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Bases antropológicas da cidadania brasileira:

sobre escola pública e cidadania na


Primeira República

Lílian do Valle
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação

Introdução “Cem anos de ensino primário”: a República


em mal de identidade
Devido às fragilidades de sua implantação, não
Em 1926, a Câmara dos Deputados festeja seu
são poucos, no Brasil, a tratarem o regime republica-
centenário em meio à reforma constitucional que o
no como simples continuação do período monárqui-
governo de Arthur Bernardes, já em final de mandato,
co. Igualmente correntes, as críticas à tradição de cons-
promoverá: essa curiosa comemoração em que se lan-
tituição, no país, de um Estado forte e monopolizador
ça um parlamento republicano, afirmando suas origens
concedem cores de fatalidade à idéia da formação his-
na instituição monárquica, não é, porém, fato isolado.
tórica de um cidadão inexoravelmente passivo, tipo
O período é fértil desses grandes balanços, que de cer-
antropológico definitivo, a marcar os rígidos limites
ta forma enfatizam a timidez de realizações do regime
à democratização da sociedade brasileira. Seria, as-
republicano. A fragilidade dos primeiros momentos,
sim, cabal a impossibilidade de a escola pública for-
caracterizada não só pela instabilidade em que as lu-
mar cidadãos – todos os argumentos em contrário con-
tas políticas lançavam o governo, mas pelos levantes
sistindo apenas em novas reedições do velho mito da 1
internos e pelos conflitos externos, havia sido substi-
demiurgia educacional? Ao tentar reunir os elemen-
tos para análise das construções antropológicas que
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estão na base da experiência de cidadania brasileira, Entre os levantes internos que marcaram o início da Repú-
este artigo coloca em perspectiva aquela que sem dú- blica, destaque-se aquele que levou à renúncia de Deodoro da
vida é a primeira e a mais central das exigências de- Fonseca e ascensão de Floriano Peixoto. Tal instabilidade política

mocráticas: a afirmação incondicional e incondicio- levou o país à luta armada: à Revolta da Armada e à Revolução
Federalista. No plano externo, o país ainda negociava a posse de
nada da igualdade política dos cidadãos.
determinados territórios. Da mesma forma, durante o período
florianista, o país rompe relações com Portugal.

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tuída, com a definitiva derrota do florianismo, pelo O período de quarenta e um anos iniciado em 1889
compromisso que, unindo setores liberais às oligar- constituiu funcionalmente um prolongamento do Império,
quias tradicionais, impõe, pela “política dos governa- embora – esta a sua principal e nova característica – já
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dores”, o fortalecimento dos poderes locais em detri- como ponto de chegada na longa preparação que atravessa-
mento da unificação republicana. A vitória do princípio va seu quarto século […] (Chagas, 1978, p. 25, grifos nos-
da descentralização demonstra a grande força de re- sos)
composição de que as estruturas de dominação tradi-
cionais são capazes, sobrevivendo à Monarquia e rea- Nesse contexto, como considerar a recapitulação
lizando novas alianças para monopolização do poder; a que se presta Afrânio Peixoto, por ocasião dos fes-
mas ela também produz, na nova organização, suas tejos da Câmara, celebrando os “cem anos de ensino
próprias desigualdades, não só em termos das profun- primário” no país, senão como o irônico registro de
das diferenças regionais que alimenta, mas também um só histórico descaso pela educação, que a inope-
das que, em razão do predomínio crescente da econo- rância das sucessivas leis só faz confirmar? Mais ain-
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mia do Sudeste, passará posteriormente a instituir. da, sob certos ângulos, a perspectiva legal só faria tor-
As tristes evidências de uma continuidade mais nar o confronto mais desabonador para os primeiros
do que simbólica entre a Primeira República e o pe- anos da República, em razão da abolição do princípio
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ríodo monárquico fazem-se particularmente eviden- mesmo da obrigatoriedade do ensino primário – pelo
tes na área educacional, a tal ponto que, para muitos, qual o novo governo republicano se exime formalmen-
o sentido das primeiras décadas do século dissolve-se te da exigência educacional historicamente afirmada
inteiramente nos tempos que as precederam e naque- pelo Estado brasileiro…
les que as sucederão: O ponto de origem desses “cem anos” de ensino
primário se situaria, assim, no voluntarismo monár-
2
“A implantação do regime republicano não provocou a des- quico que, já na Constituição Outorgada de 1824, pre-
truição dos clãs rurais e o desaparecimento dos grandes latifún- tendera torná-lo, pela simples força da pena imperial,
dios, bases materiais do sistema político coronelista. Ainda mais: gratuito e, a partir de 1827, data da primeira lei geral
instituindo a Federação, o novo regime viu-se obrigado a recorrer de ensino, obrigatório em todas as cidades e vilas mais
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às forças representadas pelos coronéis, provocando o desenvolvi- populosas; mas também no Ato Adicional de 1834,
mento das oligarquias regionais, que, ampliando-se, se encami- que, inaugurando a duradoura ambigüidade com que
nharam para a ‘política dos governadores’. Assim, os ‘homens
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mais importantes do lugar’, pelo seu poderio econômico, político Como observa Fernando de Azevedo (1963, p. 561), as
e social, mantiveram-se mais fortemente ainda como chefes das urgências republicanas se concentraram, inicialmente, na consoli-
oligarquias regionais e, dessa forma, atuaram como as principais dação do regime, na manutenção da ordem e na estabilização fi-
forças sociais no âmbito dos governos estaduais e federais” (Nagle, nanceira abaladas, como já destacado, pelos difíceis primeiros anos
1974, p. 4). da República.
3 5
“Como se sabe, a economia cafeeira se forma no segundo e “Do ponto de vista educativo, o Ato Adicional aprovado
terceiro quartéis do século XIX, quando surge como nova fonte de em 6 de agosto de 1834 e que resultou da vitória das tendências
riqueza para o País. Principalmente depois da instalação do regi- descentralizadoras dominantes na época, suprimia de golpe todas
me republicano, o café constituía a principal mercadoria que, no as possibilidades de estabelecer a unidade orgânica do sistema em
comércio exterior, fornecia a maior quantidade de divisas. Desde formação que, na melhor hipótese, ‘há de estarem as províncias
cedo, dois estados – Minas e São Paulo – se destacaram na produ- em condições de criá-los’, se fragmentaria numa pluralidade de
ção cafeeira” (Nagle, 1974, p. 13). A partir de 1906, com o Con- sistemas regionais, funcionando lado a lado – e todos forçosa-
vênio de Taubaté, a “unidade política” que o Estado brasileiro mente incompletos – com a organização escolar da União, na Ca-
logra realizar reduz-se à política intervencionista de valorização pital do Império, e as instituições nacionais de ensino superior em
da produção do café. vários pontos do território” (Azevedo, 1963, p. 566).

