimentos: a transmigração da Júíãsl:1ábragantina para que lhe redigira José Bonifácio, as quais visavam apenas à criação de um Im-
, o Rio; adeieririiriação da Corte fluminense de presetvát à posi.çãohegern:ônita pério dual que conferia ao Brasil grau importante de autogoverno, mas que
'recém-adquirida; e a incapacidade do Congre~;odeTísooâ en:i_HdãT<=:õfüã-. nada cóncedia às províncias, concepção que caberá como uma luva nas am-
questão brasileira. bições do Rio. Ocorreu que a Bahia ficou privada de protagonismo em face
- • ComÕ.assínáIÕu ainda Barman, se@ Fico provocou um conflito aberto da ocupação portuguesa, que reforçou a corrente imperial entre o comércio
entre o Regente D. Pedro e o Soberano Congresso, "o elemento mais_signifi- de Salvador e a grande propriedade do Recôncavo.
cativo nesta luta não foi, como pretende a interpr_etaçãonacionalista, a con- Daí gue, na Independência, o federalismo tenha constituído unia sen- •
'- frontação direta de dois centros de.autoridade mas a competição entre.dês pàra. política emJpf:!)~eillt:ntepe!nambucana, tanto m~isque, na estéira--- •
.,sil:,_ilidade
' ob_tero ªP?io das_Erovfridãs-ãínâãsêmi=ãiitônomãs; pôlaiização que privou .._c!_a_R~.<:l_l!!~º~e 1817, a relação de forças era aÜ mais--~quilibrada:o libera~
as 'pátrias' locais de terceira opção, tendo de escolher entre Lisboa e o Rio". Hsmoaliara-se à idéia de autogoverno até mesmo entre pânia:ãiios..êleD:·Pedro
~mbra, aliás, Bar~an que "a adesão das provínd:i:S-não'fôíünicamente rea- X~píih,licaiiisiíúi
. e,. 119Ji_!!1iti~-.c~J~rfa.;s·e·ª~ Eiiquãrífü 1stõ:·sejani õsºçoiruii· ••
lizada através da persuasão", pois "a força bruta desempenhou um papel con- das, sejam os constitucionais· da Co;t:e cÓincidiam em não pôr em .causa o
siderável para trazer ao Império regiões periféricas, particularmente as do caráter unitário do Império, para não falar no mofino republicanismo flumi-
Extremo Norte". Finalmente, "a formação de um Estado unitário não foi nense, se é que foi algo mais do que o fantasma criado por José Bonifácio para
desejada em todo o Brasil, nem sua criação beneficiou todos os territórios que •amedrontar timoratos, na sua luta contra o grupo de Ledo. O republicanismo
o compunham". fluminense não podia ser outra coilia, nem dar-se ao luxo de fazer concessões
Uma das conseqüências do rio-centrismo da historiografia da Indepen- ao federalismo provincial, sem perder o escasso apoio de que gozaria no Rio.
dência consistiu em limitar o processo emancipacionista ao triênio 1820-1822. Enterrado o projeto de Império constitucional luso-brasileiro em decor-
Na realidade, 1823 e 1824, marcados pela dissolução da Constituinte e pela rência da ruptura com Lisboa, a In29>_~~~-~~c_i~ficot1_p~~~i~1a em Pernam~
Confederação do Equador, foram anos cruciais para a consolidação do Im- ,~~co pela competição entre dois programas políticos, o unitário, que setor-
pério, na medida em que ambos os episódios permitiram ao Rio resolver a o
. flOU vitorioso, é féderâHsta, que incorporava aspirações Íncornpatíveis com

contento a questão fundamental da distribuição do poder no novo Estàdo. ~---~Órmátõ do.Êstactõ.hrãsilêfrô qi.iese organiza.vã no Sü.I'Dsdois partiam de
Questão que não se reduzia à disputa entre o Executivo e o Legislativo, pri- pres;~p~~t~s ~ugônicos. Se José Bonffácw procurara evitar o debate da ques-
vilegiada pelos historiadores do período, mas dizia respeito sobretudo ao con- tão da soberania, de modo a não dar pretexto aos liberais, a verdade é que,
flito entre o centralismo da Corte e o autogoverno provincial. Em 1821, Sil- no seu espírito, o Brasil preexistia às províncias, como dirá O Tamoio, gazeta
vestre Pinheiro Ferreira observava ser geral a aspiração das províncias à auto- • andradista. Reatando corn a tradição dos cronistas coloniais e da "ilha Bra-
nomia, sem que ,isto significasse a abolição do governo central da monarquia, sil", reformulada por estadistas ponugueses do século XVIII, acerca da voca-
que deveriaocúpar~se "unicamente dos interesses que são comuns a todas ou
0 ção incoercível da América portuguesa a constituir um vasto Império, trata-

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1
A OUTRA INDEPENDWCIA PREFÁCIO

va-se para José Bonlfácio de dar forma política ao que chamava "esta peça por motivos de defesa principalmente, de uma entidade maior. Esta é a acep-
majestosa e inteiriça de arquitetura social desde o Prata ao Amazonas, qual a ção aplicável à criação das Províncias Unidas dos Países Baixos no século XVI
formara a mão onipotente e sábia da Divindade". na sua luta para se tornarem independentes da Espanha, e ao estabelecimen-
,.l?orsua vez, o federalismo_p1;!:!1.~~-U.:0JElO
(como também o padre Feijó) to da Confederação das treze c9lônias inglesas da costa oriental da América
pretendia que, desfeita a unidade d~_Re_~°:? de Portu_gal,Brasil e Algarves, a do Norte (1776) na sua guerra contra a Grã-Bretanha, a qual se transformou
's?berania revertesse!~.1!_í~1!1cias, onde prop_riamenteres_½!i_a~~_guais pode- em República federal em 1787. Mas federalismo veio a adquirir úma segun-
riam ne_g_ociar um pacto constitucional, e, caso este não lhe~-~?nvi~~~ us~ .da significação, etimologicamente bastarda, a da transform;ção d~~~m &t~~
--.4<:
~eudireito a constituírem-se separadamente, so6·o sistema que melhor lhes do unitário preexistente em EstácfOieOerãr Foi este cicàsOâofüãs __ ·u:--.
--------· ...·
parecesse. Id~ra, aliás, implícita nas "Bases da Constituiçâo-·pOrfuguesa" aO / \ -~- fàTectefêderãiís
-- A dêspeíiô-ae-qüe_a_nísionogiafiã-do-Império •
rno ao
preverem que a finura Carta só obrigaria de imediato os residentes do Reino ocupar-se do período regencial; de vez que ela não se deu ou não quis dar-se
mas não os domiciliados no Ultramar, a menos que manifestassem seu con- conta do papel que ele teve no processo da Independência, o Brasil era enca-
sentimento. Escusado assinalar que a historiografia da Independência tendeu rado então como irredutível a ele. Em 1821, "um pernambucano verdadei-
a escamotear a existência do projeto federalista,' encarando-o apenas como ramente amante de sua pátria" transcrevia aprovadoramente em gazeta local
produto de impulsos anárquicos e de ambições personalistas e antipatrióticas, a crítica formulada por um dos periódicos portugueses que circulavam em·
semelhantes aos que tumultuavam pela mesma época a América espanhola. L~ndres, O PadreAmaro. Em vista das condições físicas e culturais da Amé-
--') Nesta como na América inglesa, a Independência havia girado em tor- rica portuguesa; custava·a crer que se anelasse uma solução federalista para ela.
no do conflito entre diferentes visões constitucionais. Nos Estados Unidos, Não havia comparação possível com a situação dos Estados Unidos, que já
os "Articles of Confederation" de 1776 e a ConstÍtuição de 1787 consagra- contavam no período colonial com "todos os elementos de governo e educação
vam graus distintos de organização nacional, confederal no primeiro caso, para estabelecerem e consolidarem a sua liberdade e independência", donde
federal no segundo. Na América espanhola, onde o feitio da disputa aproxi- não lhes ter sido necessário mudarem a legislação ou alterar os costumes, a
mava-se da do Brasil, contenderam um liberalismo inspirado no constitu- Constituição americana não sendo "outra coisa senão o índex da Constitui-
cionalismo espanhol (que, como se recorda, exerceu grande .influência nas ção inglesa, _coma única diferença que, em lugar de um rei hereditário, há um
Cortes de Lisboa), liberalismo cuja vertente federalista triunfou passageiramen- presidente eletivo e, em vez de uma Câmara de Pares, há um Senado".
te, como no Chile e no México, só vingando na Argentina; e a concepção auto- Prosseguia o articulista assinalando que as próprias vantagens do meio
ritária deBolívar, que, descrente da capacidade das elites locais, favorecia um físico de que gozavam os brasileiros os indisporiam para o federalismo, pois,
regime autoritário moldado nas Constituições francesas de 1799 e 1802 e que como sustentara Montesquieu, "a esterilidade das terras torna os homens in-
disporia de Presidente e de Senado vitalícios. Sob este aspecto, as posições de dustriosos, sóbrios, próprios ao trabalho, valorosos e guerreiros; é preciso que
Bolívar e D. Pedro estavam muito mais próximas do que eles poderiam supor. eles procurem o que o terreno lhes recusa", ao passo que "a fertilidade de um
O leitor deve ter em mente que, no tocante ao federalismo, não. havia país traz consigo a ociosidade e o amor do luxo". E concluía o autor:
idéias precisas ao tempo da Independência. Por um lado, empregava-se fede-·
ração como sinônimo de confederação, e, por outro, de república e de demo- Uma república brasileira, proclamando a liberdade e a iguaJdade, nun-
. crada, muitas vezes no objetivo ad terroremde confundi-la com o governo ca poderia deixar de produzir o contraste burlesco de se ver um-peqw::no nú- .
popular, quando se tratava de concepções distintas. Poroutro lado,~ mero de homens brancos envoltos em cambraias e tafetás, conduzidos em·
,defederª1ismo .contém dois significados hist9riçame~_tedistintos. fi?~~n- paJanquins ou redes, por pretos de pés descalços, que se compram, vendem,
ccido..Qrigin;t\;Ck.éa:reuoiãQde unidades.políticas autônomas visando à cria~_?.!_ aJugam e açoitam lib.eral e constitucionalmente, como as mulas, machos e
·-

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A OUTRA lNDEPENDltNCIA

. cavalos em Madrid, Londres e Paris. Verdade seja que tudo isto é de pouca existente, ou seja, a descentralização. E, com efeito, já se disse que o federa-
monta, uma vez que se ache escrito .em grandes caracteres "Direitos do ho- lismo nascera espontaneamente da experiência colonial dos Estados Unidos,
mem, liberdade, justiça, humanidade, etc.". Não seria mais próprio, em vez o Império britânico havendo-se mostrado até a década de sessenta do século
de democracia, chamar a uma república assim organizada "les nouvelles XVIII compatível com uma disq:ibuição protofederal de poderes entre a me-
bigarrures de l'esprit humain"? trópole e as colônias.
. .. Contudo, graç;asà teoria segundo-l.t·qual a soberania Fesidia nas provín-
Embora a seu ver a posição do Brasil fosse aparentada à da América es- cias, os doutrinários como frei Caneca, Cipriano Barata ou Natividade Sal-
panhola, mesmo esta gozaria de circunstâncias mais favoráveis ao federalismo, danha tinham-se na conta de federalistas, embora seja excepcional encontrar-
as quais, contudo, não a haviam poupado a doze anos de guerras, devastação, se em seus textos uma afirmação enfática do tipo da que o frade fez certa vez,
mortes, "sem que até o presente tenha podido estabelecer alguma forma de ao afirmar que "o Brasil tinha 4.; tem todas as proporções para formar um es-
governo que prometa estabilidade e prosperidade pública". • tadofederativo". Se eles não empregaram amiúde o vocábulo federação, de-
. Quando do debate sobre o Ato Adicional em 1834, Evaristo da Veiga, veu-se à autocehsµra lingüística observada por'Renato Lopes Leite entre os
após lembrar que, como viviam em colônias separadas, dotadas de importante republicanos fluminenses, que tampouco utilizavam o nome de repúblicà, o
grau de autonomia nos seus negócios internos, os norte-americanos haviam que se explicaria, segundo o autor, por medo ao caráter repressivo do regime
buscado federar-se, aduzia que "a este respeito, há um abuso da palavra entre que se esboçara nó Rio a partir de outubro de 1822. O jornalista João Soares
nós, que nos induz a gravíssimo erro: chama-se federalista àquele que não é Lisboa aludia a "carbonários, demagogos, jacobinos, republicanos; sans-culot-
senão democrata e chama-se unitário àquele que .é chamado na América do tes,jardineiros e vários outros nomes" como designações que, desconhecidas
Norte federalista. Federalista é o que quer os laços de união [...] Nos Estados pelo "vulgo ignorante", amedrontavam mais do que os "feitiços e bruxarias".
Unidos, eram chamados federalistas aqueles que tendiam a estreitar os laços Como o amálgama entre federalismo e republicanismo servisse os propósi-
da união das províncias ou dos estados; e quanto àqueles que tendiam a dar tos unitários da Corte, a fim de desacreditar as aspirações de autonomia jun-
maior soma de atribuições às assembléias legislativas das províncias ou estados, to à grande maioria conservadora, o período entre a Revolução de 1817 e a
isto é, a afrouxar os laços da federação, eram intitulados democratas. Por con- Confederação do Equador absteve.:.sede explicitar seus objetivos de auto-
seqüência, vinham a ser neste sentido federalistas uns, e democratas os senhores governo em termos de regime federal, preferindo apresentá-los como com-
da opinião contrária". Em resumo: ao, passo que, para os norte-americanos, patíveis com o sistema monárquico implantado no Rio desde que autentica-
a tarefa consistia em construir a união, entre nós ela visava a desconstruí-la. /, mente liberal, ou procurando esvaziar o debate sobre a natureza da chefia do
Naquela ocasião, Montezurna também martelava a idéia de que a fede- Estado, que seria irrelevante face ao problema'da distribuição do poder em
ração pressupunha a segregação prévia de unidades livres com vistas à auto- escala nacional.
defesa, o que não ocorrera na América portuguesa, que já formaria, no período Há mais de sessenta anos, Lemos Brito, em obra intitulada A gloriosa
colonial, "um corpo de nação composto e unido", regido pelas mesmas leis, sotaina do Primeiro Reinado,chamou a atenção para o fato de que frei Cane-
ao contrário das treze colônias, que não passavam de "estados separados, mais ca pensava antes em termos do sistema norte-americano dos "Articles ofCon-
ou menos independentes não só uns dos outros mas da metrópole". O que federation", do que da Constituição federal de 1787, pela qual os Estados ha-
pretendiam os chamados federalistas da Regência não correspondia nem ao viam sacrificado muitos dos seus poderes. Sob este aspecto, o federalismo per-
modelo da Confederação Suíça ou da.dos antigos Países Baixos nem tampouco nambucano apresentou reivindicações que rios Estados Unidos haviam sido
à da federáção norte-americana, sendo apenas uin arranjo destin.ado a trans"' defendidas pelos adversários daConstituição federal em nome dos direitos das
fr·riq:ioqe~esadnün1strativos às províncias, np contexto de urna unidade pre- antigas colônias. Como demonstrou Bernard Bailyn, ao reivindicarem para

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A OUTRA INOEPENDlõNCIA PREFAC!O

a União competências em matéria de representação, tributação, dívida públi- ralistas do Norte recusavam-se a jurar. Como não se cansará de lembrar frei
ca e forças armadas, os federalistas haviam sido acusados de serem tão noci- Caneca, o Brasil estava independente.mas não estava constituído.
vos às liberdades dos colonos da América do Norte quanto, antes da guerra Denis Bernardes já pôs os estudiosos de sobreaviso contra O anacronis-
da Independência, a Coroa e o Parlamento britânicos. mo de enxergar no Sete de Se~embro o fim predeterminado do processo de
. Que o federalismo pernambucano primava sobre o republicanismo, re- emancipação, cuja conseqüência "é a de desqualificar sob a marca do se-
conhecia-o José Bónifácio contra os que .no Rio os identifrca"fa1Ilabusiva- paratismo antinacional - todas as posições políticas que não se reconhece-
mente. Caracterizando na Constituinte as tendências que ali se manifestavam, ram no projeto imperial ou procuraram dar-lhe outro rumo". E Maria de
ele enumerou, entre os adeptos da Independência, os corct1ndas, convertidos Lourdes Viana Lyra entreviu na retórica contra o separatismo uma manobra
à causa do Brasil por temor ao liberalismo das Cortes e que repudiavam as propagandística para obter o apoio das províncias ao projeto do Rio. Destar-
instituições representativas; o~co::ÇQnsrit4ietQ.nais, _querepres~nta- te, "a causa da unidade, sempre intimamente ligada à da Independência e
vam o consenso nacional, cüja política era a dele, Andrada; os re~ aceita incondicionalmente por todos os grupos que participavam no proces-
do Rio, 3Jnoria numericamente desprezível que sonhava com a república so de Independência, foi, por assim dizer, imperceptivelmente substituída, ou
ún1iaria; e final_menteoti~deralistas, que intitulava "bispos sem papa", os mais exatamente, confundida com a campanha pela centralização".
quais, n~er unitá~ios como os monárquico-constitucionais, nem Não se podendo a rigor acusar o ciclo 1817-1824 de separatista, cabe
"republicanos de uma só república", aspíravam a "um centro de poder nominal duvidar de que a unidade do Brasil representasse para ele a grande priorida-
[na Corte] e cada província uma pequena república". O perigo para José Boni- de, não estando, ao contrário do Sul, ·disposto a sacrificar no altar de uma
fácio vinha precisamente destes "incompreensíveis" que pululavam nas pro- ent~dade unitária que abrangesse toda a América portuguesa, nem suas aspi-
víncias do Norte e, em particular, em Pernambuco. Dissociando federalismo raçoes de autogoverno nem tampouco os princípios liberais da Revolução
e república, os "bispos sem papa" se acomodariam a uma monarquia que, pari Portuguesa, precondição do triunfo do federalismo deste lado do Atlântico.
passu,teria sido despojada dos seus atributos essenciais, tornando-se de fato O que Tobias Monteiro observou com razão, mas sem compreensão, ares-
uma república cujo chefe de Estado, em vez de Presidente; se intitulasse Im- peito de frei Caneca, poderia ser escrito dos seus correligionários federalistas:
perador. Eles constituíam assim ameaça muito maior do que os corcundas e • que tampouco encaravam "na união nacional e na integridade do Brasil 0
os republicanos. pr~blem~ máximo da ~nde~endência". Para eles, a liberdade provincial pre-
O federalismo de 1817-1824 criou a pecha de separatismo sob a qual teria a unidade do Brasil, atitude não menos legítima do que a oposta, na me-
viveu Pernambuco ao longo do Primeiro e do Segundo Reinado, ao passo que dida em que pressupunham julgamentos de valor. Em 1824, Natividade Sal-
a historiografia do período reivindicará para os conservadores do Rio, os saqua- danha colocou de forma nítida a disjuntiva liberdade ou independência:
remas, o beaur!Jlede construtores da nacionalidade em que se havia travesti-
Antes ser livre e não ser independente, do que ser independente e não
do, graças à localização da Corte, o particularismo fluminense. Como obser-
ser livre. E que vantagem tiraríamos nós de tal Indepl'!ndência? Não estar-
vava Horace Say, ao tempo da Independência, o Brasil era apenas "a desig-
mos sujeitos ao Rei D. João VI e aos caprichos (do conde] de Subserra, [do]
nação genérica das possessões portuguesas na América do Sul", hão existin-
conde, hoje marquês, de Palmela, Salter de Mendonça e Gomes de Olivei-
do "por assim dizer unidadê brasileira''. Daí a preferência da língua inglesa
ra. Que ridícula vantagem! E não ficávamos sujeitos :\OS caprichos de Maciel
pelo plural "the Brazils". Se a unidade ameaçada em Dezessete ainda era a do
da Costa, de Vilela Barbosa e de outros? Antes viver na escravidão de Por-
Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em Vinte e Quatro a unidade
tugal do que na do Brasil, para que se não diga que os brasileiros foram tão
brasileira não saíra da resma de papel em que se tirµiam redigido o projeto
estúpidos que tendo forças para separar-se da metrópole e tendo ocasião de
da dissolvida Constituinte é a Carta outorgada pelôlmpera:dor, que os fede-

18 19
A OUTRA lNDEPEND~NCl/1 T PREFÁCIO

adotar um governo livre e acomodado às suas circunstâncias,.adotaram um cê de uma guerra travada por seus próprios meios, havendo assim retornado
governo infame e vil como são todos os governos absolutos. à suserania lusitana de livre e espontânea vontade quando poderia ter insti-
tuído governo próprio ou recorrido à proteção de uma potência européia. Este
La~entavaJ. A. Gonsalves de Mello em 1985 não haver "uma história retorno ter-se-ia pactuado mediante certas restrições ao poder real, particular-
política geral dos anos 1821-1824 [em Pernambuco]". A outra Independên-_ mente no tocante à proibição de novos impostos e à nomeação para os cargos
eia.propõe-se.a·pFeencher a lacuna, o.uma perspectiva ~!~erente da impingi- locais, que deveriam ficar reservados à gente da terra, pacto que a Coroa vio-
dapelahistoriog~a Independência; buscando reconsí:íí:uiroproéesso de lara sistematicamente. Sendo todo mito constitucional uma deformação ideo-
-;~ancipaç:iio na-provínci.a__on.Q,e se contestou, mais que em nenliiima~outra, lógica para fins precisos, torna-se irrelevante assinalar que se submetia aqui a
e~ projeto de José Bonifácio e ~--pÜlíticado Rio. Corno observava o·-baiano história provincial ao leito de Procusto de uma interpretação pro causasua.
• Ciprimo.Baràtà, ''l certamente Pernainbüco a província[ ...] mais dosa da sua Não há dúvida de que, como costumava afirmar-se ao longo do século
liberdade e por isso a mais abundante de sucessos políticos e a mais capaz de XIX, o republicanismo nunca foi majoritário em Pernambuco, mas ao iden-
servir de farol ao espírito público do Brasil inteiro". tificar-se, a partir de Dezessete, com a aspiração autonomista herdada dope-
Este livro procura concatenar os eventos polfticos da província entre si . ríodo colonial, logrou apoio político bem mais amplo do que poderia esperar.
e com os de Lisboa e da Corte, ignorando propositadamente o contexto so- Daí a ambigüidade que constituiu a marca registrada dos governos provinciais
cioeconômico ~ os episódios militares, pressupostos mas não expostos. Duas naqueles anos. Aaliança, que não era sólida, foi reforçada entre 1821 e 1824
outras premissas condicionaram também o trabalho. A primeira, a de que, pelo projeto do Rio, só se desfazendo a partir do período regencial, quando,
tendo a Independência sob a forma unitária levado sete anos para cons_l:~~r- com a Revolução Praieira (1848-1849), eliminaram-se as conotações republi-
. se em Pernambuco (1817-1824), ela s~é inteligível quando l!.<!ID}da.e-m-con:- canas em favor da descentralização no âmbito do sistema imperial. Resta, aliás,
j~~t~-;~io isoladamente em setis subperíodos, como habitualmente se faz: a estudar as modificações sobrevindas neste ínterim, baralhando as cartas do jo-
R~oluçã.odê T1Ho/~o-mõv1meni:ode"GoianaUS-2l); a junta de Gérvásio Pires go político, com a formação da nova elite liberal que substituiu os protago-
Ferreira (1821-1822), o governo dos matutos (1822-1823) e a Confederação nistas do ciclo revolucionário, alguns dos quais haviam voltado a atuar nos
do Equador (1824). A conexão entre eles foi na época sugerida por Felipe anos trinta, como Gervásio Pires Ferreira e Manuel de Carvalho.
Mena Calado da Fonseca, revolucionário de Dezessete, articulador do levan- egundo a conjuntura, os federalistas pernambucanos foram chamados
te contra Luís do Rego Barreto e redator da gazeta gervasista Segarrega: não de gervasistase de carvalhistas, embora o carvalhisroo se fundasse numa - »---------- ...'
agradando ao governo do Rio "o andamento dos negócios em Pernambuco, \_9.ueinclu1atambém unitários desapontados com a dissolução ela Constituinte.
por isso e talvez pelo cerror pânico de 1817", resolveu "substituir os homens Ê~quanto o gervasismo oper~~ no contexto do Império luso-brasileiro, o
de [18]21 por outros amoldados a seus intentos, sortindo des.sapolítica bas- carvalhismo fê-lo no âmbito do Império púramente brasílico., Quanto aos
tarda a anarquia em.Pernambuco, que produziu os tumultos acontecidos daí ,_1J!1i~~rios, foram_também_designadosppr imperiais ou_mofKadistas,_isto é,
por diante até 1824". • partidários do morgado do Cabo, Francisco Pais Barreto. A junta de Gervásio
A outra premissa é a de que tampouco se pode entender a Independência Pires Ferreira e o governo de Manuel de Carvalho Pais de-Andrade corres-
na província sem referência à tradição colonial, que, graças à experiência da pÕilderam-ã?_ controle. do y~deurovincialpcl~~--f~d~;t~~-:-~a-;~~;~
guerra holandesa, gerara uma noção contratualista das relações entre a capi- ,apeados do poder
L ·-· ...... _... _ ............
de setembro de 1822__ .....
-· .... -- ..... __.. ___._.... ._.......... --
a dezembro
,-..... ,
de 1823,
·-·--·-----
eles exerceram
..-- .. - .... - ------ -··· •

tania e a Coroa portuguesa. Enquanto entre ElRei e os demais colonos pre- rJ:1fluê~c:~~-c:?r_i~i5!e!áy_els!>bre_~
j_t111.~.1~~-1:1~!t1tos~.
a~~e_s_d_e
_r~_~p_e_r:~1:1_e_5,1t~=---
valeceria uma sujeiçãq l)atural, ospernambucartos. manteriam com a monar- cularem sua queda. O autor adverte que, à maneira d.o seu livro intitulado O
quia um vínculo consens~, ao se haverem libertado dos Países Baixos mer,,- , norteagrárioe o Império, 1871-1889, também nesta obra empregaram-se os

20 21
A OUTRA lNDEPEND~NC!A

termos canônicos da velha geografia brasileira, o Norte, ou províncias do


Norte, que incluíam até a Bahia, e o Sul ou províncias do Sul, que começa-
vam no Espírito Santo.
_ A pesquisa do autor em torno do período 1821-1824 em Per~ucq Abreviaturas
começou há cerca de vinte anos,quando Cícero Dias, que então pintava os
painéis sobre frei Caneca para a Casa de Cultura do Recife, presenteou-o com ....
o microfilme da correspondência dos cônsules franceses na província, existen-
tes no arquivo do Quai d'Orsay em Paris., D. Francina Fonseca dos Santos
permitiu-lhe consultar a coleção de jornais pernambucanos do tempo da In-
dependência que pertenceram à sua ilustre família. Há que registrar também
a dívida para: com Alberto da Costa e Silva e Max Justo Guedes, pelas indi-
ABN: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
cações bibliográficas atinentes ao tráfico negreiro e à história naval; Alvaro da
ACI: Arquivo da Casa Imperial, Petrópolis.
Costa Franco, no Centro de História e Documentação Diplomática, da Fun-
dação Alexandre de Gusmão; Reinaldo Carneiro Leão e Marcos Galindo, no AJM: Antônio Joaquim de Mello B' ,!::- J_ r , · · ·
ue uervasto Pires Ferreira, Recife, 1895.
' iogrt1;,,,,,.
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano e na Biblio- ANRJ: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. •
teca Pública do Recife; e Rodrigo Elias,-no Arquivo Histórico Nacional. O Apensos:Antônio Joaquim de Mello, Apensos à biografia de GervdsioPires Ferreirf' R .. _
autor agradece também a Cide Piquet, que reviu o texto com a competência fe, 1895. • .., eci
e o rigor de sempre.
ARCO: Arquivo Cochrane, Serviço de Documentação da Marinha, Rio de Janeiro.
Atas: Atas do ConselhotÚJGoverno de Pernambuco, 2 vols., Recife, 1997.
BNRJ: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
CWM: "Correspondência do barão Wensel de Mareschal", RIHGB.
CCF: "Correspondanceconsulaire, Pernambouc , 1820-1824".~~m~~
M' • é· d N ó ·
& trangeiros, Paris.
CCF-RJ: ."Correspondance consulaire, Rio de Janeiro , 1822- 1823", M"1n1stno
· é· dos N e-
góc10sEstrangeiros, Paris. •

.
CCNA· "Despatch f
• .
u ·d s
es rom mte tates Consuls in Pernambuco, 1817-1836", The
Nauonal Archives, Washington, D.e
DH: Documentos históricosda Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
FC: FreiJoaquim tÚJAmor Divino Caneca, São Paulo, 2001.
Folhas esparsas(redigidas pelo Pedro Alexandrino de Barros Cavalcanti de Lacerda, filho
de Barros Falcão), IAHGP, A, 14.
IAHGP: Instituto Arqueológico• Histórico e Geog-'r-.
[aiJCop ernam·bucano.
IHGB: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

22
23
A OUTRA lNDEPENDtNCIA r
1.
ItinerdriocronoMgico:
"Itinerário cronológico da revolução de 1824", IAHGP, A, 14.
LRGP: "Livro de registro dos ofícios do governo provisório de Pernambuco", IAHGP.
Dezessete
Manning: W. R Manning (ed.), Diplomaticcorrespóndence
of the UnitedStatesconceming
the IndependenceofLatin American nations,2 vols., Nova York, 1925.
Memória:Bernardo José da Gama, "Memória sobre as principais causas p<!r.quedeve 0
Rio de Janeiro conservar a união com Pernambuco", Rio de Janeiro, 1823.
PAN: "Publicações do Arquivo Nacional", Rio de Janeiro.
Peças:"Peças oficiais relativas às revoluções de Pernambuco, 1817-1824", Biblioteca
Pública do Recife. (Coleção de impressos do período 1817 a 1824, reunidos por
Antônio Joaquim de Mello e catalogados por Alfredo de Carvalho em RIAP, xii
O início do movimento da Independência em Pernambuco é costu-
[1904], pp. 614-40. A numeração adotada ora corresponde aos documentos, ora
meiramente datado da "conspiração dos Suassunas" (1801), que resultou na
prisão de Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, o coronel Suassuna,
às páginas.)
senhor do engenho homônimo, e de um dos irmãos, suspeitos de tramarem
RJAP: Revistado InstitutoArqueoMgico,
Históricoe GeogrdficoPernambucano.
-0 estabelecimento.de regime republicano na capitania. Segundo cronista coe-
RJHGB: Revistado Instituto HístÍ>rico
e GeogrdficoBrasileiro. vo, "o público jamais penetrou os esconderijos deste mistério, porque molas
reais e secretas fizeram correr sobre ele cortinas impenetráveis", mercê de certo
frade por cujas "religiosas mãos" correram "rios de dinheiro", "tirando-se por
fruto serem os acusados restituídos à liberdade, à posse de seus bens seqües-
trados, à estima e prêmios do soberano". Outro irmão, José Francisco, teria
sido o agente da conjura na Europa, a fim de obter o apoio de Bonaparte,
graças às conexões maçônicas de que dispunha em Paris, como sugere o fato •
de que será nomeado representante do Grande Oriente de França junto ao
Grande Oriente lusitano, tornando-se um dos negociadores do convênio de
• cooperação entre ambos. 1

J. Dias Martins, Os ~rtires pernambucaiws,Recife, 1853, p. 112; A. H. de Oliveira Mar-


1

ques, Históriada maçonariaem Portugal,i, Dasorigensao triunfo,Lisboa, 1990, pp. 82, 429. Fran-
cisco de Paula será nomeado capitão-mor de Olinda e o próprio José Francisco, mercê das suas
proteções maçônicas, governador do Rio Grande do Norte, de São Miguel (Açores) e de Moçam-
bique. Koster conheceu-o em Natal em 1810 quando José Francisco lhe declarou que o episódio •
de 1801 não passara de fuisadenúncia apresentada por inimigo da família:Henry Koster, Traveis
in Brazi.4Londres, 1816, p. 70. Um reexame do assunto em Guilherme Pereira das Neves, "A su-
posta conspiração de 1801 em Pernambuco: idéias ilustradas ou conflitos tradicionais?~, Revista
Portuguesade História,33, PP'· 439 ss.

25
24
A OUTl\A iNDEPENDtNCIA DEZESSETE

Portugal achava-se acuado pela aliança franco-espanhola, que levará na- Trajetória que, no Brasil, foi frustrada pela vinda da família real. Como assi-
quele mesmo ano de 1801 à "guerra das laranjas", mas não está claro se a nalou Francisco de Sierra y Marisca!, autor em 1823 de um plano de recon-
coadjuvação francesa fora mero objeto de cogitação, ou se, como se alegará quista do Brasil por Portugal, a transferência da Coroa evitara uma "revolu-
na época, o Primeiro Cônsul chegou a envolver-se na intriga, da qual só de- ção projetada", que "teria corri1o parelha com a da América espanhola". Se
sistiria com a assinatura da paz de Badajoz, que pôs fim ao conflito na Penín- malgrado os erros governamentais, corno a ocupação da Banda Oriental, o
Entre 1796 e 1800, nada me~o.s,qe sete projetos _h-:~~m sido
s1Jl<1._lbérica. ._regi!Ile juanino pôde manter-se por treze anos, devera-se a que "no Rio de
apresentados ao governo· francês visando ~tacar o Brasil a fim de arruinar o Janeiro se tinham acumulado as riquezas do Império pc:frtú.güêse eslaSlliF
comércio inglês, inclusive o projeto Wúlaumez (1799), que tinha em mira aco- , davam mefos; ainda que sempre escassos, pára castigar qualquer conspiração
meter Pernambuco. Como os conjurados baianos de 1798, os Suassunas acre- -dasprovíncias". O aesfeclio não passou despercebído êm Pérnafubuco, ôridê
ditavam poder contar com ajuda da França, pois.face ao obstáculo da aliança muitos pensavam corno Afonso de Albuquerque Melo, ao escrever, ainda em
anglo-portuguesa, ela sempre parecera aos conspiradores da terra seu óbvio meados do século XIX, que "foi ter pisado nesta terra a maldita Corte de
protetor internacional. 2 É provável, aliás, que o pl;ino visasse sobretudo a Portugal e ter-nos deixado um Príncipe, a causa de tudo", isto é, da adoção
precatar-se da ocupação inglesa, no caso em que a invasão do Reino impe- do Império unitário. 4
disse o Príncipe Regente de atravessaf o Atlântico, como o próprio Suassuna ~nstalação no Rio, proclamando a
__:!p;:µ:t::fü()_4e,~!<l:~?2~1'1:ugt1ê~
4_o
teria declarado ao delator da cabala.3 Na eventualidade.de Portugal baquear intenção de fundar um grande Império luso-brasileiro que recuperasse a po-
frente à Espanha e à França, a Inglaterra sentiria a tentação, como ocorrerá sição de Portugal no sistema de equilíbrio europeu,~ 4e!;!;,~zyp~men!einfl~~S?-
pouco depois na Cidade do Cabo e em Buenos Aires, de intervir militarmente -"'~~~~<;.~I:ª~~<!.~ª ~~:i~ e~esa. Até então, frente à guerra
nas capitanias do Norte, que se haviam tornado importantes fornecedores de eüiopéiã e seu previsível impacto sobre a estabilidade do trono, as províncias
algodão à sua indústria têxtil. _do Norte tinham a escolha entre a Independência separada, p;ci~a~dm:e~t~"
É inegável que, na hipótese de o ]?ríncipe Regente cair em mãos inimi- sob forma regional, a que as predispunha a existência dó entreposto recifense;
gas, seja em 1801, seja em 1807, o que, nesta última ocasião, por pouco não ou a Independência associada ao Sul, perspectiva remota face ao descompasso
se verificou, a criação de um governo provisório da capitania se teria impos- entre as aspirações políticas numa e noutra área. A presença de D. João no
to naturalmente,não só a Pernam6uc:o cÕmo-aõErãsií,a mane!fa do que acon- ~ Rio constituiu a etapa inicial na eliminas:ão da e_rJ!!ieiraalternativ:~..:
ComO as-
teceráriaAmérica êsffannola·com aformâ:çãcrâe)uifüi.fliulônõmás, que,pa:ra: sinalou Roderick J. Barman, "a Coroa ficou muito mais capacitada a se imis-
fins de autod.ef~~ae em aa
nome monarquia, cujo titular: Carlos IV, fora cuir nos negócios provinciais", o que redundou na diminuição da autonomia
destronado por Napoleão, transformar-se-iam nos motores da emancipação. e da influência das elites locais.6 •
" ' .. - - - -

Por mais que, anteriormente a 1808, o Rio tivesse consolidado seu entre-
posto comercial no Sul do Brasil, foJa "imerioriza~o qa II1etróp()le"que lhe
2
Vd. a respeito Evaldo Cabral de Mello, A fronda ekJsmammbos:Nobrescontramascates.
Pernambuco,1666-1715, 2• ed., São Paulo, 2003, pp. 325-7.
3 DH, ex, pp. 20, 31, 62, 151, 156, 175; Maximiano Lopes Machado, notas a Francisco 4 ABN, 43-44, p. 59; Afonso de AlbuquerqueMelo, A liberdadeno Brasil.Seu nascimento,
Muniz Tavares,Históriada revolução de Pernambuco em 1817, 2• ed., Recife,1884, p. xxiii;Angelo
vida, mortee sepultura,2• ed., Recife, 1989, p. 39. A primeira edição é de 1864..
Pereira,D.joão Vl,príncipee rei.A Independênéia ekJBrasil,Lisboa, 1956, p. 277; Jeanine Potelet,
5. Vd. a respeitoMaria de LourdesViana Lyra,A utopiadopoderosoImpério,Rio de Janei-
(1796-1800)", Caravelle,.54,
"Projetsd'expéditiónseç d'atta,ques.surles côtes du l',1résH pp. 209-
2~; IstvánJancsó,NaBahia,c~ntrao Império.}f~ria. rl.(}, l!JW:io.dfsediçãode 1798, São Paulo, 1996, ro, 1994.
p. 148; Alfredode Carvalho,Aventuraseaventureirr,s no Br~il, Rio d~Janeiro, 1929, PP· 291-2. 6 RoderickJ. Barman, Brazil. Theforgingof a nation, 1798-1852, Stanford, 1988, p. 47.

26 27
DEZESSETE
A OUTRA lNDEPENDôNClA

permitiu acaudilhar a Independência, ao transferir-lhe o papel exercidopor __ l'-!ª sua condição de "parasito do Império português", o Rio atraiu "o
Lisboa, dotando-o de uma estrutura burocrática que, ao enraizar-se, promo- ódio de todas as provínci.ls". Ressentimento que foi.bi:;m_ggiJ>D!.9.
N~r:te, pois,
;erá a emànc1.eàçãosob foi:riiã rnônâiqúicie centralizadâ. Aprêsehça di Corçe como assinalaráArmitage, elas achavalT!--se "ainda sujeitas a uma pesad; quo-
acentuoU:-aintegração do Sul, deflagrada pela mineração no século XVIII, e ta de encargos, ao mesmo temp,o que comparativamente com a capital_~olhJ~
reforçou a diferenciação de interesses entre o comércio vinculado a Lisboa e ..muito menos vant~ens do que a esta derivava com a chegada da família real": ·
.... ao .Porto e os nego<:;t<!-~tesfluminenses, muitos deles convertidos à grande Daíque as reivíndiai.ções políticas fossem ali màis amp1~,
tendendo'''.à ado-
lavoura, ao passo que os investimentos públicos e-privados estimularam gru- ção de instituições-representativas", como provara o fato de que, sufi~iente
pos comprometidos com a preservação do novo statu imperial do Rio.7 Se do para contentar o Sul, a elevação do Brasil a Reino em 1815 não obstara a
ponto de vista mercantil o Rio se alimentava "fundamentalmente do próprio Revolução de 1817. 1º •
Sul-Sudeste, estando praticamente ausentes de sua esfera o Nordeste e o N or-. Tal descompasso de aspirações políticas originou a assimetria regional
te", 8 na vertente fiscal, em particular, sua condição de "metrópole interio- do processo de emancipação. Para Maria Gr,_aham,ao passo que "as capitanias
rizada'Leer~t~~u~lhedesfrutar, nas relações com as províndàs, das vantagens do Sul" eram "fortemente monárquicas e muito dedicadas à causa de D. Pe-
e do sistema colo~i~: ó cit;d~ Si~rra yMãr-iscafaceni:úâvà.quê· --• - dro", as províncias que haviam "estado sob o ~vemo holandêsJ ..]tinham
--~~~imentos decididamente republica~~s, reforçados sem dúvida pelo cons-
a passagem de Sua Majestade Fidelíssima para o Brasil fez da Corte do Rio tante intercâmbio com os Estados Uniq.Ós", cujos cônsules atuavam como
de Janeiro o receptáculo de todas as riquezas do Império português. Os pre- - "verdadeiros agentes políticos, inculcando aos Estados da América recém-
tendentes [a cargos públicos e a favores régios] para lá levaram somas consi- emancipados os seus próprios Estados como os modelos mais convenientes
. deriveis. Os generais das províncias de retorno de seus governos lá gasm- para todos os novos governos". Observará com razão Caio Prado Júnior que,
ram_quanto tinham adquirido neles. Nas causas de foro que lá iam por ape- enquanto o "partido brasileiro" no Sul, "gozando de todas asprerrogativas e
lação lá gastavam somas incríveis. O erário régio de Portugal sofria saques privilégios, não poderá ver com simpatia uma revolução democrática [a por-
avultadissimos. As provindas do Brasil sofriam, umas saques de 400 con- tuguesa de 1820] e reagirá contra ela, o Nordeste, pelo contrário, encontrará
tos, outras mais e outras menos. Os viajantes das diversas nações, os minis- nela a oportunidade de sua libertação [...] A diferença é profunda, e isto ex-
tros das Cortes estrangeiras e os emigrados de diversos pontos da América plica por que foi tão mais difícil apartar o Norte da influência das Cortes saí-
espanhola lá gastaram somas muito fortes. Os saques feitos sobre as diver- das da revolução" . 1I
sas provinçías do Império [puseram] em movimento a um grau sumo o co- Não podendo a Coroa, refém do tratado de comércio com a Inglaterra,
méiio daquela Corte. O comércio do rio da Prata para lá encaminhou seu aumentar os impostos de importação, onerou-se a produção do açúcar e do
giro, conduzido pela concorrência e emigração dos espanhóis europeus oca- algodão._,Asvésperas do movimento de 1817, a carga fiscalde Pernambuco
9
sionada pelas dissensões civis das províncias da América meridional.
.~°-?1:P~nha-s~-<l.~_9t1atrocategorias: os impostos devidos a El Rei por toda a
colônia; as contribuições criadas para custear a guerra holandesa; as antigas
taxas donatariais que continuaram a ser cobradas mesmo após a transforma-
7 Maria Odila SilvaDias, "A interiorizaçãoda metrópole, 1808-1853"; Carlos Guilherme
Mota, 1822:Dimensões,São Paulo, 1972, pp. 164, 171-3.
10 João Armitage, Históriado Brasi4São Paulo, 1972, p: l O.
8 João Luís Fragoso,Homms degrossaaventura.Acumulàçãoe hierarquia114praçamercantil
11 PAN, 7, p. 127; Caio Prado Júnior, EvoluçãopollticadoBrasile outrosestudos,8ªed., São
dó Rio deJaneiro,1790-1830,2ª ed., Rio de Janeiro, 1998, p . .103. ,
Paulo, 1972, pp. 185-6.
9 ABN,43--44, p.60.

29
28
A OUTRA INDEPENDWCIA DEZESSETE

ção da capitania donatarial em capitania real, à raiz da restauração do domí- da família real, a circulação só constava de papel-moeda e de moeda de co-
nio lusitano; e, por fim, os tributos exigidos a partir da instalação da Corte bre, pois, "sem meios, com um séquito numeroso da nobreza e do clero des-
no Rio, como a contribuição anual de 40 mil cruzados para a reconstrução tituídos de rendimentos, todos tendo seus protegidos e todos determinados
de Portugal, o imposto sobre o algodão, equivalente a 10% do seu valor, gra- a viver às custas da antiga colôqia", a Corte recorrera, primeiro, à deprecia-
vando-o duplamente de vez que ele já pagava o dízimo, e a imposição desti- ção da moeda de prata, e posteriormente à emissão das notas do Banco do
nada à iluminação pública do Rio, que se tornou o símbolo da expoliaçãofiscal Brasil e-de moedas de cobr~,·qu-eprejudicaram P.ettiambuco sensivelmente,
aos olhos da gente da terra, e à manutenção da Junta do Comércio ali erigida.12 consoante observador inglês:
Em 1816, ano-pico em que o preço do algodão disparara mercê da re-
cente guerra anglo-americana e do fim do bloqueio continental, a receita de A Corte do Rio tinha freqüentes e prementes necessidades de dinhei-
Pernambuco alcançou 1.105.000 contos. Pagas as despesas locais com a ad- ro. Nos seus embaraços, o Tesouro sacava antecipadamente sobre os erários

~Jf :2!~~~:~:;~~~~~-l~~~o:·~:~!:z:2,:~~~~~à~i~~:~t;o:
Hipólito José l.iC~sta. Na realidade,_~ carga fiscal era ainda maior; de vez
das províncias do Norte, sem levar em conta se eles podiam p·agar esses sa-
ques. Os governadores tinham, contudo, ordens estritas para honrá-los.
Aconteceu mesmo que, em certa ocasião os presidentes da província e do

ue os investimentos públicos imprescindíveis, que deviam correr por conta erário de Pernambuc~, não sabendo com que meios atender estes saques,
convocou-se .uma reunião de comerciantes [... ] em que se tomou a decisão
do Erário régio, como a conservação o ancoradouro, tinham_de ser banc:.t-
fatal de recolher toda a moeda de cobre em circulação na província, de modo
dos por donativos, sem que nem sempre as obras fossem realizadas. Autor
a reemiti-la pelo dobro do seu valor. Este procedimento vergonhoso pro-
anônimo alude a que, "de todos os erários, era o de Pernambuco qúe menos
duziu a soma indispensável a cobrir as necessidades do momento, mas que
tinha para descansar; os saques e re-saques da Corte e de outros erários [pro-
aconteceu depois? Em menos de seis meses, a maior parte do cobre existen-
vinciais] eram quase quotidiano~". Nem mesmo o estado da provínc~a ::i.pós~:
te no Brasil apareceu em Pernambuco, devidamente recunhado no dobro
, revolução republicana induziu a Corte a atenuar as exigências financeiras. Em
do seu valor [... ] A moeda de cobre tornou-se assim superabundante em
1818, o Tesouro provincial esteve a ponto de "não poder satisfazer os saques
•Pernambuco, de onde já não voltou aos lugares de origem. 14
extraordinários que não cessam de o esgotar", segundo reclamação do gover-
nador Luís do Rego Barreto. 13 O ressentimento com a voracidade fiscal do _.f\.Corte explorava impiedosamente a prosperidade inédita que a gran-
Rio se exprimirá principalmente nas reivindicações federalistas do período de lavo tira e o comércio perriariibücãii:õs·êônhécêrãrri"'fios"'úftimõsãiiõsctõ ···•
1817-1824. r...~éculoXVIII e piíiriêiros· dó"XIX;graças ào surto algôdoêfroqúrarraiú' ao.
Achegada dos Bra:ganças,a província tinha abundância de ouro e prata Recife o·alúvião dênavios-êsi:rangdros a que se referia o àutor anônimo da
decorrente de ~ltosos saldos comerciais, mas em 1821, quando da partida "Idéia geral de Pernambuco em 1817".
A fortuna do Recife devera~sea uma sucessão de circunstâncias favorá~
12 RIAP, 29-30 (1883), pp. 58 ss.; Koster, Traveis,pp.54-5; F. Muniz Tavares, História da
--~eis.:põ_.poiúô ãé vistâ.admfoísrràrívõ·;-põr-inãísquê·acôioâ-s·ê"i:tiie:~àfoiii ..,_..
revoluçãode Pernambuco em 1817, 4• ed., Recife, 1969, p. 112. Vd. Maria de LourdesViana Lyra, . em centralizar a gestão da América portuguesa, ela nada podia contra as rea-
"Centralisation, systeme fiscal et autonomie provinciale dans l'Empire brésilien: la province de lidades físicas que tornavam as antigas· capitanias de cimâ: mâis-faêilrneíi.tê-·-··
Pernambuco, 1808-1835", tese à Universidadede Paris X- Nanterre, Paris, 1985.
13 RIAP, 29-30 (1883), pp. 66-9; L.-F. de Tollenare, Notes dominicales, 3 vols., Paris, 1971-
1973, i,, pp. 453-4 e 464; Correio Brasilieme, 18; p. 470; F: A Pereira da Costa, Anais pernam- 14
J. J. Srurz, A review, financia~ statistical & commetcia~ of the Empire of Btazil and its
bucanos,2• ed., 10 vols., Recife, 1983-1987, viii, p. 17. resources,Londres, 1837, pp. 2-8.

30 31
T
1

1
DEZESSETE

A OUTRA 1NDEPEND8NC!A
j

~~rc_a_fltil~-~<:ci_f<:~
21e se prolongará até a República Velha e mesmo de-
/ governadas e socorridas de Pernam6-uco do que da Bahia ou do Rio. A r~gião ----R:2!.S.'.J:.m
1826,, o cônsul francês, ao assinalar que "o comércio diretodesta
- costeira do Ceará ao São Francisco fora conquistada e povoada a parttr de c~da~e [da ~ara1ba] com o estrangeiro só começou a adquirir alguma impo _
Pernambuco, dali gerida ao longo do período holandês e depois de restaura- tanc1a de oito anos pa~a cá~, ii:iformavasó existirem ali cinco casas inglesasre
da a suserania portuguesa.jloi cedendo a tais condições 9,ue El Rei estende~ uma fr~cesa, das quais tres eram sucursais de casas inglesas do Recife, que
a competência dos govern~ores-âel 5eí:nainbüco ao Ceará, ~o Rio Grande do Ih~~.emqavam fundos p;lra.a .compra de algodã0 .16
·Norte, à.Paraíba e a Itamaracá, que passaram a: ~nstituir as chamadas "capi- O p~p~ld~ Pe:narn~uco na geração de superávits comerciais no Império
tanias anexas", integradas, no decorrer do século.XVIII, à "capitania geral de luso~brastle1roJá_f;1.suficientemente posto em destaque. Enquanto O Rio de
Pernambuco". Na m~s!lla dlre~()_:~J~_()__fl!_~Vll_~_C.t,i~ção
do bispado de Olin1a Janeuo era defic1tano no seu comércio com Portugal, 0 Recife e São Luís e,
(1676.), cuja jurisdição recobriu o território que, grossomodo, correspondera em_menor escala, Salvador produziam saldos que, para preocupação das au-
~~t~~r; ao Brasil holandês. tor_idadesda metrópole antes de 1808, davàm lugar a remessas monetárias do
Comercialmente, o entreposto recifense,esboçado sob o domínio batavo, Rem~ da ordem de 5 milhões de contos anuais. Em ano excepcionalmente
con;;Úd;ra-se, Jla segm1cl.~ metade de Seiscentos, gra~ ao sistelll:;tde frorêé favoravel
d como 1816, o saldo da praça chegou a 6 ·750 •000 contos, descon-
por motivos de seguran?1,_~~lejavam~
--anuais entre i>ortugal~-o.,l;?_r~sl!c,gue, ta os os gasto~ com importação de africanos (que atingiu, de 1816 a 1820,
-comboio, tocando no Recife, saivador e Rio de Janeiro. Talsisten1a ~que!? seu pont~ ~ais alto no século XIX), e de carne-seca do Rio _Grandedo Sul,
· a cabotagem ativa que ligou. o Recife aos núcleos populacion~is_~~- ~~ri~ha; _ ~ue constttutam, após os gêneros trazidos do Reino, as principais rubricas das
. e quando abolido, em meados do-sécufoXVIll, os·prívileg1os3a praça per- importações.17
- manecerarh intocados. A efêmera Companhia de Comércio de Pernambuco:· Ainda em 18~,2,malgrado a instabilidade política, a província dis unha
e Paraíba preservou-os. Acossado peiaconcoirência de Sãlvador, com quem do saldo d~ 941 mil contos, r~ultar}~ .?_q_~rt:t!,ldo
4~s_V_<!Il:cl~.s-~~ ln-
teve depaú1lhãr, ern-sfoíação desvantajosa, o comércio dos "sertões de den- . glaterra _ea F!~~Ç~-A maior parte destes gastos compensava o desequilíb~i~
" dr:" d"
tro", o Recife compensou-se, a noroeste, nos sertões e rora , que po enam das c~ntas com ~gola e com o restante do Brasil, de vez que as relações com
ser alcançados a menor etisto através dos "portos do sertão", como eram de- ª ~ah~a, com o Rio de Janeiro e com o Rio Grande do Sul também eram de-
signados os núcleos litorâneos a oeste da baía de Touros, tanto mais que, no fic1tár~as.A rentabilidade do algodão reduzirnap_r<>cl_l!~º_l_ocalde farinha de
terceiro quartel do século XVIII, a população das capitanias da Paraíba, Rio mandioca, aume_ntando o volume i[!!pQ~:!-ª.d.QA_.tqudas províncias, sem
Grande do Norte e Ceará era três vezes maior que a da área pernambucana
15
•em _que'.corr:-o aniquilamento da produção de--~iie dê;c;;ri,que suprira a
além-Borborema, inclusive a comarca do São Francisco. ca~1tama ate os a~o~ setenta do século XVIII, passara-se a_iinportar charque
Àqueles núcleos, podiam-se aplicar, com maior razão, as palavras que ~aucho. N,o comercio com o Brasil, P_ernambucotinha saldo negativo de 394
acerca da Paraíba escrevia um governador do século XVIII, segundo o qual
"os negociantes por quem corre o trato da capitania são poucos e pobres, meros
feitores dos comerciantes de Pernambuco"; O Ceará, o Rio Grande e a Par~.t
16 Irineu Ferreira Pinto, Datase notaspara a hist6riada Paraíba,2 vols. Paraíba 1908 •1
só foram autorizadas a manter relações comerciais diretas com a :metrópole
207; CCF, 24.x.1826. ' ' ' ' P·
. ao ganharem autonomia nos ftn.ãís âeSetecentO!l, c~~?S ~e Oitoc~~t:O!;õ
V '.7 José Jobson de A Arruda, O Brasilno comérciocolonial,São Paulo, 1980, pp. 209-11;
~-p~rém, não lhes_p~-r~itiu libertar-se imediatamente da intermediação
al~ntirn Alexandre,. Os sentidosdo Império.Questãonacionale questãocolonialna criseda Antigo
Regtme
. português,
. Lisboa, 1993, p. 66; Marcus J · M· Carvalho, Liberdade.
. Ro,;
.,nas e rupturasdo
escravtsmo,Recife,1822-1850, Recife,2001, p. 126.
15 ABN, 40, pp. 1 ss.

33
32
A OUTRA lNDEPENOl!NClA
r DEZESSETE

mil con_ç9.s,óque ainda lhe deixava oexcedente de 548 mil contos, boa_I,arte zido raízes mais profundas entre a população" .20 Aguçando-se a percepção de
'aõ"qu;í_enviâdâaoRio, a títulõ-"dettansfefênciãde r~~~;~ospúblicos. Em~ um domínio colonial que se tornara desde 1808 mais próximo e mais sufo-
·ãesÍ:;~ saldos, ~ão·p;di~~Ômpreéfú::lefõautor da "Idéia geral" quê."os bas- cante, o ressentimento nativista concluiu que Lisboa já não estava em Lisboa,
tardos e detestáveis pedreiros pernambucanos" se tivessem deixado "alucinar mas no Rio. •
com promessas de amelhorações republicanas" e concebido "a esperança de .Emm.arço de 1821, quando o conflitopolítico no Rio, como assinalou
d~sencaminhar um pov9 agrí~ola, forte, opulento, satisfeito com as suas pre- Sérgio Buarque de H~lan~; ';J~&-iião ~tr~pc~T~aa querêfi"entrêab·;~lutistas
sente; vantagens, unica~~nte suspirando po; n~;~s braços africanos com que em Pernârnbúco. ?.__gõv~rnâdõ í:Luís do Rêgõ áfri büíá
__e~li!::~~~~~J'?.r_t11~11e~.es~
pudesse aumentar a sua opulência". 18 a "inquietação públi~" ao desejo generalizad~ d~ ~Üdança, adüiTnêlõ:·"aqui
!-:olong?_clC>_p~ríodoj~~!-~'?•_ iniciais
o_ralo as expec_~':.tivas
f?rru.1!_Par3.: falava na'coõsi:1i~içiíô.ecôrtes·de Porr;,igãi; acoH, na iôdepenciêrtda âb~
Jle reforma p~!ffi<:ae_institucional. Silvestre Pinheiro Ferreira reconhecia em ~1?.!11:a..d?. oút:ro damava COI11
"13/~sil; a constitÜiªo-polít1ca"dõs.Estad;s--ãmê-- •
1822 que "o Brasil elevado à categoria de Reino [...], nada mais se fez do que <- ricanos". Esta gama de reivindicações, mais ampla que a da Corte, ~i-.Cpro-••

esta simples declaração; e em vez, de se regular a pública administração do .dÜto d~ 1levo1Üçãode 1817, sem.referência "à qual, ~Ômo aceii-cií;u Dênls
Brasil nesta conformidade, tudo continuou como dantes; e as províncias con- •Ber~ã;Jês, a.·história.põfíúêada p(ovíncia torna-se inint~ligív~l até à revolta
21 Ao inidar-se o movimep.ro-dâÍndependência, Per-
tinuaram a ser governadas pelo arbítrio de governadores tão arbitrários e ab- praieira (1848-1849).
solutos como dantes". Era a mesma justificação que dera para a Revolução de _t1ambucoe suas vizinhâs. do Norte constitllía.ni a ífo.iêã rêgíãó-aãcõlôô1â-â
1817 o agente enviado pelo governo republicano aos Estados Unidos. Segun- . haver ensaiado 9ma e~periêncj~ de .:1.ut9g0Yerno 1. ap ÇOI!tr~rio
do Sü[, que ·só
do escrevia Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, ao secretário de Estado, havia conhecido inconfidências esmagadas no ovo. Aquela altura, o padre
a vinda de D. João para o Brasil Lopes Gama avaliava o legado de Dezessete:

persuadiu a uma parte dos seus habitantes que um príncipe acossado da des- A revolução de 1817 é uma daquelas épocas memoráveis, que aos olhos
graça tomaria dela a lição que tão fácil se lhe fazia e que adotaria um me- do pensador imparcial serve de explicar os fenômenos políticos que têm apa-
lhor e ~ais moderado sistema de governo e uma administração liberal, que . recido nesta formosa e malfadada província. Um país, que ao sair dos sus-
pudesse assegurar-lhes os bens de que eram senhores e de que não gozavam tos de uma comoção geral, viu presos e cobertos de ferros os mais caros e
pelo sistema de despotismo que entre eles se praticava. Mas esta esperança distintos de seus cidadãos; que viu levar ao patíbulo seus sacerdotes, cujos
só existiu por mui pequeno espaço de tempo, e isto mesmo só entre os que corpos decapitados eram depois arrastados a caudas de cavalo; que viu suas
men~s instrução possuíam do sumo grau de corrupção a que tinha chegado famílias dispersas e foragidas mendigar o susten'to, expostas a todos os rigo-
aquele governo. 19 • res da adversidade; um povo no meio do qual se levantou o horrendo tribu-
nal de Minos, isto é, uma alçada que abriu campo à delação, à vingança, à
Como ressaltará Armitage, em Pernambuco "a causa da Independên-
cia não havia [...] recebido o cunho de ficção" por lhe faltar "a presença de
uma Corte extravagarite e aparatosa; e por este mesmo motivo tinha produ-
2º Armirage, Históriadu Brasi4p. 79.
21 RIAP, 52 (1979), p. 192; Sérgio Buarque de Holanda, "A herança colonial- sua desa-
1~ C. daprovínciade Pernambuco,
F. Lumachi de Melo, Resumoda.importaçãoe exportação gregação», Históriageralda civilizaçãobrasileira,O Brasilmonárquico,i, São Paulo, 1962, p. 13;
Recífç,,1823; RlAP,29-30 (1883), p. 69. Denis Antônio de Mt:ndonça Bernardes, "O patriotismo constitucional; Pernambuco, 1820-1822",
19 RIHGB, 51, p. 372; DH, cix, p. 263. tese à Universidade de São Paulo, 2001, p. 192.

34 35
A OUTRA IND!!.PENDtNCIA
l DEZESSETE

Que a maçonaria pernambucana recebesse seu impulso de Londres, não


intriga; um povo enfim de acusadores e acusados devia guardar um fermento
de inimizades e discórdias, sobejo a empecer todos os passos da-sua regene- de Lisboa~é êssené1a:r
para. compreender-Dezessete. Os
pedreiros~fivres"lwJ-
ração política. 22 . tan~;ha~iam caído ;~b a infl.uênci~d~s-frwc-;;;~s,"'embora sua instituição ti-
----y~ssesíêlo~iíação êiõsingleses, que, contudo, se haviam cindido ~m l~jas ri-
Revolta anticolonial, Dezessete foi também uma ins~~o ~~~~ vais, devido a questões de ritual, só se reunificando em 1813. É provável, por
p_ouao controle da ~ç~na,ria_p~riti.~~-,i~~tfti.~T;~~e. :Havendo sobrevivi:_ conseguinte, 9ue a missão de Domingos José Martins a.Pérnambuco tivoise-
•do: apl,s·a ocupação francesa do Reino, à perseguição da Regência deixada por v~ado precis~ente fomentar altemativa brasileira à conexão franco-luso-flu- ,
, D. João, a Grande Loja Portuguesa ou Grande Oriente Maçônico, c?n.:pos- :mr~e;;~e; de~idO 1ncl~sive ao propósito dos·~~çons p~r~ugu~ses d~-Üquida-
ta majoritariamente de elementos da nobrei.a, das forç~ armadas e do clero, rem a posição p.rlvl.legiãdada"l.ríglaterra no comêrcío luso-brasileiro,...A tal
recuperara-se a partir de 1813 na esteira do regresso das tropas lusitanas que _dissensão poderia estar ligado o rompimento de Martins e do padre JÕão Ri~
haviam lutado sob Wellington, fundando-se novas lojas e reorganizando-se beiro ~orn o tenente-coroneCAlexand.i-e"tomás-de Aquino Siqudra, ajudan-
a entidade de cúpula._Àreestruturação em Portugal, seguiu-se a do Rio, cujas te-de-ordens do governador Caetano Pinto, rompímento que Antônlõ Carlos
lojas, fechadas em 1806 no governo do conde dos Arcos, reabriram após a atribuiu a "algumas das misérias do espírito de bairro'\_mas que levou o ofi-
chegada do Príncipe Regente, graças à tolerância e à cumplicidade de altos fun- cial, provavelmente maçom monárquico-constitucional: a denunciar a existên-
cionário~ do regime, como. Ô. Rodrigo de Sousa Coutinho, que, como vá- ,' cia.deproJêró repül:ificano.•Aeste respeito, Gláucio Veiga chamou a atenção
rios outros, era tido e havido na conta de pedreiro-livre ou, ao menos, de sim- para a conduta de Caetano Pinto, conhecido por suas inclinações iluministas,
patizante. S::riou::seentão o G~ande Oriente Brasileiro~9.ue teve futuro um o qual mantendo-se imperturbável diante das advertências acerca da conspi-
protagonista de Dezessete, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, como seu ração em marcha, só se resolveu a agir quando certificado pelo oficial de que
primeiro grão-mestre. , ela tomara cariz antimonárquico. 24
Ao invés da maçonaria fluminense, a pernambucana fugira da tutela do ~A.maçonaria p()rtug;uesa_não alimentava veleidades republicanas mas
Gr~de Oriente Lusitano. Seu aparecimento datava dos primeiros anos do _ monárquic2_::c:on~tituciorn:tls. Nos quadros do Grande órleni:e Lúsíi:ano,pre-
século, sob o estín{ulo do naturalista Manuel Arruda da Câmara e do seu dis- ponderavam a oficialidade e o clero, ao passo que a participação do comér-
cípulo, o padre João Ribeiro. A partir de 1813, ela fora reativada não de Lis- cio, dá magistratura, do funcionalismo público e das profissões liberais não
boa ou do Rio, mas de Londres, por Domingos José Martins, emissário de superava 30%. Mesmo durante a ocupação francesa, ela continuara fiel aos
pedreiros-livres ingleses. Desde então, as lojas pernambucanas haviam-setor- Braganças, embora se tívesse tornado receptiva à discussão sobre a legitimi-
nado exclusivamente brasileiras, excluindo portugueses, os quais por isso mes- dade e a representatividade do poder,_Acuada pelo fim do monopólio colo-
mo fizeram seu inferno à parte. Martins e amigos trataram de conquistar o nial, a burguesia do Reino convertia-se à idéia de constitucionalizar a monar-
clero secular e a oficialidade, empresa tanto mais fácil quanto essas categorias quia a fim de defender sua posição face ao predomíni~ brltânico e à indife-
já se compunham majoritariamente de naturais da terra, predispostos a atua- - rença da Corte do Rio pelas dificuldades domésticas de Portugal. A conjura
• • • • 23 de Gomes Freire de Andrade, abortada em maio de 1817, não ~~gitou de re-
rem como ponta-de-lança de um proJeto emanapactomsta.
pública, hesitando apenas entre manter D. João VI no trono ou substituí-lo

22 ConciliatúirNacional,4.vü.1822.
24Oliveira Marques, Históriada maçonariaem Portugal,i, p. 109; RIHGB, 30, i, p. 143;
23 DH, dii, pp. l (}90 10; cv, pp. 234, 258; cvi, pp. 2()1-2;cvii, pp, 201-2, 234, 240, 258;
Gláucio Veiga, Históriadasidlias da Faculdadede Direitodo Recife,i, Recife, 1980, p. 196.
Dias Martins, Os mártires,p. 258.

36 37
A OUTRA fNDEPENDENCIA DEZESSETE

pelo duque de Cadaval.~ R.:::vohiçãodo Porto_ (_!~20), na sua e_s~ridênci_::_ preendida pela canalha". Havendo T ollenare sugerido ao padre João Ribeiro
antibritânica e antibrasileira, visará~Q~ ajg!Jma hesitação de menor imp-º!::..._ que publicasse uma gazeta para endoutriná-la, recebera a resposta sonsa: "Con-
" tância, à rege~e-;açãoda monarquia, como_a,C?PÇ~() de "menores cus_~()~P()l.í- vém deixá-los neste erro". O manifes~ ~ Íl:1-~!'.él.
rev()luciotiária, redigido pçlq ___
_
ticos", ao atender ~os"mais importantes interesses em : Como alegará um cpadre MigueJin~o, embora ..~~~~Ê-_s~~-l._11_11:ªreyolução,descria dQs "rnovimen:-..
• conseiheir~ d~~~~;~~. -~~-ali~nar a maçonaria portuguesa e fluminense, tos precipitados", querendo "uma república mas quando fossem dispostos os
Dezessete comprometeu sua sorte. 25 Os pedreiros-livres da Corte ta-\Ilbém defern;üa.mudança imediat;i d.~.regime, atribui~do a in-
.'...._é:l.~i!!Ê.l!..•.2i'~---~1~.não
aprenderam sua lição, redobrando esforços, a partir de 1821, no fim de l:ute- • surreíção ao ''e~pírito. di>·despottsmêt, ·que 1:ôlhêrauma empresa conciliató-
lar as lojas provinciais. ria que "não seria árdua". A organização do governo provisório devera-se a
A facilidade e rapidez da vitória em Dezessete impressionaram. os con- que "os patriotas", achando-se "sem chefe, nem governador", viram-se na
temporâneos. Antônio Carlos admirava-se do "sucesso assombroso'' graças
ao·---- necessidade de "precaver as desordens da anarquia'~-·Malgrado o gesto sim-
••qual "cinco ou seis homens destroem num instante um governo estabelecido . bólico de se consagrar nova bandeira, não se proclamou o regime a que corres-
e todas as autoridades se lhes sujeitam sem duvidar". Contudo, segundo Tolle- , pôi-idêría;Indefln1'çãõ.que,.ãliãs;seráexploiãda em fa.vor'dosréus, cujo advoga~
nare, "o povo não tomava parte alguma na insurreição", nem demonstrava ~-do assinalava com razão.que se elegera gõvernõ· sem.que3.pãrecesse documento
"nenhum entusiasmo, nenhum transporte". E lembrando-se das jornadas re- que declarasse sua natureza, "se era aristocrático ou democrático, e vitalício
volucionárias de Paris, exclamava: "Que diferença de ardor entre esta popu- ou temporário" .27
laça e a nossa!". Constatava o francês que "o povo [... ] tinha-se armado sem _,Maisdo que a república, a independência foi o verdadeirn motor de
saber para quê e podia facilmente ser dirigido contra os rebeldes", caso as au- a
Dezessete, e sob este aspecto ele também se incompatibilizou com aspiração
toridades régias se tivessem empenhado em controlar a situação. Na Paraíba, de constitucíonãl.izãrÕl~'6iãs.ITêírô:'mõ&servã30rés"estavam~ácor-
"a novidade arrastou mecanicamente, sem indício de oposição em toda a pro- d~=;êercâ·dãi;ãrdêular vírÍ.ilência d~~;tivismo pernambucano. José Carlos
víncia"; no Rio Grande, "o povo permanecia inerte espectador". O adesismo Mayrink da Silva Ferrão, secretário do governo de Caetano Pinto e da junta
da administração era geral, donde não ter havido substituições nos altos car- de Dezessete, "tendo visto alguma coisa da história de Pernambuco, sabia que
gos, sequer entre os comandos da milícia. Do interior, afluíam vereadores, pá- era este um pecado velho, comum a todo o Brasil, mas nesta capitania mais
rocos e oficiais da milícia para prestar obediência ao novo poder. 26 escandaloso". E frei Caneca, ao analisar o antagonismo entre "os portugue-
_D~mínou nos primeiros dias a ime~essã9 de que o movimento_não se_ ses indígenas de Pernambuco e os portugueses europeus nele estabelecidos",
fizer~Rci·;:~ si~ ~ontra seus agentes,_a s~~~ em breve substituí- antagonismo comum ao Novo Mundo, onde demonstrara sua eficácia na
dos-p-e1o1uõ-:Os-mem6ros·da junta pr~;Góri;só pronunciavam "a palavra emancip~ção dos Estados Unidos e ·da América espanhola, acentuava que
"' republica e~ voz baixa e só discorrem sobre a doutrina dos direitos do ho-
este mau humor se tem estendido, porventura, mais em Pernambuco do que
mem com os iniciados", o que equivalia à confissão de que "ela não seria com-,
em nenhum outro ponto do Brasil, pois deixando de parte coisas mais apar~
tadas de nós, o ano de 1710, das perturbações civis desta província data a
época do seu maior desenvolvimento; e desse tempo para cá, tem-se visto,
25 Oliveira Marques, Históriada maçonariaem Portuga4i, pp. 195-6, 288-9, 291; Graçae ·por vezes, aparecer e ocultar-se, bem como os fosfóricos pirilampos nas tre-
J.S. da SilvaDias, Osprimórdiosda maçonariaem Portuga4i, 2, Lisboa, 1980, pp. 510,654; Ale- vas da noite, até que por último se mostrou com toda ostentação e ufania
xandre, Ossentidosdo Império,pp. 392-410; Ângelo Pereira, D.joão VI, iii, PP· 310-5.
26 OH, i, p. 126,Tollenare,Notesdominicales, ii, pp. 548,550,592,610; Dias Martins, Os
m,Jrtires,pp. 5 e 51; Muniz Ta.vares,História,p. 83. TI Muniz Tavares,História,pp. 58-60; DH, cvi, p. 71.

38 39
A OUTRA lNDEPENDtNC!A DEZESSETE

em 1817, e ainda hoje vai minando e solapando, quanto pode, as bases da Silva Pedroso, o qual "quis atravessarcom a espada e mat~~José Luís de Men-
sociedade.28 donça, porque este fizera a moção de se estabelecer um reino constitucional
_emlugar de uma repúbiiCa".3º':rvlenctonçaficou a partlf daí em-põsiçãã1sõ:--
Antônio Carlos também fazia recuar a paixão antilusitana da província lada no governo revolucioriári~.. ---- ----·-- -"'. • ----------
ao tempo da Guerra dos Mascates, muito recordada cem anos depois. Então, Mesmo d delegado da grande lavoura na junta, Manoel Co.rreiade Araú-
"uma nobreza numerosa e orgulhosa" não puder~. "sofrer com pa,ci.ê~ciaa ... ••·. •. jo, que simpatizava com a posição do colega, eximiu-se de apoiá-la, ao passo
preferência que o antigo sistemà colonial dava a homens sem nascimento, que os demais. membros, o padre João Ribeiro, representante do clero, e o
virtudes ou mérito". Ao conflito civil, seguira-se seu "abatimento", do qual capitão Domingos Teotônio Jorge, do exército, eran{, como Domingos José
só começara a recuperar-se com a política pombalina de igualar os súditos de Martins, notórios porseus sentimentos monarcômacos. Os rep_!lblicanosti-
ambos os hemisférios e de abrir "novas fontes de riqueza". O reinado de D. nham, portanto, maioria no seio do governo. Tollen.are, que conheceu Men-
Maria, a regência de D. João e a mudança da Corte para o Rio hav1ainfeito •••don~Õ~tfãçõrr'ô"pêtfiTíl.Fum-:crefôrmista típico: vitorioso na sua ati-
conceber aos perna.í:nbucânosa ésperança de se verem equiparados àôs da mê=- , vidade de advogado, gozava do respeito geral e, em particular, do das "pes-
i:rópole. Mas como "ós homefiS·novos [i. é, os reinóis de origem plebeia que soas de consideração". Nas suas conversas com o francês, Mendonça, que ig-
_haviam asc~ndido sodaimerúe niú(:rraJ são sewpre orgulhosof ,-sob_i:~~<:i~-- norara a trama, não punha em causa o regime monárquico, limitando suas
choque com os naturais, "a qu~m não queriam admitir na partilha das van- críticas aos abusos da administração colonial, críticas que eram gerais e que,
tagens que áté então tinham goz~c!9só eles"_. 29
advertia Tollenare, eram erroneamente confundidas com "desejos revolucio-
_Ós adeptos da monarquia c~~titucional haviam sido mantidos à mar- nários", embora pudessem ser muitas vezes o prelúdio das revoluções, como
gem da conspiração, precipitada pelas medidas repressivas exigidas por ofi- acontecera em seu pais. Mendonça, que negociara com Caetano Pinto sua
'- ciais reinóis, ;~i~~-àos quais eram pediéiros-1ívres ou simpai:ízantes que i-e~ renúncia e partida, garantira-lhe, aliás, que o movimento não era contra a
jeii:a~amo republicanismo. Entre os monárquico-constitucionais, sobressaía monarquia, mas apenas contra o governador. 31
Antô!).ÍOCarlos, que iniciava umidas -êarrefrasmáisvei-sâiéis de homéni"pu- Antônio Carlos ainda tentou salvar a proposta de negociação. Malgrado
blico que já conh~c~u o Brasil; e cuja nomeação para ouvidor de Olinda te- considerá-la comprometida pela inabilidade de Mendonça, sondou Domin-
ria sido feita no objetivo de colocar a maçonaria pernambucana a reboqt1e_da__ gos José Martins e o padre João Ribeiro. Ambos responderam-lhe dissimula-
do Rio. Quando a junta governativa, formada às pressas p()r_um_colégio de damente que "a lembrança era boa e poderia ter efeito a não ser a imprudên-
_.,,dezessete eleitores escolhidos a portas· fechadas em reunião dominada por cia do dito José Luís, mas que agora já não tinha mais lugar porque nem a
__M;~çi~s, debateu ·o regime a adotar,~º reprêseritârú:e"'dôsletrãaôs;-Jõsewís - tropa nem o povo a queriam e quem lha propusesse morreria necessariamen-
de Mendonça, que se concertara com-Antônio Carlos, propôs negociaçõescom te, o que esperavam que ele[ ...] não fizesse". Antônio Carlos também con-
ECR.eipara solicitar a redução de impostos e o ~tai;::e~~entodelimites ao tactou o pró-homem rural de maior prestígio, o coronel Suassuna, que tam-
poder dos governadores, segundd aspiração que datava da restauração do do- bém ignorara o complô e, ao saber do levante, partira para o Recife com um
mínio português na capitani.i. _A proposta foi repudiada por Martins, que séquito de milicianos e escravos aos gritos de "Viva El Rei", tornando-se sus-
contav_acom o apoio da oficialidade da terra, sobretudo do capitão Pedro da peito aos republicanos. Ambos concordaram em que "os homens de qualidade

28 DH, cvii, p. 214; FC, p. 58. 30 DH, cv, pp. 96-7, e cvii, p. 232; FC, p. 141; Muniz. Tavares, Hist6ria,PP· 60-l.
wRIHGB, 30, i, p. 141. 31 DH, cvíií, pp. 70, 89; Tollenare, Notesdominicaks,ii, p. 576; RIHGB, 29, PP· 284-5.

40 41
A OUTRA INDEPEND~NClA DEZESSETE

estavam arruinados se não ajuntarem os seus esforços para destruir uma ca- Os relatos de informantes da Coroa precisam os contornos da conjura
bala de malfeitores". Enquanto Antônio Carlos ficava encarregado de atrair fluminense, a cuja frente estava o barão de São Lourenço, um plebeu nobi-
a tropa de linha, Suassuna obteria apoio no sul da capitania, para onde seguia litado por D. João, que o promovera de arrecadador de rendas no Ceará a
com a missão de deter o exército realista que marchava da Bahia, sob o gene- tesoureiro-mor do Reino, e que ~ra alvo de graves acusações de peculato. Da
ral Congominho, cujos oficiais maçons pretendia aliciar em prol da monar- conspiração participariam, entre outros, "três [comerciantes] ingleses dos mais
quia_çpnstitucional. Tal pi.-ojçtQdeve ter chegado aos ouvidos do governo pro- poderosos desta cidade", ~erto frade pernambucano, José de São Jacinto· •.
visório, incitando-o a despachar para o sul outra tropa sob Domingos José Mavignier, pregador da Capela Real, outro pernambucano, José Fernandes
Martins, que, como membro da junta, exerceria o comando. Resistindo Suas- Gama, tio de Bernardo José da Gama, ouvidor do Sabará e que desempe-
suna a abrir mão da sua chefia, adotou-se a solução de manter ambas as for- nhará papel de relevo na política da província em 1822-1823, seu amigo Lud-
ças separadas, que foram assim mais facilmente batidas pela tropa d'El Rei, • gero da Paz, contador da fazenda em Pernambuco, dois mercadores portu-
A essas manobras, podia estar associado o plano de "contra-revolução para gueses do Rio, um deles com correspondentes no Recife, e o agente de Bento
pedirem a Sua Majestade que desse nova Constituição", à maneira dos "re- José da Costa, importante homem de negócios desta praça. Ao saberem da
beldés constitucionais" espanhóis, projeto que a Alçada encontrará entre os insurreição pernambucana, eles haviam dado "urros por ver não terem con-
papéis do deão da Sé de Olinda, o Dr. Bernardo Luís Ferreira Porrugal. 32 seguido o seu plano", cujo objetivo era apenas o de reduzir os poderes da
1::1~~2:~'.S~:~e..~fil:lo.1:_i
.~ut~m~a<!__cderrota
para_~~çon~ria.portuguesa e fluminense, Coroa. 34
_ ct1joo~jetivo~c.:~_!15-oante
o enviado de Buenos Aires ao Rio, Carlos de Alvear, À monar~ia constitucional animaya o afã de preservar o Reino Unido,
informava a seu governo, consistira em compelir D. João VI a convocar as ,mas à~úl:5lk:ne·riã âeseTreg1onal, devido ao d~~~<?.tp.~~ ~'lt.r~..<1,~ ~~pi_r._~::.
Cones portuguesas e jur;r-iii:nã-Co-nstitüiçã6; na linha, como se vê, do que ~?_eSP~!~~-~~ ..I_l()_Norte,e, p()r omr_o)ado, fl_()Sul e no corij_:1_nto
damonar- --
Gomes Freire de Andrade projetara no Reino•eâo que aSlojas do Porto exe- quia lusitana. Ao rejeitar a alternativa monárquico-constitucional, Dezessete
cúrarao com ex1roemí820:-e>co~trc:·ra·queem·Pern:nnbucõ·õs maçons "não devía contentar-se com õãsê-temtoiiâl rrienós·âínp1á:-o-iín1co texto que se·
l6.seT1ã.vi~m antecipad_<>_~~Ú:!5>_ª:ii.riarn feito a revolução conforme O com- .,.~;;~hec~-;;-;~;pe.it~éa ~art~-d~·-p;dre João Ribeiro ao governo provisório da
binado"; O informante de Alvear aduzia que "se os pernambucanos houves- Paraíba, de 31 de março de 1817. O sacerdote era categórico: "Pernambuco,
sem seguido debaixo destes princípios, a coisa [o levante no Rio] se levaria·a [incluindo Alagoas, então comarca pernambucana], Paraíba, Rio Grande e
n<) Recife, '.'-
cabo". ,[>iante do fato_c.:0_1:;5-_u_~~do maçonaria fluminense dividi- Ceará devem formar uma só república", pois "estas províncias estão tão com-
J;!:S!-s~'uns a favorzque sãogeralmente_brasileiros, e _outrosem contra, que são penetradas e ligadas em identidade de interesses e relações, que não se podem
--. os europeus e mu~tos_brasileirns\Em Lisboa, também se sustentava que os separar", ao que se somava a escassez de quadros dirigentés, ao menos "en-
propósitos republicanos haviam traído os planos maçônicos, cujo objetivo quanto não se propagam as luzes"._~ idéia de _qll<: a área o
<?ntre Ceará e o ~ão
limitava-se a "forçar a família reinànte a conceder uma nova constituição e a Francisco, que correspondia ao antigo Brasa holandês, constituía uma late_n-
adotar o sistema representativo". 33 , • te ~~Í:idad~~;~-;Jjá fora fo~~~i;da ~;~ diretrizes constitucionais de 1799,
, alegadamente redigidas por Arruda da-Câmara, João Rib_e.~~()-~.J.o~}:_e_r_fl~fl~

32 RIHGB, 30, pp. 117-8, 121-2, 161-2;João AlfredoCorreia de Oliveira,Minha meninice


e outrosemaios,Recife,1988, p. 64; Dias Martins, Os mdrtires,p. 13; FranciscoSolanoConsdncio,
34 Mello Moraes, Históriado Brasil-Reinoe do Brasil-Império,
2• ed., 2 vols., Belo Horizonte,
Históriado.Brasill vols.,Paris, 1839, ii, p. 207; Muniz Tava~, História,p. 174; DH, civ, p. 154.
1982, i, pp. 456-7, 464-6; J. F. de Almeida Prado, D.joão VI eo iniciodaclassedirigentedo Brasil,
33 T ollenare, Notésdominicaks,iii, pp. 863 e 897. 1815-1889, São Paulo, 1968, p. 112.

