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Nesta unidade estudaremos por que motivo o advento da República não foi
capaz de superar o caráter elitista e excludente da educação herdada dos sécu-
los XVI, XVII, XVIII e XIX. Dois grandes intelectuais do século XX corroboram a
tese em questão. Para Florestan Fernandes (1966), um dos signatários do Mani-
festo em defesa da escola pública de 1959,
Por sua vez, Anísio Teixeira (1977), um dos “pioneiros da escola nova” no
Brasil, demonstrou claramente, mediante dados quantitativos, o fracasso republi-
cano no campo educacional, ou seja:
Quanto aos grupos escolares, no que diz respeito ao ensino elementar, ti-
nham como tarefa educar os cidadãos da República, isto é: ler, escrever e contar,
além dos conhecimentos básicos das ciências, história e geografia. Eram ins-
tituições escolares formadas por um diretor e tantos professores quanto fosse
o número de classes de aulas correspondentes às séries anuais, isto é, eram
escolas graduadas por séries anuais que, por sua vez, poderiam ser divididas
em classes de aulas com turmas distintas de alunos. Foi a reforma da instrução
pública paulista de 1892 que instituiu os grupos escolares, ou seja, pela primeira
vez, as quatro séries que compreendem a educação primária foram reunidas num
mesmo estabelecimento de ensino. A experiência da escola primária empreen-
dida pelo governo paulista acabou por repercutir em outras unidades federativas.
Nos primeiros decênios do século XX, por exemplo, o quadro era o seguinte:
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Figura 14 Fernando de Azevedo.
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Essas reformas educacionais ocorridas durante a década de 1920 refletiam,
em certa medida, as mudanças econômicas e sociais que o Brasil vinha sofrendo
desde o início do século XX. Movidas por um ideário político liberal, que elegera
a educação como um dos grandes problemas nacionais a serem resolvidos, as
reformas foram envolvidas numa atmosfera ideológica definida por Jorge Nagle
(2001, p. 131) de “entusiasmo e otimismo pela educação”. Portanto, os reforma-
dores de tendência liberal eram inspirados pela crença de que a educação, pela
multiplicação da escolaridade que incorporasse grandes camadas populares, po-
deria transformar-se no motor do “progresso nacional”.
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2.4 O Estado nacional e a educação após 1930
Assim sendo, a Revolução de 1930, que pôs fim à hegemonia exercida pe-
las oligarquias do “café com leite”, pode ser considerada o marco inicial da ascen-
são do projeto societário burguês autocrático. Ela tinha como causa imediata a
crise econômica que se abateu sobre os países capitalistas mais desenvolvidos
a partir de 1929. A retração na capacidade de consumo dos principais merca-
dos mundiais, principalmente o norte-americano, provocou um colapso no mo-
delo agrário-exportador brasileiro estruturado na produção de um único produto
agrícola, cuja origem remontava à segunda metade do século XIX. Mas, para
além da crise econômica, o próprio sistema de poder organizado em função dos
interesses exclusivos das oligarquias agrárias também já apresentava sinais de
esgotamento político. Em síntese: os acontecimentos econômicos e políticos
que marcaram o final da década de 1920 significaram um ponto de inflexão na
revolução burguesa no Brasil.
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Figura 17 Professores e alunas da Escola Normal “Joaquim Murtinho”, em Campo
Grande (MS), durante a década de 1930.
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Em relação à primeira e à terceira medidas – a criação do Ministério da Edu-
cação e a reforma educacional –, elas representavam a intervenção do governo
central com o objetivo de transformar a questão educacional numa política de
âmbito nacional. Desse modo, o Estado, com base no recém-criado Ministério
da Educação, passava a ditar a política nacional de educação, ao contrário do
que vinha ocorrendo desde o Ato Adicional de 1834. O governo Vargas tinha
interesse em fortalecer o Estado nacional com aparelhos administrativos e eco-
nômicos (empresas estatais) que servissem de instrumentos políticos para as
transformações modernizadoras implementadas pela revolução burguesa auto-
crática, ou seja, que viabilizassem a transição autoritária e acelerada entre o
agrário e o urbano-industrial. A política educacional implementada pelo governo
centralizador de Vargas ficou conhecida como “Reforma Francisco Campos” e
materializou-se por meio de um conjunto de decretos emanados do Poder Exe-
cutivo. O quadro seguinte apresenta a lista das reformas executadas:
Disciplinas Séries
Português 1a, 2a, 3a, 4a e 5a
Francês 1a, 2a, 3a e 4a
Inglês 2a, 3a e 4a
Latim 4a e 5a
Alemão Facultativo
História 1a, 2a, 3a, 4a e 5a
Geografia 1a, 2a, 3a, 4a e 5a
Matemática 1a, 2a, 3a, 4a e 5a
Ciências Físicas e Naturais 1a e 2a
Física 3a, 4a e 5a
Química 3a, 4a e 5a
História Natural 3a, 4a e 5a
Desenho 1a, 2a, 3a, 4a e 5a
Música (canto orfeônico) 1a, 2a e 3a
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Quadro 15 Ciclo complementar do ensino secundário – preparação para a faculdade de
Direito.