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o Estado brasileiro reconhece a necessidade educa- nos movimentos em torno do evento republicano.
cional, atribuíra a responsabilidade por sua organiza- Contexto que assiste à emergência das primeiras cam-
ção e manutenção aos poderes regionais. panhas educacionais, que
Em seguida, a primeira Constituição republicana
não só mantivera esse princípio da descentralização da […] eram organizadas por políticos que, enquanto tais [sic],
6
educação pública – contra o qual Rui Barbosa tanto reconheciam a necessidade de difusão especialmente da
se insurge – mas, indo mais longe, abolira a obrigato- escola primária como base da nacionalidade, o que fez com
riedade, eximindo, de uma só tacada, não só a sua res- que alguns defendessem não só o combate ao analfabetis-
ponsabilidade, mas também a dos estados. Assim se mo, como também a introdução da formação patriótica, atra-
prolongam as desigualdades e se induz à perpetuação, vés do ensino cívico. (Ribeiro, 1995, p. 83)
no dizer de Paschoal Lemme, de duas “organizações
de ensino paralelas” (Lemme, 1961, p. 134) no país: Mas que assiste, também, à recrudescência do
uma delas, mantida pela iniciativa pública, incapaz de ímpeto reformador que, na área educacional, foi, a par-
atender às exigências democratizadoras da república; tir de 1922, responsável pelas mudanças que os esta-
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e a outra, devido à iniciativa religiosa, inteiramente vol- dos realizam em seus sistemas de ensino.
tada para a formação das elites (Fernandes, 1966). A reafirmação da identidade republicana faz-se,
No entanto, talvez exatamente por tudo isso, o no discurso de Afrânio Peixoto, retomada do ideal de-
contexto em que Afrânio Peixoto celebra os “cem mocrático que concede à educação seu caráter emi-
anos” do ensino primário seja também o próprio solo nentemente político: trata-se de construir a unidade
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em que passa a se instituir, no país, a exigência tornada nacional, em nome de um projeto novo, de um go-
ainda mais urgente de educação pública comum, numa verno “do povo, pelo povo e para o povo”:
retomada de ideais e propostas presentes, ao menos
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formalmente, nas plataformas dos partidos políticos e
dões sob um regime contrário à vadiaria, à especulação e ao
6 charlatanismo, uma das questões de atualidade mais grave e de
Princípio que se apresenta como uma “evidência inques-
mais viva urgência no problema de nossa regeneração” (Barbosa,
tionável do desinteresse republicano pela difusão da instrução”:
1946, p. 12).
“A descentralização escolar, definida em 1834, foi reafirmada na
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Constituição de 1891, apesar das fartas e antigas denúncias, dos Desde a primeira década da República, as plataformas da
extensos diagnósticos e das estatísticas que revelavam o desastre Liga de Defesa Nacional e da Liga Nacionalista de São Paulo afir-
que essa situação representara para o ensino elementar. Permane- mam, enfaticamente, a importância política da educação pública
ceu como responsabilidade específica agora dos estados manter e na formação da Nação (Valle, 1996). Como destaca Marta de Car-
legislar sobre a instrução pública elementar. […] No novo contex- valho (1989), a criação não só dessas Ligas, como também da
to político, essa já tradicional divisão de competências no âmbito Associação Brasileira de Educação evidenciarão, em seguida “[…]
educacional mantinha-se em nome de princípios como o do fede- o desejo ardente de regenerar a Nação através da educação” (p. 40-
ralismo e da autonomia dos estados. Sustentava-se, portanto, em 43).
9
princípios de que a oligarquia cafeeira lançara mão para não ter A partir de 1922, no Ceará (1922/25) e em São Paulo (1922/
que arcar com o ônus das regiões pobres” (Xavier, Ribeiro & 28); em 1925, no Rio Grande do Norte (1925/28); em 1927, no
Noronha, 1994, p. 105). Paraná (1927/28), em Minas Gerais (1927/29) e no Distrito Fede-
7
Assim, no Programa apresentado em 1913, pelo Partido ral (1927/30); na Bahia, em 1928.
10
Republicano Liberal, que tem autoria de Rui Barbosa: “Acredi- Em Pontos e bordados, J. M. de Carvalho analisa as ima-
tando não haver inimigo maior da liberdade, no seio de um povo, gens instituídas, ao longo do século XIX e até a primeira metade
do que a baixa do nível da sua inteligência e da sua cultura, o PRL do século XX, na sociedade brasileira, destacando três imagens
vê, na reconstituição do ensino nacional, pela volta à seriedade e à introduzidas pelas elites dominantes, para ressaltar que em ne-
solidez nos estudos, pelo desenvolvimento das capacidades e apti- nhuma delas o povo toma parte: na primeira, ele está simplesmen-

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A instrução primária é o postulado da democracia, nacional do capitalismo, mas do espaço público – que
governo do povo, pelo povo e para o povo. Por isso, ela é também a perspectiva concreta para o questionamen-
deve ser gratuita e obrigatória. É a condição mesma da exis- to de sua lógica de exclusão: por que a crítica do pri-
tência de uma nação moderna. O seu primeiro caráter políti- meiro deveria conduzir à negação do segundo?
co deve ser, pois, “nacional”. O nosso ideal é ter uma escola Ademais, até que ponto, e em que proveito, é
“única”, disseminada, profusa, usinada “em série” da for- possível fazer coincidir tão inteiramente toda defesa
mação dos “mesmos” brasileiros, educados e cultos, e não, nacionalista e, mais especificamente, aquelas que res-
como agora, diversos pela alma e pela capacidade, isolados pondem por ideais democráticos de ampliação das
nos seus confinamentos regionais. (Peixoto, 1926, p. 519) condições de acesso à educação e à cultura comuns,
com a modelação liberal? Homem de convicções pou-
Assim, as lutas pela construção de uma unidade co habituais, o historiador José Murilo de Carvalho
nacional que opuseram, ao longo de toda a Primeira acredita haver sido, não a República Velha, mas a
República, os esforços de perpetuação dos poderes lo- Monarquia a instituir as bases essenciais do liberalis-
cais às iniciativas centralizadoras do Estado, concor- mo no país:
rendo para a grande instabilidade política dos primei-
ros anos de República, travam-se agora, resolutamente, No que se refere aos princípios ordenadores da or-
em terreno educacional. A exigência democrática de dem social e política, o liberalismo já havia sido implanta-
educação comum torna-se bandeira de luta na defesa do pelo regime imperial em quase toda sua extensão. A Lei
dos privilégios da União ante a força das oligarquias das Terras de 1850 liberara a propriedade rural na medida
instaladas, porque, sob o domínio dos Estados, “[…] em que regulara seu registro e promovera sua venda como
a educação fundamental não pôde fazer brasileiros, mecanismo de levantamento de recursos para a importação
mas cidadãos de pequenas ‘pátrias’ provincianas […]”. de mão-de-obra. A Lei das Sociedades Anônimas de 1882
Peixoto (1926) completa: liberara o capital, eliminando restrições à incorporação das
empresas. A abolição da escravidão liberara o trabalho. A
Nestes trinta e tantos anos de regimen republicano, liberdade de manifestação de pensamento, de reunião, de
todos os nossos casuístas vêem querendo interpretar o tex- profissão, a garantia de propriedade, tudo isso era parte da
to da Constituição de 1891 para permitir a intervenção fe- Constituição de 1824. No que se refere aos direitos civis,
deral junto dos Estados parcos ou descuidados. É, pois, uma pouco foi acrescentado pela Constituição de 1891. (J.M. de
necessidade “nacional”. (p. 19) Carvalho, 1989, p. 43)