42 43
A OUTRA lNDEPENDtNCIA DEZESSETE

desPortugal, as quais aludiam às "províncias federadas desde Alagoas até as caracterizá-lo como tal, cônscio talvez de que incorreria em anacronismo. Por
'exrierrildacfes-ã:õ-iiortedÕ.Ceará". 35 -- -- • · ifrm, cumpre não confundir os objetivos de Dezessete com suas repercussões· --,
~Opinião que não erà.~Õnsensual,segundo reconhecia João Ribeiro, pois, _21..:_
Amér~ca.É?.~!ug~:.~ Os temores de contágio insurrecional denotavam as
como referirá Muniz Tavares, o êxito inicial da revolução na Paraíba e no Rio preocupações de quem os expri111ia,não o ânimo brasíleirista do governo re-
Grande encorajara os patriotas a estenderem "suas vistas [.,.] ao bem ser de volucionário. As previsões de que os acontecimentos em Pernambuco desa-
. to~o o Brasil". Ocor.~~a.ap_enas que "as P~º':~!l;<;:ias do Norte [estando] mais -~iam na independência de todo o Brasil não significa que Dezessete se pro-
~s~~e a promovê-Í;~ ••• - -••·---- ______
,._ --·----- --------- ·- -·-. - ·-- -
•distantes do sopro empestado da Corte seriam as mais solícitas em responder
ao grito da liberdade", ao passo que, a longo prazo, "as do Sul seguiriam[ ...] Quando o representante britânico no Rio ou o comandante da estação
o mesmíssimo destino". Caso não o fizessem, uma confederação do Norte na- naval inglesa no Atlântico sul expressavam tal apreensão, como via de regra a
da teria a temer. João Ribeiro escreveu, aliás, à junta paraibana para dissipar correspondência diplomática do período, o que os assustava era a adesão de
a suspeita de que seu projeto visasse a "engrandecer Pernambuco, sujeitan- todo o Norte ao movimento. Alvear reporta-se à Bahia, Pará e Maranhão
do-lhe as outras províncias como antigamente", isto é, como ao tempo em que como os alvos dos rebeldes, não ao Sul do Brasil. ~aturalmente, em fa~ dQ,_
haviam sido capitanias anexas,· propondo desde logo que a capital da: repú- ~q!!~c:>corriana Am~~':~ espanhola e da inércia da Coroa lusitana, era natural
blica fosse construída, "como condição essencial", no interior da Paraíba, a que Dezessete fosse visto como a oiiaa·aofüturo, emoora o secretáno dõ·
trinta ou quarenta léguas do litoral. 36 "exterior, Lord Casdereagh, cÕnstatasseem breve-que a insurreição tivera "me-
• Asseverou-se que "a revolução de 1817 não foi separatista mas preten- nor alcance do que a principio se supôs". 39 Isolada no seu republicanismo, a
dia a Independênciàe· a inregrfdâilo entãÕRein~Ünido do B™iF'} 7 o;;, junta do Recife não podia alimentar ilusões acerca das províncias meridio-
°COmo-~ãÕhivia então "Rcino Unid~-d~-B~ásil"mas Reino Unido de Portu- ~ais, devido inclusive à suap_roximidade da Corte. Se, na melhor das hipóte-
'·--gar,Bras1f e Algarves, não se pOde'ie}vmdrcâf"paiio·movímeiito uma insp1- ses, elas também se revoltassem, fá-lo-iam certamente sob a forma da monar-
---rãçãõaêurudãifeõrãsilêiriâeT1ueelêmaiiífestâmente careceu. Por outro lado, quia constitucional pretendida pelos maçons fluminenses, como ocorrerá em
"é inegável que Dezessete não pod-;;;r -;:coi~ado. de separatista, poi; o sepa- 1822, nem se teriam mostrado menos hostis a Dezessete do que o ministério
. ~r~Í:i~iribp~upõ~~oÕstituição prévia de uma nação brasileira, e ~t;-n"iio de D. João VI. Se o 6 de março fora obra da maçonaria republicana, não ha-
J,__ ••• _ .,_., ·-·----··--·-•--.-~-··-, • -------·---·--·---· • • • -· ' ·-·-···----------···----
' , existia àquela altura, a monarquia portuguesa sendo a forma vigente do Esta- via por que procurar a adesão do Sul, que só poderia comprometer a pureza
do, de que o Rio era a capital. 3~ A imputação de separatismo a Dezessete, seja do novo regime.
,_g_elos que a formulam, -~~~gue a_rejeíram,é tim.-pseÜ~?P!~~le~;t-Mes~ Como sintetizou Barman, "a insurreição no Nordeste não visou à inde-
moVarnhagen, cuja antipatia pelo movimento é conhecida, absteve-se de pendência do Brasil como um Estado-nação". 4º O particularismo de Dezes-
sete insinuou-se inclusive na justificação política do movimento. O governo
provisório não invocava os direitos do Brasil, mas o descumprimento pelos
35 Dias Martins, Os mártires,p. 320; M. Arruda da Gmara, Obrasreunidas,Recife, 1982, Braganças do pretendido pacto com a capitania, segundo o mito constitucio-
p. 259. nal de que a restauração do domínio português no século XVII tivera a con-
36
Dias Martins, Osmártires,p. 321.
37Gonçalo de Mello Mourão, A revoluçãode 1817 e a históriado Brasil Belo Horizonte, 39 Tollenare, Notesdominicales,pp. 857-8, 863; G. S. Graham e R. A. Humphreys, The
iü,
1996, p. 148. Navy and SouthAmerica,Londres, 1962, p. 187; Mdlo Mourão, A revoluçãode 1817, pp. 258 e
38 Os.vocábulos "separatismo" e "separatista" forain utilizadosao tempo da Independência 260.
exclusivamenceno tocante à separação do Brasil e de Portugal; 40 Barman, BraziL Thefargingofa nation,p. 59.

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DEZESSETE
A OUTRA iNDEPENDtNClA

trapartida de isenções de natureza fiscal e administrativa por rarte da Coroa. ,~ ?e in_~°,x,:kaçãoideológica, tendeu-se a utilizar a cenografia e o gestuário da
Daí a autoprodamação de Dezessete como a "segunda restauração de Pernam- _Grand~ Revolução, _cujadrarnat1Cíaâ.Ueêr3:maisapta a empolgar 1magmações
buco", consoante rezava a fórmula dos seus impressos oficiais. Semelhante ,._J?_~ileiras. ~as se o governo do Reêffê'êõii]i'êé1ã'âscõn:iifrüíçõés-ae·1791;-·" --
noção pressupunha que enquanto os pernambucanos seriam "vassalos políti- 1793 e 1795, mostrando preferência, aliás, pela mais "razoável", a termi-
cos", os demais brasileiros er~ apenas "vassalos naturais". Daí haver cabido doriana, possuía o "livro das constituições" que Benjamin Franklin "compu-
a um monárquico-constitucional, o deão da -Sé.de Olinda, recor~er-t.ambém sera p?,r:J..~.colônias da América inglesa".43 A experiência norte-americana
ao argumento mais abrangente da violação pela Coroa do próprio pacto cons- oferecia figurino mais adequado à tradição autonomista da província do que
titutivo da nação portuguesa, vale dizer, as pretendidas leis das Cortes de a Revolução Francesa, cuja concepção unitária buscara liquidar, mediante o
Lamego, concepção que, ao contrário da anterior, era coextensiva a todo o sistema departamental, os particularismos r~gionais, identificados com o poder
da aristocracia. Nos primeiros dias do movimento, o cônsul britânico asse-
Império luso-brasileiro. 41
É sintomático que as missões pré-revolucionárias do Recife tenham-se gurava que o regime pautar-se-ia pelo "modelo [federal] dos Estados Unidos
limitado à Bahia, ao Ceará, ao Rio Grande e à Paraíba, embora Domingos da América". E em Washington, declarava o Cabugá que a constituição "deve
Teotônio Jorge tivesse viajado ao Rio. Que houve contactos com os maçons ser modelada pela dos Estados Unidos, com aquelas alterações ou modifica-
ções análogas aos costumes do país". "O êxito da federação americana faz vi-
fluminenses, já o sabemos. Vitoriosos, porém, os re~E!icaE1:_~_C:.<?!1.!ef!~~
se em dirigir proclamações às províncias vizinhas, _abstendo-se de condamar rar muitas cabeças", anotava Tollenare, sobretudo em vista da "economia de
-o Rio ~ o Sul, ao co~trá~TÕ-d~~ciii_~ 1824.~Çgii.foc,{erà~ôdõ F'.quã~ fa;á.-;~· despesas com uma Corte". 44
-AsJ~sõis-à'o Brasil insertas nos manifestos à Bahia eram recurso retórico pa- Oliveira Lima também vislumbrou influência termidoriana na criação
. ra fustigar a i:1'61eza-éIOsliãíiíios;-aã.··meima
maneira com9_<:..Prop~<f:_~- • de uma junta de cinco diretores, com o fim de "manter a supremacia do po-
volucionária apregoava, para consumo interno e externo, que_o Brasil _estava der civil" face à derrapagem militarista. Na realidade, o objetivo perseguido
~ã-ponto de aderir. Ao assegurãrao norte~americano que a revolução governo _naformação do governo consistira em dotá-lo de bãsero-rpõratTvã;.. cõmoas:
fora realizada de concerto com as outras províncias ou ao estipendiar as gaze-
. sinalavam a proclamação de 9 de março eo..
mãn1fesrõ-que.ficoÜ-cÕnhêêiêfõ" ·-
tas de Boston ou Filadélfia para preverem que ela se espalharia por toda a co- _:'"'
pelo galicismo de "Preé_isÔ",~~~rr1n.i~-~~~ ut~lizandÕ-aindaa expressão "ordens ••- ••
lônia, o Cabugá visava sobretudo impressionar os Estados Unidos para cap- j~ rec:()rr':~.4()
do_Is.!J!4o"1. 2.~el@_rtdo, J pala".,ra"c:lasses''/ 5Ademais, i tradi-
tar-lhes o auxílio. Do ponto de vista dos chefes republicanos, a conflagração '-ção republicana sempre estivera associada aos regime; d~-tip~-êÕiêgíácfõ;-dê.
das províncias meridionais lhes traria a vantagem de obstar a reação militar ~. modo_ a frisar sua difêrença com despoiismo'dos
, _____ ,. .
.. --,
o sistemas. monárquicos.
. .
····"·"'•"•""•"•• "" . "

do Rio, mas eles não puseram muita fé em tal possibilidade, embora tivessem
de emitir sinal contrário. 42
. Julgava Oliveira Lima que em D~~!e a ~~fl1:1~!1~ia_
da R.ev9.!!:1çã!)_F_!al}- 43 Tratava-se da tradução francesa da "Coleção das leis constitutivas das colônias inglesas
cesa fo,rasuperior à daR~võftiçi~~~ri~a. Por uma questão de mimetismo confederadas sob a denominação de Estados Unidos da América Setentrional", publicada original-
;,' ~-,.,..;.~ • -- '~• -,. ··••,-s··•~,•-_,,.-,c,v,v•""'•.,..-"'"'.,_·,,
___ ,...,.,_
••..s,••••,.•, ••• .,,,- •.:.,, , • ._,.' ,-..--

mente em Filadélfia em 1778 e que já circulara entre os inconfidentes mineirosi Kenneth Max-
well, A devassadadevassa.A Inconfidênciamineira:Brasil e Portugai 1750-1808, 3• ed., Rio de
Janeiro, 1985, pp. 147 e 162. '
41 íi, p. 596, iii, p. 662; RIAP,42 (1948-
DH, ciii, pp. 110, 127; Tollenare, NotesdrJminiéafes,
44 Tollenare, Notes drJminicales,
ii, p. 568, iii, pp. 664, 854.
1949), p. 92; Evaldo Cabral de Mello, Rubro veio. O imaginárioda restauração
pernambucana,2ª
45 Sobre a utilização do termo "classe" em Dezessete, Carlos Guilherme Mota, Nordeste,
ed., Rio de Janeiro, 1997, pp. 127 ss.
42 DH, ciii, pp. 39-40.
1817, São Paulo, 1972, pp. 104 ss.

47
46
A OUTRA INDEPENDeNC!A DEZESSETE

Afirmou também Oliveira Lima que a lição de Termidor explicaria que_~_ pelo governo revolucionário, fora redigida por Antônio Carlos para ser sub-
L - --- -, - •-----·-•- -·--- - - 46
. governo se tivesse esquivado "a uma Constituinte, pelo menos imediata". metida à aprovação das câmaras municipais.
1
• -- --- -c..},.s foram
razões mãisprôsãíqis°:]i:m vistàdâ rapi.dêidareação-da Co~- , O projeto de ''lei orgânica" previa que, ç~<-?_<!
__
ÇQ.!!.~Ji__t11Jm~.-P-~rnªm:
roa, o i-i:ov~regime não dispêis'de tempo süfidénte'para iristitucionãH~i::t:: - __bucana não houvesse sido convocada dentro de um ano, ou na hipótese de
,-p~~tacuÍizado peh-faÍÍ:a deórgãos
preeristentêsq~e ~alizassem a reivi~d~:__ _ que a Constituição provincial não ficassec~ncluída no triêni~-se~int:e:;junta
as
C!l?<?constitucional! ÇQltlO âssêmbléiãs"~?!~ii_íàis dãAméria. it:.&~~sa me- do Recife ficaria automa~~~~e_ ~t}_!lt~~E~1r1tegr_a~ª()-:~.?J~_()y~ nõ~~erêr::-···
tam'.orfoseâdas nos cêmgressos revolúcionirios que deram aos Estados suas _, cio da soberania, "para o delegar a quem melhor cumpra os fins da sua dele-
constituições.J.'4~§11,!9.e~}::<>11dições favoráveis, o processo_constituinte nos ~gação". Até a adoção da Carta,-elâ enfeíxãiia os põaeTêsexecuüvo erlegislãtí----·
.Estados Unidos levara nada menos de treze anos, do primeiro Congresso Con-
e. - -- - - ---- - -------- ------- -- - - - - -
de.um
• vo: N~ exeracfo-das competências legislativas, seriaassessorada, lado,
tinental (1774) à'Cõnstit:Üição federal de 1787. Os "Artigos de Confedera- por um conselho permanente dt! seis membros, escolhidos pelas Câmaras en..;
ção", adotados em 1776 para entrarem em vigor quatro anos depois, previam tre "os patriotas de maior probidade e luzes em matéria de administração",
uma coordenação frouxa das colônias no exercício d9s poderes anteriormen- de outro, por dois secretários de Estado (assuntos internos e externos), do
te exercidos pela Coroa britânica em matéria de defesa, relações exteriores, inspetor do Erário e do bispo, que, estando Olinda sede vacante, seria subs-
moeda e política indigenista. Por sua vez, a ratificação da Constituição fede- tituído pelo deão. Governo e conselho decidiriam por maioria de votos, e o
ral pelas ex-colônias tivera de esperar dois anos. primeiro poderia também consultar o segundo em matérias de competência
L~unf:i_:ravar:_~_fri_ticará a jun_t~_clº- R.,ecifepgr_nª-º lia_v:eJi
à m~eirª- do executiva. Por crime de responsabilidade, os governadores só poderiam ser
_Congresso Continental da América do Norte, convocado imediatamente um processados ao fim da sua gestão mas os secretários de Estado sê-lo-iam ime..:
-corpo éonstituinte e legislativo-qüe êstã.bêlêcesse ''umalígãrederàl" para prover _ diatamente. A gestão do Erário incumbiria a um inspetor dependente do
~- seguraiiçà-externa-:-Xtãlopção:corréspona'euprôvavelmente o projetõ;-cüT; governo. A justiça ficaria composta, em primeira instância, dos juízes muni-
;;:t~-ignora-se, encomendado a Pereira Caldas, cuja existência ele reconhe- cipais, de cujas sentenças recorrer-se-ia ao Colégio Supremo de Justiça, for-
ceu perante a Alçada, adiantando que fora posto de lado em favor do redigido mado por cinco membros vitalícios, extinguindo-se as ouvidorias, cuja juris-
por" outro conselheiro", isto é, Antônio Carlos. Mas o governo revolucioná- dição retornaria aos juízes municipais. As leis em vigor continuariam a sê-lo,
rio estava consciente da necessidade de uma entidade confederal. Na citada a menos que derrogadas ou substituídas por um "código nacional e apropria-
carta à junta da Paraíba, o padre João Ribeiro salientava que a questão do des- do às nossas circunstâncias e precisões". PresC:rvava-seo antigo sistema mu-
tino a ser dado ao regime municipal legado pela colonização deveria ser re- nicipal. O catolicismo continuaria a ser a religião do Estado, tolerando-se as
solvido pelo que chamava_"o Congresso geral".47 A i!Íéia de assembléia desti- demais crenças. Previam-se a liberdade de imprensa e a responsabilidade co-
nada a consagrar uma convenção confederal foi adiada em favor do estabele- nexa. Os reinóis e os estrangeiros naturalizados de denominação cristã teriam
cimento de Constituição pernambucana, a ser aprovada em_conclaveprovin- acesso aos empregos públicos. 48
cial tão logo se consumasse a adesão das comarcas de Alagoas e do sertão, como Enquanto elaborava-se o projeto de lei orgânica, a conjuntura mudava
previsto na "lei orgânica", que deveria vigorar até então, a qual, endossada radicalmente. A fim de aprová-lo, as Câmaras deveriam "convocar o povo de
todas as classes",·em ato a ser "o mais solene possível", pois ao "povo quase
todo [...] lhe interessa conhecer o como hão-de ser governados". Contudo,
46 Oliveira Lima, notas a Muníz Tavares,Hist6ria,pp. 317-8.
47 Muniz Tavares, Hist6ria,pp. 151-2; DH, cviii, pp. 277-8; Dias Martins, Os mdrtires,p.
318. 48DH, civ, pp. 16-23.

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A OUTRA lNDEPENDENCIA
T DEZESSETE

essasassembléiasmunicipais só chegaram a ser realizadas no Recife, em Olin- regedores, cujas funções eram cometidas, como vimos, aos juízes ordinários
da e em Igaraçu, sendo logo suspensas pelo governo ao constatar que "os ad- das Câmaras. O nativismo ajustava suas contas mais que seculares com os
versários da causa liberal valeram-se do mesmo projeto para mais desvaira- "becas", vale dizer, com a justiça régia, mas a tentativa de pôr vinho novo em
rem a opinião pública", mediante interpretação capciosa dos artigos relativos velhos odres estava fadada ao ,fracasso. O antigo sistema municipal nada ti-
à liberdade de culto e à igualdade de direitos, pois "valendo-se da tendência nha de representativo, sendo, por isso mesmo, irremediavelmente conserva-
dos devotos, clamavam os perversos com estudada hipocrisia que o intento dor, como compreenderá muito be~ frei Caneca ein·-I-824ao opor-se~ parti-
dos patriotas era destruir a religião e dar liberdade aos'escravos". Na verdade, cipação das Câmaras no processo constituinte deflagrado pela Corte do Rio
o projeto de lei orgânica não falava em igualdade de direitos; e segundo ou- após a dissolução de 1823.
tro contemporâneo, o descontentamento das Câmaras disse respeito exclu-~ _Tollenare, cuja opini~() Oliveira Lima endossou, afirmava que as hesi-
sivamente à liberdade religiosa, embora se deva reconhecer a indignação das __t!ções constitucionais da junta deviam-se a que ~ãosabi~ c~~~ f~·~~rpor;~-•
oligarquias municipais com a consulta democrática ao "povo de todas as clas- os homens de cor livres-àõ meê:ânísmo··repi:ese
____ nfativõ
"AsCcinsii : f~---
i:uíçôesffâf
ses", que contrariava a tradição municipalista lusitana no Brasil.49 cesas de 1791, 1793 e 1795 haviam adotado, com variantes, um sistema elei-
Muniz Tavares criticou a consulta às Câmaras por isolar "os interesses toral relativamente amplo, que mesmo a Constituição termidoriana, com toda
recíprocos" e não oferecer "aquela unidade que constitui a máxima força da sua obsessão pela manutenção da ordem burguesa, não ousara abolir. Segun-
lei". As r~ões do recurso ao antigo sistema camerário, deu-as João Ribeiro. . do_Tollenare, o governo de Dezessete inclinava-se para um sistema eleitÕrâf" ~

Como a junta paraibana o houvesse abolido, ele opinava tratar-se de "um .<:?.~~asena propried;deTundiiria, à0-mesmõ-i:emp0-em que descreve opa- -
absurdo em toda a extensão da palavra", pois um governo não poderia cons- dre João Ribeiro:de-~uj; ;mi~ade privou, "arrastadt>-p~la leitura das obrãs--dê___
tituir-se sem ou a manifestação da "maioria do povo por si própria, ou pelo tôõ.dorêét'~p1sra'"ímportante ac-ercadô pdnc1pâii'êféóiogo-dêoézésse1:e'.N - a
órgão das Câmaras, que representam o povo nas diversas seções ou munici- ""R:evoluçaoFrancesa, Conaorcet encarriaráa preferência, oposta à'doifhetà.ei-
palidades". "Se vós não tivésseis feito isto por mera ignorância, deveríeis ter ros de Rousseau, por um discurso que mergulhava suas raízes na fisiocracia e
sido apunhalados pelo povo da Paraíba no dia em que promulgastes tão hor- nos iluministas escoceses, batendo-se por uma monarquia reformada através
rível lei, que os triúnviros de Roma não se atreveriam a promulgar." Ainda da aplicação dos métodos estatísticos à política e à economia, de modo a ga-
segundo João Ribeiro, por deficiente que fosse, o antigo sistema municipal rantir um sistema racional de representação dos interesses sociais. Sua chave
constituía a única forma de representação, não se podendo destruí-lo antes devia residir, segundo Turgot, não na igualdade política, sob a forma do ci-
de se criarem outras "quando se fizer o Congresso geral e se fizer a constituição dadão ativo em oposição ao cidadão passivo, titular de direitos civis, não po-
[federal], em que ou ficarão as Câmaras ou coisa idêntica, ainda que tenha líticos, mas no modelo do cidadão-proprietário rural, comprometido com que
outro nome". 5º Daí estabelecer o projeto de lei orgânica que "a administra- o país fosse bem governado, por serem, nas palavras mesmas de Condorcet,
ção das câmaras ou municipalidades continua no pé antigo". Na realidade, o "os únicos cidadãos verdadeiros". 51
mandonismo municipal saía fortalecido com a extinção dos ouvidores e cor- O corolário político da doutrina fisiocrática pretendia que, constituin-
do a agricultura a atividade produtora de riqueza por excelência, sobre ela é
49 Muniz Tavares, História, pp. 152-3; DH, civ, p. 95; Dias Martins,
Os mártires, p. 54. A
que se devia organizar o Estado. As outras classes eram estranhas à nação, o
consulra às Câmaras sobre o projeto de lei orgânica realizou-se nos primeiros dias de abril, enquan-
to a declaração sobre os escravos havia sido feira dias depois do 6 de março, Tollenare, Notes do- 51 Tollenare, Notes dominicales, ii, pp. 568 e 575; Pierre Rosanvallon, Le sacredu citoyen,
minicales, ii, p. 568. Paris, 1992, pp. 98-100; François Furet e Mona Ouwuf, Dictionnaire critique de la Révolution
50 Muniz Tavares, História, p. 152; Dias Martins, Os mártires, p. 318. ftançaise, Acteurs, Paris, 1992, verbete "Condorcet".

50 51
A OUTRA INDEPENOENCIA
DEZESSETE

comércio pela sua vocação cosmopolita a buscar o lucro onde o encontrasse, ~ - Joaquim Nabuco idealizava Dezessete quando afirmou que fora emprei-
e o artesanato pela precariedade do salário e pela falta de domicílio fixo que
também o desenraizava, só a ligação permanente à terra oferecendo garantia
___gidape!a__"camadasupeEio~~ª-~c1e-dadepeniâm"bucana, ántigas famílias, as
~ossenhores de engenho, os ricosp_i:op~i~t:*if.~Jq~i:i:'iji~~~-id~J-~s que maii
de integração social. Destarte, "o interesse das diferentes classes na felicidade .. se apaixonaram pela Independência e pela revolução". No outro extremo,
geral da sociedade está na razão inversa da facilidade que têm de mudar de ___Eern~11do deAz~edo acentuou que "a posição da aristo~raciarnral, nas l~tas
pátria". Ao advogar o imposto territorial, a fisiocracia buscava precisamente , que agitaram Pçrnambuco,- (oi sempre· êlêri111êfa:. 11lna·ái:1tude
dere~o.con-
substituir a concepção tradicional de uma sociedade de ordens por uma clas- ,.,servadora", tanto assim q~e "na revolução de 1817, q~ase ~enh~ senhor de
se de proprietários rurais que se distinguiriam do povo, mas sobretudo do .. enge@oJll_<!_':'.IaJ.entré
os con~eu:~~?!es''' o que é verdade mas passa por cima
clero, da nobreza e da alta burocracia. Às vésperas de 1789, não era ainda a do bom número deles que aderiram à insurreição. 54 É certo que, na época, já
igualdade política, mas o cidadão-proprietário que ''constituía o horizonte havia quem sobreestimasse o potencial revolucionário da açucarocracia. Para
natural da reflexão sobre os direitos políticos para aqueles que se tornarão os recolonizar o Brasil, afiançava Sierra y Mariscai, a Coroa lusitana só podia
atores da Revolução". Se a Constituição de 1791 não adotou tal sistema, é contar com o "partido português", composto sobretudo pelo comércio, de vez
que ele se revelara minoritário. 52 que os senhores de engenho não formavam "ordem", na acepção de corpo pri-
A fisiocracia do padre João Ribeiro manifestou-se na política de perdoar vilegiado, pois "qualquer [um] pode ser senhor de engenho e há muitas qua-
o pagamento dos juros das dívidas à extinta Companhia Geral de Pernam- lidades de engenho".
buco e Paraíba, criada por Pombal e abolida em 1780, no adiamento da re-
forma da instituição servil e no estímulo à lavoura de subsistência. A junta Como esta classe de proprietários está sempre no campo, sem o que
sentiu-se obrigada a desmentir o rumor de que os escravos iam ser libertados, ficariam perdidos, são muito estúpidos; como não conhecem economia e
embora se tratas~e de suspeita que a honrava. "O governo não engana nin- tampouco conhecem a ordem, tem chegado a maior parte deles a tal estado
guém", desejáva a emancipação mas a queria "lenta, regular e legal", mesmo que para comerem carne de vaca duas vezes na semana e terem um cavalo
se "o coração se lhe sangra ao ver tão longínqua uma época tão interessante, de estrebaria se faz necessário que morram duzentas pessoas de fome, que
mas não a quer prepóstera". Num país escravocrata, um sistema eleitoral ba- são os escravos do engenho, a quem lhes dão unicamente o sábado livre, para
seado na propriedade rural era incompatível, ao menos inicialmente, com ve- com o seu produto sustentarem-se e trabalharem o resto da semana para seus
senhores. 55
leidades abolicionistas. E uma das primeiras proclamaçõ~ revolucionárias
concitava os pequenos agricultores que haviam acorrido nas tropas de milí-
Por conseguinte, tais homens pertenciam necessariamente ao "partido
cia em defesa da insurreição, a regressarem às suas terras para se empregarem
democrata", "porque é o partido das revoluções, e com ela se vêem livres dos
"com o maior desvelo nos trabalhos da agricultura, alargando as mãos na
seus credores". Contra este raciocínio, poderia, aliás, utilizar-se outro dos ar-
cultura dos víveres". E João Ribeiro aplaudiu a decisão da junta da Paraíba,
gumentos do autor. Ço,__m efeito, se "a falta de meios" dos senhores de
"a bem ua..L agncu
• ' • na f:aixa
ltura ", de pro1'b"1r a pecuana • 1·1toranea.53 A
---------·-=----

54
Joaquim Nabuco, Um estadista fÚJ Império,4• ed., Rio de Janeiro, 1975, p. 113; Fernando.
52 Rosanvallon, Le sacredu citoyen,pp. 46 ss. Condorcet viria a admitir que. o proprietário de Azevedo, Canaviais e engenhqsna vida pqiftica fÚJ Brasii 2• ed., São Paulo, s/d, pp. 119-20.
de imóvel urbano pudesse ser assimilado ao proprietário rural.
Carlos Guilherme Mota rambém encara a açucarocracia como a base social do movimento: Nqr-
.53 Dias Martins, Os mártires,p.320; Muniz Tavares, História,pp. 114-5, 153-4; DH, cii, deste,1817, p. 93 .
p.10; civ, p. 87. 55 ABN, 43-44, p. 62.

52
53
I
DEZESSETE
A OUTRA INDEPENDÊNCIA

mais receptivos ao ideário político do tempo do que os rebentos açucaro-


nho privava-os de "formar clientes e de fazer-se um partido entre o povo,

j
cráticos, cuja educação, mesmo depois da criação do curso jurídico de Olinda,
porque eles mesmos são fraquíssimos e precisam da proteção dos negocian-
Lopes Gama descreveu em traços crus. 57
tes [portugueses] com que se honram muito", como esperar que desempenhas-
Indagava a Aurora Pernambucana em 1821: "Quem ignora que o povo
sem papel politicamente desestabilizador?
de Pernambuco se indignou o primeiro e assim que pôde sacudiu o jugo e
Nem tanto a Joaquim Nabuco nem tanto a Fernando de Azevedo. Ao
"' long9 _cI.i.siç.l.ição,a atitude ·aa ·mata norte de P.ethatnbuco e da Paraíb:nfos- 1. se restaurou a si mesmo? Quais forças vieram aqui de fora capazes de esma- .
gar a hidra se ela não tivesse já as cabeças decepadas pelo Hércules do mais
. .toou da da mata sul e de Alagoas, ni~ida-~~nte contri=revoiudônárias. A es-
acrisolado patriotismo?". E Oliveira Lima frisará que, militarmente, Dezessete
- magadora maioii;;:-do;·~;g~~hos confiscadospela-Coroa·sfri.iãvâ=se naquela
foi liquidado "pelos próprios elementos conservadores e até populares da ca-.
região.56 Malgrado sua numerosa parentela na mata sul, Francisco Pais Bar-.
pitania", por tal devendo-se entender os senhores de engenho da mata meri-
reto não logrou recrutá-la, embora venha futuramente a consegui-lo quan-
dional, seus clientes e aderentes, os mesmos que o deão da Sé de Olinda de-
do se tratar de reprimir a Pedrosada (1823) e a Confederação do Equador
signava por "sevandijas do sul", equiparados na sua condenação aos "escra-
(1824). O que no movimento deu relevo à ação do grande proprietário ru- •
vos do norte", isto é, os cearenses, que, salvo no Crato, haviam repudiado o
ral não foi sua posição social mas a circunstância de deter o comando das
mo~vimento.58 Em vão o governo do Recife tentou ganhar o apoio da popu-
milícias rurais, embora esta não se possa explicar sem aquela. Salvo a mata
laçao da mata sul ou aó menos imunizá-la contra a influência dos que cha-
norte de Pernambuco e a da Paraíba, foi nas raras áreas não~açucareiras do
mava de "aristocratas insensatos" que só tratavam de defender "seus velhos
interior em que triunfou que Dezessete assumiu contornos eminentemente
e carunchosos pergaminhos". A eles, não motivava a fidelidade monárquica,
rurais: no Crato, sublevado pela família Alencar e sua clientela, ou no Rio
tão-somente
Grande, onde a rebelião foi empresada pelo morgado de Cunhaú, maior for-
tuna da capitania. a baixa saudade que conservam dos seus tortuosos e mal fundados dtulos e
Araiz da derrota do partido da nobreza na Guerra dos Mascates, a açu- brasões, das humildes zumbaias que recebia a sua prostituída e mal fadada
carocracia havia-se recolhido à rotina a~ia. De{?ois,parte dela desclassifi- senhoria, o horror de se conhecerem iguais em direitos aos outros homens,
•~~;-se soc~alment~-ná est~i;~-d~~~i~;;~te~-ntista do ~~êaf~I~iiând0-a Ind-cce---- entre os quais se julgam como uma raça distinta, nascida para mandar, e
pendência lhe veioab;f; novas perspectivas, a li<iern.nçaj.i_pJo.lh1e:
..coube,ha- finalmente o desejo que ainda lhes arde nós orgulhosos corações de vos pi-
. ~ênd~p~;;J~ ~-~adas urb~~ s~p'?ri9res,ironicamente gescen4f:Il_t(êS dos sarem e cobrirem de desprezo [...] Essa rançosa e abastardada fidalguia do
antigos mascates e que r~sentavam a verdadeira gi::nteendinheirada que . sul é o vosso único inimigo; o povo que os acompanha ou é seduzido ou
dava as cartas no começo do século XÍX,forne~endo vário~o~ag_onistas ao· arrastado à força; e que podem recear homens livres dessa chusma de escra-
ciclo revolucionário. ,;Na;;-io;;;iiz;d~é no decurso de-duas ou três gerações vos, que seguem quatro ou cinco pseudo-fidalgos sem letras, sem talentos,
-~go-p~bii~:
·-p~l~ pel;profissão militar e pelo ingresso IlO clerÓ
secular,_eram sem virtude, que não sabem senão vegetar e arrotar emb6fias e fanfarrices e.
-êles:·nãõ.ããõ.tigâ. nobri~ da~~~ra?q~~':~.?.1.punham"a totalidade dos estu-
dantes universitários de Pernamb~co em Portugal". "Valorizados pela edu-
57 DH, cvii, p. 231; FC, pp. 253-6; J. A. Gonsalvesde Mello, "Nobrese mascatesna Câ-
cação européía.;volràvam sodálmente iguais aos filhos das mais velhas e po-
derosas famílias de senhores de terras", quando não superiores, tornando-se marado Recife,1713-1738",RJAP,53 (1981),pp. 146-7;GilbertoFreyre,Sobradosemucambos,
8• ed., Rio de Janeiro, 1990,p. 574; O Carapuceiro, 17.vi.1837.
58AuroraPernambucana, 29.iv.1821;OliveiraLima, D. joão VI no Brasit ii, p. 819; Dias
Martins, Os mártires,p. 328.
56 Tollenare,Notesdominicales,
iii, p. 647.

55
54
·r·
1

DEZESSETE
A OUTRA lNDEPENDSNC!A

que não estudar.am outra ciênéia senão a história genealógica de suas arrui-
daçol.Qniz.ação.,.azona..da.mata .
_ Qll!!:Se_tr~sé.ct1losdeco rridqs <:loinício__
c~JJ._ti_r,i~:7a,
a,concentrar a vida_<!?-_e,~ovíncia, incorporando 66% da popula-
nadas ~as? 59
çao, malgrado corresponder a apenas 16% da superfície do atual estado de Per:
2!.ªll:1:~~~.°..:.1-'-s_mu~çasvérifica~as desde o período pom6ãlino haviam apro- - ..
"-Ao constatar que não podia cooptar a gente da mata sul, o governo re-
fundado as disparidades geográficas e econômicas entre a mata norte e a mata
volucionário desistiu da tarefa, apregoando que ,''os inimigos únicos que te-
sul,_delimitadas grosseiramente pelo paralelo do Recife. Do ponto de vista geo-
__mps.a yencer sois vós, ql;!-e:,.e~ganados,rejeitais o dom inestimável de uma
lioerdade racional". 6º ~-- ···--. -·-------- lógico, ao passo que a mata norte compreende, junto à faixa litorânea, uma
subzona de tabuleiros sedimentares e, a oeste, outra subzona de estrutura cris-
~-----N~~~~j)êêto, Dezessete prefigur<:>_11:_c>~iclo ~evoludonário da província.
talina, esta última domina a superfície da mata sul. Do ponto de vista morfo-
Embora os caritães-mores e oficiais da milícia da mata sul houvessem feito
climátíco, a diminuição dos totais pluviométricos no sentido leste--oeste se
,~-d~-~d~~~~ ~-;:~~oíuçãofoi ma!_~~b-~a l:~~-~:-~eguindo o exemplo da cO.::-- faz sentir mais pronunciadamente na mata norte do que na mata sul. Os geó-
marca de Alagoas, onde a contra-revofução começou em pouco tempo, a mata
grafos tendem por conseguinte a privilegiar o critério climático, referindo-se
sul formou as guerrilhas realistas,que, embora batidas em Utinga, lograram
à mara norte e à mata sul como mata seca e mata úmida respectivamente.62
isolá-la do Recife, a ponto de a tropa revolucionária ter de recuar para Can-
, . ~ mCl_noculrurad~ cana teve assim de adaptar-se a diferentes condições
deias, e de se julgar que o exército realista ainda estivesse na margem direita
L_fü1cas.Enquanto na mata norte os canav1a1sllciivamcircunscritosâfltárzea:s
do Persinunga quando ele já se encontrava em Sirinhaém. Malgrado disper-
__iti:âteriiãrfas recortadas.pefõs tabuleirõs:1s várzeasnuviaíseâ.sencoscis-süaves,
sar o núcleo contra-revolucionário de Utinga, o coronel Suassuna não lhe saiu
, fugindo das chãs e dos tabuleiros interflúvios, na mata sul eles puderam avan-
ao encalço, dente de que pisava terreno hostil. Ao desfazer-se a tropa rebelde
•çar por várzeas e encostas, poupando apenas os cimos das colinas, onde se
diante do exército real em Merepe e Ipojuca, este já se compunha majoritaria-
refugiaram os restos da Mata Atlântica. Esta diferenciação física e humana,
mente de efetivos pernambucanos que se lhe haviam agregado, lavradores e
condiceiros dos engenhos locais, índios das aldeias e a companhia de pardos
já m_arcante no p~rí<>d()holandês, não deve ser perdida de-'visup;;r·- uem 9
___de.s_e1eC()_mpree~de_r o processo da fodependênciâ: em Pernambuco. O apoio
· de Penedo, os quais correspondiam a 65% do total. Daí que o general Con-
61 ~~~l_aos movimentos insurrecionais dô'ité~iféprocedeí:i'ínvariavelmente a:a-·
gomm • h o nao
- h ouvesse "encontra• d o o mats
• leve o bstacu
' lo na sua marc h a" •
!11.ª!~norte, ao passo que a_i-eaçãopartiu geralmente da matã-suiacõmeçar:·
como acabamos de ver em Dezess tê··--.~-· ---·----·---------·------ ..-•-•--
--- ·-- .. . - . , ---- ____
e_.
· Das condições adversas do mercado internacional do açúcar, os senhores
59 Mello Moraes, Brasil-Reinoe Brasil-Império,i, p. 471. A linguagem desta proclamação,
de engenho da mata sul compensaram-se mediante o aumento da produção,
redigida pelo padre Miguelinho é, aliás, reminiscente da que empregara Arruda da Câmara na sua
carta de 1810 ao padre João Ribeiro, ao incitá-lo e aos seus amigos a que "não se importem com ampliando a utilização das terras que já possuíam; ou avançando pelo bolsão
essa acanalhada e absurda aristocracia cabundá": Arruda da Gmara, Obrasreunidas,p. 264. interior da região, povoado por quilombos e aldeias indígenas e disputado
60 Mello Moraes, Brasil-Reinoe Brasil-Império,
i, p. 476. Por erro provavelmente de copista, também por pequenos cultivadores e pela Coroa, interessada na madeira de
a proclamação aparece dirigida aos "pernambucanos do norte", q~do, na realidade, destinava- construção naval. Retalharam-se também as propriedades, para vender parte
se aos do sul, como se infere do contexto e das próprias circunstâncias de Dezessete e confirma o delas a quem quisesse levantar novas fábricas, inclusive senhores de engenho
depoimento de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que se refere à pr~damação "dirigida aos ha- da mata norte. Entre 1770 e 1820, as unidades produtivas aumentaram em
bitantes do Ceàrá e aos do sul", da Íavra dopadre MigÚelJoaquim de Almeida e Castro, RIHGB,
30, p. 136. 62 Rachel Caldas Lins e Gilberto Osório de Andrade, As grandesdivisõesda zona da mata
61 MunizTavaí:-es, Histdna, pp. 174-5;Tollenare, Notesdominicaler;iii, p. 641; Dias Mar-
pernambucana.,Recife, 1964.
tins, Os mártires,p. 59.

57
56
A OUTRA INDEPEND~NCIA DEZESSETE

dois terços. Foi, contudo, a mata norte a grande beneficiária da "euforia do vam-se comboios vindos do sertão e até de Minas Gerais. Posteriormente,
fim da época colonial", graças ao surto algodoeiro iniciado ao redor de 1780 Goiana chegou a conhecer um tímido surto têxtil, com a produção de arti-
. ·em decorrência da R~volução Industrial inglesa e aa Guerra cteTt1a.ependên- gos grosseiros para a escravaria, mas em 1818 a concorrência inglesa já o ha-
..:ciaãmerícãnã.'1vfâlgrãcfô"ãinfei:1õrídãâê-·aosõlõ-quânc.lõ"-tõm~a--'--.. via aniquilado. 65 Da ribeira do Capibaribe, o cultivo expandiu-se pela mata
'-~;ta sul, a matáseca dispunha de população mais densa e de um setor de sub- norte, rumando daí em direção ao "mimoso", como era chamado o agreste
sistência mais importante, sendo ali que principalmente se :manifestaram os da capitania, e também à Parafba,.Rio Grande e Ceará.
signos precursores da transição do trabalho escravo para o livre, sob a forma _·t:.Jumaseg~nda etapa, os se~h;;es de engenho da· ~~ta norte converté~·••••••
dos condiceiros, homens livres a quem o senhor de engenho concedia terre- ram.:5-~godão, usando assalariadÕ~e mão-de-obra escrava e utillzancfo..Õs•
no onde edificar moradia e plantar víveres, em troca da obrigação de certo ,Lterr1:n.9~_9ll._~:~ão ou se prestavam mal à cana, cotno ós"iã6ülêfrõs
;<:..e~estavâm •
número de dias de trabalho. 63 as encostas, emboraas várzeas continuassem reservadas aos canãviaíi-Koster
Segundo o autor da "Idéia geral", reparou em muitos engenhos que cuitivavarn algodão de boâ-quàlídade, a
apenas uma ou duas léguas do mar; e no caminho do Recife a Natal, topou
continuavam os rotineiros pernambucanos sem já mais se lembrarem de que com sítios onde convivia com a lavoura de subsistência. Na mesma época,
fosse possível serem mais sábios nem mais ricos do que os seus décimos avós, Tollenare visitou pequena propriedade algodoeira dos arredores de Olinda.
senão quando uma nova planta, nova pelo apreço e estima que começou a O algodão estimulou o parcelamento das terras de muitos engenhos, como
merecer, veio acordá-los da sua longa letargia [canavieira]. Foi esta planta a aquele que Koster conheceu em Jaguaribe, pertencente a uma confraria de pre-
árvore que produz o algodão, árvore admirável, à cultura da qual se entrega- • tos livres de Olinda, que o arrendara a "um grande número de pessoas de baixa
ram avidamente os pernambucanos, logo que as primeiras experiências lhes condição". Mas foram os senhores rurais do interior cristalino da mata seca
mostraram o pouco trabalho, as módicas despesas e extraordinários lucros
que tiraram maiores vantagens. A poente de Paulista é que verdadeiramente
que deste ramo podiam e deviam esperar. Abandonaram-se, portanto, os en-
começava o "cotton country" descrito pelo inglês. Testemunha dessa marcha
genhos e correu-se para o algodão e nele fizeram tais progressos que causam
para oeste é o deslocamento das máquinas de descaroçar, as quais, original-
espanto. 64 '
mente localizadas em torno do Recife, transferiram-se primeiro para Goiana
,_Oproduto integrou ao comércio internacional os pequenos cultivadores, e depois para Limoeiro e Bom Jardim. 66 Do surto al_godoeiro,não podiam
.. 91:1:e_~bandonar~a mandioca; causando crises períódicas de abastecimen:ro-- .,1:irarPªLtJgg os enge!)hos da mata sul, cuja ecologia lhe era desfavorável.
,._contra as quais lutaram os governadores coloniais. Graças ao incentivo J) algodão romp~l!._tre~~~~os anos de hegemonia açucareíra, dotando a
Companhia Geral de Pernambuco e da Paraíba, os primeiros núcleos algo- ,economia ~egi()nald~_1:1.1:1!..S.~?r
dinâmico que, ao invés do açúár,qii:e seguia •
doeiros se haviam situado no planalto de Garanhuns e às margens do médio atado ao entreposto do Reino, respondia ao~m'ülo da indústtftíJx1:írorí-·--····
Capibaribe, em torno de Santo Antão, São Lourenço, Nossa Senhora da Luz, tânica e da francesa. Lisboa manteve até por volta de 1820 sua função de
Tracunhaém e Limoeiro. Parte da matéria-prima era utilizada nos distritos reexportador do açúcar brasileiro para o mercado europeu, em especial Ham-
produtores pela manufatura artesanal e doméstica, e do restante aprovisiona-
65 Guillermo Palacios, Cultivadoreslibres,Estadoy crisisde la esclavituden Brasilen la época
de la Revolucit>nIndustrial,México, 1998, pp. 121 ss.; Galloway, "Pernambuco", p. 251; DH, ciii,
63J. H. Galloway, "Pernambuco, 1770-1920: an historicalgeography", tese à Universidade PP· 259-60.
de Londres, 1965. 66 Koster, Traveis,pp. 66, 198,201,206,215,242,366; Tollenare, Notesdominicaks,ii,
64 RIAP,29-30 (1883), p. 60. p.435.

58 59
A OUTRA INDEPENDllNCIA ÜEZESSETE

burgo e Gênova, que atuavam como redistribuidores para o Mar do Norte e Esta últil11ª_cg.11stcie.r;i_ção
não era menos importante, na medida em que
para o Mediterrâneo. A Grã-Bretanha, que absorvera de 1796 a 1801 dois 2 Recife, ao contráriq çl9 R.io_~J!~.S.alva4Q!,.Jtãodesenvolvera um núcleo ãu=· •
terços das reexportações portuguesas de algodão, passou a comprá:lo direta- J.Q_llQffiQ_Q~ de escravos, com ~!i~~
!Ilerc:adC>i.:.e.5._~pecia_Uzados_QQ_9:@co
__
~te_ij);irtir de 1808. Em 1823, 66% das ~~p~rtações do Recife seguiam prnyíncia rnantinh;i,s~ na dep~n.<:i_ên~}a do comércio negreiro lisboeta e, sub~
para a Ingláterra, a França e outros países, enquanto Portugal contentava-se ~idiariamen~~L4()~_rnercado_!eS l:iaia~o.s.Joseph C.Mill;:--;;-~ti~a-q~é O"mõn-
com 10%. Um terço do total das nossas importações procedia da Inglaterr~,- tante da P~:ti~ipação pernambu~~~ no tráfico africano não superava a mar-
mais de um 1/4 correspondia ao tráfico negreiro e 1/4 à entrada de produtos ca de 10% db total do seu coniêrcio marítimo, inch:iiriifo-aspeças que transi-
vindos de Portugal. Do ponto de vista do comércio britânico, a área do en- tavam para as capitanias vizinhas.69 Ao tempo da Independência, o Recife
treposto recifense·era a mais importante região brasileira, observando Lord constituía a destinação do que restava de investimento português no tráfico
Strangford que, sendo geral no Rio e na Bahia o ódio contra os ingleses devi- de Angola e Benguela, sendo então o segundo porto importador de mão-de-
do aos entraves ao comércio negreiro, a exceção era a lavoura dos portos do obra angolana. A importação de escravos de Angola pelo Recife, ascendente
Norte, que lucrava com o comércio direto com seu país.67 de 1812 a 1817, quando chegou a 5.932 peças, caiu em 1822 para3.203, em
O surto algodoeiro subverteu o equilíbrio no interior da zona da mata 1823 para 2.108, em 1824 para 498, e~ 1825 cessou completamente, sen-
e, em decorrência do relevo adquirido pelas expo1::(~S:?es
da Paraíba, Rio Gran- do retomada em 1826 (2.515).7º
" de e Ceará, no âmbito do próprio entreposto recifense.,Seu valor sobrepujou
. ____
odas exportações de açúc~~;-passando de 37%··ao-mtal (1796) para.48% •
iNo séculoXVIII, a ma!:<J: ª
.ric;igeJtªclq~i.!-'i_rafüi_on()111i;:i
própda que lhe
1 dava uma_relativa~iversificação econômica, baseada na pesca, na f;~i~h~. no
(1806) e 83% (1816), enquanto o das exportações do produto tradicional _fu.mo,na cal, nos cocos, utilizadÕsna manufatura dê'êõXdagem;·n:osãl;-inâls-
declinava de 54% (1796) para 45% (1806) e 15% (1816)_.Se oJJrasJo de Per- <-_pensávelà salga da carne e ao tratamento dos couros do se~tão ~alenhàde
- ••••• • ,... ., ' ,. ---·--------------~--' .........
nambuco imaginado outrora por Nassau representara uma jov~m_emp_~: e man.gue, cujo tanino constituía matéria-prima dos curtumes recifens~s.-Em
nhando uma haste -de-canã-;-abandeira da Confederação do Equador simbo- • t~d.a ; ;;;Sta entre Olinda e a foz do Go1àna: habttava uma popüiaçio livre
Jizará.a dualidade da e~~nornia regional, ornamentando-se-também com um cuja densidade surpreendia os viajantes, especialmente em Itamaracá, parte
galho de ~o~ão. o surto-algodoeiro diferêilCÍOUassim os interéssesdafavou- mais populosa da província, com exceção do Recife e cercanias. Quadro oposto
,4°a de exportação, nuançando a maneira pela qual encarou o processo da ln- aguardava a quem jornadeasse pela marinha do sul, que permanecia o quintal
.. dependência. Enquanto para o alsodão o objetivo maior era a preservacãÕd.a._ da economia canavieira, uma franja ininterrupta de sítios de coqueiros e de
liberdade de comércio, o açúcar, embora também desejasse mantê-la, tinha manguezais. Correlatamente, a mata seca era maís "urbanizada", nela se locali-
de levar em conta que a antiga met;óeole continuava a s~; ~eu pri~~Jr_al<:!1.:._ zando os aglomerados populosos, com número mais elevado de casas de pe-
~osE_?.~ ..9~<:_<:>s:~p}t~;111;i{;~~~-(q~tro-~u cinco grandes negociant~ __i:_1:_i-
_ dra e cal. Embora já se houvesse iniciado o êxodo da população da mata para
nóis estabeleci~~_E~_p_~~ça)_~nda financiavam e comercializavarr\Je!?~ o Recife e para outros núcleos regionais, como assinalou Maria de Lourdes
. ção açucareira ~garantiam o s~primento de mão-de-obra africana... _ Viana Lyra "o crescimento das vilas da mata úmida em termos globais era bem

69
Na realidade, o montante situava-se em 1822 em 17%: Jurgen Schneider, Handel und
67 C. K. Webster (ed.), Britain and the independenceof Latin America, 1812-1830, 2 vols., unternehmerimfranzosischenBrasiliengeschaft,1815-1848, Colônia, 1975, p. 379.
Londres, 1938, p. 171; Alexandre, Os sentidosdo Império,p. 35; Lumachi, Resumoda importaçãoe 70
Joseph C Miller, Way of Death. Merchant capitalismand the Angolan slavetrade, 1730-
exportação;Kostçr, Travelr,p.·10; Cados Guilherme Mota, Nordeste,1817, pp. 42-3.
1830, Madison, 1988, pp. 360,458, 506-7, 351; Manuel dos Anjos da SilvaRebelo, Relaçõesen-
68CCF, I 7.i.l 821. tre Angolae Brasil 1808-1830, Lisboa, 1970,.pp. 102,218 e quadro 4.

60 61
A OUTRA INOEPENDSNCIA

mais lento que o das vilas da mata seca", adensando assim na mata norte uma
T DEZESSETE

tributários importantes. Em todo o centro, predominava a lavoura de subsis-


camada social que, vulnerável sobretudo às crises de subsistênciã provocadas _tência,a criação de gado 'e:mars-rêceni:emenée,·oalgodão. Suas boiadas, contu-
pelo algodão, aguçará a instabilidade política do período. 71 do, não seguiam para o Recife, mas para Sãfvãéiõr:·-poisà zona da mata e seus
Ainda outra diferença relevante no conjunto da zona açucareira repor- núcleos urbanos dependiam sobretudo das fazendas paraibanas, rio-granden-
tava-se às estreitas relações da mata nortecom·o agreste e õsei:ião:--Gõíaiiã; ses e cearenses, o que explica a importância regional da feira de Goiana.7 5
segundo n_4ç!çocitadino da p_rqyí11cia, combinava aT;wH~dadedàs comuni- j\p<p~J~_ção do centro, indígena ou mestiçada, era notória pelo fanatis-
cações flúvio-marítimas para o·Recife com a sua condlção de porta do sertão·;··· mo monáf.:qui_c:9._~111 1817, _osú{d1~; havi~ massacrado quem-quer ritfo-se·
o que lhe permitia competir vantajosamente com as capitais das províncias dispusesse a gritar 'Viva El Rei"; e em 1821, Cimbres rebelou-~e contrai •
vizinhas. 72 Bom Jardim e Limoeiro serviam de entreposto para o algodão e ~~~lução liberal portuguesa, opondo-se à realização de eleiçõés às Cortes de
os couros procedentes daquelas áreas e pàra os produtos que as demandavam. Lisboa, persuadidos de que o regime constitucional iria escravizá-los e que o
Rumo à feira de Goiana, as boiadas desciam desde o Piauí para o abasteci- Recife achava-se sob o controle de um partido que negava obediência ao mo-
mento do Recife e da mata. Aos festejos populares de Nossa ~enhora do Ó, narca, o que também se havia verificado em lugares da Paraíba. Quando do
no litoral, acorriam romeiros na distância de 150 léguas, Enquanto a partir atentado contra o governador Luís do Regó, o batalhão de milícias de Li-
da mata seca penetrava-se facilmente a oeste, os contactos regulares a poente moeiro, outrora uma aldeia dos padres da Congregação do Oratório, pôs-se
da mata sul eram estorvados pelo cinturão de floresta atlântica, desde a ribeira em marcha para.unir-se às forças fiéis ao general, que se julgava, como ocor-
do Ipojuca até Alagoas, onde sobrevivia uma população miserável de brancos rera a seu predecessor em 1,817, acuado numa fortaleza.76 Ademais, o centro
pobres, índios e negros papa-mel, que serão mobilizados pelos senhores da sentia-se ignorado pelo Recife. Em 1824, a um liberal de Cabrobó parecia que
mata úmida em Dezessete, Vinte e Quatro e no período regencial.73
o Excelentíssimo Governo da capital ou não conta com os centros da pro-
Quanto ao centro da província, que era como se designavam o agreste e
víncia, ou considera os habitantes dos mesmos despidos de toda a represen-
o sertão, levava uma exisi:ênciamarginal, devido à rarefação demográfica eà
--- ·--------._ ............ - .. .,.__ ............. ·-------·-·· ..7;r·-------···· ········· ·- .1 tação nacional, pois é tal a indiferença que nem resposta têm suas petições.
distância. Em termos do atual território do estado, o centro corresponaia
Estes desprezos da parte do governo, os desgostos dos habitantes pelo esta-
apenas 10% d; população, po~uindo somente cerca de quinze povoações, das -·
do de orfandade em que se acham, podiam ter produzido efeitos funestos
quais apenas Cimbres contava éom mais de mil habitantes. O agreste era
tanto aos centros como à capital se não fosse o zelo de alguns patriotas em
povoado em áreas da Borborema, como Garanhuns, e ao longo da ribeira
moderar as influências dos partidos. Bastava o governo olhar para a nossa
superior do Ipojuca; e o sertão, às margens do rio São Francisco e dos seus constante união e conformidade de sentimentos com a capital, mas não se
deve fazer abuso do nosso silêncio e submissão, julgando-se que da nossa
71 ABN, 40, pp. 22, 25-6, 31; Koster, Traveis,pp. 229, 259-60, 270,272,297; Tollenare, parte só está o obedecer e que no todo ignoramos a reciprocidade dos nos-
N1Jtesdumínícales,ii, pp. 361-2; J. M. Figueira de Melo, Ensaiosobrea estatísticacivilepoliticada sos direitos.77
provínciade Pernambuco,Recife, 1852; Viana Lyra, "Centralisation, systeme fiscal et autonomie
provinciale", p. l 06.
72 ii, p. 405; ABN, 40, p. 46.
Koster, Traveis,pp. 52 e 230; Tollenare, Notesduminicales,
73 depobresnas matastÍIJ tombo
Vd. a respeito Dirceu Lindoso, A utopiaarmada.Rebeliões
75 J. H. Galloway, "Pernambuco", pp. 248-9, 255-6, 262-5, 270, 274, 308, 310.
real (1832-1850), .Rio de Janeiro, 1983.
76 CCF, 4.viii.1821; AuroraPernambucana,26.viii.1821.
74 Descontada, portanto, a.extensa regilícida margêm esquerda do São Francisco, que será
77 PAN, 22, p. 131.
amputada a Pernambuco por D. Pedro I em 1824 e pósteriótmenée anexada à Bahia.

63
2.

A junta de Gervásio
(outubro de 1820-setembro de 1822)

A notícia da Revolução constitucionalista do Porto, em agosto de 1820,


_foi_recebidano Recife dois meses dêpois.TJ~E_ii_~r-lürs clóRêgo Barreto •
1 procurou controlar as repercussõeslocais, à espera de uma definição de D. João
VI, cuja indecisão inata, submetida às pressões dos grupos que divergiam na
Corte sobre o rumo a tomar, só será vencida em fevereiro de 1821. Mas já
em novembro Luís do Rego fazia abortar uma conspiração de oficiais e fun-
cionários. Em começos de março de 1821, ao saber-se que a Bahia, à maneira
do Pará, aderira ao movimento vintista, formando junta provisória, circula-
ram os rumores de um levante projetado para a procissão das Cinzas. 1 Luís _
. do Rc::goresolveu não mais esperar por El Rei e convocou um Grande Con-
selho. Assim designava-se uma assembléia composta de autoridades civis, mi-
_litares e eclesi~ª~' dos membros das Câmaras ae OTínâãedo.Rêcifee-de
- qutr9s nqtáveis locais,_convidados a opinar sobre os negócios públicos em
_.ocasiões4_~ crise. Depe~-d~~d~J; p~;~ên~i~-d~ assunto, compareciam tam:
bém representantes das câmaras da zona da mata, embora, em face da distân-
cia, os das câmaras do agreste e do sertão não assistissem jamais.
Ao Grande Conselho, Luís do Rego expôs a impossibilidade de "opor
barreiras à torrente impetuosa da opinião", em face da acumulação secular dos
problemas institucionais da monarquia, os quais, não havendo sido resolvi-
dos em seu devido tempo, teriam de sê-lo agora, sob a égide da Coroa e pre-
servada a integridade do Reino Unido. Adotando proposta do governador,
decidiu-se por unanimidade que "os interesses dos povos do Brasil não serão

1 MemiJriajustificativasabrea condutadJJmarechal-de-campa
Luís dJJRegaBarreto,Lisboa,
1822, pp. 22-3; RIAP, 52 (1979), p. 192.

65
A OlJTRA INDEPENDtNCIA A JUNTA DE GERVÁSIO

separados dos da antiga metrópole"; que, "conseqüentemente, a Constituição Quando justificar-se posteriormente perante as Cortes, Luís do Rego
do Brasil devia ser aquela que Sua Majestade concedesse aos povos de Portu- pretenderá haver cogitado, de início, de proclamar a adesão de Pernambuco
gal e mais possessões"; e que neste ínterim a província se submeteria "à von- ao regime constitucional, só sendo impedido pela funda animosidade entre
tade soberana de Sua Majestade sobre quaisquer limitações ou reformas ten- brasileiros e portugueses legada P?r Dezessete. Refratária a qualquer mudan-
dentes a manter o decoro e direitos incontestáveis de Sua Real Pessoa". Neste ça, a comunidade lusitana do Recife, que dominava a Câmara Municipal,
sentido, Luís do Rego encaminhou representação ao monarca, reconhecen- /--remia p~rder-o controle dasíéüaç[ôcaso-ãgõvêríiaâõfãâ.õr~.rp--oJ:frita:-
do, em proclamação à província, que "a opinião pó.blica, as luzes do século, ,de reconciliação para os ex-revolucionários; e até jactava-se de que, com o
~~igôÜ novas instituições fundadas sobre princípios liberais que-concÕr~ regr~;;~-de D. João VI ao Reino, o ~~~~pólio colonial seria restaurado. 4 É
igualmente à grandeza e à felicidade ao·s-reiseOOs·povõs", e assegurando que certo que, a partir de março, Luís do Rego procurou liderar o processo cons-
e •..-•-·-----~---·-·- ---- .
tais aspiraçõêsseriani certamente -ãtendíêlãs p-orD:João·VI, embora frisasse titucional na província, mas é verdade também que essa ambição estava con-
que, enquanto isto, as autoridades manteriam a obediência às leis, punindo denada ao fracasso, em função do papel que lhe fora atribuído em Dezessete,
implacavelmente quem as transgredisse.2 muito embora durante sua gestão tivesse dado provas de certa modera1tãono
Não se enganava Lainé, o cônsul da França, quando afirmava que tais trato dos vencidos de que haviam carecido conspicuamente os magistrados da
medidas haviam sido adotadas sobretudo por prudência. E, com efeito, Luís Alçada, contra cujos excessos representara a El Rei.
do Rs=~dativa com o argumento de que, nà sua "trísresTuia"- O irrealismo de pretender conciliar o partido brasileiro tornou-se eviden-
á~º [...] foi o meio de qi:i"elmc'ei"mãõ o único possível para salvar està pro- te a partir de abril, ao frustrar-se uma conjura para destituir o governador e
~íncia dos horrores da guerra civileconserva=1a··a:sua Majestade intacta de estabelecer um governo provisório de eleição popular. A esta altura, a junta
i~~a~es';."Adirui"tava-oCônsul que,Oaaaa agitãçãopolítica, Luís do Rego de Salvador libertara os prisioneiros de Dezessete no entendimento de que
prometera ao Grande Conselho que, caso não recebesse novas do Rio até 2 ~_promoveriam a queda de Luís do Rego;-que, com Fidié, no Maranfiio, e
de abril, proclamaria o regime liberal e estabeleceria um governo provisório. Lecor, na Cisplatina, eram reputados pelos liberais portugueses formarem o
Salvou-o de dar o arriscado passo a corveta que, em fins de março, trouxe os "cordão sanitário" de que disporia o Rio para esmagar o constitucionalismo
despachos da Corte informando que D. João VI jurara a futura Consdtui_ção_ reinol no Brasil, preliminar do projeto de derrocar o Vintismo em Portugal.
1 (2~~ _ _}821). O gov<:_~J?a.d,()r.__apressou-se
emkro_decretg_r~g!QilO r~_çif):~ Emmaio, com o regresso d'El Rei a Lisboa, a província jurou a Constituição
...._Câmara do Recife, prestando com as demais autoridades idêntico juramento; , ser elaborada pelas Cortes, mas o retorno dos ex-revolucionários deu vigor
e em promover as comemorações públicas pelo evento, nas quais ele e a fa- redobrado à hostilidade entre brasileiros e lusitanos, com o que "os clubes,'
mília também entoaram o hino constittJ.cional português. Sob sua presidên- que até-ent:ãohavia com-âlgiima caiii:efa,-i:õri-iaram-se freqüentes e feitos às
cia, Luís do Rego estabeleceu um Conselho Consultivo, escolhido a dedo entre daras", embora a gazeta oficial, Aurora Pernambucana,congratulasse a junta
personalidades do círculo que geria a província desde a repressão de 1817, o da Bahia, que, inspirada pelos "princípios da humanidade", dera-lhes os meios
qual deveria, enquanto o novo regime não reformasse a monarquia, aprovar de "aportarem às praias da sua recobrada pátria". Em junho, transcorreu nor-
providências tendentes a corrigir os abusos da administração e organizar as malmente a eleição dos deputados da província às Cortes de Lisboa, entre os
eleições da deputação pernambucana às Cortes. 3 quais se contavam dois retornados da Bahia e outros conhecidos pelo "seu
extremo patriotismo". Pela mesma ocasião, a demissão do conde dos Arcos,

2
AurqraPernambucana,23 e 29.iv.1821.
3 CCF, 4 e27.iii.1821;RIAP,52i (1979),pp. 192-3;AurqraPernambucana,
31.iii.e 7.iv.1821. 4 Memóriajustificativa,pp. 29-30; CCF, 4.iv.1821.

66 67
A OIJTRA lNDErENDBNClA

principal ministro do Regente D. Pedro, forçada pelos liberais portugueses


í A JUNTA DE GERVÁSIO

grandes proprietários da comarca, que o sustentaram com dinhei:ro e víveres.


•do Rio, induziu Luís do Rego a propor a criação de governo que incluísse as .DevidoJ_s_1:1ac_omposiçãobrasileira e à presença de ex-revolucionários, a in-
5 '"surreição logo_tornou-se suspeita no Recife de-segundâs intenções repi.iblicà--
duas facções da província, idéia rejeitada por outro Grande Conselho.
l _ nas. Por sua vez, esboçava-se a rt?açãoda mata sul, cujo sentimento,rruiciçi:
Em Salvador, Francisco Pais Barreto, morgado do Cabo, e José de Bar-
...rosF<llcãoci~G:;;~J;h~~~ sido encarregadoscle'depãr'Luis ao Rego e pro- mente favorável a Luís do Rego, permitiu que as milícias do Cabo, Ipojuca,
--~~;;;;·; ekiçã~·p;;p~M de urna junta. A descoberta aeçotnpiõ-;·aesi:inaa;q -~. . ... Rio Formoso eÁgµ<1-Preta reprimissem as veleidades de adesão a Goiana.
- assassiná-lo à sacaa do·tonselho e cercar o batalhão dos Algarves no seu quar- No Recife:~ pâ~ico causado p~l~-~~vimento de Goiana colocou o go-
tel, levou à prisão de vários conjurados. Dias depois (21.vii.1821), verificou- vernador na posir de resistir militarmente,.à espera de ordens de Lisboa,
se o atentado contra o góvernador, cometido por antigo revolucionário não ao mesmo tempo·em que transformava o Conselho Consultivo em Governa-
por motivos políticos mas pessoais, como virá a reconhecer a Aurora Pernam- tivo para incluir delegados das câmaras, manobra a que se negou a junta de
bucana.O episódio, que resultou na deportação para Lisboa de 42 indivíduos, Goiana. Contando com tropas de infantaria que haviam abandonado Luís do
inclusive Pais Barreto 6 Barros Falcão, levou Luís do Rego, para gáudio da Rego, os goianistas ataca,,ramo Recife, sem conseguirem levá-lo à rendição.
comunidade lusitana, a renunciar em definitivo às suas intenções conciliado- O impasse militar foi reconhecido pela convenção do Beberibe (5.x.1821),
ras, afirmando à Câmara do Recife haver conhecido finalmente quem eram que congelou a situação, sustando as hostilidades até recebimento de decisão
seus "verdadeiros amigos" e louvando-a por ter previsto "o objeto da facção do Reino. Neste ínterim, as Cortes atendiam a reivindicação da deputação
que tentou com a minha queda extrema representar nesta povoação as mais pernambucana, substituindo Luís do Rego por uma junta civil eléita e com-
horríveis cenas da discórdia e da anarquia". Convencido de ser inaceitável pa- posta de sete vogais, mas sem controle sobre a tropa, posta sob as ordens de •
um comandante das armas diretamente subordinado ao Reino, sistema que
, r~_:.9J>~rtidobrasileiro, ~_governador, ant~ mesm~-~?-~~e~~~~-~• tentar~ ins-
taurar junta provisória contra a opinião do Grande Conselho, que prefena es- virá a ser aplicado a todo o Brasil, onde será encarado como estratagema vi- •
perar pelas Corres, e escrevera ao RegentectefenãeiülO-ai~e~a-:-q~eD. ~edro sando a prolongar, sob novas vestes, o regime colonial. Luís do Rego partiu a
aprovará quanâo 1Iloriai:cfé':6- _ - 26 de outubro, no mesmo dia em que o colégio eleitoral reunia-se para sufragar
••••••
• có~ a prisã~-de Pais Barreto e Barros Falcão,\~ tarefade __ ~~~n1_bar Luís o primeiro governo constitucional.da província.7
do Rego recaiu sobre dois outros retornados, Felipe Mena <::aladoâa Fon:eca Aexceção do comerciante português Bento José da Costa, 8 que recolhera
~-Ma@d ClemmiêCavalãi.niIDacto ó·pa:pêlclamãiãseciem Dezessete,~ o maior número de votos (157), ~~ires Ferrei-.
rP;~~ou a servir de b~~ ;-;I"noy!~~~t~: Instal;i~_osnasua fronteira ocident~, .
eles aliciaram as milícias de Paudalho, Tracunhaém e Nazaré, que marcharam
g~;~~~Ó-p~~vis~~i~.:..~om
7 CCF, 20.ix.1821; RIAP, 13 (1908), pp. 7-9, 61; Antônio Joaquim de Mello, Biagrafias
sob;~-G~~?, onde p;~~l;~~r~ -~I"n o apoio dos
-----·-·- .. -· . - ·-··-----·--- de alguns paetaJ e homens ilustres da província de Pernambuco, 3 vols., Recife, 1856-1859, iii, pp.
43, 46-7; Conrado Jacob de Niemeyera Luís do Rego Barreto, 3.ix.1821,Arquivo Público de Per-
5 CCF, 4 e 8.iv. e 9.vii.1821; Aurora Pernámbucana, 7.iv., 9 e 10.v.1821. A gazeta, primei- nambuco, Obras Públicas, 1817-1828; Memóriajustificativa,passim-, [Conselho Estadual de Cul-
ra a ser editada em Pernambuco, era redigida por Rodrigo da Fonseca Magalhães, que fugindo para tura], Pernambuc(Jna movimento da Indepenrhncia, Recife, 1972, passim; Denis Bernardes, ªOpa-
Recife à raiz da conspiração de Gomes Freire de Andrade, fora protegido por Luís do Rego, ca- triotismo constitucional", pp. 301 ss.
0
8 O qual, contudo, fora sogro de Domingos José Martins, embora se dissesse haver sido
sando-se com filha sua. Nos meados do século XIX, ele será uma das primeiras personalidades da
cena política portuguesa. coagido a concordar com o casamento. Bento José da Costa tinha a reputação de ser o mais rico
6 CCF, 13 e 23.vií.1821 e 20.ix.1821; Aurora Pernambucana, 23.viii. e 2.ix.1821; Memó- comerciante do Recife: sua fortuna, calculada em milhão e _meiode cruzados, compunha-se de
"embarcações, prédios urbanos e rústicos, inclusive engenhos, fazendas de gado, gêneros de co-
ria justificativa, pp. 37-40.

68 69
AJUNTA DE GERVÁSIO
A OUTRA INDEPEND~NCIA

o contingente do Reci-
Beberibe mas que ob- fluência sobre a força que haviam reunido, .inclusive
ra (1821-1822), um dos negociadores da convenção do a. Gervásio
, compôs-se de ex-revo- fe que desertara para Goiana e fora depois aquartelado em Olind
tivera apenas 87 sufrágios, segundo escore mais baixo s unidades, para terror
m tido mesmo atua- tratou de reincorporá-lo, disseminando-o pelas antiga
lucionários, o que desagradou o Rio, Três membros havia mater ializa r o "grande medo"
yerv~s!~_que_.E___ __ da cor_nunidadelusitana, persua~ida de que se ia
ção conspícua em Dezessete, a começar pelo Presidente. . Muitos reinóis abas-
amília.demer~ colonial do massacre .de portugueses e saque da praça
~ncia ..à.~meira~r_ªç!Q_p~rnªmbyç;m.a_.de.umaJicaf na terra, refugiara!IJ.-
qo ~9n:iércioportuguês tados, que pertenciam ao comércio português sem raízes
~ra,.eriÍgrai;tc:rninente, o representante daquele setor ou abandonaram Per-
..P:Iõ.~~!~s?.Cdê"família. '· se com suas famílias nas embarcações surtas no porto
,já "r1adõ;;Jizad~"-peÍa~~êÍicia, pelo nascimen_~_?_.: apenas local da elite nambuco, calculando-se em cerca de 1.400 o número
dos que se retiraram
Em vez da educação bacharelesca da elite coimbrã ou Lisboa, Porto e até a
come rciar muitos anos ou para outras províncias ou para as ilhas do Atlântico, .
brasiliense, a sua fora exclusivamente mercantil. Após Inglaterra. 10
onde passou a negociar,
em Lisboa, Gervásio regressaraem 1809 ao Recife, de .P.t2~S.2~-g~_G_er- __,
com?. conselhdr~Q~ , . Como, tentara sem êxito PJ!.ZC~sete,.as_primeir.?5
inclusive com a Índia. Ao governo de Dezessete~r:i ? ::ug~~.::_:uropeus" .e
ao padre João Ribeiro, ".~T
yasio••tam_~~P:.'.1J>~!f - :I1:,:~~?!fi1.
..:~. :11~
..~1:,:: ~,)~,~
assuntos fazendários; tornando-se i:ãõT~ifuentejunto
_'<;_~rtas emtudg. Se -~_g~~~~~.:..:_~ frei Caneca coube propor um compromíssô
que integrara o chamado grupÕdOs quatro, que aiv~~ do antagonismo entre
tendências políticas de hi~t~:ico. Num texto em que destrinçava as causas
uma amizade estreita podectâr pista segura sobre as mais agudo em Per-
Gervá sio estava muito ligado a remois e mazombos, comum ao Novo Mundo, porém
um indivíduo, ao deflagrar-se o movimento argumentava que os
or de Olinda vinha nar_nbucodo que no resto da América portuguesa, ele
Antônio Carlos, a quem hospedava em casa quando o ouvid erar e serem considerados
ns de negócio, sem vínculos lusitanos domiciliados entre nós deviam-se consid
à praça. Por fim, quatro dos sete vogais eram home tivessem Pernambuco
termos da Indepen- tão pernambucanos quanto os naturais, contanto que
empregatícios com o Estado, v~rrui.deiranovidade em do a preterição dos
por funcionários ci- por sua pátria, empenhando-se no seu progresso e cessan
dência, via de regra conduzida, no Rio e nas províncias, os e na carreirà militar,
l naturais nas atividades comerciais, nos cargos públic
vis ou fardados. 9 terra. Frei. Caneca bus-
a. açúca
__ reifa, a ju11t.1d~..G:~r:.._ prática que alimentava a hostilidade dos nascidos na
Malgrado a predominância elei~°.r~_clrnª't;i ...W.fü.__4~p~.
v.ísioerã-exdus1vãment~-i.=~~ifê~ê;;ecrutando-se no
comé rcio, no der<>,.11ª- ~ª dissipa~ o mal-enten~J.
~<::~u~~
força ª~~ada-~ -na; p;~ri;;õ;~.Úbe~ais.Face ao dissídio entre mata norte,
a ...~!11t~-o4yg~r~ ruÜ~i~e:~~JPAtd~-de.nat~2~~~~;~
_,,_
de direito ). Os lusuan os possu íam a pama cte Iügar, a aldeia
Rego, o colégio elei- c:~1!!-~nt.QJpama
~nstitucionalista, e a mata sul, que sustentara Luís do mbuco, onde tinham
ietário s rurais. Embo- ou cidade em que nasceram, e a de adoção, no caso Perna
toral marginalizara deliberadamente os grandes propr devia ser feita pela
natos, teriam preferi- suas famílias e negócios. Mas em caso de conflito a opção
ra se pretendesse que estes homens, quais outros Cinci dual, enquanto a natu-
, os cabeças do movi- pátria de adoção, que resultava de uma decisão indivi
do voltar desprendidamente ao amanho das suas terras ralidade era obra do acaso. 11
da extinta junta goia-
mento sentiram-se frustrados, entre eles o Presidente
uavam a exercer in-
nista, Francisco de Paula Gomes dos Santos. Eles contin
10 pp. 41, 44, 53, 58; CCF, 3.xii, e
Mello, Biografiasde algunspoetas,iii, p. 49; Atas, i,
por
o, G. X S., Coimbra, 1822, pp. 53-6; Ecosdas
intenta e fàzer quantos negócios se lhes ofe- 9.xii.1821; Ewgiohistóricode Lufsdo RegoBarret
mércio, etc., tem sempre moeda paracomprar quanto vozesdoseuropeusemigra dosde Perna mbuco ,
Lisboa , 1822.
recem", DH, cv, p. 242_. 11 de Lourdes Viana Lyra,
13-4; Cartaprimeira estritaao.Senhor Peças,ns. 10, 12 e 14-6; FC, pp. 53-99. Vd. a respeito Maria
:9 Diâs Marcins;Os mártires,pp. 177-8; AJM, pp; Caneca", RIHGB, 393, pp. 1.021-40.
Lisboa, ,1822; O Espelh o,12.xii;1821: ''Pátria do cidadão. A concepção de pátria/nação em frei
Redatorda-''Segaitega~pernambucana,

7l
70
A OUTRA lND.EPENDnNCIA A JUNTA DE GERVÁSIO

. Os propósitos conciliadores de _Gçrvásionão resistiram ao primeiro em- desembarcava em bandos de cinqüenta ou sessenta, ameaçando indiscrimi-
b~!;:.Apresença dos goian1stas,já insatisfeitos ~o~ a ~~~~ção do Beberibe, •• nadamente pretos e mulatos. 12
reavivou o antagonismo com as unidades que haviam apoiado Luís do Rego, A comunidade reinol acusava a junta de haver recrutado um "batalhão
sobretudo o execrado batalhão dos Algarves,contra as quais eles contavam com ligeiro", ?:sti~ado a intimidá-la. ,O padre Lopes Gama, que não era panidário
a simpatia dos estratos populares de que procediam e a quem o triunfo do de Gervas10.'1se~tava-o, contudo, de responsabilidade. Ocorria apenas que,
movimento abrira perspectivas de participação política frustradas em De- face aos mais variados rumores, . ••
zessete.Já <:<>m.motivo da eleição da junta, a gente de cor havia bradado con-
os paisanos corriam armados aos quartéis e se incorporavam para ajudar os
tra a inclusão d~:Bento José da Costa. Anoite, r~fereo-êõnsulâa-Frãnçã, •""mf.:-'
batalh.ões da terra, e como não tivessem corpo a que pertencessem e fossem
paniênegtos e~clemulatos percorriarti ~ ~úas, c:m.tando·ohino pãfriófü:o e
prontíssimos em correr às armas, começaram de os denominar "batalhão li-
gritando 'Viva a Constituição"~Ern,nqye,mbi:Q,.s,o~e~ Q§ d.~t.w;biQS..pro-
geiro". Serenando poúco a pouco a tormenta, a gente da última classe abu-
,~ovidos,por_ g~po!_Hmad?~ de facas e ..cace~~ egress2_~.<fa et~ê~~5- sou daquele tftulo, saiu pelas ruas a espancar e em verdade devemos confessar
•mestiça livre, muitos deles i-ecrutad~õ~
.
pr.õff!.~a.de:p~lhagemdâslõ}as
~------·----·~.__..:....-'1C:!:."'----··--•''-··--·-··--·- ••• -·- •• ·---~·•···--"'·"'~~ que a Excelentíssima Junta foi um tanto descuidada em dar logo as provi-
port~esas. Q_nativismo popular davalargas a.s.eµsvelhos ressentimentos. "-
dência,santes que chegassem a tais extremos, mas é igualmente verdade que
T,estemunha ocular.descrevia J.!madestas maniÍestações. ' -- - ··--- •
acudiu com energia, prendeu e fez processar os amotinadores e ficou resta-
Juntou-se esta noite uma chusma de 300 à4UC(pessoas, mulatos, ne- belecida a tranqüilidade pública. 13
gros, brancos, abjetos e degenerados e com uma música infernal de chocalhos,
T~to Gervásio quanto seu biógrafo negarão categoricamente que o go-
matracas e outros que tais instrumentos, correram toda esta vila do Recife, •
verno tivesse recrut~do :este alc~nhado 'batal~ão ligeiro: (que] não passa de
gritando "fora puças" (nome de injúria à gente de Portugal), "fora corcun-
uma charra denommaçao da ple'be a este ou aquele conJunto dela, mais ou
das", "morram os puças", e, de ve:z,em quando, "viva a nossa liberdade", ·ser-
menos tumultuosos e anárquicos, que nas crises políticas prestes corriam e se
via .de guarda avançada a este patife exército uma corja de molequetes pe-
apresentavam, cometendo então distúrbios e vinganças durante a febre polí-
quenos, que corriam à pedra as pessoas que encontravam, tàzendo uma alga-
tica de 1821 a 1822, excessosque a nenhum governo do mundo é dado abso-
z.àrrae inferneira insuportáveis às portas de algumaspessoas não s6 da Europa
lutamente poder prevenir em tempo ~onvulsivo e de grave e profundo antago-
mas até do país que não seguiam o partido de Gervásio [...] arrancaram ró-
nismo político". Na sua defesa em Lisboa, Gervásio reconhecerá somente a
tulas, arrombaram portas, obrigando isto a gente a gritar "Aqui d'EI Rei!",
organização de quinze destacamentos que despachara para impedir as desor-
mas que Rei lhe havia de acudir se quem domina agora é a canalha?
dens nas vilas do interior, unidades dissolvidas dentro em pouco devido à
Descobriu-se "um conciliábulo", espécie de "tribunal, que enforcava tranquilidade reinante no campo. 14
'marinheiros' em efígie"; e, não bastassem as fugas diárias para os quilombos
das imediações do Recife, revelou-se um projeto de levante de escravos, ani-
culado por confraria cujos membros identificavam-se por um caju tatuado no 12 RIAP, 3 (1908), p. 44; CCF, 27.x., 7 e 12.xi.1821, 23.i,, 9.ii. e l l.iii.1822; Atas, i, pp.
braço direito. A junta fez prender os cabeças, mandando açoitá-los publica- 24, 36; Ewgiohistóricode Luís do RegoBarréta,pp. 55-6, 58; Denis Bernardes, "O patriotismo cons-
mente. O cônsul francês julgava detectar, aliás, .os primeiros sinais de preo- titucional", p. 538. Para a etimologia de "puça" e "puçalhada", RIAP, 34 (1936), sub voce.
13
cupação dos brasileiros brancos, que temiam não poder conter a população ConciliadorNacional 4.ix.1822.
d<::céu::na, sua posição subalterna, transformando-se o país num "segundo São 14AJM, p. 219; Apensos,p. 221; Alfredo de Carvalho, Estudaspernambucanos,Recife, 1907,
. . - . .

Domingos". A reação lusitana não tardou. Armàda de porretes, a marujada pp. 319-20.