Disciplinas Séries
Latim 1a e 2a
Literatura 1a e 2a
História 1a
Noções de Economia e Estatística 1a
Biologia Geral 1a
Psicologia e Lógica 1a
Geografia 2a
Higiene 2a
Sociologia 2a
História da Filosofia 2a
Disciplinas Séries
Alemão e Inglês 1a e 2a
Matemática 1a
Física 1a e 2a
Química 1a e 2a
História Natural 1a e 2a
Psicologia e Lógica 1a
Sociologia 2a
Por essa disposição curricular, nota-se que o futuro médico teria uma for-
mação que ia além dos conhecimentos inerentes à saúde humana. Ou seja, o
ciclo complementar voltado para a Faculdade de Medicina também tinha um
currículo que possibilitava uma formação mais ampla em decorrência do ensino
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de sociologia e línguas estrangeiras, por exemplo. Assim, a manutenção das di-
tas “matérias literárias” visava à preparação do futuro governante. Aliás, esse era,
desde sempre, o traço característico da educação de elite: na juventude se desen-
volvia a arte do fazer da profissão liberal e na velhice se exercia a arte de governar
o povo. Quanto ao ciclo complementar de acesso à Faculdade de Engenharia, o
currículo era o que se segue:
Disciplinas Séries
Matemática 1a e 2a
Física 1a e 2a
Química 1a e 2a
História Natural 1a e 2a
Geofísica e Cosmografia 1a
Psicologia e Lógica 1a
Sociologia 2a
Desenho 2a
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Quadro 18 Capitalismo tardio, ensino secundário e faculdade de Educação, Ciências e
Letras nas reformas educacionais de 1931.
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2.4.2 O Manifesto dos Pioneiros (1932)
Podemos concluir que Paschoal Lemme tinha razão, pois ainda estamos es-
perando as “outras épocas e os novos tempos”, já que muitos dos princípios edu-
cacionais propostos pelo “Manifesto” ainda não foram levados à prática em pleno
início do século XXI. Em síntese: a educação pública e obrigatória para todos con-
tinua sendo um problema social não resolvido pela sociedade brasileira contempo-
rânea, particularmente do ponto de vista da qualidade do ensino que oferece.
A década de 1930 não ficou marcada apenas pela disputa ideológica entre
católicos e liberais pela hegemonia do campo educacional brasileiro, mas tam-
bém pelos elementos do contexto internacional que permearam a política nacio-
nal. Situados entre a Primeira (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-
1945), os anos da década de 1930 foram marcados por uma intensa polaridade
ideo-política: o capitalismo anticomunista liderado pela Alemanha nazista versus
o comunismo anticapitalista que emergiu da Revolução Russa de 1917. O histo-
riador britânico Eric Hobsbawm (1995), em seu livro sobre a história do “breve
século XX”, classificou o espaço de tempo de 1914 a 1945 como a “Era da ca-
tástrofe”. E o Brasil, por extensão, não ficou imune à bipolaridade ideológica que
se manifestou entre socialismo e fascismo. Aqui, as forças progressistas, lidera-
das pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), organizaram a Aliança Nacional
72 Libertadora (ANL), e as tendências reacionárias, com o apoio da Igreja Católica,
criaram a Ação Integralista Brasileira (AIB), cujo lema era “Deus, Pátria e Família”.
Após o levante comunista de 1935, desencadeado pelo PCB, o presidente Getú-
lio Vargas aliou-se aos fascistas e desferiu um golpe de Estado, em 1937, contra
a legalidade constitucional instituída em 1934. Estava instalada, assim, a ditadura
varguista: o Estado Novo (1937-1945).
DATAS DECRETOS
Decreto-lei no 4.048: Criou o Serviço Nacional de Aprendizagem
22/01/1942
Industrial
30/01/1942 Decreto-lei no 4.073: Lei Orgânica do Ensino Industrial
09/04/1942 Decreto-lei no 4.244: Lei Orgânica do Ensino Secundário
28/12/1943 Decreto-lei no 6.141: Lei Orgânica do Ensino Comercial
02/01/1946 Decreto-lei no 8.529: Lei Orgânica do Ensino Primário
02/01/1946 Decreto-lei no 8.530: Lei Orgânica do Ensino Normal
Decreto-lei no 8.621: Criou o Serviço Nacional de Aprendizagem
10/01/1946
Comercial
20/08/1946 Decreto-lei no 9.613: Lei Orgânica do Ensino Agrícola
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Quadro 20 Leis Orgânicas do ensino primário e secundário.
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Figura 20 Escola pública durante a década de 1930.
Mas a grande novidade das “Leis Orgânicas do Ensino” foi ter consagrado
a dualidade entre educação propedêutica e instrução para o mundo do trabalho,
isto é, a divisão da educação segundo a extração social dos alunos. O quadro a
seguir explicita, por exemplo, a disposição da estrutura da educação profissio-
nal do Curso Normal (formação de professores), do Curso Industrial e do Curso
Comercial:
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Quadro 21 Leis Orgânicas do ensino profissional (Normal, Industrial e Comercial).
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Figura 21 Ensino técnico durante as primeiras décadas do século XX.
Desse modo, em 1942, foi publicado o Decreto-lei no 4.048 que criava o Ser-
viço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Quatro anos depois, criava-se,
por meio do Decreto-lei no 8.621, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC). Assim, o chamado “Sistema S” logo se transformaria na maior rede de
escolas profissionais do Brasil, pois a lógica do processo de modernização ace-
lerada e autoritária do capitalismo brasileiro assim determinava. Para Romanelli
(1986, p. 169), “as escolas de aprendizagem (profissional) acabaram por transfor-
mar-se, ao lado das escolas primárias, em escolas das camadas populares”.
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2.6 Estudos complementares
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