É claro, como já foi insistentemente mostrado, Restaria, e é evidente que J. M. de Carvalho fin-
que essa defesa da unidade política está solidamente ge desconhecê-lo, que as exigências de uma econo-
amparada na inédita influência que a burguesia indus- mia agrário-exportadora não são as mesmas de uma
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trial emergente passa a gozar no cenário político do economia que se pretende urbano-industrial. Mas a
país. Sob a égide, porém, do definitivo enraizamento organização da atividade econômica setorizada, mui-
liberal no Brasil, erguem-se as bases não só da face to mais do que a unificação do mercado interno, im-
põe as regras e exigências do tipo de desenvolvimen-
te ausente; na segunda, ele é o elemento negativo e perturbador; to imposto ao país. Nesse sentido, a ampliação da
na terceira, enfim, é um complemento valorizado pela visão escolarização, como já Rui Barbosa percebera, apre-
paternalista de povo (1998, p. 233). senta-se como necessidade de difusão de valores es-
11
Que levou alguns a refazer a história da educação brasilei- senciais para o progresso da nova ordem social, além
ra à luz das periodizações oferecidas pela emergência do projeto de habilidades mínimas de leitura e escrita. Liberal,
urbano-industrial. Ver Ribeiro, 1995. Rui talvez seja um dos primeiros a defender a tese

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segundo a qual a melhoria das condições educacio- dades” contra os excessos pontuais que pudessem ser
nais implica, diretamente, aumento de produtividade cometidos necessitaria também, tal qual somente o
para a sociedade – tese que o estadista recebe, aliás, rousseaunianismo francês pudera conceber, resguar-
dos construtores da “democracia econômica” ameri- dar o país contra os vícios que ele próprio carregava:
cana que tanto admira. O que propõe não é, porém, a ignorância, a irracionalidade, a desordem, tanto quan-
uma “educação técnica” generalizada ao povo nas es- to a tirania.
colas comuns, mas antes uma “instrução suficiente
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para ler, compreender e pensar” (Barbosa, 1947). No
entanto, seria impossível reduzir sua defesa da educa- Perspectivas democráticas num estado forte
ção pública aos argumentos da lógica econômica. Ao
contrário, citando John Stuart Mill, Rui Barbosa im-
prime à limpidez da doutrina da mínima intervenção e Os republicanos radicais talvez tivessem sido os úni-
da auto-regulação os limites da construção pública: cos a propor uma idéia da pátria compatível com a cidadania
liberal e democrática, descontados os traços rousseaunianos
É, portanto, a educação uma das coisas que, podemo- que a tingiam. Mas, ao evoluir para o nativismo exacerbado
lo admitir como princípio, o governo deve distribuir ao povo. do movimento jacobino e para o autoritarismo florianista, a
Ela constitui um dos casos a que não se aplicam necessa- proposta radical perdeu viabilidade política […] O naciona-
riamente os motivos da regra de não intervenção, e a que lismo xenófobo seria apropriado pela elite exatamente para
nem todos esses motivos são aplicáveis. (Mill apud Barbo- combater a militância operária, dando razão aos anarquistas
sa, 1947, p. 107) quando diziam que pátria era só para os exploradores. […]
De um lado, o liberalismo era utilizado pelos vitoriosos
Destoando, portanto, da boa-fé liberal em rela- como instrumento de consolidação do poder, desvinculado
ção à constituição espontaneamente equilibrada do da preocupação de ampliação das bases deste poder. De ou-
mercado, Rui fazia da obrigatoriedade escolar a con- tro, as demandas de ampliação foram formuladas, na maior
seqüência direta do raciocínio inverso: o do direito do parte, seja dentro da perspectiva integradora do positivismo,
13
Estado de reclamar a si a responsabilidade de defe- seja dentro da fuga romântica do anarquismo e do radicalis-
sa da Nação contra ela própria. Para ele, o Estado li- mo republicano de estilo rousseauniano. Balançava-se entre
beral que deveria “proteger os indivíduos e proprie- a negação da participação, a participação autoritária e a alie-
nação. (J. M. de Carvalho, 1989, p. 63-64)

12
“Não é que atribuamos à instrução elementar a proprieda-
O conhecido e pessimista diagnóstico de José
de mágica de eliminar diretamente a imoralidade de cada espírito,
Murilo de Carvalho dispõe, no horizonte da constru-
de onde elimine a ignorância. Mas, além de que nada tende mais a
ção política brasileira, alternativas bastante sombrias no
inspirar o sentimento da ordem, o amor do bem e a submissão às
que respeita ao ideal democrático de participação am-
amargas necessidades da vida do que a noção clara das grandes
leis naturais que regem o universo e a sociedade, acresce que o
pliada nas decisões. A constituição de um Estado for-
ensino desentranha, em cada um dos indivíduos cuja inteligência te – que, acrescentemos, imprimiu historicamente en-
desenvolve, forças de produção, elementos de riqueza, energias
morais e aptidões práticas de invenção e aplicação, que o reves- Rivadávia Corrêa pretendia “eliminar de todo a intervenção do
tem de meios para a luta da existência, o endurecem contra as Estado nas coisas do ensino”, João Luís Alves defendia a colabo-
dificuldades e lhe preparam probabilidades mais seguras contra a ração do governo federal com os estaduais, em 1925, partindo de
má fortuna” (Barbosa, 1947, p. 195, grifos nossos). que “autonomia não é independência nem soberania” e sim “li-
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“O divisor de águas encontra-se em 1915, a partir de quan- berdade de ação sob uma superintendência orgânica” (Chagas,
do se caminhou […]” no sentido de alguma unificação. Enquanto 1978, p. 26).

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tre nós uma nova acepção para a velha prática de priva- tindo à autoridade nacional, amparavam o poder tra-
tização do poder (Valle, 1996) – estaria na base da for- dicional. Eram elas, basicamente, a religião e a famí-
mação histórica de um cidadão inexoravelmente passi- lia, duas forças em que o patrimonialismo decerto se
vo, tipo antropológico definitivo, a marcar os rígidos apoiava e que estarão, ainda e por um longo tempo,
limites à democratização da sociedade brasileira. colocadas a serviço da manutenção do status quo das
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Não há dúvida de que a construção da sociedade estruturas tradicionais de poder.
brasileira cedeu muito pouco, ou quase nada, às ex- Por isso, não é por acaso que, lamentando o “gran-
pectativas mais democráticas (J. M. de Carvalho, 1989, de erro da sua descentralização”, que corta a história
p. 35) de universalização da participação política; tanto brasileira desde o estabelecimento das primeiras leis
quanto é evidente que sua tíbia afirmação, em nosso de ensino no país, após a Independência, até a Repú-
país – que sempre encontrou na educação um dos ter- blica, Aleixo Vasconcellos vai apoiar-se no modelo
renos privilegiados de enunciação –, está eivada das espartano – grande quimera jacobina que alimentara,
ambigüidades que tecem as disputas de poder entre na França, os ideais revolucionários e a emergência
segmentos da elite dominante. No entanto, seria um das exigências democráticas da educação – recupera-
esforço de todo vazio buscar entender essas ambigüi- do em nome da expansão da autoridade do Estado não
dades? Deveria a tentativa ceder lugar, pela simples só sobre os poderes locais, mas inclusive sobre a au-
contabilidade dos resultados históricos, à desconside- toridade familiar: é “boa doutrina na questão da ins-
ração das polêmicas educacionais, resumidamente trução popular” – não é ele quem o diz, são os anti-
elencadas na categoria de idiossincrasias das elites gos! – que ao Estado caiba, de modo absoluto, a
dominantes? Por que essas idiossincrasias conduziri- educação das crianças. O cômodo distanciamento que
am, justamente, aos argumentos democráticos, e não o passado introduz talvez seja a grande razão que leva
a outros? Sendo esses argumentos tão pouco capazes o autor a apelar para o sentido político da educação na
de efetiva instituição – de encarnação na sociedade, Antigüidade, ainda que de forma destorcida, e ao pre-
sob a forma de expectativas, de razões de ser, de ban- ço do forte anacronismo que permite apelidar de “Es-
deiras de luta –, então por que ainda defender a demo- tado” algo que de fato corresponderia muito pouco à
cracia, e sob as bases de que espécie de legitimação? prática de monopolização das decisões sugerida. Em
No entanto, a instituição dos valores democráti- seus sonhos, na democracia antiga,
cos, ainda que frágil e sempre provisória, não se dá,
pelo menos entre nós – se é que, em algum contexto Os pais não devem ter a liberdade de deliberar sobre
isso foi diferente –, com o purismo e a clareza que as a ida dos filhos à casa do mestre que a criança escolheu. As
leituras de nosso passado parecem reivindicar. Ela deve crianças pertencem menos aos pais que às cidades. O corpo
ser buscada nos desvãos de uma história de domina- e a alma de cada cidadão são propriedades do Estado; por
ção, como frestas que o valor democrático, feito an- isso, ele os prepara de modo a obter o melhor partido. Ensi-
seio de universalização da instrução pelas mais dife- na-se a ginástica, porque o corpo do homem é uma arma
rentes razões, investiu. para a cidade. Ensinam-se hinos, cânticos religiosos e dan-
A defesa da educação pública reuniu, nas primei- ças sagradas para a boa execução dos sacrifícios e das fes-
ras décadas do século, militantes dos mais diferentes tas da cidade. (Vasconcellos, 1922, p. 6)
matizes contra a idéia de uma federação independente
de oligarquias locais: o princípio democrático de uni- Mas é claro que esses excessos estão longe de
versalização da escola unificou os descontentamen-
tos esparsos em uma única bandeira – a da interven-
14
ção ativa do Estado e, para fazê-lo, teve de se indispor Expressas pelo mandonismo, coronelismo e clientelismo
ainda contra outras formas de autoridade que, resis- (J. M. de Carvalho, 1998, p. 130).