72 73
AJUNTA DE GERVÁSIO
A OUTRA INDEPENDENCIA

Mas o cônsul francês não poupava "a fraqueza do governo para com as mãos da tropa esperada do Reino, como ocorrera em 1817 quando manda-
pessoas de cor", alegando que às manifestações populares vinham agregar-se ra-se açoitar em público os negros e mestiços da tropa e do povo que se haviam
não só a tropa goianista mas o próprio filho de Gervásio, na companhia de entusiasmado pela propaganda libertária da revolução, e até demonstrado
outros jovens da sua classe, entoando o hino da Revolução Portuguesa, a que curiosidade pela "maneira [em].que vivem os rebeldes de São Domingos". Em
se haviam acrescentado coplas incendiárias, provavelmente aqueles "hinos à Goiana, onde residia a segunda maior comunidade lusitana da província e
. O.Q.de o rancor nativista. era secularmente _agudo,ocorrera mesr:,nQ.~.pilhagem
moda de Pernambuco" que, cantados no Rio, causarão o encarceramento de
de casas e lojas. Não chegando ao ponto de acreditar como os reinóis que a
vários, indivíduos. 15 Tal confraternização persuadia Laí:né de que a divisa da
junta ("ExUnitate Robur") era menos um convite à união das províncias do junta detivesse "a torneira da desordem", abrindo-a e fechando-a a seu talan-
Brasil ou do Império luso-brasileiro do que à solidariedade inter-racial dos te, o cônsul francês julgava que tudo se devia a sua fragilidad~, prevendo que,
em breve, o poder lhe escaparia. 17
pernambucanos. Não exercendo controle sobre a força armada, que continua-
va sob as ordens de oficiais reinóis, Gervásio tinha de recorrer aos pretos e c9erv~i?_r_~videnciou o repatriamento do batalhão dos Algarves, antes
_i:ri~~E:1º de recebida a comE_i:tenteordem.dãs-Cõl.ies:Vasemcfezembro, a
pardos contra o partido europeu. Para a comunidade reinol do Recife, não te
havia dúvida de que, à sombra do constitucionalismo vintista, Gervásio tra- chegada do comandante das armas, José Maria de Moura, com contingen
enviado do Reino para substitur os algàrvios, foi o sinal para o reinício das
mava a Independência, para cujo fim esperara atrair a Bahia, aonde enviara
alterações.,<:)_brigadeiroempossou-se, mas o grosso da tropa ficou retido nos
• um filho seu de emissário, "porém saíram-se-lhe os seus planos errados por
16 te la~
nayi9s,-ti:_,:µ1sporao cos~jã:iil6ãnã';-impeài.Oô de desembarcar pe- ----
se acharem lá baionetas da Europa".
da§. II:lcª.11.!ft!S_t~ç§.~J?~E':1 que se tornaram incontroláveis quando Moura --
.~<l!~s?..
Os distúrbios verificavam-se invariavelmente no bairro portuário eco-
substituiu por oficial lusitano o comandan te brasileiro da fortaleza que con-
mercial, que, além de ·sede do comércio reinol, era a área urbana com maior
trolava o acesso ao porto (25.i.1822)J]_l.ll Grande Conselho, convocado pe-
concentração de escravos, perto de 50% dos residentes. Mas os portugueses
eram também insultados, atacados e assassinados em O linda e em vilas da ma- Jajunta, opi1:1~l1~~1:1tra
: o .deset11barque,em nom~datrin°qüilidade pdbHca-
(3.ii.1822). J\goea regress0u a PortugâCdãriC lO a grande euforia pú-
lugar
ta norte, por bandos armados que, ao cair da tarde, ocupavam ruas e praças, que as CórtêSd.es---...
"iblica, lun1inárias e festei~-_l.11_~ em março surgiu a divisãO
desferindo cacetadas a torto e a direito. Graças ao saque do Arsenal de Guerra iquar
comandada por Francisco Maximiliano cFSouza;
P.ªçhª1:l!11:l..Q?E~,2J~:!_o,
(25.i.1822), tolerado pela junta ao desistir de reaver o armamento roubado, deixar em terra
em face da renovação dos tumultos, prossegui u viagem após
os indivíduos de mais de quatorze anos de idade estavam de posse de armas não os efetivos tra-
novo comandante das armas, José Correia de Melo, mas
brancas e de fogo, razão pela qual, mesmo se quisesse, o governo não dispu- 18
zidos para Pernambuco.
nha de meios para controlá-los. Por sua Vf1, a comunidade reinol provocava
a gente de cor e os contingentes de goianistas, ameaçando-os de punição às
17 ~brigadeiro josé Correiade Melo,Lisboa, 1822, pp. 15
CCF, 9.iii. e 4.iv.1822; Al.egação
e 17; Elogiohistóricode Luís do &go Barreto,'p. 58; DH, ii, p. 41, e cvi, pp. 246-7. A população
mas
do Recife nos três bairros, o portuário; Santo Antônio e Boa Vista, era estimada em 30 mil,
15 Gladys Sabina Ribeiro, A liberdadeem comtrução.Identidade·nacionale conflitosanti-lu- cerca de 27 mil
na realidade era um pouco inferior, pois recensê,une nto de 1828 a calculará em
sitanosno Primeiro Reina@, Rio de Janeiro, 2002, p. 260. No seu Folclorepernambucano,Rio de \ .

pessoas. MarcúsCarvalho sugere que se compucar~os a população dos arredores do Recife, have-
Janeiro, 1908, pp. 160-3, Pereira da Costa recolheu ó texto de dois dos hinos constitucionais can- %
ria pert~ de 100 mil pessoas: Marcus Carvalho, Libir~, pp. 44, 48, 50, 52 e 54. Cerca de 31
tados em Pernambuco. Vd. também O Volantim,12.ix.1822. \
dos habitantes eram de condição servil.
16 CCF, 29.xii.1821 ~ 29.i. e 9.iii.1822; Memória,pp. 9-10; Elogi,o históricode Luís d.i &go
18
CCF, 22.íi. e 9 .iii.1822; ABN, 13, pp. 24-6. \.
Barreto,p. 57.
\

75
74
A OUTRA INDEPENDtNClA A JUNTA DE GERVÁSIO

.J)est:i!te, as relações entre a junta de Gervásio e as Cortes ficaram seria- eram apenas os da França, Inglaterra e Estados Unidos, ele acusou as Cortes
mente afetadas. A presença de-revOillêioriinOs Dezessete ·na-bãncada-per- a.e de quererem repor o Brasil na "antiga servidão", aduzindo que, na hipótese
,::__
nambucãna· recomendara-aírnCíãimeilteãos liberais pôrtugüeses. Nõ-So6"e- de desembarque de tropa portuguesa, a junta seguiria "em tudo o exemplo
rano Congre;;o, a depu~çã.o provinda[ primeira-do Brasíratômár.assento, 19 que o Rio de Janeiro vinha de dar" .21
foi recebida calorosamente, satisfazendo-se suas reivindicações quanto à de- O Segarrega,órgão gervasista, não destoava da retórica dos jornais flu-
missão de Luís do Rego e às dívidas q,m a extinta Cof!1P.ap.hiaGeral de P~r:. . .. _Q_linensesao condenar a abolição da Regência, decisão do "mais sôfrego mo-
nambuco e Paraíba. Sua atuação caracterizou-se pela prio;idade conferida abs ... nopólio e [d]o mais'ii"egro maquiavelismo", que equiparava a "sorte de uma
interesses locais, como a suspensão da remessa de rendas provinciais para o população maior que a de Portugal" à de "uma colônia de degredados". As
Rio; e por certa indiferença no tocante às questões gerais que diziam respei- relações luso-brasileiras eram do interesse precípuo da metrópole, que, caso
to à reconstrução do Império luso-brasileiro. Ela não objetou, por exemplo, não lograsse criar "um extenso império constitucional", ficaria reduzida à
à decisão das Cortes, de outubro de 1821, que mandava o Regente D. Pe- condição de província espanhola. Junto às Cortes, Gervásio justificou o Fico
dro regressar a Portugal. Mai; a recusa de Pernambuco em aceitar tropas do comq "o único meio" de assegurar a preservação do Reino Unido, argumento
,~eino colocou os liberais Pº!~gueses s~b f~r~~pre~~~~ do_c:~~érci~ r~i~?_i-, -- idêntico ao usado no Rio. Mas ao cumprimentar o Regente pela decisão, ex-
que responsabilizava Gervásio, embora no Rio se lhe atribuísse o desígnio primia a esperança de que as Cortes ainda se mostrassem capazes de distin-
oposto de tencionar valer-se dos contingentes lusitanos para manter a:Regên- guir "o governo político de uma nação [i. é, o Reino Unido] dos reinos que a
cia à distância. 20 compõem [i. é, Portugal e Brasil] e do administrativo-econômico das suas res-
Em março de 1822, Pernambuco achava-se emancipado de fato, mas a pectivas províncias". 22
mobilização popular-castrense prejudicará a po"iíÍ:i~da junta vis-à-vis do Rio. ~.JU?~
~.No Ri~i. G~!Y..~l<?_í:!~52.~siderª.4-º:l!-ªº-ª.afeto" seja ao __
Com o Fico, a formação do ministério José Bonifácio e a ev~c:uaç_ão
----····------~--~----·- - • --.---•·•--·---- "
_sfatropa_
• •- ---- -~»-- -- • ----
BrasH, e suspeito 4~ pernambucana" 0Ud:efé=-
te~_1!_1!1_E~<>l<:~~Ae):_ep_ública
portuguesa, consolidava-se a autoridade de D. Pedro, o que fazia passar as _dera~o_4as proY.í1:1,cias __Averdade_é que,_ _
tributárias do _e~t~<_:>~~2-_E~ci§_l_l_~e_.
relações com a Regência ao primeiro plano das preocupações da .províndã;-- para ele como para os autonomistas, a questão da forma de gov~~~~ -ti.-~hai~= _
,__onde fora grande~- ;~~~cus~i~do-9-de)an~ir~. A ullidria nasceu p~- facção • portância subsidária quando comparada ao objetivo de dotar a província de
cisamente nestes dias. Já então observava o cônsul americano ser a maioria da \."s()Y~!l_l()_~~?'' ~com
"a ~~~pe~ê~~f; J~-e~~;-~~~ear ~sem-quê·ningue~--
população favorável ao Príncipe, esperando vê-lo em breve proclamado "rei cl~gfüJ1-g~_gl!_e_
~ili tares", a!_é_!ll
pos~a imp~<lir,_a_t<>dosos ~!11:P~~g_<:>s_c~v:i~_e_ ____
dos Brasis", J) próprio Gervásio apoiou o Fico: aos cônsules estrangeiros, que julgassemem última instância. Calculava Gervásio que o autogoverno pro-
- _Y.~ncialseria melhor preservado iiolmóito de um Império constitudonãl luso~~~=
brasileiro do que no contexto de uma monarquia puramente brasileira, de vez
19 Os deputados pernambucanos haviam sido eleitos pelas comarcas de Olinda e do Recife, ,,quet~to Portugal quanto o Brasil teriam todo interesse em manter as fran-
compreendendo a mata norte e a mata sul, respectivamente. Os dois deputados do centro (agreste quias focais, de modo a impedir que o outro Remo as desffiilssêeíiiseulavor:···-
e sertão) foram escolhidos posteriormente, mas apenas um deles tomou assento, em agosto de 1822,
Caberia acentuar a este respeito que, mãlgrado a sabedoria convendonaI::a.-·
um ano depois da posse dos colegas de bancada: M. E. Gomes de Carvalho, OsdeputatÍí!s brasilei-
rosnas Cortesde 1821, 2ª ed., Brasília, 1978, pp. 69 e 254.
monarqui~ não era necessariamente mfensa ã autonomia das suas partes; e que
t:
2ºABN, 13, pp. 6, 24-6; BNRJ, Il-32, 33, 44; CCF, 22.ii. e 9.iii.1822; Barman, Brazil.
Theforgingof a nation,p. 81; Márcia Regina Berbel, A naçiúJcomoartefato.Deputadosde Brasil
21 CCNA, 9.iii.1822; CCF, 20.ii.1822; Gazetade Rio, 1822, p. 804.
nasCortesportuguesas,
1821-1822,São Paulo, 1999, pp. 91-3, 99-103, 109-10, 198iVlilentimAle-
xandre, Ossentú/qsde Império,pp. 577, 586-7, 590, 593-4. 22 Segarrega,
9.iii. Í822; AJM, p. 69. Grifos do autor.

76 77
A OUTRA lNDErEND~NCIA AJUNTA DE GERVÁSIO

_em 1821 o_e_róprioD. Pedr_~_teriapensado em termos de Império descentrali- cos", os quais, "para se perpetuarem na ociosidade, mando, privilégios e inte-
_
1
zado, talvez por influência do conde dos Arcos, a quem já em 1817 se atribuíra resses de que gozam à custa da liberdade e fazenda dos cidadãos, não duvi-
idéla cte-orgãnlz::iro-Brâsil
em cinco reinos:COiicepção que sera retomada dam sacrificar a mesma Constituição e a nossa fraternal harmonia". 25
, no projeto de reforma de Silvestre Pinhéíro Ferreira (18,!6)7--3--- A burocracia régia estava elenamente consciente dos imperativos fiscais
& inegável que o projeto federalista pernambucano, de Gervásio a Ma- do aparato estatal legado por D. João VI, e de que sua sorte dependia da
•• ú nuel de Carvalho ..P.~s de Andrade, e9 mais abrangente. que o de José Boni- manutenção de um sistema centralizado à escala da América portuguesa. Nu-
• , fado, que, nas instruções à deputaçã~ ~ulistã às.Cori:ei;previfa apenâs~como e ma época em que a e.!incipal rubrica orçamentária consistia nos impostos sobre
ressaltou Barman, "uma confederação dos dois Reinos, com o Brasil gozando o comércio exterior, era imprescindível restaurar o controle da Corte sobre
de um statu semelhante ao que será concedido pela Inglaterra ao Canadá em ~-g~~~-províncias do Norte (Bãrua,"Pe~-~aãi§cõeNãrâit~õJ, g~!,g§'[ii!
1867". O plano do Andrada esgotava-se na autonomia administrativa do e
~ 1as divisas estrangeiras dos excedentes da receita, de vez que os rendimen-
Reino do Brasil, não reivindicando sequer assembléia legislativa própria. Co- r:tos 9-a)\l_f_ân_dega fl1:!!!lin~_ns~
!lá.O. Pa.f~s<>b.r.~x.
J,astava,111 ~_sl~~p~_s_:1§._c!a.
Çgf!_<:1_
..... .
mo muito bem observou,,Márcia Regina Berbel, "Y:ênfast: da pro~sta recaía que o Mato Grosso, Goiás, Minas e Santa Catarina eram deficitários, e São
~obre a preservação do Reino do Brasil e sua unidade", sem mencionar "os Paulo e o Rio Grande do Sul apenas cobriam seus gastos. Como sustentou
_governos provinciais, as relações entre eles e deles com as_novas instituições . Maria de Lourdes Viana Lyra, as cifras "explicam por si mesmas a luta do go-
__P-,rQR~~ para o Reino e para a monarquia":_§ó em psboa, em vista das reivin- verno do Rio de Janeiro a fim de reunir o Norte e Nordeste à causa da inde-
dicações da Bahia e de Pernambuco, ,éque os pa11lisra_s! gue, aliás, não se iden- pendência do Sudeste", mantendo "um sistema que transferisse ao centro os
tificavam todos com a concepção de José BonifácioL4c:ram-:5econt,i da insu- recursos de que ele tinha necessidade". 26
ficiência do projeto. 24 Gervásio tornou-se objeto da ojeriza da historiografia da Independên~~-
No segundo se~~tre de 1821, com a partida de D. João VI, o Rio, na ,.a qual, de Varnhagen até hoje, só fez repetir as acusações de dubiedade, hesi-
fórmula de Barman, tinha a-"perspectiva de ser pouco mais do que a capital tação e jesuitismo, 27 quando não de lusofilia ou de republicanismo, que se lhe
de uma província importante na nação portuguesa". A falência do Banco do 'Jaziam, à época, na Corte. ~esmo um ~!storiador do quilate de Oliveira Lima,
Brasil e a criação dasjuntas_provinciais haviam limitado seriamen~ . que, no seu culto da mo11arquia unitária, _podia compreender Dezesset~_mas
da Regência. A decisão das Cortes de abolir a Regência atacava frontalmente ,não o federalismo pernambucano, e:°-treviuapenas nas_táticas_gervasistasuma
·dois grüp;;-~·cteinteresse: al:iurocracia dvil, militai_e_eclesiástica, cuja sorte
L_estava liga3a-âostáíucfê'Rêino·co·nferiao·ao-B-.fàs1feifff8I5;ê·õ~comercio da
praça, que iíi"~-p~;ià-~êuaramúdànça da situação criada em i808. Ger- 25 Barman, Brazil. Theforgingofa nation,pp. 76, 87; AJM, PP· 74-6.
e:· vásio ,:ompreendeu que o maior obstácülO ao autogoverno provinciaf não era - 26RevérberoConstitucionalFluminense,12.í.1822; Cartase maisdocumentosdirigidosà Sua
Lisboa, mas o ·roo, com seu -,~exeiêiiofaustoscfe"infü:ilde empregados pubh-: Majestadeo SenhorD.joão VlpelaPrlncipeReal Lisboa, 1822, p. 11; CWM, RIHGB, 319, p. 339;
Viana Lyra, "Centralísation, systl:mefiscal et autonomíe provínciale dans l'Empire brésilien", pp.
182-4.
23 ABN, 13, p. 16; CCF, 9.iii. e 18.ív.1822; Mello Moraes, Brasil-Reino
e Brasil-Impbio,i, 27 Para a lenda de dissimulação de Gervásio, muito contribuiu o fato de ele haver perma-
p. 475; Sérgio Buarque de Holanda, "A herança colonial. Sua desagregação",p. 16; Oliveira Lima, necido mudo ao longo dos seus anos de prisão na Bahia e mesmo nos primeiros dias após sua elei~
D. joão VI no Brasil 2 vols., Rio de Janeiro, 1908, ii, p. 797. ção para a presidência da junta, exprimindo-se por escrito numa lousa, o que lhe valerá, aliás, o
24 Barman, BraziL Theforgingof a nation,p.-77; Berbel,A
naçãoc01rwartefato,pp. 136, 198; apelido de "O mudo de Pernambuco" que lhe deu uma verrina lisboeta. A própria família de
Carlos H. Obera,ckerJúnior, O movimentoautonumistanoBrasil A provínciade SãoPaulade 1819 Gervásio ignorava se a mudez resultara de problema nervoso ou de cálculo: AJM, p. 22; ABN, 13,
a 1823,Lisboa, 1977, pp. 138,147. p. 16.

78 79
A OUTRA [NDEPEND2NCIA
AJUNTA DE GERVÁSIO

questão de temperamento, o gosto de "suscitar problemas de casuística consti- vacilar, cheio de indecisões, entre o ancig_oregime monárguico português e .
tucional", ou a falta de vontade política a valer-se de subterfúgios para só ce- a desgastar---·
o novo n:i:~~i~1:ntode ind~p:ndência brasilei~::A.:s~i11_1_<::.Q!I!~SQU
der à pressão das circunstâncias. A crítica é injusta,::Os gervasistas não foram e . se o apoio de massas com que.poderia contar. 29
retardatários da emancipação, de vez que o processo no Rio tampouco carac-
. terizou-se P.el~_clar~.de,,ob,jetivos. ·como lemEíravâ An.tôriio Joaquim de O problema residia em que, no caso de malogro, só restaria aos gervasis-
Mello, nem D. Pedro nem José Bonifácio, "individual ou coletivamente[ ...] tas a capitulação ou o salto no escuro, que dar-á·aConfederação·Jo Equador,
secretamente ou não, exibiram advertência, manifestação ou o que quer que da independência provincial ou regional, passo que Gervásio não pôde ou não
fosse no sentido de que dirigiam-se a conquistar a independência total e abso- quis dar. Em 1822, as Cortes e D. Pedro encarnavam opções excludentes.
luta" ..Pelo contrário, ainda no decreto de 1° de agosto de 1822 e no mani- Enquanto a fórmula fluminense consolidaria a Independência e preservaria
festo do dia 6, o Regenteféii:erava·opropósit~ de_~~~~a~4~- "a união pol~:-. a liberdade de comércio mas apresentando a fatura de um regime autoritário
. tica do Brasil com Portugal". Por outro lado, a revisão feita por Barbosa Lima e centralista baseado no Sul, o Soberano Congresso oferecia uma monarquia
Sobrinho não escapa à tendência oposta, iguàlmente equivocada, de atribuir constitucional, com o atrativo de conceder grau razoável de autogoverno pro-
a Gervásio um nacionalismo imaculado. 28 vincial, na medida em que liquidaria o centro de poder criado no Rio, em-
;- A política da junta ou, antes, do seu Presidente, cuja ascendência sobre bora cobrando o preço, não da restauração do monopólio comercial, impos-
os colegas era indisputada,1resultou do objetivo prioritário de assegurar a auto- sível de ressuscitar, mas de um sistema preferencial para o comércio e a nave-
nomia pernambucana frente a Lisboa e frente ao Rio. A única avaliação objeti- gação do Reino.,Aderir a D. Pedro em troca da liberdade de comércio era fá-
f cil para o Sul mas não para as províncias que haviam feito Dezessete.
va ~-~speito. do assunto d:_V'e.:-~:~1:1r~~~.~_eme_
nã,o a um:historiador brasileiro
_ ou eer11~bu~n_<>~ ..11!-ªS Br.i~.Vale, ao acentuar que:
a um h~S!9-_~~~()_r:~11gl.ês,,. A simpatia experimentada em Pernambuco pelo liberalismo lusitano
" tinha a ver ígual~e~t~-~~~ as "1?~~5.Aa_~on~~t,~~<2_?__p_ortuguesa",qu~~tes
. Subjacente à política de Pires Ferreira.e de s.e!l!B~I.tid;irLQ~,.._fonnent~ _ mesmo de estabelecer a divisão dos poderes, haviam consagrado os princípios
L ..--~·•·•···-··--···-···-· •• ····•-·--
Vaa velha aspiração de autonomia dos pernambucanos. Eram eles host~ da iguàldade p_é.rantea fd~ da-segurânçiTndívrdua[cfãprôpríeâadeecfa-ff .
.- domínio português.~as pe~~eiii;;--q~~ a p~lítica das Cortes em favor~ ;:herdãdede expressão, conqú1stas que poderiam ficar comprometidas pelo em-
~__gescent:r,tlh.;i~Cl_
adIEfoI~!~tfv~=4oB~ãstrera favoráveͪ seus inter~~~-~ penho do ministério José Boníf:icio erri rever-a
lêgíslãçãõ-aõ-Sõoerano Con:.
• ratistas. Analogamente, embora dessem apoio ao movimento que visava as-
a:,____ ·----- ..
--..,L; --~-------.--:--.--
~resso para adaptá-la às circunstânci~ do· Brasil e em pr~~~;~; ;;~b~rdi~-
' .. segurar a independência do Brasil, não alimentavam o menor desejo de ver _ção dasprovínciasaoRio~ ús.ge.rvas1s1:âstampoucoaciedii:avam no constitu-
sua provínci~d~;in;.da por um governo monárquico no Rio de Jandrõ. cion.;_iismod~·o. Pedi~, que, antes do regresso de D. João VI, atiçara o setor
rDesse modo, a serviço dos interesses ae Pernãmoiico, a ;unta segum um 5!:e- da comunidade reinol do Rio que aderira à Revolução do Porto para, logo
licado rumo entre asduas alternativas. Mas seu raciocínio era demasiado su- depois, dar marcha atrás, promovendo o massacre da praça do Comércio
s;L: tapara se.renten~i~.<>_re!_as olhos do povo, Pires Ferr;;fr~-~areaa
massas._A,-os (22.iv.1821). Alcançado o objetivo de ver o pai pelas costas, o Regente no-
meara um gabinete cuja principal figura fora seu mentor político, o conde dos

28 Oliveira Lima, O movimentoda Indepemlênda,:l821-1822,6• ed., Rio de Janeiro, 1997,

pp. 286-7; Lúcia Maria BastosPereira das Neves, Coréundas A culturapoliticada


e constitucionais.
29 Brian Vale, "A ação da marinha nas guerras da Independência", Hist6rianavalbrasileira,
Indepemlência, Rio de Janeiro, 2003, passim;AJM, pp. 192-4. A argumentação de Antônio Joa-
quiri1de MelloJoi reiterada por Barbosa Lima Sobrinho, Pernambuco, da Indepéruhnciaà Confe-: III, 1, Rio de Janeiro, 2002, p. 118, Vd. do mesmo autor, Jndependence or Death!BritishSailors
deraçáodo Equador,Recife, 1979; e por Costa Porto, Ostemposde GervásioPires,Recife, 1978. and BrazilianIndependence, 1822-1825,Londres, 1996, pp. 112-3.

80 81
A OUTRA lNDEPENDtNCIA A JUNTA DE GERVÁSIO

Arcos, odiado em Pernambuco devido à repressão de Dezessete, sem que, ~__


composiç~_<_>-~~ju1:!,tade
Gervásio tinhadeJ~reocup}lf_aCorte_acerca _
contudo, sua queda (5.vi.1821) houvesse alterado "o espírito de dominação': ";~osrumos,q~e, so~ o comando de "~ornem tão perigoso", poderia tomar
predominante na Corte. 30 -E:~~!ovmc1a, CUJOS recursos ~ colocavam fora da dependência do resto do
Esta, por seu lado, nutria desconfianças naturais acerca de uma provín- Brasil", donde as "historietas r novidades estudadas" ~'.sã~d-;; in:·1:;ig~r-Per::·
cia que, ademais da sua crônica contestação antilusitana, ainda lambia as fe- nambuco com as demais províncias.34
ridas de Dezessete, a ponto de vislumbrar-se motivação política por trás da • •• .As reservas da juq.ra-v.ir.am-seconfirmadas. pelo decreto do Regente, de
sedição milenarista do Bonito, esmagada durante o governo de Luts do Re- f6 de fevereiro, que criava o Conselho de Procuradores provinciais, ressusci-
go.31 É certo que o movimento de Goiana mantivera-se nos quadros do cons- tando o plano de Palmela, de começos de 1821, o qual, visarido imunizar a
titucionalismo lusitano, protestando desejar apenas garantir a adesão de Per- América portuguesa do liberalismo vintista, propusera dotá-lo de constitui-
nambuco ao regime implantado na metrópole, mas, como vimos, o papel ção própria, a ser elaborada por assembléia de delegados das câmaras muni-
desempenhado pelos antigos revolucionários de 1817 alimentava a suspeita cipais, projeto de que D. João VI desistira em vista do motim de 26 de feve-
de que se aproveitariam da conjuntura para estabelecer o regime republica- reiro daquele ano. O gervasista A:,ntônioJoaquim de Mello descreveu a recep-
no. Era difícil aceitar que, após quatro anos de cárcere, em que os melhores ção do decreto no Recife: .
se haviam aproveitado para se endoutrinarem politicamente, eles se conten-
·tassem agora com a metamorfose liberal da monarquia. 32 Na realidade, eles Não _faltavamem Pernambuco boatos de que se projetava por meio
haviam saído da masmorra como haviam entrado, isto é, divididos nas pre- desse Conselho de Procuradores das províncias o aparecimento e adoção de
ferências políticas, embora muitos radicais houvessem transitado para posi- uma Constituição política especial do Reino do Brasil, guardada a integri-
ções moderadas. Quando do Fico, José Clemente Pereira, presidente da Câ- dade da monarquia portuguesa. A cláusula exótica e retrógrada do referido
mara do Rio, exprimira as inquietações que, neste particular, os liberais flu- decreto "sistema constitucional que jurei dar-lhe"-, que tanta estranheza
minenses partilhavam com os corcundas. produziu m;=smono Rio de Janeiro, se não o prova cabalmente, ajusta-se
bem com a notícia, havendo-a também de que o influxo da Santa Aliança
Pernambuco, guar4ando as matérias primas da independência que pro- já se começava a estender sobre a Corte do Rio de Janeiro, sendo um dos
clamou um dia, malograda por imatura mas não extinta, quem duvida que principais agentes Antônio Teles [da Silva], filho do marquês de Penalva. E
a levantará de novo, se um centro próximo de união política a não prender? que tal poderia ser a constituição de um tal parto? Nunca tão liberal como a
[...] Acaso os cabeças que intervieram na explosão de 1817 expiraram já? E estatuída pelas Cortes de Lisboa (abst~açãofeita da administração e negócios
se existem e são espíritos forres.e poderosos, como se crê que tenham mu- do Brasil) mas sem dúvida reforçando e perpetuando com as novas cadeias
dado de opinião?33 de uma especial Constituição política do Brasil a união deste a Portugal,
embora [com] algumas concessõesao mesmo Brasil. E nesta hipótese, quando
e como depois romperíamos essa renovada, tão solene e espontinea ·união e
30 Segarrega,
3.vii.1822.
sujeição política? Quando assumiríamos a independência absoluta, alvo a que
31 O movimento do Bonito ainda não foi devidamente escudado, mas JacqueHneHermann tanto os nossos corações miravam e a que nos dava indisputável direito a
prepara trabalho a respeito. Vd. seu anigo "Sebastianismo e sedição: os rebeldes do Rodeador na
Cidade do Paraíso Terrestre. Pernambuco, 1817-1820''.; Tempo,xi, pp. 13 l -42.
32 CCF, 20.ix.1821; Antônio.Joaquim de Mello, introdução às Of?ras
pollticase literárias 34
Eugene de Monglave, Correspondance
de D. PedrePremier,Paris, 1827, pp. 349-50; Re-
tÍf freifoaqui.mdoAmor Di,vinoCaneca,2 vok, Recife, lll75, i, p. 15_.
~rdaçõesaogovernodaprovinda de Pernambuco
por um seucompatriota,Rio de Janeiro, 1822, pp.
33•Mello Moraes, Brasil-Reinoe BrasiUmpmo, i, pp. 252-3. 13-4.

82 83
A OUTRA lNDEPEND2NCIA

nossa varonilidade? [...] Cartas do Rio de Janeiro e pessoas de lá vindas de-


T AJUNTA DE GERVÁSIO

Lisboa do que do ~o. Além de propor a subordinação da força armada e da


punham que o ministério Oosé Bonifácio] era.corcunda, isto é, anti-liberal,
,.administração fazeruf~r.l~a(!S
_g<iverr:1c::,s~ocais,_
o~documento.previa que as rela-
• do fi1cavaa ca.tr.
e tendia a fazer o Príncipe absoluto, pelo que desconceitua • 35
~~_ntr:_~!.!:~ e o Brasil seriam objeto de artig~s-~dici~-~;J;iConsti~
~_!>._,.os quais inclUsiverecorineCeri.ãrnãsprovincias a gestao deseü:nrr-çi:.-
A junta reputou ilegal a criação do Conselho, de ve:z.que tal decisão só
<--mentos. 1:l~ª_"~Z salvaguardado o pr.incf_R!Q.JÍ.!Ulnid.adida-.raemrr11ttia]UsO:;;:,
cabia ao poder constituinte, isto é, as.~~tes, criticando t~_bé.m o direito dos ... ······ brasileira, contemplava-sétãõibém coi\êeder ao Brasu"um ou dois centros de
ministros de Estado de terem assento e voto. A suspicácià gei:vasistaera tam- • da~gaçãOoo poder exeómvo"' que remediassem a lentidão clãscomumcaçoes ·--
bém reforçada pela publicação da memória de Bernardo José da Gama, im-
~oReiii(Çff~ndocaâãpTovmclãvincu1ada •a um ou outro. Põr •conse-
pressa de ordem do Regente, particularmente quando propunha que a futura guínte, Gervásio sugeriu a José Bonifácio que o Conselho de Procuradores se
Constituição brasileira evitasse os excessos das Cortes, que haviam concedi- ~cupasse apella~de-assessoraro Regente no quOtídiano administrativo, ou que___ - ·--
do ao monarca apenas o veto suspensivo, e que, pelo contrário, estabelecesse
_Jo~se adia!40para a oca~ião.e_fi!:q1A~_ãi_Qiiis}o1:1~emcriãdooscentros de
"a preponderância do Príncipe, qu~ é o maior interessado na consérvação do
poder executivo, de modo a que cada província já envia~se seus d~l~g~d~s
Estado do que os deputados temporários". 36 àquele que lhe fosse mais conveniente. 38 •
De Londres, Caldeira Brant não escondia a José Bonifácio S.1:1~_[!te.o.E..1:!1'ª- ,~~_procrastinâção também resultava dos riscos de uma iminente expe-
, çã~ com a aÍ:~tudeda junta, que confirmaria o~temores do _governoingl~ de~- ,c_diçãq_euniti~~_:_que o comércio J:~êsc.>férec1a-::sepã:râ·custear-;-aTrrnOe-'
que "os democratas do Brasil" viessem desestabilizar o pro<=:ssode Indepen- ,. .repetir em Pernambuco a experiência realizada na Bahia, acabando co_m_" esse
~nd~-em sentido P!:9udiciaf ãOsinteresses britânicos. A seu ver, "se tivésse~
odioso governo de Gervásio", que se dera ao desplante de repatriar os bata-
mos a combater meramente as Cortes, fácil seria a vitória, mas temos a ven- lhões lusitanos a pretexto de assegurar a tranqüilidade pública. Por outra,
cer dificuldades assustadoras para o Norte do Brasil". Quanto a Hipólito José amiudavam-se no Reino as opiniões em favor de uma demonstração de força
da Costa, embora admitisse que o Conselho de Procuradores poderia produ- que isolasse o Rio, abandonando-se provisoriamente as províncias do Sul ao
zir "o mal maior" de estimular D. Pedro a "introduzir um governo despóti-
Regente. Hipólito José da Costa acreditava que a expedição não se destinaria
co", tratava-se de eventualidade que "poderiam os deput:i.dos pernambuca-
~ reforçar o exército de Madeira em Salvad~r, de vez que "esta cidade é a que
nos remediar a todo o tempo", ao passo que sua falta de solidariedade com o menos rancor tem atraído a si do partido inimigo do Brasil em Lísboa, porque
Rio podia ser fatal à lndependência. 37 os baianos são os que mais submissos se têm mostrado às Cortes". A Bahia
Neste ínterim conhecia-se no Recife o parecer de 18 de março, da co- serviria apenas de "ponto de apoio donde saiam depois a atacar os lugares que
~i~~ão ~~
Cortes ~ara os negó~ios_~~-~r~il, 9.t1e<:()t:f1:1.11~~~g~~~iona se supõem mais obnóxios", podendo "estar seguros os pernambucanos que eles
. convicção de qu~ q _?t1tog<JV<et!10
provincial seria mais facilmente obtido de não deixam de lembrar na cabeceira do rol". O ataque, a ser chefiado por Luís
do Rego Barreto, seria acoplado a uma insurreição de escravos, cuja organi-
35 AJM, pp. 66-73. Não era ociosa a menção ao marquês de Penalva, pai deAritônio Teles. zação teria sido confiada a dois naturalistas europeus, um dos quais dera com
Penalva fora o autor da "Dissertação a favor da monarquia" (1799), sendo considerado o grande a língua nos dentes. 39
doutrinário português da Contra-Revolução: Fernando Augusto Machado, Rousseauem Portugal
Da clandestinidade
setecentista
d legalidadevintista,Porto, 2000, p, 527.
3 6 MemóriaSQbre
asprincipaiscausaspor quedeveo Brasilreassumirosseusdireitose reuniras 38
AJM, pp. 74-6, 78-9, 81; Denis Bernardes, "O patriotismo constitucional", p. 475.
filode Janeiro, 18Z2.
suasprov/71:cias, 39
CorreioBrasiliense,28, pp. 283, 367-8 e 717; Ecosdas vozesdoseuropeusemigradosde
37 PAN, 7, p. 255; CorreioBrasiliense,
28, p. 717.
'Pernambuco,pp. 5, 8, 10-1; Valentim Alexandre, Os sentidosdo Império,pp. 651. 656-7, 664-5.

84
85
A OUTRA lNDEPWD~NClA
T A JUNTA DE GERVÁSIO

Na perspectiva gervasista, Mena Calado analisava a posição da provín- como o controle do governo sobre a junta da fazenda, a reorganização da
cia no Segarrega.
Em face do desapontamento provocado pelas Cortes, a alian- Alfândega do algodão e a criação da superintendência das obras públicas. 42
ça do Regente com as províncias meridionais calara fundo em Pernambuco. Os unitários cooptaram a aliança castrense-popular de dezembro e ja-
Contudo, o parecer de 18 de março, buscando remediar as decisões errôneas neiro contra a tropa portuguesa, especialmente receptiva ao que, no projeto
tomadas em Lisboa, bem como a convocação do Conselho de Procuradores, do Rio, satisfazia tanto o rancor antilusitano quanto o reflexo colonial que vja
... ·haviam mudado~ cirmnstâncias e sustado "a corrente que ia transbordando na Coma o contrapoder às dominações oligárquicas. Após a Revolm;ão·~e
a favor do Rio de Janeiro". 1817, os regimentos locais haviam sido dissolvidos, ou, como o de artilharia,
mais politizado, transferidos para o Rio e Montevidéu. Reorganizada a força
Mudando pois de opinião, tanto pelas medidas do projeto como pela
armada por Luís do Rego, a tensão ·entre os efetivos da terra e a tropa portu-
análise do espírito de que aquele decreto estava recheado, foi o povo desta
guesa mantivera-se latente. Çomo vimos, o movimento de Goiana atraíra boa
província sossegando sobre o partido que devia seguir, pois que julgava não
parte deles, incorporando-os em contingente à parte, auto-intitulado dos Be-
lhe convir soltar os interesses imediatos e certos que de uma parte se lhe ofe-
ª . ' • .:._J).eméritos;s~i:indÕ-ãexpressão cunhada pelas C(,}rtes,mas Gervásio os disse~·
reciam, por uma sorte arriscada e onde apareciam como protagomstas os co-
rnl_n~rapelas antigas unidades, ;~~ q~~-~~-~-i~;i ~;-;;~~eus temores de serem •
rifeus do antigo sistema. Zelosos de sua liberdade e sempre tímidos ao menor
punidos por deserção em caso de revanche l itana. Quanto aos oficiais en-
aceno de perigo, preferem a união a Portugal com alguns sacrifícios do que
volvidos em Dezessete.,haviam sido anistia os pelo Soberano Congresso, que
todas as promessas pomposas'que lhe façao Rio, tendo o Príncipe em torno
mandara pagar-lhes os soldos atrasados, mas sua reintegração aos postos fica-
de si quem -0 ensina a assinar decretos que de uma vez anulam a representação
40 ra condicionada à opinião da junta, que desejava atendê-los, inas enfrentava
nacional, a constituição da mônarquia e~ liberdade de nossos direitos.
a resistência dos atuais ocupantes. 43
Ao otimismo do Segarrega, objetava Lopes Gama, porta-voz da facção S~bretudo a questão das promoções e do aumento de soldos foi mani-
unitária, que o parecer de 18 de março não tinha futuro, por não ser crível pulada pelos unitários. Quer o movimento de Goiana, quer Luís do Rego

que as Cortes , d.1mento para com o Brasil•41
viessem a mu d ar d e proce haviam premiado generosamente seus adeptos, mas as Cortes confirmaram
A oposição à política de Gervásio não partiu originalmente_da_grande apenas as ascensões feitas pelo ex-governador, devido às irregularidades co-
lav~ra, qu;;té meados de 1823 tateará na definição dos objetivos, mas de metidas entre os goianistas, muitos dos quais haviam subido dois ou três es-
-uma facção unitária de base urbana, reunida num "clube secreto composto calões de uma só vez ou passado de milicianos a oficiais. Gervásio instou em
. da IJlaÍOrparte da oficialidade da tropa, earti~~arm~nte os ae (;?iana, e de vão o Soberano Congresso a que as relevasse, de maneira a eliminar a causa
,_~<:-~!~!!1:~~~.Q!i- natostÕd~;-0~-~~-:p;;~c:~,daBahia'.'.Jnão se tratando, por- , mais poderosa de indisciplina militar; e os oficiais goianistas bandearam-se
tanto, nem da Sociedade Patriótica, que se compunha de gervasistas, nem da para os unitários, mediante promessa de que o Rio daria o que o Lisboa ne-
Jardineira, filial da Sociedade fundada em Coimbra no fito de reformar a gava. A juntá também endossou junto às Corres a reivindicação atinente à
maçonaria.,Os unitários contavam com a simpatia das autoridades da Coroa equiparação dos soldos aos do exército no Reino e na Bahia, a qual serviu de
, enquistadas na magistratura,_nas _repartiçõese no cabido, as quais não escon-
diam seu descontentamento com as reformas administrativas de Gervásio,
42 Segarrega,
6.i.1822; AJM, p. 181; FC, p. 315; CCF, 10.vi.1822.
43 Atas, i, pp. 45, 49, 52; Alegaçãoda brigadeiro
JoséCorreiade MeÚJ,p. 64; Gomes de Cas-
~ Segarrega,
24.ív., 4 e 20,v.1822. tro, Ost:kputadosbrasileiros,
p. 76; Denis Bernardes, "O patriotismo constitucional», pp. 307-8,
, 41 O Espelho,21.vi.1822.. 388-9, 393.

86 87
A OUTRA lNDEPENO~NClA
T A JUNTA DE GERVÁ.?10

pretexto ao frustrado levante de 31 de março, acontecimento obscuro em que -Lregime, Servindo no gabinete de To más Antônio, Menezes obtivera a pro-
oficiais portugueses, instigados do Pará e do Maranhão, teriam projetado priedade de dois ofícios e uma tença da Ordem de Cristo, além de herdar o
derrubar ou assassinar Gervásio, a fim de garantir a adesão de Pernambuco cargo de contador da Chancelaria, acumulado por seu pai. Ninguém mais re-
a um Norte lusitano, de Belém a Salvador. O episódio convenceu-o a con- _,1.1resentativo,
po_rtanto: da, elit~ burocrática de criação juanina que emprei-
ceder o aumento, na dependência de conqrmação de Lisboa, mas ele excluiu tou a ernailcipação. Em começ<)Sde1822~-oomÓ-membro do Clube da Re-
a oficialidade, já bem remunerada. Em maio, era visívelo desgaste de Gervásio sistência, de José Joaquim da Rocha, Mem:ze,s foi enviado a.Pernambuco
junto à tropa goianista, que, segundo a versão unitária, ele teria passado a <mde tinha um irmão oficial de Estado-Maior), com a tarefa, nã~ de con-
·• uistar a junta mas de coagi-la. Uma circular de am eram, consu n-
hosrilizar.44
olítica ervasista é ue demandava tem o; e que o tâ.nico no Rio, recomen an- o~o
à proteção da esquadra e dos agentes con-
sulares ingleses, foi-lhe extremamente útil, prestando-lhe "importantes servi-
c..15.2,l.:~tn_o}l_~tninense
era ~a!uralf!lente avesso a deixá-lo escoar-se. Alegando
urgência, D. Pedrn e José Bonifácio buscavam impor sua concepção da In- ços" o cônsul no Recife.46
-d~pendência ~;~-~m; inflexibilidade que nada ficava a dever à dos-seus-
ad- Menezes foi coadjuvado por dois outros emissários, Manuel Pedro de
Morais Mayer e Manuel Inácio Cavalcanti de Lacerda, futuro barão de Pira-
. versários, os integracionistas das Cortes: Após o Fico, o Rio 11~~~~i~~:Vª am-
-? pliar o riilo-do.movimento, limifa~o a Sã~-Paulo e a Minas; e Pernambuco pama; ambos nàturais de Pernambuco e cuja atuação será recompensada com
tornara-se o alvo prioritário, mercê da ocupação de Salvador pelasforças por- a concessão da Ordem do Cruzeiro. Daí que um gervasista d~crevesse o mo-
r tuguesas e da posição geográfica da província, que a colocava a cavaleiro da tim de 1° de junho de 1822 como o movimento de "dois ou três vagabun-
expedição recolonizadora e lhe conferia o poder de arrastar a adesão das pro- dos vindos do Rio de Janeiro", que só cogitavam de alavancar suas carreiras
víncias clientes do entreposto recifense. Malgrado a advertência de Hipólito na magistratura, aliciando gente da terra. Abstendo-se de contactos com a
José da Costa de que, no tocante aos pernambucanos, o Rio empregasse a j~m~ os enviados procuraram isolá-la,'dizendo a cada interlocutor o que ele
persuasão, em vez da coação, evitando os equívocos cometidos pelo Soberano qu<:_riaouvir. Aos senhores de-;;;genho~ãssegurãvam que o Regente fariarês~-
Congresso com o Brasil, a Regência viria a repeti-los, atropelando a junta de ~!~'1:~_ a pmpriedade r~~al cas·oatacada pela gente de cor; aos nostálgicos do
Gervásio, contra quem, como dirá A Ma/.agueta, despachou "doidos que lhe a
Antigo Regime, que ele restabeleceriá soéíedaâe·cre·ordêiisà'"bolíaã-peTàs.··-
4 ,~ortes; aos nativistas, que os portugueses seriam escorraçados do país; aos
fizeram bernardas". 5
< Desde fevereirn, encontrava-se no Recife o enviado deJl.)s~ Bonifácio, a
_ republicanos, que, firmada Iridepeiidência,-õ Pdíicipe-sefiãaesCãrtádo;· aõs •
e:_ Antônio de Me~~res Vasconcelos-dé-Drurnmond,. filho~_e U~.:_a~ministra- e timoratos, qt1e-~uaAlte~per~'"-1eceria obedíente a D. J()~~~yr,-sóámbicio-
dor da Alfândega do Ri~ e a111igoímimo do principal ministro de D. João
VI, Tomás Antônio Vilanova Portugal. Acasa do velho Drummond, uma
das de maior brilho social na Corte, forâ-freqüentàd~ pel.i·~-Jp~lâ-do antigo
46 AJM, p. 89; ABN, 13, pp. 2, 7, 16-8, 43; J. A. Gonsalves de Mello (ed.), O Diáriode
... --,----
~

· Pernambucoe a histJriasocialdo Nordeste,2 vols., Recife, 1975, ii, p. 961. Na véspera do pronun-
ciamento do 1° de junho, Menezes, por medida de segurança, pernoitou em navio inglês: Mon-
glave, Correspondance,pp. 351-2. Em 1832, em discurso na Câmara, Marrim Francisco referirá
44 Atar, i, pp. 47, 49, 94-5, 98; ArquivoDiplomdticoda Indepenâência, 6 vols., Rio de Ja- que Menezes havia escapado "por duas vezes aos riros de seus covardes inimigos~: Anaisda Câma-
neiro, 1922, i, pp. 176, 178; Oflciose cwcumentos dirigidasaogovernopelajunta provisóriadapro- ra Ms Deputados,1832, i, p. 184. Nas "Anotações", Menezes nada alegou a respeito. Por sua vez,
v{ricia-dePernambuco,Lisboa, 1822, pp. 9-11; Conciliacwr Nacional,3.v.1823; ABN, 13, p. 28; Bernardo José da Gama acusou-o de haver recebido polpuda quantia do Tesouro para sua missão
cw
AJM, pp. 160-5; A,kgação brigadeiro
JoséCorreiade Melo,pp. 23, 48; Memória,PP· 11-2. em Pernambuco, o que ele desmentirá, dizendo-a custeada pelo Clube e por outro irmão, tam-
45 CorreioBrariliense, bém detentor de importante cargo oficial.
28, p. 718; Malaguetaextraordiruiria,
5.vi.1823.

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88
A OUTRA lNDEPEND~NClA
AJUNTA DE GERVÁSIO

nando a Regência; e aos oficiais goianistas,que D. Pedro confirmaria suas der executivo do modo que o mesmo Senhor se reconhece", rejeitando-se a
patentes. 47 _____ -- -----•· •• - -
adição "hoje, porque os povos do Sul lho conferiram sem restrição e assim o
- ••O -propósito de Menezes era compelir a junta a proclamar o Regente está exercendo no Rio de Janeiro". 49
chefe do poder executivo no Brasil, isento do poder executivo ~e Portugal. A Mas Gervásio não entregoµ os pontos e no dia 2 anulou o acerto da vés-
1° de junho, a cavalaria postou-se na praça do Erário, enquanto a tropa man- pera. A intimação que fora dirigida àjunta extrapolara a decisão registrada na
tinha-se de prontidão nos quartéis. Cerca de trezentas pessoas, teq.g~li-frente ata <4_Çâm.arade 1° de ju11h<;>).~_qua continha
l a contradição palpável de pro-
autodenominados juízes do povo, representantes-do exército, do clero e da clamar D. Pedro "independente do executivo de Ponugal, mas em tudo o mais
nobreza e até pretensos procuradores de D. Pedro, marcharam para a Câma- sujeito às Cones Extraordinárias e Constituintes do Reino Unido, com adesão
~ado Recife, que, cúmplice da manobra, convidara as congêneres da comarca ao Senhor D. João VI, rei constitucional do dito Reino, e união aos nossos
a fazerem causa comum com ela. Após declararem ser vontade da província irmãos de Portugal e Algarves, em tudo o que se não encontrar com os nos-
1
conferir novos poderes ao Regente, todosdir1giram-se a pafácfo.Entre os • sos direitos". O aniculado era inepto, inclusive porque inexistia em Ponugal
membros da junta, ao menos Felipe Néri Ferreira havia sido seduzido. Ger- poder executivG independente do Soberano Congresso, mas a linguagem tor-
vásio opôs-se categoricamente à proposta, sustentando que, antes de optar- . tuosa habilitou Gervásio a promover um "juramento de fidelidade e obediên-
se pelo Rio ou por Lisboa, urgia evitar que uma ação precipitada atraísse no- cia" às Cortes, a D. João VI e ao Regente, que repunha as coisas na situação
vamente sobre Pernambuco os males de Dezessete, pois sequer na Corte se anterior. Por fim, ele declarou que os membros da junta "jamais se sujeita-
havia tomado decisão semelhante à que se instava a junta a adotar. 48 riam ao despotismo ministerial, qualquer que de fosse e pudesse reviver", nem
Esta sempre obedecera ao Regente na sua qualidade de delegado de Sua sacrificariam "os interesses desta província", que defenderiam "à força de ar-
Majestade, mas não podia proclamá-lo titular de um executivo independente mas contra qualquer que os pretendesse invadir". Advertência antes dirigida
sob a pressão de "um motim", só devendo fazê-lo por "um ato regular do ao Rio do que a Lisboa, como perceberam os unitários, que a taxaram de
povo" não apenas do Recife mas de toda a província. A argumentação de "protesto indecentísssimo" ao supor que a obediência ao Regente encaminha-
Gervásio já prevalecia, quando Menezes, pressionado pelos amigos que viam va-se a "fins despóticos". Gervásio concluiu sob aplausos e vivas, pois sua
o negócio malparado, surgiu na reunião para insistir na anuência da junta, de declaração foi compreendida não em sentido antifluminense mas antilusita-
vez que D. Pedro deixara de ser delegado de D. João VI a partir do Fico, no. A Câmara de Olinda e o cabido da Sé endossaram a resolução. 50
quando passara a exercer o poder conferido pelo Rio, São Paulo e Minas. Os Na correspondência oficial com Lisboa, a junta denunciou "alguns es-
unitários propuseram que a sessão se tornasse permanente e ameaçaram com píritos inquietos e ambiciosos", que, na esperança de se elegerem procurado-
um ataque do povo e do corpo de artilharia. O impasse só foi superado me- res da província e de obterem cargos e honrarias, julgavam agradar o Regen-
diante fórmula que, escamoteando o desacordo de princípio, permitia a ambos te com iniciativas ilegais. A D. Pedro, Gervásio informou só não haver agido
os lados cantar vitória, ao reconhecer."em Sua Alteza Real a delegação dopo- contra eles porque diziam atuarem em seu nome. Destarte, Gervásio pensa-
va colocá-lo na posição de desautorizar o precedente de "irem dois ou três
47 Segarrega,3.vii.1822. O artigo, assinado por Filarete, dando a versão da junta de Gervá-
sio acerca do 1° de junho, fui considerado pelo cônsul francês "assez remarquable" para que o fi-
zesse traduzir e enviar ao Quaí d'Orsay. 49 AJM, pp. 84-95; Segarrega,
3.vii.1822; Mello Moraes, Brasil-Reinoe Brasil-Império,ii, p.
48 Segarrega,6.i., 3.vii. e 6.viíi.1822; CCF, 6.v. e 10.vi.1822; [Conselho Federal de Cultu- 338; ABN, 13, p. 20.
ra]_,As câmarasmu,iiâpaise a Independência, 2 vols.,.Rio. de Janeiro, 1_973,i, pp. •110-1; Alegação 50 Memória,pp. 13, 20; CCF, 10.vi.1822;AJM,
i, pp. 95-104; Denis Bernardes, "O patrio-
da brigdeiro José Correiade Melo, pp. 52-55; AJM, pp. 84-95; BrasilHistórico,15, p. 2. tismo constitucional", pp. 484,486.

90 91
A OUTRA lNDEPEND~NCIA AJUNTA DE GERVÁSIO

.,
!i:1
paisanos aos quartéis militares induzir a tropa e aliciá-la para tomar delibera- Mello, foi o único historiador a sustentar que "o açodamento dos dias 1° e 2
ções, ou obrigarem o governo a tomá-las", embora a Corte não venha a·desa- de junho não podia estabelecer nem estabeleceu pela província de Pernam-
prová-los, louvando, pelo contrário, sua atuação. Gervásio informava ainda buco o Príncipe Regente em chefe do poder executivo no Brasil, independente
1
l que um dos membros da junta, Felipe Néri Ferreira, viajaria ao Rio para ex- do executivo de Portugal". Na síntese de Barbosa Lima Sobrinho, "o mês de
l por em detalhe a conjuntura provincial, missão que os unitários pretendiam junho não foi um divisor de á~as", como pretendiam "os partidários dos An-
i' que se destinava a·ra,cificara almejad:i adesão.51 Desde entã~,.a . .i;dministra- dradas" e os historiadores do Império, "tão somente um obstáculo, que a junta
ção municipal do Recife alinhar-se-á com· a causa unitária. • provisória conseguiu transpor, com o termo de juramento do dia 2 de junho,
Os unitários fingiram reputar a ata de 1° de junho como constitutiva da para anulação da efêmera vitória dos asseclas de Menezes Drummond".53
adesão de Pernambuco, como se nada tivesse ocorrido no dia seguinte, ao .R_~uco~jl~s decorridos dos acontecimentos de 1° e 2 de junho, recebia-
passo que a historiografia da Independência continua a repetir ingenuamen- s~ a notícia da aclamação de D. Pedro -comoD-efensorPerpetuo ãol3ras1l. Ao
te a mentira. A Câmara do Recife prestou-se mesmo a escrever ao Regente que cfepresf!ntall_t!!jnglês,
explicou José Bonifácio equivaler o título ao de ''gene-
ela e a junta haviam proclamado D. Pedro Regente constitucional coi;ria de- ('.falíssimodos exércitos", o que fazia o Regente "virtualmente-i;perador",
legação irrestrita do poder executivo. Para transmitir a nova, a Câmara des- dotando-o de legitimidade popular, de modo a justificar o exercício de po- •
pachou Morais Mayer, que em breve retornará premiado com a Ouvidoria deres adicionais aos contidos na delegação paterna.Af>.~sarde haver resistido
de Olinda. As gazetas do Rio noticiaram que o Regente fora reconhecido no à concessão, como resistirá à convocação da Constituinte, iniciativas ambas
Recife "com~ poder executivo nele, sem restrição nenhuma", mas o cônsul- r dos liberais fluminenses, José Bonifácio logo percebeu a vantagem de instru-
geral da França, Maler, não se deixou enganar: ao contrário do que se noticiara m~ntalizá-las no fito de cortar as asas aos adversários. O ato causou "viva sen-
acerca da chegada de depuração da província, "a verdade é que só chegou uma sação" no Recife. Embora ciente de suas conotações autoritárias, Gervásio
única pessoa, mulato, procurador da Câmara do Recife, encarregado unica- absteve-se de criticá-lo; e os unitários, de reclamarem novo juramento. Mas
mente por esta municipalidade de apresentar a Sua Alteza Real os sentimen- a inquietação persistia devido a que, por algum tempo, não aportavam navios
tos de amor e de fidelidade dos seus colegas". Mayer foi recebido em audiên- procedentes do Reino, o que levava a crer que se aprestava a expedição re-
cia pública por D. Pedro, na presença da Câmara do Rio e de pe~nambucanos colonizadora. Apreensão só dissipada em inícios de julho, altura em que par-
domiciliados na Corte. A impostura repercutiu em Lisboa e em Londres, onde tia a delegação encarregada de cumprimentar D. Pedro pelo Fico. Além de
foi acolhida por Hipólito José da Costa. Mas em breve conheceu-se na Corte Felipe Néri Ferreira, compunham-na um representante da tropa e outro do
que a junta anulara os efeitos do pronunciamento militar, nem transmitira povo, escolhidos a dedo para indignação dos unitários. 54
ao Regente qualquer ato de adesão.52 A junta, que cogitara de tomar providências drásticas contra os adversá-
Mas os unitários, sem podê-lo admitir publicamente, sabiam muito bem rios, terminou por convidá-los, na proclamação de 22 de junho, a exporem
que Gervásio tinha logrado prolongar, nas palavras de um dos chefes do par- seus pontos de vista, ao mesmo tempo em que alertava a população contra
tido, ''aquela saborosa dubiedade que tanta vantagem oferecia para todo e os "homens de fora" e os "vagabundos, que nenhum interesse podem ter no
qualquer novo sistema". No século XIX, um gervasista, Antônio Joaquim de

53
Memória,p. 12;AJM, p. 100;Barbosa
LimaSobrinho,Pernambuco:daIndependência à
51 AJM, pp.
107-111;Segarréga,3.vii.1822. ConfederaçãodoEquador, p. 67.
52 As câmaras
municipais, 21. vi.I822;CCF-RJ, 29.vi.e2.vii.1822;
i, pp. 110-2;OEspelho, 54
Webster,Britainandtheindependence
ofLatinAmerica,
i, p. 217;CCF, 10 e .19.vi.e
Correio
Brasilieme,
28,p. 208. 5.vii.1822.

92 93
A OUTRA INDEPENDtNCIA AJUNTA DE GERVASIO

vosso bem ser", incitando-a a renovar o apoio que, juntamente com a tropa, demonstrava o menor interesse pelas reformas administrativas propostas pela
havia dado ao governo na expulsão dos contingentes lusitanos. O ~anifesto junta. Malgrado as reservas de Gervásio relativamente a José Bonifácio e Mar-
também formulava a concepção gervasista de Império luso-brasileiro, indis- tim Francisco, ele carteava-se com o amigo de Dezessete, Antônio Carlos, e
pensável à segurança de suas partes, e associada, de um lado, à união das pro- mantinha-se informado através 90 sobrinho, o deputado Domingos Malaquias
víncias brasileiras, penhor de preservação dos seus direitos, cujo corolário seria de Aguiar Pires Ferreira, que em 1817 secretariara o Cabugá na missão aos
~ ~~~J?elecimentode poder executivo na ex-colônia; e, de outro, a um sistema Estados Unidos. 56 • ...
de autogoverno pelo qual cada província arcaria com suas próprias despesas, José Bonifácio tentou, sem êxito, desfazer as prevenções de Gervásio no
concorrendo apenas' para o orçamento brasileiro e imperial consoante o que tocante ao Conselho de Procuradores, que, a seu ver, não era incompatível
Gervásio descrevia como "um rateio de avaria grossa mercantil". As relações com as Cortes, pois limitar-se-ia a decidir se a legislação aprovada na metró-
comerciais entre os dois Reinos e entre as províncias deveriam fundar-se na pole adaptava-se às circunstâncias do Brasil. Quanto à preocupação de que a
reciprocidade mais estrita; e, em matéria fiscal, só subsistiriam tributos equita- presença dos ministros pudesse reviver "o antigo despotismo", tratava-se, pelo
tivos, cuja receita não deveria ultrapassar o mínimo requerido pelo custeio da contrário, de meio destinado a habilitar os representantes provinciais a me-
administração. Gervásio pensava igualmente em impostos interprovinciais. 55 lhor fiscalizá-los. O Conselho tampouco seria anulado pelo poder conferido
fan.Londres, constatava Hj,.Rg_li_te>
José d;i Ç2,~g_q!-)._~!!lª1gradoseu espí- ao ministério de convocar as sessões, o decreto de 16 de fevereiro prevendo
Lrito conciliador, a junta perd~!~-~-~~ª-y9_1_1t_acle_9:~__ onde Gervásio era
Ç9-i:_t:~? que ele também pudesse reunir-se por iniciativa própria. Mas que um órgão
-~':'i~~<?,_<;omoum hipócrita que, m~_g_J?~9.~~2:ef~_1jr-se a elas com un2Í~li- definido como meramente administrativo pudesse ser competente para mo-
giosa, repatriava a tropa do Reino, causando a perseguição, o assassinato e a dificar a legislação do Soberano Congresso parecia a Gervásio um contra-sen-
,.:.fuga de muitos reinóis. E previa qti~-''sé puderem c~lher'is-~ã~sÕ-Gef;ás'io, so constitucional que só visaria a justificar as arbitrariedades do Rio. Suspei-
fá-lo-ão pagar bem car~ o arrojo de ter expulso o batalhão do Algarve e não ta, aliás, em breve confirmada ao baixar o Regente o decreto de 18 de junho
ter recebido os novos algozes que para lá mandaram", o que ocorrerá após a sobre a censura à imprensa, o qual permanecerá letra morta em Pernambuco
deposição da junta em setembro de 1822, quando Gervásio for preso na Ba- até maio de 1823, por constituir interferência discricionária em assunto da
hia e enviado a Lisboa. O deputado Borges Carneiro, por exemplo, julgava alçada do poder legislativo, em. violação de direito expressamente garantido
que "muito tempo há que merecia [a junta] ter sido enforcada toda", embo- nas "Bases da Constituição portuguesa". Pernambuco não se fará representar
ra ainda fosse tempo de "prender todos os seus membros, processá-los e en- no Conselho. 57
forcá-los", ·pois as Cortes tinham a obrigação moral de acudir a comunidade . Outro motiv~ de atrito CC>m o Rio eram as exigências do Erário flumi-
reinol do Recife, cuja importância e riqueza eram notórias. Outro indício de - ge._nse.l!ma das primeiras providências tomadas pelâ juiuãfÕraadesustâr a
hostilidade era a reabilitação de Luís do Rego, que tivera anulada a devassa tf~ia da receita_dos tributos destinados a gastos específicos da Corte,
contra sua administração, fora nomeado governador das armas do Minho e :indusive_,.;i_
odiada t~': para sua ilum_Iiiãção.·Menossim6õTíca, porem mais
será convidado a comandar a expedição contra o Brasil. Lisboa tampouco
56
Conci/iatÍQr
Naciona~16.ix.1822; CorreioBrasiliense,28, pp. 58-9, 716; Valentim Ale-
55 Atas, i, pp. 109-10; Peças,n. 24. No memor_ialde 1825 ao Imperador, Gervásio men- xandre, Os sentidostÚIImpério,pp. 680-1; Tobias Monteiro, A elaboração da Independência,Rio
cionará, entre as medidas indispensáveis à prosperidaâe do Império, a necessida:dede os artigos de Janeiro, 1927, pp. 594-6.
similares aos produzidos no exterior e dentro do Brasil serem submetidos a direitos de entrada, 57
AJM, pp. 119-21, 123, 133--41;Peças,n. 60; Denis Bérnardes, "O patriotismo constitu-
de modo a que cada província pudesse desenvolver suas atividades peculiares, sem que fosse sufo- cional", PP· 514-8. Apenas seis províncias enviaram procuradores: Rio Grande do Sul, Santa Ca-
cada pela concorrência estrangeira e pela das outras: Apensos,pp. 251-2. tarina, Espírito Santo, Paraná, Minas Gerais e São Paulo.

94 95
A OUTRA INDEPENDENCIA A JUNTA DE GERVASIO

importante, havia a cobrança dos atrasados da contribuição provincial (cuja carreira como juiz-de-fora do Maranhão, de onde, expulso pelo governador,
transferência fora suspensa em 1821 por Luís ao
Rego), que Gervásio se ne- passara a ouvidor no Sabará. A Corte não lhe tinha boa vontade, como indica
gava a satisfazer em vista das críticas circunstâncias da província. Consistindo a recusa em nomeá-lo para a Casa de Suplicação ou para a Relação da Bahia.
nos impostos de exportação sobre o açúcar e o algodão, o grosso da receita Os gervasist.assuspeitavam-no de haver inspirado a representação dos pernam-
havia sofrido perda substancial devido à queda dos preços daqueles gêneros, bucanos residentes na Corte congratulando o Regente pelo Fico; e sabiam que
reduzindo-se a nível bem inferior ao de 1816. Ademais, a dívida pública acha- ele fora o au~Qrdo panfleto at_l?_nimoque reçomençl_av;ià junta aderir ao R.~-.
va-se gravemente onerada pelas despesas assumidas pelo governo de Dezes- gente e concoi:rer com um quarto da receita pro;lnciàl para o Rio. 60 •• • • •
sete, pela esquadra de Rodrigo Lobo, pela restituição dos bens confiscados aos ~o desembarcar no Recife a 2 de julho, trazendo a notícia da convoca-
revolucionários (cujo produto fora parar no Tesouro do Rio após a revolu- --c-çãoda,_Constituinte, Gama planejava depor a junta para se eleger Presidenfê-·
ção), pela manutenção dos contingentes portugueses, pelo aumento dos sol- _d1cl-_quelhe sucedesse, dandÔ aos liberais fluminenses uma base Je apoio con-
dos e dos vencimentos do funcionalismo e finalmente pelos investimentos em 4:::::t:.raJQ~éJionifácio.
No mesmo nâvfo, viájâvãõ-corpó dê artilharia que;·tendo
instrução e obras públicas. 58 • participado da Revolução de 1817, fora deslocado para Montevidéu. Seu re-
Na esteira do decreto de 3 de junho de 1822, que arrancara ao Regente gresso fora solicitado por Gervásio, pedido que José Bonifácio atendera com
:i..c~ocação
---···--·-·-- de Consiituiii.fél)iãsilefra,
---···· ... .
. ,.-. -•
a.fúfada maçoriariaflürnmense
....- ... __________
,,_, _________ _ contra
...___
,,_ ,
. a segunda intenção de que coadjuvasse ó movimento de adesão ao Rio, o que
J?.s~ I3oni~cio estendeu-se a Pernambuco. O presidente. da Câmara do Rio, lhe mereceu os parabéns de Caldeira Brant, que vira a medida como de "su-
José Clemente Pereira, confiou ~bdesembargador Bernardo José da Gama, perior política". Quando Gama partiu da Corte, ainda não eram c~nhecidos
nomeado para a recém-criada Relação do Recife, a tarefa de obter a adesão ali os acontecimentos de 1° e de 2 de junho, dos quais ele só soube ao desem-
das câmaras provinciais, a quem competiria organizar as eleições. Gama per- barcar. Gama abriu imediatamente as baterias contra Gervásio, assinalando,
tencia a uma ávida família recifense que, em Dezessete, envolvera-se nas in- ef!l circular às câmaras, que a reunião da Assembléia Geral era a prova ddini-
trigas maçônicas do Rio em favor da monarquia constitucional e que depois tiva do ânimo liberal de D. Pedro, já não havendo, por conseguinte, pretex-
associara-se à causa do Regente.5 9 Formado em Coimbra, Gama começara a tos para as "supostas desconfianças e quiméricos temores" a que recorriam "os
divisores do Brasil" a fim de "c~onestar imundos fins de seus interesses parti-
culares". Gama também acusou José Bonifácio de corcunda e de tencionar
58 Pereira da Casca, Anaispernambucanos,viii, p. DXI; Apensos,pp. 102-17, 122-6; Denis conferir ao Regente o poder absoluto, prevendo para breve sua queda. A Me-
Bernardes, "O patriotismo constitucional", p. 409. nezes, de saída para a Bahia, revelou o propósito de derrubar a junta, critican-
• 59 Seus cios eram notórios pela fàlca de escrúpulos. Um deles, que denunciara Gervásio à do-o por não havê-lo feito e afirmando que só á maçonaria poderia realizar a
Alçada de 1817, ficara conhecido por tentar apropriar-se do encapelado do Porto de Galinhas, que união das províncias. Menezes, surpreso com a missão _deGama, que lhe pare-
devia reverter à Coroa em decorrência da excinção da linhagem instituidora.. Outro, José Fernandes
Gama, um dos chefes da facção unicária, aceitara-se com Gervásio, que centara moralizar a Alf.\.n-
. dega do Algodão, de que ele era superintendente. Outrora, demitido pelo bispo governador, D. Severino Leite Nogueira, O Semináriode Olinda e seufundador, o bispoAzeret:ÚJ
Coutinho,Recife,
José Joaquim de Azeredo Coutinho, do cargo de professor de gramática, José Fernandes Gama 1985, pp. 128 ss.; RlAP, 52 (1979), pp. 130, 138, 145,203; FC, pp. 123 ss.
60
estipendiara moleques para insulcá-lo publicamente pelas ruas de Lisboa. Transferido para Alagoas, Mello Moraes, Brasil-Reinoe Brasil-Império,ii, pp. 13-6; Recordações
ao governotÍd pro-
craduzira a Arte de amar, de Ovídio, o que lhe valera asiras do Santo Oficio. Feito juiz da Alf.\.n- vínciade Pernambuco,p. 11. Gamà, aliás, que não deixava de mencionar seus mais modestos ser-
. dega do Algodão, fora suspenso por Luís d~ Rego devido a irregularidades e enviado preso ao Rio, viços ~ causa imperial, não reivindica a autoria da representação dos pernambucanos, que Olivei-
de onde logrou regressar, denunciando uma conspiração do governador e d<;>
conde. dos Ar.cospara, ra Lima atribui a Manuel Caetano de Almeida e Albuquerque: O movi,;;entodd Independência,
retirar Pernambuco da obediência a D. João VI e ad;unar o Príncipe D. Pedro; DH, cviii, p. 134; \'-, p. 286.
''

96 97
A OUTRA "lNDEPENDl!NCIA A JUNTA DE GERVÁSIO

eia escusada, manifestou-lhe seu desacordo com a destituição pela força de um ro; inaceitável para a maioria dela, acoplar ao(s) centro(s) de poder executivo
governo legítimo e o aconselhou a não agir sem autorização do Regente.61 no Brasil assembléias provinciais com atribuições amplas para regularem os
A reação da junta à convocação da Constituinte pautou-se pela proposta assuntos locais, como propusera Hipólito José da Costa. 63 Tal fórmula teria
de Gervásio: embora as Cortes s~~tfves~em·dêsvíâdOdÕpdilcípioda recipro- a vantagem de contentar as proví.ncias e de dar a Portugal os meios de cer-
~cidade de direitos ~tre'P°~rtugal ~ B-;..asa,precondiçã~ doRei~o Unido, ainda cear o executivo a ser instalado no Rio. Gervásio tampouco defendeu a rei-
. ;~pÕdií..esperar-qüe·ai:êiid~eµ1as reivindiéaçõ~_bp1sileirasem n.id.o:quç
~io vindicação 4e _l_~gislativobrasileiro, que causará a ruptura final em Lisboa.
~~meromete!>~eâ üííiãôdâmonarqwa~ Não êiãâjunta, a quemfàltâvâcõm- Os unitários atacaram a posição de Gervásio com o argumento de que
• petência para tanto, mas a população de Pernambuco que deveria resolver se ._a.pro,~í~cianão poderia continuar esperando a decisão de Lisboa; e que·o·ju~
desejava fazer-se representar quer no Conselho dos Procuradores, quer na ramento prestado pela junta ao regime português cãaucara em função das
--&~~mbfJiá-GêràIÃ.demaís,1íaverido·o governo, pelo seü. Fresiaení:e, jurado _yiol~ç~_e~a:icadas contra os direitos do Braslt1vtêsmtnrerorrê~ss&s·suhs::--··
'-oiegime constttí.iciõnal lusitano, só o colégio eleitoral que os escolhera po- tanciais fossem feitas pelas Cortes, nada impé<ITnaque viessem a ser anula-
deria desligá-los do compromisso. A ata da reunião da junta de 5 de julho das mediante emenda constitucional das legislaturas subseqüentes. A consulta
obteve o endosso da Câmara de Olinda, que lançou a idéia de uma Consti- aos pernambucanos era desnecessária, não tendo sido feita em 1821 quando
tuinte pernambucana composta das câmaras, pois "como este negócio é da do juramento das bases da Constituição lusitana, como também perigosa, pois
província, à província é que compete decidir", embora o clero, reunido na Sé, causaria um conflito entre o Recife e o interior, caso os corcundas incutissem
fosse favorável à eleição dos constituintes, com a reserva de que não poderiam "o terror e a desconfiança" na população rural, ainda ignorante de "quais são
agir contra a unidade e a integridade do Reino Unido. 62 os direitos do homem". A esta altura, quando a grande lavoura ainda não se
_ A aposta de qervásio <:xp_lic:a.,
_que_el~ nuncase ten~a.r~~to a negociar definira, o temor dos. unitários ao tradicionalismo dos matutos não era me-
com o Regente a adesão de Pernambuco em troca de concessões autonomis- nor que o dos gervasistas. A Constituinte provincial pressupunha a existên-
tas. G~rvásio não tinha ilusões acerca da rect!ptividad,ecµQ'.>1mirni!l~ deli~ cia de uma "pátria pernambucana" e o direito de separação das províncias
rando sob a compressão do Príncipe, do ministério e da alta burocracia, às rei- • como detentoras últimas da soberania, constituindo assim, nas palavras de
~di~~~-;~t.;g~~~~!1Q.PE,~~i,~~i~~~~to·;_;iq~~~~J;s!_!:~ç§~<:1<:!~C!~~i: Gama, o "sutil estratagema dos oligarcas" para se libertarem dos freios da
exped.~daspor JoséBo_nifácio,prejulgando matreiramente a natureza do man- Coroa e estabelecerem o regime republicano. Sendo a monarquia constitu-
dato dos deputados às Cortes, deram-lhe o caráter de delegação, não o de pro- cional o sistema "mais brilhante das luzes humanas e o que mais convém ao
curação. ,A Gervásio, só restava ~~JJ~-~3:. expectativa, que entreteve estado de fraqueza em que nos deixaram as sanguessugas européias", Per-
-~té finais de agosto, de que a aprovação de Lisboa ao parecer de 18 de março .nambuco só seria livre se reunido às províncias do Sul sob uma Constituinte
ou um imprevisto qualquer viessem alterar o curso dos acontecimentos. Neu- brasileira, que fundasse "uma sólida liberdade constitucional, não uma liber-
tralizando os integracíoriisfa.s,úriiâ frâiisàçãô dos ieprêsefitantes brasileiros dade platônica", incompatível com as condições locais.64
com a facção moderada das Cortes poderia, em lugar do legislativo brasilei-

63 No seu projeto de Constituição, Hipólito previra a criação de juntas provinciais, cujos


61 Memória, pp. 39-40; AJM, pp. 118-9; PAN, 7, p. 262; Gazeta Pem4mbucana, 11.ix..1822 membros seriam eleitos pelas câmaras municipais parámandatos de três anos, sendo seu Presidente
e ,15.iii.1823; FC, pp. 124, 132; ABN, 13, pp. 18-9; Mello Moraes, Br,uiJ-Reino e Br,uil-lmpério, • de nomeação imperial. Cada câmara far-se-ia representar por um deputado, com o que o número
ii, p. 355; F'.A de Varnhagen, Hist6ria da Indep.endinci4do Br,ui4 3ª ed., São Paulo, 1957, p, 298. de membros igualaria o dasCâmaras existentesem cada província: ReguladorBr,uileiro, 25.xii.1822.
62 AJM, pp. 123-30, 132-3, 135; RIAP, 43 (1893), pp. 97-8. 64 O Maribondo, 17.vii. e 12.viii.1822; Memória, pp. 67-75, 99.

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A OUTRA INOEPENO~NCIA A JUNTA DE GERVÁSIO

Gé'rvásio era também pressionaçl.o de fora da província. De Londres, do ano, escolhera bem seu homem. Barros Falcão purgara no cárcere da Ba-
~-lhe Caldeira Brant para alertá-lo de que a primeira operação aa ai-- hia sua participação em Dezessete, e depois, no de Lisboa, sua oposição a Luís
mada portuguesa seria um ataque a Pernambuco, "e a caoeça que ma1Ssé • do Rego. Anistiado pelas Cortes, fizera-se adversário acérrimo da junta, alia-
cortar é ;_-deVÕssãExêefênCia''. Cumpriã que"à}Unta dissipasse mal-
...__deseja ra-se a Menezes,·reunindo em casa a fina flor dos unitários, como Gama, o
entendidos. • juiz-de-fora do Recife, Tomás ~vier Garcia de Almeida, e o Dr."Manuel
Inácio Cavalcanti de Lacerda, que viam nele a espada do movimento. 66
• • ·- • Ter~inada a·.güeriacivil que os porn~:giiêsêsnos querem fawr e-ga-
Ignorando os demais pareceres encomendados pela Câmara, Gervásio
rantida a integridade do Brasil, que todos desejavam ver dividido, não pode
respondeu num impresso mordaz. Em vista da censura imposta à imprensa,
haver a menor dúvida que cada uma das províncias há-de ter sua panicular
recusava-se a discutir as vantagens respectivas dos sistemas polítÍcos, mas não
administração [...] Neste momento de crise, o que sobretudo convém é a es-
podia deixar passar as proposições que nasciam da vivacidade de Barros Fal-
treita união com o Rio. A revolução de 1817 fez persuadir a toda a gente que
cão, da "cega confiança" que votava em "seu amanuense", ou das noções in-
os pernambucanos desejam fazer de sua província uma república indepen-
cutidas por "palavreadores e atrabiliários" que abusavam da sua "boa fé e pa-
dente, e supondo isso provável, que consideração polídca teria no mundo?
triotismo". A junta jamais exprimira preferência por qualquer regime, limi-
Aos ignorantes, não há razão que baste, mas Vossa Excelênciadecerto conhece
tando-se a sustentar que a adesão ao Rio dependia de consulta prévia à pro-
as vantagens de um Estado que abrange do Prata ao Amazonas, e por isso es-
víncia. Tampouco ·podia aceitar o argumento de que a Constituição, pelo fato
pero em Deus que por t0dos os meios a seu alcance se esforçará para conser-
de estar sendo preparada em Lisboa, resultaria incompatível com as condições
var a integridade do BrasiL
·- brasileiras, pois tudo dependeria da relação de forças entre as tendências do-
J: Brant, que escrevera também aos deputados baianos às Cortes de Lisboa minantes no Soberano Congresso. Não se podia esperar que os deputados
O'
_J. brasileiros traíssem seus compromissos, mas mesmo tal eventualidade pode-
para acoruelharem o governo de Pernambuco a mudar de rumo, queixar-se-

-
u.
LL.

o
CD
(/)
á de que Gervásio deixara suas exortações sem resposta. 65
.A Câmara do Recife prestou-se novamente a fazer o jogo unitário, ofen-
f!ida d_ajtmt~_proibindo queas féstivida~es Il1:~~i~ipàís'_~~~!1~~~
orde,J:J:1_
das para comemorar o título de Défensor Perpétuo celebrassem também a
futura, Constit~nte. •Os vereador~s•re~olveram solicitar a opinião de alguns
ria ser remediada anulando-se suas procurações. A verdade é que o povo brasi-
leiro não fora ouvido nem cheirado a respeito da convocação da Constituin-
te. Quanto aos proclamados perigos da divisão do Brasil, não passavam de
contos da carochinha. 67
Barros Falcão voltou à liça para negar que competisse a Pernambuco
notáveis que se opunham a Gervásio. O coronel José de Barros Falcão de decidir o que fora resolvido pelo decreto da Consútuinte, não se podendo
Lacerda, conhecido por Barros Vulcão devido a seu caráter estouvado, acusou admitir que ela exercesse um direito ao qual as províncias do Sul não haviam
Gervásio de republicanismo. Já não sentindo atraçã~, como em 1817, pelos recorrido. Tãó espontâneo parecia-lhe o consenso brasileiro que, à mesma
"aéreos e subversivos direitos do homem natural", ele optara pela monarquia altura em que D. Pedro convocava a Assembléia, os pernambucanos se ha-
temperada que se projetava no Rio, único regime capaz de prevenir a insta- viam manifestado em seu favor. Reiterando sua hostilidade ao "vertiginoso e
bilidade institucional, a volta aos abusos do sistema colonial e o esfacelamento efêmero republicanismo'.', Barros Falcão increpava Gervásio de quixotismo
do Brasil às mãos das potências_européias. Gama, verdadeiro autor do pare-
cer, que repetia vários dos tópicos da "Me)llória" que publicara no começo 66 Peças,n. 26; Memória,p. 24; Dias Martins, Os mártires,p. 171; Folhasesparsas, IAHGP.
Conhece-se o texto de quatro pareceres, todos redigidos por unitários, os de Gama, Barros Falcão,
Garcia de Almeida e Manuel Inácio Cavalcanti de Lacerda, três magistradi' e um oficial do exército.
65 PAN, 7, pp: 254-5, 259. 67 Peças,n. 28; CCF, 18.viii.1822.

100 101 /
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A OUTRA lNDEP.ENDtNCIA AJUNTA DE GERVÁSIO

político, intranqüilizando a população ao invocar "o Deus dos Exércitos" 3, prenderam-se mais de cinqüenta reinóis, militares, comerciantes e funcio-
(expressão muito do gosto do Presidente), "contra Portugal e contra o Sul do nários públicos, inclusive o ouvidor do Recife. Pela manhã, relata o .cônsul
Brasil, fazendo reviver em Pernambuco as cavalheirescas idéias da ilha Ba- francês, "o povo lev3.11tou-seem massa, a tropa em armas, a artilharia pronta,
rataria". Gervásio só sobrevivia politicamente devido a um mal-entendido: o com as mechas acesas [.;.] toda a cidade em rumor". A junta cedeu, concor-
sentimento em prol da monarquia constitucional achava-se tão disseminado dando com a eleição no prazo dequarenta dias e com a repatriação dos ofi-
que mesmo a gente rústica presumia equivocadamente que a junta compar- ciais detidos. Mas seu oferecimento de demissão foi recus.adç,.peloschefes do~
tilhava dele. A tréplica concluía com uma nota ameaçadora: "mais solitário corpos, que se declararam prontos a defendê-la. Ainda segundo Latné, o 3 de'
do que talvez imagine", Gervásio, caso persistisse, não teria final feliz.68 agosto foi "o dia em que a desordem foi levada mais longe", embora sem der-
_A tensão escalou na segunda <J.!:!Í!1~~1_1a.4e julho. Os êxitos do general ramamento de sangue. A salvação da junta devera-se.à hesitação dos cabeças
~ Madeirl!_!1-ª_]_ah!<1._e_p
falso ru111orac:etaJ.Qª prcesençade esquadra lusitana n..2._ e ao desapontamento da populaça, impedida de pilhar o Recife. A tropa re-
c....Utoralprenup.~~~:i.tn.~!11-ª~~ql!~~igente ~_proví.ncia.A 19 de julho, a junta colheu-se aos quartéis, ao que se disse subornada, ou graças ao que Gervásio
publicou manifesto em que alertava para o risco de que a guerra civil na Ba- estimava "um feliz resto de respeito".7º Como o triunfo de Menezes, o de
hia se alastrasse a Pernambuco e punha os conterrâneos em guarda contra as Gama ficara pela metade_.
manobras divisionistas, concitando-os a se alistarem. No documento, que ba- Mas Gervásio ainda dispunha de apoio. De outra maneira, não se po-
tizaram de "proclamação dos dois bicos", expressão com que José Bonifácio deria compreender que o Grande Conselho de 8 de agosto aprovasse medi-
caracterizou a política gervasista, os unitários enxergaram uma manobra des- das enérgicas contra os unitários. Devido à renúncia do governador das ar-
tinada a reprimi-los e a promover a ruptura com o Rio. Por sua vez, os gerva- mas português, o comando foi subordinado ao governo civil, soltando-se os
sistas propagandeavam seu plano de Assembléia provincial, e Gervásio orde- presos civis e abrindo-se devassa sobre o ocorrido. Barros Falcão foi despacha-
nava a realização de um censo demográfico, a fim de protelar a eleição à Cons- do a serviço para Goiana. A junta ainda tentou atrair as camadas populares,
tituinte. Nestas circunstâncias, os unitários passaram novamente aos·atos. criando companhias de pretos (os Monta-brechas) e de pardos (os Bravos da
Enquanto a Câmara de Goiana intimava o governo a realizar imediatamen- Pátria), mas havendo concluído que perdera a parada, solicitou demissão a D.
te o pleito, Gama, que subsidiava uma malta de desordeiros, tratava de per- Pedro, por não poder contar com a tropa para controlar a agitação estimula-
suadir o comando militar da nocividade da idéia de Constituinte provincial da por agentes do Rio, decisão que, aliás, não se compaginava com a tese uni-
e de "nação pernambucana", e estimulava a ambição dos oficiais brasileiros tária de que Gervásio preparava-se para proclamar o regime republicano. Nos
que desejavam a expulsão dos seus colegas portugueses, suspeitos de apoia- seus últimos dias, a junta caminhava aos trancos e barrancos; e, por isso mes-
rem a junta. 69 mo, muitos dos seus partidários mostravam-se mais radicais do que nunca,
Na noite de 2 de agosto, a tropa de primeira linha incorporou-se no cam- fazendo praça de republicanismo ou atacando o Regente e a Constituinte, a
po do Erário, ao passo que Gervásio mandava reunir, na Boa Vista, a milícia qual, na definição de um pregador exaltado, não passava de "um alçapão pa-
negra e mestiça, que logo, contudo, aderiu aos sublevados. Na madrugada de ra apanhar os pernambucanos". 71

68 Peças,n. 29. º CCF, 18.viii.1822;AJM, pp. 143-8, 150-1, 157; Memória,pp. 25-6; Peças,n. 30; ACI,
7

69 Apensos,pp. 147-51;Mmwria, pp. 25-6; CCF, 30.vii.e 18.viii.1822;AJM, p. 144;Atas, XLVIII, doe. n. 2.169.
i, p. 117; Documentosdo Arquiw Públicode Pernambuco,iv-v, Recife, 1950, pp. 192-3; IHGB, 71 CCF, 18.viii.1822;AJM, pp. 143-5, 14S-60;ACI, XLVIII, doe. n. 2.169; IHGB, 103,

103, 26, fls.128v.-129, 134. 26, &. 134v.-136;Memória,pp. 27-9; Atas, i, pp. 120-1, 124-6; Peças,n. 31.