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desfrutar de qualquer unanimidade, mesmo entre os continuadora da primeira formação é o complemento do


defensores da instrução pública. Eles são, em especial, lar; deve prolongar-lhe a obra educadora, não destruí-la ou
objeto da crítica mais virulenta e mais enfática dos tra- embaraçá-la. O professor, público ou particular, é, por fun-
dicionalistas, em nome da liberdade de ensino que, ção, um delegado e representante da autoridade paterna.
nesse momento da história da educação pública brasi- Não lhe assistem direitos contra o direito das famílias. (Fran-
15
leira, é vigorosamente empunhada pelos católicos. ca, 1931, p. 60-61)
Para estes, a autoridade paterna – sede e metáfora, des-
de o direito romano, da privatização do poder – é um Mas quem estabelecerá os limites de definição
princípio inabalável; a menos que se tratem de “pais dessa autoridade familiar “incapaz, descuidada e per-
incapazes, descuidados e perversos”, é “inviolável” o versa”? No que consistem a incapacidade, o descuido
poder “físico, intelectual, moral e religioso” que as fa- e a perversidade em nome das quais se poderia, legiti-
mílias devem exercer sobre seus membros: mamente, libertar o indivíduo da tutela exclusiva de
seu meio familiar, e quem poderia em toda legitimi-
[…] ao Estado se impõe o dever de não violentar a cons- dade reivindicá-lo? Parece evidente que, na falta de
ciência dos cidadãos. Tratando-se de crianças confiadas às uma explicitação maior, são os princípios da boa mo-
suas escolas, incumbe-lhe a mais estrita obrigação de res- ral cristã que separarão ainda a sociedade dos pro-
peitar as convicções religiosas das famílias, desde que não prietários de bens e valores morais dos em tudo desa-
se achem em oposição com as exigências da moralidade fortunados.
pública expressas no Código penal. A criança não pertence Curioso é que tenha havido aqueles que, em nome
ao Estado; aos pais, incumbe o dever e assiste o direito de dos mesmos ideais da religião e do apego às tradi-
lhe ministrar a educação física, intelectual, moral e religio- ções, propugnassem pela intervenção do Estado, como
sa a que tem direito inviolável. E se é justa uma legislação é o caso de Ennes de Souza, deputado ainda durante o
quando defende os interesses da prole contra os pais inca- governo Floriano Peixoto. Para o parlamentar, uma
pazes, descuidados ou perversos, não é o menos quando, das funções precípuas do Estado consiste – como pre-
contra terceiros que a viessem embaraçar, tutela e ação efi- tendia o autoritarismo iluminista, em defender a so-
caz das famílias normalmente constituídas. A escola ciedade contra ela mesma, reprimir o mal e, ao mes-
mo tempo, difundir as luzes:
15
“O ajustamento à nova ordem social não foi traumático
para os católicos brasileiros, como acontecera em outros países. Impedir a violência, a opressão, o ultraje, proteger a
Implantado o novo regime, a acirrada batalha entre católicos e vida dos cidadãos, os seus bens, a sua honra, o legítimo
liberais e entre católicos e positivistas ou maçons vai cessando de exercício de todos os seus direitos, é reprimir o mal. Mas o
maneira progressiva. Poucas são as vozes que acenam com um Estado não deve limitar-se a reprimir o mal; esta missão
retorno à situação anterior. Para alguns, terminara a época de será superior às suas forças, se ao mesmo tempo não con-
desprestígio da Igreja Católica, tão acentuado durante a Monar-
correr energicamente para a realização do bem, se não auxi-
quia, com a instituição do Regalismo. Para estes, não se admitia
liar o cidadão no cumprimento dos deveres deste, se não
qualquer pretexto para o pessimismo: ‘estamos no regime do di-
colocar ao alcance dele os meios de desenvolver as suas
reito comum; devemos aproveitar a liberdade que nos é dada’.
faculdades e atingir o alvo da sua existência. Efetivamente,
Afora um ou outro acontecimento que não chegaram definir uma
baldados são todos os esforços para impedir ou sufocar o
‘questão religiosa’, os dois primeiros decênios do regime republi-
mal, quando o mal tem a raiz, a sua causa permanente, no
cano devem ser caracterizados como de calmaria nos meios cató-
licos brasileiros. Apenas durante a terceira década se esboçam as coração da sociedade. É o que sucede quando a maioria da

primeiras manifestações mais importantes que eclodirão no decê- nação permanece abismada na ignorância, pela falta de
nio seguinte, sob a forma de chamamento geral” (Nagle, 1974, meios de instrução; no embrutecimento, pela falta de edu-
p. 57). cação e influência moral; na miséria, por ignorar os recur-

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sos e os interesses do país, por menosprezar as artes que intelectualidade, sem os quais não há homem responsável,
alimentam e enriquecem um povo, nobilitando-o pelo tra- sem os quais é cativeiro a lei, absurdo a imputabilidade e a
balho. É preciso que ele distribua por todas as classes da repressão injustiça; e, a par desse direito do indivíduo para
sociedade, segundo as aptidões e as necessidades de cada com a coletividade social, o direito correlativo, incontestá-
qual, o alimento da inteligência. É necessário que lhes as- vel a esta, de negar à ignorância do indivíduo a liberdade de
segure uma educação, própria para lhes estimular não só o obrigar a nação a receber do seio da ordem comum cérebros
amor do bem, mas o hábito dele, o culto da pátria e da fa- atrofiados pela ausência dessa educação rudimentar, e à
mília, e, mais que tudo, estas santas crenças em uma provi- míngua da qual o ente humano se desnatura, e inabilita para
dência e uma justiça divina, que, debaixo das diversas for- a convivência racional. (Franck, 1893, p. 198, 183)
mas que a liberdade de consciência reclama, são, a um
tempo, a glória, a força e a consolação do gênero humano. Mas a obrigatoriedade da educação comum se
(Franck, 1893, p. 77-78) apresenta, nessas circunstâncias, como uma bandeira
capaz de reunir as mais díspares posições em torno de
Imbuído dessa tarefa de proteger a sociedade con- uma mesma fé nos benefícios “intrínsecos” da ilumi-
16
tra ela mesma, o Estado edifica-se como autoridade nação das razões. Para o “jacobinismo” republicano,
final, representante exclusivo dos anseios comuns, em tanto quanto para o liberalismo conseqüente, não há
nome dos quais se deve limitar todo tipo de influência direito à ignorância, não há benefício algum na manu-
que lhes resista. Sem a perspectiva da participação tenção da dominação surda: os pilares do patriarcalis-
ampliada, os valores comuns servem, assim, de fun- mo devem vergar-se diante da urgência de uma sólida
damento para a monopolização do poder – tal como a adesão, que envolva um convencimento que a educa-
“Monarquia iluminada” de Pedro II o havia concebi- ção é capaz de operar. É essa, para começar, a ambi-
do, tal como a tirania sempre o concebe. Há, porém, güidade que a defesa da educação impõe, mesmo quan-
que reconhecer, na construção dessa “soberania ra- do, por força de sua generalidade, os princípios
zoável” e todo iluminista, na emergência da figura nada democráticos inclinam-se tão disciplinadamente às as-
liberal de um “direito da Nação” – entenda-se, do di- pirações dominadoras da classe emergente:
reito do Estado de falar em nome da coletividade para
exigir de cada um dos indivíduos o que é indispensá- Se, no seio de outras nações, a obrigatoriedade foi
vel ao bem comum – as verdadeiras bases do que, en- um expediente seguro, entre nós ela assumia o caráter de
tre nós, poderia ser denominado espaço público. uma necessidade iniludível, de satisfação inadiável; pois,
se entre povos de iniciativa e estímulos tal medida foi aos
Com essa propriedade singular que caracteriza a ig- olhos dos governos urgentíssima, tratando-se dos nossos
norância, de perpetuar-se a si mesma, a soberania do pai patrícios, baldos dessas qualidades, (é preciso confessá-lo),
ignorante degenerará na mais cruel das tiranias. É a tirania, ela se impunha como remédio de resultados eficazes. Pre-
não a soberania razoável, que o ensino obrigatório combate. tender, acastelado nos princípios da democracia e nos con-
[…] A lei a que se filia, portanto, esse encargo público assu- ceitos da liberdade individual, combater a obrigatoriedade
mido pelo país, não é facilitar à paternidade o exercício de
um múnus doméstico ante cuja infração a autoridade se re- 16
O jornal O Paiz, em sua edição de 3/5/1894, anunciava a
conheça desarmada. Esse compromisso com que a consti- inauguração do periódico O Jacobino, que expressava em seu pro-
tuição grava o orçamento público, exprime dois direitos, que grama a defesa intransigente da instrução pública obrigatória.
têm sua sanção na comunidade organizada politicamente: o Deocleciano Mártir, que responde pelo artigo publicado no jornal
direito, irrecusável a toda criatura humana, de que a socie- citado, declara que “O Jacobino propõe-se a defender com al-
dade lhe subministre, no primeiro período da evolução indi- truísmo todas as causas que se referem ao Povo, ao Brasil e à
vidual, os princípios elementares de moralidade e de República”.

36 Jan/Fev/Mar/Abr 2002 Nº 19
Bases antropológicas da cidadania brasileira

do ensino primário é defender a ignorância das massas, que Participação política e instrução na
tantos males acarreta, prejudicando-lhes o bem estar futu- cidadania moderna
ro, o progresso do país e o seu desenvolvimento; é dizer ao
povo: “vós não compreendeis as vantagens da educação, Buscando na tradição política brasileira as evi-
tendes natural aversão à escola, por isso mesmo que não dências de uma “ética individualista associativa”, J.
lhe medis o alcance; pois bem, não vades à escola, porque M. de Carvalho (1989, p. 151-152) vai ser obrigado a
sois livre, porque sois cidadãos, porque ninguém poderá concluir, como já afirmamos, pela inexistência de qual-
obrigar-vos a freqüentá-la; permanecei ignorantes e estais quer sustentação para uma cidadania ativa. No libera-
no vosso direito!” Mas não são lógicos os adversários da lismo à brasileira, o individualismo exacerbado des-
obrigatoriedade, pois, se o fossem, deveriam levar a defesa curaria de qualquer exigência de associação; no âmbito
da liberdade individual às suas últimas conseqüências, […] dos ideais integradores e comunitaristas do positivismo
clamar contra as leis que impõem pesados impostos, contra e do “republicanismo rousseauniano”, a iniciativa in-
disposições municipais que proíbem ou restringem muitos dividual se desfaria à sombra de um Estado forte.
atos dos cidadãos na sociedade; que se revoltem contra a A concepção restritiva de participação era funda-
moral que nos obriga a guardar o respeito e o decoro públi- mentada, segundo o autor, em uma distinção nítida
cos e a polícia que proíbe, muitas vezes, até certos exces- entre sociedade civil e sociedade política, introduzida
sos, só prejudiciais a quem os pratica. (Costa, 1907, p. 18) pela Constituição monárquica de 1824, que estabele-
cia a diferença entre os cidadãos “ativos”, a quem eram
Mas quem recusará, às palavras então proferi- atribuídos “direitos políticos”, e cidadãos “passivos”,
das, o selo da adesão? O nacionalismo da época de- para os quais só se reconheciam os “direitos civis”.
fende, talvez, um ideal cuja amplitude desconheça e Mas é evidente que, nesse contexto, a participação
cujas conseqüências, se conhecesse, seguramente abo- política só poderia aparecer como uma concessão pes-
minaria. soal e sempre provisória do soberano àqueles que, sú-
O problema maior, a nosso ver, não está aí, senão ditos, distinguem-se por sua colaboração. Nesse sen-
naquilo que nenhuma crítica ao caráter “liberal” da tido, é a integralidade da lógica monárquica que, por
escola pública foi capaz de expor: a instituição da no- detrás de seu glossário de neologismos, resiste a qual-
ção de que a participação política deveria ser uma quer análise: como significar coerentemente palavras
conseqüência do acesso à educação, e não a principal como “cidadão”, “direitos”, “atividade”, “sociedade
causa para a sua defesa. É esse o verdadeiro ponto de política” e “sociedade civil” a partir dessa lógica?
contato entre as mais diferentes concepções educa- Deve-se supor, então, que não é uma concepção
cionais, que têm em comum o princípio, formal ou de participação, mas do seu contrário, de monopoli-
efetivamente defendido, de que é o acesso ao zação do poder que não é rompida com o advento da
patrimônio escolar que legitima a reivindicação de República. Assim, afirmando, pela reedição do censo
igualdade política, e não o contrário: eleitoral, agora fixado apenas na condição de alfabe-
tização, uma concepção “dualista” de cidadania, a
Para ganhar a vida, para ser bom cidadão, o homem constituição republicana decerto não faria figura de
17
precisa ser instruído. Nenhuma profissão, por mais modes- exceção entre as demais nações – não houvesse ela,
ta que seja, pode dispensar a instrução. Quanto maior e mais
aperfeiçoada for a instrução, mais facilmente se logrará al- 17
Como, por exemplo, a Inglaterra, onde até a década de
cançar o que se deseja, melhor se poderá servir à Pátria. O 1860 somente as classes proprietárias votaram. Nos demais países
homem só é verdadeiramente livre quando é instruído, por- europeus, a situação não era muito diferente, ao menos até as dé-
que, do contrário, estará sempre na dependência de outrem. cadas de 1870-1880. Para uma análise mais detalhada, cf.
(Araújo Castro, 1928, p. 44-45) Hobsbawm (1996, 1988); sobre a reforma eleitoral inglesa de 1832,