102 103
A OUTRA JNDEPEND~NC!A AJUNTA DE GERVÁSIO

No Rio, os emissários da junta haviam sido acolhidos com festejos co- às potências estrangeiras, bem como o decreto proibindo o desembarque de
·-····--··-----
... ----- .. -- ... _........ . ... ,, ....... ,_ ..... ,,., , ................ '.f'"'-•

__rn~morativos do que se pretendia ser a a~~~<:__~~-~~..r.1.:i~~uco. 'fe.r~i_ri~uaa contingentes portugueses. 73


. audiência com D. Pedro, este assomara a uma das janelas do paço da cicfãcfe <Nasegunda quinzena de agósto, Gervásio entregou os pontos. O regres-
:gritando à multidãÕ''PernambucolnÕssÕ'';·õ que estava longe de co.rres~ so de.FeÍip~-Néri ci:;i;cidiu com.a notícia da rejeição-pd;sCort~do parecer
ponder à alocução que Fellpe Nén Ferrêira acabara de proferir, na qual limi- de 18 de março. Como assinalou Valentim Alexandre, os integracionistas,
tara-se a ressaltar a circunstância de que, devido ao conflito de opiniões na "embora imp.9tente[s] para impor.1?-oCongresso as su.~•teses,detinha[m] ajn: ....
província, a junta, absorvida na conservação da ordem pública, tivera de re- da nos bastidores da Assembléia e, em geral, nos centros de poder do siste-
tardar o cumprimento do dever de reiterarseus "protestos de obediência", os ma, a influência suficiente para travar a aplicação de uma política alternati-
quais, entenda-se, já havendo sido feitos quando da ascensão de D. Pedro à va". Ao contrário de Manud de Carvalho em 1824, Gervásio não podia ou
Regência, dirigiam-se agora a cumprimentá-lo pelo Fico. Menezes queixar- não queria jogar a carta republicana, o que facilitou a missão de que Felipe
se-á de que a missão fora anulada pelo discurso "pálido, irresoluto e sem vi- Néri se encarregara no Rio. A 26 de agosto, a junta aderiu finalmente à se-
gor" de Felipe Néd, o qual felizmente passara despercebido em meio ao jú- paração do Brasil sob um regime monárquico-constitucional,. proclamando
bilo popular. Outra fonte reconhece a decepção do Regente e de José Bonifá- que o "sistema continental é s6 o que nos convém". Perdida a esperança de
cio, que, porém, nada deixaram transparecer. Comunicando o acontecimen- que o liberalismo lusitano abrisse "áurea porta" à "apeticida liberdade", eis que
to a D. João VI, afirmava o.Príncipe que Pernambuco o reconhecera "sem se definiam enfim "os nossos venturosos destinos" mediante a Constituinte
restrição alguma no poder executivo", o que era patentemente falso.·Não se oferecida pelo "herói brasiliense", D. Pedro. Se a junta não se expressara até
dando por achada, a Corte armara uma farsa destinada a enganar a popula- então com mais clareza, fora por acreditar que "o grande gênio tutelar do
ção fluminense. 72 Brasil" ainda conseguiria abrir os olhos das Cortes.7 4
Nos contactos mantidos no Rio, Felipe Néri obteve do ministro da Guer- p. junta infmmou D. João VI da reação do povo e tropa do Recife à
ra, Luís Pereira da Nóbrega, autorização para que a junta resolvesseo assunto intransigênciá do Sobérarioc·óngresso, mas.ào.romp.éí-com as Cortes preset-
da promoção dos goianistas, o que equivalia a dar-lhe poderes para retaliar ·vava a relação com o monarca,.solicitancfo que doravante suas orderisfõssem·
contra os oficiais unitários. Menezes perceberá a armadilha, conseguindo anu- transmitidas através do Regente. A este, Gervásio justificou sua põlmca em ..
lar a decisão, altura em que Felipe Néri já retornara ao Recife. Ademais, Nó- . termos dignos. -
brega, único liberal fluminense no ministério, de que será em breve demitido,
atraiu Felipe Néri para seu grupo, associando-o ao Grande Oriente, que o Desvanecidas pelas sugestões de um partido ambicioso, as lisonjeiras
nomeou delegado em Pernambuco. Face aos protestos de sinceridade consti- esperanças de formar com seus irmãos de Portugal uma só família política,
tucional do projeto em curso no Rio, Felipe Néri prometeu conseguir o apoio ainda que pelo Atlântico duas mil léguas separada, este povo brio~o conhecia
da junta; e o Regente o premiará em breve com a Ordem de Cristo. De re- bem os deveres da honra e os seus interesses para deixar de fazer, à vista de
gresso, Felipe Néri trazia os manifestos de 1° e 5 de agosto, aos brasileiros e tal procedimento, causa comum com seus irmãos do Sul. Se na nossa pru-
dência, Senhor, havíamos notado o estilo acrimonioso dos nossos irmãos pau-

72 ABN,13, p. 27; Mello Moraes, Brasil-Reinoe Brasil-Império,


ii, pp. 356-8, 360; AJM_,
p. 174; BNJR, II -33, 5, 34; Octavio Tarquinio de Sousa, A vida de D. PedroI, 2• ed., 3 vols., 73 Coleçãodas leisdo Impériodo Brasilde 1822, ii, Rio de Janeiro, 1887, PP: 71-2; ABN;
Rio de Janeiro, 1960, ii, p. 408. Mello Moraes atribui a Felipe Néri dois diferentes textos, mas é 13, p. 28; BNRJ, II 33, 5, 34; Mello Moraes, Brasil-Reinoe Brasil-Império,
ii, pp. 360-2.
possível que o segundo tenha sido declamado por outro membro. da delegação, Francisco Afim- 74 Valentim Alexandre, Os sentidosdo Império,pp. 615--6,628, 691-2; Peças,n. 32; ACI,
so, de ·vez que também constam as palavras do capitã.oJoão do Rego Dantas Monteiro. XLVIII, doe. n. 2.169.

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A OUTRA lNDEPEND.ÊNC!A A JUNTA DE GERVÁSIO

listas e o prematuro da marcha da Câmara dessa [cidade do Rio), entretanto como grande exportador da madeira, os ônus de uma dívida para a qual não
que os nossos deputados discutiam as bases em que devia firmar-se a nossa concorrera. 76
união com Portugal; se na nossa franqueza estranhamos a marcha da mesma A delegação concedida à junta para resolver a questão das promoções fa-
Cimara e dos ministros de Vossa Alteza Real quando se dirigiram por outras zia pairar uma ameaça sobre os qficiais que se haviam distinguido pelo ardor
veredas aos povos desta província, sem intervenção deste governo, que só unitário, ao mesmo tempo que sinalizava a aproximação do gervasismo com
lhes podia dar o impulso necessá,rioao bom andamento ; harmonia dos ne- ... • ... •. o Rio. Gama e seus aliados trataram, portanto, de atalhar a possibilidade de
gócios públicos; se no cioso zelo pela nossa liberdade ~ sobretudo na confian- que Gervásio continuasse no poder, sustentando que a anunciada adesão não
ça dos sentimentos liberais de Vossa Alteza Real dirigimos a Vossa Alteza representara uma conversão sincera, mas apenas a tentativa de prosseguir, por
Real nossas respeitosas reflexões sobre os decretos de 16 de fevereiro e 3 de outros meios, na política de obstruir a autoridade de D. Pedroc Era perigoso,
junho, direito aliás de que jamais nos despojaremos, não receávamos, con- por conseguinte, esperar pela resposta da Corte ao pedido de demissão que
tudo, que homem algum pudesse duvidar dos nossos sentimentos de amor lhe encaminhara Gervásio, pedido que poderia ser recusado. No Rio, o Gran-
e fidelidade para com Vossa Alteza Real e de adesão à causa.da liberdade do de Oriente fizera meaculpasobre a coação empregada para conseguir o apoio
Brasil, como alguns desgraçados para se fazerem valer procuraram inculcar. de Pernambuco, insistindo por que, doravante, ele fosse alcançado pelo con-
Assaz cara tinha sido para este povo a lição de 1817 e delongo tempo conhe- sentimento espontâneo; e como ainda duvidasse ou da sinceridade de Felipe
cíamos a necessidade da união das províncias do Brasil entre si para melhor Néri ou da sua capacidade de persuasão, resolveu despachar como emissário
sustentarem os seus direitos e de termos a Vossa Alteza Real e~tre nós co- o capitão João Mendes Viana, que devia também comunicar o plano de acla-
mo único centro desta união para que fosse preciso tão graciosas e termi- mação imperial, esclarecendo as dúvidas que surgissem. Mas desta vez Men-
nantes ordens de Vossa Alteza Real para nossa cooperação,. logo que as cir- des Viana não completou a viagem. 77
cunstincias o exigissem à grande obra da independência do Brasii.75 A queda de braço prolongou-se até meados de setembro, envenenada por
uma querela doutrinária. Havendo O Maribondo investido contra o repu-
Mas o ressentimento gervasista continuou vivo. O Segarrega, por exem- blicanismo, o padre Venâncio Henriques de Rezende, um próximo de Ger-
plo, frisava que só a partir da proclamação de 2q a província podia conside- vásio, publicou uma réplica que definia o sistema republicano na acepção la-
rar-se associada ao Rio. A recomendação do Regente no sentido de auxiliar- ta de regime baseado na lei e no bem comum, em contraposição aos sistemas
se a expedição do general Labatut em defesa da Bahia só foi implementada fundados na força e no interesse particular. Descarte, ele se coadunaria tanto
com a audiência de um Grande Conselho, que acatou a proposta de Gervásio com a república estrito senso quanto com a monarquia representativa. Mas
de ltmitar a ajuda ao envio de víveres e de modesto contingente de soldados. no empolgamento da polêmica, Venâncio derrapou na afirmação de que "mais
A junta achara-se em posição delicada, pois se desse apoio substancial, exporia ignorante e brutal" que os brasileiros eram os romanos ao abolirem a monar-
a província ao ataque lusitano, e se negasse, seria acusada de falta de solidarie- quia e estabelecerem a república; e de que o regime norte-americano provara
dade com a causa da Independência. Por outro lado, Gervásio recusou-se a
executar a decisão do ministro da Fazenda para que os estoques de pau-brasil
fossem doravante mandados para o Rio, a fim de servir à amortização da dí-
76 Segarrega,
17.víí. e 7.ix.1822; AJM, pp. 166-71; Junta de Gervásio ao Regente, 26.viii.
vida do Banco do Brasil, o que equivalia a.fazer recair sobre Pernambuco,
1822, LRGP, IAHGP.
77 BNRJ, II - 33, 5, 34; Mello Moraes, Brasi/..&inoe Brasil-Império, ií, pp. 362-3; Do-
cumentospara a históriada Independ!ncia,Rio de Janeiro, 1922, p. 397; Manuel Joaquim de Me-
75 AJM, pp. 174-8. nezes, Exposiçãohistóricada maçonariano Brasil Rio de Janeiro, 1857, pp. 36, 47 e 64.

106 107
A OUTRA INDEPENDtNCIA AJUNTA DE GERVÁSIO

sua superioridade sobre todos os outros. Venâncio atacara'igualmente a tese gerou a desconfiança de que se comprometera no Reino a impedir a adesão
favorável à preponderância do executivo na elaboração legislativa, o que faria de Pernambuco a D. Pedro e a facilitar o desembarque da expedição portu-
da Constituinte "urna oficina de serralheiros onde se fabriquem ferros para o guesa. Ressentido com a recusa de Gervásio em dar-lhe o comando das ar-
Brasil". Segundo os unitários, tratava-se de um sofisma: republicano era ape- mas, Pedroso foi aliciado por G~a. Coincidência favorável, ele viera encon- ,
nas quem preferia o governo democrático existente nos Estados Unidos. U ti- trar seus antigos subordinados do corpo de artilharia, que, como vimos, ha-
lizar q v.o<;ábuloem diferent.ç.s~ido só visaria a ~nwi~ar o povo, no propósi- viam regressado na mesma embarcação que trouxera o desernbargador. 80
to de "formar-se da nossa província um estado independente, governado por 1..Desgastada, a junta desistiu de esperar a resposta do Regente, oficiando

uma república" .78 ~ao colégio de eleitores reunido em Olinda para escolher os deputados à Cons-
Observou frei Caneca 9!:le "uma das maiores dificuldades gue jamais t~~inte!-composto de duâsasrembléias, urna para a mata nort;, e outra para
ái:!!riguistas têm encontrado foi a deposição da primeira junta". O autor de a_mata sul, ao passo que os delegados das comàrcas do sertão {Pajeú e rio de
J
Ul~- nec~ol6gio de Gama pretenderá·q~~-0 irmãÓ, oaqúim Fernandes Ga- São Francisco) reuniram-se in loco.Escusando-se o colégio, por julgar-se in-
ma, que era também seu sogro, forneçera-lhe os recursos para subornar a tro- competente, o desfecho sobreveio tão logo zarparam os barcos com o auxílio
pa; e Gama se queixará _deque seus parentes haviam ficado endividados a a Labatut. A 16 de setembro, Pedroso fez-se aclamar governador das armas
ponto de ser "preciso vender engenhos, casas, chácaras e tudo quanto havia e, à frente de uma deputação da tropa e povo, dissolveu a junta, enviando
de valor, para satisfazerem as despesas", sem receberem qualquer recompen- emissários a Olinda a fim de expor as razões da medida, que seria da vontade
sa de D. Pedro. Ele estimava estes gastos em 12 contos. Para acicatar os ofi- do Regente, e de solicitar a formação de outra junta. O colégio eleitoral e a
ciais goianistas, indignados com a autorização obtida por Felipe Néri, divul- Câmara de Olinda recusaram-se a endossá-la, mas a Câmara do Recife acedeu
gou-se matéria de gazeta do Rio com críticas de Gervásio, em ofícios a D. João em organizar governo temporário, embora declarasse depois haver sido coagi-
VI e ao Regente, aos corpos que haviam promovido o 1° de junho.7 9 Gama da. O goianista Paula Gomes foi escolhido Presidente com cinco outros unitá-
contou sobretudo com Pedro da Silva Pedroso, recém-chegado do Reino é que rios, além de Felipe Néri, que não aceitou. Enquanto Gervásio refugiava-se
em 1817 chefiara o levante do regimento de artilharia. em navio inglês,81 Felipe Néri e colegas deslocaram-se a Olinda, no fito de ar-
Naquela ocasião, posando de republicano puro e duro, Pedroso intimida- ticular a resistência armada. Mas, à frente da cavalaria, Pedroso surpreendeu a
ra os partidários de negociações com o Rio e ordenara a execução sumária de cidade pela retaguarda e prendeu os cabeças gervasistas. Embora frei Caneca
soldados, sem conhecimento do governo civil. Não se podendo valer da anistia
de 1821, pois o seu fora crime de sangue, a junta baiana enviara-o a Lisboa.
80
As Cortes indultaram-no, reintegran~o-o ao serviço militar com urna rapidez Dias Manins, Os mdrtíres,p. 309; Muniz Tavares, História,pp. 166-8; DH, ciii, p. 83;
suspeita. De volta ao Recife, Pedroso declarara não querer "saber_do Rio de F. A.Pereira da Costa, Dicionáriobiográficodepernambucanoscélebres,Recife, 1882, p. 761; FC,
Janeiro", chamara o Regente de "moço tresloucado" e de "traidor a seu pai", pp. 123, 142; RIAP, 14 (1909), p. 471; GazetaPernambucana,18.iv.1823; F. P. do Amaral, Es-
cavações.Farosda históriade Pernambuco,2• ed., Recife, 1974, p. 151; CWM, 80, pp. 83~4 e 90-
afirmando existirem em Portugal "muito boas intenções sobre o Brasil", o que
1; Denis Bernardes, "O patriotismo constitucional", p. 160.
81 Segundo dirá, para viajar à Bahia ou, como se pretendeu, ao Rio a fim de reclamar ao
Regeme: Apensos,pp. 224-6. Na sua defesa em Lisboa, Gervásio afirmará que seu destino fora Sal-
78
O Maribondo,22.viii.1822; Gazm Pemambu.:àna,l 1.ix.1822; FC, pp. 133-4. vador, ond_epretendia cobrar débitos de comerciantes da praça. Negociantes reinóis do Recife, que
79 Gonsalves de Mello, O Diáriode Pernambuco,ii, p. 902; Helio Viana, Vultosth Império, ali se haviam refugiàdo, obtiveram da junta local a prisão de Gervásio a bordo do navio inglês, em
São Paulo, 1968; pp. 37-8, 41; IHGB, 67, l; [Conselho Federal de Cultura], Asjuntas govematí- violação do direito internacional, o que provocou protesto.do governo do Rio ao encarregado de
vase a Independênci(l,3 vóls_,Rio deJaneíro, 1973,·ii, pp. 677-8; Memória,p. 30. · negócios britilnico.

108 109
AoUTRA lNDEl'ENDeNÇIA AJUNTA DE GERVÁSIO

alegue que os Gamas haviam pretendido aclamar uma junta permanente, não •verno dos matutos". Mas ele ainda marcaria um último tento contra os ger-
temporária, como veio a ocorrer, o desembargador, consciente da ilegalidade vasistas. Quando ~inda ignorava-se no Rio a deposição de Gervásio·,o Regente
ou na expectativa de ocupar a Presidência na subseqüente eleição, reivindica- atendera a sugestão de Gama para que agradecesse publicamente à tropa, em
. rá o mérito de haver feito pender a balança em favor da segunda solução. 82 especial aos batalhões de pardos e.pretos (a gente "a mais humilde e a mais·
O colégio de eleitores dispôs-se finalmente (22.ix.1822) a eleger junta fiel que havia em Pernambuco'), pelo movimento de 3 de agosto, que fizera
permanente, mas para os Gamas o tiro saiu pela culatra. A maioria, senhores executar o decreto de convocação da Assembléia Geral. D. Pedro lamais lon-
rurais da mata ou seus lavradores, embora não tivessem demonstrado éntusias- ge, prometendo sustentá-los em tudo quanto tendesse a con~olidar a união
mo pela política de Gervásio, temiam Pedroso mais que tudo. Os Gamas das províncias e a Independência. 84 O 16 de setembro ficara assim automa-
tampouco haviam logrado somar o espectro unitário, ao hostilizarem aberta- ticamente endossado pela carta branca dada à indisciplina militar, que dora-
mente o ministério José Bonifácio. Um primo, o padre Lopes Gama, foi dos vante justificar-se-á com as palavras do Príncipe.
que consideraram a deposição de Gervásio um erro político, embora criticas- ,Tendo perdido o governo provincial e carecendo de apoio na zona da
se sua atitude de excessiva reserva para com o Rio. Outro unitário, Manuel e mata, os gervasistas não conseguiram maioria nas eleições à Constituinte. Em
Clemente Cavalcanti, acusará Gama de haver semeado intencionalmente a tl'eze:d~utados, dos quais dez sacerdotes e magistrados, apenas quatro haviam
disc6rdia. participado de Dezes;et:e, sendo.na-maioria ina1vfdüos·âepõsições indefini-
-das e até corcundas. Mesmo-revomcfonários·CleIID, como Mumz 'I avares •
O ódio que se tinha aos procedimentos do Congresso português e a e. ··-:---:---:-:,---,--
e Venâncio Henriques de Rezende, estavam abandonando ou revendo suas
ambição em que estávamos por ade~ir à causa das províncias do Sul, fez que
convicções. Os que não haviam mudado, como Francisco de Carvalho Pais
pessoas de juízo pouco seguro cressem de leve quanto ele dizia. Nós mesmo
de Andrade, preferiram não assumir, antevendo a impossibilidade de fazer
tivemos por muitas vezes ocasião de o ouvirmos e protestamos que a sua lin-
vingar suas idéias.85 No âmbito provincial como no nacional, os gervasistas
guagem era sanguinária e criminosa quando versava sobre o governo da.
sofriam as conseqüências da cisão que o processo ~mancipador aprofundara
·província, insinuava que o governo devia ser deposto e que qualquer podia
assassinar a Gervásio Pires, que devia ser considerado como banido. A moci-
-;_~~tfi:d~Ts·22.-~~ oferecer a ;lternativa monárquico-constitucio~aí ine-
xistente cinco ;nos antes. Quand~ a centralização·i~p;ri~ s~ impuser no Se-
dade inexperta lhe dava ouvidos e breve estava a chegar o momento de
gundo Reiiíado~Iar::Se-::fJusríçá-póstumaà política de Gervhiõ-:Emr8u5,O
consumar o seu plano.
.Diário de PernambÜco,porta-voz da praça do Recife, após lamentar que ao
Para tais unitários, o desembargador fora um verdadeiro estorvo ao pro- emancipacionismo fluminense houvesse faltado prévio "concerto geral" e que
gresso da causa. 83 a província se tivesse deixado levar por "um nobre mas ingênuo entusiasmo",
fama foi eleito para a Constituinte, com número reduzido de votos, e relembrava que
seus parentes e aderentes foram alijados do que ficará conhecido como o "go-
no meio do geral assentimento dos corações brasileiros, um houve, nesta
província, que suscitou dúvidas: foi Gervásio Pires Ferreira. Conhecedor pro-
fundo dos nossos instintos e apreciador das nossas circunstâncias locais,.ele
82
Coleçãodas leis,1822, ii, pp. 43-4; AJM, pp. 180-6;Apensos,pp. 224-5; Peças,ns. 33,
34; Memória,p. 84; CCF, 30.ix.1822;FC, pp. I24-5;Asjuntas governativas,ii, pp. 677-8; Gazeta
Pernambuc4na,12.x.1822;O Espelho,29.x.1822;IHGB, 103, 26, fls. 136v.-137.
83 84 O Espelho,29.x.1822;CCF, 30.ix.1822;FC, pp. 160, 456-7; Segarrega,7.ix.1822.
ConciliadorNacional,Ae 16.ix.1822,3.v.1823; GazetaPernambucana,15.iií.1823;Pe-
·ças,n. 83. 85 Asjuntas governativas,ii, p. 696.

110 lll
A OUTRA lNDEPENDtNCIA
T
aceitavaa idéia da independência nacional, mas, enquanto à nossa união com 3.
o Rio, ele opunha sisudas ponderações, demonstrando que nos cumpria
estabelecer condições. Por fim, cedeu ao voto geral e anuiu ao pensamento O governo dos matutos
da independência pura e simplesmente. Pernambuco aderiu ao brado do
(setembro de 1'822-dezembro de 1823)
Ipiranga e fez.causa comum co~ as suas irmãs do Sul e do Norte. Quando
hoje refletimos sobre a idéia de Gervásio Pires, que então pareceu uma
excentricidade, senão fàlta de patriotismo, reconhecemos que o patriota
pernambucano via longe. Ele calculava que o Rio de Janeiro, assumindo to-
do o poder, não nos daria aquela importância a que temos juz. 86

A junta de Gervásio fora exclusivamente recifense, mas a sucessora, "o


_g~"~rrio dos matut~;éompunha-se apenas desenhores de engenho, descom-
prometidos com os gervasistas ou com os unitários, exceção de Paula Gomes
e do secretário José M~riano, que haviam participado da derrubada do ger-
vasismo. A par de três representantes da mata norte (Manuel Inácio Bezerra
de Melo, João Nepomuceno Carneiro da Cunha e Francisco de Paula Go-
mes dos Santos), elegeram-se outros três da mata sul,o Presidente Afonso de
Albuquerque Maranhão, Francisco Pais Barreto, morgado do Cabo e futuro
marquês do Recife, e Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, futu-
ro visconde .de Suassuna. 1 Gomes dos Santos e Bezerra de Melo haviam sido
figuras de relevo no movimento de Goiana. Suassuna era o primogênito do
coronel Suassuna, tendo participado de Dezessete cbm o pai e um irmão. Pais
Barreto, já o sabemos, era também um ex-revolucionário que, após haver
conhecido as masmorras baianas, fora escolhido para chefiar o levante cons-
titucionalista em Pernambuco, sendo preso pelo governador Luís do Rego e
remetido a Lisboa. De Dezessete, haviam pa-rticipado também João Nepo-
muceno Carneiro da Cunha, e o secretário da junta, José Mariano de Albu-
querque Cavalcanti, que já servira neste cargo à junta temporária que substi-
tuíra a de Gervásio. 2

1 Para não confundi-lo com seu pai homônimo, o coronel Suassuna, nem com Francisco

de Paula Gomes dos Santos, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque será doravante desig-
nado pelo seu futuro título l)Obiliárquico de Suassuna, nome do seu engenho em Jaboatão.
2
86 Gonsalves de Mello, O Diário de Pernambuco, ii, pp. 661-2. Dias Martins, Os mdrtires, pp. 11-5, 17, 80-2, 140-2, 463-4.

112 113
A OUTRA INDEPEND€NCIA

Até então, federalistas e unitários haviam sido facçõespredominantemen-


r Ü GOVERNO OOS MATUTOS

dade de uma administração de que não participassem os "ricos proprietários",


te ur6anas~A c~~,eo_s_i.çâo rural da junta fazia~el3:_umaincógnita, o que ator- representantes da "numerosa nobreza da província", além de "verdadeiro ór-
nava aceitável aos gervasistas, que a apoiaram inidalmente não só no fito de gão da opinião pública". Eles deviam exercer "infalivelmente sua justa pre-
, parrar o c~tr1i~<>-~_fa~ção unitária, co:n.i_o,taJrt~é~~-ªexpectativa de que "o_ ponderância"; e, embora meno.s versados nas intrigas do poder do que os
duro martelo da experiência abrisse aquelas cabeças de pedra e cal".3 lnclina- pracianos, eram via de regra indivíduos probos, que, chegando à cidade com
ção que a junta. reciprocava, julga~d.~ os gervasistas p~~ferív.eisa Gama, Pe;- as melhores intenções, viam-se hostilizados pelas "panelinhas" .4
droso e seus amigos. Será no decurso do governo dos matutos que a açu- Atendendo ao colégio eleitoral e às câmaras, a primeira medida da jun-
carocracia definir-se-á em favor do projeto fluminense. A monarquia consti- .!ª consistiu.em soltar os gervasistas presos em Olinda, recusando-se,"por ou---
tucional de um príncipe da Casa de Bragança preservava tanto os mteresses _,.trofad(),a atender reivindicações a:emffi.taresassoc1ãaos"'fãêposição·a.ec:;er----
~nda dependent~-~?~~t~_E_<_>_s_~?_l"~~ol,
as:t1car~Íl~_os, q_!lantoos interesses al- -..vásio ...A 12 de outubro de 1822, a junta fesrêfêiii o aniversánoâ.oR"égeii"te,
godoeiros~ ÍÍgados ao comércio direto com a Inglaterra. A diferença que sub- numa cerimônia em que inaugurou seu retrato e em que discursou o padre
sistia no âmbito da grande lavoura cifrava-s~-~~-q~e seu domínio na mata Lopes Gama; e, a 17, prestou juramento de adesão à causa do Brasil, quando
úmida era mais firme que na mata seca, onde não logrará exercer, ;ité a liqui- ainda se desconhecia a aclamação, cinco dias antes no Rio, de D. Pedrn como
dação do movimento praieiro em meados do século XIX, o mesmo grau de Imperador Constitucional, o que só se soube no Recife em meados de novem-
controle sobre as vilas, a pequena lavoura e a densa população litorânea. Quan- bro. A correspondente cerimônia terá lugar a 8 de dezembro, com pregação
to. ao centro da província, seu conservadorismo extremado colocava-a à di- de frei ·caneca, que fez o elogio do Império constitucional, o qual, "colocado
reita da mata canavieira. _Nestascondições, ao passo que o Império ganhará entre a monarquia e o governo democrático, reúne em si as vantagens de uma
adesões por todo o interior (na mata sobretudo apósaPeclrosada, emTeve-:- e outra forma e repulsa para longe os males de ambas". Os federalistas logra-
~eirode 1823):osfederaÍist~~~er-se-ão Ü~itados ;oRecife: Olinda e n"4cleos -~---
ram registrar na ata de 8 de dezembro o direito de separação da província,
t" . ----·-·-···-··-··--·-· . . .. . . .. •
urbanos da mata ríori:e:· • documento que um deles reputará "nossa profissão de fé política, primeiro e
r...
O govêrnodós matutos nasceu e morreu sob a descrença citadina acer- imprescritível fundamento do nosso direito público constitucional". Procla-
ca da sua capacidade para gerir os negócios públicos, decorrente da falta de mava o documento que a
experiência política, descrença compartilhada pelaprópria junta, que, com este
medida tomada pelos povos do Rio de Janeiro e por eles transmitida às mais
argumento, solicitará reiteradamente demissão ao Imperador. A palavra "ma-
províncias do Brasil, não só era necessária como indispensável à segurança
tuto" Já adquirira a conotação de atrasado, de modo que mesmo um sapatei-
do reino do Brasil, por competirsó ao rei constitucionalos atributosdo poder
ro do Recife dava-se ao desplante de gritar, nas barbas dos vogais, que "fos-
executivo-,e que por isso manifestavam [os presentes] ser a sua livre vontade
se(m] pregar no mato porque cá tinha gente mais capaz de governar". Ousa-
e a de todo o povo em geral desta província, desligar-se para sempre de Por-
dia atribuída ao fato de que os artesãos, que outrora só conheciam "o nome
tugal, por ter sido por ele sempre cruelmente ofendido nos seus direitos, e
das suas ferramentas" e só opinavam "sobre os méritos dos pregadores", ago-
parte integrantede algumanação,que muda o seupacto
por serlivrea qual.quer
ra arrotavam "política como um Montesquieu ou um Burke; e por dá cá aque- sociale forma de governo,separar-se,se as condiçõesdo noVQpacto nãoforem
la palha atira[m] com as Bases [da Constituição portuguesa] à cara de um ho- reciprocas,ou lhe não agradarem.5
mem, que faz pasmar". Em defesa da junta, frei Caneca assinalava a fragili-

4 CCF, 30.ix.1822;RIAP,14 (1909),p. 410; Conciliador


Nadona~9.xi.1822;FC, pp. 124-6.
3 FC, p. 316. 5 Peças,ns. 36 e 37; Conciliador Brasileiro,29;i.1823;Diário
Naciona~23.i.1823;R.eguladar

114 115
A OUTRA lNDEPENDêNC!A Ü GOVERNO DOS MATUTOS

É sintomático que apenas 45 pessoas tenham assinado o compromisso ruíra as quinas do pavilhão lusitano, representativas das cinco chagas de Cris-
de dezembro, ao passo que cerca de 1.600 haviam firmado o de out;ubro. O to, por símbolos maçônicos, eram invenções destinadas a renovar Dezessete,
cônsul francês, que, representante de Luís XVIII, não tinha simpatia pelos implantar a república e destruir a religião católica. 7
gervasistas, tinha de reconhecer que, na última ocasião, houvera "menos en- Uma das primeiras iniciatiyas da junta foi a preparação das instruções
tusiasmo que o esperado", o que atribuía à cobrança pelo Rio dos atrasados aos deputados à Constituinte. "Para não sermos bigodeados como já fomos.
provinciais .eJ contribuição cívica solicitada por D. Pedro ao Império para pelas Cortes de Lisboa", Lopes Gama propusera aos cidadãos que apresentas-
arcar co~· os ônus da guerra ·c~~ ·Portugal. Exigências a seu ver "bem in- sem suas reivindicações ao governo, que as selecionaria para que servissem de
tempestivas", pois se o Imperador "conhecesse o estado desta província e_o bases e condições para o pacto que se ia celebrar no Rio. A junta, que optara
verdadeiro espírito que nela reina, não se arriscaria a uma recusa. 'Nossos co- pot""convocaras câmaras em assembléia, teve de desistir da iniciativa ao cons-
fres estão vazios. Nossos deputados consentirão o imposto que nós teremos tatar que o regimento eleitoral, numa manobra pela qual José Bonifácio tra-
doravante de pagar', são as respostas que o Regente seguramente receberá".6 tara de limitar o debate constitucional, só permitia às municipalidades faze-
Já nas primei,ras semanas do novo governo, o ar carregava-se com a no- rem suas recomendações separadamente, e, ainda assim, restringindo-as às
tícia de que ãexpedição portuguesa deit~ria parte da força em Alagoas, ata- "necessidades e melhoramentos das suas províncias". No mesmo propósito,
,cando Pernambuco pela mata sul, onde tenã-~1:1~e partido a seu favõr."Pais o regimento prejulgara a natureza do mandato popular, definindo-o como
Barreto encarregou"-s~de "có-i;.;~~ce~-~s-·pró-homens da região a cooperarem delegação, não podendo ser revogado pelos eleitores, solução oposta à do de-
com os aprestos militares. Mas embora fortificasse o litoral e executasse a de- creto de 16 de fevereiro de 1822, segundo o qual os procuradores das pro-
cisão de Gervásio de criar companhias de pardos e pretos, a junta não confiava víncias podiam ser destituídos por iniciativa das câmaras, de acordo com o
na tropa e temia que a população rural se deixasse levar pelo reflexo colonial critério que fora adotado para a eleição dos deputados às Cortes de Lisboa. 8
de meter-se terra adentro. A iminência do ataque obrigava-a também a aten- Destarte, as Câmaras de Olinda e do Recife aprovaram cada uma suas
der o clamor público contra os portugueses, vários dos quais se haviam refu- instruções. 9 Desconsiderando o regimento eleitoral, elas incorporavam um
giado na mata sul. No Recife, procedeu-se a visitas domiciliares e ao seqües- elenco de princípios constitucionais que se chocavam frontalmente com a
tro de armas em mãos de reinóis, que não tinham intenção de partir mas de- Constituição que José Bonifácio tinha em vista, salvo quanto ao reconheci-
sejavam esgotar o prazo concedido pelo Rio antes de declarar sua adesão ao
Brasil, na expectativa, que divulgavam impoliticarnente, de que a armada lu-
sitana apontasse no horizonte. Em Goiana, haviam-se feito prisões sem cul- 7 Peças,n. 31; FC, p. 316; Atas,i, pp.
134-6, 138-9; Diáriodo GovernoProvisório,
26.x. 1822;
pa formada, sob q temor da trama recolonizadora, de que os mascates seriam Conciliador
Nacional,l 0.xi.1822; DiáriodaJunta do Governo,26.ii.1823; BNRJ, 3, 4, 18; Asjuntai
sua vanguarda, ao saírem pelo interior vociferando contra a Independência e governatívas,ii, pp. 680 e 692; CCF, 26.x.1822.
8 ConciliadorNacional 16.ix.1822;
difundindo imposturas, como a de que o laço verde com a divisa "Indepen- Diário da junta do Governo,18 e 26.ií.1823; Mello
dência ou morte", criado por D. Pedro, ou a bandeira imperial, que substi- Moraes, Brasil-Reinoe Brasil-Império,
ií, p. 62; Walter Costa Porto, O votono Brasil 2ª ed., Rio
de Janeiro, 2002, pp. 30, 32.
9 "Instruções relativasà Constituição dadas pela Câmara de Olinda, capital da província",
GazetaPernambucana,15.i.1823. É provávelque o texto tenha sido preparado ao tempo da junta
dajunta do Govenw,8.ii.1823; FC, pp. 101-19; Atas,i; p. 133; DocumentosdoArquivoPúblicode de Gervásioou nas primeiras semanas do governo dos matutos, de vez que ainda se referea D. Pe-
Pernambuco,iv-v, p. 201; Antônio Joaquim de Mello, introdução às Obraspolltícase literáriasde dro I como Sua AltezaReal. Para as instruções da Câmara do Recife, Manuel Caetano, Análisedas
fteifoaquim doAmorDi~ino Caneca,i, pp. 19-20. Sublinhado por A. J. Mello. instruções,Rio de Janeiro, 1823. Segundo frei Caneca, o documento de Olinda fora inspirado pe-
~,EC,,p. 511; CCF, 15.xi.1822. los Gamas, FC, p. 126.

116 117
A OUTRA JNDEPE.NDtNC!A 0 GOVERNO DOS MATUTOS

m.ento do catolicismo como religião do Estado, acoplado à tolerância das As instruções, vivamente contestadas, representavam, segundo o cônsul
demais confissões quando praticadas por estrangeirás. A noção de soberania da França, a prova das ambições de independência dos que designa~a por
provincial subjazia, entre outras, nas cláusulas que, atribuindo caráter impe- "S6lons pernambucanos". A Câmara de Olinda, deblaterava gazeta unitária,
rativo àqueles princípios, proibiam os constituintes votarem a contrapelo delas, "invade o território alheio, usurpa a liberdade aos povos desta província e se
prevendo que, caso o fizessem, não engajariam a província e teriam seus man- constitu~ em seu supremo legislador". Alguns deputados trataram de desqua-
datos cassados. Tampouco poderiam votar em sentido contrário às diretrizes lificá-làs, solicitando a-opinião das cârnar~ ·do"interior. No Rio.; ó•"trtinistro
liberais consagradas nas "Bases da Constituição portuguesa", em especial a di- da Austria alarmou-se com as cláusulas que julgava inadmissíveis. O cunho
visão dos poderes, o unicameralismo, o caráter meramente suspensivo do veto imperativo atribuído aos mandatos era pr6prio dos regimes confederais, "mas
do monarca e a suá exclusão da iniciativa e da elaboração das leis, embora as [indagava Manuel Caetano de Almeida e Albuquerque, revolucionário de
instruções se desvencilhassem do elemento centralizador presente nas "Bases". Dezessete e constituinte pernambucano] são as nossas províncias estados con-
,A província seria governada por colegiado ~:. cin_c:omembros, escolhi- federados? Formam elas porventura repúblicas coligadas?". E endossando o
.dos a cada quatro anos, por ocasião dos prélios à Assembléia nacional, tendo pressuposto básico do ideário unitário, oposto à premissa federalista segttn-
direito à reeleição, n!io se mencionando, contudo, a criação de assembléia pro- do a qual a soberania residia nas províncias:
vincial.,O CC>n~~~'?-~~ ~~~ <:olégioeleitoral de
~tado no Rio s~.1:_~indi<:~4(.)
Não formando pois as nossas províncias estados separados mas sim fa-
cada P-1:9VÍ1!9fü c_omono decreto que criara o Conselho de Procuradores~
zendo um só todo, corno convém à dignidade do grande Império brasiliense,
iunta.provindal,_cab,e_i:é_~_f3:~ldade exclusiya de nomeação d~s ~ncionáriós
e é próprio das nossas circunstímcias políticas, que efeitos poderão ter quais-
civis. -f',.sindicações na força armada seriam feitas pelo governador d,as armas
quer in;1truçóes dadas pelas províncias a seus deputados? Quando os repre-
"·~~-;~eitas à àpro~ação do Imperador. Uescenúalizar-se-1a tam6ém o siste-
sentantes da maior parte não quiserem estar pelo que os outros exigirem, o
ma judiciário mediante a criação de tribunal de última instância em Pernam-
que farão estes? Retirar-se-ão do Congresso, i~ão fazer com os de sua pro-
buco, com poder de revisão das decisões da sua Relação. Por fim, a bancada
víncia governos separados? (que fatal absurdo!), ou antes receberão humil-
provincial, a ser composta de dezenove deputados, seria eleita segundo crité-
demente as leis que lhes quiserem dar, sem ao menos poderem modificá-las
a
riô' de proporciõna!Idade-"desúiiactõ foipedir que a maioria de interioranos
a bem da sua província, por se não poderem afastar das instruções? 11
,impusesse sua vontad~ aos p;acia~~s, reputados mais aptÕsã: decidirem dos
neg6cfos·públícos. 1º Manuel Caetano lembrava que o caráter de mera procuração conferido
aos deputados às Cortes de Lisboa visara a impedir que a minoria brasileira
não se visse obrigada a capitular perante a maioria lusitana. A situação era bem
IOA Ornara de Olinda tinha, aliás,enviado textos adicionaisao deputado Ataújo Lima: Anais diversa agora, pois "nós não vamos tratar com uma nação diferente: as pro-
da Comtituínte, ii, p. 61, mas tratar-se-ia seguramente da segunda parte das instruções, denomi- víncias do Brasil fazem todas juntas um s6 todo". A Gazeta Pernambucana
nada "Providênciasde leis", com as recomendaçõessobre melhoramentos provinciaisprevistas pelo exprimia-se de modo mais contundente:
regulamento eleitoral: GazetaPernambucana,I 7.ii.1823. A.Ornara reivindicavauniversidade, que
num primeiro momento tivesse ao menos fuculdades de leis e matemáticas, além do estabeleci-
mento de fábricas de vidros e tecidos, colonização estrangeira, casa de moeda provincial, indústria
naval, desobstrução dos rios Beberibe e Capibaribe e t;ansposição das águas do São Francisco para
11 Gazeta Pernambucana, 5.i.1823; CWM, 313, p. 171; Manuel Caetano de Almeida e
ás cabeceirasdo rio Jaguaribe, no Ceará; derrogação dos privilégiosdos senhores rurais de não se-
rem exec,utadosna fabrica dos seus engenhos e pe;dão das dívidas e juros da, extinta. Companhia Albuquerque, Análise das ímtroçõesdas Câmarasmunicipaisaoseleitosdeputadosà Comtituinte, Rio
de Comércio de Pernambuco e Paraíba. de Janeiro, 1823.

118 119
A OUTRA lNDEPEND!NCIA 0 GOVERNO DOS MATUTOS

Quem jamais viu que uma câmara tives~ea atribuição de comandar aos distantes do Rio, desde que não afetassem as relações de subordinação ao go-
representantes de um povo, aplicando a sanção penal em caso de desobe- verno central. Também havia unitários que não se opunham ao legislativo
diência a um tal mandado, quando eles lhe são superiores por qualquer lado unicameral nem objetavam a que o chefe do Estado ficasse privado de inter-
que se lhes olhem? Quem autorizou a Câmara de Olinda para em nome da vir na elaboração das leis, ao contrário do_sque, como Gama, pregavam apre-
província publicar à frente de um povo ilustrado e que bem conhece quais ponderância do executivo. Asconcepções unitárias em Pernambuco tampouco
são as suas prerrogativas, que ela haverá como retirada a procuràção de seus .. se achavam cristaliz:i.çla.s.
no tocante à org..µiw.t~º provincial, pois não excluíam
deputados, eles responsáveis, seus atos nulos, uma vez que eles não obser- ~ prerr~gativa provincial de propor ao chefe ele Estado a designação dos em-
vem e cumpram à risca as asnáticas e loucas instruções forjadas nas trevas de - pregados civis e militares, julgando apenas que os deputados pernambucanos
Olinda, por quem nem vislumbre mostra ter do mais rançoso direito públi- não deveriam fazer cavãloete15atalha deste ou de outros temas, para evitar fi-
co! Pesobrigar a província do cumprimento do pacto.que há contraído, sem carem isolados na Constituinte. E em matéria de liberdade religiosa, unitá-
que ela nenhuma faculdade ou procuração lhe desse para um tal pacto. 12 rio havia que se podia mostrar até mais tolerante que os federalistas, admi-
tindo a prática de confissões diferentes pelos súditos do Império e não somente
Para os unitários, a natureza imperativa do mandato era uma armadi- pelos estrangeiros domiciliados.
JhaJrtgii~ destinada .ª-le:var:_I:~o, Õ~primcira-divergência séria que , Mas a posição dos unitários ficara prejudicada pela aliança dos Gamas
surgisse, a anular sua adesão ao Império. Eles tampouco concordavam em que _ÇO!!J.Pedroso, cuja aclamação como governador das armas não desagradara
a ConstitUTfitesectevessefundar nas "I:rases"portuguesas, sustentando que elas apert;;_;a junta e os federàlistas. Dôis âos vogais elefros hãviâm-se recusiii:ha
não haviam sido juradas pela província, onde se procedera apenas ao juramen- assu~Ir; João Nepomiiêeiio Giineiro da Cunha alegando seu estado de saú-
to do regime constitucional. Tampouco podiam ser consideradas intocáveis, de, mas Suassuna (que só tomará assento após a Pedrosada) por prever o con-
pois nesta hipótese a independência do Brasil se tornaria uma rebelião, dan- flito entre o governo civil e o militar. 14 A junta não se seiltia suficientemente
do a Portugal o direito de intervir militarmente. A obrigatoriedade ~ "Ba- -forte para enquadrar Pedroso, preferindo esperar pelo substituto de nomea-
ses" prejulgaria o direito das outras províncias, imitando-se no Brasil a arbi~ ção imperial, ao passo que ele se aproveitava da demora para consolidar sua
trariedade das Cortes. Os unitários assinalavam por fim que as instruções, ao autoridade às custas do governo. Entre os dois, logo surgira uma disputa em
mesmo tempo em que defendiam o caráter pétreo das "Bases", violavam fla- torno da competência de nomeação dos comandos de milícia, assunto que
grantemente um dos seus princípios fundamentais, a igualdade dos cidadãos, interessava de perto à junta, devido a sua composição rural. Após a destitui-
ao reivindicar um sistema eleitoral que discriminava o eleitorado rural. 13 ção de Pedroso, ela protestará nunca havê-lo reconhecido, só o tolerando pelo
. ___
Não se conclua, porém, que os unitários pernambucanos estivessem ani- receio de que sublevasse a tropa. Destituída de experiência política e haven-
- mados da ortodoxia dos .correligionário~-aa·O:>rte, pois muitos deles cogita- do assumido em circunstâncias caóticas, não puderà prever a Pedrosada (ar-
vam-decerto grau ae·descentralização, como-ei-ao cãsoao proprio Bernarâo------ gumento insincero em vista da advertência de Suassuna), tanto mais que o
as
José da Gama, para querri léísgerais do Império teriam de ser modificadas governador das armas desfrutava da fama de patriota abnegado. Se não repre-
por estatutos adaptados às peculiaridades das províncias e que conferissem a
seus governos competências tanto mais amplas quanto se encontrassem mais
14 Asjuntas governativas, ii, pp. 686, 688-9. Embora a junta solicitasse à Cãmara de Olin-
da os nomes dos suplentes mais votados, a substituição dos dois membros não se verificou, de
12 G_=ta Pernambucana, 15.i.1823, modo que até junho, quando Suassuna finalmente assumiu, ela funcionou com apenas cinco vo-
13 Ibid.; Diário da]unt.t da Governo, 26.ii.1823. gais, embora nunca se reunissem regularmente mais de três.

120 121
A OUTRA INDEPENDENCIA Ü GOVERNO DOS MATUTOS

sentara contra ele ao Imperador, devera-se ao desejo de poupar Sua Majesta- Já se farejava nova bernarda, na falta de mão forte que restaurasse adis-
de ao relato de faros corriqueiros a que ela não conferira maior importância, ciplina dos quartéis e garantisse a praça contra planos de pilhagem e de mas-
esperando para fazê-lo a partida dos constituintes ou do emissário, o qual veio sacre de lusitanos. Sucediam-se homicídios, desacatos e outros incidentes; e
a ser João:Xavier Carneiro da Cunha, encarregado pela Câmara do Recife de Pedroso, cuja ferocidade aterrorizava todo mundo, prendia a torto e a direi-
congratular D. Pedro pela aclamação imperial, de solicitar distintivo que a to sob pretextos ínfimos. •
honrasse pelq apoio prestado à adesã.q.M província, e de discretamente de- Previa o cônsul da França que a desordem continuaria até a chegada do
fender o plano d~ Luís do Rego rel~~ivoà fusão de Olinda.e do Recife sob o novo governador das armas, contanto que trouxesse tropa do Rio e que afas-
nome de Cidade de Pernambuco, o que permitiria aos vereadores recifenses _tassea da terra, como a junta fizera com a ajuda enviada à Bahia, quando des-
controlarem a vultosa receita dos foros cobrados pela Câmara olindense. 15 cartara-se de inúmeros agitadores. Como afirmavam os federaÍistas, os sectá-
Instigada por Pedroso, a tropa de cor tornou-se agressivamente reivin- rios de Gama estavam por trás dos manejos de Pedroso, embora se tendesse a
dicativa, queixando-se de que seus oficiais eram preteridos nas promoções em atribuir ao desembargador influência desmedida na Corte ou a culpar o mi-
favor dos "caiados", alusão irônica à condição piestiça de muitos destes brancos nistério de recorrer à tática colonial de acirrar os antagonismos entre solda-
oficiais. Pedroso promoveu pardos e pretos e mudou o comando dos corpos; dos brancos e de cor, cuja insubordinação aumentara a olhos vistos desde que
e como em Dezessete, quando fizera executar soldados sem processo, passan- o Imperador louvara-lhes o patriotismo de depor GeIYásio. Para frei Caneca,
do por cima da autoridade do governo civil, quis repetir a proeza, ignorando os pretos e os pardos não tinham do que reclamar: as unidades de Monta-
os apelos de ~lemência, inclusive da parte do Presidente da junta. Escrevia um brechas e Bravos da Pátria haviam sido incorporadas ao exército de primejra

L anônimo que

o Procônsul ora se fazia mulato, ora preto, procurando alistar-se em suas


linha, promovendo-se seus oficiais de mérito. Outra prova de apreço à gente
de cor fora a nomeação de José da Natividade Saldanha para auditor de guer-
ra, que acabava de regressar à província após estudos em Coimbra. 17
confrarias, banqueteando-os e dando-lhes toda a ousadia, soltando das pd-
Em dezembro, agravou-se o conflito entre a junta e Pedroso. Alguns
sões alguns sentenciados, outros sem lhes formar culpas mandava abrir de-
deputados às Cortes de Lisboa (Lino Coutinho, Cipriano Barata, Francisco
vassas, despedia carcereiros, criava outros, numa palavra era uin ditador ro-
Agostinho Gomes, Diogo Antônio Feijó e Silva Bueno), que aportaram ao
mano no meio destes e de outros_desvariosem que toda a gentalha e a maior
Recife de regresso a suas províncias, lançaram manifesto confirmando que a
parte de pretos e pardos principalmente fardados, olhavam para um branco
expedição portuguesa dirigia-se contra Pernambuco. No que parecia prelu-
como objeto desprezível, apelidando-os caiados e republicanos, etc., e ou-
diar o ataque, o litoral era submetido ao bloqueio dos navios de Madeira,
tros dichotes. 16
incitando rumores de represálias contra os reinóis. A junta acelerou o recru-
tamento e deu aos portugueses a opção entre aderir ao Brasil ou manterem-
se neutros, com penas rigorosas, inclusive de morte, para ·os que tomassem
armas. Por outro lado, Joaquim José de Almeida, o recém-nomeado gover-
l5 Junta dos matutos a D. Pedro, 2.x.1822; idem a João Vieira de Carvalho, 10.xi.1822;
nador das armas, tivera de desembarcar em Ilhéus, para evitar os cruzadores
idem a José Bonifácio, 6.iii.1823, LRGP, IAHGP; FC, p. 302; PAN, 22, pp. 5-6; Junta dos
. .m:.itutosa José Bonifácio, 10.x.1822, Asjuntas governativas,ii, p. 691; Atas, i, p. 133; Diário do lusitanos, viajando por terra a Pernambuco. No último dia do ano, Pedroso
Governo,9.i.1823; Correiodo Rio dejaneiro, 30.viii. e l.ix. 1823; As cJmarasmunicipais,i, pp. fez encarcerar 180 reinóis, dando foros de veracidade ao boato de que plane-
114-6.
16 Juntados matutos a josé Bonifáci~,6,iií.1823, LRGP, IAHGP; FC, pp. 142-3; RIAP,
13 (1908), pp.578-9. 17 CCF, 19.xii.1822; FC, pp. 283-4; Asjuntas governativas,ii, p. 697.

122 123
A OUTRA INDEPEND~NCIA

java tomar o poder a 6 de março, aniversário de Dezessete. A junta, coadjuva-


da por um Grande Conselho, mandou soltar os presos mas não logrou de-
T Ü GOVERNO DOS MATUTOS

previsões de um ano atrás sobre o conflito entre os brasileiros brancos e a gente


de cor, com conseqüências deploráveis em todo o Norte. 19
mitir Pedroso, pois Paula Gomes amotinou seus partidários. Entoando hinos Em face das conotações raciais da Pedrosada, a maioria da oficialidade
de louvor a Cristóvão, "o imortal haitiano", e aos gritos de "morram os ma- retirou-se para o Cabo, arrasta~do os regimentos de caçadores e as guardas
rinheiros e os caiados", tropa e populaça puseram o Recife e Olinda em pâ- cívicas, muitos deles pretos e pardos temerosos de serem identificados com
nico. A agitação assumia feitio insurrecional, provocando os temores de uma os insurretos. Reduzidos a quatrocentos ou quinhentos desesperados: Paula
revolução i:aciál;"na qual já descaradamente falavam a cada esquina e canto Gomes e Pedroso resolveram negociar, mas o comandante das armall já não
os cabras e os negros", não apenas os "mais abalizados dentre eles, mas até os controlava sua gente, que se apossara do Arsenal de Guerra. Quando a Câ-
·;
mais ridículos moleques e até cativos".18 mara do Recife o convenceu a renunciar, os pedrosistas, encurr~ados no cam-
li
r A fim de permanecer no comando, Pedroso tencionava substituir a junta po do Erário e na fortaleza do Brum, recusaram-se a obedecer, oferecendo ao
1 J'Or õ'~tra'que, de sua confiança, se ;~~~~~~~-~-~poss:i:rse~~tituto. Para contingente que entrava na praça uma resistência feroz pelas ruas do bairro
, ~t~ fim, plantou-se o boat~ d~ q~e P~is Barreto ~-Bezerra de Melo iam pro- portuário. Só a notícia da prisão do seu chefe fê-los desistir (1°.iii.1823). A
clamar a República. Uma disputa em torno da prisão de um oficial acusado junta pôde regressar ao Recife; e sem esperar pela conclusão da devassa, em-
de fazer propaganda deu pretexto a Pedroso pará assestar artilharia contra barcou para o Rio quatro dos cabeças, inclusive Pedroso e José Fernandes
palácio e denunciar o governo como republicano e ateu. Na noite de 21 de Gama, reputado o mentor civil da sedição, mas poupando o colega Paula
fevereiro,a junta despachou um contingente para prendê-lo, mas ele fugiu para Gomes. 20 Quarenta e quatro pessoas serão pronup.ciadas, A junta anistiou a
os Afogados, arrabalde eminentemente plebeu, onde reuniu a população e a soldadesca insurreta e ordenou a devolução das armas tomadas no Arsenal,
. milícia. Embora se enviasse força armada contra ele, as manifestações no Re- providência, como das vezes passadas, descumprida. 21
cife tornaram insustentável a posição do governo, que, salvo Paula Gomes,
se retirou para o campo. Pedroso teve um regresso triunfal, "cavalg~ndo [a 19 BNRJ, 3, 4, 18; Memória, p. 94; Gazeta Pernambucana,15.iii.1823; CCF, 24.ii.182.3;
descrição é de Alfredo de Carvalho] um canhão todo engrinaldado de folhas RlAP, 13 (1908), pp. 579-82; Junca dos matutos a José Bonifácio, 6.iii.1823, LRGP, IAHGP;
de mangue, puxado pelos seus mais ardentes sectários". Enquanto, no Cabo, Peças,n. 51; PAN, 22, pp. 3-4, 9-10; FC, p. 145; Alfredo de Carvalho, Estudospernambucanos,
Afonso de Albuquerque e Pais Barreto arregimentavam os milicianos locais e pp. 302-10.
as guarnições litorâneas, Paula Gomes e Pedroso tentaram reunir o colégio 2 °
FC, p. 316; Junta dos matutos a José Bonifácio, 6.iii.1823, LRGP, IAHGP; PAN, 22,
eleitoral para formar nova junta, mas a Câmara de Olinda recusou-se a con- p. 28; RlAP, 13 (1908), pp. 581-4; CCF, 24.ii. e 15.iii.1823; BNRJ, 3, 4, 18; Peças,n. 52; Alfredo
vocá-lo, apoiada pela do Recife, que conclamou à resistência. "Se Pedroso de Carvalho, Estudospernambucanos,pp. 319-2 l; 324-6. Segundo a junta, houve cinco mortes de
puder criar um governo, não veremos pessoas brancas participarem dele", ambos os lados, mas no Rio, Gama a acusará de haver consentido que "os seus partidistas entras-
escrevia o cônsul francês, que enxergava no levante a confirmação das suas sem pelo Recife macando geme pacífica que encontravam pelas ruas", Memória, p. 95.
21 Peças,ns. 53-4; Diário do Governo,25.vi.1823. Em junho, a devassa foi enviada pelo Im-

perador ao ouvidor do crime da Corte para julgamento. A pretexto de doença, Paula Gomes
18 Gazeta Pernambucana,3.i., 4.ií., 15.iii. e 29.hd·823; CCF, 19 e 25.xii.1822, 4.ii. e retirou-se, contra a ordem do governo, para seu engenho, de onde evadiu-se ao saber das conclu-
29.iv.1823; Junta dos matutos a José Boniíàcío, 23.xii.1822 e 6.iii.1823, LRGP, IAHGP; Atas, i, sões do inquérito: Paula_Gomes à junca dos matutos, 13.iii.1823, LRGP, IAHGP; Peças,·n. 57;
pp. 151-9; FC, pp. 128 e 143; BNRJ, II - 32, 33; ·44, e II -33, 5, 20, n. 5; Peças,ns. 40-5; PAN, 22, pp. 34-5; BNRJ, 3, 4, 18; CCF, 29.iv.1823. Quanto ao secretário José Mariano, tam-
RlAP, 13(1908), p. 581, e 14 (1909), pp. 401-2, 442; F. A. Pereira da Costa, Pernambuconas bém ligado a Pedroso mas que se dissociara da Pedtosada, sua eleição como consàminte pelo Cea-
lutasemàncipacionistasda Bahia, Recife, 1900, p. 371Amaral, Escavações, p. 155; PAN, xxii, p. 32; rá fucilitou seu afastamento, sendo .substituído pelo padre José Marinho Falcão Padilha: BNRJ, II
pernambucanos,pp. 293°6.
Alfredo de Carvalho, Estw:Úls - 33, 5, 20, n. 3; Peças,n. 50; Atas, i, p. 164..

124 125
A OUTRA lNOEPENDSNC!A Ü GOVERNO DOS MATUTOS

A junta, que vinha pagando regularmente o soldo dos goianistas, fez uma do desembargador, que aliás se materializará um ano depois, nem sua defesa
promoção geral de oficiais à patente imediatamente superior, solicitando a de Pedroso e proposta de eleição de nova junta. 23 A posição de Gama, já afe-
confirmação imperial da medida, que reputava crucial.para a tranqüilidade tada pelo eclipse da maçonaria fluminense, ficará definitivamente prejudica-
pública. A José Bonifácio, ela reiterou o pedido de demissão apresentado em da pelo envolvimento do seu grupo na Pedrosada.
. janeiro, ponderando que a sua autoridade ficara irremediavelmente compro- ,..Op~9blemaera gue José B~nifácio tampouco confiava na junra~n-
metida pelas falsas imputações de republicanismo com que os pedrosistas em ou.rubro contra os libera~s.-fluniinenses,"facç~o.~çµlta e
.,,do .à~._!9?.re~~ão
haviam procurado desacreditá-la, concluindo que lhe restaria "o prazer de tenebrosa de f~~i_?_~os~~~_g~g9s_~~~~i~t~{', c11jo:;itr~jm-~~ii!:Q~~~~g_~;-ao
deixar ao menos a província em paz, já que não a poderemos conservar por ponto de caluniar o constitucionalismo do Imperador e dos seus ministros,
muito tempo neste estado". Como a resposta do Rio tardasse, a junta, contra "incutindo nos cidadãos incautos malfundados receios do velh~ despotismo",
a opinião de Pais Barreto, decidiu solicitar à Câmara de Olinda que reunis- José Bonifácio procurara estendê-la às províncias e a Pernambuco em parti-
se o colégio eleitoral, mas a iniciativa gorou em vista dos temores de que o cular, decretando rigorosa devassa. Em finais de 1822, ele despachara José
prélio servisse de pretexto para outra revolta racial. O cônsul francês formu- Alexandre Ferreira, irmão de Felipe Néri, em missão ao.Ceará e ao Maranhão, •
lava, aliás, o voto, que se cumprirá, de que o trauma da Pedrosada servisse dé com instruções de desembarcar no Recife para informar-se da situação. Re-
lição às elites locais para que se identificassem de uma vez por todas com o latara-lhe o emissário ser o governo formado de gente "inerte, indolente e
regime imperial. 22 estúpida", além <legrandemente desunida, de modo que cada membro atua-
...Ao tempo da revolta,_<1.disputaentre unitários e federalistas já se insta- va por sua conta, sendo o Presidente Afonso de Albuquerque o mais arbitrá-
L !ara nàCorte cÓm ã chegada dos constituintes e de Felipe Néri Ferreira, que rio de todos, pelo que Ferreira sugeria sua destituição. 24
fora protestar contra a deposição da junta de Gervásio. Apesar de se haver Pela mesma ocasião, o emissário enviado ao Imperador pela Câmara do
aliado, quando da sua anterior viagem, à oposição maçônica a José Bonifácio, . Recife regressava ao Recife alegadamente com uma carta branca de José Bo-
entrementes ostracizada, Felipe Néri logrou entrar nas boas graças d~ minis- nifácio dirigida à junta para que prendesse, desterrasse ou mesmo assassinas-
tro. Por sua vez, Gama, apresentando-se como o único monárquico-consti- se Pedroso e o secretárío José Mariano, mas como o segredo transpirasse o
tucional sincero que havia em Pernambuco, desdobrava-se em intrigas con- governo se havia apressado em desmenti-lo.25 A notícia intrigou os federalistas,
tra os conterrâneos, espionando os colegas de bancada e entregando ao Im-
perador uma lista de pessoas que deveriam ficar retidas no Rio ou serem reti- 23 IHGB, 103, 26, fls. 139v-140; Memória, pp. 89-91; Gazeta Pernambucana, 15.iii.1823;

radas da província. José Bonifácio tratou de arbitrar a querela em reunião Mello Moraes, Brasil-Reinoe Brasil-Império,ii, p. 554. Gama menciona a existência de carta régia
(1°.ii.1823) a que D. Pedro assistiu escondido atrás de um reposteiro e a que ordenando a eleição de nova junta, alegação que parece falsa, embor, em março circulasse no Re-
cife o boato de haverem chegado instruções para a realização do prélio: CCF, 15.iii. 1823. GaII)a
compareceram representantes de ambas as facções, além de Antônio Carlos e
conrradiz-se ao afirmar na "Memória" que a decisão de substituir a junta teria sido tomada na co.n-
deputados de Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Entre desaforos e insultos, que
ferência, enquanto assegurara no parecer que a ordem já fora despachada; e falta à verdade, ao as-
por pouco não chegaram às vias de fato, Gama denunciou um plano dos severar que havia opinado contra a substituição do governo, malgrado seus defeitos. O prováve(é
federalistas para se reabilitarem na Corte e voltarem ao poder a fim de agi- que se a carta régia chegara a ser redigida, José Bonifácio a tenha sustado, em decorrência da po-
rem "segunda vez se a nova Constituição não ,correspondesse ao seu protótipo lítica que, como veremos, adotará em Pernambuco.
libérrimo". A José Bonifácio, contudo, não sensibilizou nem o prognóstico 24 PAN, 22, p. 36; Colefáo dasdecisõesdo governo do Império do Brasil de 1822, Rio de Ja-
neiro, 1887, pp. 94-5.
22 25 BNRJ, 5,J, 43. Além de Cipriano Barata, também Bernardo José da Gama refere-se ao
Junta dos matutos a João Vieira de Carvalho, 17:v.1823, e idem a José Bonifácio,
• 6.iii.1823, LRGP, IAHGP; BNRJ, 3, 4, 18; Atas, i, p, 168; CCF, 15.iii. e 7.ix.1823. assunto, Memória, pp. 93-4. João Xavier Carneiro da Cunha, o emissário da Ornara do Recifo,

126 127
A OUTRA iNDEPENDltNCIA Ü GOVERNO DOS MATUTOS

que também se sentiram visados. Mas como sua aproximação com a junta , AJo~~ Bonifácio irritava t~_bém a não-execução p~!~J~mta do decreto
colocava-a na posição embaraçosa de ter de persegui-los, o que faria o jogo ,imperial fechando os portos ao comércio português e confiscando os navios
dos Gamas, ela optou por não abrir a devassa ordenada por José Bonifácio, -de bandeira lusitana que se encontrassem ancorados, providência que ela só
e, escudando-se no Grande Conselho de 2 de janeiro, informara-o não haver .tomou em maio, em:vista dã insistência do Rio·e-dO
protesto umtãrto. De LOn=-•
-\...---·-~· ·--.- --·------ ... _ --
o que devassar em Pernambuco, onde inexistia qualquer "facção contrária ao dres, Caldeira Brant informava o Rio que ajunta se teria envÕÍ~idÕ.éomum
sistema atual do Império brasílico". José ~onifácio rep~ee~~~r~a.junta, cuja plano. g~Soberano Congresso visando à formação de repúblicas federadas a
atitude atribuía ao receio de alguns dos membros de se verem compreendi- Porrúgal: Emissários de Lisb'óà teriam aberto entendimentos no Recife, com
dos na investigação.26 a participação de Lino Coutinho, Cipriano Barata, o padre Feijó e Silva Bue-
Era um prato feito para os adversários da situação. Da fortaleza da La- no, que, como se recorda, haviam desembarcado ali em dezembro. Na reali-
ge, aonde fora recolhido, Pedroso denunciou ao Imperador que sua prisão visa- dade, a displicência da junta só denotava o zelo de senhores de engenho pe-
ra impedi-lo de revelar a conivência da junta com os planos federalistas, a cujo los seus interesses de classe, de vez que proibir a navegação portuguesa os pri-
respeito trouxera provas que haviam sido confiscadas com a sua bagagem. varia do prinfipal entreposto para seu produto. Interesses que eles tampouco
Fortalecido pela da imunidade parlamentar, seu amigo Gama podia dar-se ao descuraram ao antecipar-se às Cortes, desejosas de pôr as mãos nos fundos da
luxo de propalá-las, alegando inclusive que o governo se teria abstido de has- extinta Companhia de Comércio de Pernambuco e da Paraíba. A junta se-
tear a bandeiraimperial, até que Pedroso fora buscá-la à força no Arsenal de qüestrou as somas recolhidas pelos comissários encarregados da liquidação,
Marinha, dirigido pelo gervasista Manuel de Carvalho, a fim de arvorá-la nas um cartel de comerciantes reinóis que vinha recebendo, sob a forma de açú-
fortalezas.27 Gama fazia suspeita a demissão do padre Manuel Paulo Quintela, car arrecadado a preços ínfimos, a amortização e os juros dos empréstimos
redator do Didrio do Governo,ferozmente atacado por frei Caneca como dono outrora concedidos pela empresa. 29
de "uma corcunda maior do que a de Atlas", por advogar o veto absoluto; -9.!l.!!:Q_I!!_~tivo do~_amento deJosé_ Bonifácio com a junta eram as
argumentar que, no Norte, a causa do Brasil devia tanto a Gama qúanto no ~,~n~igrutções aQ Erário imp~I'W__,_ Gervásio, como se recorda, -havia rejeitad; •
Sul a José Bonifácio; atacar o republicanismo de Venâncio Henriques de Re- a exigência de Martim Francisco, o ministro da Fazenda, no tocante à regu-
zende; e increpar os federalistas de disseminarem sobre as intenções _doRio larização das transferências e pagamento dos atrasados. A fazenda provincial,
notícias ainda mais sinistras que as atribuídas às Cortes de Lisboa.28 que fora diretamente subordinada ao Rio, expusera o déficit existente e as
medidas extremas a que recorrera, inclusive tomando dinheiro emprestado ao
cofre de confiscos, cativos e ausentes. Na impossibilidade de atender a solici- .
tornara-se agente do governo imperial, que lhe abonou recursos do fundo secreto, PAN, 22, p. 36,
e 26, p. 348. Os Andradas desconfiavam de José Mariano, donde, à sua chegada ao Rio como cons-
ração enquai:ito as rendas da província não se recuperassem, o governo dos
tituinte pelo Ceará, ter sido objeto de espion.agem governamental: Tobias Monteiro, A elaboração matutos propusera transferir ao Banco do Brasil 1.200 quintais de pau-brasil
d4 Imkpmdência, pp. 695-6. estocados, mas teve de recuar diante da oposição federalista à entrega de re-
26 Junta dos matutos a José Bonífácio, 12.iii. 1823, LRGP; Dz'tiriodo Governo,24.iv.1823. cursos provinciais a uma instituição falida mas sempre pronta a servir de co-
27 Quando da aclamação imperial (8.xii.1823), ainda não se conhecia em Pernambuco o
fre ao despotismo: um único ceitil não devia ser mandado para o Rio antes
novo estandarte, motivo pelo qual o ato comportara, "ehtre outros fatos quase inconcebíveis", o de fixada pela Constituinte a quota-parte pernambucana nas despesas gerais.
uso do pendão português, seu substituto só sendo finalmente desfraldado sete dias depois, o que
ocorrera igualmente no Rio, onde a bandeira só fora hasteada a 10 de novembro: CCF, 12.xii.1822; 29 CCF, 12.iv.,
13.viii. e 2:ix.1823; Am:s,i, pp.· 166, 170; Memória, p. 92; Arquivo Dip'lo-
Lúcia Ma.ria Bastos Pereira das Neves, Co.rcundase.constitucionais,
P· 388. mtiticotÚl Independência,i, Rio de Janeiro, 1922, pp. 241,243, 257~8, 260;Junta dos matutos a
28 BN.&J, II 32, 33., 46; Memória,p. 92; FC, p. 168; Peças,n. 39. Martim Francisco, 8.iv.1823, LRGP, IAHGP.

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A OUTRA lNDEPENOtNC!A Ü GOVERNO DOS MATUTOS

A requisição de contingente de artilharia naval era encarada como outra treta Embora a linhà da Sentinelafosse federalista, não republica.na, ela in-
ministerial para enfraquecer a província. Os federalistas também se negavam dignava a O>rte, onde o Correio, de joão Soares Lisboa, e a Sentinelada Praia
a aceitar o magistrado fluminense, nomeado para a presidência da Relação, Grande,de Grondona, transcreviam-lhe os artigos. Segundo o cônsul-geral
bem como a designação de um reinol, frei Tomás de Noronha, para o bispa- Maler, a atuação de· Barata era "µma das causas principai~" da dissidência
do de Olinda, cujo cabido, ao fim de um conflito mais que secular com seus pernambucana, "sua doutrina e sua influência" já ameaçando "propagar-se em
prelados lusitanos, ey.p~ravaque a nomeação recaísse em sacerdote da terra. 30 outras províncias". Embora seu colega norte-americano, Condy Raguet, visse
• a
Por fim, a j~~é B~nifácio exasperà~à· complacência da junta com as em Barata "o pai da liberdade de imprensa no Brasil", e_lenão passava de um
.,_ativicíad~d~Cipriano Barata, que ela tole!_avaq_~<!~!.1ãoprotegia, grata ~la "botafogo" para José da Silva Lisboa, "pior que o antigo incendiário Erostra-
_ajuda que ele dispensara na Bahia aos presos de Dezessete mas sobretudo te- to, que queimou o templo de Diana, só para obter fama com infâmia". No
merosa da reação federalista. õ deputado bafãnoflcara fesíctindo no Recife,- Recife, era pensando certamente na Sentinelaque o cônsul francês deplorava:
~-~~ -reg~~~ar~ Cortes, todo ocupado na publicação do seu jornal A Sentine- o "mal incalculável" produzido p~las "gazetas incendiárias'\ que, atravessan-
la da Liberdade,que teve e\10rme êxito. Seus exemplares, informa Alfredo de do«as florestas e os sertões do Brasil, são as primeiras que recebe o ignorante
Carvalho, "eram disputados com ânsia e lidos às portas das boticas; às esqui- habitante destas regiões".32
nas,.a numernsos grupos, que saíam repetindo as frases de Barata", a ponto ,.,Mas a despeito de toda sua irritação com a junta, José Bonifácio estava
d~ ser necessári~ "reimprimir várias vezes os primeiros números". Aordem _ç_i:mscientede que não dispunha de alternativa em Pernambuco: Federãltstar--·
\:deJos~_~Q_J:1,ifá,cíoPª1:ª a sua prisão foi ign()rad_ap~l_E!JY:~!~-~__guand~
o pro- -~artidários de Gama sendo-lhe igualmente inaceitâveis, só lhe restava coop-
/ curador da Coroa abriu processo contra ele, o júri o absolveu; O ministro _J:á-la.A tarefa foi confiada ao Apostolado~s0ciedade secreta cna:da pelos A.ti-....
a
recomendara entã~ f~sse Barata coagido a seguir para o-Rio fim de exercer dradas em junho de 1822 para se contrapor à maçonaria. O governador das
o mandato de constituinte que lhe concedera a Bahia. Novamente, o gover- armas designado, Joaquim José de Almeida, foi o encàrregado de fundar a fi-
no cruzou os braços, o mesmo fazendo a respeito de João :Mendes Viana, o li;tl pernambucana; e José Bonifácio enviou Felipe Néri Ferreira, com a mis-
qual, tendo-se refugiado em Pernambuco para escapar à repressão contra a são de convencer a junta a tomar as medidas necessárias à consolidação do sis~
maçonaria fluminense, era também objeto da ira de José·Bonifácio. 31 tema imperial no Norte. Segundo as "instruções secretíssimas" que lhe deu o
ministro, Felipe Néri também observaria as tendências da opinião é o com-
portamento das àutoridades, 'procuraria pôr termo às rivalidades pessoais e de
°
3 Co/eçf.ío
daukcisões,p. 31; Díáriodo Governo,27.vi.1823 e 12.i.1824; Governo dos ma- família entre os unitários, investigaria os clubes secretos, em especial a }ardi.:
tutos a Martim Francísco, lO;ií.l,823, LRGP, IAHGP; Sentine/,zda Liberdade,12.vii.1823: FC, neira, que teria fins análogos aos dos carbonários; e identificaria os responsá-
pp. 1990201.D. Tomás só assumirá em 1825 e o desembargadorAndré AlvesPereira Ribeiro e veis pela recusa da junta em abrir devassa contra os federalistas. 33
Cime, _emdezembro de 1824, r~cém-dominadaa Confederaçãodo Equador. S'?breambos, Lino
do M!>nteCarmelo Lima, Memóriahistóricae biográfica
do ckrr,pernambucatw, 2ª ed., Recife, 1976,
p. 62; José Ferraz Ribeiro do Valle, Uma CortedeJustiçado Império.O Tribunalda Rehção de
Pernamfuco,R~cife,198-3,pp. 235-6, 241-?,. • 32 CC::F-RJ,29.vi.1823; CCF, 7.ix.1823; Manning,H, pp. 763-4; SilvaLisboa,Apeloà honra
31 FC, pp. 145~6;BNRJ, II- 33, 5, 34; P~ças,n. 60; PAN, 22, pp. 38 e 41; Sentine/,zda bras~leira
contraafacçãofederalistade Pernambuco,Rio de Janeiro, 1824, p. 20.
LíberdaJe,l 9.xí.1823; Mello Moraes, Brasit-Reínue Brasít-Jmpéri.o,
ii, pp. 363-4; Alfredo de Cat- 33 ACI, XLIX, doe. n. 2.289; PAN, 26, PP-343, 351-2, 382-4; CWM, 314, p. 311; Tobias
vallm,,Anaisda imprensaperiódicápemambuca111t (1821"1908),Redfe, l 908, p. 76;Isabel Lustosa, Monteiro, A e/,zboraçílo
da Independincia,p. 695. A implantação da "Jardineira" no Recifedatava
Jmulw~impMS(ls.Aguirradosjorfli:dlJfdS na Indepef1i:/lnda;
182M823, São Pauló, 2000, p. 317. de ·1821. Fundada em Coimbra, tinha por objetivo a reforma da maçonaria luso-brasileira:FC,
Para o jornalista bai11no,Marco Morei, CiptianoBaratana Snttitida da Liberdadt,Salvadàr,2001. pp. 275-6.

130 131
Ü GOVERNO DOS MATUTOS
A OUTRA lNDEPENDtNClA

José Bonifácio também rejeitou o pedido de demissão da junta, man- uma terra que trazia a Corte em sobressalto com a perspectiva da "infausta
dando-a intimar os membros ausentes a assumirem seus postos. E;Tríaugura- notícia da quebra da união do Império". 35
&~ Con~i:1tufnte, reuniu. um-grupõ.-dedeputâdos·pãrãrusciitiràsifü1rçao A campanha de Gama culminou na publicação da "Memória sobre as
pernambucana, o que o -conlfrinou ná opção por deixar as coisas como esta- principais causas po'r que deve o Rio de Janeiro conservar a união com Per-
~--vam, à espera da decisão da Assembléia Geral acerca da forma a ser dada aos nambuco". Graças à posição geográfica e à função de entreposto comercial, a
... _governosprovinciais. Segundo explicava, o Imperador havia cogitado de pôr província pesava decisivamente sobre o destino de sei:s·outras, motivo. s.ufi-
cobro à instabilidade da província, mas concluíra que sua intervenção só fa- ciente para que o governo imperial tomasse providências drásticas contra os
ria -àumentá-la, pois, _além de descontentar.o grupo no poder, irritaria "as federalistas, impedindo-os de levar a cabo a insurreição que o autor previa. A
cabeças esquentadas e vulcânicas que ali davam a lei", isto é, os federalistas. junta, admitia, já não alimentava veleidades republicanas em face da opinião
Calculáva o ministro que, uma ve:zaniquilada a resistência portuguesa na dos habitantes do interior e da pressão de companheiros de Dezessete con-
Bahia, D. Pedro disporia dos meios com que impor sua autoridade em Per- vertidos à monarquia constitucional, mas ainda assim ela não podia propor-
nambuco, onde, como acentuava Mareschal, as facções reconheciam o Impe- cionar garantias ao regime. Como se não bastasse ignorar a ordem de devas-
sar os federalistas, a junta fora ac;>
extremo de incriminar os mesmos que, co-
rador mas não o obededam. 34 .
~gurada a Constituirne, Gama pross~guiu sua ofensiva contra os fe- mo ele, Gama, sustentavam: o Imperador; e não podendo acusá-lo de partici-
\ deralist~ ..Quando d.àeleição dos deputados, a Câmara de Olinda negara;-se pação na Pedrosada, procurara comprometê-lo na deposição de Gervásio. Mas
a diplomar Venâncio Henriques de Rezende, alegando que seu republicanis- o verdadeiro alvo da "Memória'' era José Bonifácio, acusado de ignorar a si-
mo era incompatível com as instruções eleitorais, que exigiam dos parlamen- tuação local e de sobreestimar a força dos federalistas, tratando-os com uma
tares serem adeptos notórios da causa do Brasil. O padre reagira, fazendo pro- moderação que os habilitava a oprimir os unitários, desobedecer D.Pedro e
fissão de fé pública no regime monárquico-representativo como mais conve- pregar a separação das províncias. Cónvencidas de que os federalistas tinham
niente ao país, sendo sustentado até mesmo por personalidades unitárias. Mas costas quentes na Corte, as gazetas recifenses atacavam a união do Império e
alegando que Venâncio, por ocasião da polêmica com O Maribondo, mani- a Constituinte,. o que fazia prever um desfecho terrível em Pernambuco.36
festara preferências republicanas mesmo após a adesão da província ao Rio, Julgamento em que concorria o cônsul da França, ao assinalar que os fe-
Gama empenhou-se na sua cassação p~a Assembléia Geral, a qual, contudo, deralistas fomentavam a desconfiança contra o Imperap.or e o ministério, pin-
reconheceu o mandato do padre, de vez que as instruções não discriminavam tando em cores sombrias o que se passava no Rio, como o episódio da rejeição
os indivíduos de convicções republicanas. Episódio que, aliás, serviu de pre- da exigência do juramento prévio e sem condições da futura Constituição.
texto para os ataques de Silva Lisboa contra o "foco de jacobinismo" em que • da'Constttumte,
.35 A. nars, • . •1, pp. v., 52-7, e 1v,
• pp. 157-8 e 166; Gazeta Pernambucana, 27.xi. •
Pernambuco se havia transformado a partir de De:zessete,movimento que a .
1822; ConciliadorNacional 23. i.1823.
seu ver maculara a história da província, o que lhe valeu uma chamada à or-
36 Mem6ria, pp. 99..101, 103-6. A "Memória" foi publicada no primeiro semestrede 1823,
dem pelo Presidente da Constituinte. Contra a criação em Olinda de uma das
pois no segundo número de "O caçador atirando à Arara Pernambucana", àe julho, frei Caneca já
universidades projetadas, o futuro Cairu citará o mau exemplo que seria dado se refere a ela: FC, p. 160. Existe texto revisto e anotado pelo autor: IHGB, 103, 26. O escrito
a~s estudantes pelo "espetáculo" de crônica "désordem e insubordinação" de deve ser lido com cautela em.fuce das frustrações políticas e nobiliârquicas do personagem, agra-
ciado apenas com a Ordem do Cruzeiro, que José BonifadQ impediu que transferisseao innão que
financiara suas atividadesem Pernambuco. O ambicionado titulo de visconde de Goiana só seria
obtido em 1830, ao se tornar ministro nos dois últimos gabinetes àe D. Pedro I:.Helio Viana,
Vultos do Império, pp. 42 e 50.
34 Diário do Governo,28.iv.1823; Anais da.Constituint-e,
i, PP· .120-1; CWM, 313, P· 205.