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concomitantemente, negado a responsabilidade do No campo educacional, a noção de educação


Estado em oferecer, pela instrução pública, uma pers- como “panacéia” foi exaustivamente criticada (para
pectiva de inclusão dos analfabetos. Mais ainda, con- não citar mais do que dois exemplos, cf. Nagle, 1974;
siderando-se que somente os brasileiros mais abona- Paiva, 1973) e, de certa forma, anatematizada pela crí-
dos teriam condições de arcar com os custos da tica das teorias que, a partir dos anos de 1970, não
educação privada, a exclusão dos analfabetos não é aceitavam creditar à escola mais do que o papel de
somente altamente discriminatória como reintroduz, reprodutora das desigualdades sociais. Mas não seria
subrepticiamente, a condição econômica que havia excessivo afirmar que nem sob a influência poderosa
formalmente superado. do mito oposto – o do total impoder da educação –
Porém, mais do que tudo, a vitória do princípio tenha-se de fato superado a concepção de uma educa-
“federativo” e do fortalecimento dos poderes locais já ção magicamente demiúrgica.
tinge, por si só, a noção de cidadania republicana das No que consistiria, de fato, o caráter “mágico”
cores da farsa, servindo para reafirmar as tiranias re- da valorização da educação? Por certo, a crença de
gionais. Por isso, se a mudança de regime político le- que a ação isolada da escola é suficiente para produ-
gitimamente despertou, em vários setores da popula- zir as determinações sociais consideradas é inadmis-
ção, a expectativa de expansão dos direitos políticos, sível – tanto, aliás, quanto a crença de que uma ativi-
os espaços concretos para essa ampliação não esta- dade social de formação de indivíduos possa ser inteira
vam dados, e seria ainda preciso instituí-los na pró- e exaustivamente congruente com a ideologia do con-
pria lógica republicana. Compactuando com as exclu- trole, até o ponto da total insubstancialidade de qual-
sões que a ordem patrimonialista sempre realizara, ela quer outra dimensão. A questão merece, portanto, ser
afastava-se radicalmente, no primeiro momento, de analisada com mais cuidado. O princípio que estava
qualquer possibilidade de democratização. na base do “entusiasmo” pela educação não era, sem
Nas primeiras décadas do século XX, o fortaleci- dúvida, o de que a sociedade poderia cruzar os bra-
mento do projeto de construção nacional traz à tona a ços, deixando a cargo da escola a concretização de
exigência de instituição ampliada dos modelos de ci- todas as suas exigências políticas, mas antes o de que
dadania cuja concretização será, de forma sistemática, a educação consistia no pré-requisito indispensável
atribuída à escola pública. Mas, se a área da educação para a concretização legal e institucional dessas exi-
é espaço para a enunciação das exigências democráti- gências.
cas, ela também é o lugar em que as resistências à sua Depositária de precondições sem as quais, afir-
realização vão se evidenciar. Ainda que tanto umas mava-se, o sonho democrático tornar-se-ia inexora-
como outras possam tomar, nos discursos, formas ex- velmente em pesadelo, a escola foi feita, historicamen-
tremas, parece-nos ser para o tipo antropológico do te, o melhor argumento de legitimação das contradi-
homem das luzes que as posições vão convergir. ções da ordem liberal: permitindo a reafirmação
O caráter político que passa a ser associado à es- constante de um ideal convenientemente postergado,
cola é o de fiadora das condições de realização do pro- ela era, ademais, álibi para a dominação social, tanto
jeto democrático: a educação comum é cada vez mais quanto para a desqualificação popular. No entanto, não
investida da tarefa de afastar definitivamente os en- seria lícito supor que essa perspectiva cínica era com-
traves que se opõem à solidificação da realidade re- partilhada pela integralidade daqueles que deposita-
publicana. ram suas esperanças na escola, longe de lá – tal como
não é correto atribuir a totalidade dos ideais educa-
Thompson (1987); e, para um estudo comparativo das reformas cionais da época ao projeto de Estado autoritário a
eleitorais na Europa Ocidental, na metade final do século XIX, partir daí posto em prática no país.
Hirschman (1992). Mais correto é afirmar que o que se comparti-

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Bases antropológicas da cidadania brasileira

lhou, então, mantém-se até hoje correntemente em uso, instruído. Mais ainda, a equivalência entre instrução
nas mais diferentes posições políticas: a viciosa asso- e cidadania acaba por definir a própria humanidade:
ciação entre a participação política e instrução, insta- sem a instrução, está-se excluído não só da sociedade,
lada desde a “sociedade educativa” de Platão como mas da própria espécie. Não é o que afirmam inces-
legitimação da idéia de que há, nas sociedades, “espe- santemente os discursos educacionais?
18
cialistas” do poder, e que a esses devem ser confia-
das as deliberações comuns. Platão insurgia-se contra […] a ninguém preocupa a decadência da instrução
a prática democrática de seu tempo – caracterizada, primária, a completa ausência da educação popular, esque-
exatamente, pela afirmação de que a política era um cidos todos nós de que, se a instrução superior prepara as
domínio que igualava os indivíduos, não requerendo altas camadas sociais, desenvolve a ciência e habilita o
qualquer tipo de habilidade específica. Tal como o homem a escravizar, cada vez mais, a natureza; se a secun-
racionalismo platônico, sua versão moderna preten- dária, desenvolvendo o espirito da mocidade, a torna capaz
deu subverter o princípio de igualdade política que é de outros conhecimentos úteis e proveitosos, preparando-a
essencialmente constitutivo do projeto democrático. para a vida na sociedade moderna; a primária conduz ao
Assim, a igualdade política já não é ponto de partida cérebro humano os primeiros raios dessa luz preciosíssima
do qual decorrem não só a prática de deliberação como que faz germinar a semente de todos os progressos, forne-
o acesso à paideía comum: ela é uma condição im- cendo aos povos a base de conhecimentos indispensáveis,
posta à democracia, pela qual se admite – o que “[…] sem os quais o indivíduo não é nem homem nem cida-
Rousseau não se cansou de contestar – que é pela ciên- dão”; esquecidos todos nós de que esta é a que precisamos
cia e pelo saber que se chega à virtude social. derramar por todas as camadas populares, porque só ela é
Não se trata, é claro, de negar que a política é acessível à maioria da nação. (Costa, 1907, p. 7, com nos-
espaço de deliberação racional e da reflexão, nem a sos grifos)
contribuição específica da educação na edificação do
espaço público. Porém, a igualdade política não pode Na curiosa conversão que a modernidade acaba
ser fundada senão no respeito incondicional à autono- por operar sobre a noção de autonomia, o que era ini-
mia de cada indivíduo. É essa lição essencial da de- cialmente característica inalienável do indivíduo hu-
mocracia que é inteiramente distorcida, sob pretexto mano passa a ser uma possibilidade engendrada pelo
da exigência de instrução. A “cidadania universal” pas- progresso da sociedade; ao mesmo tempo que sua ex-
sa a ter um preço: a universalização dos valores que pressão já não é eminentemente política e pública, mas
permitem assegurar que ela não vá conduzir para lon- refere-se principalmente a atributos individuais e sub-
ge dos resultados que se acredita “naturalmente” uni- jetivos:
versais.
Embora, formalmente, todos sejam cidadãos, só […] a originalidade pedagógica do movimento iluminista
é cidadão, nas “democracias modernas”, aquele que é não consiste somente no novo conceito de educação, mas
também no novo fim a ser alcançado que não é mais a

18 sapiens et eloquens pietas ou a literata pietas do Humanis-


Em favor de Platão, é ainda preciso acrescentar que, para o
mo confessional, quer católico quer protestante, mas sim a
filósofo, estes “especialistas” não se confundiam, como atualmen-
formação do cidadão, o qual, mediante o saber, se deve
te, com os profissionais da política, economistas, homens de parti-
elevar a autonomia intelectual e moral até mesmo [sic] po-
do. Ao invés de se identificarem com o poder econômico, na con-
cepção platônica os filósofos não possuiriam bens privados, tanto lítica. (Quaglio, 1931, p. 2)

quanto não contrairiam matrimônio, não se consagrando a nenhu-


ma destas atividades que dominam a construção da existência pri- Como evitar de ver nessa “autonomia intelectual
vada. Ainda sobre a questão, cf. Castoriadis, 2000, p. 34. e moral” o seu contrário, isso é, a sujeição a valores

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Lílian do Valle

que permitem assegurar antecipadamente o resultado um princípio político, a educação cumpre uma rotina
da deliberação? Como entender, sob essas bases, o di- inteiramente oposta a que, inicialmente, parece supor:
reito à educação? a insistência em fazê-la instrumento de conversão das
diferenças na igualdade política encobre a manuten-
O primeiro dever pois, de cada cidadão de cada pá- ção concreta das injustiças sociais e a intenção de con-
tria é instruir-se e instruir; o primeiro dever de todos os trole ampliado da sociedade:
governos de todos os Estados é proporcionar, cada vez
melhormente, o desenvolvimento da instrução do povo. Cada indivíduo, elevado à categoria de cidadão, é apto
(Cardoso, 1926, p. 17-18) para o exercício dos direitos políticos – mercê da capaci-
dade que para isso lhe proporciona a instrução, mesmo em
Se há dever do Estado de prover a educação pú- grau elementar – poderá melhor compreender a extensão
blica, ele é correlativo ao dever de cada cidadão de dos seus direitos e avaliar até onde lhe chegam os deveres
buscar essa instrução; porém, dos dois deveres, ape- correlativos. […] o cidadão consciente será necessariamente
nas aquele que obriga o indivíduo volta-se em direito, um elemento de ordem e fator de bem estar coletivo. (Cos-
a qualquer momento reivindicado pelo Estado, como ta, 1907, p. 95, com nossos grifos)
justificativa para as exclusões que opera.
Como já dissemos desde o primeiro momento, o O mesmo autor citado, Afonso Costa, afirmava
princípio da obrigatoriedade em que se apóia a idéia ainda, no início do século, a crença de que só a educa-
da educação pública se introduz como limitação do ção poderia despertar nos brasileiros “[…] um entu-
reconhecimento da autoridade do pater familias. Apa- siasmo de amor esclarecido, que estuda, que racioci-
rece, porém, nos discursos educacionais, uma versão na, que pondera, e busca exatamente nas lições da
na qual o objetivo maior não é, como em outros con- história descobrir quais os nossos legítimos interes-
textos, o de criação de uma uniformidade social entre ses […]”. Em particular, a liberdade que o esclareci-
as classes sociais que, para além da tutela familiar, mento provê resulta do claro conhecimento dos limi-
apenas o Estado pode fomentar, mas o da prevenção tes de sua competência:
ativa dos prejuízos que a “natural aversão” ou igno-
rância das classes desprivilegiadas pode acarretar para O patriotismo verdadeiro […] não é amor cego […]
toda a sociedade: Ao contrário. O cidadão prestante, reconhecendo os erros,
as deficiências, as necessidades de sua Pátria, esforça-se,
Se o pai não educa os filhos, se não compreende as na esfera de sua influência, por corrigir ou minorar tais
vantagens da instrução elementar, dos conhecimentos que males. (Costa, 1907, p. 61, nossos grifos)
a escola proporciona para serem bons cidadãos e homens
úteis, o Governo que os arranque da indolência para os Da educação que é condição para a participação
mandar às aulas publicas. […] O pai, o tutor, o parente têm pode-se, ademais, implicar todas as “virtudes políti-
o direito de dar a seu filho ou tutelado a profissão que bem cas” e, para começar, aquelas necessárias à preserva-
19
lhes convier, depois de ter cursado a criança, por algum ção da ordem social, como faz entender, na mesma
tempo, a aula primária, onde deve ter aprendido a ler e es-
crever, encontrando ali a sua inteligência a compreensão 19
No início do século XX, uma cartilha destinada a crianças
de tanta coisa útil e indispensável; segregá-lo, porém, da resumia os deveres e os direitos do cidadão, estes últimos divididos
escola, para enviá-lo logo à tenda do sapateiro é desumano em direitos “civis” e “políticos”: “Os primeiros deveres civis são:
e cruel! (Costa, 1907, p. 23) respeito às leis e obediência às autoridades; defesa Nacional e de-
ver de bem servir à Pátria; prevenir, impedir e reprimir a desordem,
Instalada como pré-requisito para afirmação de que é sempre nociva à liberdade; procurar o melhoramento