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-132
0 GOVERNO DOS MATUTOS
A OUTRA lNDEPEND~NClA

· Reclamava frei Caneca que a província continuava sendo mantida are-


Um dia, põe-se em ~irculação o rumor que ele [D. Pedro] dissolveu a· boque pela política de fatos consumados do Rio:
Constituinte; noutro, que enviou cartas-brancas para entregar a pi;aça à ar-
bitrariedade de certo depositário de sua confiança; numa terceira ocasião, Os pernambucanos; sem o esperar, viram Sua Alteza Real_ficar no Bra-
ate~~riza-se o povo apresentand~-lhe um governo de três poderes como um sil contra ci_decretodas Cortes lusitanas e aparecer o de Sua Alteza Realde
·monstro político e di~ndo-lhe que uma única câmara é que o fará feliz;hoj?'.· 16 de fevereiro de 1822, convocando o Conselho de Procuradores gerais das
estranha-se que o Imperador ~uma o título de comandante do ex:ército'd~ pio;indas; e ainda quando·hi;; sihavia organizado' este Conselho, aparece,
terra e mar e procura,se impingir a idéia de que a Constituição estará per- remetido às Câmaras e não ao governo da província, o outro decreto de 3
dida caso se lhe dê a chefia da tropa. 37 de junho do mesmo ano, convocando as Cortes Constituintes Legislativas
do Brasil. Ainda _senão principiava a dar execução a este novo décreto, eis
Eram receios que tinham amplas razões de ser. A ceri~?n~a dé coro~- senão qúando o Senado [i. é, a Câmara Municipal] do Rio de Janeiro, por
ção de 12 de outubro visara passar a mensagem de que a tegmm1dade da di- uma virtude hoje desconhecida, previa a vontade de todo o Brasil dé acla-
nastia imperial não derivavaapenas da soberania pop~ar: n:1~
:~bém d~ q~e _ marem a Sua Alteza Real em Imperador Constitucional. Imediatamente é
certo panfleto atribuído .a Cipriano Barata chamava a 1msona, msulsa ideia . Suá Alteza Real adamado em 12 de outubró e coroado em 1° de dezeinbro.
de que o pod~r do Imperador vem de Deus". Não fora ~u:;º o p_r~pósitoda Nos interstícios destes diversos sucessos, nenhumas embarcações apareciam
unção e do "pantomimo de cerimonial chamado sagra~o • Nat1v1dadeSal- que noticiassém os fatos intermédios, que deveriam unir naturalmente os
danha protestará contra a natureza dúplice do poder atnbuído a D. Pedro: anéis desta cadeia, e quando se recebiam participações particulares, pot via-
de-regra foram tais, que se não podia fazer idéia alguma clara das pretensões
. Se Sua,Majestade é Imperador por Graça de Deus, para o que vem a
e da marcha rápida que levava aquela Corte em tão novas mudanças. 39
. unânime aclamação dos povos? Se Sua Majestade é Imperador pela unâni-
me aclamação dos-povos, para o.que vem aqui a Graça de Deus? Ora, su- Reconhecia o cônsul francês que, embora a maioria da província não
ponhamos que a Gr~ça de Deus tenha feito a Sua Majestade Imperador e estivessepelos autos de comprometer-se numa aventura republicana e os ho-
que os-povos o não queiram; de que lhe servia essa Graça de Deus? mens prudentes preferissem uma forma de governo aparentada à da Carta
outorgada por Luís XVIII, "existe ao menos um grande número que aspira-
Particularmente chocante, D. Pedro prometera só jurar a Constituição
ria a uma mudança, e um grande número destes à independênciaparcial da
caso ela fosse digna do Bràsil e de si, arrogando-se o direito_de ace~tá-la:ou
província".40
não. Por fim, a criação da Ordem do Cruzeiro propunha..:se1mprov1saruma
Constatação que não era incompatível com os desmentidos da junta
nobreza titular no Brasil, que gozaria de privilégios, foros e isenções contrá-
acerca da existência de partido hostil à monarquia constitucional. A José Bo-
rias ao princípio da igualdade perante a lei.38 _
nifácio, da assegurava que já se desvanecera "o espírito de vertigem", enten-
da-se, o republicanismo, e que as divergências políticas cifravam-se em que
"uns mais que outros pendem para um sistema constitucional o mais liberal
37 CCF, 3.v.1823. Para gaúdio dos federalistas, espalhou-se também que o Imperador esbo-
possível,mas, segundo nos parece, desejam e concordam unanimemente nes-
feteara o deputado da provinda, padre Francisco Ferreira Bacreto, notório pelas convi~~ absolu-
tes dois pontos, Independência e Império constitucional liberal". Com a "ra-
tistas e que louvara em dois sonetos o governador Luís do Rego: Peças,n. 83; Obrasreligzo.sas
epro-
fanas do.v.igário
FranciscoFerreira.Barreto,.2 vols., Recife,1874, PP··15-6. •
39 FC, p. 170.
38 AnáliseIUJ decretode Jo de dezembrode 1822, Bahia, 1823, pp. 11, 18-9, 22; À7lOS Per-
nambucano,29.vi.1824.
°
4 CCF, 3.v.1823. Sublinhado pelo autor.

134 135
A OUTRA lNDEPENDENCIA Ü GOVERNO DOS MATUTOS

lé" à espera da ressurreição de Pedroso, a junta vinha tratando de contempo- São Paulo e Minas suspeitavam do ministério; e a Cisplatina oscilava indeci-
rizar mas sem "largar-lhe as rédeas nem deixar impunes seus desvarios maio- sa entre Portugal e o Brasil. Se Pernambuco resolvesse adotar novamente o
res", dela nada havendo a recear desde que a tropa estivesse satisfeita, pois sem regime republicano, contaria com as províncias do Norte, d~ modo que a
os corpos de linha a populaça não se atreveria a agir.41 Corte e o Sul "haviam de ver-se c~m água pela barba para se conservarem
Pais Barreto pensava o mesmo. A monarquia não estava sendo posta em constitucionais, pois que dentro em si nutrem infinitos repubÍicanos e carbo-
causa na província, onde j:i não se descortinavam "assomos de.i.:epublicanis~ nários~',}~-Aar-secrédito à devassa promovida por José Bonifácio. Embora a
mo", pois as alegações a tãl respeito não passavam de ecos de Dezessete. As situação militar da província não fosse a melhor, era muito superior à de seis
diferenças de opinião resumiam-se em "quererem uns ser mais constitucionais anos antes. Ao contrário do Rio (e frei Caneca recorria a um argumento clás-
do que outros e dever a Constituição brasileira ser mais ou menos liberal". sico do republicanismo), Pernambuco não se apoiava em tropas ~ercenárias,
Não havia perigo de os antigos revolucionários sucumbirem de novo a "obli- mas em efetivos locais que, lutando em defesa de suas famílias, de seus bens
teradas idéias", mercê da "proveitosa lição" adquirida seis anos antes pelos "ho- e da liberdade da sua pátria, resistiriam até o último homem a qualquer ten-
mens sensatos", que só haviam figurado nos acontecimentos devido ao "im- tativa de l):i.esreimporem.grilhões. 44
pério das circunstâncias", como era inclusive o caso dele, morgado do Cabo. Por conseguinte, se Pernambuco não desejava a república, era por en~
Eles tinham repudiado qualquer veleidade daquela natureza, não só "conven- • _te,nderque sua felicidadé estaria gar~I_:~~~~-m.~_m
império constitucional. "Este
cidos por funesta experiência da impossibilidade de se ela realizar", como em é o·cordial e verdadeiro sentimento de toda a província, desde o mais ilumi-
face do "horror e decidida aversão" da gente do campo a "tão absurdo siste- nado cidadão praciano até o mais simples matuto." Contudo, não esqueces-
ma". O grande problema, ao qual o Imperador deveria remediar energicamen- se a Corte que
te, consistia na "desenvolta licenciosidade" da massa, que se aproveitava da
a massa da província aborrece e detesta todo governo arbitrário, iliberal,
Independência para colocar-se em "perf~ita e absoluta insubordinação". 42
despótic~ e tirânico, tenha o nome que tiver, venha revestido da força que
Frei Caneca batia na mesma tecla na sua polêmica com José Fernandes
vier. A massa da província só se há-de pacificar quando vir que as Cortes
Gama. 43 Pernambuco estava coeso em torno da monarquia representativa e
soberanas [i. é, a Constituinte do Rio] não estabelecem duas Câmaras; que
as alegações de republicanismo eram apenas intriga unitária. Em vista da mu-
não dão ao supremo.chefe do poder executivo veto ab~oluto; e que ele não
dança na relação de forças pós-Dezessete, "se nós quiséssemos república, quem
tem a iniciativa das feis no Congresso; quando vir a imprensa livre; estabe-
nos impediria de o fazer?". "Se em 1817 fomos tão arrojados que não teme-
lecido o jurado; o Imperador sem o comando da força armada; e outras ins-
mos todo o Brasil e todo Portugal reunidos e proclamamos uma república,
tituições que sustentem a liberdade do cidadão e sua propriedade e promo-
como agora o deixaríamos de fazer por medo de menos de um terço desse
vam a felicidade da pátria. Fora disto, a massa da província, à semelhança
inimigo de outrora?" O Rio estava dividido entre os Andradas e os liberais;
de Sua Majestade Imperial e Constitucional, gritará [como D. Pedro em
relação a Portugal]: "Do Rio, nada, nada; não queremos nada".
41 Junta dos matutos a José Bonif.icio, 23.v.1823, LRGP, IAHGP.
42 Na hipótese de o Rio fazer com Pernambuco "o mesmo que Portugal
PAN, 22, pp. 39-40.
43 fez com o Brasil", os pernambucanos permaneceriam fiéis ao juramento pro-
Da sua prisão na ilha das Cobras, no Rio, José Ferna)1desGama editava_um periódico
intitulado A Arara Pernambucana, destinado a denunciar o republicanismo dos adversários, con-
_,_feridopor Gervásio, a 2 de junho del822, de que "nãO tendo nascido para
tando com a colaboração de-Bernardo José da Gama, que assinava suas matérias sob o pseudôni-
mo de "Açoite de democratas": FC, p. 151, Do jornal, de que não se conhece coleção alguma; fo-
ram publicados ao menos cinco números. 44 FC; pp. 136-7.

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A OUTRA INDEPJ;NDtNCIA Ü GOYJ;RNO DOS MATlll'OS

escravos, jamais nos sujeitaríamos ao desgotismo ministerial, ~--·- Desde então, Almeida começou a fazer proclamações virulentas contra
fosse e pudesse reviver", e de que não sacrificàriám "os interesses desta provín~ o "punhado de demagogos" e de "incendiários" que '~ousampregar por todos
-~ia", sustentando-os "à força de armas contra qualquer que os pretendesse in- os lugares públicos da capital o desprezo às autoridades constituídas", embora
vadir". 45 Numa demonstração de flexibilidade ideológica, os federalistas de- inculcando-se "amigos da nossa Santa Constituição". O governador das armas
claravam-se prontos. a uma transação, pela qual, em troca da aceitação da era, aliás, acusado de blazonar haver trazido carta branca para executar agita-
monarquia constitucioq/IJ,. ela reconheceria amplas franquias provinciais. Se dores e pôr termo às tendências anárquicas, ou de ameaçar com a vinda do
doutrinariamente o autogoverno era reputado mais compatível com a repúbli~ Imperador e de seus batalhões para "alimpar na forca de Pernambuco o resto
ca, pragmaticamente não havia por que descartar o sistema monárquico, desde dos demagogos do ano de 1817". Além de perseguir oficiais de inclinação libe-
que, autenticamente representativo, ele satisfizesse as aspirações da provín- ral, prometeu embarcar para a Corte o.cabido.de Olinda, caso não aceitasse
cia. Foi esta a linha seguida pelos federalistas ao tempo da junta dos matutos. o bispo de nomeação imperial. Sua atuação aprofundou a divisão da junta,
O divórcio entre-os dois começou com.a missão de Antônio Teles da onde pouco faltou para que certos membros se engalfinhassem. Os federalistas
Silva em fins de abril, consumando-se em julho. De partida para Viena, como exprobavam a Afonso de Albuquerque e a Pais Barreto se haverem feito "após-
representante do Brasil, ele fora encarregado por José Bonifií.ciode fazeres- tolos", assumindo posições anticonstitucionais, recrutando adeptos, protegen-
cala no Recife, e, munido de cartas de Antônio Carlos, atrair membros do do os portugueses e suprimindo contingentes da guarda cívica. De imediato,
.governo e personalidades locais para o Apostolado em troca de cargos públi:- contudo, des não·rorriperam com a junta, devido à iminência de uma quar-
cos e honrarias. O Presidente Afonso de Albuquerque, assim como Pais Bar- telada a pretexto de que a junta tramava a proclamação da república. 48
reto, concordaram, mas não Cipriano Barata, que, imprudentemente sonda- Observava Boileau, para quem a imposição da autoridade imperial era
do, denunciou a trama 46 e divulgou a informação de que o esperado governa- indispensável aos interesses comerciais da França, que ainda mais que no Bra-
dor das armas, Joaquim José de Almeida, vinha incumbido de fundar a filial sil, que tampouco as produzira, apenas se aproveitando delas, as circunstân-
da entidade. Parecia suspeita, aliás, a demora do oficial no Recôncavo, onde cias ditavam os rumos da província. Consumada a Independência, o Impe-
confabularia com Labatufsobre o emprego da força imperial contra Pernam- rador passara a ser olhado como um déspota. Ninguém alimentava ilusões
buco logo que concluída a campanha na Bahia. Almeida assumiu finalin.ente acerca dos enormes percalços que aguardavam a Constituinte e só a guerra na
o comando nos primeiros dias de junho, acenando-se tão bem com Afonso Bahia conferia certo consenso nacional, motivo pelo qual D. Pedro deixaria
de Albuquerque e ~om Pais Barreto que chegou a jurar obediência à junta, arrastar-se o sítio de Salvador. Nestas condições,
ato ilegal que repercutiu negativamente no. Rio, que viu no episódio um triun-
fo da junta. 47 • • Pernambuco, afastado do centro, quase imune a qualquer influência da
Corte, que não tratou seriamente de fazê-la sentir, Pernambuco, com o seu
povo novo e essencialmente agitado, devia sobretudo oferecer o espetáculo
45 Ibid., pp. 140-2..
de opiniões manifestadas com menor inibição e do conflito destas opiniões
46 O Rio já tentara aliciar Barata, concedendo-lhe a comenda do Cruzeiro do Sul, no mes- entre elas. Também as ambições de toda espécie, sob a máscara do interesse
mo dia da criação da Orde~, mas o jornalista a rec~ CWM, 313, p. 228; Várnhagen, Histó- público, aproveitando-se de tal estado de coisas, se agitam, abusam e se abu-
ria da Independência, p. 301. Para Antônio Teles da Sil;a, futuro marquês de Rezende, Ociavio
T arquirtio de Sousa, Fawsé ph-soiutgensem tomo"tk um regime,Rio de Janeiro, 1960, pp: 167-71.
.4?FC, p. 317; BNRJ, 5, 1, 43; PAN, 22, p. 38; CCF, 6.vi.1823; Gazeta Pernfl.mbucana, 48
Didrio do Governo,22.ix.1823; Peças,n. 69; BNRJ,5, 1;43; Sentinela daliberdatk, 2.vii.
15.iii.1823; Dibio da juntada Governo,20.v:.1823; O Espelho,8.iv. e 17.vi.1823; Atas,i, p. 173; e 17.ix.1823; FC, p. 317; Junta dos matutos a João Vieira de Carvalho, 30.víi.1823, LRGP,
Jupta dos matutos aJoão Vieira de Carvalho, 7 .vi.18231 LRGP, IAHGP; CCF-RJ,, 14:ix.1823. IAHGP; Atas, i, pp. 177-8.

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A OUTRA lNDEPENDWCIA 0 GOVERNO DOS MATUTOS

sam, elas mesmas formam partidos, buscam a fazê-los prevaJecer para do-
"Deus e o Rei" era a divisa dos habitantes do interior antes da revolu-
minar, e daí todos os movimentos da província. Porém o mais numeroso
ção [da Independência]. Se não se soubesse até onde vão as superstições
talvez dos que se formaram até hoje e o mais perigoso, devido ao objetivo a
humanas, ter-se0 ia dificúldade em acreditar que uma das mudanças que de~
que tendem, é o dos mações, que visam, ao que parece, à independência
viam apresentar mais obstáculo era a mudança de bandeira, C!)ntudo indis-
absoluta e à república.
pensável. As armas de Portugal con~êm no escudo interior cinco quinas dis-
postas em forma de Cruz, que o ~V.O considera repres~t~r as cinco chagas· ••
A República fora sempre a "menina dos olhos" do Recife, mas a parti!'
de Dezessete as condições haviam-se tornad~ bem mais favoráveis. A seus de Nosso Senhor. As amais armas do Brasil não as incluindo, foi o suficien-
te para que se visse nessa inovação um sacrilégio. A aclamação dó Príncipe
"partidários, repugnava "não verem a cidade que habitam capital de um go-
pareceu inicialmente à gente do mato a declaração de revolta de um filho
verno 'independente', que poria sob seu controle as riquezas e os cargos". Mas
contra o pai, idéia que só o clero poderá tirar inteiramente das cabeças. E
como os chefes de oútrora estivessem escarmentados pela experiência do cár-
quando ela abraçar sinceramente o novo estado de coisas, s~a fidelidade se
cere, surgira "alguém mais ousado", Barata.
dirigir~ Imperador, como outrora ao Rei, mas a república e a indepen-
Poucos meios, menos ainda conhecimentos reais mas muita verbor- dêrn;;iatotal serão eternamente para ela um monstro facilmente manipulável
ragia, jactância e audácia, além de uma extrema exaltação, são os traços prin- contra tais novidades.
cipais deste personagem. Ademais·ª oposição que com muita corage!T\não
A existência de condições contrárias aoêxito_ de_uma insurreição fede-:.
cessou de fazer nas Cortes de Lisboa em favor do Brasil e sua recusa em as-
calista nã~-~ignificava, contudo, que ela não viesse a ocorrer, em vista da po-
sinar a Constituição [porruguesai cercaram seu nome do brilho necessário
)ítica do Rici·e"Clamttpaoa qiieinsp1rava:;·ü CÕfisilh~COfiileciaque
ao papel que desempenha [ ...] A Corte, privando-o da pensão de que ele - --- -----•-•D---•-~---•-•••••-••,-.•••••- •• -• ••

desfrutava durante seu mandato, fez dele um inimigo, obrigando-o a escre- . seria aliás muito injusto pretender que o Brasil oferecesse o espetáculo ma-
ver. A maneira pela qual os republicanos afagaram o amor próprio de um ravilhoso dum estado de dois anos de existência só tendo relativamente a seus
indivíduo irritado cativou-o e ele não hesitou em constituir-se órgão deste negócios internos um único objetivo, uma única vontade. Este admirável
partido [...] Ele não cessa de espalhar as notícias mais alarmantes sobre o Rio acordo, se é possível que tenha lugar entre tantas castas e tantos povos di-
de Janeiro e sobre o despotismo do Imperador e de provocar suspeitas e des- versos, só será sem dúvida a obra do tempo e após desordens, revoluções
contentamentos seguidos de revoltas. "Nós somosli:vres", grita, "as provín- intestinas, a conseqüência do cansaço de todos os partidos. A forma de go-
cias são livres, nosso contrato é condicional e não esrá concluído", etc. verno adotada desde o começo, o caráter do Imperador, que só aspira ao
domínio absoluto, as forças superiores às de cada província em particular,
Segundo seu programa, "cada província deve ter seus privilégios, seu que o Sul lhe dá, às paixões de uns, as ambições de outros na classe es-
exército pr6prio e sua própria esquadra, sua junta particular eleita pelo povo clarecida, a facilidade com a qual se poderá sempre influenciar o interior,
de cada uma delas, com competência para fazer as promoções civis e milita- são as causas que facilitarão o retorno ao ponto de onde se havia ~meçado,
res exclusivamente entre os indivíduos da mesma pr.ovíncia". O cônsul não malgrado as dissidências momentâneas que poderiam ter lugar, e das quais
sabia que "nome dar a esta espécie de govemj:l,mas.me parece que, nesta even- Pernambuco poderia dar um exemplo.49
tÍlalidade, o Império se tornaria a união de' Estados bem distintos".
• Ele pensava também que a reação da Corte, a carência de força naval e
,a hostilidade da população do interior da. província seriam de molde a barrar
49 CCF, 30:vi. e 18.ix.1823.
.o caminho aos federalistas. •

140 141
,, ' .
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A OIITRA INDEPENOtNC!A Q GOVERNO DOS MATUTOS

1 •

No Rio, o cônsul dos Estados Unidos aeostava em 4!:l~D. ~ão . Qs trabalhos da Constit~~I<:..~iIIlJ:!m-.Y.amsobremaneira a inq~~º-
lograria manter a integridade do Império, parecéndo-lhe absurdo que as pro- . f~d€:r!1Ista.Comentando a fala do trono, observava frei Caneca que, em lu"'.
-~yfn~ias_4?N~rte pudessem ser cont!~.l~~s-cta<::õi:i~~~§:~eàalversidãdede. gar da monarquia constitucional, o contrário, "por desgraça, já vai princi.;.
, condições geográficas e àprecarie~la~e das
coinunica~~~~!?-~!í~illlaS.~taria piando". O discurso imperial, da l?,vrade José Bonifácio, fixara condições in-
, ·que uma delas se d~claràss~i'iicl~pendentepàra que. outras seguissem o exem- compatíveis com o regime prometido. A primeira reportava-se ao quinhão de
.~pio, inclusive riOSul, onde São Paulo e Minàstêrfàm~pefâ1do o entus1~smo Sua Majesta~<:-no.exercíciodo pqdç_!:J~gislativo,o que, para os federalistas,
--pclÔ~egime devido à política de José Bonifácio. A leitura das gazetas nonis- era um verdadeiro atentado à soberania nacional, encarnada exclusivamente
tàspersuadia Cóndy Raguet da dificuldade de reprimir avigorosa corrente na Assembléia Geral. A aclamação imperial não decorria da posição anteriór
republicana que ali se agitava.50 • . • de D. Pedro como Príncipe Regeme ou como sucessor ao trono português,
No Recife, a vitória sobre Madeira foi acolhida com um humor sombrio, mas tão-somente de se haver posto à frente do movimento da Independên-
ao passar a impressão de que o exército imperial ficara livre para ser empre- cia, como poderia ter acontecido a qualquer outro cidadão; ela era apenas a
gado contra os federalistas, motivo pelo qual, segundo Boileau, a capitulação escolha antecipada do,indivíduo a quem se confiaria o poder executivo, face
ponugues~ na Bahia poderia precipitar uni levante em Pernambuco, onde "o à urgência de convocar-se. Constituinte e de tomar outras medidas de inte-
partido de Barata aumenta sem cessar; sua casa é um clube permanente, onde ressecomum. A segunda exigência era a reiteração do juramento proferido pe-
toda a noite se delibera", com a concorrência de "grande número de-pessoas lo Imperador a 12 de outubro, de que a Constituição deveria ser "digna do
muito .influentes das c:idades costeiras e mesmo de algumas do interior". A Brasil e de mim". Ora, o chefe do executivo não possuía dignidade que não
situação ainda poderia ser.salva pela esquadra imperial, reforçada pelo apre- fosse a da nação, nem tinha poder para rejeitar o texto que não lhe conviesse
samento de navios lusitanos; Conhecida a prisão de Labatut por um grupo pessoalmente. 52
de oficiais baianos, acontecimento comemorado pelos federalistas, seus receios Na polêmica com O ReguladorBrasileiro,do Rio, frei Caneca criticava
transferiram-se, portanto, para Lord Cochrane, que teria ordens de atacar a uma Constituição em que o executivo teria a iniciativa das leis, o veto abso.:.
província, suspeita que se acentuou corri a chegada ao Recife dé embarcações luto, o comando da força armada e o Senado de sua nomeação. Adefesa pelo
ponug{iesas capturadas na Bahia, com cerca de seiscentos homens para serem jornal de uma monarquia constitucional "segundo o espírito político da Eu-
repatriados mas que se temia fossem recrutados pelo exército imperial, que ropa", retorquia o frade: "Então o Brasil é Europa?". Seu clima, posição geo-
passaria a dispor in locode contingente estrangeiro. A desconfiança não era gráfica, continentalidade, formação social, etc., aparentavam-no aos Estados
infundada, visto que em breve, de ordem secreta do Rio, serão engajados os Unidos, não às monarquias do Velho Mundo, seja a Inglaterra, que adotara
efetivos lusitanos que ainda se encontravam em Salvador. Manifestações po- freios contra os abusos do trono, seja a de outros países que ainda careciam
pulares aos gritos de "traição do Lord" impediram o desembarque dos prisio- deles. O veto do monarca seria o instrumento do despotismo, pois ainda que
neiros. Os soldadÔs permaneceram embarcados e, aos poúcos, começaram a concedido a um_dinasta.da têmpera liberal de D. Pedro, não haveria·garantia
ser despachados para o Reino. 51 quanto a seus sucessores. A iniciativa das leis por parte do Imperador era re-

50 Manning, ii, pp. 754-5, 758. de Janeiro, 1859, p. 59; ABN, 60, p. 236; Anaisda Constituinte,ív, p. 166, e vi, pp. 78-9; Brian
5! CCF, 6.vi., 12.vii., 13.viii. e 2.ix.1823; Sentinelada Liberdade,2.vii.1823; Diário do Vale, Independenceor Death!,pp. 113-4. Segundo ourra fonte, a tropa lusitana despachada por
Governo,28.viii.1823;Junta dos matutos a Lu.ísda Cunha Moreira,30.vií.1823,LRGP, IAHGP; Cochranesomaria L078 pesso~: GazetaPernambucana,7.viii.1823.
Peças,p. 64; Cochrane, Narrativadosserviçosno libertar-seo Brasilda dominaçãoportuguesa,Rio 52 FC, pp. 205-8.
ji'

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A OUTRA lNDEPEND~NCIA Ü GOVERNO DOS MATUTOS

dundante, tanto assim que no direito público ela só se acoplava ao -v:etosus- ção de que a província sucumbisse ao canto de sereia autonomista que vinha
pensivo. Somada ao veto absoluto e ao comando da força armada, criar-se-ia do Reino. 55 ·
o desequilíbrio fatal que paralisaria o legislativo, já coartado por uma Câma- A Vilafrancada também encorajou a comunidade lusitana, que se avo-
ra alta que, embora eletiva, seria de fato aristocrática, gerando uma nobreza, lumava pelo afluxo de reinóis fugidos das províncias vizinhas e do interior,
que em ~s os países era fonte de males e cuja inexistência jurídica no Bra- além da corrente regular de imigração que continuava a:chegar da ex-metró-
sil fora. uina das raras v,µuagens legadas pelo llis~emacolonial. 53 ........ . pole como se nada tivesse acontecido. Daí que aumentassem as pressões vi-
,e~ insatisfação com a Constituinte,_~~~~vam-se .os ecos das manifesta- sando à deportação dos portugueses celibatários, considerados agentes do
ções de Campos e de duas ou três vilas paulistas, além do pronunciamento Reino e exploradores da credulidade da gente do mato, a quem garantiam que
;_da guarnição de Porto Àlegre (em que se suspeitava d~~-da Co11e), -rpd~s- o exército de D. João VI viria protegê-la dos ateus e republicanos da praça.
r exigindo o veto absoluto, no.momento.mesmo em que a Assembléia Geral Provocadores também teriam sido enviados de Salvador; e descobriu-se que
.· debatia a sançãc:> do legislativo. E houv.esobretudo as re-, -·
illlp~ria1Js_e,i;e<::isões se ocultara, em pleno centro do Recife, o ex-capelão do governador Luís do
percussões da Vilafrancada, golpe militar que dissolvera as Cortes de Lisboa.; Rego. Mas ao passo que hesitava em agir contra os lusitanos, a junta livrava-
abolindo o regime constitucional e repondo D. João VI na plenitude dos se dos elementos nativistas mais atuantes, inclúsive parte do contingente que
poderes majestáticos. O governo português, contrariamente à intenção dos aderira à Pedrosada, mandando-os para a guerra da Bahia. Cooptando a massa
absolutistas que desfecharam o. movimento, caíra nas mãos da facção mode- •pedrosista, Barata: rompeu finalmente com a junta, criticando-a pela inércia
rada em torno de Palmela, que se propunha reconstituir o Reino Unido, me- ante as manobras do Apostolado, que manipulava o "egoísmo de alguns mi-
diante a concessão de autonomia política ao Brasil e a outorga de uma Cons- seráveis pernambucanos que atraiçoam sua pátria, vendendo:.a ao governo
tituição que correspondesse ao "gênio e índole da nação" e às "antigas insti- absoluto por tetéias pueris e alguns insignificantes ordenados, prêmios ou
tuições da monarquia", o que El Rei será impedido de fazer pela ação diplo- postos", embora a população "no seu âmago está sã e há~de pôr freio a esta
mática da Santa Afiança e, em especial, do embaixador francês em Lisboa, ambição torpe e desenfreada". Desde maio, reaparecia o "batalhão ligeiro" e
Hyde de Neuville,54 recomeçavam os assassinatos qe reinóis. 56
Deste lado. do Atlântico, a promessa foi vista como uma tentativa de A queda dos Andradas pegou os apóstolos de surpresa, engrossando o ·
recolonização. A Vilafrancada causou "viva sensação" em Pernambuco, on- partido federalista. Mas a alegria durou pouco. No primeiro momento, como
. de "os espíritos inquietos [segundo a junta] deduziam novos motivos para as ocorrera no Rio, a explicação mistificadoramente liberal dada pelo Impera-
suas imaginações". Entre elas, a de que o regime que vinha de ser reimplan- dor alimentou a ilusão de que ele se rendera aos argumentos da oposição a
tado em Lisboa estaria pronto a conceder•autogoverno às províncias; e que o José Bonifácio. Ilusão que se dissipou ao conhecer-se o gabinete, no qual, con-
Imperador não tardaria em querer imitar contra a Constituinte o ato de.for- soante frei Caneca, "não se fez mais do que mudar os atores, ficando a mes-
ça contra as Cortes. A junta e o cabido de Olinda repeliram os acenos de D. ma peça no teatro". (Na realidade, o novo ministério demonstrará menor
João VI, assegurando que Pernambuco continuaria a sustentar a Independên~ empenho em Pernambuco.) Para Barata, a Constituinte continuava a ser uma
eia do Brasil e os direitos do Imperador. Mas o Rio não escondeu a preocupa-

55 Atas,i, pp. 179, lSO;Anaisda Constituinte,iv, p. 166; Peças,ns.


67-8; Junta dos matutos
53 FC, pp. 210 ss. aJosé Bonifácio,30.vií.1823, LRGP, IAHGP; Correiodo Rio deJaneiro,6.ix.1823.
54 OliveiraLima, Dom Pedroe Dom Miguel:A querelada sucessíia
(1826:1828),São Paulo, 56 CCF, 12.iv., 12.v., 13.viii.e 18.ix.1823;Peças,n. 67;
Smtinela da Liberdade,30.vii. e
s/d, pp: 16-7, 37. 19.xi.1823;Anais da Constituinte,iv, p. 166; Didriodajunta do Governo,27.v.1823.

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A OUTRA INDEPENDtNCIA 0 GOVERNO DOS ~TUTOS


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perda de tempo, devido ao "servilismo dos povos do Sul", cada dia "mais mantê-las na sujeição, e também seu próprio exército e contingente naval
patente e escandaloso", e ao objetivo inconfessado da outorga de uma Carta. (exclusivamente compostos de naturais), retirando-se ao Imperador o controle
A Assembléia de magistrados e padres encaminhava "os negócios para o lado da força armada e abolindo-se a prática de empregar efetivos de umas em
das .velhas legislações que já os têm feito felizes a seu modo", em especial aos outras províncias, para evitar que çle golpeasse de morte as liberdades locais.58
primeiros, que "com dois dedos de direito romano, [os comentárips de] Fer- Para abafar a estridência federalista, a junta cogitou de consulta às Câ-
reira e Pegas .à Ordenação, querem sós dar leis e governar o mundo com a rnaras, o que teve o efeito contraproducente da petição firmada'J>~r cerca de
ponta do pé". Na inexistência de quorum; os liberais achavam-se reduzidos a cinqüenta pracianos. Nela se recordava que, como implícito no juramento de
seis ou sete deputados, sem que lhes valessem os representantes da província 2 de junho de .1822, Pernambuco aderira ao Rio a fim de estabelecer-se "urna
na comissão de Constituição, MunizTavares e Araújo Lima. O ministro aus- união razoável", "urna espécie de federação.imperial, monárquica, constitucio-
tríaco é que não escondia a satisfação. Havendo temido a atitude da bancada nal [eJ liberal", capaz de preservar "os imprescritíveis, inalienáveis direitos,
pernambucana, constatava que o ministério dispunha de ampla maioria, re- isenções e privilégios" locai$, mediante "Constituição livre e apropriada às cir-
• <luzindo-se a oposição a alguns revolucionários de 1817. Segundo Mareschal, cunstâncias, luzes do século, caráter e estado político". Estando as províncias
o. problema da Constituinte é que ela era "muito democrática para o Sul e "independentes em cada uma sobre si quando tais ajustes [se] fizeram", ocorria,
pouco para as provindas do Norte". 57 contudo, que no Rio buscava-se estabelecer' '.'um despotismo novo", através
Meses decorridos da abertura da Assembléia, o projeto de Constituição de manobras como a que descartara o juramento prévio da Constituição pelo
ainda estava sendo elaborado pela comissão presidida por Antônio Carlos, que Imperador, o qual deveria ter consagrado "as primeiras.linhas do pacto social
só o concluiu a 1° de setembro, de modo que, ao sobrevir a dissolução, o de- condicional entre o mesmo e a nação brasileira". A repressão aos liberais e a
bate no plenário arrastava-se pelo artigo 24, não havendo abordado ainda censura haviam alcançado o objetivo de intimidar a Constituinte, onde ape- •
questões vitais, como a contribuição provincial ao orçamento do Império. Da nas 54 deputados, num total de cem, haviam, tomado assento, privando-a dos
_lentidão, aproveitara-se José Bonifácio pará.fazer aprovar leis.constitucionais, dois terços indispensáveis à validade das deliberações. Desejando Pernambuco
como a da organização das províncias, que prejulgavam pontos da Constitui- conservar "uma porção de sua soberania provincial,,, urgia desfazer os equí-
ção, contra-senso de óbvias intenções. Para Barata, as-províncias, baluartes vocos em torno dos poderes dos seus constituintes. O requerimento solicita".'
naturais contra o despotismo, haviam escapado à perfídia das Cortes para caí- va o envio de enérgica representação à Constituinte e reivindicava a criação
rem sob as maquina~ões visando a transformá-las em "colônias do_·Rio de J a- de um Conselho para coadjuvar a junta. Esta proposta assustou-a, pois não
neiro" e da sua "Corte corrompida, cheia de tribunais [i. é, repartições] e san- figurará no seu plano dividir o poder com um grupo que escaparia a seu con-
guessugas como a antiga". O Brasil, porém, não fora feito-"para meia dúzia trole, de modo que indeferiu a petição, por não conter a assinatura de igual •
de famílias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas". Nem Pernambuco, con- número de proprietários rurais. 59
forme frei Caneca, libertara"-sede Portugal para "arrastar os grilhões forjados_ Quando da abertura da Constituinte, Araújo Lima consultara-a sobre a
por uns paulistas e quatro peões fidalgos d'El Reí". Cumpria, por conseguiu~ obrigatoriedade das instruções enviadas pelas Câmaras aos deputados da pro-
te, que cada província tivesse seu próprio banco, pois o do Brasil só visava a víncia. O assunto ficou ignorado. O ministério dava-se conta dos problemas

58
57 FC, p. 281; Escudada Ilbérdade,12.viii.1823; Sentinelada Liberdat:k,3.v.; 16 e 24.vi., Sentinelada Liberdade,23.iv., 16 e 24 vi., 9 e 16.vii.1823; FC, pp. 196, 199-201; ~
9.vií, e 13.ix.1823;Correiodó Rio deJaneiro,30.vüi.1823;CWM, 86, p: 137,313, pp. 210,228; Brasi4Rio de Janeiro, 1914, p. 67.
nor de Roure, Formaçãoconstituciorlfl[da
314; p. 343; e'3l5, p.322. 59
GazetaPernambucana,18.ix.1823. -

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A OUTRA INDEPEND~NCIA
Ü GOVERNÇ) DOS MATUTOS

que semelhante discussão suscitaria, pois os federalistas, sustent


ando o cará- listas, que pleitearam a convocação do colégio eleitoral afim de
ter condicional da adesão de Pernambuco na dependência da Consti cassar os de~
tuição a putados provinciais que o apoiassem. Entre eles, Muniz Tavares
ser aprovada, poderiam vir?- alegar que, havendo os representantes tornara-se es-
provin- pecialmente visado desde que defendera, na discussão da fala do
ciais violado suas instruções, a província não se considerava parte trono, a exi-
do pacto gência imperial de uma Constituição "digna do Brasil e de mim".
constitucional. A proclamação de D. Pedro, de 19 de julho, visou O próprio
precisamen- . nome de provínci3: esteve para ser abandonado como perigoso
te cortar rente o debate que.a Assembléia Geral abstinha-se de encetar para a unida-
. O au- de imperial, a despeito de haver síclo'a designação canôniéá das
togoverno,. declarava o Imperador, seria'absurdo num país das divisões ter-······.
dimensões do ritóriais do Império romano, carecendo de conotação política
Brasil, não o sendo menos as pretensões de certas províncias , como, aliás,
dó Norte de também se verificava em Portugal, onde éra empregado apenas
"prescrever leis aos que as devem fazer, cominando-lhes a perda na acepção
ou derroga- administrativa: e corográfica. Campos Vergueiro e O Tamoio,
ção de poderes, que lhes não tinham dado nem lhes compete dar". órgão andra-
A Consti- dista, desenvolveram a teoria, que será melhor formulada em
tuinte atendeu a cominaçãoimperial, o que colo~ou a junta em 1834 por oca-
posição incô- sião do debate em torno do Ato Adicional, segundo a qual o autogo
moda, de vez que ela não só se encarregara de transmitir as instruç verno era
ões à ban- inaplicável ao Brasil pois resultava de experiência das colônia
cada mas voltara a fazê~loem maio. 60 s inglesas da
América do None, desconhecida na América portuguesa. Além
A Constituinte acatou .a interpretação segundo a qual o juram: de abolir· as
ento da províncias, o projeto refundia seu território numa massa inform
forma monárquico-constitucional em 1822 prejulgara o caráter e a ser sub-
unitário do dividida em comarcas (vocábulo de cunho estritamente judiciá
regime, ligando indissoluvelmente as províncias. No exame do rio na prática
artigo l O do luso-brasileira), distritos e termos, que Barata caracterizava de invenç
projeto de Constituição, a maioria conservadora derrotou a emend ão "para
a de Ve- nos curvarem debaixo do azorrague assim como os asiáticos gemem
nâncio Henriques de Rezende que suprimia a expressão "uno debaixo
e indivisível" do bambu", transformando o Brasil numa China. A proposta
para caracterizar o Império, derrubando também a inserção do advérb da Comissão
io "con- só não vingou em plenário devido ao receio de contestação regiona 62
federalmente" que ele apresentara ao artigo 2°, relativo à definiç l.
ão do terri- Segundo Barata, as províncias tinham de permanecer íntegras num
. tório imperial. Outro deputado pernambucano, Andrade Lima; Im-
foi acusado pério federal, pois não haviam dado poder a ninguém para retalhá
por José Bonifãcio de advogar "doutrina subversiva", palavras textuai -las, colo-
s do mi- cando-as em posição de serem tuteladas pelo Rio. A pretexto
nistro, por defender a competência legislativa dos projetados conselh de atenuar a
os pro- desigualdade geográfica e populacional, a divisão do território
vinciais, desde que não contraviessem a legislação geral. E, contud brasileiro não
o, um ano passava de um "artifício do despotismo" visando habilitar o Impera
antes, o argumento de que deveriam ser atendidas as condições dor a mu-
locais servira tilá-las, liquidando qualquer contestação local, argumento que
ao Andrada para justificar algo mais radical, como seja a adapta sensibilizava
ção das deci- o nervo exposto da separação de Alagoas como punição por Dezess
sões das Cones de Lisboa às circunstâncias do Brasil.61 ete. Mes-
mo a olhos unitários, a reorganização territorial parecia irrealis
O projeto da Comissão de Constituição, cujos membros, com ta, de vez que
exceção as grandes províncias não concordariam. A desconfiança também
de Araújo Lima, haviam-no firmado sem restrições, descontentou prevalecia
os feder~- no tocante ao artigo 217, estabelecendo que a contribuição das
províncias ao
Tesouro imperial seria proporcional às despesas públicas, o que
equivaleria a
60Anais da Constituinte,i, p. 23, iii, p. 61, vi, pf 188, 215;Atar, i,
p. 145;Juntados matutos 62
a Muniz Tavares, 23.v.1823, IAHGP, A, 11; Peças,n. 84. Anais da Constituinte,V, PP· 146-7, 161, 164, vi, PP· 188,215; O
Tamoio,23.x.1823;
CCF, 21.x.1823; Sentinelada Liberdade,8.x. 1823. Muniz Tavares
. 6•1 SilvaLishQa,Apeloà h~nrabrasikiia, p. 14;Anài reagiu, testando a Assembléia
i da Co,tstituinte,ii, pp; 76~7,v, PP·94, Geral, a quem solicitou dispensa, que previsivelmente foi rejeitada
•l 19.s20. . No Rio, ele tornara-se mem-
bro do Apostolado: ACI, XLIX, doe. n. 2.289.

148
149
I

Ü GOVERNO DOS MATUTOS


A OUTRA lNDEPEND~NC(A

-dar um cheque em branco à Corte para aumentar os gastos a seu bel-prazer e nava expressamente a possibilidade de i:etinião ao antigo Reino. Se D. Pedro
extorquir somas crescentes. Cumpria adotar o critério inverso: os dispêndios também pretendia reinar do outro lado do Atlântico, qude fosse para lá, mas
é que deveriam ser proporcionais ao total das quotas provinciais, a serem fi- se quisesse imperar no Brasil, dnha de dobrar-se à vontade da nação_64
.Arrancada pelo ministério à As~embléia Geral, a lei de 20 de outubro de
xadas segundo a capacidade de cada uma. 63
, Os federalistas condenavam a cuµiplicidade sulista com as artimanhas .182-_3, que deu nova ~anizaç!o_às:próvíricias, foi outro importante motivo __.,...
...de .l!!l!ª--Ç-º-1mJrnime: e·s;;_~~
Imp-eridc)f minisrro:5para t~r9-:-•
li_o1ni11~~~~peló ... ·-de.descontenta.tnento.federalista. Como acentuou Barman, a lei "subvertia o
(__
...=-~-- -·-----. . ..·-··-·------··
-
equilíbrio de forças existente desde o começo de 1821 entre as províncias e o
-!país regredir a um sistema mais despótico que o colonial. Os artigos 1° e 2°
ignoravam as necessidades provinciais, que requeriam o autogoverno, descar- centro, no propósito de restabelecer o statu quo colonial. Uma junta escolhi-
tado em função da propaganda unitária, que o assimilava ao republicanismo, da pelos eleitores da província e responsável perante eles ia ser substituída por
quando o conceito indicava somente a associação de diferentes entidades po- um executivo único, de nomeação do Imperador e responsável apenas perante
líticas, fossem estados ou províncias, sem prejulgar a natureza da chefia do ele".65 Durante o debate da lei de 20 de outubto, constituintes nortistas ten~
executivo, cujo detentor podia, nas palavras de Barata, "ter-o nome de Impe- taram inutilmente salvar o regime das juntas, dotando-as de autoridade so-
rador, presidente, príncipe, defensor perpétuo ou qualquer outro, porque o bre a força armada. Mas a Constituinte aprovou o texto ministerial, que as
nome é indifereme para a representação e autoridade de que goza". As pro- aboliu em favor de presidentes de nomeação imperial, assessorados por um
conselho eletivo e investidos do mando sobre os contingentes de terra e mar
víncias deviam ter
estacionados na província, um "arranjo", como definia Barata, que ressusci-
cada uma sobre si seu governo· particular para os negócios.internos e ocor- tava os governadores coloniais, preludiando o golpe de Estado. Da: importân-
rentes e pode[rem] lazer suas leis privativas para seu cômodo, e além disto cia que o federalismo dava ao assunto e que prenunciava a crise de 1824, teste-
te[re]m ao mesmo tempo um
governo ou sistema de união, direção, con- munha o fato de que, na impossibilidade de se conservar o regime .dejuntas,
. servação e defesa geral é comum ~mo se todas fossem um só corpo. A isto fossem deputados pernambucanos os que tentaram uma transação que cer-
é que se chama nação confederada, sistema de governo confederativo, seja· ceasse o poder imperial, seja tornando eletivo o cargo de presidente, embora
qual for o título do chefe que está à sua frente. sujeito à confirmação imperial, seja:deixando-o à escolha do Imperador, ·que
só poderia, contudo, nomear residentes da província, seja enfim transferin-
Era este "governo confederativó representativo com o Imperador[ •••] o
do o assunto para o debate do projeto de Constituição. Duas outras iniciati-
único que convém ao Brasil" e o mais bem adaptado às suas precisões, ao 're-
vas de adiar o tema partiram também de representantes nortistas. 66
conhecer a "cada província uma espécie de pequeno corpo legislativo seu par-
A cônspiração contra a Constituinte tomara vulto a partir da Vilafran-
ticular para deliberar e legislar sobre peculiares objetos e providências nas
cada, por obra e graça do partido português, estimulado pela demissão de José
necessidades ocorrentes e que pela longitude não podem ser providás do Rio
Bonifácio. Mareschal caracteriwu-o como uma facção que, sem ser necessa-
de Janeiro". Contudo, "não briguemos pelo nome: embora não se declare que
riamente favorável-a Portugal ou sequer ao restabelecimento do Reino Uni-
o nosso governo fica confederativo, seja o governo bem frouxo em benefício
das províncias, seja o sistema livre segundo as Bases que havemos jurado, seja
a Constituição representativa bem liberal como a de Portugal, segundo se
64 Sentinela da Liberdade, 8.x., 1° e 5.xi.1823.
contratou". Havia por fim a irritação como fato de que o projeto não elimi-
65 Barman, Brazil Theforging of a nation, p. 111.
66 Anais da Comtituinte, i, pp. 60, 120, 132, ii, pp. 54-7, 63, 65, iii, pp. 12, 25; Sentinela
63 Sentinela da Liberdade, 8, 19 e 25.x.1823;.CCF,.5.xi.1823. da Liberdade,2.viií.1823.

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A OUTRA lNDEPENDtNClA
Ü GOVERNO DOS MATUTOS

do, compunha-se de indivíduos que, mantendo relações pessoa


is com D. Pe- José Bonifácio pressentiu o que iria ocorrer em Pernambuco.
dro, com a Imperatriz e com a Corte, detinham grande Na Assem-
influência e consi- bléia Geral, ele opôs-se categoricamente à moção que subme
deração, a despeito da hostilidade que lhes votava a popula tia o projeto de
ção fluminense. Constituição à consulta prévia às províncias, pois isso impor
Sua ba,se de poder era a comunidade reinol do Rio, maior taria em esperar
que as das pro- "pela opm1a
• • ·- o d os ta bareus
' " , •"d os pa d res-mestres" , d o " cura " e de "outros
víncias, tanto em termos absolutos como relativos. "A idéia se-
deste partido é nhores da roça". Secretamente, ele solicitoua Mareschal
de se ç-o.1~tentar[o Impéri.o] .com as províncias 4~-Sµl_e do Centro e ?e~~ que sondasse D.
a Pedro acerca de um golpe parlamentar, a ser deflagrado por
Bahia, Pernambuco e as outr~ províncias do Norte se dilace mensagem im-
rarem até que o perial à Constituinte que a alertaria, em termos vagos, para
cansaço as traga de volta." Para o partido pcm:uguês,a perda a gravidade da
do Norte "não é situação. Com base na advertência, José Bonifácio, que dizia
um mal, pois trará para cá uma multidão de comp<1-triotas contar com cerca
que os reforçarão", de quarenta deputados, garantiria a votação em bloco do
e mesmo "o inteiro isolamento da,província do Rio de Janeir projeto, acoplada à
o e a defecção convocação de eleições para a primeira legislaturà ordinária,
de todas as outras seriam ainda bem toleráveis, pois é aqui aproveitando-se
que a maioria de- o interregno para intervir militarmente em Pernambuco.
Não havia outra
les vive".67 maneira de salvar o Império, "porque se Pernambuco se
Os crescentes rumores de dissolução da Constituinte levava havia de separar já
m a crer que, ou depois de vencidos alguns pontos do projeto de que a
"assim como as Cortes de Lisboa com sutilezas e teimas fizeram província não gos-
a separação tasse, era melhor que se ~eparassedepois de feito o juramento
do Brasil, assim o Rio de Janeiro com as suas xibanças tolas do projeto como
há-de fazer a se- Constituição, porque então como havia uma lei geral, até
paração das províncias". Barata assegurava que Pernambuco eu [i. é, o Impera-
não temia o ato dQr] poderia ir atacar a província à frente do exército e chà.m
de força, pois "o povo está vigilante e não é besta como â-la à ordem".
o da Bahia", mas Urgia cortar o mal pela raiz, pois as províncias do Sul já começ
cumpria preparar o Norte para o que viessea acontecer e para avam a se into-
que o Sul com- xicar com "o maligno vapor pernambucano". D. Pedro não
preendesse que havia disposição de sustentar a liberdade e viu inconveniente
de resistir ao des- no plano, desde que a Constituinte o executasse sem sua
potismo. O objetivo imediato devia consistir na deposição participação, letn-
do governador das brando, contudo, que a oposição dos deputados nortistas
armas e na substituição da junta por um governo de que partici ao estratagema po-
pariam Bará- deria produzir efeitos indesejáveis: O argumento sobre o Sul,
ta e •o intendente da Marinha, Manuel de Carvalho, o qual, julgou-o infun-
segundo o côn- dado, visando apenas a amedrontá-lo. 69 Se então o Imper
sul francês, malgrado ser "mais hábil e mais prudente que ador já se achava
os outros", estava inclinado a dissolver a Assembléia Geral, provavelmente não
decidido, "com sua facção, a jogar a cartada definitiva". Mesm desejaria que "o
o quem, como Velho" interferisse nos seus planos.
Boileau, não tinha simpatia pelos federalistas,antecipava que • ·
a dissolução teria No Recife, a política da junta, sob pressões contraditória
"as mais funestas conseqüências''; obrigando o Imperador s, tomara-se
a colocar um cor- aquela "mistura iqconcebível de submissão e de oposição às
dão .sanitário em torno das províncias meridionais e a recorr ordens do governo
er à força contra do Rio", "um labirinto no qual é impossível achar ou adivin
as do Norte, que "a doçura e a longanimidade hábil poderi har a saída", como
~ atrair sincera- escrevia o côns_ulda França. O descontentamento cresci
mente com i;nais facilidade que as armas, sobretudo se no a na tropa, pois as
seu descontenta- promoções feitas em maio nem tinh:,i.msido ainda confirmadas
mento elas se unissem·, ou facilitar ao menos a redução, caso pelo Impera-
. esta extremida- dor nem haviam satisfeito os contingentes de cor, ao que
se somava a vinda
de se tornasse necessária".68 dos oficiais do Rio trazidos por Joaquim José de Almeida,
entre eles uni por-
tuguês que se tornara abominado no governo de Luís do
Rego. Destarte, os
67 ÇWM,314, pp. 327,347; e 315,
.·. p. 366. 69 Anais da
' . .• '•. Conrtituinte,v, p.99; Tobias Monteiro, A el.aboração
da Independinciap.
68 Sentinekzefa
Liberdade,19.vii., 13, 17 e 24.ix.1823;CCF, 2 e 15.iid82,3. , 772;
CWM, 315, pp. 307-8.

152
153
Ü GOVERNO DOS MATITTOS
A OITTRA INDEPENDtNCIA

; na com-
federalistas vinham conquistando a força armada para realizar
seu plano de quanto o grosso da tropa permanecia de prontidão.Tudo se passou
confirm a que a
formar novo governo e destituir o governador das armas. Em agosto
, circulou paração de Barata, "como se fosse um baile"; e o relato oficial
de pro-
o boato de que, ao arrepio da ordem imperial pani que perman
ecesse a pos- ordem pública não foi afetada. Uma delegação militar, acompanhada
res, apresen tou-se à Câmar a do Recife
tos, a junta tencionava demitir..,se,havendo mesmo anunci ado sua disposição curador do povo e de uns cem popula
nte Afonso de Albu-
às Câmaras, só sendo. dissuadida pelos que, considerando imprud
ente em- comunicando o ocorrido e exigi~do o expurgo do Preside
{io da Junta,
• preender a mudança em face da preatnat federalista, preferiam
esperar a apro- querque, que brindara publicamente o Apostolado, e do secretá
conhec idàs imputa ções contra Almeida,
vação da lei de organização provincial, que o govern o solicito u urgentemen- padre Marinho Padilha. Ademais das
o colega da Parai'ba e
te ao Imperador.7° alegou-se seu propósito de reempossar à força o depost
as guardas
Em fins de agosto, a junta cominou Barata e o padre Francisco
Agosti- sua trama com o Presidente e com o secretário para extinguiiem
na junta,
nho Gomes, que também representara a Bahia nas Cortes e que
também ha- cívicas. Em junho, Suassuna, que assumira pouco antes seu lugar
guerril has, mas em inícios de
a
via sido eleito para a Constituinte, irem assumir seus manda tos. Os distúr- propusera sem êxito a abolição das chamadas
ir as de Olin-
bios e as manifestações de protesto que tiveram lugar no teatro
público deci- setembro, face ao aumento da agitação, a junta resolvera extingu
a decisão
diram~na por fim a atuar contra os federal istas, proces sar os· cabeça s e enviá- da e Tracunhaém. Na insubordinação do oficialato também atuou
soldos aos promo vidos de maio,
los ao Rio, contra o voto do Presidente Afonso de Albuqu erque, que insistiu governamental de sustar o pagamento dos
72
não tardou. devido à falta de aprovação imperial. .
pela sua prisão imediata, sem esperar pela devassa. A resposta da jun-
dante das armas da Paraíba fora destituí- Da Câmara, a deputação seguiu para palácio exigir a depuração
Sabendo-se no Recife que o coman desde que a petição fosse refe~
ra-se, difund iu-se a ver- ta; Albuquerque e PadHha anuíram em partir
do p~la junta local e que parte. da guarnição revolta ia, que não haviam
são de que o oficial, português de nascimento, proclamara D.
João VI, des- rendada também pelos chefes da artilharia e da cavalar
constar da ata
na. Seria o aderido ao movimento. Rejeitada a condição, O· Presidente fez
fraldara a bandeira lusitana e marchava contra a capital paraiba m aos outros
pren~cio do golpe "apostólico", que em Pernam buco contari a com a parti- haver renunciado sob coação flsica. Os oficiais não se opunha
solicita ram a entrada de subs-
cipação das milícias rurais, convocadas à praça para a cerimô nia da revista da membros, instados a permanecer; e tampouco
mais votado
tropa e bênção das bandeiras, comemorativa do 12 de outubro.7
1 titutos, concordando em que a presidência fosse ocupada pelo
teria apoiado
• A mando dos chefes da infantaria, patrulhas do exército e da
guarda cí- na eleição de 1822, que era Pais Barreto e que por isso mesmo
ham os oficiais subordiná-lo
de setemb ro, en- o golpe. Quanto ao governo das armas, propun
vica prenderam Joaqui~ José de Almeida na manhã de 15 pagam ento dos
à junta, transformada agora em triunvirato. A suspensão do
a parada,
soldos foi anulada. Mas os federalistas não ganharam inteiramente
de modo a
°
7 CCF, 12.vii., 13.viii., 2 e iix.1823; Sentinela da Liberdade,5.xL1823; Junta dos matutos pois a Câmar:a do Recife opôs-se ao preenchimento das vagas,
s Viana; e frei
a João Vieira de Carvalho, 24.v.1823, e Juntados matutos a D. Pedtol,
7.vi.1823, LRGP, IAHGP. impedir a inclusão de Barata, Manuel de Carvalho e Mende
preservara
A questão das promoções, que, como vimos, attastava -se desde 1821, será finalmente ~guiada Caneca lamentará o "erro fatal", a "errônea condescendência" que
nulas as patentes qu~ os gover- es isolar Bezerr a de Melo. O coman-
pda provisão do ministro da Guerra, de 25.vi.1824, qué declarou Pais Barreto e Suassi.ma,permitindo-lh
a João Vieira de Carvalho, r o. federal is-
do tampouco obteve tudo o que queria, pois, a fim de esmaga
nos provisórios das prQVÍnciàshaviam conferid o: José Carlos Maydnk
15.vii.1825, ANRJ, Confederação do Equador , 1.695.
71 Peras,n. 70; Atas,i, pp. 185-6; Sentinela dáLiberdade, 17 e 27.ix.1823; Junta dos matutos
que se os levantados haviam
ao Imperador, 18.Í?(.1823, LRGP, IAHGP. Pretende o cônsul francês 72 Junra dos matutos ao
Sentinela da Liberdade, 24.ix. e l .x. 1.823;Atas, i, pp. 174-5, 186;
0
impedal.ainda er:t inexistente por
acvorado ~M.deiras.lusicanas,p~era-se apenas a qi.\eo pavilhão 280-1; Peras, n. 72; BNRJ, 3, 4, 18.
Imperador, 18.ix.1823, LRGP, IAHGP; FC, pp. 260-1,
aq~das~d~: CCF,sld, ;mexo ao despacho dé 18.ix.1823.

155
i54
A OUTRA lNDEPENDtNCIA Ü GOVERNO DOS MATUTOS

mo, Pais Barreto e Suassuna chamaram de voltaJosé de Barros Falcão de La- do Mareschal manifestar ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Carvalho e
cerda, chefe do contingente na Bahia, o qual, como oficial mais antigo, pre- Melo, suas apreensões sobre os efeitos da dissolução no Norte, ouvirá que
teriria os colegas na chefia da tropa. Amigos íntimos, o morgado e Barros aquelas províncias "estavam perdidas de qualquer maneira mesmo antes dis-
Falcão haviam estado juntos nos cárceres baianos em 1817, nos lisboetas em to", só restando desejar que "Minas e São Paulo não fizessem tolices". Em
182le no combate a Gervásio.73 novembro, circulava na Corte q~e a República fora proclamada por Barata.
Visando esvaziar o apoio popular aos federalistas, Pais Barreto e Suàs- En:aatmosfera en.v:~~enadadasvésperas.do golpe de Estado çle.U de novem-
suna tomaram várias medidas antiportuguesas, a começar pelas simbólicas, bro, Venâncio Henriques de Rezende ies~ nsabilizavao gov~rno imperial pelo
como a substituição da coroa portuguesa pelas armas imperiais no frontão dos estado da província, lembrando que a insubordinação reinante na força ar-
edifícios públicos. Providências tanto mais urgentes quanto, maliciosamente mada fora estimulada pelo próprio Imperador ao louvar o mo~imento con-
ou não, a junta tardara em fazer desfraldar o estandarte do Império, fizeravistas tra Gervásio.75
grossas ao uso público dos hábitos das ordens militares portuguesas e conti- Graças a·que Pa:isBarreto e Suassuna haviam sido poupados; os unitá-
nuara a expor o ;etrato de D. João VI na sede do governo, a par do de D. Pe- rios ainda tinham a chance de retomar a iniciativa perdida, o que fizeram com
dro e de D. Leopoldina. A junta também instigou os tumultos que culmina- o regresso do comandante da cavalaria, Francisco José Martins, que viajara à
ram na expulsão dos frades terésios, cuja discriminação contrao ingresso dos Corte recomendado pela junta pela firmeza com que fizera do contingente o
naturais da terra era alvo antigo de ressentimentos provinciais, a que se so- mais disciplinado da província. O ministério encarregara-o de executar, sob
mara a oposição ostensiva que, desde 1817, faziam à Independência. Cons- a batuta de Felipe Néri Ferreira, o plano de expulsão de três dezenas de fede~
trangida por manifestações em Igaraçu e em Goiana, a junta ordenou a par- ralistas, encabeçados por Barata e Mendes Viana, idéia, como vimos, origi-
tida, no prazo de vinte a trinta dias, dos lusitanos que não houvessem aderi- nalmente aventada por Bernardo José da Gama. A operação, financiada pelo
do à causa do Brasil, proibindo novos juramentos. Por fim, embarcou os úl- comércio recifense, teve início com uma campanha de pasquins e cartazes
timos prisioneiros da Bahia e seqüestrou os bens de reinóis emigrados. 74 difamatórios das principais figuras da oposição. Caso Martins não lograsse
O governo do Rio não reagiu à deposição do governador das armas e ao persuadir o redator da Sentinela a assumir seu assento na Constituinte, deve-
~~----------~----,----- - --· ------
s:::expurgo da junta, limitando a transmitir as comunicações oficiais à Assem- ria empreitar seu assassinato, ao menos segundo a versão transmitida ao jor-
~bléia Ger;;J para estimulá-la a aer:ovarop_r-oj_et()~()bre a liberdade de impren- nalista por amigos maçons e por Estêvão Ribeiro de Rezende, intendente ge-
(sa, a çujos exçe~s<>s ~e impµtava o ocorrido. _Imperador e ministério já nada ral da Polícia do Rio, onde O Tamoiojuntara a voz ao coro dos que denun~
esperavam da junta, avaliando, como já fizera José Bonifácio, que a situação ciavam a complacência da junta com as atividades de Barata.76
pernambucana só poderia ser revertida pelos meios da força, cujo emprego, O plano foi avalizado por Suassuna e Pais Barreto. Este dirá ao cônsul
contudo, tinha de esperar o desfecho do conflito com a Constituinte. Quan- francês: "Combati o despotismo e os sofrimentos que passei em 1817 mo
tornaram a mim ainda mais odioso, mas antes o despotismo que a anarquia
em que nós vivemos". Martins aliciou os comandos que haviam, em setem-
_ 73 BNRJ, 3, 4, 18, BNRJ, II - 32, 33, 47 e II- 32, 33, 49; Atas, i, pp. 188-91, 200; FC,
pp. 317, 541; PAN, 22, p. 54; CCF, s/d mas anexo ao desp:i.chode 8.ix., e 5.xii.1823; Peças,ns.
66 e 77; Exposiçãodosserviçosprestadospelo coronelJoséde BarrosFalcãode Lacerda,p. 12;Pereira
da Costa, Pernambuconas lutas emancipacionistas da Bahia,pp. 244, 254-6. 75 Anais da Comtituinte, vi, pp. 71 e 130; CWM, 315, pp. 375"6; Manning, ii, p. 763.
74 SentineladaLiberdade,27.ix.1823; Diáriodo Governo,13.ix.1823; CCF, 21.x.1823; Peças, 76 Junta dos matutos a José Bonifácio, 25.v.1823, IAHGP, LRGP; PAN, 22, p. 47; AJM,
n. 78;-Atas,i, pp. 1-94-5, 197, 199,-200-1, 205; 209;.FC, pp. 263-9;Junta dos manitos ao Impe- pp. 236 e 239; BNRJ, 5, 1, 43; Anais da Comtituinte, vi, p. 130; O Tamoio, 16.ix.1823; Sentinela
rador, 6,x.1823, IAHGP, LRGP;.PAN, 22,.pp.-55-6e 59; CWM, 313, p. 206. da Liberdade, 19.xi.1823; Manning, ii, pp. 763-4; Isabd Lustosa, /muitos impressos,p. 392.

156 157
Ü GOVERNO DOS MATUTOS
A OUTRA iNDEPENDtNCIA

se A deportação de Barata selou a sone da junta. Martins informava o Rio


bro, deposto o governador das armas e expurgado a junta, más que agora assa-
da que, por enquanto, a tropa permanecia fiel,-mas "o partido do Barata
diziam ofendidos por Barata, que qualificara o exército de instrumento tramas
e funcion ários público s pa:ra. nhou-se de tal maneira, que tem sido custoso contê-lo: os clubes e as
autocracia. A representação assinada por militares que, sem o envio de força
recusa aparecem de momento em rnom~nto", de modo
que fosse obrigado a cumprir seu dever de constituinte, Barata opôs a obrigan do
"mais naval, "tudo vai perdido". Enquanto a agitação crescia no Recife,
a "discutir uma Constituição liberal" sob "o estrondo da artilharia" e das l de-
de_port ugueses , sob: .. ·•···· . F~l_ipeNéri Ferreira a refugiar-se no interior; Goiana despachou a habitua
de sete mil baionetás;, empunhadas por grande número que a junta resolve u retirar a
ainda se des- puração de protesto. Ali a agitação era tamanha
o comando do Imperador. Em meados de novembro, quando Frandsc :o de
e sub- guarnição, o que desencadeou a rebelião da vila, sob a chefia de
conhecia a dissolução, Barata foi preso por "seus escritos incendiários
e embarc ados ambos para o Rio, Carvalho Pais de Andrade, que, eleito constituinte, negara-se, ~orno Barata,
versivos"; juntamente com Mendes Viana, forma-
triunvir ato de a assumir o mandato. Francisco de Carvalho conclamou as Câmaras a
não sem que publicasse uma derradeira Sentinela,tachando.o a ou ao des-
por- rem novo governo, sob pena de entregar-se Pernam:buco à anarqui
cumplicidade com as tenebrosas transações do ministério e do partido ha-
era Barata, o outro constitu inte potismo, obtendo o apoio dos municípios da mata porte e de,efetivos que
tuguês. Como o verdadeiro alvo da junta Contra o voto de Bezerra de
viam desertado para Goiana como em 1821.
baiano no Recife, o padre Francisco Agostinho Gomes, ná'.ose verá coagido irmãos Carvalh o e alia-
r os Melo, Pais Barreto e Suassuna resolveram expulsar os
a viajar pará o Rio. Os oficiais recuaram, contudo, do projeto de desterra to os
.cancela r o retorno de Barros Fal- dos, apostando na chegada iminente da tropa de Barros Falcão, enqllán
~urros cabeças federalistas, nem lograram 9
federalistas tratavam de agitar o povo para impedir-lhe o desembarque.7
cão e do contingente na Bàhía. 77 •
as coisas não saí-
O contingente desembarcou a 12 de dezembro, mas
O cônsul da França era o primeiro a deplorar a pusilanimidade dajun-' de-
o de ram de acordo com o plano de Pais Barreto e de Suassuna. Poucas horas
ta que deixara à tropa a iniciativa da prisão, prevendo que, sem a expulsã notícia
Carvalh o, a arbitrar iedàde pois atracava navio da Corte, trazendo de volta os deputados, com a
todos os chefes federalistas, em especial os irmãos fria na fervura causada pelo
de da dissolução da Constituinte, o que jogou água
práticada contra Barata redundaria em crédito deles e até num conflito sua honra.
des- regresso da tropa e nos festejos que a junta mandara preparar em
repercussões através do Império. A Corte devia apressar as providências as bo-
das provínc ias do None. Mas "Os fatos ocorridos no Rio [assinalava Boileau} foram logó em todas
tinadas a garantir a submissão de Pernambuco e s, reconhe cer de imediat o
cas, sendo fácil pela maneira em que eram relatado
embora fosse grande o descontentamento no Recife e até no interior; parecia reviravo lta e
- o efeito que eles iriam produzir." "Num instante teve lugar U:ma
a Boileau que as probabilidades de revolução àutonomista haviam diminuí maior
ao fracasso . Devido ao can- o partido republicano, como uma mola comprimida, levantou-se com
do e que, de qualquer maneira, ela estaria fadada das mãos de um governo fraco e•
e no força e as rédeas da governação escaparam:
saço reinante, a instabilidade já não poderia durar por tnuito tempo; Assemb léia Geral,
muito inferior a tais eventos." Como assinalou Barman, a
mesmo ~entido, operaria à temor à expedição recolonizadora. Uma revolu- da a
regime ao aprovar a lei de organização das províncias, contara com que, termina
ção que completasse a Independência mediante a implantação de um respond eria perante a legislat ura or-
materia l e mo- elaboração constitucional, o Imperador
liberal só seriá possível a longo prazo, depois qué o progresso o. Com.a dissolu-
78 dinária pela atuação dos presidentes que houvesse nomead
ral·houvesse mudado o rosto do país.

20, n. 2; Peças,
ACI, L, does. n. 2:289 e 2:306; FC, pp. 282-3, 541; BNRJ, II - 33, 5,
e 19.xi.1823; 79
·, • 77Peças,ns.75, 80 e 82; CCF, 20ixi. e 5.xii.1823; Sentinelada Liberdade,5
e,
5.xLl 823; ARCO,
FC, pp. 282~3, 541; AJM, pp: 233-5; Atàs, i, pp. 206, 208; ACI, L, doe. n. 2.289. ns. 74, 76, 77 e 95; Atár;i, pp. 210-3; CCF, 5.x:li.1823;Serttinelada Libérdad
Bahia, pj,. 77 e 159. ·
5/5/465/6-7; Pereira da Cosr~, Pemàmbucunas lutas em,indpaciunistasda
,s CCF, 3Lx.;20.x:Le 5.xii.1823.

159
158
A OUTRA lNDEPENDêNCIA
Ü GOVERNO.DOS MATUTOS

ção, "tal garantia desaparecera e as províncias já não tinham controle, sequer deria ter evitado a queda do triunvirato, justificando sua atitude com o argu-
-d o governo centr al" .8º
'd" ireto, sobre a açao
m mento de que à sua amizade com Pais Barreto deviam sobrepor-se os interes-
Ainda nó. Rio, o grupo de constituintes combinara lançar manifesto à ses da província, que estariam mais bem representados pela política que visa-
sua chegada ao Recife, e, no decurso da viagem, teriam assumido o compro- va a obter do Rio a reconvocação da Constituinte. 83
misso de formar uma liga regional de resistência ao golpe de Estado. Uma vez Foi nestas circunstâncias qu~ o triunvirato reuniu o Grande Conselho
no Recife, exprimiram publicam~ a mais viva in1ig11_~9ão,
só se referindo de 13 de dezembro. Dizendo-se enfermo, Pais Barreto passou procuração a
a D. Pedro como o ex-Imperador, enfatizando a vulnerabilidade do trono face Suassuna para presidir em seu lugar e propor tudo o que julgasse conveni.en-
ao descontentamento da população fluminense e à fermentação da tropa, e te ao restabelecimento da ordem pública, inclusive a demissão da junta, se seus
ventilando o projeto de reunir a Constituinte em Pernambuco, a fim de pro- argumentos não fossem atendidos. 84 Mas os federalistas não debrariam repe-
clamar a destituição do Imperador. Contudo, o manifesto que divulgaram tir-se o 15 de setembro.
tinha tom comedido, limitando-se a historiar os acontecimentos da Corte e
até mesmo agradecendo a D. Pedro porJhes haver mandado fornecer passa- O partido de Barata havia aplainado o caminho. Reunido diante do
gem de volta. 81 • paJácio, apenas abriu-se a sala do conselho que ele se precipitou em massa e
Ao apostar no retorno de Barros Falcão para subjugar os federalistas, Pais os gritos de "abaixo o governo" logo provocaram a queda da junta. Devido
Barreto e Suassuna haviam.cometido um erro de avaliação, pois o comandan- a uma dessas singularidades de que nós, ~ceses, tivemos mais de um exem-
te não controlava sua tropa, que, como vimos, servira para livrar o Recife de plo, um punhado de pessoas reunidas como conselheiros constituíram-se em
muitos indivíduos considerados indesejáveis devido a seu envolvimento nos representação, proclamaram a destituição do governo, para me servir de suas
tumultos qiJ.ese sucediam desde o tempo de Gervásio.82 Ainda menos disci- expressões;e sem parar neste ponto, se ocuparam da formação imediata duma
plinada do que as unidades·da guarnição, politicamente motivada pela guer- nova junta temporária para governar a província até que os eleitores, disse-
ra na Bahia e fazendo corpo à parte, ela julgava-se a guardiã da liberdade ram, possam se reunir e proceder à eleição dum novo governo provisório. 85
pernambucana. A um norte-americano que a visitara havia meses no seu quar-
O estabelecimento do governo temporário presidido por Manuel de Car-
tel no Recôncavo, dera-se mesmo a entender que o compromisso com o Im-
valho e a aclamação de Barros Falcão como governador das armas, quando
perador cessaria uma vez expulso o exército de Madeira. E, com efeito, como
ainda se desconhecia sua nomeação pelo Imperador, eram um ato de salva-
2° batalhão de infantaria de Pernambuco, ela será o sustentáculo militar do
ção pública. Mas os federalistas tiveram dificuldade em impôr Carvalho, como
governo de Manuel de Carvalho. Mesmo que quisesse, Barros Falcão não po-
atestam os 32 votos que obteve num total de 109 sufrágios, o menor escore
comparado aos dos demais eleitos. O colegiado foi escolhido segundo o mo-
°
8 CCF, l 5.xi.1823; Barman, Brazil Theforgingof a nation,p. 121. delo da lei de 20 de outubro, compondo-se de presidente, secretário e Conse-
81 CCF, 25.xii.1823; CCNA, 14.xii.1823; PAN, 22, pp. 169-70; CWM, 315, p. 385. Eram lho Governativo de cinco vogais. Na expectativa da nomeação de presidente
oito os signatários; quatro pernambucanos: Andrade Lima, Ináció de Almeida Fortuna, Muniz
Tavares, Venâncio Henriques de Rezende; três paraibanos: Augusto Xavier de Carvalho, Joaquim
83
Manuel Carneiro da Cunha e José da Cruz Gouveia; e. um cearense, o padre José Martiniano de Manning, ii, pp. 754-5, 758; Exposiçãodosserviçosprestados,pp. 12-3; ltinerdrio.cronoM-
Alencar. gico,IAHGP. Ao redigir as recordações em que procurará limpar a barra com D. Pedro II, Barros
82 A tropa, que tol:idizava800 homens~-inclusive200 paraibanos, seguira para a Bahia em Falcão criticará a junta por haver renunciado apesar de dispor da força armada.
84
três levas: a 13 desetembroe a2.l de dezembro de 1822 eem prindpios de maio de 1823: Pereira PAN, 22, pp; 67-8; BNRJ, 1-31, 22, 1 e II 33, 5, 20, n. 2.
da C~r.i,.P~mby.; ~ itttaremancipacionistasda.Bahia,PP· 13, 49 .. 85
CCF, 15.xii.1823.

160
161
,
~1'"·
:

A OUTRA lNDEPENDllNCIA
j

pelo Imperador, debateu-se a questão de se a junta deveria governar até sua 4.


chegada, ou reunir o colégio eleitoral para formar novo governo. Se a organi-
zação do governo temporário destinara-se a impedir a acefalia da província, Vinte e Quatro (1)
o lógico teria sido mantê-lo até a chegada do delegado imperial. Mas os federa- (dezembro de 1823.:.junho de 1824)
listas, que tinham outros planos, forçaram a convocação do colégio para 8 de
janeiro de 1824, contra a opinião dos unitários, assentando-se que, na eventua-
lidade de o Presidente desembarcar no Recife antes da eleição, o cargo lhe seria
86
entregué, procedendo-se apenas ao pleito para o Conselho Governativo.
,A-tomada do poder pelos federalistas não teria sido factível sem a onda
.·de indignáção provocada pela dissoluçã.õ·aa·constfriiinte, a quãl se estendeu
se
--a--p~rted~~ unit.Irios.qUe sentia fogràOà pela perfídia u:npenãl, comoilus- • _Q gov~_!l,otemporário, improvisado a 13 .de dezembro por cidadãos do
,t~-~-ge~t~-dô pr6prio'ítiiros-Faiêio· de arrancar em público a condecoração . Recife e de O_linda, foi previsivelmente de co~~-d~zes.setlsü. ·cõmo•
,.que· o· Imperado·r-lhe ·coo.cedera pela campanlla da Bâhía, ."'dizendo que não eervásio ··--------'·~,
Pires Ferreii-a,:.M@JleLde-Garva:lho-Pais-d:e-Andr:iàe'era
' ..,_.,,_,_.... ,.,... ··::-;----:--------~
homêmll:-
queria nadá ter dum traidor", atitude imitada por outros oficiais. Um desses ~- Filho de um burocrata reinol casado em família da terra, participara dà-·
unitários dissidentes procurou explicar-se. Após a dissolução, os ~~d..~:alistas.._ Revolução de 1817 -com o irmão Francisco, refugiando-se nos Estados Uni-
•~~pando 4.~.;!divinhados{e,:;ldofu_tt1~0:•~_coJ:,ra.:rE11-lhe
sua oposição a Ger- dos, onde se enfronhara no constitucionalismo dos Pais Fundadores. O exí-
,-vásio.Mas ''eu quisera perguntar a estes meusi;enhores: qual s~~iao brasilei- _ lio teria feito dele (na caracterização de um parente) "um americano nas idéias,
-~ro patriota q~~-~~q~da época (não conhecendo a manha da besta), convida- nos modos e nos costumes [.. ;] ao ponto de abandonar a sua mulher, filha do
_dopa~;· i~fl~i~ ~~ i~dependência do. Brasil, hesltasse um só momento? De- barão de Itamaracá e sua prima, para ir viver com uma americana com quem
pois damão pa,;s-;_&é que se nota a má jogada"_lfTJviasfoi um mamfosto aas mais tarde se casou em segundas núpcias e da qual teve três filhas, que bati-
mulheres de Goiana, vila que tanto apoiara D. Pedro, que melhor articulou zou com os nomes de Estados americanos". No mesmo sentido é o testemu- •
a frustração dos seus partidários. O Imperador· nho de Barros Falcão: Carvalho pouco diferia "dos indivíduos dessa nação,
-não só na figura, aspecto, porte, costumes e maneiras, como também no ca-
soube de tal arte iludir-nos, que chegamps a adorá-lo como fundador e defen- ráter e até no seu modo de trajar". Maria Graham, que o conheceu na hora
sor da liberdade e independência do Brasil, [mas] traindo nossa confiança e crítica de agosto, registrou sua desenvoltura no manejo da língua inglesa e na
ingrato a tudo quanto em seu favor, temos feito, tirou finalmente a máscara discussão de·teoria constitucional, embora um partidário seu, ao reconhecer- •
hipócrita com que se disfa~çava e fez ver em toda a claridade que, se nos lhe temperamento prático, patriotismo e popularidade, lhe atribuísse "luzes
embalava com a Independência, era para mais facilmente nos adormecer mesquinhas". Cochrane, Lima e Silva e o cônsul americano o tinham na conta
sobre as suas verdadeiras intenções de nos escravizar, deslumbrados por aque- de determinado e empreendedor. 1
88
la palavra mágica que de tão grande fanatismo encheu nossas cabeças. -~ certo que, como P!e~('.ndea hist~riografia imperial, ~rvalho alimen-

86 Peras,n. 86; BNRJ, II- 33, 5, 20, ri. 2; Atas, i, PP· 214-8. 1 UlyssesBrandão,A Confederação do Equador,Recife,1924, pp. 194 e 239; Itineráriocro-
s7 CCNA, 14.:idi.1823;CCF, 15.xii.1823:BNRJ, I ,_;:;!g, 32, 39; nológicoe Folhasespars/JS',
Maria Graham, Diário de uma viagemao Brasii São Paulo, 1956, pp.
389,392; Brasi!Histtfrico,3, p. 79; PAN, 22, pp. 315 e 317; CCNA, 5.viii.1824.
ss Peças,n. 108.

163
162
VINTE E QUATRO (1)
A OUTRA lNDEPENDENCIA

medidas governamentais que poderiam servir tanto ao propósito de alcançar


tava o propósit~~~ pr()c:l~a.r_~1~1<1 "república pernam):>uçana"ou federaª9
o objetivo limitado da resistência ao golpe de Estado de novembro de 1823,
d.i.sprovr";~-i-;;;tribu~1:_i~
do, entreposto recifense; e que as rela._ções
que m~--
quanto ao de romper com o Império unitário.
teve~ÕmÕRi-;;ãté j~lho de 1824 destina.v_arri-se a encobrir seus_c::,bjetivo~~a
Se em 1817 Carvalho opusera-se terminantemente aos entendimentos
-<~-r-o~per com ~i~p~rador no momento apropriado. Já em dezembro, sa-
com o Rio, sua estadia nos Estados 'unidos servira para refinar suas opiniões
bia o cônsul francês ser sua intenção esconder o jogo ''o mais longo tempo
ppl(~icas.Intendente.da.1:1arinha desde a junta.d~ Gervásio, ele fizera ato de
possível, mediante protestos de união e de fidelidade", de modo a "adorme-
adesão à monarquia constitucional. Ta:xad~ de republicano e d~ ~~ter em
cer a Corte, que através de golpes prontamente desfechados, poderia operar
sua residência um clube secreto que articulava novo Dezessete, respondera com
uma reação imediata". Neste ínterim, disporia de tempo para preparar-se
a argumentação típica destes conversos, a de que, embora reconhecesse a su-
militarmente e para articular uma frente das províncias do Norte. Não tinha,
perioridade do sistema republicano, reputava-se "um liberal constitucional"
contudo, fundamento a versão corrente no Rio de que Carvalho estaria tão-
para quem o problema não consistia na chefia do Estado, mas na natureza do
somente à espera de flotilha encomendada no exterior. Antes do 2 de julho,
regime, que devia ser tão liberal quanto o das Cortes,de Lisboa, restringindo
ele apenas encomendou nos Estados Unidos uma corveta de dezoito peças,
I! severamente as prerrogativas _dopoder executivo, inclusive.mediante o autogo-
li
devidamente tripulada. Foi só após a ruptura que ordenou a aquisição em
li verno provincial, de modo a garantir a estabilidade e impedir que, "de ber-
1: Filadélfia de meia dúzia de canhoneiras e de dois navios a vapor na Inglater-
jl narda em bernarda", o país fosse "parar em uma pura democracia". 3 Sincero
ra, nenhum dos quais chegou a tempo, bem como a conversão de navios mer-
p
,i ou não, o apoio de Carvalho e dos federalistas à monarquia constitucional saíra
cantes portugueses seqüestrados no Recife. Na realidade, Carvalho só contou
\i naturalmente abalado da experiência de 1823, que os expusera à condição de
i1 com quatro barcos (brigues e escunas) tomados à marinha imperial, não con-
11 otários. É, aliás, plausível que muitos dos federalistas convertidos ao Império
siderando, aliás, a guerra marítíma como sua principal linha de defesa.2
li tivessem calculado que, mais dia, menos dia, a Corte terminaria por arrancar
:i Contudo, ao denundar o "separatismo" de Carvalho, a historiografia do
Í' a máscara-li&ral, justificando o regressp deles à antiga fé.
Impéci;;.r;t;·ignorar as cir~unstâncias específicas em que ele atuava, sobre-_
li Quando Carvalho assumiu o poder, a questão imediata dizia respeito à _
\udo sua dependência das correntes que o apoiàvam. O carvalhismo não era_
li chegada doJ~r~~~Q:~!lJ:~-4~. go01eação if!J:p_erial,que,ao comunicar a D. Pedró ',
uma facção puramente federalista, como havia sido o gervasismo, m~ in~r-
os eventos do dia 13, rogou fosse designado imediatamente, por não possuir
1 porara uma parcela dos unitários ressentidos com a dissolüção, alem da mas-
i a junta,_;~_.eorária o traque~~dagovernação. o mesmo argumento C-aiva-
sa pedrosista, que o governo dos matutos alienara ..A_força da coalizão fim-
lho usou em proclamações aos pernambucanos, justificando sua aceitação do
dava-se nos moderados e nos unitários dissidentes, que acreditavam podeiatin-
""'~- gir seus propósitos_~~b_a ~~~eira da rec~nvo?ção ~~~~~ão ~a
cargo em nome da defesa da Independência e da Liberdade do Brasil, amea-
çadas pelos "recentes sucessos da Corte do Rio de Janeiro". Mas segundo o
- -:mudança de regime. A postura ambígua adotada por Carvalho não se desn-
• nav;-~p~~~-~-~~bair o Rio nias lhe permitia escamotear as divergências no cônsul francês, que confirma o propósito do governo temporário de empossar
o delegado do Imperador, Carvalho tencionaria preservar a aparência de nor-
âmbito da aÍiança, prolongando-a enquanto fosse conveniente a seus propó-
malidade, utilizando a ocasião para acirrar o descontentamento com a Cor-
sitos, ademais de habilitá-lo a camuflar com os fins declarados da coalizão as
te, graças à impopularidade que acolheria autoridade estranha ao meio e des-
tituída de influência local. Para reforçar sua posição, ele anistiou os militares

2 ABN, 13; p. 16; CCF, 25.xii.1823; Armitage, Históriado Brasil PP· 79-81; Atas, i, PP·
222,227,289; CCF, 16 e 25.íi.1824; ArquivoHistóricodaJndependência, v, p. 127; ARCO, 7/6/ 3 Dias Martins, Os mártires,pp. 56-7; GazetaPernambucana,25.iii. e 14.viii.1823.
243/380; Brian Vale, lndependence
or Death!,p. 130.

165
164
VINn: E QUATRO (1)
A OUTRA !NOEPENOtNCIA

pedrosistas, que finalmente retornaram confiantemente aos quartéis, e exe- primeira manifestação historiável de matreirice política do futuro marquês de
cutou o edital do governo dos matutos relativo à expulsão dos portugueses, Olinda, que, como Regente do Império ePresidente por cinco vezes do Con-
além de ordenar a prisáó dos reinóis considerados inimigos da Independên- selho de Ministros no Segundo Reinado, se celebrizará por elas.5
cia, muitos deles enviados a Portugal ou a Fernando de Noronha, o expurgo A nomeação de Pais Barreto, ~ssinada quando ainda se desconhecia no
de funcionários civis, de militares e de eclesiásticos lusitanos, o confisco de Rio a destituição da junta.dos matutos, tinha de agravar o descontentamen-
séÚs.bens, etc. O mesmo objetivo de se~uzjr o nativismo poP,W,:U-. qansparece to com a dissolução; e não podendo ser creditada à ignorância da conjuntura
na ~leição para secretário do goyerno de um homem de cor, o Dr. José da Na- provincial, devia ser imputada ao objetivo de liquidar o federalismo. Em lu-
tividade Saldanha. Por fim, Carvalho despachou emissários às províncias vi- gar do forasteiro impopular com que contavam, os carvalhistas viam-se na
zinhas, como o constituinte padre José Martiniano de Alencar, com a tarefa . contingênci;i. de entregar o poder ao inimigo da véspera e de se r~signarem à
4 ,µmlação, por obra e graça de uma penada imperial, da suada v:itória de de-
de organizar o apoio à luta pela reconvocação. •
. Nos últimos dias de dezembro, o plano carvalhista foi atropelado pela zembro. É o que explica que recuassem da decisão de 13 de dezembro, no sen-
notícia da designação de País Barreto para a Presidência, de acordo, ali;is,com tido de empossar o Presidente caso chegasse antes da eleição prevista, resol-
a tendência das primeiras nomeações imperiais, que foi a de escolher perso- vendo criar o fato consumado de 8 de janeiro, quando o colégio eleitoral cem-
nalidades locais para as províncias do Norte, onde as suscetibilidades eram firmou Carvalho na Presidência por 110 votos n~m total de 150, e elegeu novo
vivas devido à abolição das juntas. Aliás, segundo versão que circulou na ter- Conselho Governativo composto de três dos membros da extinta junta tem-
ra D. Pedro só se teria fixado no nome do morgado em face das desistências porária e de dois novatos: 6
d~ Gervásio Pires Ferreira, Manuel Zeferino dos Santos e Pedro de Araújo Ao Imperador, o colégio eleitoral expliéóu a medida excepcional em vista
Lima. Gervásio encontrava-se no Rio, para onde seguira diretamente de Lis- das "circunstâncias melindrosas em que se acha toda a província", não só
bcraapós ser anistiado pela Abrilada, mas não é crível que o Imperador tives- devido à nomeação de Pais Barreto, que, com seus colegas de junta, haviam
se realmente cogitado de nomear quem há pouco reputara inconfiável, embo- confessadamente perdido a opinião pública, como constava da ata da reunião
ra o ministro austríaco informe ter sido Gervásio "bem acolhido''. na Corte, de 13 de dezembro; mas sobretudo à "desconfomça não pequena em que se
a fim de agradar os inimigos dos Andradas. Quanto a Manuel Zeferino ~os acham todos os habitantes [...] pelo extraordinário acontecimento que teve
Santos ou a Araújo Lima, a informação pode ter fundamento. Ambos haviam lugar nessa Corte no dia 12 de novembro", o qual fazia recear "o restabele-
representado Perna:mbuco nas Cortes de Lisboa; e à rafa da dissolução, Araú: cimento do antigo e sempre detestável despotismo", a que os pernambucanos
jo Lima chegara mesmo a ser nomeado ministro do Império, ~=go:de que foi estavam "dispostos a resistir corajosamente". Uma vez que a magnanimida-
dispensado três dias depois, a pedido, alegando falta de expenenc~a.e de co- de.imperial "tantas vezes tem reconhecido quanto é forçoso ceder à imperio-
nhecimento. Na verdade, além de não desejar alinhar-se com o parado portu- sa lei da necessidade" (referência impertinente à dissolução), o colégio de elei-
guês, preocupava-o a segurança da família em Pernambuco,_caso aceitasse o tores exprimia a esperança de que D. Pedro confirmasse sua decisão, "sem a
ministério. Araújo Lima preferiu passar algum tempc em Paris. Tratava-se da qual a província não poderá sossegar".7A favor da decisão do colégio eleito-

5 FC, p. 357; CWM, 315, pp. 311,356,365; Mello Moraes, Brasil-Reinoe Brasil-Império,
4 BNRJ, II -33, 5, 20, n. 2; CCF, 25.xii.1823;Peças,ns. 86, 88; 90 e 91; Atas,i, passim; ii, p. 563; ArquivoDiplomáticoda Independência,
iii, p. 248.
Pereira da Costa, Anaispernambucanos, 2• ed., íx, Recife, 1983, PP· 28-9. Carvalho antecipou-se 6 Diário~ Governo,12.xii.1823; Peças,n. 93.
de pouco à ordem imperial, de 3 de janeiro de 1824, relativa à expulsão dos portugueses que não
7 Peças,n. 93.
tivessemjurado fiddidacl.eà causa do. Brasil.

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166
A OUTRA lNDEPENDi!NCIA VlNTE E QUATRO (1)

ral, alegou-se que ela se baseava no direito de petição como também na velha pessimista: "os resultados desta reunião diminuíram sensivelmente a esperança
prática administrativa lusitana que consistia em sobreestar a execução de or- que tínhamos de que alguns momentos de reflexão produziriam talvez um
dem régia, à espera de sua reconsideração, por haver sido expedida com base retorno à moderação". 1 º
em informações errôneas ou insuficientes, no caso o.desconhecimento do Im- Pouco depois, conhecido o p,rojeto de Constituição, de autoria do Con-
perador acerca da renúncia do governo dos matutos e da impopularidade do selho de Estado, a insatisfação acentuou-se. "Tudo o que vem atualmente da
morgado. Praxi;!.in"6cada quando d9 J::jç_q, ao solicitar-se a Lisboa a suspen- Corte [escrevia Boileau] inspira demasiada desconfiança para ser favoravel-
8
são do decreto das Cortes que mandara o Príncipe regressar a Portugal. mente acolhido", de maneira que "a força é o único recurso que restará ao Rio
Outra decisão do colégio era mais grave. Quando da dissolução, D. Pe- de Janeiro para fazer a província voltar à ordem, enquanto ela esdver influen-
dro convocara eleições para nova Constituinte, que trabalharia sobre um pro- ciada pela facção que a domina no momento". A composição do Conselho
jeto de Constituição a ser elaborado por Conselho de Estado de sua nomea- era particularmente suspeita aos federalistas. No Rio mesmo, dava-se de ba-
ção. A fórmula não podia contentar os federaliscas,pois, indagava frei Caneca, rato que não haveria sistema representativo e que ou a primeira legislatura or-
dinária transformar-se-ia num anódino Conselho de Procuradores, ou, se
uma Assembléia que :rabalha sobre um projeto de Constituição oferecido recalcitrasse, seria mandada de volta para casa. Maciel da Costa, um dos au-
• por Sua Majestade seri;i.uma assembléia soberana constituinte, representa- tores do projeto, mostrava-se cético, considerando-o "demasiado democráti-
tiva da soberania. do Brasil? Parece-nos, e a muita gente limpa, que ela não co", o Brasil não comportando um regime que ninguém compreendia. Tam-
passará de um mero conselho ou Cortes[ ...] que [no Antigo Regime]não bém manifestava-se na Corte o desejo de que, à espera da consulta às Câma-
foram mais que um ajuntamento de suplicantes, tirados das três classes,clero, ras, o projeto já vigisse como Constituição. Não podia ser mais evidente a
nobreza e povo, sem a mais leve sombra do poder legislativo, quanto mais tramóia que se maquinava nas altas esferas. Na previsão de frei Caneca,
constituinte: 9
o q1.,1e
sucederá é que, formado o projeto, há-de ser remetido às Câmaras para
Logo, porém, o Imperador substituíra a idéia de nova Constituinte pelo fazerem reflexões suas para a reforma; ao depois, apesar de que as Câmaras
juramento, por parte das Câmaras do país, do projeto do Conselho de Esta- não tenham representação alguma e não sejam mais do que corpos elegidos
do, solução ainda mais desfavorável.O colégio eleitoral,.que ainda desconhecia pelas vilas e cidades para administrarem suas rendas com certas atribuições,
o recuo, negou-se unanimemente a eleger novos constituintes, alegando que e tudo o que é representação esteja concentrado nas Cortes, e nelas somen-
o processo constitucional fora interrompido pela violência e que a escolha de te e em mais ninguém, dir-se-á que são supérfluas as Cortes, porque já a na-
outros deputados era contrária à dignidade da província. A Assembléia Geral ção explicou a sua vontade pelos órgãos das Câmaras; e nisto vem a parar a
não perj~rara, cumprindo à risca os comprofi:!.issosassumidos no wcante à Constituição do Brasil. 11
preservação da integridade e Independência do Império, bem como da ma-
nutenção do caráter oficial do catolicismo e dos direitos de Sua Majestade e Dito e feito. Ao receber o projeto, a Câmara do Rio declarou-o imelho-
da sua dinastia, não podendo ser dissolvida a pretexto de excessos imputados rável, propondo-se jurá-lo a 8 de janeiro, aniversário do Fico, ímpeto adesista
a certos membros, tanto mais que os Andradas não haviam atentado contra que o Imperador teve de refrear, adiando a cerimônia para 25 de março, a fim
aqueles princípios. A raiz do 8 de janeiro, o cônsul da França mostrava-se de guardar as aparências por meio de um intervalo decente. Os habitantes da

10 Peças,n. 93; CCF, 19.i.1824.


8 FC,p.436:
11 CCF, 19.i.1824; CWM, 319, p. 352; 323, p. 189; FC, pp. 341-3.
9 Fc, p.337.

1.68 169
A OUTRA INDEPENDÊNCIA VINTE E QUATRO (1)

Corte declararam-se, sem exceção, em favor do texto, inclusive os liberais, que utilizavam para seus próprios fins a doutrina dos parti-
Ç>_s__federalistas
o acolheram com indisfarçável alívio. ~dários da monarquia absoluta, corno outrora o"Djspo~mãcfôf'J\zeíedo·· •
Nesté jogo de cartas marcadas, D. Pedro aplaudiu a sabedoria dos flu- Coutinho em resposta à Câmara de Igaraçu, que procurara fundar o poder
minenses; e a Câmara do Rio dirigiu-se às das outras capitais, concitando-as municipal numa delegação popuhir: "toda autoridade, jurisdição, honras e
a imitá-la. Caldeira Brant, enviado com a missão de obter o juramento na privilégios de que gozam as câmaras não são provenientes de eleições popu-
Bahia e em Pernambuco, obteve em fevereiro a' anuência da Câmara de Sal- lares, nem de·soberania do p0vo'', mas da Coroai ~em quem reside todo.po~.
der e autoridade da monarquia". Em Portugal, à ·teoria dos liberais do feitio l1
vador. Na Corte, sequer colocara-se a questão de se as Câmaras tinham repre- ili
sentatividade para aprovar o projeto em norn~ da nação, prevalecendo a con- de Hipólito José da Costa e de Rocha Loureiro, que enxergava.n1nas Cortes
veniência de sua dispersão e distância que as tornavam imunes às influências a forma embrionária de representação nacional sufocada pelo arbítrio da Co-
dernagógicas. 12 Mas frei Caneca verrumava: roa, opunham-se publicistas como o marquês de Penalva e Correia de Làcer- Ih
da, sustentando que o poder dos monarcas não decorria de um pacto funda- 111
Por que razão o Senado do Rio deve ser a bússola do Brasil ou {...] !1!
dor entre os primeiros reis e os vassalos, mas de títulos decorrentes de dote e
servir de guia a todas as demais províncias, mormente em negócios de tanta
de conquista. 15
monta? O Senado do Rio tem tanto direito para nos dar a lei, como o de
Em janeiro, no Rio, soube-se que algo se passara em Pernambuco. Nos
Maragogipe nessa Bahia e o da Jacoca na Paraíba do Norte. Antes, há uma
primeiros dias do mês, Cochrane transmitia ao ministério comunicação de
razão ponderosa pela qual nunca deve o Brasil lembrar-se do Senado do Rio
Hayden, chefe da estação naval no Recife, que se comprometera nas medidas
para seguir seu exemplo [...] a qual é que este Senado é a mais escrava de
repressivas tornadas pela junta dos matutos. Hayden informava acerca de urna
todas as dmaras das províncias do Império; é o Senado que nunca obra com
trama carvalhista para prendê-lo e capturar o•brigue Bahiq,sob seu coman-
liberdade pela imediata influência do ministério, por estar cercado de baio-
do. Intimado por Carvalho a apresentar suas ordens e instruções, Hayden
netas da facção portuguesa e no meio dos chumbeiros.S6 se elegem camaris-
pusera-se ao largo negando-se a reconhecer um "governo republicano". Os car-
tas aqueles que quer o partido dominante; e depois de eleitos, ou assinam
valhistas, contudo, se haviam assenhoreado de outro navio de guerra, o Inde-
de cruz as minutas que lhes são transmitidas pela facção portuguesa, oure-
pendênciaou Morte,que, rebatizado Constituiçãoou Morte, passara a ameaçar
digem seus trabalhos debaixo da sua influência e auspícios. 13
Hayden. Carvalho não atacou o Bahia,limitando-se a recusar abastecê-lo, de
Cortes,
das Câmaras, corn<?_'?.~~-~11~i_gas
, :t'i_o_1~~~!~9_.E_CII:_~1!~~.,_c>_p~der modo que, em breve, falto de víveres, Hayden viu-se forçado a partir. 16 As
não advilll1!_d_3:_!1_ª-~º-~ dºJtei, pois umas e outras "n_ão_são_reerese1_1_!_a_!!- decisões do colégio eleitoral foram conhecidas na Corte em finais de janeiro.
- tes dospovos; re:p_r~f!l..!.::till-..!.ffi.t.Pf.lQrpqvos".
A Câmara do Rio, ironizará Na- Referindo-se à repercussão do golpe de Estado, Mareschal notava que, enquan-
tividade Saldanha, tornava-se pelo Senado romano e decidia pelo Brasil, corno to as províncias do Sul e do Centro mostravam-se submissas, a Bahia e Per-
havia feito em 1822 o Conselho de Procuradores, que tampouco tivera com-
petência para aclamar D. Pedro fosse Defensor Perpétuo, fosse Imperador. 14 •
15 Gláucio Veiga, Históriadasidéiasda Faculdadede Direitodo Recife,i, p. 68; Graça e J. S.
da Silva Dias, Osprimórdiosda maçonariaem Portugal,i, ii, pp. 587-626.
12 Silva Lisboa. Apeloà honrabrasileira, do
p. 18; Agenor de Roure, Históriaconstitucional 16 Não, porém, sem criar dificuldades ao governo em face do confisco da carga de navio
Brasil,pp. 197 ss.;Octavio Tarquinio de Sousa, Vidade D. PedroI, ii, PP·597-600.
dinamarquês com mercadorias destinadas a comerciantes franceses do Recife; e do seqüestro de
_ 15 FC, pp. 381-2. importante soma enviada em navio português por uma casa de Londres à sua correspondente
14.FC, p. 353; ArgosPernambucano,
31.v. e 29.vi.1824. recifense.

170 l71
A OUTRA INDEPBNOl'.NCIA
VINTE E QUATRO (1)

nambuco, que se temia agirem de concerto, achavam-se em situação pré-insur- ma reação célere da Corte, de onde surgiam rumores do apresto de expedi-
·recional, estimando-se que todo o Norte faria o mesmo. Contudo, caso a Bahia , Ç,~C> _c~ntra J:>ernambuco; ou numa cisão enfr'e a tropa vinda da Bãhia e os
17 corpos da província. O fato de que Barros Fa~cão, antes da sua aclamação
não se declarasse, a contestação pernambucana diminuiria de gravidade.
Do ponto de vista do carvalhismo, a reação baiana à dissolução fora ini- como governador das armas, j~ estivesse nomeado pelo Imperador, tornava-
cial;ü:ente·encorajaclora, põ1sa Câmára de Salvador ameaçara separar a pro-:. º o chefe óbvio de um golpe c_ontraCarvalho, tanto mais que se apressara em
vinda-do ..Império se a Constituinte não fosse imediat:~~1_1te.reconvocada. . des~entir haver com~.t.id.Q.ª' espanholada d~ ~~~a,ncara insígnia da Ordem do
..,.½!g?,..P?ré111,dera marcha atrá~,.exigi11do_apet1as a ªP-t~<:11taçãô_g9 projeto 'Cruzeiro. Os carvalhistas não confiavam nele mas ·conseguirão neutralizar as
n()s perdido a escaramuça e seus chefes
haviam
Os feder:i]is!._as__~~~a:
~Í_IJ:_lperial. tentativas de aliciá-lo da parte dos morgadistas. Estes, porém, contavam com
foram obrigados a retirarem-se para o interior. Carvalho pensara contar com outros oficiais. Destitüfâo do seu fomando, Martins amotinou a cavalaria,
o governador das armas; Felisberto Caldeira Brant, 18 que, após seu assassinato parte dela desertando para Alagoas, onde incorporaram-na à guarnição local,
em outubro de 1824, será denunciado pda oficialidade baiana por cumplici- enquanto a outra, _comseu chefe, reuniu-se no Cabo a Pais Barreto e a um
.dade com a Confederação do Equador, "pelas amplas e seguríssimas promes- grupo de portugueses refugiadQS.Inseguro quanto ao apoio militar, CarvaÍho
sas de cooperação feitas aos chefes que a empreenderam". Segundo Accióli, ampliou o sistema de guardas cívicas que o governo dos matutos começara a
dava-se como certo disporem os carvalhistas do "apoio de alguns indivíduos desmobilizar, organizando contingentes de cem a duzentos homens, todos sob
de não pequeno vulto". Mas o único objetivo de Caldeira Brant era empol- comandantes designados pelo Presidente e recrutados entre a população e tam-
gar o comando da tropa, feito o que, com a deposição de Labatut, mudara bém entre a tropa de primeira linha e as milícias do interior, de modo a esva-
de posição. Em dezembro, Carvalho consultara a junta baiana sobre a disso- ziar o poder dos oficiais e dos capitães-mores reputados corcundas. Ao mesmo
lução; e em janeiro, enviou Venâncio Henriques de Rezende a Salvador, com tempo, novos recrutas eram misturados pelos três batalhões de infantaria. 2º
instruções para viajar à Corte na companhia de representante baiano, a fim Em fins de janeiro, malgrado os rumores que o diziam escarmentado pela
de fazerem gestão conjunta em favor da reconvocação. Mas o Presidente Fran- experiência do poder, Pais Barreto resolveu empossar-se. Independentemen-
cisco Vicente Viana respondeu-lhe em termos evasivos, intimando-o a partir te do desejo de desforrar-se dos adversários e de atender sua clientela políti-
ao saber que o padre contactara personalidades da província acerca da forma- ca, a desistência o teria deixado muito mal no Rio. A resposta das Câmaras à
ção de uma liga do Norte. 19 circular que ele lhes enviou era previsível: o Recife e a mata sul aprovavam a
Co_rtirª-Çaryaj~o1 os imperiais, também,designados por imperialistas, ou
__ posse, mas Olinda e a mata norte preferiam esperar a decisão do monarca so-
a
seja, os unitários que haviam: ~ceito disso1i.içãô..ê·o-morgado, apostavam nu-
--·-··-----••--~-··~·· --
bre a representação de 8 de janeiro. O morgado recorreu a Barros Falcão mas
como as gestões resultassem inoperantes, passou a intimidá-lo, informando
que se entenderia diretamente com os chefes regimentais. Escudado na lei de
17 Atas, i, pp. 219-20; ARCO, 5/5/465/10, 5/5/465/11, 5/5/465/6-7, 1/5/440/15; CCF,
20 de outubro, que proibia os governadores de armas de se imiscuírem em
25.xii.1823e 19.i., 26 e 29.ii.1824; Cochrane, Narraçãoriosserviços,pp. 122-3; DiáriorioGoverno, assuntos políticos, e no argumento de que Carvalho gozava da popularidade
31.i. e 3.ií.1824; CWM, 319, pp. 344-5, 350-1; Brian Vale, lndependence or Death!,pp. 114-5.
18 Primo homônimo do representante do Império ein Londres.
19 BNRJ, I - 31, 22, 1 e I 28, 32, 39; Inácio Accióli de Cerqueira e Silva,Memórias
históricasepollticasda provínciada Bahia, 2• ed., iv, Salvador, 1933, pp. 180-1, 194, 248, 260;
2
°CCF, 1° e 16.ii.1824;ACI, L, doe. n. 2.289; Luís Caldas Lins a BarrosFalcão, l 4.i.1824,
Katia de Queiroz Mattoso, "O Consulado francêsna Bahia em 1824»,Anaisdo ArquivoPúblico 1AHGP,A, 14; Antônio Joaquim de Mello, introdução a Obraspolíticase.literárias deftei Joaquim
da Bahia,39, pp. 155-6; Pereira da Costa, Pernambuconaslutasemancipacionistas da Bahia,pp. rioAmor Divino Caneca,i, p. 48; Peças,ns. 94, 95, 101; PAN, 22, pp. 205-7; Pereira da Costa,
50, 177s9; Tobias Monteiro, A elaboraçãoda lndependfncia,pp. 585 ss. Anaispernambucanos, ix, pp. 7-8.

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VINTE E QUATRO (l)
A OUTRA lNDEPENDeNCIA

de que carecia o morgado, Barros Falcão reuniu um conselho de oficiais (13.ii. Os cabeças do complô eram Felipe Néri Ferreira, nomeado Presidente
1824), que endossou sua posição, acusando Pais Barreto ao Rio de querer de- da Paraíba, Tomás Xavier Garcia de Almeida, juiz-de-fora do Recife e ex-cons-
sencadear a guerra civil. O Conselho Governativo achando-se dividido, Car- tituinte pelo Rio Grande. do Norte,Aleixo José de Oliveira, que, como Mar-
valho hesitou, ou ao menos foi o que temeram seus partidários, que insistiam tins, fora expurgado do exército P?r sua participação no episódio de Barata,
em esperar a resposta imperial. Convocou-se então o Grande Conselho de 21 Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcanti, 23 Manuel Clemente Caval-
dé'fevereiro, o qual re;1frrmoua decisão de $.de janeiro. Exceto a_dq_Ç!)bo,as canti, proprietário da Gazeta Pernambucana, o cirurgião Jerônimo Vilela Ta-
câmaras da mata sul não compareceràm. O morgado alegará que os represen- vares, o português Elias Coelho Cintra, principal negreiro da praça e grande
tantes municipais haviam sido escolhidos sem consulta e enviados sem ins- financiador da campanha contra o governo, além de membros da Câmara do
truções, muitos deles votando em Carvalho sob a coação dos insultos e das Recife. O papel de Muniz Tavares não foi nada honroso. De regresso a Per-
' • ~ 1 • à d o consu
.d,.ennca ,. 21•
,. l tirances. nambuco, após haver.combatido a dissolução, Carvalho encarregara-o de ob-
ameaças e, ns1cas, versao
.Estimulados pelas Câmaras do Rio e de Salvador, os imperiais começa- ter o apoio de Alagoas à reconvocação da Constituinte, mas ao retornar ban-
1 deara-se para os imperiais, "arrependido das suas loucuras" e convencido de
.rama agitar em proldo Juramento o proJeto. • a 1a, eua rant, não
se haver "desgarrado do verdadeiro caminho de fiel súdito". 24
1 a:·v1ã1ar
"'··se-arrísCarldo a Pernambuco, ameaçãva com a esquadra de Cochrane,
Barros Falcão tentou frustrar a conjura, obtendo o compromisso de obe-
esperada a qualquer momento consoante os votos ardentes .do comércio reci-
\ diência de Lamenha Lins e Correia Seara. Mas como a agitação subsistisse, a
fense, que fazia circular os falsos rumores de que ela já estaria nos Abrolhos e
de que o. Lord intimara Carvalho a recónhecer a autoridade imperial. A Câ- Câmara·de Olinda, que não confiava em Barros Falcão, ofereceu-se, caso ele
mara de Olinda seguia a tática de recusar uma definição até que oficialmente não conseguisse impor sua autoridade a meia dúzia de insubordinados, a con-
solicitada pelo Imperador·, mas sua congênere do Recife chamou a popula- citar as demais municipalidades a que fizessem descer o povo do interior, es-
ção a'pronunciar-se, brandindo parecer de Muniz Tavares que afiançava con- timado em mais de 20 mil homens armados. Barros Falcão reuniu a oficia-
ter o projeto "tudo quanto pode concorrer em geral para a prosperidade de lidade, concluindo que ela desejava manter-se alheia à disputa, embora fiéis
um Estado'' e urgindo o juramento em face da anuência de outras províncias. à Independência, à monarquia constitucional e ao Imperador. A grande maio-
A falta de comunicação oficial era irrelevante; e quanto às objeções a este ou ria da oficialidade julgava que a força armada não devia intervir em questão
àquele dispositivo, poderiam ser solucionadas através de emenda, quer ante- que se achava sob a alçada das câmaras. A minoria que se pronunciou sobre
rior à promulgação, quer posteriormenté, conforme os meios facultados no o mérito, ou anuía ao projeto sob a condição de que ele fosse devidamente
projeto. Os carvalhistas fizeram abortàr a manobra, mas Pais Barreto con- emen_dado; ou o condenava in tato por não emanar de Constituinte, exigin-
quistara o apoio dos comandantes da primeira e da terceira unidades de in- do sua reconvocação; ou o aceitava como proposto pelo Imperador. Não ti-
fantaria, Lamenha Lins e Correia Seara, recém-promovidos por bravura na
guerra da Bahia.22
23 Futuro visconde de Albuquerque e líder liberal na Regênciae no Segundo Reinado.
24 PAN, 22, pp. 360, 362-4, 367,403; Atas, i, p. 245; FC, pp. 384-5, 390,407, 411-2, 423-
2.1 CCF, 29.xii.1823 e 25.ii.1824; Atas, i, pp. 229, 231-2; BNRJ, 1-28, 32, 39 e 1-31, 6; BNRJ, I- 28, 32, 39; CCF, 15.v.1824; "Atestadosprovando que o padre Francisco Muniz
22, l; Peças,ns. 95 e 102. Tavares depois de dissolvidaa primeira Constituinte [sic]sempre empregou esforçosaconselhan-
22 FC,pp.384-5;Peças,ns. 111 e 120; CCF, 12.d6.ii.1824; PAN,22, pp.226,243; BNRJ, do a adoção do projeto de Constituição", IAHGP, A, 11; Diário tÚJ Governo[Rio de Janeiro], 1°,
1~ 31, 22, 1 e 1- 32, 1, 24, ri. 1;Atmitage, HistóriatÚJBrasi4p. 80; Pereira da Costa, Pernambu- 8 e 10.iv.1824.Para Elias Coelho Cintra, DH, cv, p. 246; e Marcus Carvalho, Liberdade,pp. 157-
8, que assinala.aconexão entre os negreiros e os unitários da província.
p. 25:
co nas lutas emancipacionistas,

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VINTE E QUATRO (l)
A OUTRA lNDEPENDlNCIA

Por fim, argumento geopolítico, Pernambuco achava-se cercado de pro-


nha, pois, razão Pais Barreto ao assegurar a D. Pedro que a tropa era favorá-
vel ao projeto, estando disposta a pronunciar-se tão logo soubesse do indefe- víncias_~uja tendência era in~ubitavelmente monárquica, argumento que já
25 fora unhzado em Dezessete, mdusive nos Estados Unidos. 26
rimento imperial à petição de 8 de janeiro ou surgisse força naval do Rio.
Em preparação da bernarda, os imperiais fizeram circular o boato de que Devido à maioría de oficiais que preferiram sentar-se no muro, não sur-
a república seria proclamada a 6 de março. Carvalho apressou-se em desmen- preende o malogro da quartelada de 20 de março, quando Lamenha Lins e .
Correia Seara sublevaram seus regimentos e prenderam Càrvalho na fortalê_-
•·tW;alertando a populaçã0 contra quem lhe atribuía a intenção de separar-se
za do Brum. Enquanto Barros Falcão hesitava entre o 2° batalhão, que se ne- •
do Império, impostura evidente, pois tal mudança não poderia realizar-se
contra o sentimento da maioria da província. Tratava-se, aliás, de argumen- gava a a~eitar o fato consumado, e opiniões moderadas, que sugeriam dar pos-
se ao Vice-Presidente Manuel Inácio de Carvalho, a Câmara de Olinda e o
to revelador: em vei, de condenar o sistema republicano e expressar fidelida-
corpo de artilharia ali sediado reagiram corn rapidez, libertando o Presiden-
de à monarquia constitucional, ele se limitava a reconhecer uma situação de
te. Só então o 2° regimento marchou para Olinda, acompanhado das guar-
fato. O desmentido deu azo à inquietação do carvalhismo moderado. Bafros
das cívicas e de uma multidão de populares armados. Os batalhões subleva-
Falcão fünçou proclamação definindo "nossa causa" como a de "adotar um
dos voltaram aos quartéis, embora muitos dos seus soldados acompanhassem
governo monárquico-constitucional, que sustente os direitos do honrado povo
Lamenha e Seara para o Cabo, onde Pais Barreto tentou instalar governo
brasileiro e que para sempre proscreva a antiga sujeição aos portugueses"• Ao
provisório e promoveu a tropa dissidente, que se tornou a base do exército
invé,sde denunciar o embuste dos inimigos, a Câmara de Olinda investiu con-
da Boa Ordem. Ao passo que solicitava ao Rio anistia para os soldados envol-
tra a república, como que advertindo Carvalho e os radicais. Após invocar o
vidos, Carvalho demitiu os oficiais rebeldes. Mas os imperiais não se deram
argumento histórico segundo o qual "o simples nome de república é entre nós
~or vencidos, procurando novamente (26 e 30.iii.1824) fazer aclamar o pro-
consternador, o seu simples som é suficiente para amedrontar, os inespera-
Jeto pela Câmara do Recife, iniciativa: outra vez tolhida pelos carvalhistas.27
dos acontecimentos do ano de 1817, obra terrível das críticas circunstâncias
Face à ofensiva do governo, Pais Barreto teve de se retirar com sua tro-
em que repentinamente se acharam colocados quatro homens, abriram pro-
pa para o outro lado da fronteira com Alagoas, instalando-se na Barra Gran-
fundas chagas nos corações dos bons pernambucanos, que ainda hoje gote-
de, nas cercanias do seu engenho do Junco, graças à conivência da junta pro-
jam negro sangue", a Câmara assinalava que
vincial, presidida pelo padre Francisco de Assis Barbosa. O governo alagoano
as revoluções políticas são como as da natureza. Não se fazem sem que os
corpos homogêneos vão lenta e exatamente tendendo para o mesmo ponto
e fim; uma nova ordem de coisas, um novo sistema de governo só se inswa 26 CCF, 28.ii.1824; Peças, ns. 119, 121 e 129; Léon Bourdon, josé Corrêa da Serra, am-
e mantém pela un!l.nimevontade de todo um grande povo. Como pois se bassadeurdu Royaume-Uni de Portugal et Brésil à Washington, 1816-1820, Paris, 1975, p. 265.
poderá plantar e sustentar a democracia no meio de um povo que se não 27 Peças,ns. 130, 131; PAN, 22, pp. 167-70, 226-8, 248-50; FC; pp. 404-7._Frei Caneca
lembra do nome de república? A mudança de governo não é obra de um afirma que o governo do morgado compunha-se de irmãos Súassunas, do deão da Sé, o Dr. Por-
dia, é trabalho de muitos anos. Não se consegue senão pelo geral arraiga- tugal, de José Carlos Mayrink e de Manuel Inácio de Carvalho: FC, p. 420. Nesta hip6tese, Car-
. mento de idéias análogas ao governo.que se pretende constituir. valho teria sido abandonado por dois membros do Conselho Governativo, Portugal e Manuel
Inácio, mas não existe fonte coeva que corrobore a afirmação. Pelo contrário, a representação do
cabido de Olinda, de abril de 1824, em defesa do Presidenre, foi assinada entre outros pelo deão
Portugal: PAN, 22, pp. 178-80. E Manuel Inácio receberá delegação de Carvalho para tocar aro-
tina administrativa. No manifesto de l O de maio, Carvalho refere que o morgado formara conse-
lho para o assessorar, mas não alude a no~es: vd. apêndice 2,
25 Folhas espàrras,Peças,ns.113-8; PAN, 22, pp. 223-:4, 226; BNRJ, 1- 31, 22, L

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A OUTRA INDEPENDÊNCIA
VINTE E QUATRO (1)

era grato ao morgado que, ao tempo da junta dos matutos, recusara-se a en- Ao receberem as primeiras notícias de Pernambuco, Imperador e minis-
viar tropa pernambucana para sufocar a sedição que de Porto Calvo derrubara tério não haviam duvidado da gravidade da situação. O cônsul dos Estados
a primeira junta e fizera eleger a atual. Mas havia considerações de maior pe- Unidos no Rio escrevia que
so. A família Pais Barreto tivera desde sempre conexões alagoanas e negar gua-
rida ao morgado e à sua tropa atrairia represálias, inclusive dos Mendonças, a posição cornada por Pernambuco é de quase rebelião. Desde a dissolução
que, donos do norte da província, haviam colocado Barbosa no poder. Te- da S.~n~tituinte, eles não _s~!=º~unicarn com este ~~yi:_rJ!-o, ao menos que
mia-se também que a contra-ofensiva da Corte redundasse na perda da auto- se saib~; suas gazetas exprirnern'..selivre e durament~ sobre os sucessos de no-·
nomia provincial obtida em 1817. A junta alagoana propôs assim um com- vembro, chegando ao ponto de chamar o Imperador de tirano e traidor; e·
promisso pelo qual Carvalho ficaria governando no Recife e na mata norte, e isto debaixo do nariz do governo provincial. Eles decretaram a· expatriação
o morgado no sul de Pernambuco, enquanto os Mendonças reforçavam a dos portugueses, perseveram na recusa em empossar o Presidente nomeado
Barra Grande com as milícias que chefiavam e com os índios de Jacuípe. 28 pelo Imperador, estabelecem seus-próprios regulamentos comerciais e, por
Como parte do jogo, Carvalho timbrava em manter o Rio informado fim, ignoram todas as ordens do governo do Rio. Contudo, fazem um simu-
' •

dos sucessos políticos e das questões de rotina. O governo imperial, contu- lacro de adesão, agem no nome de Sua Majestade e até professam confiança
do, recusava-se não só a comunicar-se com ele mas até a responder às autori- no seu liberalismopes;oal e comtitucionalismo, atribuindo seu despótico co~-
dades que reconhecia, como o colégio de eleitores e o governador das armas. portamento em novembro ao fato de ser coagido pelas tropas, cuja influên-
Para o lmper<).dor e o ministério, a formação do governo de 8 de janeiro, cia recomendam que seja em ocasião futura evitada mediante a reunião da
quando já se sabia da nomeação do morgado, e a negativa em empossá-lo eram Constituinte original em alguma província distante da Corte. 30

atos de rebelião e de crime de lesa-majestade como definido nas "Ordenações". , Tendo corrido o rumor de que Carvalho gegjonay:a_a__neutralidade.da
Pais Barreto possuía todos os títulos para presidir a província: fora o mem- Inglaterra e ~9s §.!~~~~-.!!.
nidos em troca da ab~lição imediata do tráfico e
bro mais votado da junta dos matutos e desfrutava de fortuna e de elevada
de concessões ~~gi~rci~i~P.'. Pedmfü:ara a tal_ponto alarmado que buscara •
posição social. A experiência indicava que os homens probos mas de talento recuper~_os liberais fluminenses alienados por José Bonifácio. 31 A alegação
modesto desincumbiam-se dos negócios públicos com.o acerto que faltava aos de que o governo de Carvalho nãÔ.se·corrêspondia com o Rio é incorretã~
talentosos, inclinados a promoverem mudanças intempestivas. Além da irre-
1 gularidade consistente em que alguns dos eleitos haviam obtido sufrágios em
~o vimos, mas indica o desconhecimento em que o ministério OeIXav·a--a----
, Cort~ _a_ç~sgJ~-êômunicações ôt,}~is rêcê6Idis"êfi'p_ro_v~1-,
n-c-i;·:····---·----·--···.
·-----··------·
número superior ao de eleitores, a assembléia de 8 de janeiro carecera de re- Em vez da esquadra, o Imperador teve de se contentar com o envio de
presentatividade, devido à ausência de mais da metade do colégio, pessoas de simples flotilha, o que Cochrane julgava insuficiente. O almirante atirava a
bem do Recife e de Olinda e delegados do centro da província, onde só se pro- culpa pelo despreparo naval sobre o ministério, em especial Maciel da Costa,
.' •
testava o bed 1enc1a_ao 1 o d e seu rei• velh o " .29
"filh
ministro do Império, e Vilela Barbosa, da Marinha, ambos interessados, se-
gundo dizia, em manter em banho-maria o estado pré-insurrecional do Nor-
te a fim de permanecerem no poder. Tampouco Cochrane desejava arredar
28FC, p. 552; Craveiro Costa, "A Confederação.doEquador e a província:das Alagoas", o pé do Rio sem haver recebido sua parte das presas feitas na Bahia e no Ma-
Revistado_InstitutoArqueológicoe Geogrd.fico
A!agoano;1 O, pp. 1O, 17.
29 Atas, i, pp. 239,244,246,250, 274-5, 282; José da SilvaLisboa, Rebatebrasileirocontra
30
, o .ªTyphisPernambut;ano';Rio .deJaneiro, 18.24,pp. 4-5, 7-10, e.Históriacuriosado maufim de Manning, ii, pp. 777-8.
Carvalhoe companhiaà bordoadadepau~brasiiRio de Janeiro,:l.824, p. 2. 31
CWM, 319, p. 357; Tobias Monteiro, Oprimeiro Reinado,i, pp. 144-5.

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A OUTRA INDEPENDWCIA 1 VINTE E QUATRO (1)

ções oficiais, inclusive a petição do colégio eleitoral, não haviam chegado ao


ranhão; e o Conselho de Estado tampouco queria mandá-lG>. a Pernambuco
l~perador. Na realidade, os expedientes tinham seguido a 12 e a 19 de ja-
antes de solucionada a disputa, devido ao perigo de que ele se bandeasse para
í nei_ro,mas a Corte nada informara a Taylor.33
os revoltosos. A força de quatro navios sob o comando de John Taylor levan-
Em seu lugar, desembarcou.o capitão de mar-e-guerra Luís Barroso Pe-
tou ferro a 2 de março. Suas instruções previam que, .caso ainda houvesse • 34
rena, com uma apresentação de Taylor a Barros Falcão que o dizia homem
oposição à posse de Pais Barreto, ele submeteria. 9 Re~ife a bloq~eio, man- 1
·. ••( • da coo.ôança de D. Pedro. Barroso transmitiu a ordem imperial e, em parti-
dando Carvalho e outros perturbadores presos par_ao Rio; se o margado ho~-
cular, ofereceu ao governador das armas pô-lo a salvo com a família. O secre-
vesse assumido, deveria ficar cruzando no litoral até segunda. ordem. O mi-
tário do go_vernode nomeação imperial, José Paulino de Almeida e Albuquer-
nistério esperava que o juramento do projeto na Bahia tivesse um efeito_d~-
que, tambem procurou atraí-lo com a promessa de recompensas profissionais. .
minó em Pernambuco, ou que a ameaça de bloqueio bastasse para desntmr
B~ros Falcão limitou-se a enviar a Taylor a correspondência que trocara com
Carvalho, tanto mais que se subestimava a capacidade de resistência d~ car-
Pais Barreto. Sua cautela era, aliás, compreensível, em vista das desconfian-
valhismo, que se julgava não ultrapassaria o prazo de um mês, face às dificul-
• .· da 32 ças carvalhistas ti seu respeito. Frei Caneca, por exemplo, interpelara-o sobre
dades de aprovmonamento praça. , rumores de que pretendia abandonar a causa; e um grupo de exaltados inter-
A 31 de março, a flotilha fundeou no ancoradouro externo, apos haver
rompera conferência sua com Carvalho, alegando que o governador das armas
d~enibarcado na Barra Grande um reforço de soldados para o exército da Boa
viera prender o Presidente. Em face destas pressões contraditórias, Barros
Ordem. Taylor tentou uma solução pacífica antes de passar às vias de fato da
Falcão e a oficialidade em posto no Recife enviaram memorial a D. Pedro
declaração do bloqueio, o recurso imediato à força sendo incompatível com
solicitando a confirmação de Carvalho ou, na impossibilidade desta, a desig~
os apregoados princípios liberais de D. Pedro e apto a gerar problemas nas
nação de tertius.35
relações do Rio com as nações que comerciavam no Recife, que eram tam-
Na base de proposta da Câmara de Olinda, Barros Falcão e Taylor con-
bém as potências navais com quem se negociava o reconheciment~ da Ind~-
cordaram em submeter novamente o assunto à consideração de um Grande
pendência. Asgestões de Pais Barreto para coordenarem as operaçoes maríti-
Conselho. Os radicais utilizaram-no para demonstrar sua determinação, adver-
mas e terrestres, Taylor respondeu com um apelo à conciliação mediante a
tindo em manifesto para as conseqüências da posse de Pais Barreto, "homem
desmobilização da tropa, regresso dos milicianos às suas casas_edos sold~~os
indigno que quer governar somente para praticar vinganças, para dar empre-
de linha aos seus quartéis, com a garantia de que não sofrenam represálias
?ºs / p~rentes e ap~niguados [...] malvado que por três vezes tem soprado o
•carvalhistas. Não podendo ter lugar um encontro entre Taylor e Barros Fal-
mcendio da anarquia em nossa cara pátria[ ...] baixo protetor dos marinhei-
cão (um não ousava desembarcar, o outro ir a bordo da capitânea), o coman-
ros, nossos mais encarniçados inimigos [...) vil escravo que beija hoje os fer-
1 dante solicitou a divulgação de manifesto em que conci:ava a proví~cia a
\i ros que, nu e faminto, arrastou, só porque hoje são ferros dourados". Caso o
empossar Pais Barreto e afirmava não aceitar outro Presidente, aduzm_do,
porém, que, contrariamente ao que veiculavaQlos carvalhistas, as comunica-

33 cw:M, 320, p. 409; Peças,ns. 141-3; Manning, ii, p. 777; FC, p. 418.
32 Cochrane, Narraçãodos serviços,PP· 118, }26-7d3l, 142; Documentospara a história 34 Ofuturo almirante Barroso, que havia participado da expedição naval de 1817 contra
da Independêncui,p. 457; ABN, 60, PP· 126-7; ARCO; 7/6/243/147-149; ~'.,319, PP· 3~1- Pernambuco.
3, 369, 371; BNRJ, I - 31, 22, l; Diário do Governo,19.v.1824; L. A. B01teux, A armada tm· 35 Peças,ns. J42-l44; RIAP, 22 (1920), pp. 137-43; Itinerdriocronológico; PAN, 22, pp.
perial contraposta à Confederação do Equador", Subsídiospara a história·marltimado Brasi~13,
229-37; O Propug,iador,13.vii.1824. Na eventualidade de Carvalho não ser confirmado, areº
p. 38. Para a disputa em torno das presas, Brian Vale, "O almirante Cochrane e a questão das pre-
presentação enfatizava a necessidade de que não fosse punido pois não cometera crime.
sas~,Navigawr, 8,·pp.·63-74; e IndependenceQrDe.ath!,PP· 97.ss, •

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A OUTRA lNDEPENDl!NClA VINTE E QUATRO (l)

morgado assumisse, os pernambucanos livres conheceriam a proscrição, o desafeição e desconfiança dos povos, que poderão persuadir-se que Sua Ma-
cárcere, o desterro e a morte às mãos da "vil cáfila dos escravos". Nesta even- jestade os quer governar por caprichos, com manifesta ruína do seu bem
tualidade, "diga antes o mundo 'aquele deserto foi Pernambuco, seus habi- estar, lembrando-nos que um monarca, quando incorre na desconfiança dá
tantes acabaram como dignos brasileiros'; e nunca digam 'ali é um país de nação, é imediatamente reputado um inimigo interno, e fica desde então à bor-
escravos e perjuros"'. Pela primeira vez D. Pedro era frontalmente atacado. da do abismo da ruína, muito principalmente no tempo de agora, em que o
espírim público do Brasil se acha na maior e mais temerosa efervescência,
O Imperador queixa-se zeloso das suas atribuições. E quem primeiro pela dissolução injusta e arbitrária da soberana Assembléia Constituinte, ao
quebrou os vínculos que firmavam o nosso pacto? Era porventura atribui- ponto de já haver províncias, como a do Ceará, que se têm declarado posi-
ção dele dissolver a Soberana Ass~mbléia? Era sua atribt.tlção f~er o projeto tivamente pela separação e desmembração do Império, se Sua Majestade não
e querer obrigar a aceitá-lo? convocar já e já as novas Cortes que nos constituam; e é muito de recear-se
que esta faísca produza o incêndio em todo o Norte do Império e que o Sul
Mas a unidade brasileira não era posta em causa. Pelo contrário, "vossa
não fique mudo e estupefacto espectador deste sucesso.
constância sustentará a de vossos irmãos do Norte e tirará os do Sul do ver-
gonhoso letargo em que jazem".36
Posto o assunto a votos, a permanência de Carvalho foi unanimemente
Em vão Taylor despachou emissários para converter as Câmaras da ma-
aprovada. Mas em vista da alegação de Taylor de que o Imperador não rece-
ta norte. Provavelmente estimulados por Pais Barreto, a quem desagradava a
bera as petições da província, o que induzia a crer•que o ministério as teria
moderação do oficial inglês, os delegados da mata sul não compareceram.
subtraído ao seu conhecimento, resolveu-se enviar-lhe delegação para lhe ex-
Pretextando não falar correntemente o português, Taylor fez-se representar
por de viva voz o problema.3 8 •
por Barroso. A 7 de abril, sob a presidência de Venâncio Henriques de Re-
Os carvalhistas haviam cultivado a impressão de que a viagem da depu-
zende, reuniram-se cerca de duzentos indivíduos esmagadoramente carva-
tação adiaria o bloqueio até seu regresso. Taylor, porém, proclamou-o río dia
lhi:stas, num clima de exaltação, descrito por Barroso e que o cônsul francês
seguinte no Recife e em portos do litoral como Itamaracá e Sirinhaém (onde
comparou à dos clubes revolucionários do Paris de 1793. Embora na sua pro-
Carvalho proporá estabelecer alfândegas), declarando a Assembléia um ato de
clamação Taylor não houvesse exigido a entrega de Carvalho e dos aliados, o
rebelião, orquestrado por demagogos e radicais, e convidando o exército a
boato corria de que ele recebera ordens neste sentido.,
rebelar-se contra Carvalho e Barros Falcão. O Presidente replicou com um
__Como se to~nará costumeiro, C?_~i:>~_~Jr~LÇa[!eçaJormular <!-posição
ataque ao mercenário que julgava intimidar a província com suas bravatas, de
..,carvalhista.Os foderal~tas reconheciam.o direito <lo Imperador a.nomear o
modo a persuadir a população de que Taylor agira sem autorização imperial,
, Presi~~nte.37 Mas a nomeação do morgado só visava preparar a província para
embora fizesse alusões a que "os momentos de ilusão são passados" (fórmula
o jurame~to da Ç<J_nstituição.Frei ê~D.iecãT0voCivã-sõ6retudo o interesse
reminiscente da proclamação imperial de agosto de 1822, que afirmara ha-
político de D. Pedro na tranqÜÚidade da proví~da. NégârpõsseãPãis Barre-
to pouparia o soberano-da • • • - '" • - •- ver passado "o tempo de enganar os homens"), de vez que os povos conheciam
,i seus direitos e a que "cada cidadão é um Washington" na defesa da liberdade

38 Peças,ns. 136-141; FC, pp. 537-43, 626-8; CCF, 8.iv.1824; RIAP, 6 (1890), pp. 26-8;
36.Peças,n. 146. BNRJ, II 32, 1, 11; O Propugnador,7.iv:1824;Teotônio Meírelesda Silva,Apontamentospara
37 Embora insinuassem,COfll.Ofará Carvalhono manifestode 1° de maip; a incoerênciado a históriada marinha, 3 vols., Rio de Janeiro, 1881-1883, ii, pp. 280-5. Embora Barrosorefira-se
Imperador ao quêrerrexecutarlei votada pela O:>rutituinteque ele·pr6prio dissolvera. a 180 pessoaspresentesà reunião, a correspondenteara contém 319 assinaturas.

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A OUTRA INDEPENDENCIA VINTE E QUATRO (1)

contra os inimigos do sistema constitucional. Ao Rio, Carvalho acusou Taylor O fiasco do levante de 20 de março fora conhecido no Rio em meados
de cobrir com a autoridade imperíal a arbitrariedade praticada contra o &: de abril. E quando se esperava a notícia da posse de Pais Barreto, recebeu-se
reiro de petição. Os carvalhistas moderados sustentaram-no, negando a exis- o relato de Taylor sobre a assembléia de 7 de abril, a que se ajuntavam as no-
tência de veleidades republicanas, das quais, segundo Barros Falcão, "já se vas, veiculadas por jornais do No.rte escapos à censura imperial, da proclama-
zomba aqui, por. serem estas as armas de que os caluniadores se têm servido ção da república em Quixeramobim e no lcó (Ceará). Falava-se também de
em outro tempo para denegrir a honra, o patriotismo e o brio dos pernam- instabilidade na Bahia, onde se exprimiam publicamente ;~ntimentos prl •• •
bucanos". O cabido de Olinda dirigiu-se ao Imperador para desmentir que a pernambucanos, de mistura com ataques e insultos aos portugueses. Ademais,
província estivesse rebelada e para pedir a suspensão do bloqueio, que preju:- prosseguia o impasse entre Cochràne e o ministério. Nestas circunstâncias,
dicava sobretudo as camadas pobres. À flotilha foram conduzidos o emissá- Maciel da Costa e Carneiro de Campos convenceram D. Pedro a adotar a
rio de Taylor à mata norte e uma dúzia de autoridades, inclusive Bernardo solução do tertius sugerida na representação de Barros Falcão. O Imperador
José da Gama, detido em março ao desembarcar, e outros membros recém- daria uma prova da sua magnanimidade e, tirando aos carvalhistas o pretex-
chegados da Relação, que se haviam recusado a reconhecer Carvalho. Os im- to do morgado, colocá-los-ia contra a parede quanto ao juramento da Cons-
periais, repetidamente decepcionados com Barros Falcão, perderam finalmen- tituição. Embora se propalasse que Carvalho poderia ser eventualmente con-
te as esperanças de contar com ele para mudar a situação. 39 firmado, tal possibilidade era negada pelos porta-vozes da Corte. Ocorria
Taylor abandonara as expectativas de solução negociada, informando a apenas, como acentuava Silva Lisboa, que o sistema constitucional "não ad-
Cochrane que Carvalho continuava a enviar emissários ao Norte com papéis mite como regra de governo a jurisprudência do tambor e arcabuz senão em
incendiários e somas de dinheiro; quanto a Barros Falc;ão,tratava-se de um casos extremos". 41
fraco e irresoluto. A reunião do Grande Conselho fora uma fuga em frente, Em lugar de Pais Barreto, foi nomeado José Carlos Mayrink da Silva
ditada pelo temor dos càrvalhistas mais ativos de que, sem Carvalho na Presi- Ferrão. A fim de evitar uma guerra civil, D. Pedro resolvera-se por um nome
dência, eles seriam submetidos a perseguições e retaliações. Por conseguinte, consensual, prometendo anistia aos que reconhecessem Mayrink, sem que,
"nas atuais circunstâncias já não são admissíveis meios de doçura; só a força, contudo, se tivesse anulado o capítulo das instruções de Taylor, que ordena-
o terror e a severidade podem obter o fim desejado e restituir a ordem e a tran- va a prisão de Carvalho e dos radicais. Conjecturou Barbosa Lima Sobrinho
qüilidade pública a esta desgraçada província". Urgia atuar antes que todo o que, assinado em dezembro, o decreto teria evitadó aformação dos partidos
Norte se declarasse independem~. Embora no Recife não entrasse sequer uma e a própria Confederação do Equador, asserção inaceitável em vista do fato
jangada, cumpria reforçar o bloqueio ao longo do litoral com embarcações de de que carvalhistas e imperiais eram, grosso modo, apenas as etiquetas recen-
pequeno porte, enviar mais vasos de guerra para intimidar as províncias vizi- tes dos grupos que disputavam o poder desde 1821. Seria igualmente ingê-
nhas e despachar uma força de terra que se reunisse à tropa de Pais Barreto nuo supor, como Costa Porto, que "houvesse Mayrink assumido a Presidên-
em Alagoas.Ao Presidente da Bahia, Taylor solicitou a remessa de contingente cia, tudo se teria normalizado". Natural de Minas (era irmão da Marília can-
que, unido aos morgadistas, atacasse o Recife sob a proteção dos canhões da tada por Tomás Antônio Gonzaga), viera para Pernambuco havia mais de
flotilha. 40 quinze anos como secretário do governador Caetano Pinto, que arranjara seu
casamento com uma sobrinha de Gervásio Pires Ferreira. Graças à cautela
39 Peças,ns. 145, 160; BNRJ, II - 32, 1, II; PAN, 22, pp. 178, 181-4, 238, 308-10; e
CCF, 8.iv.1824; Atas, i, p. 248; ARCO, 7/6/244/60-61, 41
CWM, 320, pp. 396, 399-400, 405; Manning, ii, pp. 778, 790-1; Silva Lisboa, Rebate,
40 ARCO, 7/6/244/60-61, 1/5/449/30-33,l/5/449/25°7; L. A. Boiteux, "A armada impe- P· 14; Cochrane, Narraçãodosserviços,pp. 140-2, 150; Diário Fluminense,7.xii.1824; Tobias
rial", pp. 54-5, 57, 61. Monteiro, OprimeiroReinado,i, pp. 144-5.

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A OUTRA lNDEPENDtNCIA VINTE E QUATRO (l}

nativa, evitara todos os escolhos do período. Em Dezessete, a junta republi- _ A entrevista transcorreu em clima de intimidação. D. Pedro timbrou em
can~ mantivera-o no cargo, devido à sua experiência administrativa, embora receber os emissários na companhia de Martins, que após sua destituição viera
ele procurasse delicadamente escusar-se. Esmagada a revolução, juntara-se a para o Rio, tornando-se companheiro das suas aventuras noturnas. Às pala-
Henry Koster para intermediar a rendição do Recife. Luís do Rego protege- vras de Torreão, o Imperador lim,itou-se a responder "Sinto que os pernam-
ra-o da Alçada, escondera-o em palácio, ajudara-o a fugir para a França e con- bucanos me tenham sido traidores". Antônio Pereira Pinto registra fórmula
vencera D. João VI da sua inocência. De volta ao Recife, Mayrink fizera par-. • • mais digna: "?int?.inflnito que o Res4e nª-o obedecesse às.111\~9-as
ordens, pois
te da junta formada pelo seu protetor, articulando a resistência da mata sul a província de Pernambuco sempre me tem sido fiel e obediente. Assim que-
ao movimento de Goiana. 42 ro que lá o façam·constar". Uma variante ("estava certo que toda a província
Antes de conhecer-se a nomeação de Mayrink, partia do Recife a dele- de Pernambuco lhe era obediente; e só o Recife era que se opunha às suas or-
gação tripartite que o Grande Conselho resolvera enviar ao Imperador. Es- dens") consta do manifesto dos delegados no regresso a Pernambuco. Ao ten-
friado o ardor jacobino, ela recebera autorização, na hipótese provável da re- tar redargüir, Torreão foi interrompido pela advertência: "Não preciso que
jeição de Carvalho, para pleitear a solução do tertiusdefendida pelos militares me diga nada; eu sei mais do que Vosmecê a história de sua província". Ele
e hostilizada ·pelos radicais, mas sem poderes para tratar da questão do jura- ainda quis treplicar mas "o homem, com os olhos chamejantes, pondo nabo-
mento ao projeto de Constituição, que a esta altura Carvalho ainda conside- ca o dedo indicador, deu-me um psiu, dizendo em seguida 'nem mais uma
rava estar afeta às Câmaras. A chefia da deputação foi confiada a um unitário palavra"'. E ao solicitar Torreão licença para retirar-se, ouvia como resposta:
dissidente, Basílio Quaresma Torreão, revolucionário de 1817 que desempe- "Quanto antes". Na Corte, deu-se aparentemente o assunto por encerrado,
nhara importante papel na derrota do levante de 20 de março. A missão de- tanto que se autoriwu Taylor a regressar logo que Mayrink houvesse assumi-
sembarcou na Corte a 2 de maio, e, ao saber da designação de Mayrink, deu do e sido cumpridas todas as instruções, entenda-se a prisão de Carvalho e
sua tarefa por concluída. No Conselho de Estado, contra Pereira da Fonseca dos chefes radicais.44
e Silva Lisboa, que queriam a prisão dos delegados, e Ferreira França e Luís (Com _adeclaração de bloqueio, o carvalhismo moderado começara a
José de Carvalho e Melo, que sugeriam deixá-los mofando numa ante-sala do ,perder !q_~eno.A.e_ósa parti~~A~!l:i:~5-~?!_~~<:_~~-':~~e
a notícia do juramento
paço, prevaleceu uma vez mais a opinião de Maciel da Costa e Carneiro de da Congituição_~o Rio (25,iii.1824). Carvalho já nã~ pÔ;_:na-ronCentràr-seni
Campos, de que fossem recebidos. Um grupo de liberais fluminenses, entre questão de Pais Barreto contornando a do juramento do projeto. Os radicais,
os quais Evaristo da Veiga, encontrou-se secretamente com Torreão, para alarmados com a idéia do tertius,julg.avam que outro Presidente de nomea-
exortá-lo à prudência, deixando de lado "esses exaltamentos de Pernambuco". ção imperial seria tão inaceitável quanto o morgado, e colocaria o governo na
Na audiência imperial, após os protestos de fidelidade ao trono, Torreão su- posição de recusar-se pela segunda vez a empossar o delegado do Imperador.
mariou os acontecimentos da província e~tre a renúncia do governo dos ma- E os aliados de Carvalho no Norte, especialmente no Ceará, esperavam o
tutos e a declaração do bloqueio, agradecendo a indicação de Mayrink, sem "nego" pernambucano para se declararem contra o projeto. Este fora oficial-
tocar no juramento do projeto. 43 mente transmitido por decreto de 11 de março, o qual ordenava se celebras-

42
Peças,n. 153; Dias Martins, Osmártires, pp. i 73-4; Atas,i, pp. 31, 36; Barbosa Lima
Sobrinho, Pernambuco: da lndependmâa à Confederação do Equador, p. 186; Costa Porto, Peque• Brasília, 2002, i, pp. 766-8; BrasilHistórico, 3, pp. 80_e 103-4; FC, p. 480; DiárioFluminense,
nahistóriada Confederação do Equador,Recife, 1974, p. 53; Edgardo Pires Ferreira, A mística
do 22.v. e 2.vi.1824. A alegação acerca de Silva Llsboa não parece procedente, pois ao saber da che-
parentesco,
i, São Paulo, 1987,p. 7. gada da depuração, ele escreviaque o governo imperial deveria ouvi-la: Rebate, p. 15.
43 Textos
políticos
da história
do Brasi4 44
Paulo Bonavides e Roberto Amaral (eds.), 3• ed., • Brasil
Histórico,
3, p. 104; RIHGB, 29, ii, 2, p. 89; ARCO, 5/5/465/79.

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-AOUTRA INOEPENDSNC!A VINTE E QUATRO (1)

se o juramento na província, "por ter subido à imperial presença representa- quando aqueles sujeitos do sício do Ipiranga, no seu exaltado entusiasmo,
ções de tantas Câmaras do Império, que formam já a maioria do povo brasi- aclamaram a Sua Majestade Imperial e foram imitados pelos aferventados
leiro". Frei Caneca denunciou o estratagema. fluminenses, Bahia podia constituir-se república;Alagoas, Pernambuco, Pa-
raíba, Rio Grande, Ceará e Piauí, federação;Sergipe d'El Rei, reino; Mara-
Se acaso se deve discutir o projeto, para ser adotado ou não, visto ain- nhão e Pará, monarquia constitucional;Rio Grande do Sul, estadodespótico.
da não se·haver tratado deste p.egócio,que vem fazer o decreto_que o man- No m_ei'?.1~as possibilidades, o Rio, pelo poder soberano que tinha no seu·
da jurar? E se acaso, em virt~de do decreto, se dê~~j~rar sem falência, êo~e1 • território, aclamou a Sua Majestade Imperador constitucional, e então Sua
se manda discutir e oferecer ao arbítrio dos povos? [...] Por que r~o se não Majestade não ficou mais do que Imperador do Rio de Janeiro.
havia mandar a Pernambuco discutir este ponto em tempo hábil, como às
demais províncias?45 Ocorrera, porém, que

Tratava-se de mais um "artifício do ministério", as outras províncias, ou seduzidas pelos emissários do Rio, ou por seu mes-
mo conhecimento, esperando que nesta forma de governo podiam achar a
porque, não havendo no Norte mais que uma só Câmara [a de Natal] que felicidàde a que aspirav:am, foram-se chegando muito de sua vontade aos
[...] não fez mais do que ser o eixo do Senado muito leal e heróico [i. é, a negócios do Rio, aclamando a Sua Majestade Imperador Constitucional, com
Câmara do Rio]; e no Sul tendo-se pronunciado contra o projeto muitas o que nada mais fizeram que declarar que se uniàm todas para formar um
Câmaras de Minas Gerais, de São Paulo e de outras províncias, como é que Império constitucional e que Sua Majestade seria o seu Imperador. Daqui
a maioria do povo brasileiro tem adotado e pedido o projeto do ministério se conhece que duas são as condições da união das províncias com o Rio de
por Constituição do Império? Janeiro, a saber, que se estatuaimpério constitucionale que Sua Majestadeseja
o Imperador, de modo que se o Rio de Janeiro quiser coisas fora ou contrá-
Contudo, mesmo que a asserção fosse veraz, ela baseava-se num sofis-
rias a qualquer destas duas condições, está desfeita a união, que mal se achava
~a, o de que o Brasil devia submeter-se à vontade da maioria. Ora, o princí-
esboçada, e cada província libérrima para, pelo seu poder soberanono seu
pio majoritário só obrigava os membros de uma sociedade quando ela já se
território, proclamar e estatuir aquela forma de governo que bem quiser,
achava consensualmente estabelecida. Mas o Império ainda não estando cons-
como fez o Rio proclamando Império constitucional. Se o Rio quiser im-
tituído devido à dissolução da Assembléia Geral, pério constitucional, porém não sendo Sua Majestade o Imperador, e sim
uma província não tinha direito de obrigar a outra província a coisa algu- algum brasileiro ou outro qualquer príncipe estrangeiro, está dissolvida a
ma, por menor que fosse; província alguma, por menor e mais fraca, carre- união das províncias. Se, porém, quiser a Sua Majestade Imperador, porém
gava com o dever de obedecer a outra qualquer, por maior e mais potentada. com um império absoluto [...] sem uma Constituição dada pela nação, aca-
PortarÍ.to, podia cada uma seguir a estrada que bem lhe parecesse, escolher bou-se a união. Fica cada província sobre si independentee soberana,pois que
a forma de governo que julgasse mais apropriada às suas circunstincias e a sua união foi anunciada e baseada no conjunto indissolúveldas duas con-
constituir-se da maneira mais conducente à sua felicidade. dições, sistema constitucionale Sua Majestade, Imperador.46

Do que resultava que, Concepção tão oposta à do Rio indicava, como previa Mareschal, que
"os meios de concíliação não podem ainda levar a qualquer resultado", e que,

46 FC, pp. 463-5.


45 FC, p. 459.

188 189.
A OUTRA lNDEPENDtNCIA
Y!NTE E QUATRO (IJ

por conseguinte, o bloqueio não dobraria o carvalhismo, tanto mais que se- A partir da declaração de bloqueio, Carvalho deu início à campanha de
ria difícil manter a flotilha ao largo do R~cife durante os meses de inverno. É manifestos, que culminará a 2 de julho. Ainda desconhecendo a nomeação
risível, aliás, que Octavio Tarquínio de Sóusa tenha atribuído a posição carva- de Mayrink e o resultado da missão ao Imperador, ele lançou as proclama-
lhista a uma questão de "melindres" da parte de "gente tão ciosa de direitos e ções de 27 de abril e de 1° de maio. Consoante a primeira, dirigida aos per-
liberdades", por não haver D. Pedro buscado "obter pessoalmente ou por meio • nambucanos "iludidos", era impossível que um povo que na Europa se dis-
de em\ssári0s idôneos, a aqµi~ç~~cênciade Pernambuco à Constituição ou- tinguia pela barbárie e pelo despotismo e que os oprimira durante três séculos,
torgada" .47 Impossível tratar tema sério com ligeireza maior. fosse transformar-se da noite para o dia em coadjuvante sincero da sua liber-
. No Ceará, ao saber-se da dissolução, as Câmaras de Quixeramobim e do dade. Os portugueses haviam deixado uma tradição de perfídia na província,
Icó haviam proclamado a república, embora as do Aracati e de São Bernardo durante a guerra holandesa abandonando-a à grande potêricia naval da épo-
tivessem jurado o projeto. No Aracati, cujas relações comerciais com o Reci- ca; na guerra civil de 1710-1711 e na Revolução de 1817, punindo cruelmen-
fe eram estreitas, propôs-se a formação. de um governo, do Ceará a Alagoas, te os filhos da terra.
sob uma Regênaia assessorada por representantes provinciais, a qual exigiria Sob o aspecto de uma advertência contra os portugueses que, dentro e
a rçconvocação da Constituinte e um centro de poder executivo para a região. fora, ameaçavam a Independência, o documento é um ataque ao Imperador,
O Presidente Costa Barros, que pertencera na Constituinte à minoria libe- uma afirmação de descrença quanto à sua apregoada conversão às aspirações
ral, repeliu as aberturas de Carvalho, escusando-se de prestar ajuda militar brasileiras, o que sabidamente feria fundo os melindres imperiais. O parágrafo
contra o Rio Grande, a Paraíba e o centro de Pernambuco, o que, como ve- final não permitia dúvida. Ao abrir intencionalmente uma exceção para aque:..
remos, era parte essencial da estratégia carvalhista para evitar um ataque dos les lusitanos "mui raros" mas ''dignos de ter[em] nascido em New York ou
corcuncbs do centro da província. Em abril, Costa Barros foi destituído pela Filadélfia", pois mesmo "entre as nações mais escravas têm brilhado homens
junta de Tristão Gonçalves de Alencar, revolucionário de Dezessete, susten- livres", como demonstrava o exemplo de Bolívar, Morelos e Washington,
tada pelo comandante das armas, José Pereira Filgueiras, que limpara o inte- Carvalho abstém-se de qualquer referência a D. Pedro, contrariando a práti~
rior do Piauí e do Maranhão das tropas fiéis às Cortes de Lisboa. Pernambuco ca corrente na Independência de investir-se contra os antigos colonizadores,
e o Ceará estavam assim em condições de mudar a simação no Rio Grande e isentando-o, porém, nominalmente. 49
na Paraíba. Primeira a fazê-lo no Norte, a Câmara de Natal jurara o projeto O manifesto de 1° de maio, no qual Condy Raguet verá "a sólida dou-
a 25 de março, mas o Presidente Tomás de Araújo Pereira, embora simpá- trina de um constitucionalista", expõe as razões do dilema formulado na pro-
tico ao carvalhismo, só se definiu após o 2 de julho, graças à deposição pela clamação anterior: "Só nos restàm dois meios: liberdade constitucional e hon-
tropa da capital do seu comandante. Na Paraíba, a contestação levara à for- rosa, escravidão ou morre vergonhosa e vil". Trata-se, sob este aspecto, de
mação da junta do Brejo de Areia, com o apoio de outras Câmaras; e a posse documento mais importante que os textos de julho, pois oficializa a linha que
de Felipe Néri Ferreira na Presidência obrigara Carvalho a deslocar contin- viera sendo exposta por Barata, frei Caneca e outros. 50 A dissolução da Cons-
gente para a fronteira norte. 48
49
Peras,n. 155. Vd. apêndice I.
50
Manning, ii, p. 798. O texto do manifesto de 1° de maio (vd. apêndice 2) é extrema-
47 CWM, 320, pp. 409, 41 l; Octavio Tarquinio de Sousa, A vidade D. Pedrol, ii, p. 604. mente raro etpour cause.Só o encontrei em cópía manuscrita na Biblioteca Nacional do Río de
Janeiro, II - 32, I, I [, e;em tradução francesa, na correspondência do cônsul Mahélin, CCF,
48 FC, p. 463; RevistadoInstitutQdoCeará,romo especial(1924), pp. 358-9; Tobias Mon-
15.v. 1824. Embora tivessesido publicado, não se encontra sequer nas Peçascoligidas vor Antô-
teiro, OprimeiroReinado,i, passim.
nio Joaquim de Melfo, além de que o TyphisPe1'nambucanc, de número 17, publicado nos pri-

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A OUTRA lNDEPENDfil/CIA VtNTE E QUATRO (1)

tituinte pressagiava um "século de ferro" para o Brasil. Coroando seus desíg- A reivindicação do manifesto cifrava-se na reunião da Constituinte, em-
nios recolonizadores, a facção portuguesa, com a conivência do ministério, in- bora Carvalho não. insista, ao contrário da ata de 8 de janeiro, na reconvoca-
duzira o Imperador, "jovem inexperto" reduzido a testa-de-ferro, a renegar ção da Assembléia dissolvida.
os compromissos pelos quais o país lhe dera o trono. Arrogando-se poderes
que não tinha, D. Pedro praticara um ato de força longamente meditado, O Imperador é criatura da· nação, desta deve ele receber a Constitui-
atirando a responsabilidade sobre os constituintes. Manipulando a ingenui- ção e não dar-lha. Fora deste principio, rudo o mais é insubsistente, ilusó-

dade brasileira, anunciara a nova Assembléia destinada a aprovar uma Cons- rio e irrisório. O Brasil proclamou a s~ independência e s~·d~~larou nação

tituição "duplicadamente mais liberal" preparada sob sua supervisão, para, em livre e porque Sua Majestade se uniu conosco, o Brasil levantou o seu tro-

seguida, limitar às Câmaras a consulta à nação. No propósito de anular a re- no, lho ofereceu e lhe declarou que ele seria o nosso Imperador, pórém de-
baixo da forma de um governo constitucional. Sua Majestade aceitou a ofer-
presentação nacional, criara-se o "monstruoso poder moderador", "chave-mes-
ta e jurou sacrificar-se todo pela monarquia constitucional, em que consiste
tra deste ruinoso labirinto", pois habilitava o Imperador, "a seu bel-prazer, [a]
a nossa felicidade e a qual não pode subsistir sem Cortes Constituintes.
tudo desfazer e desmanchar". Para obrigar Pernambuco a jurar, nomeara-se
Pais Barreto e, face à resistência encontrada, bloqueara-se o Recife, pretextan- ~~v!ndo D. Pedro (e-'-c_~:i~()
.i Ço!J.St~tu~11t~
e ~e.rec_usadoa r~abr,i-la,se-
do uma rebelião fictícia. Já não havia dúvida de que "o nosso Imperador, quem ~uia-se daí "~_nhuma outra ~-?~s~que a di!~!~ção do pacto pelo qual el~-~~-
o crerá?", estava de "mãos dadas" com a Santa Aliança e com D. João VI. sobre ó Br~iln.iiison-
, naº. nosso Imperador de fato e d.c:_.1!~~.!!.<:>_~_l~]já
Enquanto a Corte marginalizava os brasileiros, trataya de restituir aos arma- t!!}l i;;:•
,serva aq_Ltelam~~~a_autoridade provisória queJhe deu a ac.la!lli!S:~2
dores lusitanos as presas feitas por Cochrane, perseguia os liberais em· São .,,perador~_parapoder obrar enquanto se não reunia a Assembléia Constituin-
Paulo, erguia baterias na fronteira de Minas e atraía para o paço de São Cris- te, como ele mesmo confessa na sua fala na abertura da Assembléia". Nem o
tóvão o meio circulante do Rio. 51 título imperial nem o de Defensor Perpétuo do Brasil conferiam-lhe poderes
~pecífic~s,_muito menos o de dissolver a Constituinte, pois tais competên-
cias consistiam apenas nas que lhe seriam reconhecidas por ela.
meiros d.iasde maio,·é o único a faltar na coleção da gazeta organizada também por Mello, que
observava"ser a falta originária e não conseqüente de posterior descaminho", FC, p. 439. A cen- Nos diversos povos da terra, os mesmos títulos dos imperantes têm di-
sura pós-Confederaçãodo Equador esmerou-seem destruir os exemplaresdo documento com uma ferentes atribuições. O título de Imperante não trás consigo o direito de go-
sanha que não dispensou às demais proclamações. vernar sem Constituição nem ao arbítrio daquele que o tem. Isto é tanto ver-
51 Segundo Carvalho, a existênciad9 plano fora-lhe confirmada recentemente por brasilei- dade que o ministério quando tem querido justificar muit~ das coisas que
ro desembarcadono Recife,portador de mensagem de Borgesde Barros, representante do Impé- se não podem deduzir dos direitos de Imperador Constitucional, lança mão
rio em Paris.João Fernandes Tavares, de viagemao Rio, receberado diplomata a incumbência de
da âncora sagrada de Defensor Perpétuo do Brasil, como se a este título es-
comunicar às autoridades dos portos de escalaa notícia de que o governo francês receberapedido
tivesse anexo um poder que se não compreenderia naquele. Isto é um novo
de ajuda de Lisboapara a expediçãocontra o Brasil.Tavates, porém, desmentirá Carvalho, negan-
do que a França já houvesseanuído, quando, na realidade,ela limitara-sea responder que consul- absurdo, o mais ruinoso da liberdade da nação quando parece querer esta-
taria a Rússiae a Prússia antes de tomar uma decisão:Didrio.Fluminense,10.vi.1824.Ao ministro belecer que Sua Majestade possa como Defensor Perpétuo do Brasil aquilo
dos NegóciosEstrangeiros,Borgesde Barrostambém d~mentirá que tivessedenunciado um plano que não pode como Imperador Constitucional. O poder de Imperador Cons-
da Santa Afiança e .de D. João VI pàra, de acordo com D. Pedro, submeterem o Brasil.Apenas, titucional, com as.atribuições que as Cortes declararem, é o único poder que
tendo sabido de Lisboa que se aprestavase~retamenteu~ navio norte-americano visando a exe- terá Sua Majestade dado pela soberania da nação, poder maior que o de De-
cu~ um plano contra~ Imperador, encarregaraFernandes Tavares de alertar ru;autoridades lo- fensor Perpétuo do Brasil, legítimo e efü:az, do contrário se iludiria o poder
Di/lomáticoda
~: .tl,.7:q,//1/! lndependêncit4
jii, p·.152. soberano da nação.

192
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A OUTRA iNDEPENDgNCIA VINTE E QUATRO (1)

Aauropdade do Imperadsn:..ts:RdQ.:~e.t.mo.adoJkgítlma.Jkaya.iroplíci~ curado por João Guilherme Ratcliff;53 ameaçado de morte por carta anôni~
to que já não se lhe dei.riaobediência,_embora :1_p_r._()<:Jª111ação
não se referisse ma; e enfim convencido pela visita noturna de uns encapotados que vieram,
expressamente ao direito de separação das províncias.
por parte dos pernambucanos livres e honrados, pedir-me que não aceitasse
Pouco depois da divulgação dos manifestos de 27 de abril e de 1° de
a Presidência, não porque contra mim tivessem queixa alguma, antes me
maio, um Grande Conselho reuniu-se (6.v.1824) para debater a situação em
consideravam muito capaz e honrado pela experiência do tempo em que fora
Alagoas. Ao passo que descumpria a promessa de enviar ·representante.ao ..
secretário do góv~~~~-desta província, inàs pórque eles e o Presidente esta2
Recife para chegar a acordo c~m Carvalho, a junta alagoana passara a apoiar
vam muito comprometidos com o ministério do Rio de Janeiro, o qual en-
abertamente Pais Barreto, reforçando-o com soldados e artilharia e com as
ganava a Sua Majestade Imperial e só procurava meios de vingar-se dos
milícias que mandara recrutar no interior. Para os radicais, consumava-se
pernambucanos, por se não sujeitarem cegamente ao que se lhes determi-
ostensivamente, na outra margem do Pe'rsinunga, a aliança entre os imperiais nava; que estavam resolutos a opor-se a tudo; e finalmente que me não ex-
e os corcundas do interior, em nome da "antiga família portuguesa", alega- pusesse a querer entrar para o governo, porque nesse caso perderia a vida.
ção fundada, pois Gama, que expulso do Recife juntara-se a Pais Barreto, •
passara em seguida a Salvador por não desejar meter-se nem com os "repu- Carvalho foi submetido a uma barragem de representações de Câmaras
blicanos do Recife" nem com "os absolutistas da Barra Grande", ambos "cri- da mata norte, dos oficiais do 2° batalhão e da Divisão Constitucional do Sul,
minosos à face da Constituição jurada". A questão do morgado deixara de que se opunham a-Mayrink devido à sua posição em 1817 e em 1821. Ade-
ser "a causa de um ambicioso" para transformar-se em "perfeita rebelião con- rnais, os militares rejeitavam a anistia oferecida pelo Imperador, de vez que
tra a independência e integridade do Império". Barros Falcão, outros oficiais, não haviam cometido crime político. Quanto aos morgadistas, embora pro-
a Câmara de Olinda e personalidades influentes opuseram-se à intervenção, testassem apoio a Mayrink da boca para fora, quiseram, num primeiro mo-
propondo que a Divisão Constitucional do Sul permanecesse na defensiva, mento, abandonar a causa imperial.54
pois a posição do exército contrário tornara-se inexpugnável. O ataque seria Corno o Presidente insistisse em empossá-lo, Mayrink propôs um acor-
também um erro político, tirando credibilidade ao carvalhismo, cuja força do pelo qual Carvalho seria escolhido Vice-Presidente nas eleições a serem
consistira até então na maneira equilibrada com que se negava a empossar Pais convocadas para o Conselho Governativo, algo, aliás, que ele não teria podi-
Barreto e a jurar a Constituição. O Grande Conselho, porém, aprovou por do fazer em vista das instruções de Taylor sobre a prisão de Carvalho. Este,
47 votos a 11 a operação que deveria desalojar o exército morgadista e ins- por sua vez, prometeu ordenar às tropas que se recolhessem ao Recife, o que,
talar uma junta carvalhista. A partir de então, Carvalho passou a interferir, porém, não ousou fazer, limitando-se a suspender as operações contra Pais
sem cerimônia e sem resistência, nos assuntos de competência do governa-. Barreto e a prometer reincorporação aos adversários. Era impossível resolver
dor das armas. 52
Em finais de maio, os radicais torpedearam a posse de Mayrink. Sur-
preendido pela nomeação, ele dirigira-se a Carvalho, propondo uma ação co- 53 Para o percurso de revolucionário romântico do português João Guilherme Ratcliff,
mum em prol da pacificação da província. O Presidente prometeu consultar Octavio Tarquínio de Sousa, Fatosepersonagensem tomo de um regime,pp. 147 ss.
o Conselho Governativo, mas aliados seus intimidaram Mayrink, que foi pro- 54 BNRJ, I 31, 22, l; CCF, 25.v.1824; ltinerdrw cronológico;FC, p. 473; Revista do
Instituto do Ceard,tomo especial (1824), pp. 390-1. [)errotada a Confederação do Equador, os
morgadisras intrigarão para dar posse a País Barreto ou substituir Mayrink pelo Dr. Tomás Xa-
52 FC,.pp. 110-1; CCF, 11.v.1824; Pefai, ns. 156-9; BNRJ-II, 32, 1, 24, n. 4;Atas, i, vier Garcia de Almeida, que fora o guru de País Barreto: Tobias Monteiro, O primeiro Reinado,
pp. 268-70; Folhasesparsas. i, pp. 225 ss.