40 Jan/Fev/Mar/Abr 2002 Nº 19
Bases antropológicas da cidadania brasileira

época, José Feliciano, para quem “ser bom cidadão é Sejamos, portanto, patriotas, para que possamos ser
a maneira mais decisiva de ser um bom homem, um bons cidadãos. Estudemos, eduquemos nosso espírito, cul-
homem social”, que do civismo espera a própria “con- tivemos o nosso intelecto, desenvolvamos a nossa indús-
solidação dos liames domésticos”: tria, o nosso comércio, a nossa agricultura; sejamos traba-
lhadores e ativos, para fazermos do Brasil uma nação culta
A urbanidade lhes ensinará [aos futuros cidadãos] a e elevada, a primeira potência da América do Sul. (Cunha
respeitar melhor as autoridades que personificam a ordem Avellar & Avellar, 1915, p. 12)
social, e os fará poupar os haveres humanos, hoje dilapida-
dos como se foram ganho individual de seus pródigos Porém, as transformações por que passa o país
apreensores. O governo constituído é sempre uma força res- cedo exigem, e cada vez mais, a reconversão dessa
peitável, embora subjetivamente, moralmente haja gover- adesão espiritual em termos de uma operosidade fun-
nados superiores aos governantes. Sem servilismo, por ur- cional. Das exigências de instituição do capitalismo,
banidade social, todos devem respeitá-lo, sem críticas entre nós como em toda parte, resultou a identificação
irritantes, sem comparações irracionais com modelos pro- irrestrita da cidadania com a participação no trabalho.
blemáticos ou com tipos ideais. Este respeito deve estender-
se às dignas forças econômicas, aos capitalistas, hoje tão Soou, afinal, para o Brasil a hora da construção eco-
atacados pelos espíritos destruidores. As forças sociais, as- nômica. Consolidado politicamente o país, o que se pode
sim consolidadas, enobrecidas, livres dos cuidados absor- julgar realizado com a estabilidade da República, o proble-
ventes de uma defesa contínua, frutificarão em resultados ma é não já de construção da nacionalidade, no ponto de
verdadeiramente progressivos. (Feliciano, 1903, p. 31-32) vista político, mas de consolidação nacional no ponto de
vista econômico. Existe o cidadão, é porém preciso que
Implicam-se, inicialmente, os valores patrióticos nele subsista também o trabalhador, o fator direto da vida
em nome dos quais o trabalho é valorizado, e em rela- nacional e o impulsionador da evolução da pátria. (Carnei-
ção aos quais a cidadania é definida como desenvol- ro Leão, 1918, p. 5)
vimento individual de habilidades morais, intelectuais
e profissionais que convergirão para o progresso na- Essa assimilação da cidadania ao trabalho tem
20
cional. A participação a que a cidadania dá acesso vantagens educacionais evidentes: pois, à luz desse
depende da adesão a um patrimônio de valores que, trabalhador abstrato que se trata agora de formar, tor-
somente eles, poderão atribuir à contribuição indivi- nam-se cada vez mais genéricos e formais os termos
dual sua implicação coletiva: pelos quais se pensa, na Escola pública, a formação
do cidadão.

moral, econômico e civil do Estado. Os direitos dividem-se em LÍLIAN DO VALLE, doutora em educação pela Universi-
civis e políticos. Os civis são: gozar da liberdade; garantia da pes- dade de Paris V (1982), é professora titular de filosofia da educa-
soa, honra e propriedade; os políticos são: direito eleitoral; direito ção da UERJ e autora, entre outros, de A escola e a nação (Letras
de elegibilidade; direito de ser jurado; direito de petição” (Capri, & Letras, 1996), A escola imaginária (DPA, 1997) e Enigmas da
1909, p. 31-39). aprendizagem (no prelo).
20
“O que o cidadão deve saber” – manual que Sampaio Dória
elabora para a Liga Nacionalista – registra as leis do “decálogo”
cívico: “1- Amar a liberdade; 2- Defender a pátria; 3- Pagar im- Referências Bibliográficas
postos; 4- Votar; 5- Cooperar na política; 6- Servir no Juri; 7-
Respeitar a lei; 8- Fiscalizar; 9- Falar bem a sua língua; 10- Não ARAÚJO CASTRO, (1928). Instrução moral, cívica e social. Rio
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aspectos pedagógicos, sociais e jurídicos. Rio de Janeiro: Edi- Olinda Maria, (1994). História da educação; a escola no Bra-
tora Schmidt. sil. São Paulo: FDT.

Recebido e aprovado em janeiro de 2002

42 Jan/Fev/Mar/Abr 2002 Nº 19
Resumos/Abstracts

not by his/her activity but by the me in Brazil as a simple continuation ram examinadas as publicações do
readiness to be transformed by of the monarchic period due to the Banco Mundial, da CEPAL, do
experience – a human passageway, fragility of its implantation. Critics of PREAL, do BID, do IIPE/UNESCO e
submitted to a logic of passion. It the tradition of the creation of a da OREALC/UNESCO, desde 1998
affirms that the knowledge of strong monopoly state in the country até 2001.
experience is acquired in the are equally common-place and accord Palavras-chave: reforma educacional,
relationship between knowledge and tones of fatality to the idea of the América Latina, organismos
human, singular concrete life. historical formation of an inexorably internacionais.
Key-words: experience, knowledge of passive type of definitively
experience, experience/sense. anthropological citizen, setting rigid The sustainability of the educational
limits to the democratisation of reform in question: the position of
Brazilian society. The impossibility of the international organisations
Lílian do Valle
the public school forming citizens This article discusses the themes and
Bases antropológicas da cidadania
would thus be proven – all the questions dealt with in the productions
brasileira: sobre escola pública e
arguments to the contrary consisting of international organisations from
cidadania na Primeira República
only of re-editions of the old myth of 1998 onwards with relation to
Devido às fragilidades de sua implan-
the educational demiurge? By different dimensions of the
tação, não são poucos, no Brasil, a tra-
attempting to unite elements capable sustainability of the educational
tarem o regime republicano como uma
of analysing these anthropological reforms in Latin America which offer
simples continuação do período mo-
constructions which form the base of interesting signs of those aspects
nárquico. Igualmente correntes, as crí-
the experience of Brazilian which have and will continue to
ticas à tradição de constituição, no
citizenship, this article brings into receive technical and financial
país, de um Estado forte e
perspective what is without a doubt investments from such organisations.
monopolizador, concedem cores de
the first and most central of At least three dimensions concern the
fatalidade à idéia da formação históri-
democratic requirements: the international organisations: the
ca de um cidadão inexoravelmente
unconditional and unconditionable political, the financial and the
passivo, tipo antropológico definitivo,
affirmation of the political equality of technical dimensions. This analysis is
a marcar os rígidos limites à democra-
citizens. based on an examination of
tização da sociedade brasileira. Seria,
Key-words: Public school, 1st publications by the World Bank,
assim, cabal a impossibilidade de a
Republic, citizenship. CEPAL, PREAL, BID, IIPE/ UNESCO
escola pública formar cidadãos – to-
and OREALC/UNESCO, from 1998 to
dos os argumentos em contrário con-
2001.
sistindo apenas em novas reedições Nora Krawczyk
Key-words: educational reform, Latin
do velho mito da demiurgia educacio- A sustentabilidade da reforma
America, international organisations.
nal? Ao tentar reunir os elementos educacional em questão: a posição
para análise das construções antropo- dos organismos internacionais
lógicas que estão na base da experiên- O artigo discute temas e questões Victor Vincent Valla
cia de cidadania brasileira, esse artigo abordados pelas produções dos orga- Pobreza, emoção e saúde: uma
coloca em perspectiva aquela que sem nismos internacionais a partir de 1998 discussão sobre pentecostalismo e
dúvida é a primeira e a mais central das como diferentes dimensões de susten- saúde no Brasil
exigências democráticas: a afirmação tabilidade das reformas educacionais No campo de educação e saúde tem
incondicional e incondicionada da na América Latina, que oferecem inte- surgido um debate sobre a origem dos
igualdade política dos cidadãos. ressantes indícios dos aspectos que re- problemas de saúde, o qual propõe
Palavras-chave: escola pública, ceberam e continuarão recebendo in- que a origem desses problemas está
Primeira República, cidadania. vestimentos – técnicos e financeiros – basicamente relacionado com as emo-
desses organismos. Pelo menos três di- ções mais do que com bactérias ou ví-
Anthropological bases of Brazilian mensões preocupam bastante os orga- rus. A teoria do apoio social sugere
citizenship: on the public school and nismos internacionais: a dimensão po- que, se as emoções são relacionadas
citizenship in the 1st Republic lítica, a dimensão financeira e a ao surgimento das doenças, as solu-
Many critics treat the republican regi- dimensão técnica. Para sua análise, fo- ções também estão relacionadas com

Revista Brasileira de Educação 169

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