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VINTE E QUATRO (1)
A OUTRA INDBPENDENCIA

Carvalho protesta (em conjunção com seu secretário, o mulato Salda-


o assunto sem dar garantias aos carv~histas após o retorno dos imperiais da
nha) que esteja determinado a formar nas províncias do Norte do Brasil urna
Barra Grande; e sem assegurar a estes que não seriam tratados como desertores.
república. Ele protesta com todos os seus oficiais a José Carlos que está pron-
Mayrink encerrou as tratativas, invocando a oposição de "um partido que se
to a entregar .o governo. Porém, ~ um fato notório que em sua casa, depois
tem manifestado descontente de toda e qualquer mudança que se faça na di-
da chegada desta notícia, reúnem-se seus principais partidistas [...] a delibe- .
reção que tê.m tido os negócios desta província", e cujos receios não haviam
rarem sobre os meios de pôr em prática o plano de semear a confusã~ e anar-
sido aplacados pela promessa.imperial de anistia.a.to_dosos que concor_~:~~-~~
quia no povo e para perverter os que querem executar as imperiais ordens.
para sua posse. Segundo Mayrink, à espera de qúe D. Pedro desse interpreta-
Todos os cidadãos probos e proprietários da província conhecem suas boas
ção precisa ao decreto de 24 de abril, somente a permanência de Carvalho ,
intenções e interesse de Pernambuco para se sujeitarem à influência da sa-
poderia acalmar a ansiedade dos seus correligionários.
bedoria do nosso amado Imperador e da sábia Constituição que temos ju-
Concluía M~yrink fazendo profissão de fé constitucional, negando-se
rado, mas infelizmente Carvalho tem muita influência nas classes baixas, que
a ser "o instrumento de que se pudesse servir o governo para exercitar a vin-
ele tem comprado para seus interesses. Além disso, o General das Armas não
gança, vexar e oprimir os meus concidadãos", e acentuando· a impossibili- ,
possui suficiência bastante e intelectual discernimento nem moral influên-
dade de o Brasil retrogradar politicamente, pois mesmo que o Imperador ali-
cia para governar as tropas que estão entregues aos seus cuidados.
mentasse tal intenção, se veria "forçado pela torrente de opinião a ir de acor-
do com os brasileiros", que seriam "sempre os árbitros das suas instituições".
A nomeação de Mayrinkfoi interpretada pelos carvalhistas como uma
Se, por enquanto, as circunstâncias no Rio chocavam~se com as "belas teo-
demonstração de fraqueza do governo imperial, indicando que o Rio não dis-
rias", "um dia virá, e não longe, [em] que se emendem os erros e defeitos que
punha de meios para reprimi-los. Após estabelecer um governo seu em Ala-
possam estorvar a nossa felicidade". 55 Independentemente da preocupação
goas, Carvalho pretendia marchar contra a Bahia, com cuja adesão instalaria
pela sua segurança, Mayrink compreendera que ou se transformaria em tí-
uma regência em nome do Imperador, sob a alegação de que Sua Majestade
tere do carvalhismo radical ou se converteria em beleguim imperial. Mas Car-
achava-se coato. Concluía Taylor reiterando seu pedido de reforços marítimos
valho não perdeu tempo em culpá-lo pelo fiasco. É inegável que ele foi ten-
e terrestres "para com eles eu fazer os rebeldes conhecer o quanto perdem em
tado pela perspectiva de empossá-lo. Barros Falcão, que ao redigir suas re-
não quererem o pai que se lhes oferece".57
cordações não tinha motivos para poupá-lo, reconhecerá que sem a interfe-
Assegurada a permanência de Carvalho, os radicais acertaram contas com
rência de "alguns moços inconsiderados e de patriotismo ardente", agindo
a Câmara do Recife, que se propunha a executar o decreto mandando jurar
"contra a vontade e sentimentos do próprio Presidente", este teria transmi-
o projeto. Os radicais expurgaram os vereadores, que substituíram por adep-
tido o cargo e aceitado a vice:-presidência,sem que isto significasse abrir mão .
tos seus. O regresso da delegação enviada ao Rio pusera mais lenha na foguei-
da sua política.56
ra.:seu manifesto fazia carga sobre "a indiferença", "a fria sensaboria e uma
Após oficiar a Carvalho e a Barros Falcão para verberar sua atitude na
quase espécie de desdém com que Sua Majestade nos ouviu". Os emissários
questão da posse de Mayrink, Taylor transmitiu a Cochrane sua avaliação do
também referiam descontentamentos em Minas e São Paulo, com vilas im-
fiasco. portantes relutando em aceitar o projeto. Se dez províncias eram-lhe favorá-
veis, as outras dez recusavam-no tácita ou expressamente, não se podendo

55 Peças,ns. 163-7; BNRJ, I -31, 22, l; e 1-33, 22, 1.


57
ARCO, 7/6/244/56-57; L. A Boiteux,ªA armadaimperial",pp. 72-4, 76.
e Folhasesparsas.
56 Itineráriocronológico

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196
VINTE E QUATRO (1)
A OUTRA INDEPENDRNC!A

dizer, como fazia a Corte, que a opinião nacional havia-se declarado em seu lame~:~ por pro~íncias de onde não eram naturais ou onde sequer estavam
favor. Ouviam-se também os ecos das previsões pessimistas da imprensa eu- dom1c1hados,ardil demasiado óbvio, pois
ropéia acerca da posição falsa em que D. Pedro se metera. Os exaltados da- as províncias do Brasil não têm todas o mesmo grau de patriotismo e de li-
vam por favas contadas que a tropa e o povo lutariam até o último homem beralismo, e algumas, ou por tím'idas ou por falta de luzes, procuram antes
pela permanência de Carvalho, mercê do apoio do povo ao movimento, pois defender os direitos do Imperador do que os seus próprio~ direitos e têm•
...... "querem liberdade para si e não há-de ser só para os fidalgos, ficando eles es- sido mudas expectadoras dos despotismos e arbitrariedades ministeriais,' ; 0
cravos deles; e nada de projeto" .58 mesmo tempo que outras têm certamente declamado contra eles [...] Estabe-
Demonstrado que a reforma do projeto não tinha a menor chance (co- leci~o este artigo, nada há mais fácil do que enviar emissários a todas as pro-
mo indicava á rejeição ministerial a apenas duas emendas solicitadas pela víncias e fàzer que somente sejam eleitas certas pessoas de certa província.
Bahia, abolindo o caráter vitalício do Conselho de Estado e proibindo a tro-
pa de segunda linha de servir fora de suas localidades), os radicais cogitaram, Saldanha, contudo, ainda se apegava à ficção (como continuará a fazer
' em fins de maio, de convocai uma Constituinte em Pernambuco que apro- mesmo ~e~ois do 2 de julho) de que os ministros, não o Imperador, eram os
vasse projeto alternativo a ser'apresentado a D. Pedro, que teria declarada sua ?,º
r~spons,ave1s projeto. Désejando transformar o soberano num" completís-
destituição do trono, caso o recusasse.59 A tal plano, ligava-se seguramente o simo d:spota mas não podendo fazê-lo às claras, nem D. Pedro O permitiria
texto constitucional que o secretário do governo, Natividade Saldanha, pro- ~ara nao parecer contrário às "idéias do século", procuravam enganar O Bra-
metia formular no Argos Pernambucano.É provável que, àquela altura, ele Sll com u~a monarquia pura por trás da fachada de governo representativo.
tenha adiado a iniciativa por uma questão de oportunidade. Em vez de divul- Se para dissolver a Constituinte o Imperador invocara O título de Defensor
gá-lo, Saldanha preferiu combater o projeto do Conselho de Estado em lin- Perpétuo, que lhe fora concedido apenas para sustentar a Independência fren-
guagem acessível. teª. Portugal, o que não faria com o poder moderador, que capacitava O exe-
-º~-9:~alhistas não se op~f!.~~ ~ ~n.!_eg~J~~de_-9:°-_!p~rio, mas "ainda cunvo a anular os dois outros? Por que tantos países podiam ficar indepen-
'quando as províncias tivessem jurado o projeto imperial,o que a~o~a não dentes sem po~er moderador e só o Brasil não podia? Ao contrário do que se
(
'·-ãcoiítecêu(pÕisnãÕ as
nÕsconsta que províncias ao norte da Bahia o tenham afirmava no Ri~ sobre não convirficar mais tempo sem Constituição, era pre,..
feito), nem por isso deixava Pernambuco de ter o direito de ªRresentar a Sua :erível ficar mais dois anos sem tê-la do que sob a forma em qu~ estava sendo
,__Maj~stadeImperial e Constitudof1:al Cl~j_u~tos motivos que tivess_é _p_ar3:p# _ Jurada no Sul.6º
, modifícações na Constituição oferecida". Além das conhecidas objeções ao
'poder moderador, à criação do Senado e sua primazia sobre a Câmara dos
.? rep~dio .ªº projeto pedia ser oficializado por ato solene. Carentes de
~atona no amb1to da coalizão carvalhista, os radicais convocaram uma reu-
Deputados, ao veto suspensivo por três legislaturas, à impotência dos conse- nião da_Câmara ~o Recife, no objetivo de limitá-lo aos moradores da praça.
lhos provinciais, ao direito imperial de fazer a paz e a guerra, Saldanha criti- Des~art~va-se assim o recurso, empregado anteriormente, a uma assembléia
cava o artigo 96, que habilitava os cidadãos brasileiros a elegerem-se ao Par- provmc1al, onde se temia que os delegados da mata cerrariam fileiras em tor-
no dos moderados, fazendo triunfar a proposta de jurar-se parcialmente o
texto, com exclusão dos artigos que ofendessem os interesses provinciais. Si-
58 CCF, 9.vi.1824; BNRJ, I-3\, 22, i e l-'-28, 32, 39; Paulo Bonavides, Textospoliticos,
i, pp. 766-8; DiárioFluminense,26.v.1824; FC, pp. 446c53, 473, 623-6; PAN, 23, PP· 143-4.
59 Acdóli, MemdriashistóricasepoliticasdaprovínciadiJBahia,iv, p. 172; ARCO, 7/6/244/
60 ArgosPernambucano,31.v., 9, 15 e 29.vi., 22.vií. e 1l.viii.1824.
58-9.

199
198
A OUTRA INDEPENDêNCIA VINTE E QUATRO{!)

nal de divórcio crescente, inclusive no interior da tropa, Barros Falcão escusou- Jurar o projeto sob os canhões do bloqueio naval era o mesmo que anulá-
se de comparecer. O resultado da sessão de 6 de junho foi o previsto, graças lo. Frei Caneca também repelia o juramento parcial do projeto. Devido a seu
inclusive à ameaça física, pois, como confessava um radical, "apareceu o povo caráter sistemicamente opressivo, seria inútil emendá-lo, nem se podia acre-
de faca de ponta para ver quem queria jurar" .61 Feita a leitura da ata da Câ- ditar que o mesmo indivíduo que ,mandara fechar a Constituinte e se arroga-
mara de 17 de outubro de 1822, que proclamara o direito de separação da ra o direito de outorgar uma Carta fosse consentir em reformá-la. 62
província, caso as condições acordadas na Constituite fossem insatisfatórias, A reunião de 6 de junho declarou. llr:tanimemente o. p-rojeto "iliberal,
os presentes opinaram por escrito ou de viva voz. contrário à liberdade, independência e direitos do Brasil", além de envolver
Porta-voz da rejeição integral do projeto, frei Caneca desenvolveu os "perjúrio ao juramento cívico prestado em que se jurou reconhecer a Assem-
argumentos do manifesto de 1° de maio. O texto nem garantia a indepen- bléia Brasiliana Constituinte e Legislativa". Ao repudiá-lo, porém, os radi-
dência do Império nem definia seu território, na intenção inconfessada de cais não indicavam saída para a solução do impasse. Daí que o carvalhismo
promover a reunião a Portugal. Ao conceder ao Imperador o direito de dis- moderado, através da Câmara de Olinda (17.vi.1824), procurasse manter
solver a Câmara e de exercer o veto suspensivo ao longo de duas legislaturas, aberta a possibilidade de negociação. Embora também recusasse o projeto,
! 11
• I•
1 ! e ao reconhecer aos ministros a competência de influenciarem as deliberações ela alegava circunstâncias excepcionais (o bloqueio do porto e o precedente
ll
~ \ .
do legislativo, o poder moderador atiraria "um povo livre e brioso para um de províncias onde o juramento fora causa de graves discórdias), para solici-
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valongo de escravos e curral de bestas de carga". O comando imperial da for- tar ao Imperador "um pacto social verdadeiramente constitucional e de ge-
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li' o.. ral contentamento". 63
cn ça de terra e mar e os conselhos provinciais sujeitos ao Rio serviriam aos mes-
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mos fins. No tocante à fonte de que derivara, o projeto era manifestamente
ilegal. Ao poder constituinte, que residia na nação e não no Imperador, é que
cabia estabelecer a forma de governo e o equilíbrio dos poderes. Quanto aos
pretendidos direitos soberanos de D. Pedro, decorrentes da concessão do tí-
A 2 de junho, Vilela Barbosa ordenara que, caso Mayrink ainda não
houvesse sido empossado, Taylor empregasse toda sua força cóntra os rebel-
des do Recife. A flotilha desfechou um golpe de surpresa contra o porto (22.
vi.1824), provocando alarme e indignação. O ataque açulou o ódio nativista,
í!
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u.
u. tulo imperial,

com que oBrasil extemporaneamente o condecorou, não foi mais que uma
declaração antecipada de que ele seria o chefe do poder executivo no siste-
que desde o começo do ano contabilizava uma vintena de assassinatos. Em
fevereiro, Carvalho decidira expulsar em massa os portugueses, sem excetuar
os casados. Mas a medida foi atenuada na prática, para manter a colaboração

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cn ma constitucional que proclamamos, com um certo poder provisório que
se fazia indispensável para preparar a nação para o efeito de se constituir,
como Sua Majestade confessou no dia 8 de maio, na abertura da Assembléia
dos reinóis que desempenhavam atividades essenciais e para atender às pres-
sões do comércio inglês e francês do Recife, a quem os mercadores lusitanos
deviam grandes somas. Em face do clima criado pelo ataque de Taylor, oba-
talhão de pardos, comandado por Emiliano Felipe Benício Mundurucu, só
1
I ,,ri soberana, o qual poder provisório cessou com a abertura da Assembléia e as
[ ,;,
n:
foi impedido de saquear o bairro portuário graças à intervenção do contin-
atribuições que ele teria ainda haviam de ser declaradas pela mesma Assem-
rn gente de pretos, sob as ordens de Agostinho Bezerra Cavalcanti. Não se evi-
l1 bléia. É por isso que Sua Majestade a dissolveu: as suas atribuições são tudo
,1: tou, porém, que no decurso das festas juaninas fossem massacradas cerca de
li:! aquilo que lhe adquirirem as suas armas e lhe cederem a fraqueza e medo
1 trinta pessoas, quase todas lusitanos, dois dos quais assassinados em palácio,
ji1 dos povos.
li'
62 FC, pp. 559-66, 623-4; Peças,ns. 122-8.
61 63 Pereirada Costa,Anaispernambucanos,
ix, p. 126.
Peças,n. 128; PAN, 23, p. 144.

200 201
A OUTRA INDEPENDtNC!A

onde se haviam refugiado. Organizada em bandos, a populaça acometia lo- 5.


jas e transeuntes, não poupando os estrangeiros. Novo sobressalto seguiu-se
a uma operação da flotilha contra os barcos de pesca, supondo tratar-se de pre- Vinte e Quatro (2)
lúdio ao desembarque de tropa. A população já se preparava para o pior quan- (julho-setembro de 1824)
do, a 29 de junho, Taylor recebeu a ordem Íf!lperial para regressar ao Rio com
seus navios.64 • • •• • •• •

A decisão imperial de levantar o bloqueio do Recife resultara da confir-


• mação recebida no Rio em princípios de junho acerca da expedição que se
aprontava em Lisboa. Somando 8 mil homens; ela deveria estabelecer uma •
base na ilha de Santa Catarina, de onde atacaria a Corte, alvo escolhido em
, vista da numerosa comunidade lusitana e da concentração dos recursos mili-
••tares e financeiros do Império. 1 D. João VI e seu gabinete de moderados in-
sistiam em reconstituir o Reino Unido, inclusive no objetivo de assegurar o
trono português a D. Pedro, evitando a concretização do que eles mais te-
miam, isto é, que o poder fosse parar nas mãos de D. Miguel e da facção abso-
lutista, como ocorrerá anos depois. Deixando de lado a extemporaneidade da
fórmula, que tinha a simpatia secreta do Imperador mas que era inaceitável
no Brasil, Palmela, após brandir a cenoura da missão diplomática que, che-
gando ao Rio em fins de 1823, fora impedida de desembarcar, deliberara re-
correr ao cacete da expedição naval, que, contudo, ficará frustrada pela falta
de recursos financeiros e de aprovação britânica, mas cuja iminência, em 1824,
fez-se semir .de maneira aguda, devido à guerra de nervos manejada pela an-
tiga metrópole.
A proclamação lançada pelo Imperador a fim de despertar os brios na-
cionais não conseguiu dissipar a inquietação, que era estimulada pelo que su-
cedia no Norre para não falar no próprio Rio, onde corriam rumores de que
se sondava a tropa para um levante contra os portugueses e D. Pedro. A opi-

64 CCF, 16 e 20.ii., 27.ví. e 8.vii.1824; ArquivoDiplomáticodalndependlnr:ia, 1 CWM, 320, p. 413; Tobias Monteiro, O primeiroReiruulo,i, pp. 133-6; Brían Vale, «A
ií, p. 476;
Pereira da Costa, Anaispernambucanos, ix, pp. 41-3; 59-62; PAN, 23,p. 215. ação da Marinha na Confederação do Equador", p. 141.

202 203
A OUTRA INDEPENDl!NCIA VINTE E QUATRO (2)

nião fluminense julgava que os preparativos de defesa sob a supervisão de D. mente" .4 Não se tratava, portanto, de assenhorear-se Portugal das províncias
Pedro eram para inglês ver e que, diante do fato consumado da força lusita- do Norte mas de aniquilar a insurreição para trocar sua reintegração ao go-
na na Guanabara, ele entraria em acordo com o pai. A maioria do ministério veni.o do Rio pelo restabelecimento do Império luso-brasileiro. Por isso mes-
não teria escrúpulos em sacrificar o Norte; e o ministro do Império, Maciel mo, Palmela nãó tinha pressa ell}.responder às gestões britânicas relativas ao
da Costa, cogitava de entregá-lo ao ex-colonizador em troca do reconhecimen- reconhecimento da Independência.
to do mon:arai no Sul, ficand~ a ddinição dos limites na-dependência de a.coe.,.. Mais taxativo era o parecer do antigo ministro de D. João VI no Rio,
do. Face à deterioração política, pretendia Condy Raguet que só restaria ao Tomás Antônio Vilanova Portugal. Não tendo condições de sobreviver como
regime reconvocar a Constituinte fora do Rio.2 A expedição tornou-se uma nação sem o Brasil e não podendo reconquistá-lo facilmente, Portugal devia
das tantas batalhas de Itararé da história brasileira, mas servlrá para avivar as operar por etapas, ocupando uma área do litoral brasileiro, de onde passaria
suspeitas pernambucanas de que o temido ataque à província contava com a a ocupar as regiões vizinhas. Nem Santa Catarina nem Santos lhe pareciam
cumplicidade de D. Pedro. A ordem de suspensão do bloqueio parecia uma boas opções, em vista da maior distância do Reino. O Rio tampouco deveria
autorização tácita. A tese do conluio foi especialmente explmada por João ser atacado para não hostilizar frontalmente D. Pedro. A Bahia e Pernambu-
Soares Lisboa,3 para quem o Imperador jamais perdera de vista a aliança com co apresentavam mtútas vantagens; ao sul do Recife, havia "muitos povos rea-
El Rei, no fito de liquidar o regime representativo e preservar o Reino Unido. .listas" com que se poderia contar. "Porém no meu sentir o melhor é o Mara-
Até onde se sabe, não existiu tal acordo, mas a suspeita era eminente- nhão e o Piauí, porque trazem consigo a segurança do Pará e Rio Negro" e
mente plausível. Palmela, por exemplo, persuadia-se de que, caso D. João VI gozavam de comunicações fáceis com Portugal. Assegurada a base territorial,
•se apresentasse na Bahia ou no Recife a bordo de uma armada, seria reconhe- a ocupação poderia progredir de modo a que "se unissem os territórios até o
cido como soberano; e de que D. Pedro, não ousando desafiar a autoridade rio de São Francisco ou até o rio Doce", procedendo-se então à "divisão em
paterna, também a acataria, como protestara fazer ao tempo da sua disputa Brasil setentrional e meridional", ficando as províncias do Norte dependen-
com as Cortes. Palmela também contava com a discórdia regional para induzir tes do Reino ao passo que se reconheceria a independência das províncias do
o Imperador a "escutar a voz do seu próprio interesse, identificando-o com o Sul com centro no Rio. 5 Os cilculos de Lisboa tinham a seu favor o fato de
de seu Augusto Pai e valendo-se do auxílio de tropas portuguesas". Dando que todo mundo imaginava que D. Pedro metera-se numa enrascada e que a
como certa a separação do Norte, afirmava que "não hesitará Sua Majestade divisão entre o Norte e o Sul do Brasil era inevitável. Esta era a avaliação da
em mandar imediatamente forças que, em vez de deverem ser consideradas imprensa inglesa, dos diplomatas estrangeiros bem como de Bolívar e dos
hostis pelo Príncipe Regente, iriam pelo contrário embaraçar a desmembração próceres do rio da Prata. O Timese o Chronícle,de Londres, o CorreioFran-
de um reino [o Reino Unido], que deverá algum dia perteneer-lhe legitima- cêse o Argos,de Buenos Aires, todos haviam previsto que a dissolução acar-
retaria a proclamação da república no Norte, e que o Imperador se veria na
2
CWM, 320, pp. 411 e 414; Manning, ii, pp. 795, 798-9; Tobias Monteiro, O primeiro
Reinado,i, pp. 149-50. 4 J.J ..dos Reis e Vasconcelos (ed.), Depachose correpondência
do duque de Palmela,i, Lis-
3 boa, 1851, pp. 440, 463; CWM, 320, p. 418; Webster, Britain and the independenceof Latin
DesenganoaosBrasileiros,3 e 4.vii.1824; João Soares Lisboa, português de nascimento,
\.fora o redator do Corre~odo Rio deJaneiroe, malgr~dó seu apoio inicial a D. Pedro, terminaria Ameríca,ii, p. 246.
PQI:ser alvo da perseguição do ministério por suàs posições liberais. Em fevereiro de 1824, ha- 5 Documento;paraa históriada Independência,pp. 102, l 09-11. Para a instrumentalização
vendo sido intimado a regressar à Europa, desembarcou no Recife, onde se fez amigo íntimo de por P~rtugal do autonomismo pernambucano a fim de demonstrar à Europa a impossibilidade de
Catvalho, tedigindo de junho a agosto os seis números de.DesenganoaosBrasileiros.Vd. Isabel o Brasil sobreYiverpoliticamente independente, vd. Glacyra Lazzari Leite, "A Confederação do
Lustosà, lnsulto_s
impressos,
passim. Equador no processo de independência do Brasil", História,4, pp. 35-45.

204 205
A OUTRA lNDEPENDtNCIA VINTE E QUATRO (2)

contingência de retornar a Portugal. Pondo em dúvida a capacidade do "ltur- unanimidade entre seus habitantes", e não tendo sido afetado seu abasteci-
bide português" para manter o Brasil unido, O InvestigadorPortuguês,que se mento. As expectativas da Corte acerca do êxito de Taylor estavam em baixa,
publicava na Inglaterra, comparava a sabedoria dos hispano-americanos, que de vez que a flotilha ficara reduzida à fragata Piranga e que as demais embar-
haviam respeitado as antigas divisões coloniais, com o deslumbramento dos cações haviam velejado para Salvaqor a fim de se aprovisionarem e fazerem
brasileiros pelas "falsasaparências", pois não se contentavam "com menos que consertos. Daí que, na ansiedade do momento, o ministro americano desse
... ..fazer um estirado Império de todo o Brasil", quando as malogradas Cortes crédito ao boato de que o Conselho de Estado cogitá~a, caso Mayririk-não
lisboetas já haviam provado a impossibilidade de se adotar um centro de po- houvesse podido assumir, acoplar o término do bloquéio com a confirmação
der que satisfizessetodas as regiões.6 de Carvalho, que, segundo informava erradamente, já teria sido autorizada. 8
A 11 de junho, o ministro do Império oficiara ao Presidente de Pernam- A 29 de junho, tão logo recebeu as novas instruções, Taylor transmitiu
buco comunicando o levantamento do bloqueio, com a justificação de que o a portaria do ministro do lmpér10 e a proclamação imperial endereçadas a
Imperador não poderia dividir a esquadra por toda a costa do Brasil, tendo Mayrink mas entregues a Carvalho, que as publicou no dia seguinte. Barbo-
de mantê-la na Corte, donde poderia prestar ajuda à.o ponto que viesse a ser sa Lima Sobrinho indagou o que se teria passado no círculo próximo ao Pre-
acometido. Neste ínterim, as províncias deveriam defender-se por seus pró- sidente entre 29 e 2 de julho, data do primeiro manifesto da Confederação
prios meios, superando dissensões internas para repelir o inimigo comum. Em do Equador. A 30, Carvalho acusava recebimento do expediente no ofício a
manifesto aos pernambucanos, D. Pedro procurou dissuadi-los da suspeita de Maciel da Costa.em que concluía:
trama com D. João VI, afiançando que sua resistência à expedição lusitana
desmentiria esta e outras calúnias, como a de que o partido português fazia e Pode Vossa Excelência afiançar a Sua Majestade Imperial e Constitu-
desfaziano Rio, com as quais o carvalhismo fascinavaa província para arrastá- cional que o povo de Pernambuco tem dado tão repetidas e sobejas provas
la a um sistema reprovado pela experiência política, apartando-a da união geral de não admitir invasores, que já não poderá entrar em dúvida o procedimen-

imprescindível à c~nsolidação da Independência. Quanto à concentração das to que esta briosa província terá contra qualquer pretensão hostil dos por-

forças navais na Corte, um dos seus porta-vozes, Silva Lisboa, argumentava tugueses, e que até se prestará, quanto puder, para socorrer as províncias
limítrofes para o mesmo fim como tem feito por vezes.
que, malgrado ser a maior potência naval, a Inglaterra não conseguiria socorrer
todo o seu litoral, apesar de bem menos extenso, lembrando que, por igno- • Suspeitava Barbosa Lima de que, entre 29 de junho e 2 de julho, após,a
rarem o axioma segundo o qual a capital sendo inexpugnável, "a nação não assinatura do documento, Carvalho fora pressionado pelos radicais a procla-
sucumbe", os norte-americanos haviam passado, na guerra de 1812, pelo des- mar a Confederação. 9
douro do ataque inglês a Washington.7 A resposta de Carvalho limitava-se a tomar nota da decisão imperial, sem
Ao ordenar-se no Rio a suspensão do bloqueio, não se sabia ainda se criticar a concentração da força naval no Rio. Quanto à asserção de que não
Mayrink assumira a Presidência, pois as notícias mais recentes eram anterio- se poderia duvidar da resistência de uma província que "tem dado tão repeti-
res ao fracasso dos entendimentos. Segundo Condy Raguet, "Carvalho man-
tém sua influência e popularidade e, o que muito aborrece seus inimigos aqui
[no Rio], a tranqüilidade da cidade [do Recife]", parecendo existir "grande 8 Manning, ii, pp. 798-9,
9
BNRJ, II - 32, 1, 7; F. A. Pereira da Costa, "Confederação do Equador. Investigações
históricassobre o dia precisoem que tevelugar a sua proclamaçãoem Pernambuco no ano de 1824",
. 6.FC pp. 503-4; DesengarwaosBrasileiros,)9.v.i.1824'.
RIAP, 13 (1908), p, 277; Barbosa Lima Sobrinho, Pernambuco:da Independênciaà Confederação
7 PAN, 22, pp. 125-6; Peças,n. 142; SilvaLisboa,Apeloà honra brasileira,p. 18. do Equador,pp. 197-8.

206 207
A OITTRA INDEPENDtNCIA VINTE E QUATRO (2)

das e sobejas provas de não admitir invasores", tratava-se de alusão ao passa- laciano mercê do qual os radicais haviam evitado a consulta à província, que
do pernambucano ·que podia ser lida também com referência ao bloqueio. A lhes teria sido desfavorável, a contrapelo da prática corrente até no tocante a •
flotilha só tendo velejado a 1° de julho, até lá Carvalho devia sentir-se mili- questões de menor importância. Destarte, o Conselho Governativo e os che-
tarmente inibido, julgando que, concretizada a partida, o abandono da provín- fes carvalhistas haviam sido marginalizados, e abandonado. o objetivo confesso
cia face ao ataque lusitano seria suficiente para galvanizá-la contra o Impera- do movimento, que era o de forçar o Imperador a reconvocar a Constituin-
dor ainda mais do que a dissolução da Constituinte. Por fim, a necessidade te. Bâr~os Falcão afirrriirf posteriormente·.que se enganavam ••••••••
de promover a união das províncias em nome da resistência aos portugueses
grosseiramente os que erradamente pensam que a resistência oposta ao pro-
a que condamara d Imperador dava-lhe pretexto para intervir militarmente
jeto [...] e a proclamação principalmente da Confederação do Equador e
não só na Paraíba, onde os liberais da junta do Brejo de Areia haviam sido
publicada pelo Presidente Carvalho, foi antes a conseqüência neceSl>ária
de
derrotados pela tropa fiel a Felipe Néri, mas em Alagoas, cujo Presidente,
um plano de antemão concertado para chegar-se a um governo puramente
Lócio e Seilbitz, Carvalho procurava convencer a expulsar os dissidentes da
democrático, do que a de um acontecimento todo imprevisto e puramente ,
Barra Grande. A tropa de Pais Barreto, que cogitou de retirar-se pará a cidade
ocasional, visto como é sabido e provado que o sistema tepublicano nunca
de Alagoas, não escondeu o desânimo com a partida de Taylor, a ponto de
esteve, com exceção do ano de 1817, na mente e no espírito dos habitantes
seus chefes proporem acordo aos militares carvalhistàs. Como estes, porém,
desta província, onde ele conta limitado número de adeptos. 12
aceitassem reincorporar os soldados mas não os oficiais morgadistas, os con-
tactos não prosperaram. 10 Num "ato inconsiderado, impolítico e extemporâneo", que comprome-
Os carvalhistas moderados culparão os radicais, em especial João Soares tera a sorte e a segurança dos pernambucanos, que "de tão boa fé a ele se ha-
Lisboa, de haverem levado Carvalho à ruptura. A interpretação do jornalista, viam ligado e que ainda assim o não abandonaram", Carvalho atirara fora, "ao
que teria influenciado decisivamente, era a de que a iminência da armada acaso, em uma parada de jogo desigual", as vantagens que a linha moderada
recolonizadora não passava de uma invencionice para justificar a reunião das viera capitalizando. ~nte e Quatro não visara fazer uma revolução nem des-
forças navais na Corte a fim de transportarem D. Pedro, a família e os corte- truir a monarquia con~tit~ciÕniC;;:i:;enasopor-se ao projeto do-Imperador,
sãos para Lisboa, onde ele estaria em posição de organizar, com a ajuda do ~riginado ~~pod~~i~~~~petente, razão pela qual se havia combidd~~posse
pai, uma expedição comum, de 20 mil homens, para reimpor sua vontade ao J~_Pais Barreto, P!?!?iõ.éfô J~rarri.~nto~-P!()yfndi Outromoderãaõ. tam-
Brasil. Sustentavà Soares Lisboa que, ao tomar a decisão de retirar a flotilha, bém ressaltará "os sentimentos gerais e firmes em que estavam todas as pro-
o ministério já estava a par de que a expedição portuguesa não teria lugar, de- víncias do Norte, da Paraíba até o Maranhão, e assim obrigar o Imperador
vido ao estado lastimável das finanças públicas, consoante reconhecia a pro- Pedro I a ser constitucional, pois que ninguém o acreditava, apesar de· ter
clamação régia estampada na Gtt2;eta de Lisboa,de l <!de maio. 11 Destarte, no mandado publicar o projeto da santaConstituição que hoje nos rege, e to-
curto prazo, o governo de Carvalho não corria risco nem da parte de D. Pedro dos julgavam que ele seguia o mesmo plano de seu pai D. João VI em Portu-
nem da parte da expedição portuguesa. gal. Ninguém queria saber de república". 13 •
Os moderados dirão haverem sido tomados de surpresa pela proclama-
ção da Confederação no manifesto de 2 de Julho, que reputavam golpe pa-
12 ItineráriocrrmoMgico.

13 Itinerário cronoMgico
e Folhasesparsas; José Maria Ildefonso Jácome da Veiga Pessoa,
.•1º1UAP113(Í908kpp. 341-2; BNRJ,Í-31, 22, L "Dissertação sobre o movimento revolucionário de 1824", lAHGP, A, 14..Trechos da "Disserta-
11 ItineráriocrimoMgico
e Folhasesparsàs;
DesenganoaosBrasileiros,4.vii.1824. ção" foram reproduzidos em RJAP,8 (1895), pp. 209-300. •

208 209
A OUTRA INDEPENDêNC!A VINTE E QUATRO (2)

A versão moderada tomava seus desejos pela realidade. Carvalho não foi queio abrira perspectivas de entendimento com D. Pedro, cumprindo explorá-
subitamente convertido por conselheiros exaltados, mas resolveu-se à carta- las em vista da fraqueza da posição imperial, a realidade é que àquela altura
da em vista da oponunidade que lhe brindavam o levantamento do bloqueio ele já ordenava, como veremos, o reinício do bloqueio, não tendo a menor
e suas repercussões. Frei Caneca indagava intenção de fazer concessões ao ,carvalhismo.
como tem Sua Majestade desempenh~~<?<?título de Defensor rer1:émo do
O argumento constitucional dos manifestos de julho, dirigidos aos nor-
Brasil [...]? Ó desgraça[ A primeira ocasião que se oferece d~·cuni.prir com
tis~~1-~9s·brasileiros e aos baianos, 15 é o mesmo do de 1° de maio, diferindo
esse dever, torce Sua Majestade, foge à defesa e nos deixa ao desemparo,
; apenas na solução proposta, que já não é a reconvocação da Constituinte
entregues unicamente a nossos recursos: quem tal pensara? Teve Sua Ma-
denominador comum do carvalhismo, mas a de uma frente das províncias d~
jestade forças, teve vasos para nos mandar bloquear, causar-nos tantas hos-
i Norte para resistir ao despotismo de Portugal e do Rio. O Brasil optara pcla
tilidades, fomentar tantos partidos, fazer derramar tanto sangue, gastar-se I1monarqm~ • represe?tanva;
• e quan d o esperava ser consultado a respeito, for~'
tanto dinheiro e estragar-se tanto a província, e isto em um tempo de paz; e \ s~rpr~end~do pela mtei_npestivaadamaçã? _imperialde D. Pedro, que a nf
agora que vê os perigos iminentes, trata unicamente de sua pessoa, desern- i~o so aceuara p~rsuad1da ~e ~u~ ela servma suas :15piraçõesà Independêp- \
para-nos, entrega-nos a nossos recursos, energia e valor. Que traição! Que 1c1a.Contudo, tramdo os pnnc1p10s e os compromissos que legitimavam &tia
perfídia! [...] O Imperador não vos quer defender, só trata de si e vos entre- :autoridade, o Imperador dissolvera a Constituinte, atacara a soberania •a-
ga às baionetas e canhões portugueses. :cional, encorajara Portugal a intervir no Norte, impusera um bloqueio inj
Ja Pernambuco e coroara suas arbitrariedades com a reunião de todas as or-
1
E aduzia esta frase, que, obscura para o leitor de hoje, era compreensí- ças navais na Corte, demonstrando a incompetência de um governo que não
vel para seus contemporâneos da província: "Não permita o Céu que o Bra- tinha recursos para defender o país, a despeito de lhe drenar as rendas. om
sil, mormente as províncias do Norte, hoje desemparadas pelo seu Defensor, .vis~ a preparar a resistência, às proví::_ciassetentrionais só restava fund go-
dêem a patada que já deram os pernambucanos no tempo do rei D. João IV ve,rno confederãl, autenticamente representativo, consoante decisão de -on-
de Ponugal". Era uma referência à concepção nativista segundo a qual, ha- . _grêsso regional.:._o7G;ãsileiroseramconcitados a solidarizarem-sena·déf'ésa
vendo sido abandonados pela Coroa ponuguesa e triunfado_sozinhos na guer- dos seus direitos e da sua soberania, criando entre si a mais estreita união.
ra batava, Pernambuco e as capitanias que haviam constituído o Brasil ho- Seguem-se o chamamento a que todos se constituíssem de "modo análogo às
landês deveriam ter-se declarado independentes de Portugal em 1654,em vez luzes do século"; e a afirmação de que "o sistema americano deve ser idênti-
de retornar ao aprisco colonial. 14 co", isto é, co-extensivo às Américas, desprezando-se "instituições oligarcas
Ao contrário do que sustentarão pro causasua os moderados, a ruptura
do 2 de julho era eminentemente previsível à luz da trajetória carvalhista a
partir de 13 de dezembro. Além de se sentirem logrados na sua conversão
15
monárquico-constitucional, Carvalho & radicais não poderiam manter inde- O rexro das proclamações em Peças,ns. 138, 139 e 145. A primeira, datada de 2 de julho,
finidamente a moderação da sua resistência ao projeto, face à inflexibilidade foi dirigida aos nortistas; as duas outras não conrêm data mas foram divulgadas naquele mesmo
imperial e à falta de apoio no Sul à reivindicação constitucionalista. Se, no dia ou nos que imediatamente se seguiram, pois, como demonstrou Pereira da Costa, nio foram
publicadas a 24 de julho, como haviam pensado Abreu e Lima e Antônio Joaquim de Mello: Pereira
decurso de julho, os moderados ainda poderiam sustentar que o fim do blo-
da Costa, "Confederação do Equador", pp. 272-342. A quesrão seria rediscutida em 1917, em sen-
tido favorável à rese de Pereira da Costa, quando da polêmica entre Gonçalves Maia e Oliveira Li-
ma: J. Gonçalves Maia, Uma data histórica.Polêmicacom OliveiraLima sobrea data da proclama-
14 FC, pp. 505-7; Evaldo Cabral de Mello, Rubro vew, pp: 141-3.
çãoda Confederaçãodo Equ&ÍIJr,Recife, 1918. ·

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A OUTRA INDEPENDtNC!A
VINTE E QUATRO (2)

[sic],só cabidas na encanecida Europa", segundo o exemplo que ia ser dado


vereiro,.mantendo-se o estandarte imperial, que continuou a tremular nas
por seis províncias do Norte. . . ... fortificações, nos navios de guerra e no contingente carvalhista que bateu em
Mas as proclamações de 2 de julho não acarretaram o fim da amb1gu1-
retirada para o Norte após a queda do Recife. Tampouco as armas imperiais
dade carvalhista, de vez que, nos cálculos do Presidente, ainda cumpria espe-
foram suprimidas do alto da p,rimeira página do Didrio do Governo. Os no-
rar a abermra da Constituinte regional, de modo a que a proclamação do novo
vos emblemas deveriam esperar a reunião da Assembléia confederal, mas co-
regime não fosse· ato isolado de Peróâmbuco. Que esta-foi a consideração es-
mo esta não chegou a instalar-se, sua consagração não teve lugar. 18
sencial, indica a carta em que Carvalho apressava o Presidente do Ceará a ele-
Os documentos oficiais expedidos a partir de 2 de julho não falam ja-
ger depuração ao Congresso de Olinda, pois "os segredos estão derramados e
mais em "república"; e a palavra "constituinte", empregada no tocante à Con:..
de todo públicos", sendo, pois, "necessário comunicarmos abertamente e aber-
federação do Equador, só se encontra em casos excepcionais, como o edital
tamente adotarmos idéias mais amplas, livres de políticas já hoje desnecessá-
que suspendeu o tráfico de escravos e a portaria sobre a reforma do palácio
rias entre esta e essa província". "Não convém marchar por mais t~mpo en-
dos governadores em Olinda a fim de acolher o Congresso marcado para 17
capotado; é indispensável romper o véu misterioso", pois "a nossa salvação
de agosto. 19 Em princípio, teve-se o cuidado de designá-lo por Grande Con-
. depende de prontíssima declaração de novo sistema de governo", de modo.ª
selho, expressão corriqueira que já não assustava ninguém. Ao estratagema,
obter o reconhecimento do estado de beligerância por parte dos Estados Unt-
apegaram-se todos os carvalhistas. No Recife, segundo o cônsul francês, "só
dos e da Inglaterra. 16 se fala de federação". Ao prometer projeto de Constituição mais apropriada
Os manifestos carvalhistas ilustram exemplarmente o que Renato Lopes
ao Brasil, Natividade Saldanha frisara que "a forma de governo que mais lhe
Leite chamou a "cautela lingüística" do republicanismo da Independência, que
convém é a de uma federação, à maneira dos Estados Unidos da América, da
evitou sistematicamente a palavra república até mesmo nas suas penas mais
Confederação do México, etc., embora tenha o Presidente o título de Impe-
radicais. 17 Embora a expressão "luzes do século" ainda pudesse ser lida como
rador, porque nada nos importamos com os nomes, posto que algumas vezes
inclusiva da monarquia autenticamente constitucional, as referências a que "o
influem muito", a mesma opinião defendida por Cipriano Barata. Tampouco
sistema americano deve ser idêntico" em todo o hemisfério e a rejeição das
os unitários dissidentes imputavam republicanismo a C~alho, criticando
velhas instituições de uma Europa decadente, não deixavam dúvida sobre o
apenas sua "idéia de federação". Na Corte, se os foliculários denunciavam o
1 que se tinha em mira, ou seja, um regime que, como o de Dezessete, ainda
f caráter republicano do carvalhismo, associado por Silva Lisboa à tradição de
não ousava dizer o nome. A prudência vocabular atendia a expectativa mo-
uma província onde haviam ocorrido "três revoluções [...] em pouco mais de
derada de negociação com o Rio e a preocupação de tranqüilizar o interior
século, com tentativa de abater a monarquia e levantar república", o Impera-
da província, donde a reserva igualmente·demonstrada no plano simbólico,
dor, na sua proclamação ao exército, de 27 de julho, imputava á Carvalho o
único acessível à grande massa iletrada. Alfredo de Carvalho provou que a
objetivo de fazer do Império unitário, pelo qual pronunciara-se todo o país,
bandeira da Confederação, ou antes, a bandeira de Pernambuco confedera-
do, nunca veio a ser desfraldada, embora estivesse pronta, ao menos desde fe-

18
' Alfredo de Carvalho, Estudospernambucanos, pp. 197-207; Pereira da Costa, "Confede-
'1 ração do Equador", pp. 305-6; CCF, 25.ii.1824; Manuel de Carvalho a Luís Carlos Carvalho da
16 Manuel de Carvalho a Alencar Ara.ripe, !5.vi.ii.1824; e a Luís Carlos Carvalho da Silvei-
Silveira, 6.viíí.1824, ANRJ, Confederação do Equador, I.694.
i ra, 6.viii.1824, ANRJ,Confederação do Equl¼dor,\ .694. 19
Data escolhida por ser a da vitória das Tabocas sobre os holandeses (1645), ·que, no ima-
17 Barbosa Lima SobrWio,
Pernambuco: da Independbu:iaConfaderação
.à daEquador,P· 200; ginário nativista, fora obtida exclusivamente pela gente da terra, sem auxílio de Portugal: Cabral
Renato Lopes Leite, Republicanos
e libertários,
p..42. de Mello,. Rubroveio,pp. 112-3.

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A OUTRA lNDEPENDENCIJ\
VINTE E QUATRO (2)

um Império federal, com a alegação de que "o sistema atual não é bom, que
fundido pela historiografia com o de uma Constituição confederal. Contu-
é melhor um federativo". 20
do, Manuel Cícero Peregrino da Silva há muito advertiu que "o Conselho
Até o mais radical dos carvalhistas, João Soares Lisboa, absteve-se de fa-
ainda não seria a Assembléia Constituinte da Confederação, pois que Manuel
lar em regime republicano, ficando em alusões, por julgar segu_ramentequ~,
de Carvalho lhe ia apenas propor a criação de um Supremo Governo Provi-
para bom entendedor, meia palavra bastava. A gazeta que publicou no Reci-
sionaldas Províncias Confederada( .. Por conseguin.te, "não se tratava de Çop_s-
fe, DesenganoaosBrasileiros,nada teve de programática, limitand~-se a dar s~a
tituição, mas de um plano do gu~erno pr,ovisóriod; Ô:mfederação, o qhal não
versão do processo da Independência, segundo seu redãtor o vivera no Rio
chegou a ser votado, porque se não reuniu o Conselho", não se elegendo,
desde 1821. Embora condenasse "o sistema de governo que tem por chefe um
portanto, o Presidente da Confederação. Como assinalou o ·mesmo autor
presuntivo herdeiro", Soares Lisboa sequer referiu em grandes linhas o que " ,
Manuel de Carvalho nunca se apresentou nesse caráter mas somente como
deveria substituí-lo. Apenas de uma feita, sem falar em república, asseverou
autor da iniciativa e em nenhum documento aparece sua assinatura senão
i que as províncias deviam separar-se de "um centro vicioso, qual é o da Corte
:l como Presidente da província ou do governo de Pernambuco". 22 Mas dife-
do Rio de Janeiro, cada uma formar-se Estado independente para prover na
rentemente das eleições à Constituinte, a bancada pernambucana no Conse-
sua segurança e escolherem um centro comum aos Estados ~nidos do _Brasil
lho Confederal seria escolhida por um colégio que, além dos eleitores de paró-
em lugar conveniente". Noutra ocasião, interpelou a Sabedona e a Razão, re-
í quia, incluiria os delegados das câmaras e os "homens repúblicos", expressão
fugiadas no Novo Mundo "ao norte do Equador", "ali [onde] os descenden-
que designara no Antigo Regime os indivíduos com direito a voto nos prélios
1 tes da soberbaAlbion vos erigiram altares", e de onde "vosso celestial influxo
[...] domina em quase todo o continente americano e segundo a ordem da na-
municipais. Com tal ampliação, o que os carvalhistas tinham em vista era
esmagar a maioria ruraI. 2 3
tureza brevemente dominará o resto". Já frei Caneca, como assinalou Rena-
O objetivo temporário do projeto explica sua brevidade, pois que se li-
to Lopes Leite, "repete à exaustão o conteúdo da idéia de repú_bli~asem que
1 mita a regular o legislativo e o executivo, só referindo de passagem a criação
a palavra sequer apareça". Ademais, a resistência a D. Pedro é JUsnficada em
1 de um Tribunal Supremo de Justiça e sem incorporar a declaração dos direi-
termos da unidade do Império, ameaçada pelo arbítrio. 21
',, tos individuais própria das Constituições liberais. O legislativo unicameral fi-
í A nível confederal, o Grande Conselho das províncias <lo Norte teria
! xaria a receita e a despesa públicas e as forças armadas, podendo alterar o sis-
I• depurações numericamente iguais às da dissolvida Constitu_inte.Para sua apre-
,,
1
ciação, elaborou-se projeto de lei fundamental que, como os "Artides of Con-
tema provisório de governo. O executivo, com um Presidente, um Vice-Pre-
sidente e três secretários de Estado, cuja nomeação ficava sujeita à aprovação
federation" norte-americanos de 1776, deveria preceder a Constituição, re-
do outro poder, partilharia com ele a iniciativa das leis e disporia de veto
gulando os poderes do governo provisório da Confederação até a ratificação
suspensivo derrubável por dois terços do legislativo.J~m questões vitais, o
da Carta definitiva. O projeto foi confundido à época e continua a ser con-
P_reside~tepoderia consultar até seis deputados, sem q~eop~i~~-;dd~s fos-
• s~_QP_!!g_atório.I;:l~!xerceríao êomando-ém-chefe das forças de primeira e de
2
0 ArgosPernambucano, 29.vi.1824; Pereira da Costa, "Confederação do Equador", PP· 211, segunda linha. Cada províncía conservaria seu governo, iuá.ãdmi~istr;çii;; e
315-7; Ulysses Brandão, A Confederaçãodo Equador,p. 211; CCF, 8.vii.1824; Itineráriocronoló- seu funcionalismo, salvõ·as-miidaiiças qué· o Cõngrêsfo decréràssê~-Dêirioêlo.
gicu,Veiga Pessoa, "Dissertação", IAHGP, A, 14. As revoluções a que aludia Silva Lisboa era~ a
revolta da nobreza em 171 O, a revolução de 1817 e a Confederação do Equador: Pescade tubaroes
do,Recifeem trêsrevoluções dosan'arquistasde Pernambuco,Rio de Janeiro, 18.24. 22
Manud Cícero Peregríno da Silva, ªPernambuco e a Confederação do Equador", PAN,
21 DesenganoaosBrasileiros, 3 e 4.vii.1824; Renato Lopes Leite, Republicanos
e libertários, 23, p. 310.
p, 38; Glacyra La:z.zariLeite,. Pernambuco,1824:a ConfederafÍÚ) do Equador,Recife, 1989, p. 120. 23
PAN, 22, p. 134.

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VINTE E QUATRO (2)
A OUTRA iNDEPEND~NC!A

a tranqüilizar o interior, o Catolicismo seria a única religião reconhecida. _Q~ ou provinciais. Finalmente, as províncias abrangiam os cantões regidos pelas
legislação im_eerial,observar-se-iam ap~f1.~_a,:5 leis da Constitu_ip.te dissolvi:_ camaras mumc1pais.26S ob este aspecto, a Cana bolivariana aparentava-se antes
A .. •

d,a{~!1_tenda-se? no <l'!(!n~o se chocassem com as disposições a seren:!:~dota- ao projeto imperial. O provável, portanto, é que sua divulgação em Pernam-
buco tenha sido feita apenas no fito de estimular o debate constitucional, da
daspelo Congresso. 24
É inexata assim a afirmação de Varnhagen, repetid~por Oliveira Lima mesma maneira pela qual frei Caneca reproduzia em seu jornal às "Bases para
e uiises Brandão, -segu~d;;-q~~ Carvalho te~ia feito adotar em caráter in- a formação do pacto soêiaI, redigidas por úniâ. s~ciedade de homens· ele le-
tras" ,27 o proJeto
• dl'e e1orgamca
,. dD
e ezessete, ou ain da os princípios da Cons-
terino a Constituição da Grã-Colômbia de 1821 ou teria·õ propósito deTãzê-
' la aprovar êrn caráter definitivo. A asseveração baseia-se na iniciativa, toma- tituição que se elaborava no Méxíco. 28
da em fevereiro, mas que não se lhe pode imputar, da tradução, destinada "aos Paralelamente, dado o caráter emergencíal da situação, Carvalho, reco-
verdadeiros amigos da causa brasileira" (como rezava o subtítulo da publica- nhecendo não dispor de "suficientes poderes para deliberar sobre assuntos ex-
ção enviada às províncias do Norte}, da Constituição de Cúcuta (1821), ado- traordinários como exige o nosso atual estado", propôs, a formação de um go-
tada pelo Congresso bolivariano. Como acentuou Peregrino da Silva, se para verno temporário da província composto de Presidente e de Assembléia de25
a adoção do projeto regulamentando os poderes do governo provisório da membros, escolhidos pelo Conselho Governativo. A Assembléia deveria pro~
Confederação, Carvalho "se não considerava armado de suficientes poderes, ceder às "reformas que forem necessáriasa bem dos povos, tanto nas leis como
25 no sistema polítÍco, tudo provisoriamente até que se reúna a Soberana Assem-
como os teria para perfilhar a Constituição da Colômbia?". A suspeita de
que Carvalho estivesse influenciado pelo constitucionalismo bolivariano dis- bléia Constituinte para formar a Constituição que nos deve servir de lei funda-
sipa-se quando se leva em conta que Bolívar infletiu, em direção oposta, o mental". O Presidente comandaria a força provincial de terra e mar e nomea-
rumo da emancipação na Grã-Colômbia, substituindo o federalismo da pri- ria dois ou três secretários, com aprovação do corpo legislativo, no qual te-
meira república venezuelana e da "Pátria boba" colombiana por uma repú- riam assento, sem direito a voto, para apresentar as propostas do executivo.29
blica centralizada, inspirada nas Constituições francesas de 1799 e de 1802.
A Constituição de Cúcuta tinha feitio marcadamente unitário, dividin-
26 Leslie Bethell (ed.), The CambridgeHistoryof Latin America, 3 vols., Cambridge, 1984,
do a Grã-Colômbia em departamentos, expressãoherdada da Revolução Fran-
iii, pp. 139-42.
cesa, a serem governados por intendentes (outro vocábulo de inspiração cen-
. 27
FC, pp. 494-5, 508-9. Frei Caneca declarará que o texto fora-lhe entregue para publi-
tralizadora francesa mas desta vez originário do Antigo Regime) nomeados
cação por Manuel de Carvalho, FC, p. 615. Segundo informação de José Murilo de Carvalho ao
pelo Presidente da República. Os departamentos, por sua vez, compor-se-iam
autor, trata-se de mera tradução cl.t"Declaração dos direitos do ho~em", adotada pela França
de províncias, administradas por governadores subordinados aos intendentes
em 1793, exceto que retira a expressão "sagrado dever ae insurreição", constante do artigo 29.
e também de nomeação presidencial, não havendo assembléias departamentais 28 FC, pp. 441-5, 466-7. As "Bases da Constituição mexicana" haviam sido aprovadas em

1823, contendo os princípios em que se fundou a Constituição mexicana de 1824, próxima da


24 O rexto encontra-se na Análisedoprojetode governopara asprovínciasconfederadas,
Rio norte-americana. As "Bases" estabeleciam um sistema federal de estados com governadores e as-·
sembléias eletivas, tendo na cúpula um Presidente e vice-Preside;te, Senado e Câmaras de esco-
de Janeiro, 1824, atribuída a José da Silva Lisboa; em RIAP,22 (1920), PP· 67-72; e na coleção
visconde de Ourém, IHGB, L.144, doe. ni3.157. O projeto teria sido redigido pelo republicano lha popular.
29 RIAP,23 (1908), pp. 321-2. Durante o Grande Conselho do Ceará, realizado em Forta-
português João Soares Lisboa, sob a supervisão de Carvalho.
p. 307; Oliveira Lima, "Hist6ria e histórias", RlAP,
25 Varnhagen, Históriada Indeperzdbtci4, leza a 26 de agosto, o Presidente Tristão de Alencar Araripe, apresentara "um plano de nova for-
do Equador,pp. 193-4; CCF, 25.ii.1824; Pe-
20 (1918), p. 55; Ulysses Brandão, A Confederação ma de governo", não se sabe se provincial, se confodéral, em doze artigos, desconhecendo-se, con-
tudo, seu texto: Tobias Monteiro, O primeiro &inatÚJ,i, p. 214.
regrino da Silva, "Pernambuco e a Confederação do Equador", p. 310.

216 217
A OUTRA lNDEPENDENCIA
VINTE E QUATRO (2)

Barman a chamou atenção para o fato de que a Confederação do Equa- as províncias coligadas haviam sido "criadas pelo Autor da Natureza" para
do~ não se apresentou como uma alternativa ao Brasil, mas como "a organiza- constituírem Confederação. 31 Sem apoio no Sul, ela teria tido de conformar-
ção política que os brasileiros eram supostos desejarem: uma confederação de se com um destino regional e republicano, sobretudo se os radicais vences-
laços frouxos, não um E$tado-nação centralizado". Se de início ela abrange- sem a parada; mas se o Sul se tivesse alinhado com o Norte, os moderados
ria as províncias do Norte, nada impedia que viesse estender-se a todo o país. teriam levado a melhor, com o que se poderia ter encetado já em 1824 a ex-
A crítica das gazetas.carvalhistas ao proj~to de Constituição in:11'-~f!~,
mesmci periência regencial dos anos trinta, com a elaboração de diferente Constitui-
depois do 2 de julho, invocava sempre ·os direitos do Brasil, não os direitos ção ou de Ato Adicional à maneira de 1834.
do Norte. Como vimos, o sistema proposto por Soares Lisboa visava à forma- Não menos importante, a delimitação do bloco confederal dependeria
ção dos Estados Unidos do Brasil. E o Typhis,de frei Caneca, tinha, como da atitude das províncias tributárias do entreposto recifense. Em fevereiro,
ressaltou Maria de Lo urdes Viana Lyra, •"um discurso favorável à união das Carvalho enviara-lhes emissários para fazer a propaganda contra o projeto de
províncias enquanto as condições constitucionais pré-existissem".A proclama- Constituição, mas só no Ceará a reação tomara vulto. O governo rio-grandense
ção de Carvalho em agosto declarava que a causa do N orte "'e a mesma,causa assentiu a uma liga defensiva com Pernambuco, comprometendo-se a man-
do Sul do Brasil". Destoando de Dezessete, cuja opção regionalista fora em ter tropa na fronteira com a Paraíba, onde a situação foi sempre desfavorável
parte imposta pela conjuntura, Vinte e Quatro não descartava a possibilidade ao carvalhismo. Malgrado auxílio militar de Carvalho, a junta do Brejo da
de que o Sul reagisse, quando mais não fosse graças ao trauma da dissolução Areia foi derrotada em Itabaiana (24.v.1824). A suspensão do bloqueio do
e à mobilização política da Independência, que intensificara, quando da Cons- Recife levara o Presidente Felipe Néri Ferreira a aceitar sua substituição por
tituinte, os contactos entre representantes de ambas as regiões. Sequer o títu- Joaquim Manuel Carneiro da Cunha, que se destacara na Constituinte por
lo de Confederação do Equador pode ser acoimado de regionalista, em vista seu liberalismo intransigente. Mas o ajuste viu-se rejeitado pela guarnição e
da tendência retórica a denominar o Brasil de Império do Equador. 30 pelas autoridades da cidade da Paraíba, que, com o abandono do cargo por
Contudo, enquanto D. Pedro controlasse o Rio, Minas e São Paulo, Felipe Néri, empossaram um membro do Conselho Governativo, Seixas Ma-
impunha-se a Confederação nortista, abrangendo o território entre o Piauí e chado, que Carvalho teve de reconhecer pelo acordo de 6 de agosto em troca
o rio São Francisco, equivalente às seis províncias do Norte, a que aludira a da retirada da tropa na divisa com Pernambuco. -Em Alagoas, o ataque desfe-
proclamação aos brasileiros; ou limitando-se à "liga das quatro províncias", chado em julho contra a tropa de Pais Barreto não lograra vencê-la; e a flotilha
do Ceará a Pernambuco, que Carvalho mencionava em ofício a Tristão de confiada a João Guilherme Ratcliff, para obrigar o recém-empossado Presi-
Alencar Araripe. Atribuía-se também a ele o propósito de reunir toda a área dente Lócio e Seilbitz a assentir ao fim das hostilidades, foi capturada por uni-
entre o Piauí e o Recôncavo baiano, com exclusão das antigas capitaq.ias de dades da marinha imperial. Em Vinte e Quatro, como em Dezessete, Alagoas
1 Ilhéus e Porto Seguro, anexadas ao governo de Salvador no período colonial. permaneceu corcunda; e,-em ambas as ocasiões, a resistência d~ Manuel Vieira
A Cochrane como a Dupetit Thouard, comandante de navio de guerra fran- •Dwas em Anadia, onde chegou a constituir junta pró-carvalhista, terminou
cês surto no porto, Carvalho afirmará que a fronteira meridional seria o São facilmente esmagada pela tropa mandada da capital. 32
Francisco, retomando a concepção do padre João Ribeiro na afirmação de que
1!
1· 31
Ulysses Brandão, A Confederação do Equador,p. 205; Peregrino da Silva, "Pernambuco e
30 Barman, Brazil. Theforgingofa nation,p: 122; DesenganoaosBrasileiros,4.vii.182; Via- a Confederação do Equador", p. 333; Pereira da Costa, "Confederação do Equador", p. 295; Ma-
ria Lyra, "Centralisation, systeme fiscalet autonomie provinciale", p. 129; PAN, 23, p. 121; Ulysses nuel de Carvalho a Alencar Araripe, 6 e 25.viii.1824, ANRJ, Confederação do Equador, 1.694;
Brandão, A Confederação do Equador,p. 205; babel Lustosa, Insultosimpressos,pp. 358-9; Costa Cochrane, Na"ação dosserviços,p. 169; CCF, 8.vii. e 19.ix.1824.
Porto, Pequenahistóriada Confederação
do Eq,uador,PP· 63 ss. 32
Tobias Monteiro, O primeiro Reinado,i, pp. 116-23, 201-9; RIAP, 13 (1908), p. 334;

218
219
A OUTRA lNDEPEND8NCIA
VrNTE E QUATRO (2)

•A Bahia era a grande incógnita. O fracasso da missão de Venâncio Hen-


A 11 de julho, quando ainda não se sabia do manifesto de Carvalho procla-
riques de Rezende não. desanimara Carvalho, pois inclusive no Rio a adesão
mando a Confederação do Equador, partia do Rio segunda flotilha, de seis
da província ao projeto de Constituição não era reputada firme. Recomeçando
unidades, sob o comando de Antônio José. de Carvalho, com ordens de aper-
a agitação em Salvador ao saber-se do envio de Taylor contra o Recife, Car-
tar o bloqueio caso Mayrink aind,a não houvesse sido empossado. A 5 de agos-
valho despachara o padre Francisco Agostinho Gonies, 33que tampouco teve
to, ela fundeava em frente do Recife. Em Alagoas, além de auxílio bélico para
êxito, pois, segun4<?-PP~ervava, o consti~ufi~:1alismocarvalhista chocava a oli- Pais Barreto, ela desembarcara Pedroso, que D. Pedro anistiara e fizera coman-
•garquia q.oRecôO:cavo.Ali, como na mata sul de Pernambuco, sofria-se com
dante de artilharia de Pernambuco, na expectativa de que recuperaria o apoio
a falta de capitais lusitanos. Em abril, um contingente baiano destinado a da gente de cor. Por fim, o monarca desmembrara a comarca pernambucana
Pernambuco recusara-se a embarcar, descobrindo-se uma conjura das unida- do São Francisco, transferindo-a a Minas, de modo a poupá-la e à Bahia do
des de cor para derrubar o Presidente Francisco Vicente Viana e declarar apoio contágio carvalhista.35
a Carvalho. Em junho, novos emissários carvalhistas reiteravam que não se
A 23 de julho, a fragata inglesa Dom, que a 9 partira do Recife, trazia
poderia contar com a Bahii, embora, segundo o cônsul francês em Salvador, ao Rio a notícia da Confederação do Equador. Para Mareschal, Carvalho vi-
o bloqueio do Recife continuasse a alentar a facção republicana. As procla- rara "com habilidade infinita contra o governo de Sua Alteza Real todas as
mações de julho tampouco surtiram efeito. Só em outubro, já esmagado o medidas empregadas até agora contra ele". Embora as atividades comerciais
carvalhismo, ocorrerá o levante do batalhão dos Periquitos, a quem se atri- na província estivessem paralisadas, não havia escassez de víveres, além de que
buíam "idéias republicanas e anárquicas", no decurso do qual será assassina- os carvalhistas disporiam de três vasos de guerra, aprestados por norte-ame-
do, defendendo a causa imperial, o governador das armas Caldeira Brant. 34 ricanos. Não menos preocupante, seus manifestos circulavam na Bahia e en-
Em começos de julho, conhecia-se no Rio o fracasso daAbrilada em Lis- travam clandestinamente na Corte. A 25, graças ao próximo recebimento da
- boa, movimento destinado a impedir D. João VI de outorgar uma Carta do parcela inicial do empréstimo levantado em Londres, que permitia sati~fazer
feitio da francesa e para coagi-lo a abdicar em favor de D. Miguel. El Rei:e o parte da indenização a Cochrane, o Imperador resolvia em Conselho de Es-
gabinete de moderados só foram salvos pela intervenção dos diplomatas es- tado despachar a esquadra com um contingente.do exército de 1.700 homens,
trangeiros. O despreparo da expedição recolonizadora, que não dispunha nem sob a chefia do brigadeiro Francisco de Lima e Silva, a quem eram confiados
de chefes nem de tropas, além de muitos dos navios carecerem de consertos, os poderes políticos. A rapidez com que a expedição foi despachada reputou-
também liquidava os temores de ataque português. Assim, transcorrido um
mês da ordem de suspensão do bloqueio, o Imperador decidiu recomeçá-lo.
35
Manning, ii, p. 802; Diário Fluminense,30.vi., 9 e 14.vii., e 4.íx.1824; CCF, 8.vii. e
Craveiro Costa, "A Confederação do Equador e a província das Alagoas", p. 19; L. A. Boiteux, IO.viii.1824; CWM, 321, pp. 274, 282-3; e 322, p. 186; D. Pedro a Barros Falcão, 7.vii.1824,
"A marinha imperial", pp. 95-7; Brian Vale, "A ação da Marinha na Confederação do Equador", ANRJ, Confederação do Equador, 1.694; ARCO, 7/6/243/300-309 e 7/6/243/322; Brian Vale,
p. 145. Independenceor Death!,pp. 131-2. As expectativas depositadas na atuação de Pedroso não se con-
33 cretizariam e no fim de setembro, Lima e Silva o enviou de volta à Corte, a pretexto de cumpri-
Como Barata, o padre Francisco Agostinho Gomes envolvera-se na conspiração baiana
mentar o Imperador pela derrota dos carvalhistas, mas com a recomendação ao ministro da Guer-
de 1798, representara a Bahia nas Cortes de Lisboa e deixara-se ficar em Pernambuco no regresso
ra de que o recesseali. Posteriormente, os oficiais que o haviam acompanhado a Pernambuco fo-
de Portugal. A seu respeito, lsrván Jançsó, Na Bahia, contrao Império,PP· l 44-7.
ram também mandados retornar ao Rio: PAN, xxii, pp. 369,388. Existe no Arquivo Nacional o
34 Manning, ii, pp. 777 e 790; Diário Fluminense,22.v.1824; CCF, 8.vii.1824; PAN, mi, rascunho de carta de Carvalho a Pedroso, datada de 7.íx.1824, concitando-o a aliar-se à Confede-
pp. 127-8; Accióli, Memóriashistifricas,iv, p. 180; FC, pp. 449-50; KaciaMattoso, "O Consulado ração, "assegurando-lhe n(4:>só a reimegraÇiiode seus postos mas também um lugar distinto entre
francêsna Bahia em 1824", ppd57-8, 162-3, 167, 197. os mais beneméritos": ANRJ, Confederação do Equador, 1.694.
...

220 221
VJNTE E QUATRO (2)
A OUTRA lNDEPENDêNCIA

à resistência,
se inédita no Rio. D. Pedro também suspendeu as garantias constit
ucionais deria ser vencida mediante intervenção militar que pusesse termo
detécta ra em conversa
em Pernambuco, "nosso primeiro estado de sítio", como lembro
u Aurelin o rematando a união das províncias. Borges de Barros
do manife sto
Leal, designando uma comissão militar destinada a julgar sumari
amente os com Villele, Presidente do Conselho de ministros, os efeitos
a do Império
cabeças da Confederação. A Mayrink, ordeno u-se que, uma vez empos sado, carvalhista de 1° de maio. A idéia ~e reconhecer a independênci
bastião monárq uico no Novo
fizesse jurar o projeto. 36 em nome da conveniência de transformá-lo em
Mundo já cedia lugar ao cálculo cLt& vantagens da sua 1ivi~ão. "A Europa (sem···•·.
L.l\Ia~~~o da Corte, pey_~ufo_r_tementea.a.v~i_a.<i!~~arepercu s ssões in-
ar com as
a fragilid ade_do Impéri o, elasyre-- exceção de potência) deseja ver a América retalhada, sem se import
. ternacionais da Confederação. Ao patentear porque assim colônia s da Euro-
s o reconhecimento__da
sobre _I_nAe pendência formas de governo, contanto que sejam fracas,
judicavamnã~ só as nigo_~i;;._çõe desta mudan ça eram
vantado pa continuarão a ser debai.xode outros nomes." Indícios
çomo também o desembolso das demais parcelas do empréstimo)e no Bra-
rendas das alfân- também a perplexidade do ministro da Rússia ("com quem se tratará
.- -em Londres, para cuja amortização sé ha~arn hipotecado as falta de censur a govern amenta l no to-
as condiç ões da ope- sil, com o Norte ou com o Sul?") e a
degas. Desde 1822, Caldeira Brant vinha prevendo que a portug uesa. 38
janeiro de cante à publicação das notícias sobre o conflito na Améric
ração dependeriam da atitude das províncias setentrionais. Em suspen-
1824, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Carvalho e Melo, procur
ara tran- ..<;:~~_alh.9~ci?!1ªV:~Plar a abolição do tráfico negreiro, que
regime pela Assem bléia confed e~~~
qüilizá-lo, afirmando que mesmo se o Norte se insurgi sse contra a dissolu ção, deu a 3 de julho, à proclamação do novo
pela e dos Estados Unidos a declara ção do estado de
voltaria ao aprisco de sua espontânea vontade ou D. Pedro o subme
teria ~o_bt~da-Inglaterra
cias, a con- beligerância entre o Norte e o Império. O govern-Õ de Londres era hostil ao
força: se Pernambuco não seguisse o exemplo das demais provín
, ordeno u-se a Caldei ra Brant ,
ccarvru.l.iismoinclusi ye no temor de que'õs.Estidos·lJõícfos tossem o grande
testação seria liquidada pela esquadra. Em agosto toera in-
2 de julho fez _benefü::Járioda sua virórlâ; mas no Rio julgava-s~--qu;;-·o-~'ó'vi~en
que divulgasse pela imprensa inglesa a partida de Cochrane. O io americ ano .
olada, se não centivado por toda a maçonaria de língua inglesa e pelo comérc
bai.xar a cotação dos títulos brasileiros, receando-se sua degring lar por
io. Ao represe ntante brasileiro (que então contava com cerca de onze firmas no Recife), em particu
fosse imediatamente restabelecido o bloque o do cargo em 1820 devido aos
ade imperi al". Joseph Ray, ex-cônsul da República, afustad
assustava sobretudo "o enxovalho que experimenta a autorid s de 1817.
Mas noticiada a viagem da esquadra, as apólices começaram a recupe
rar-se. 37 protestos da Corte contra a proteção que dera aos revolucionário
rência eu-
Não menos preocupado mostrava-se Borges de Barros, agente do
Rio em Encorajado pela declaração do Presidente Monroe contra a interfe
ho escreve ra-lhe em março, alertan-
to do Impéri o pelo ropéia nos assuntos americanos, Carval
Paris. Em maio, ele apontara os obstáculos ao reconhecimen freqüên cia com
e o "ar de in- do-o contra a presença de armada francesa na Guanabara e a
governo de Luís XVIII: a intransigência do gabinete de Lisboa, ndo-lhe
certeza" reinante em Pernambuco, que "tanto mal tem feito", dando
argumen- que vasos de guerra britânicos visitavam portos do Norte, e solicita
a esquad ra para defend er a
tos aos que sustentavam a inexistência de consenso nacion al em torno do re- colocar à disposição da província "uma pequen
39 quando o govern o
a só po- nossa liberdade", missiva que só chegou ao destinatário
gime. A primeira dificuldade exigia apenas paciência, mas a segund
de Washington já reconhecera o Império.

36 DiárioFluminense,26.vii.1824; BNRJ, 1-31, 22, l; CWM, 321, pp. 279, 281-2, 284;
Apeloà honra brasileira,p.
323, pp. 177-8; CCF, 19.ix.1824; CCF-RJ, 6.viii.1824; Silva Lisboa, manifesto de Carva-
Arquivo Diplomáticoda Independência,iii, pp. 138; 151, 167-8. O
38
Confede ração do Equador ", pp. 142-3;Aurelino Leal, His-
5; Brian Vale, "A ação da Marinha na Chateaubriand, então ministro
Janeiro, 1915, p. 143. lho de 1° de maío foi indusive traduzido e enviado ao visconde de
tóriaconstitucionaldo Brasi4Rio de 15.v.1824.
dos Neg6cios Estrangeiros, pelo cônsul francês no Recife, CCF,
37 Arquivo DipbJmáticoda Independência,i, pp:48, 64, 88, 159, ii, pp. 119,121, 127, 131;
39 321, p. 282; Arínitage,
RIAP, 13 (1908), pp. 320-1; Cochrane, Narração,p. 165; CWM,
RIHGB,80, pp. 157-8.

223
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A OUTRA lNDEPENDl'.NC!A
VINTE E QUATRO (2)

Ao Rio também preocupava a perspectiva de que as conexões de Carva-


cionada na fronteira alagoana. Acompanhavam-no Natividade Saldanha, que
lho com negociantes americanos o habilitassem a empregar corsários baseados
tinha reservasacerca da ruptura com o Rio, e o comandante do forte do Brum,
em portos da costa leste dos Estados Unidos. Lima e Silva, por exemp~o, pen-
José Maria Ildefonso Jácome da Veiga Pessoa, que protestara contra ela. Car-
sava tratar-se de perigo iminente. Ray era ligado a mercadores de Filadélfia
valho encetou a seu modo a organização de novos contingentes, sob a dire-
que não desdenhavam arriscar capitais no apresamento de embarcações espa-
ção de oficiais de sua estrita confiança e que lhe estavam diretamente subor-
nholas e portuguesas. Com a cumplicidade de autoridades locais, eles b~rla-
dinad~,o .que acentuou o cai:i:cpopular do movimeBto. "A plebe e a gente
vam as leis de neutralidade do país, o que lhes permitira fazer uma razziana
de cor (escreverá Lima e Sil-;a] é quem dava a lei; e ultimamente Carvalho
navegação luso-brasileira em Dezessete e durante a guerra contraArtigas, co1:1
estava sustentado no seu lugar por Emiliano, preto Agostinho, o célebre João
conseqüências sérias para as relações do Reino Unido com o governo ameri-
Soares, padre Caneca",, os quais, "com outros indivíduos desta, íntima clas-
cano. Mas Ray, embora reputado por José Silvestre Rebelo, representante do
se", mobilizaram "toda a gente de cor e a baixa ralé". Mesmo o 1° e o 3° ba-
Império em Washington, "acérrimo motor de revoluções", não dispunha do
talhões teriam sido seduzidos pela propaganda carvalhista. Esmagada a Con-
apoio oficial dos Estados Unidos. Estes, após hesitarem sobre a resposta_a dar
federação, Lima e Silva extinguiu os ~orpos de guerrilhas que, passivos no
às gestões de Rebelo, com o argumento de que "há muita gente no Brasil que
interior, haviam sido atuantes no Recife e Olinda. Enviou ademais para o Rio
não quer o sistema de governo imperial", e de que Pernambuco "está com as
cerca de duzentos ativistas, os batalhões de Monta-brechas, Bravos da Pátria
armas na m,ão e quer outro sistema de governo", serão o primeiro Estado a
e Intrépidos, além de muitos oficiais que, pela "pouca idade e falta de senso
reconhecer o Império, o que ocorreu em junho, às vésperas de proclamada a
comum, se deixaram possuir da mania revolucionária", sobretudo os do regi-
Confederação do Equador, ali conhecida em meados de agosto. 40
mento de artilhària. Por cautela, a execução dos cabeças que não haviam con-
Com o 2 de Julho,_Carvalho chamou a si o C:Q!J:l..ª119c9-IDili:rnx.Jlª-fros
Fal-
seguido escapar, como frei Caneca e outros, só teve lugar após a partida dos
cão foi enviado ao sul da província a pretexto de articular no terreno o com-
navios que transportavam aquelas unidades para a Corte. 41
bate às guerrilhas imperiais, mas destituído de autoridade sobre a tropa esta-
/. Tal mobilização contrastava com Dezessete. Então, segundo Lima e Sil-
/ va, "o povo não tinha entrado" na revolução, pois seus chefes, consoante Lo-
, pes Gama, "nunca se valeram da canalha para os sustentar, nunca a fizeram
1
Históriado Brasil,p. 81; CCNA, 6.x.1824; Folhasesparsas,
BNRJ, I-31. 33, 3; CCF, 25.xii.1823; 1armar para sair desenfreada a assassinar a torto e a direito". Em Vinte e Qua-
Tobias Monteiro, OprimeiroReinado,i, pp. 147-8; Glacyra Lazzari Leite, Pernambuco,1824, PP·
tro, após se lhes haver "pregado com Constituição, liberdade, soberania po-
62 e 142.
pular e outras doutrinas semelhantes com que se iludem as pessoas incautas",

i
40 Lima e Silva a Lord Cochrane, 4.x.1824, IHGB, 221, 9; Arquivo Diplomáticoda Inde-
pendência,v, pp. 17, 103, 118, 123; Bourdon, JoséCorrêada Serra,pp. 62, 67, 91, 94-7, 1.13-4.
Filadélfia era importante foco das atividades de revolucionários hispano-americanos e ex1la~~s
l a obediência do povo tornara-se coisa ·do passado: aproveitando-se da cisão
. no âmbito da camada dirigente, ele surgiu em cena "com a sua soberania",
engrossando o partido de Carvalho. Mas Lima e Silva admitirá também que
! l bonapartistas. Em 1824, como fizera em 18l 7, Joseph Ray protegeu vários confedera~os, fuc1.li-
tando sua fuga para os Estados Unidos, entre eles Barros Falcão, o coronel José Antôn10 Ferrei~ os carvalhistas apenas se haviam aproveitado do "gás inflamável que existe nes-
e Venâncio Henriques de Rezende, que, com outros, ali sobreviveram por algum tempo graças a
ajuda de lojas maçônicas, dispersando-se depois pela Colômbia, México e Buenos Aires. A ~er-
nambuco, só regressaram os que não haviam sidô pronunciados. Barros Falcão teve seu pedido 41
de perdão rejeitado pelo Imperador. Em 1825, Silvestre Rebelo terá de empenhar-se junto ao Se- ItineráriocronoMgico; BNRJ, 1-31, 22, l; Fólha.resparsas; Manuel de Carvalho a Bar-
cretário de Estado, John Qui~cy Adams, para que Ray não fosse novamente nomeado cônsul no ros Falcão, 14.viü.1824, IAHGP, A, 13; Antônio Joaquim de Mello, BiografiadeJosé.daNativi-
datk Saklanh&., Recife, 1895, p .•87; Veiga Pessoa, «Disserração", IAHGP, A, 14; PAN, xx:ii,pp.
R!f9if
7:Arquivo Diplomáficoda Independência,. v, pp. 36, 127, 148, 150, 159, 163.
336-7, 376-7, 387,400,471; CCF, 3.xii.1824.

224
225
A Ç)UTRA INDEPENDENCIA VINTE E QUATRO (2)

ta província"; onde "a mania revolucionária" era '!moléstia endêmica", em- Para separar Carvalho & radicais da tropa e do carvalhismo moderado,
polgando "uma grande parte do povo" e da" classe militar". E o que era mais Cochrane prometeu nas suas proclamações44 a partida dos cabeçaspara o exílio
preocupante, mesmo entre os estratos privilegiados, tampoueo existiria ade- com suas famílias e bens, a proteção contra represálias aos soldados que tives-
são sincera ao regime monárquico e ao Imperador, tão-somente o medo da sem tomado armas contra o lmP,ério, e, à maiorià carvalhista, a revisão da
insubordinação das camadas subalternas. 42 Carta, com "as modificações que fossem julgadas necessárias pela Assembléia
.Co.m a esquadra de.Co~hrane ao largo do}~.Gcj(e,após haver d~se~~ar- Geral, com a sanção imperial", uma vez jurados e reconhecidos D. Pedro ·e
cado o exército imperial em Alagoas, Carvalho tratou de explorar a rivalida- sua ·Constituição. A mesma barganha ele oferecerá ao Ceará, quando será
de entre o almirante e o ministério. Quando da dissolução, Cochrane reco- desautorizado pelo Imperador, pois não tinha poderes para tanto. As instru-
mendara a D. Pedro a outorga de ''uma Çonstituição prática'' à moda.ingle- ções que lhe dera o ministro da Marinha restringiam-no a coadjuvar as ope-
sa, vale dizer, com equilíbrio de poderes entre o monarca e o parlamento, Jnas rações terrestres: desembarcar o exército em Jaraguá, bloquear o Recife e ata-
também "com algumas partes da dos Estados Unidos", isto é, com elemen- cá-lo, em caso de resistência, em coordenação com a tropa de terra, não permi-
tos federalistas, conselho que, aliás, Caldeira Brant já d~ra a José Bonifácio. tindo que Carvalho e sequazes escapassem.45 A Lima e Silva é que se haviam
(Como Cochrane viria a recordar, caso suas sugestões tivessem sido aceitas, dado competências polítkas, mas que estavam longe _deincluir concessões,
o Norte não se teria sublevado.) Carvalho concitou-o a desempenhar nova- como as que oferecia Cochrane. O almirante deve ter calculado que, com a
mente o papel, caracterizado pelo "liberalismo, nobreza de alma e profunda partida de Carvalho e dos cabeças, um acordo com o carvalhismo moderado
sabedoria" que o Lord manifestara "no mundo velho e especialmente no no- o habilitaria-a induzir D. Pedro a compromisso e a apresentar-se como o salva-
vo", não se deixando instrumentalizar por "mal entendidos caprichos" a fim dor da integridade do Império face à inépcia ministerial no trato da questão
de "reduzir à vergonhosa escravidão aqueles povos a quem veio socorrer na pernambucana.
luta gloriosa da sua liberdade". Através de amigos ingleses do Recife, Carva- Segundo Cochrane, a contestação pernambucana nascera de "impressões
lho iniciou contactos secretos para convencer Cochrane a passar com a esqua- errôneas, causadas por um acontecimento súbito [a dissolução] que vós não
dra ao serviço da Confederação. Os dois divergem, porém, no tocante às ra- haveis podido apreciar de maneira justa, devido à distância em que estais do
zões do malogro dos entendimentos. Oferecendo-lhe Carvalho a soma de 400 lugar onde ele se passou". Impressões manipuladas pelos que desejavam ar-
contos de réis a título de indenizàção da~ perdas do almirante no serviço do rastar a província "a um sistema de que resulta a confusão e a anarquia", de-
Império, Cochrane respondeu que o Presidente deixara-se enganar a seu res- vido a um mal-entendido excesso de.zelo pela Independência e pelas institui-
peito pelas calúnias d9 partido português. A conselheiros seus, porém, Car- ções livres. Embora já se houvessem dado conta do equívoco, os radicais nele
valho confidenciou que o trato só não se fechara devidp à exigência exorbi- persistiam só para salvar a face, com "a conseqüência inevitável para todos"
·tante de 2 milhões, embora tivesse chegado a contrapropor milhão e meio. 43 de "serem envolvidos numa ruína comum". Caso continuassem a enganar seus
comprovincianos, D. Pedro cumpriria seu dever de soberano constitucion~l,
42 e a esquadra imperial executaria, ao cabo de oito dias, as mediql!5 in4ispen-
e um
Miguel do· Sacramento Lopes Gamà, Didlogoentreum corro~da,um constitucio,uzl
federativodo Equador,Recife, 1825, p. 35; BNRJ, I 33, 22, I; PAN, 22, p. 377, e 25, pp.
sáveis à segurança marítima do Império, com o arrasamentÓ inclusive do porto
481-3.
43 Cochrane, Narração: pp. 143, 153-4, 169; CWM, 315, pp. 362-3;ACI, LI, doe. n. 2.389;
da_Inde- 44 Que o almirante fez lançar po, meio .de papagaios de papel, que atraíam a atenção públi-
PAN, 7, p. 303; Itineráriocronológico;CCF, 19.ix.1824; Tobias Monteiro, A e/,aboraçáo
pendência,pp. 844-5; Henrique Boiteu.x, Osnossosalmirantes,lliode Janeiro, 1917-1918; ii, pp. ca: IHGB, lata 218, 5.
80, 145, 175-6. 45 ARCO, 2/5/451/125-6. ·

226 227
A OIJTRA INDEPENDl!NClA VINTE E QUATRO (2)

do Recife. Se, porém, dessem "um passo atrás", congregando-se ao redor do Carvalho podia desistir da Confederação em favor da reconvocação da
•trono e destane capacitando o Imperador a desfazer-se de "toda influência es- Constituinte, mas não aceitar uma revisão constitucional que, limitada a al-
trangeira", isto é, do partido português, "eu vos asseguro com sinceridade que guns pontos, deixaria intocado o arcabouço da Constituição outorgada. Nos
nada me será mais agradável do que assumir o papel de mediador para impe- termos dq mecanismo que ela previril para este fim, a reforma, na melhor das·
dir as perseguições, a efusão de sangue [e] a destruição". 46 hipóteses, levaria cinco anos, sem a menor garantia de que se viesse a concre-
.O. .:µmirante valeu-se da intermediação de sua compatriota Maria Gra- . tizar. Como vimos, já havia o precedente da rejeição das reivindicações baia-
h~ para convencer Ca~Íh~ a partir. Nas suas notas, ela ~eferiráhaver visi- nas de modificação de dois artigos. Nestas circunstâncias, Carvalho procurou
tado o Presidente por duas vezes para convencê-lo da inutilidade da resistên- . resistir, explorando, em proclamação aos soldados, a relativa gener_osidadeda
cia, prometendo-lhe, em nome de Cochrane, que, caso se rendesse, se lhe daria promessa de Cochrane no tocante aos cabeças da insurreição comparada ao
e a seus c~nselheiros ;,i.oportunidade de se retirarem do Império com suas tratamento que imaginava seria dispensado à tropa, "desarmada, tr~rada co-
famílias e haveres.47 Já formulado no ultiinato, o oferecimento nada .conti- mo rebelde e expulsa do serviço nacional como traidora". Ele não subescre-
nha de novo. Mas a emissária deve ter insinuado algo mais, ou Carvalho en- veria "vossa ignomínia, minha desonra e a do povo pernambucano". 4 9
tendeu algo mai!)do que ela dissera, pois em carta a Cochrane ele escrevia que • Cochrane limitou o bombardeio do Recife (28.viii.1824), infligindo da-
o-chefe da esquadra, dispondo, "como é natúral e me afirmou Mrs. Graham", nos menores, suficientes, contudo, para provocar o "mata mata marinheiro"
de instruções ·paraentrarem acordo,solicitava-lhe que confirmasse a informa- que deixou mais de uma dezena de vítimas e saqueou estabelecimentos portu-
ção, a fim de sé nomearem os negociadores da convenção a ser submetida a gueses. Em seguida, ele zarpou para Salvador a pretexto de reparos, só regres-
um Gra1,1deConselho. "Entrar em acordo" poderia significar somente os en- sando após a queda de Carvalho. Se o exército de Lima e Sílva não.tivesse sido
tendimentos relativos à capitulação; e é assim que tem sido interpretada. Con- apoiado por nov:a flotilha vinda do Rio sob o comando de Jewett, o ataque
tudo, mesmo ao gorar a idéia de entrevista, dev;idoà recusa de Carvalho, que por terra ao Recife poderia ter malogrado. Para explicar a partida intempestiva
alegou a oposição popular a que deixasse o !lecife, ele insistiu na nomeação de Cochrane, imputàram-lhe frustrações profissionais com o tratamento dis-
de comissários, reiterandoa exigênciade Constituintefora do Rio, o que não pensado à esquadra e com seu papel Sl).bordinadorelativamente a Lima e Sil-
teria cabida caso as negociações devessem versar apenas sobre as condições de va. O almirante dará outros motivos para sua moderação: sem falar em que
uma pura e simples rendição. 48 "o espírito democrático dos pernambucanos não era coisa com que se brin-
casse", a província merecia toda compreensão, pois fora prejudicada pelos
"transtornos procedentes 'da cabala portuguesa", por cujos desacertos respon-
46 ACI, !,I, doe. n. 2.389; CCF, 19.ix.1824; ll'JyssesBrandão, .A Confidertlfãudo Equador,
sabilizava-se o Imperador, "de sorte que o povo prejudicado arguia que me-
pp. 224, 331. lhor lhe teria sido continuar sendo colônia de Portugal do que colônia do
47 No "Escorço biográfico de D. Pedro I", Maria Graham referiu apenàs um encontro com
governo do Rio de Janeiro". Segundo Cochrane, D. Pedro fora ludibriado,
Carvalho sem aludir ao que havia registrado nas notas manuscritas à.primeira edição inglesa do seu de vez que a rebelião não era meramente recifense, opinião que Lima e Silva
livro de viagem: ABN, 60, pp. 96-7.
compartilhava, ao afirmar que o governo imperial subestimara a extensão do
48 Armitage, HisttJriado Brasi4p. 81; Maria Graham, Diá.rio,pp. 389,392; ACI, Ll, 2.389;
movimento. Daí que ambos os chefes alimentassem o receio de que Carva-
CCF, 23.x.1824; Carvalho a Barros Falcão, 27.viii.1824, lAHGP, A, 13; Oliveira Lima, "Mrs.
Graharn e a Confederação do Equador", RIAP, 12 (1905), pp. 306-10. Carvalho contraprop6s um
eiico~tro em galeota •ancorada entre a capitânea da esquadra e a fortaleza do Brum; ou então n,i ..
49
ilha do Nogueira, no ancoradouro interno, masdesta ve:z,foi o almirante que se recusou a meter- ARCO, 6/6/237/4; CCF, 19.ix.1824; Armitage, Históriado Brasi4p. 83; Acdóli, Me-
se ~nas mãos daqueles por quem Vossa Excelência mesmo é govemado''. . móriashisttJricas,
iv, p. I 72.

228 229
A OUTRA INDEPENDtNCIA VINTE E QUATRO (2)

lho prolongasse a luta, retirando-se para o interior e proclamando a abolição, em 1823, e que ela só lhe dera aborrecimentos. E a certo médico inglês da
como já suspendera o tráfico negreiro. 50 Corte, pedia que intercedesse junto à compatriota, que, embora hem-inten-
A moderação de Cochrane, sua partida para a Bahia e a intermediação cionada, poderia prejudicar sua posição. Em 1825, ela será descrita, pelo al-
confiada a Mrs. Graham confirmavam as suspeitas do Rio. Armitage admiti- mirante inglês que veio ao Rio buscar o tratado de reconhecimento da Inde-
rá que ele não atuara com a sua costumeira energia. Que a atitude de Cochrane pendência negociado por Sir Ch~rles Stuart, em termos de uma mulher bas-
foi equívoca, é o que afirmará Lima e Silva, ao ter em mãos a correspondên- . • tante inconvenciqnal, misto de vedete,.ecologista e virag9~-dui:antecerta reu- .
cia do almirante com Carvalho, que transmitiu ao Governo imperial. Lima e •nião social, "a célebre Mrs. Grahain [...] esforçou-se em monopolizar toda a
SHvaacusou-o de aterrá-lo em sua marcha através do sul da província, exage- conversação e pareceu-me ser ou meio maluca ou meio confusa". Ela habita-
rando as dificuldades da operação, prevendo que as hostilidades ainda se pro- va em Laranjeiras "uma pequena cabana, no exato sentido da palavra, con-
, longariam por muito tempo e informando-o estar iminente a chegada da ar- sistindo somente de dois qúartos que estão cheios de toda sorte de coisas: sua
mada portuguesa para atacar Pernambuco. Lima e Silva assinalou também que cama, livros, peles de cobras e de répteis de diferentes espécies, um retrato de
a atitude conciliatória de,Cochrane produzira "os mais terríveis entraves em Lord Cochrane, um do seu finado marido, comandante Graham,,um gato e
i muitos outros artigos. A luz transparece através das telhas e, de fato, é como
1 ' minha marcha política", alusão à insistência do carvalhismo moderado, após
a ocupação do Recife pelo exército imperial (17.ix.1824), de obter uma ren- se estivesse vivendo ao ar livre". G. E. Hamond concluía: "Não aprecio esta
dição negociada. As desconfianças seriam reforçadas em 1825 pelas revelações mulher-homem. Ela está sempre fora do seu caráter natural".5 2
de Jewett a Maciel da Costa e ao Imperador, embora Tobias Monteiro as con- Nos primeiros dias de setembro, Carvalho ainda pensava em resistir. O
sidere infundadas: Cochrane estivera "decidido a proteger o sistema republi- Recife achava-se bem abastecido e dispunha-se de tropas suficientes para obri-
cano, se fosse declarado", e lhe propusera mesmo reunir a esquadra para ve- gar D. Pedro a reconhecer a Confederação e de dinheiro com que pagá-las.
léjar até Cabo Frio, de onde cominariam o Imperador a pagar-lhes o restante Sua estratégia consistia em resistir por terra, de vez que não possuía força na~
da dívida das presas. Já no Maranhão, de onde regressará diretamente à In- val com que enfrentar a do Imperador, cuja eficácia estava limitada ao lito-
glàterra após demitir-se da chefia da esquadra, Cochrane receberá recado da ral. Em terra, sua preocupação era menos com o exército de Lima e Silva, o
Im,peratriz Leopoldina que, através de Maria Graham, aconselhava-o a não qual, segundo fontes inglesas da praça, trouxera apenas trezentos soldados, in-
retornar ao Rio enquanto seus inimigos estivessem no poder. 51 formação equivocada, do que com o centro da província, que contava dobrar
Àquela altura, Cochrane temia as indiscrições da escritora, que· assumi- com o auxílio militar do Ceará. Ali, as proclamações de 2 de julho haviam
ra o posto de governanta da Princesa Imperial. A Chamberlain, cônsul britâ- decidido o governo: a 26 de agosto reuniu-se o Grande Conselho, que ade-
nico no Rio, ele escreveu para dissociar-se de.Mrs. Graham, afirmando, o que riu a Pernambuco e escolheu seus representantes ao Grande Conselho do
era falso, que suas relações se haviam limitado a trazê-la do Chile para o Rio Recife, autorizando-os a apoiar o sistema confederal e aprovar a Constitui-
ção provisória. Filgueiras marcharia com 2 mil milicianos para atacar o cen-
tro de Pernambuco, com o que, "vencidos os nossos matutos [previa Carva-
lho], vencidos ficam os imperiais". Quanto às guerrilhas morgadistas, que na
50 Cochrane, Narraçã~,pp. 165, 171-3; PAN, xxii, pp. 101 e 315; CCF, 19.ix.1824; Hen- \

rique Boiceux, Os nossosalmirantes,ii, p. 144; Maria Graham, Diário, p. 390; Tobias Monteiro,
O primeiroReinado,i, pp. 259, 26,2-3. ,
51 Armitage, 52 ARCO, 1/5/450/66-68 e 1/5/450/69-70; Os dúiriosdoalmíranteGrahamEdenHamond,
Históriado Brasi4p. 82; .Henri9,ueBoiteux, Os nossosalmirantes,i, Rio de Ja-
neiro; 1915, p. 80; lHGB, 316, n. 2; PAN, 22, p.31; ABN, 60, p. 147; Tobias Mon~eiro, O pri~ 1825-1834/38, Rio de Janeiro, 1984, pp. 13-14, 27. Yd. também Briai;iYale, Independenteor
meiroReinado,i, pp. 285-8. Death!,pp. 149-50.

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A OUTRA lNDEPENDSNCIA VINTE E QUATRO (2)

mata sul assediavam a retaguarda da Divisão Constitucional, planejava colo- do os chefes militares e civis, cuja sorte ficava dependente do Imperador.
cá-las entre dois fogos, lançando as guardas cívicas. Do projeto de seguir para Inconformada, parte do exército carvalhista seguiu para a mata norte, para,
o interior, ele desistiu face à oposição dos radicais, temerosos de que, na sua como em 1817, continuar a res.istêncianas províncias vizinhas; e, reunida no
ausência, sobreviesse a contra-revolução no Recife.53 Houve mesmo quem engenho Poço Comprido, recuso_ua oferta de Lima e Silva, a menos que o
apostasse numa intervenção militar de Bolívar, e até, segundo o sarcasmo de exército fosse evacuado do Recife e se instalasse a Constituinte fora da Cor-
Lopes Gama, "quem visse a guarda avançada já de &minho e nas cibeceiras te. 55 A torrente-carvalhista retornara a seu leito moderado.
do nosso rio de São Francisco". 54 • É notável a semelhança entre o desfecho militar em Dezessete e em Vinte
Quando Carvalho.transportou-se a bordo de navio de guerra inglês, fê- e Quatro. Em ambas as ocasiões,o Recife achou-se submetido a bloqueio naval
lo na convicção de que se iria encontrar com Cochrane, graças à mediação do e atacado por terra a partir de Alagoas. Como em Dezessete, em ·vinte e Qua-
comandante da Tweed e à pressão do comércio britânico do Recife. Era sua tro a mata úmida cooperou com a marcha do exército imperial. Um senhor
intençãó obter um acordo pelo qual entregar-se-ia a província às autoridades de engenho de Una já alertara Carvalho para a intensidade do sentimento
imperiais em troca de anistia geral para todos, civis e militares, exceto para monárquico na regiãe: "Vossa Excelência não sabe esses povos do mato cl do
ele, Carvalho, que seria o único a partir. Na véspera do encontro, porém, Co- sul o como são com o nome d'El Rei". Em Alagoas, a força de Lima e Silva
.ch~anepartira para Salvador inesperadamente, o que não deixa de ser revela- agregou a tropa de Pais Barreto, a que se havia reunido quantidade de portu-
dor quando sabemos que blefava, pois não dispunha de poderes para nego- gueses refugiados; além de contingentes alagoanos e índios de Jacuípe. Sua
ciar. Só então o comandante da Tweed transmitiu aJewett, que substituíra o vanguarda compunha-se sobretudo de morgadistas que trajavam os mesmos
almirante à frente das operações navais, os termos do Presidente, que foram uniformes dos efetivos de Carvalho. Lima e Silva se vangloriará de que "nós
repelidos por Lima e Silva, que também rejeitou um pedido de trégua feito fomos senhores de todo o sul da província de Pernambuco até o Cabo sem
pela Câmara de Olinda. Como ela não tivesse poder sobre a tropa para fazê- darmos ou recebermos um só tiro". 56
la aceitar a capitulação, o brigadeiro consentiu em cartear-se, desde que as pro- Como a marcha do general Congominho em Dezessete, o avanço de
póstas não envolvessem questões constitucionais. À reivindicação de anistia Lima e Silva foi facilitado pelas guerrilhas imperiais que atuavam na retaguar-
geral, Lima e Silva respondeu concordando no tocante à tropa, mas excluin- da do contingente carvalhista imobilizado na fronteira alagoana. Segundo seu
comandante, José Antônio Ferreira, a Divisão Constitucional era por elas ata-
cada "em todo o lugar e hora", pois como se constituía de "matutos criados
53 CCNA, 5.viii.1824; Maria Graham, Diário, p. 392; CCF, 19.ix.1824; Mànuel de Car- nesta parte da província, metem a cabeça no mato donde a seu salvo nos fa--
valho a Luís Carlos Carvalho da Silveira,6.viii.1824; e a Alencar Araripe, 11.viii.e 5.ix.1824, ANRJ, .zem fogo sem lhe podermos ser bons". A dificuldade em "bater as tropas do
Confederação do Eqúador, L694; Manuel de Carvalho a José Antônio Ferreira, 19.ix.1824, morgado", assinalava outro oficial, consistia em que elas faziam "a guerra do
IAHGP, A, 13; Ulysses Brandão, A Confederaçãodo Equador, pp. 205-6; CWM, 323, p. 205; país", enquanto os confederais faziam-lhes "a dos europeus ou portugueses".
Tobias Monteiro, O primeiro Reinado, i, pp. 124-36, 210-16, 221. Devido às guerrilhas, a fortaleza de Tamandaré rendeu-se antes mesmo da en-
54 O Carapuceiro,28.vii.1838. A este respeito, cumpre lembrar as tentativas de Carvalho,
trada do exército de Lima e Silva em Pernambuco. Contra elas, nada pude-
no exílio de Londres, de estabelecer relações com o Libertador, culminando na viagem de Nativi- ram os contingentes de segunda linha sob o comando de Barros Falcão, aquar-
dade Saldànha à_Colômhía. De Paris, Borges de Barros avisavaao Rio que os amigos inglesese fran-
ceses de, Carvalho esperavam que BoUvaratacasse o Brasil, como ~ derivativo à inquietação do
seu exército: Arquitio Diplomático da Independmda, ii, pp. 283-5, iii, pp. 238-9 e 24. Vd. ares-
55 FC, pp. 432, 575-6, 602; PAN, 22, pp. 325-35.
peito, Arnaldo Vieirá de Melo, Bolívar e o Brasi! Rio de Janeiro, 1968; e Vamireh Cli:acon (ed.),
56 PAN, 22, pp. 83, 85-9, 97, 104, 108,313, 356-7; Folhaseparsas.
Natividade Saldanlia, Da Confederaçãodo Equador à Grã-Colômbià, Brasília, 1983: •

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A OUTRA lNDEPENDENClA
VINTE E QUATRO (2)

telados em lpojuqi, a meio caminho entre o Recife e a fronteira, de vez que tucionalista em Portugal e o projeto emancipacionista de D. Pedro, ela se ti-
não se atreveram a avançar em terreno desconhecido, nem lograram comu- nha aprofundado. A recíproca, porém, é verdadeira: quase todos os homens
nicar-se com a Divisão Constitucional. Esta teve de abandonar a posição e de de Vinte e Quatro haviam feito Dezessete. Numa lista de 33 dezessetistas que
regressar à praça pelo interior das matas, sendo perseguida até o Cabo pelos viriam a ter papel destacado posteriormente, apenas um terço entrara na Con-
guerrilheiros, o que obrigou Barros Falcão a recuar para Prazeres, principal federação do Equador, enquanto dois terços haviam apoiado o Imperador.
acesso m~ridional ao Recifç.,.que foi contornadq p,ç:J;i..
tropa de Linia e Silva Como frisará Lopes Gama em 1845, "dos homens que hoje se acham colo-
numà operação de surpresa que lhe deu acesso à praça. 57 cados na mais elevada posição social, poucos haverá que se possam dizer lim-
Contra estes corpos volantes, os carvalhistas não contaram com as uni- pos e escoimados da pecha de desordeiros", uma vez que muitos se haviam
dades da guarda cívica recrutadas no interior, que desatenderam o chamado, envolvido "na nossa rebelião de 1817, outros na de 1824, outros em tais e tais
malgrado àdiantamento do soldo. Tampouco produziram resultado as repre- rebuliços e sedições que apareceram pelas províncias e até na Corte" .60 Devi-
sálias ordenadas por Carvalho contra os senhores de engenho que apoiavam do a essa comum origem sediciosa, a elite política pernambucana, mesmo di:.
a causa do Imperador. Barros Falcão•pretenderá que elas não chegaram a ser vidida, continuará a ser olhada de esguelha no Rio até os primeiros decênios
executadas, mas não é o que afirmavam Cochrane e Mayrink. Graças à sua do Segundo Reinado, inclusive os conservadores ou "guabirus", de cuja fide-
eficácia, as operações das guerrilhas imperiais na mata sul e no centro da pro- lidade à união do Império duvidou-se abertamente na Corte, em p·articular
víncia impediram a reunião do Grande Conselho da província e do Grande no período 1844.:.1848 em que foram alijados do poder provincial em favor
Conselho confederal, pois, estando amotinada a população interiorana, "por
dos liberais da Praia.
causa das quadrilhás de ladrões [sic],·que têm assolado povoações inteiras", Ao concluir-se em 1824 a Independência em Pernambuco, o Diário
estorvando o trânsito para o Recife, Carvalho teve de ordenar às autoridades Fluminense publicou matéria que formulava um programa de repressão para
locais que permanecessem a postos para fazerem face à desordem. 58 Filguei- a província, alertando para que a sua tranqüilidade "é momentânea [...]-é o
ras marchou com efeito para o Crato, com parte da tropa de primeira linha, sono do leão adormecido por enfraquecimento e pela perda de sangue. Re-
mas não passou do Icó,·quando Cochrane já bloqueava Fortaleza. pousou seis anos depois da primeira queda. Como se levantou? Mais atrevi-
Ao invés do que asseverou Gláucio Veiga, os "homens de 1817" não fo- do, mais insultador do que nunca". É que a punição em 1817 só atingira os
ram todos "homens de 24". 59 Há tempos, Adelino de Luna Freire assinalou
cabeças.
que muitos dos que se haviam distinguido na primeira revolução não toma-
ram patte na segunda. Se em Dezessete preexistia a clivagem entre monár- Enforcaram.-sevigários [...] porém ficaram os sacristães; fuzilaram-se
quicos e republicanos, a verdade é que, a partir de 1822, com a vitória consti- coronéis, porém não se procuraram os sargentos; mestres de retórica, mas
não se foi atrás dos discípulos [...] feriu-se o que fazia mais estrondo e não
se desceu ao conhecimento dos condutos por onde se espalhava o fogo re-
57
Folhasesparsase ltinerdriocronoMgi.co-,
PAN, 22, pp. 136, 155; Craveiro Cosra, Hístdria volucionário; mataram-se alguns leões e não se fez caso dos leõezinhos. Es-
dasAlagoas,São Paulo, sÍd, p. 101.
tes cresceram, deitaram de fora as unhas e empreenderam vingar pelos in-
58 PAN, 22,
pp. 134, 142; JtínerdriocronoMgíco; Cochrane a VIieia Barbosa, 19.vii.1824, sultos .contra a monarquia imperial a memória de seus antepassados. É de
IHGB, 316, n. 2; BNRJ, 1-31, 22, l; Folhasesparsas; Carvalho a Barros Falcão, 20.viíi.1824, e
absolutlssima necessidade que se faça uma transplantação e uma dispersão
Carvalho a José Antônio Ferreira, 19.viii.1824, IAHGP, A, 13; Atas, p. 305. O Grande Conselho
do Ceará,que elegeu os repr~ntanres da provinda à assembléia confederal do Recife, s6 teve lu-
na parte mais instrutiva [i. é, instruída] daquele povo; que uns vão fundar
gar no dia 25 de agosto: PAN, 24,.pp. 77, 83; 87-9.
59•Gláucio Veiga; Histórià
das idéiaidá Facúldmkde DireitoiÚJR.tcife,
i, p. 282. 60 Dias Marrins, Os mártires,passim; O Setede Setembro,16.ix.1845.

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235
VINTE E QUATRO (2)
A OUTRA INDEPENOSNCIA

uma nova Scythia, outros uma nova Assíria; que se sepacem os gregos, dos vitres de cérebros desmiolados, arruinou a sua fortuna, viu-se na dura neces-
romanos; os cismáticos, dos apóstatas. É necessário ver os berços da nova sidade de arrancar-se dos braços de sua consternada família, depois de ver com
geração, as escolas públicas, examinar mui circunspectamente a capacidade mágoa que a revolução era feita em seu nome, ao mesmo passo que a gente
dos mestres, o plano da instrução, inspecionac a maccha da religião, repatac mais louca e furiosa era a que tinha tomado a iniciativa no desgoverno da
as brechas que lhe deix:acamos indignos ministros do santuário. É indispen- província". E, com efeito, a Praia e omovimento de 1848 terão, çomo per-
sável·sobretudo que a força física, que serviu cão mal à.nação, vá aprender a cebeu Nabuco, "uma história política singular". Os praieiros"jií não serão
servir debaixo de outros mestres e em outros clima, do contrário teremos doutrinários à maneira de 1817 ou de 1824, movimentando-se ~om desen-
daqui a alguns anos nova estralada.61 voltura na política imperial, apoiando no Rio a chamada "facção.áulica" e até
votando as leis que restringiam as conquistas liberais do período regencial.63
O governo imperial não fez caso do prognóstico, optando pela linha de Mas esta é outra história;
ação que lhesugeriu Lima e Silva. Em 1825, embora fosse ainda "mui notá-
vel a prevenção que ainda conservam os habitantes desta praça e mais pro-
víncias do Norte contra o ministério do Rio· de Janeiro", ele opinava que "o
sistema de rigorismo, bem longe de firmar a integridade do Império e conso-
lidar a paz, promoverá o ódio e acenderá de novo o facho da discórdia". Ur-
gia, por conseguinte, não repetir o erro cometido em 1817. Então, fora "uma
facção européia" que promovera a rebelião, entenda-se a maçonaria inglesa,
mas a excessiva severidade com que se procedera contra os sediciosos chocara
a fidelidade monárquica da grande maioria da população, desenéadeando uma
onda de simpatia em favor deles.62
A política preconizada por Lima e Silva provará ser mais adequada aos
interesses do Império do que a aventada no DiárioFluminense.Apreciando,
já no período regencial, "o quadro histórico das revoluções" por que passara
a província, Lopes Gama admirava-se de "ver homens que tanto se influíram
e entraram nesses devaneios, homens que queriam a Confederação do Equa-
dor sem pés nem cabeça, fazendo a cama sem ver a noiva, homens que eram
mesmo umas republicazinhas ambulantes e de tarracha [...] hoje tão trocados
de sentimentos, hoje tão convertidozinhos,"que não sofrem a mais leve refor-
ma na Constituição". Que exemplo mais eloqüente que o do próprio Manuel
de Carvalho? Em 1834, exercendo novamente a presidência, "já não é aque-
le que em Vinte e Quatro por se deixar levar de conselhos imprudentes e al-

6l DiárioFluminense,11.x.1824.
63 23.ii.1833 e 27.ix.1834; Nabuco, Um estadistado Império,pp. li 1-2.
O Carapuceiro,
62 Apud UlyssesBrandão,A Conftderaçílq
tÍ!JEquadar,pp>271-2.•

237
236
Apêndice

....

As proclamações de Manuel de Carvalho a partir do 2 de julho de 1824 foram re-


colhidas por Ulysses Brandão, A Confederaçãodo Eqtmdor, Recife, 1924, pp. 201 ss. A
seguir publicam-se os manifestos mais importantes anteriores àquela data, ainda não
recolhidos.

1. Manifesto de Manuel de Carvalho Pais de Andrade aos pernambucanos, 27 de


abril de 1824. 1

Iludidos pernambucanos! E até quando sereis insensíveis aos clamores da razão e


da experiência, que uma com suas altas vozes e outra com sua muda porém enérgica elo-
qüência, vos bradam incessantemente 'que deveis desconfiar, que deveis estar em contí-
nua vigia dos inimigos internos que diariamente nos atraiçoam? Tendes porventura ne-
cessidade de provas do que acabo de dizer-vos? Vós vedes a cada instante as traições que
nos fazem, os laços que nos urdem, os precipícios que nos cavam. Tendes porventura pre-
cisão de conhecê-los? Os seus fatos infames e pérfidos,·suas ações vergonhosas para todo
o homem de bem vo-los dão a conhecer. Pernambucanos! E ainda tereis confiança nos
protestos e juramentos dos portugueses? O melhor deles é o. no.sso menor inimigo. E
acreditareis que esses lobos, que há pouco nos devoraram como tímidas ovelhas quando
o despotismo europeu nos calcara, esses mesmos que há pouco nem nos julgavam dig-
nos de beijar o pó de seus pés, possam ser nossos amigos, possam coadjuvar-nos na cau-
sa de nossa Independência e Liberdade? Não conheceis ocoração do homem e mui prin"

1 Peçàs,n. 155.

239
A OUTRA INDBPEND!NC!A AP!NDICE

cipalmente do homem europeu? A perfídia e a crueldade são as duas notas que distin- nossas esposas e órfãos os nossos filhos? Os portugueses. E ainda amareis os portugue-
guem os portugueses dos outros povos da Europa, e a barbaridade e o amor à escravidão ses?Ainda confiareis em seus juramentos e protestos?
foi o que lhes coube em partilha. Não vos deixeis iludir. Vós não vistes ainda há poucos Pernambucanos! Não creiais todavia que do centro daquela Babilônia não possa
.!.
dias que aqueles portugueses que tanto estimávamos, em quem confiávamos tanto que nascer uma Fênix. No meio dos animai~ mais ferozes têm aparec.ido alguns humanos; no
lhes havíamos entregue _ocomando de n?ssos vasos de guerra, a direção de nossas forti- meio dos povos mais bárbaros tem~se visto alguns dóceis, e entre as nações mais escra-
ficações e a quem com mão larga franqueávamos os nossos'tesouros, tão vergonhE!sa-e.ro- ... •••• •·vas têm brilhado homens livres. Vós vistes Bolívar em Caracas, Morelos no México,
vardemente nos abandonaram? Que pe~hor nos poderão eles dar de sua adesão à nossà Washington em Boston. Entre nós mesmos, ainda que mui raros, aparecem portugue-
causa? O juramento dvico? Não, eles o escarnecem, eles zombam da Divindade que to- ses dignos de ter nascido em New York ou Filadélfia; vós os conheceis, vós os conheceis,
.mam por testemunha porque não conhecem outro Deus que não seja o seu sórdido e o torno a dizer-vos.
seu vil interesse. As ternas esposas? Não, eles as maltratam, eles as odeiam e menoscabam. Pernambucanos! Só nos restam dois meios: liberdade constitucional e honrosa,
Os caros filhos? Não, eles lhes dão a existência a seu pesar, eles os aborrecem sem outro escravidão ou morte vergonhosa e vil. Escolhei.
motivo mais do que terem nascido no Brasil, e haverá tal que os devore como Saturno,
ainda ao nascedouro.
Pernambucanos! Não vos deixeis iludir, não vos entregueis nas mãos de vossos ca- 2. Manifesto de Manuel de Carvalho Pais de Andrade às províncias do Norte do
pitais inimigos. Ainda gotejam as feridas que eles nos abriram em 1817, ainda fumega Império do Brasil, ein 1° de maio de 1824. 2
o heróico sangue que eles fizeram derramar no Campo do Erário, os manes dos imor-
. cais Antônio Henrique, Domingos Teotônio, João Ribeiro, José de Barros Lima e ou- Habitantes das províncias do Norte do Império do Brasil.
tros ainda nos bradam, ainda nos exortam a acautelarmo-nos de sua perfldia, de suas Chegou a época desastrosa; marcada pelo despotismo; para arrastarem os infames
traições e de seus embustes. Pérfidos! Com o mel nos lábios, com o veneno no coração ferros do mais vergonhoso cativeiro os valorosos povos que povoam o diamantino Bra-
não perdem momento de atraiçoar-nos. Não vos fieis em suas vozes, não deis crédito sil. Principiou no dia 12 de novembro passado o Século de Ferro; mais lastimoso do que
às suas palavras, não creiais seus protestos, eles são mais falazes que os que faziam os aquele em que perdendo a liberdade os filhos de Rômulo serviram de brinco aos atrabi-
cartagineses. liários déspotas de Roma.
Pernambucanos! O áspide se oculta debaixo das mais belas flores e o mais cruel A facção portuguesa, declarada inimiga da nossa Independência, invejosa da nos-
veneno se propina de mistura com os mais agradáveis manjares. Quem nos traiu uma vez, sa futura grandeza e felicidade, dolorosa da queda e aniquilação do caduco Portugal, de-
não nos deve trair jamais, e se é de uma alma cândida e ingênua o iludir-se, ser engana- pois de intrigar quanto pôde na Europa em nosso dano, destacou emissários para o nos-
do segunda vez pelo mesmo sujeito é imprudência indesculpável. Os portugueses se têm so Brasil, que com sucesso têm dado conta da sua tarefa. Conseguiram estes pérfidos que
dado a conhecer: em 1654, quando militávamos contra a Holanda, a nação mais pode- Sua Majestade Imperial, que acaba de receber da nossa generosidade o trono mais ele-
rosa nos mares, a Inglaterra daqueles tempos, os portugueses nos desempacaram por or- vado do mundo, o cetro mais brilhante e decoroso, e que muitas vezes nos havia dito que
dem do Rei; em _171O, nos fizeram por muitos meses a mais cruenta guerra e as recom- pelo nosso bem e felicidade daria os últimos bocejos, que com juramento rios havia pro-
pensas que então tiveram eles foram tenças e comendas, e nós, prisões, cadeias e dester- metido sustentar a nossa Independência e liberdade, e estabelecer neste vasto território
ros; em 1817 vós ainda sois testemunhas do que sofremos; e em 1821, debaixo do rei o Império da filosofia, da virtude, da luz, o Império constitucional, faltasse a tão solenes
dos déspotas, do infame sultão Luís do Rego, diz_eivós mesmos o que sentistes, dizei vós promessas e sem a menor sombra de justiça, arrogando-se uma atribuição que lhe não
mesmos o que experimentastes. E quem em 1654 nos quis sacrificar ao poder dos batavos?
Os portugueses. Quem nos lançou os ferros em 171O?Os portugueses. Quem fez derra-
mar o nosso sangue em 1817? Os portugueses. Quem nos oprimiu, quem fez viúvas as 2
BNRJ, ll-32, 1, 11:

240 241
A OUTRA INDEPEND!lNCIA AP2ND!CE

competia, derribasse por terra o augusto padrão da nossa soberania, o sustentáculo da zer que, depois das câmaras darem seus votos sobre o projeto, se julgaria supérflU:aa ce-
nossa liberdade, o coração da nossa vitalidade, o respeitoso Senado dos nossos represen- lebração da nova Assembléia. Dito e feito.
tantes, a soberana Assembléia Constituinte do Brasil. Dia nefasto nos anais do nosso O Senado do Rio de Janeiro, por induções do ministro França (que andou por casas
Império foi o dia 12 de novembro do ano passado. particulares pedindo a seus amigos ,que fossem e levassem consigo mais alguns, à Câma-
Este passo, o mais difícil de vencer no plano dos celerados, foi outro Rubicão para ra, para pedirem que se jurasse o projeto), nada achou que notar no projeto e pediu ao
César, cuj~J;rânsito lhe ipfundiu ViUO.~ P.<!-fª
não retrogradar na marcha contra a pátria. Imperador que o jurasse e o mandasse jurar como Constituição do Império. Imediata-
Vencida esta passagem, disseram entre os nossos inimigos "Tudo mais está concluído". mente se mandou suspender a convocição da nova Assembléia, por se fazerem neste caso
Coerentes no seu projeto, têm empregado todos os meios de conseguirem os seus fins menos necessárias novas Cortes, como detrimentosas e dispendiosas ~os povos e perigo-
danados. Receando o primeiro choque da reação dos povos, trataram de amaciar a esca- sas à Independência do Império e seu reconhecimento pelas nações estrangeiras, por cau-
brosidade do seu atentado, e em n'ome de Sua Majestade Imperial, de quem eles têm usa- sa da demora das suas deliberações.
do como de testa-de-ferro, atacaram de novo com razões vazias de verdade a virtude, a Antes de se obter este assento do Senado, empregou-se outra arma para se não ve-
probidade e a honra dos nossos representantes, alterando de propósito a cronologia dos rificar a convocação de novas Cortes Constituintes. Antes das eleições dos eleitores pa-
fatos que tiveram lugar naqueles dias, para parecerem efeitos da Soberana Assembléia, o roquiais, andaram emissários, Fernando Carneiro [Leão], Berquó, Gordilho, rogando a
que nada menos era que o plano, de muito consertado, para sua dissolução. seus amigo_sque não levassem listas, pelo que em algumas freguesias como de Inhaúma,
Sem jamais haver tenção séria de que se verificasse, no mesmo dia da dissolução não houveram eleições, por aparecerem somente cinco listas, e em Guaratiba, que no ano
da Assembléia, convocou-se outra, que trabalharia sobre um projeto de Constituição passado deu trezentos e tantas listas, neste só deu 71, e à proporção todas as demais.
oferecido pelo Imperador, com a ilusória promessa de ser duplicadamente mais liberal Era preciso que as províncias, acompanhando a Corte nestes mesmos desejos, for-
1
do que aquele que se discutia na Assembléia extinta. Eis um novo absurdo, que na sua massem o espirita geral da nação brasileira, [e] para isto se mandaram procuradores por
cegueira não conheceram os infames áulicos que precipitaram o Imperador, jovem inex- todas as províncias do Império, para reunirem todos os votos. A Bahia havia feito estre-
perto, ou que esperavam de nós tanta ignorância, que deixássemos passar esta monstruo- mecer o coração do Império com o espírito e opinião pública que fez aparecer na chega-
sidade. A soberania é da nação, só à nação compete escolher a matéria do pacto social, da dos seus deputados Calmons, e apesar de se haver acalmado algum tanto, contudo
projetar e constituir. ainda não estava no pé que era conveniente do Rio de Janeiro, por isso foi para ela des-
Não se passaram muitos dias que se não manifestasse o laço, estendido ao crédulo pachado a toda pressa Felisberto Caldeira, que em uma vereação extraordinária de 10 de
Brasil, que na sua sinceridade se havia entregado todo às mãos de seus arteiros inimigos. fevereiro deste ano, fez que naquela cidade se repetisse o mesmo que havia dito o Senado
O projeto, que de princípio devia ser oferecido à nova Assembléia Constituinte para ser do Rio, por meio de seduções, aliciações e temores.
discutido, foi declarado que as câmaras [sic] d~ províncias do Império o examinariam e Pernambuco, há muito infamado de desejos de um sistema republicano, não de-
ofereceriam a seus povos, para fazerem suas reflexões, as quais deveriam de ser entregues via ficar sem os pregadores do despotismo, e foi uma das províncias que mais cuidado
aos deputados, para fazerem delas o uso conveniente quando reunidos em Assembléia. deu ao ministério, pois segundo se escreve daquela Corte, o ministério escava de alcatéia
Não há uma contradição tão palmar. com esta província. Certo o ministério da influência que costuma ter quem governa so-
Pouco antes, em uma proclamação (de agosto de 1823) se haviam taxado de ab- bre os governados, tratou de eleger um Presidente e não achando outro algum mais ca-
surdas as.pretensões de algumas câmaras do-Norte çl.~prescreverem, com suas instruções, paz do que o morgado do Cabo, Francisco Pais Barreto, pelos atentados já praticados nas
leis àqueles que as deviam fazer. Agora os mesmos que deviam fazer as leis, se hão-de cingir pessoas dos deputados Barata, Francisco Agostinho Gomes e capitão João Mendes Viana,
às reflexões da câmara! Esta contradição, que devia pejar a qualquer particular, trazia o o nomeia Presidente da província. Mas, por felicidade da província, quando aqui che-
. fito em outro alvo mais alto, ou era outro passo para a escravidão do Brasil, o qual não gou a cartaimperial, já este em 13 de dezembro do ano passado, se havia demitido do
pode escàpar a qualquer que refletir com atenção. Logo se conhecéu que isto queria di- governo, por haver perdido a opinião pública e força moral, e me achava ele na presi-
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!

242 243
A OUTRA INDEPENO~NCIA A.PtNO!CE

dência, eleito no conselho de 13 de dezembro e reeleito pelo colégio eleitoral da provín- Foi uma verdadeira desgraça que os esforços do morgado crescessem à proporção
cia a 8 de janeiro deste ano, o qual colégio (por já correr o boato da eleição do morga- das negativas da sua posse. Contava-se com a sua acomodação e todos se enganaram,
do) suplicou a Sua Majestade a minha confirmação, e mostrou as razões pelas quais não porque aparecendo aqui uma carta do marechal Felisberto Caldeira ao Sr. Francisco
era aceitável a eleição do morgado. Porém o que era útil à província não era dos interes- Muniz Tavares, na qual persuadia a adoção do projeto da Constituição e a presidência
ses da facção portuguesa do Rio de Janeiro. E como de muito tempo a firme constância do morgado, entraram os espíritos e~ uma efervescência tal que os majores Lamenha e
de Pernambuco nos princípios constitucionais e a sua resolução de derramar até a últi- mani-
Seara, comandantes interinos do 1° e 3° batalhõe.5de caçadores, em .<lP.l~tradição
ma gota de sangue pela liberdade assustavam o ministério, o qual receava alguma de- festa daquilo que haviam assinado a 13 de fevereiro; na manhã de 20 de março marcha-
monstração mais forte pelo atentado da dissolução da Assembléia e olhava para ele como ram para o páreo do palácio do governo com pouco mais ou menos de 200 soldados dos
o farol das províncias do Norte, trataram logo de o oprimir, e aprontando com a maior seus batalhões e faltando com o maior escândalo ao respeito e obediência ao comandan-
parte os vasos de guerra que podiam, os dirigiram a este porto, com o destino de fazer te das armas, prenderam-me na fortaleza do Brum.
empossar ao morgado ou bloquear-nos no caso da repugnância, não se esquecendo de O 2° batalhão, sempre atento ao seu dever, µnido às guerrilhas da praça e ao povo
fingir não haver recebido o Imperador as reclamações da p'rovfncia remetidas pelo go- em massa que se armou, o regimento de artilharia e a Câmara da capital requisitaram a
verno e câmara da capital, para que esta medida não parecesse premeditada, caprichosa minha soltura, que teve lugar mesmo antes da resposta à requisição, por dois oficiais de
e despótica. Este bloqueio veio achar a província em uma grande agitação, porquanto artilharia, que para restabelecer a ordem na província e evitar as conseqüências da anar-
havendo o morgado recebido o diploma imperial da sua presidência, oficiou-me e à Câ- quia, se expuseram· a todo risco e levaram-me para a cidade de Olinda, para onde mar-
mara da capital, para lhe darmos posse; e eu e ela lhe respondemos que este negócio es- charam imediatamente 200 homens do 2° batalhão, as guerrilhas e o povo do Recife.
tava afeto a Sua Majestade Imperial pela representação do colégio eleitoral de 8 de janeiro É natural conceber-se a perturbação, o remorso e a desesperação dos facciosos, ven-
e que se devera sobrestar na execução desta carta até final resposta de Sua Majestade. A do abortado o seu projeto com a mir:ihasoltura. Não lhes restou outro meio que a fuga,
outro qualquer homem que não tivesse uma ambição tão desmarcada quanto o morga- a qual teve efeito nesta mesma tarde, procurando o suL Dirigindo-se ao engenho Velho
do, isto era suficiente para se remeter aos termos da modéstia e não procurar tantos pe- do Cabo, onde se achava o morgado, no dia 22 do mesmo mês na Câmara daquela vila
rigos à sua pátria. Porém, de uma parte o seu desejo ardente de governar, de outra os maus instalaram um governo, de que era Presidente o morgado, e elegeram um conselho, fize-
conselhos dos que o rodeavam, o fizeram ultrapassar os limites do seu dever. Dirigiu-se ram uma promoção militar e deram vistas de se fortificarem e sustentarem naquele ponto.
ao comandante das armas, pedindo a sua cooperação e responsabilizando-o por todos os Conhecendo-se quanto aquele foco de desordens era ruinoso, destacaram-se con-
males que sobreviessem à província pela falta de execução das ordens imperiais. O co- tra ele forças suficientes que os fizeram desamparar aquele lugar e passarem-se na sua fuga
mandante das armas, chamando o conselho de oficiais superiores e comandam~ de cor- para a província das Alagoas, depois da deserção da maior parte dos soldados, prisão de
pos a 13 de fevereiro, decidiram unanimemente que a força armada não devia tomar par- alguns oficiais e outras pessoas e algumas morres, incomodando-se a província toda com
te nesta questão. as marchas das tropas, paradas dos trabalhos da agricultura e mais que tudo com a diver-
Esta decisão era para mais exacerbar a vaidosa vontade do morgado, o qual, pro- gência das opiniões, própria do povo, mormente nestas comoções, divergência inteira-
gredindo no seu intento, ameaçou ao comandante das armas com dirigir-se aos coman- mente oposta à nossa liberdade e segurança, e por isso procurada e fomentada pelo Rio
dantes dos corpos, como fez, e instando cada vez mais comigo, deu lugar a convocar um de Janeiro, que sempre tem usado da máxima detestável de Maquiavel "dividir para rei-
conselho dé todas as câmaras ,da província para opinarem sobre isto. Celebrou-se a 21 nar", pois que de outra maneira não poderá subjugar e lançar ferros no brioso e valoro-
do mesmo mês este conselho e unanimemente s_e•~econheceu ser vontade geral das câ- so povo brasileiro.
maras. e de todos os povos dos seus respectivos distritos que eu continuasse a ser Presi- Nesta circunstância de coisas e encoberta com a fictícia ignorância dos novos su-
dente, visto não ter lugar a posse pretendida pelo capitão-mor Francisco Pais Barreto, por cessos desta provinda e suas reclamações, a atrocidade contra um povo constitucional que
estai: este negóciq ,;tÍeto a Sua Majestadélmperial. em todos os tempos tem dado provas de sua adesão às pessoas dos que o governam so-

244 245
A OUTRA lNDEPENDeNCIA AP€NOICE

beranamente e que tem derramado por muitas vezes o seu sangue, em defesa dos direi- pública, para dissolver o partido que se havia declarado pelo morgado; que se pedisse à
tos majestáticos, apresentou-se no porto principal da província João Taylor, capitão de Sua Majestade houvesse de confirmar-me na presidência política, na forma das outras
mar-e-guerra, comandando as fragatas Pirangae Niterói, com ordens positivas de em- decisões antecedentes, e que como Sua Majestade se chamava à ignorância dos aconte-
possar na presidência a Francisco Pais Barreto e levar presos para o Rio de Janeiro a mim cimentos de Pernambuco e nova orqem de coisas, se lhe mandasse uma depuração com-
e a outros. posta de três membros do clero, tropa e povo, a fim de que levando segundas e terceiras
Fundeadas as fragatas, foi o seu comandante cumprimentado PP• inim, que rogan-. •.... .vi~ das antigas reclam,çMS•!; as primeiras des!e ~l~~~o Conselho, não passassem estas
do-lhe a comunicação das ordens imperiais, tive em resposta que vinha fazer empossar pelo descaminho inculcado das outras".
de seus empregos os despachados por Sua Majestade Imperial; que não reconhecia nem Comunicou-se este resultado ao comandante naval, por um ofício do Presidente
reconheceria outro algum Presidente da província que não fosse o morgado; e que se eu do Conselho e cópia da ata. Quando se esperava que o comandante naval à vista do voto
quisesse ir pessoalmente relevar-me com Sua Majestade da presidência, por me julgarnela geral da província emitido naquele Conselho e sabendo dos últimos sucessos desastro-
de boa fé, estaria pronto um navio de guerra para levar-me com decência. Requisitava sos do morgado, que ele mesmo estranhara, mandando-lhe apartar de si os soldados que
no entanto do Intendente da Marinha aguada, sortimento de boca, certos utensílios para o acompanhava, se reduzisse à estirada da retidão, atendendo à tranqüilidade do país e
a chamada esquadra. Tudo lhe foi denegado, pois a Intendência não podia dispor sem sossego de seus povos, pois que outro fim não deviam ter as instruções de Sua Majesta-
as ordens do governo que o comandante naval não reconhecia .. de, se viu com espanto declarar este comandante no dia seguinte bloqueado o portó do
Abriu este uma comunicação com o governador das armas, o coronel José de Bar- Recife e os mais adjacentes, consentindo, porém, na saída da embarcação que levasseos
ros Falcão de Lacerda, requisitando-lhe cooperação para a posse do morgado e prisão deputados da província a Sua Majestade Imperial. Este fato só é mais que bastante para
minha. Levando o comandante das armas esta comunicação ao meu conhecimento, as- se conhecer que a causa deste bloqueio não era a falta de obediência inculcada às ordens
se~tou-se de chamar, como meio de se tratar da segurança da província e sua tranqüili- de Sua Majestade, nem à sustentação do respeito ao Mesmo Senhor como Primeiro Ma-
dade, um Conselho Geral da província, composto de todas as câmaras ou seus procura- gistrado da Nação e Chefe do Executivo, porque o bloqueio só poderia ter lugar no caso
dores, do comandante das armas e oficialidade da 1ª e 2ª linha, de capitães para cima, de rebeldia, a qual jamais existe enquanto se representa, se requer e se espera pela deci-
clero, corpo literário, empregados públicos de todas as repartições, repúblicos e homens são superior e todos os negócios seguem seu andamento, debaixo das mesmas leis e em
bons da cidade [e] do Recife, e foi assinado o dia 7 de abril para este ajuntamento, do nome do mesmo soberano, muito principalmente no atual sistema de governo em que
qual se deu parte ao comandante naval, que sendo convidado para ele, anuiu e mandou o direito de petição é um direito constitucional, inauferível de um povo livre.
seu delegado o capitão de fragata Luís Barroso Pereira, acompanhado de um 1° tenen- Porém para se dar a este negócio um grau maior de luz, lembramos que quando o
te, Camilo de ... comandante naval havia dado ao comandante das armas da província e mesmo à Cinta-
Chegado o dia 7, celebrou-se conselho com a melhor ordem e sossego, e depois de ra da capital sua palavra de honra de esperar pela decisão do Conselho Geral do dia 7,
proposta a matéria e suficientemente discutida, se assentou que "se continuasse na sus- nesse mesmo dia, contra todo o direito das gentes, por uma nota oficial, declarou aos
pensão da posse do morgado, por ser negócio já afeto à Sua Majestade pelo colégio elei- cônsules das nações estrangeiras aqui residentes, que se achava o potro do Recife em blo-
toral de 8 de janeiro e pelo conselho dos procuradores das Câmaras da província de 21 queio, e dias antes pretendeu, por meio da intriga, romper a união e concórdia das von-
de fevereiro, quando com a chegada do diploma imperial o morgado quis tomar posse, tades em que se achavam os povos desta província, por meio de proclamações e ofícios
e que de novo se rogassea Sua Majestade o recolhimento do diploma do morgado e nunca dirigidos às Câmaras e emis;ários'"par:to sul e norte, dos quais este foi preso pela câmara
este fosse Presidente, não só pelos muitos males que já havia causado no seu primeiro de Igaraçu e remetido ao governo, ency.minhando-se tudo a acender entre nós o facho
governo, como pela guerra civil que ele mesmo havia rompido, querendo empossar-se à da guerra civil.
força de-armas, pelo que estava toda a província em comoção cotn-as marchas dos cor- Com estes furos diante dos olhos, vede, valentes e guerreiros paraibanos, fluminenses
pos para o sul, perturbação das famílias, mort~ de pernambucanos e gastos da fazenda do.Norte, cearenses, maranhotos e paraenses, vede a procela que vos ameaça e vai a cair

246 247
A OUTRA INDEPEND~NCIA APtNDlCE

sobre vós. Conhecei o fim de tantos fatos monstruosos, a doblez do ministério e a perfí- junta a Assembléia para constituir a nação. Que prazer, que fortuna para todos nós". O
• dia dos seus satélites. Imperador é criatura da nação, desta deve ele receber a Constituição e não dar-lha. Fora
Não se trata de punir réu algum, criminoso ou rebelde, porque nenhum há. Tra- deste princípio tudo o mais é insubsistente, ilusório e irrisório. O Brasil proclamou a sua
ta-se de destruir o sistema constitucional, que o Brasil e o Imperador jurou [sic],destruin- independência e se declarou nação livre, e porque Sua Majestade se uniu conosco, o Bra-
do as pessoas liberais mais corajosas e aterrando as fracas. O fim é plantar o absolutismo sil levantou o seu trono, lho ofereceu e lhe declarou que ele seria o nosso Imperador, po-
e depois a recolonizàção do Brasil e suà sujeição ao antigo e desp?tico Portugal. . .. r~m debaixo da forma de um governo constitucional. Sua Majestade aceitou a oferta e
Os papéis públicos da Europa, mormente O [lnvestigadurJ
Português,
da Inglater- jurou sacrificar-se todo pela monarquia constitucional em que consiste a nossa felicida-
ra, têm tirado o véu a esta perfídia. Eles rios dizem que os déspotas da Santa Aliança, a de, a qual não pode subsistir sem Cortes constituintes.
rogos do rei de Portugal (que se acha de mãos dadas corri o nosso Imperador, quem o Sua Majestade, porém, arrastado dos enganos e seduções da facção portuguesa, à
crerá?) se coligam para subjugar de novo o Brasil. Jáapareceu o plano desta tentativa força de armas, sem a menor espécie de poder, dissolveu as Cortes soberanas e não quer
apresentado ao governo desta província pelo Dr. João Fernandes Tavares, brasileiro, na- convocar outras. Que se segue daqui? Nenhuma outra coisa que a dissolução do pacto
tural do Rio de Janeiro, há pouco chegado a este porto na galera francesa Apolo,encarre- pelo qual ele seria o nosso Imperador de futo e de direito, e já sobre o Brasil não conser-
gado desta participação pelo comendador Domingos Borges de Barros, natural da cidade va aquela mesma autoridade provisória que lhe deu a aclamação em Imperador para po-
da Bahia e residente em França. Já não há mais dúvida sobre esta traição do ministério. der obrar enquanto se não reunia a Assembléia Constituinte, como ele mesmo confes-
O predomínio dos portugueses no Rio de Janeiro, a nulidade a que estão reduzi- sou na sua fala na abertura da Assembléia: "Bem custoso me tem sido ver-me eu, por força
dos os brasileiros, a intriga que, dizem, se mandou fazer aos marinheiros de todas as das circunstâncias, obrigado a tomar algumas medidas legislativas, mas nunca parecerão
tomadias feitas por Cochrane, dando-se aos ingleses um milhão, a prisão de 38 pessoas que foram tomadas por ambição de legislar, arrogando um poder no qual somente devo
mais distintas da província de São Paulo, as baterias feitas entre Rio e Minas, a prisão de ter parte".
de Pedroso e outros muitos pernambucanos existentes no Rio de Janeiro, o recebimen- O título de Imperador que lhe damos não traz determinadamente esta ou aquela
to de uma ·carta de Luís XVIII, de França, ao nosso Imperador, na qual o tratava de atribuição, por que se julgue com direito de dissolver a Assembléia Constituinte. As suas
"Monsieur" Príncipe D. Pedro, príncipe regente de Portugal, a falta onímoda de moeda atribuições são aquelas que esta lhe der. Nos diversos povos da terra, os mesmos títulos
metálica do Rio, porque todo o ouro cunhado desaparece e vai para São Cristóvão, e se dos Imperantes têm diferentes atribuições, conforme o pacto que eles fazem -com os po-
indeniza aos proprietários com apólices de papel, são fatos que vós deveis saber para vos. O título de Imperador não traz consigo o direito de governar sem Constituição nem
refletirdes sobre eles e tirardes vossas conseqüências de segurança, a fuvor da nossa inde- ao arbítrio daquele que o tem. Isto é tanto verdade que o ministério, quando cem queri-
pendência e liberdade política. do justificar muitas das coisas que se não podem deduzir dos direitos de Imperador Cons-
A dissolução despótica da nossa Assembléia Constituinte e a proibição das eleições titucional, lança mão da âncora sagrada de Defensor Perpétuo do Brasil, como se a este
de deputados para outra se dirige unicamente a não termos representação entre as na- título estivesse anexo um poder que se não compreendia naquele. Isto é um novo absur-
ções do universo. O projeto dado por Sua Majestade, ou melhor pela facção portuguesa do, o maís ruinoso da líberdade da nação, quando parece querer estabelecer que Sua
em seu nome, é amoldado a este fim perverso. O seu monstruoso poder moderador é a Majestade, como Defensor Perpétuo do Brasil, [pode] aquilo que não pode como Im-
chave-mestra deste ruinoso labirinto. Meditai sobre ele e reconhecei se poderá haver in- perador Constitucional. O poder do Imperador Constitucional, com as atribuições que
dependência do Império, liberdade política, Cortes le!iislativas,uma vez que pelo poder as Cortes declararem, é o único poder que terá Sua Majestade dado pela soberania da
moderado pode o Imperador a seu bel-prazer tudó desfazer é desmanchar. nação, poder maior que o de Defensor Perpétuó do Brasil, legítimo e oficial, do contrá-
A primeira coisa de que precisamos são Cortes Constituintes, que em virtude da rio se iludiria o poder soberano da nação.
nossa soberania projetem a nossa Constituiçãó,e nos constituam:, como ele-mesmo diz Portanto, é indispensável que se celebrem Cortes soberanas que nos constituam e
"Raiou ô grande dia (13de maio) para este Império, que fará época na suahistória; Está declarem aquelas atribuições com que Sua Majestade deve imperar entre nós. É quanto

248 249
A OUTRA INDEPENDBNCIA AP:l'.ND!CE

basta para sermos felizes. Se não previrdes o futuro tenebroso que vos espera se vos re- na vossa província os espúrios Mendonças, que quais víboras mortíferas criastes e afagastes
meterdes ao silêncio, ou vos entregardes ao temor pânico, sereis desgraçados, indignos em vosso seio para depois vos ferirem o singelo e incauto coração. Melhor do que alguns
do nome de brasileiros e [entregues] à execração dos vindouros. Lembrai-vos por últi- outros, vós, alagoenses, sabeis a influência com que estes malvados têm transformado a
mo que hoje quer o Imperador fazer valer os seus despachos por serem estribados na so- paz e a boa ordem de vossa pátria e quanto o vosso atual governo lhes é sujeito e escravo.
berania nacional, que lhe concedeu a atribuição de eleger Presidentes para as províncias, O estado mísero da vossa pátria, onde o vosso governo parece ter tomado por timbre
exceder aos seus antecessores em violências, arbitrariedades e despotismo, é um quadro
......... e ele mesmo foi aquele que contra todo o direito e à força de armas dissolveu a repre-
. ·····
sentação desta mesma soberania. Sede coerentes em vossos princlpios, jurastes a indepen- verdadeiramente doloroso. A virtude perseguida, a honra ultrajada, a propriedade sem
dência e a liberdade da pátria, ou sistema constitucional, cumpri com vossos juramen- respeito, a justiça calcada aos pés, a morte e o roubo destruindo os vossos irmãos e com-
tos. Sede dignos do nome de brasileiros. patriotas, arrancando lágrimas às esposas, prantos aos filhos, famílias ·desolando, tem to-
cado os corações mais ferrenhos, e vossos conterrâneos, os pernambucanos, sensíveis a
tantos males, estão às vossas portas para ajudar-vos a sacudir um jugo tão horroroso e
, 3. Manifesto de Manuel de Carvalho Pais de Andrade aos alagoanos.3 maléfico. Aproveitai-vos desta oportunidade. Sacudi o governo tirânico que de mãos dadas
com os espúrios Mendonças, quer escravizar-nos ao otomânico ministério do Rio de Ja-
Honrados compatriotas alagoenses! neiro. Outras não são as vistas destes celerados. Atentai ao acolhimento e auxílio que o
Passou o tempo dos prestígios, da dissimulação e do engano: falemos claro. Apartai vosso governo, de acordo com eles, há dado aos desertores de Pernambuco, que ali pre-
a venda que vos não deixa ver a luz da verdade, que o despotismo querendo, bem que tendiam levantar o trono de ferro da tirania. Pesai os fatos desta escória do Brasil, e
. inutilmente, encobrir no sul do Império Brasílico, vê a seu pesar lançar os mais brilhan- conhecei que a outro alvo não atiram suas setas que não seja sustentar hoje o império do
tes esplendores no Norte, e se ir propagando por toda parte. Proclamastes e jurastes a.in- absolutismo, para amanhã vos fazer arrastar os ferros de Tomar e de Penela.
dependência do Império e sua liberdade política como único remédio para os males de E sereis vós, alagoenses, os únicos de todo o Brasil a quem não corem as faces de
três séculos e fonte inexaurível da maior felicidade e glória mais esplêndida no meio das trazerem os pulsos pisados e roxos das algemas, as costas rocas e ensanguentadas dos lá-
nações do orbe. Contastes (e devíeis contar) com esta ventura se a nossa Soberana As- tegos e dos açoites? Notai os sentimentos honrosos de vossos irmãos do Ceará, que pro-
sembléia Constituinte continuasse em seus augustos trabalhos. Mas o despotismo sem- testam morrer antes que arrastar os novos ferros da escravidão. Lede suas patrióticas ga-
pre fértil em seus perversos estratagemas, achou um para iludir-nos e escravizar-nos;e com zetas, eternÓs monumentos de sabedoria, de patriotismo e de honra. Vede o pequeno e
promessas, que nunca se hão-de cumprir, pretende pôr os pés de ferro no pescoço à li- fraco povo do Rio Grande, protestando um esteio contra a tirania e protestaiido bater a
berdade política, para depois com as mãos sanguinárias estrangular a nossa Independência estrada da honra, que encetou Pernambuco. Lançai os olhos sobre a Paraíba e vereis as
e voltarmos ao antigo detestável jugo dos portugueses. Não lhe tem esquecido os meios briosas vilas do Pilar, da Campina Grande, do Brejo da Areia, de Mamanguape, com as
de surpreender-nos e subjugar-nos. Por todas as províncias do Império, traz indignos emis- armas nas mãos sustentando seus direitos com um governo já eleito, a seu contento,
sários, assalariados com promessas de títulos, comendas, hábitos, postos e outras coisas marchando para a capiral e está opondo-se ao apóstolo do ministério, Felipe Néri Ferreira,
desta qualidade, para trabalharem no estabelecimento do absolutismo e sustentação deste que pretendia auxiliar o pirata João Taylor. Vede como já treme o indigno opressor da-
monstro sanguinário, nascido na Ásia, nutrido na Europa e transferido para o nosso ino- quela nobre cidade e no maior do seu tremor suplica a retirada em paz e a vida. Vede a
cente Brasil. Em Pernambuco, província vossa limítrofe, encomendou esta atrocidade a coragem de vossos irmãos pernambucanos, os sacrifícios a que se destinam pela liberda-
este infame morgado do Cabo, que ora tendes em vosso território para vossa desonra; e de, a santidade com que desempenham o seu juramento de serem independentes e livres
ou morrerem no campo da honra. E vós sereis menos justos, menos briosos, menos aces-
síveis aos estímulos da boa fama e ao esplendor da glória à face das nações do orbe, no
3 Peças;n. conceito da justiceira posteridade? Não o cremos. Recordai-vos de vossos antepassados,
154; Sem data, mas provavelmentedo mêsde junho.

250 251
A OUTRA iNDEPEND~NCIA

que tudo sacrificaram para vos deixarem exemplos que emulásseis. Sacudi o jugo que vos
oprime, misturai vossas forças com as nossas, pugnemos todos pela vossa felicidade. Abai-
xo o infame governo que vos escraviza, abaixo os infames Mendonças, abaixo os servis
desertores que vos contaminam e desonram. Levante-se o vosso espírito_patriótico, arda
Índice onomástico
o vosso amor da pátria e as suas labaredas abrasem a todos os seus inimigos. Viva a Santa
Religião Católica Apostólica Romana! Viva a grande Nação brasileira, livre e indepen-
dente! Viva as futuras Cortes Constituintes Soberanas do Brasil! Viva o Imperador Cons-
titucional! Vi~am os alagoenses liberais e constitucionais! Execração e morte aos servis e
absolutos!

Accióli de Cerqueira e Silva, Almeida, Tomás Xavier Arruda, José Jobson de A., 33 •
Inácio, 172, 198, 220, Garciade, 101,175,195 Azevedo, Fernando de, 53-4
229 Alvear, Carlos de, 42, 45 Bailyn, Bernard, 17
Adams, John Quincy, 224 Amaral,F.P.do, 109,124 Barata, Cipriano José, 123,
Afonso, Francisco, 104 Amaral, Roberto, 186 127, 129-31, 134, 138,
Albuquerque, Fran~isco de Andrada, Antônio Carlos 140, 142, 145-6, 149-52,
Paula Cavalcanti de Ribeiro de, 36, 56 154-5, 157-9, 161, 175,
(coronel Suassuna), 25-6, Andrada e Silva, José 191,213,220,243
41-2, 56, 113 Bonifácio de, 13-4, 18, Barbosa, Francisco Vilela,
Albuquerque [filho], 20, 76, 80-1, 84-5, 88, 179, 201-34
Francisco de Paula 93, 95-8, 102, 104, 117, Barman, RoderickJ. 11-2,
Cavalcanti de, 113, 121, 122, 125-33, 135-8, 142- 27, 45, 76, 78-9, 151,
155-7, 159-61 3, 145-6, 148, 151, 153, 159-60, 218
Albuquerque, José Francisco 156-7, 179,226 Barreto, Francisco Ferreira,
Cavalcanci de, 25 Andrada, Martim Francisco 134
Albuquerque Cavalcanti, José Ribeiro de, 9, 18, 78, 148 Barreto, Francisco Pais
Mariano de, 113, 127 Andrade, Gilberto Osório de, (morgado do Cabo), 21,
Albuquerque, Manuel 57 54, 68, 113, 116, 126,
Caetano de Almeida e, Andrade, Gomes Freire de, 124, 136, 138-9, 155-7,
97, 119, 128 37,42,68 159-61, 167, 173-4, 176-
Alencar, José Martiniano de, Araújo, Manuel Correia de, 8, 180-2, 184-5, 187,
160,166 41 192, 194-5, 208-9, 219,
Alencar, Tristão Gonçalves Arcos, conde dos (Ma:rcosde 221,233,243, 245-6,
de, 190 Noronha e Brito), 36, 67, 250
Alexandre, Valentim, 33, 76, 78,81,97 Barros, Domingos Borges de,
85, 95, 105 Acmitage, John, 29, 34-5, 192, 222-3, 232, 248
Almeida, Joaquim José de, 164,174,223, 228-30, Barros, _PedroJosé da Costa,
123, 131, 138-9, 153-5 230 190

252
253
A OUTRA lNDEPEND~NCIA ÍNDICE ONOMÁSTICO

Berbel, Márcia Regina, 76, Campos, José Joaquim Castro, Miguel Joaquim de Costa, João Severiano Maciel Ferreira, Gervásio Pires, 20- Gama, Miguel do
78-9 Carneiro de, 185-6 Almeida e, 56 da, 19, 169, 179, 185-6, 1, 69-81, 83-8, 90-113, Sacramento Lopes; 35,
Bernardes, Denis A. de M., Caneca, frei Joaquim do Cavalcanti, Agostinho 204,207,230 115-7, 123, 126, 129, 55, 73, 86, no, 115,
19, 35, 69, 73, 85, 87, Amor Divino, 17, 19, 22, Bezerra, 201 Coutinho, D. José Joaquim 133,137,156, 162-3, 117,225,227,232,235-
91. 95-6, 109 39, 51, 71. 108-9, 114-5, Cavalcanti, Antônio da Cunha de Azeredo, 96- 165-6, 185 6
Bethell, Leslie, 2 I 7 117, 123, 128, 133, 135, Francisco de Paula 7, 171 Ferreira, José Alexandre, 127 Gomes, Francisco Agostinho,
Boíleau, P., 139, 142, 152, 137, 143, r4"5-6, 154, •Holanda, 175 .• •·coiltinho, Lino, 123, 129" • • • Ferreira, José Antônio, 224, 123, 154, 158, 220, 225,
158-9, 169 168-70, 177."181-2, 188, Cavalcanti, Manuel Coutinho, Rodrigo de Sousa, 232-4 243
Boiceux, Henrique, 226, 230 191, 200-1, 210,214, Clemente do Rego, 68, 36 Ferreira, Silvestre Pinheiro, Gonzaga,.Tomás Antônio,
Boiceux, L. A., 180, 184, 217-8, 225 110, 175 Cruz, Antônio Gonçalves da 12, 34, 78 185
197,220 Carlos IV (rei da Espanha), Chacon, Vamireh, 233 (o Cabugá), 34, 46-7, 95 Fidié, João José da Cunha, Gouveia, José da Cruz, 160
Bolívar, Simon, 14, 191, 27 Chamberlain, Henry, 89, Cunha, João Nepomuceno 67 Graham, G. S., 45
205,216,232,241 Carneiro, Manuel. Borges, 94 230 Carneiro da, 113, 121 Filgueiras, José Pereira, 190, Graham, Maria, 29, 163,
Bonaparte, Napoleão, 24, 26 Carvalho, Alfredo de, 24, 26, Chateaubriand, F.-R., Cunha, J~ão Xavier Carneiro 231,234 228, 230-2
Bonavides, Paulo, 186, 1.98 73, 124-5, 130, 212-3 visconde de, 223 da, 122, 129 Fonseca, Felipe Mena Calado Grondona, Giuseppe, 131
Bourdon,Léon, 177,224 Carvalho, Antônio José de, Cintra, Elias Coelho, 175 Cunha, Joaquim Manuel da,20,68,86 Guedes, Max Justo, 22
Brandão, Ulysses, 163,214, 220-1 Cirne, André Alves Pereira Carneiro da, 160,219 Fonseca, Mariano José Hamond, Graharn Eden, 23 l
216, 218-9, 228,232, Carvalho, Augusto Xavier de, Ribeiro e, 130 Dantas, Manuel Vieira, 219 Pereira da, 186 Hayden, Bartholomew, 171
236,238 160 Cochrane, Thomas (conde de Dias, Graça da Silva, 38, 171 Fortuna, Inácio de Almeida, Hermann, Jacqueline, 82
Brant, Felisberto Caldeira Carvalho Pais de Andrade, Dundonald e marquês do Dias, José Sebastião da Silva, 160 Holanda, Sérgio Buarque de,.
(representante do Brasil Francisco de, 111, 159 Maranhão), 180, 184-5, 38, 171 Fragoso, João Luís, 28 35, 78
em Londres), 84, 96-7, Carvalho, João Vieira de, 192,196 Dias, Maria Odíla Silva, 28 F~ança, Clemente Ferreira, Humphreys, R. A., 45
100,129,170,222,226, 122,126, 138-9, 154 Condorcet, marquês de (M. Dirceu, Marília de (Maria 186,243 Imrbide, Agustfn de, 206
243,245 Carvalho, José Murilo de, J. Antoine Caritat), 51-2 Dorotéia de Seixas), 185 Franco, Alvaro da Costa, 22 Jewett, David, 229-30, 232
Brant, Felisberto Caldeira 217 Congominho de Lacerda, Falcão de Lacerda, José de Franklin, Benjamin, 47 João VI, D., 19, 27, 34, 36-
(governador das armas da Carvalho Pais de Andrade, Joaquim de Melo, 42, 57, Barros, 68, 100-1, 103, Freire, Adelino de Luna, 234 7, 40, 42-3, 45, 65-7, 78-
Bahia), 172,174,220 Manuel de, 21, 78, 105, 233 156, 158-63, 173-7, 180- Freyre, Gilberto, 55 9, 81, 83, 88-91, 96, 104-
Brito, Lemos, 17 128, 152, 155, 160-1, Constâncio, Francisco 1, 183-5, 194, 196,200, Furet, François, 51 5, 108, 144-5, 154, 156,
Bueno, Antônio Manuel da 163-7, 171-87, 190-8, Solano, 42 209, 221, 224-5, 228, Galindo, Marcos, 22 186, 192, 203-6, 209-10,
Silva, 123, 129 201,204, 207-10, 212-3, Costa, Bento José da, 43, 69, 233-4, 246 Galloway, J. H., 58-9, 63 220
Burke, Edmund, 114 215°21, 223-34, 236, 72 Feijó, Diogo Antônio, 14, Gama, Bernardo José .da, 43, Jancsó, István, 26, 230
Cabugá (ver Cruz, Antônio 239,241,250 Costa, Craveiro, 178,220, 123, 129 84, 89, 96-7, 99-103, Jorge, Domingos Teotônio,
Gonçalves da) Carvalho, M. E. Gomes de, 234 Ferreira, Domingos 107-11, 120-1; 123, 125- 41,46,240
Cadaval, duque de (Nuno 77 Cosra, F. A. Pereira da, 30, M:i.[aquiasde Aguiar 8, 131-3, 136, 157, 184, Koster, Henry, 25, 30, 59,
:f!; Álvares Pereira de Melo), Carvalho, Manuel Inác.iode, 74, 96, 109, 124, 156, Pires, 95 194 60,186
38 177 159-60, 166, 172-4, 20.1- Ferreira, Edgardo Pires, 186 Gama, Joaquim Fernandes, Lahatut, Pedro, 106, 109,
Caldas, Manuel José Pe~eira, Carvalho, Marcus J. M. de, 2,206,211,213-4,219 Ferreira, Felipe Néri, 90, 92- 108 138,142,172
48 33,75, 175 Costa, Hipólito José da, 30, 3, 104, 105, 107-9, 126- Gama, José Fernandes, 43, Lacerda,J.J. Correia de, 171
a.n;ara, Manuel Arruda da, Casclereagh,Lord, 45 84-5, 88, 92, 94, 99, 171 7, 131, 157, 159, 175, 96,125,136 Lacerda, Manuel Inácio
36, 43-4, 56 190,208,219,251 Cavalcanti de, 89, 101

254 255
A OUTRA INDEPENDfNCIA ÍNDICE ONOMASTICO

Lacerda, P. A. de Barros Luna, Lino do Monte Martins, J. Dias, 25, 36, 39, Menezes, Manuel Joaquim Neuville, Hyde de, 144 Pedroso, Pedro da Silva, 41,
Cavalcanti de, 22 Carmelo, 130 42,44,48,51-2,55,57, de, 107 Niemeyer, Conrado Jacob 108-10, 121-5, 127-8,
Latné, J. H., 66, 74, 103 Lusrosa, Isabel, 130, 157, 70, 101, 109, 113, 165, Miguel, D. (infante de de, 69 136,221,248
Leal,Aurelino, 222 204,218 186,235 Portugal), 203, 220 Nóbrega, Luís Pereira da, Pegas, Manuel Alvares, 146
Leão, Reinaldo Carneiro, 22 Lyra, Maria de Lourdes Matroso, Katia de Queiroz, Miller, Joseph C., 61 104 Penalva, marquês de
Lecor, Carlos Frederico, 67 Viana, 19, 27, 30, 61, 62, 172,220 Monglave, Eugene de, 83, 89 Nogueira, Severino Leite, 97 (Fernando Teles da Silva),
. Ledo,Joaquim Gô~"ça1ves,13 71, 79~ii8• Mavrgniêr; 1oséde São Monroe, James, 223 Noronha, D. Tomás<le, 130 83-4, 171
Leite, Glacyra Lazzari, 205, Machàdo,Femando Jacinto, 43 Monteiro, João do Rego Oberacker J r., Carlos H., 78 Pereira, Ângelo, 26, 38
214,224 Augusto, 84 Maxwell, Kenneth, 47 Dantas, 104 Oliveira, Aleixo José de, 175 Pereira, José Clemente, 82,
Leite, Renato Lopes, 17,212, Machado, Maximiano Lopes, Mayer, Manuel Pedro de Monteiro, Tobias, 11, 19, Oliveira, João Alfredo 96
214 26 Morais, 89, 92 95, 128, 131, 153, 172, Correia de, 42 Pereira, Luís Barroso, 181-3,
Leopoldina, D. (princesa e Machado, A. F. de Seixas, Mayrink da Silva Ferrão, José 179, 185, 191, 195, 203- Oliveira, Joaquim Pedro 246
imperatriz do Brasil), 156,
230
219
Madeira de Melo, Inácio
.
Carlos, 154, 177, 185-7,
190, 194-7, 201, 206-7,
4,217,219,224,226,
230,232
Gomes de, 19
Ourém, visconde de (José
Pereira, Tomás de Araújo,
190
Lima Sobrinho, A. J. LuIB,85, 102,123,142, 221-2, 234-9 Montesquieu, barão de Carlos de Almeida Areia), Pessoá, José Maria Ildefonso
Barbosa, 80, 93, 185-6, 160 Mello, Antônio Joaquim de, (Charles Secondat), 15, 216 Jácome da Veiga, 209,
207,212 Magalhães, Rodrigo da 69, 71, 80, 83, 92-3, 173, 114 Ouzouf, Mona, 51 225
Lima, José Inácio de Abreu e, Fonseca, 68 191-2, 211,225 Montezuma, Francisco Gê Ovídio, 96 Pinto, Antônio Pereira, 187
1
l 211 Mahélin, Auguste, 191 Mello, J. A. Gonsalves de, Acaiaba de, l 6 Padilha, José Marinho Pinto de Miranda
1.
Lima, Lu!s Inácio de Maia, J. Gonçalves, 211 20, 55, 89, 108, 112 Moraes, A. J. de Mello, 43, Falcão, 125, 155 Montenegro, Caetano,
j i
1i Andrade, 148, 160 Maler, coronel, 92, 131 Melo, Afonso de 56, 78,82, 91,97-8, 104- Palacios, Guillermo, 59 37,39,41, 185
! Lima, Manuel de Olivéira, Manning, W. R, 131, 142, Albuquerque, 27 5, 107, 117, 127, 130, Palmela, duque de (Pedro de Pinto; Irineu Ferreira, 33
11, 46-8, 51, 55, 78-80, 157, 161, 179, 181, 185, Melo, Arnaldo Vieira de, 232 167 Souza Holstein), 19, 83, Pombal, marquês de
97,144,211,216,228 191, 204, 207, 220-1 Melo, C. F. Lumachi de, 34, Morei, Marco, 130 144, 203-5 (Sebastião José de
Lima, Pedro de Araújo, 118, Maranhão, Afonso de 61 Morelos, José Maria, 191, Paz, Ludgero da, 43 Carvalho e Melo), 52
, 1

146-8, 166 ,Albuquerque, 113, 124, Melo, J. M, Figueira de, 62 241 Pedro I, D. (regente e Porto, José Costa, 80, 185-6,
Lindoso, Dirceu, 62 127, 138-9, 154-5 Melo, José Correia de, 75, Mota, Carlos Guilherme, 28, imperador do Brasil), 12- 218
Lins, Bento José Lamenha, Mareschal, barão Wenzel de, 88-9 47,53,60 4,29,62,68, 76, 78,80- Porto, Walter Costa, 117
174-5, 177,245 132, 146, 151, 153, 157, Melo, Lu!s José de Carvalho Moura, José Maria de, 75 1, 84, 88, 90-3, 96-7, Portugal, Bernardo Luís
Lins, Luís Caldas, 173 171,189,221 e, 157, 186,-222 Mourão, Gonçalo de Mello, 102, 104-6, 108-9, 111, Ferreira, 42
Lins, Rachel Caldas, 57 Maria I, D. (rainha de Melo, Manuel Inácio Bezerra 44-5 115-7, 122, 126, 132-4, Portugal, José Fernandes, 43
Lisboa, João Soares, 131, Portugal), 40 de, 113, 124, 155, 159 Mundurucu, Emiliano Felipe 137, 139, 142-3, 148, Portugal, Tomás Antônio
J Benléio, 201,225 153-4, 156, 159, 162, Vilanova, 88-9, 205
204,208,214,218,225 Mariscai, Francisco de Sierra Mendonça, João Antônio
' Lisboa, José da Silva, 131-2,
148, 170, 178, 185-7,
y, 27-8, 53
Marques, A. H. de Oliveira,
Salter de, i9
Mendonça, José Luís de, 40-
Nabuco, Joaquim, 53-4, 237
Nassau-S1egen,João
165-6, 168, 170, 176;
179-82, 185, 187, 190-3,
P~telet, Jeanine, 26
Prado Júnior, Caio, 29
205-6, 213-4, 216,222 25, 37-8 l Maurício de, 60 196, 199-209, 211, 214, Prado, J. F. de Almeida, 43
Lobo, Rodrigo, 96 Martins, Domingo; José, 36- Menezes Vasconcelos de . Neves, Guilherme Pereira 218, 221-2, 226-9, 231, Quintela, Manuel Paulo, 128
Loureiro, J. B. da Rocha, 171 7, 69, 41-2 Drummond, Antônio de, das, 25 235,248 Raguet, Condy, 131, 142,
Luís XVIII (rei da França)', Martins, Francisco José, 157, 41-2,-88-90, 93, 97, 101, Neves, Lúcia Maria Bastos Pedro II, D., 161 191,204,206
116;134,222,248 159, 173, 175, 187 103-4 Pereira das, 80, 128

256 257
A OUTRA lNDEPENDtNCIA

Ratcliff, João Guilherme, Serra, José Corrêa da, 174, Tavares, José Fernandes, 192,
195,219 224 248
Ray, Joseph, 223-4 Silva, Alberto da Costa e, 22 Taylor, John, 180-7, 195-7,
Rebelo, José Silvestre, 224 Silva, Antônio Teles da, 83- 201-2, 207-8, 220,246, Sobre o autor
Rebelo, M. A da Silva, 61 4, 138 251
Rego Barreto, Luís do, 20, Silva, Francisco de Lima e, Thouard, Dupetit, 218
30, 35, 63, 65-73, 75-6, 163,221, 224-5, 227, Tollenare, L. F. de, 30, 38-9,
82,85,87,91,96, 101, 229-34, 236 41-2, 45-7, 50-1, 54, 56,
113, 122, 134, 145, 153, Silva, Manuel Cícero 59,62
186,240 Peregrino da, 215-6, 219 Torreão, Basílio Quaresma,
Rezende, Estêvão Ribeiro de, Silva, Teotônio Meireles da, 186-7
157 183 Turgot,A RJacques, 51
Rezende, Venâncio Silveira, Luís Carlos Carvalho Vale, Brian, 80-1, 143, 164,
Evaldo Cabral de Mello nasceu em 1936 no Recife, onde concluiu seus
Henriques de, 107,111, da, 212-3, 232 172,180,203, 220-2, estudos preparat6rios. Ap6s estudos de filosofia da hist6ria em Madri e Lon-
128, 132, 148, 157, 160, Siqueira, Alexandre Tomás 231 dres, ingressou no Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exterio-
172,182,220,224 de Aquino, 37 Valle, José Ferraz Ribeiro do, res, em T96o:seiiclo fi6fi'f~aqc:,],1ir.carreíf.fgiplo_m
it ;í.tic:aelll 1962, ao longo
Ribeiro, Gladys Sabina, 74 Sousa, Octavio Tarquínio de, 130 eia<}Uâl ·serviu nas embaixadas do Brasil em Washington.)Jadri, Paris, Lima
Ribeiro Pessoa, João, 36-7, 11, 104, 138, 170, 190, Varnhagen, F. A de, 11, 44, e Barbados, nas missões do Brasil em Nova York e Genebra e nos consulados
39, 41, 43-4, 48, 50-2, 195 79, 98, 139, 216 •
56, 70,218,240
gerais do Brasil em Lisboa e Marselha. Obteve o título de doutor em hist6ria
Souza, Francisco Vasconcelos,J. J. dos Reis e,
Rocha, José Joaquim da, 89 Maximiliano de, 75 205
por not6rio saber pela Universidade de São Paulo em 1992. Sua_~rea"predk
Rodrigues, José Honório, 11 Stuart, Charles, 231 Veiga, Evaristo da, 16, 186 leta de estudo é a híst6ria do Nordeste açl!,careiro,.a cujo respeito publicou
Rosanv_allon,Pierre, 51-2 Strangford, Lord, 60 Veiga, Gláucio, 37, 171,234 ,.."ãssegui;;t~ ~b;as: Olinda ~estaurada:guerrae açúcarno Nordeste,1630-1654
Roure, Agenor de, 147, 170 Sturz, J. J., 31 Vergueiro, Nicolau do (1975), O Norte agrárioe o Império, 1871-1889(1984), Rubro veio:o imagi-
Rousseau, J. J., 51, 84 Suassuna, coronel (ver Campos, 149 nário da restauraçãopernambucana (1986), O nome e o sangue:uma .fraude
Saldanha, José da Natividade, Albuquerque, Francisco Viana, Francisco Vicente, genealógicano Pernambucocolonial(1989), A .frondadosmazombos:nobrescon-
17, 19, 123, 134, 166, de Paula Cavalcanti de) 172,220
170, 197-9
tra mascates,Pernambuco,1666-1715 (1995), O negóciodo Brasil·Portugal
Suassuna (ver Albuquerque Viana, Helio, 108,133
Santos, Francisco de Paula
J: osPaísesBaixose o Nordeste,1641-1669 (1998), A ferída de Narciso:ensaiode .
[filho], Francisco de Paula Viana, João Mendes, l 07, ü
1
,Gomes dos, 70, 113 . Cavalcanri·de) 130,243, 155, 157-8 ...J históriaregional(2001) e Um imensoPortugal:históriae historiografia(2002) •

-
!..t..
Santos, Manuel Zeferino dos, Subserra, conde de (Manuel Villele, J. B. G., conde de, LL
166 Inácio Martins 223 o
São Lourenço, barão de (F. Pamplona), 19 Washington, George, 183,
í Ol
B. Maria Targini), 43
.Say, Horace, 18
Tavares, Francisco Muniz,
26, 30, 38-9, 41-2, 44,
191,241
Webster, C. K, 60, 93,205
"'
Schneider, Jurgen, 61 48, 50, 52, 56, 109, 111, Wellirtgton, duque de
Seara, Antônio Correia, 174- 146, 148-9, 160', 174-5, {Arthur Wellesley), 36
5,177,245 245
Seilbitz; Nuno·Eugênio de Tavares, Jerônimq Vilela,
Lócio e, 208, 219 175
: ... . . §..f!O / FFLCH/ USP
: ~i~: ~(orestan Fernandes Tombo; • 321807
• Aq_ulslção; Compra/ RUSP
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