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CNU

Bloco 8 - Nível Intermediário

Realidade Brasileira

Formação do Brasil contemporâneo: Da independência à República........................... 1

Realidade Brasileira
Primeira República: elite agrária e a política da economia cafeeira.............................. 3
O Estado Getulista......................................................................................................... 12
Democracia e rupturas democráticas na segunda metade do século XX...................... 15
A redemocratização e a busca pela estabilidade econômica......................................... 19
História dos negros no Brasil: luta antirracista, conquistas legais e desafios atuais..... 20
História dos povos indígenas do Brasil: luta por direitos e desafios atuais.................... 26
Dinâmica social no Brasil: estratificação, desigualdade e exclusão social.................... 41
Manifestações culturais, movimentos sociais e garantia de diretos das minorias......... 47
Desenvolvimento econômico, concentração da renda e riqueza................................... 50
Desenvolvimento sustentável e meio ambiente............................................................. 78
Biomas brasileiros: uso racional, conservação e recuperação...................................... 79
Matriz energética: fontes renováveis e não renováveis................................................. 89
Mudança climática.......................................................................................................... 90
Transição energética...................................................................................................... 96
População: estrutura, composição e dinâmica............................................................... 98
Desenvolvimento urbano brasileiro: redes urbanas; metropolização; crescimento das
cidades e problemas urbanos........................................................................................ 102
Infraestrutura urbana e segregação socioespacial........................................................ 103
Desenvolvimento rural brasileiro: estrutura e concentração fundiária; sistemas produ-
tivos e relação de trabalho no campo............................................................................ 104
A inserção do Brasil no sistema internacional............................................................... 109
Estado Democrático de Direito: a Constituição de 1988 e a afirmação da cidadania.... 124
Exercícios....................................................................................................................... 126
Gabarito.......................................................................................................................... 134

Apostila gerada especialmente para: FERNANDA DE SOUZA GONCALVES 092.263.489-01


Formação do Brasil contemporâneo: Da independência à República

— A Chegada da Família Real ao Brasil


Em 1806, Portugal foi afetado pelo Bloqueio Continental da França contra a Inglaterra, que ocorreu graças
à impossibilidade das tropas de Napoleão de anexar a Inglaterra por meios militares. Caso não aderisse ao
Bloqueio, as tropas de Napoleão invadiriam o território português. Entretanto, Portugal decidiu não seguir esse
caminho porque tinha fortes ligações comerciais com a Inglaterra1.
Em novembro de 1807, dom João, príncipe regente de Portugal desde 1799 - a rainha dona Maria, sua mãe,
sofria de distúrbios mentais -, diante da ameaça de invasão, decidiu transferir a família real e a Corte lusa para
a colônia na América, deixando os súditos expostos ao ataque francês.
Os ingleses garantiram a proteção da mudança da monarquia para o Brasil. Nobres da Corte e familiares do
príncipe recolheram às pressas tudo o que podiam carregar - joias, obras de arte, milhares de livros, móveis,
roupas, baixelas de prata, animais domésticos, alimentos, etc. - e zarparam em 29 de novembro rumo ao Rio
de Janeiro.
Além da família real e dos nobres, viajaram altos funcionários, magistrados, sacerdotes, militares de alta
patente, etc. Estima-se que nos 36 navios viajaram entre 4,5 mil e 15 mil pessoas. Parte da esquadra, incluindo
o navio ocupado por dom João, atracou em Salvador no dia 22 de janeiro de 1808, seguindo semanas depois
para o Rio de Janeiro, onde já se encontrava o restante da frota, e lá chegando em 8 de março de 1808.
— Sede do Governo Português
Agora que boa parte da elite lusa encontrava-se em terras brasileiras, o desenvolvimento da colônia não
poderia continuar cerceado. Como afirma a historiadora Maria Odila Silva Dias, pela primeira vez iria se confi-
gurar “nos trópicos portugueses preocupações de uma colônia de povoamento e não apenas de exploração ou
de feitoria comercial”. Assim, seis dias depois de desembarcar em Salvador, o príncipe regente dom João de-
cretou a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, ou seja, às nações com as quais Portugal mantinha
relações diplomáticas amigáveis.
O Governo de D. João no Brasil
Dom João — cuja gestão é conhecida como governo joanino - adotou medidas que afetaram diretamente a
vida econômica, política, administrativa e cultural do Brasil. No plano administrativo, dom João procurou repro-
duzir na colônia a estrutura burocrática do reino. Foram criados órgãos públicos, como o Conselho de Estado
e o Erário Régio (que depois se tornou Ministério da Fazenda), que garantiam o funcionamento burocrático do
Estado e proporcionavam emprego para muitos portugueses.
Ainda em 1808, foram criados o Banco do Brasil, o Real Hospital Militar e o Jardim Botânico. Dom João
autorizou também o funcionamento de tipografias e a publicação de jornais. Com os livros da Biblioteca Real
trazidos de Lisboa foi organizada a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Para interligar a capital com as demais regiões da colônia e povoar o interior, o governo doou sesmarias
e autorizou o Banco do Brasil a oferecer créditos aos colonos para que pudessem plantar e criar gado. Essa
política de povoamento estimulou a imigração. Em 1815, um grupo de 45 colonos oriundo de Macau e Cantão,
na China, estabeleceu-se na cidade do Rio de Janeiro.
Em 1818, cerca de dois mil suíços fundaram Nova Friburgo, na província do Rio de Janeiro (as capitanias
passaram a se chamar províncias a partir de 1815). Na política externa, o governo joanino adotou uma linha de
ação franca- mente expansionista, ocupando a Guiana Francesa, em 1809, e anexando a Banda Oriental (atual
Uruguai), em 1816. Em 1818, dois anos após a morte da rainha dona Maria, o príncipe regente foi coroado rei
com o título de dom João Vl.

1 Azevedo, Gislane. História: passado e presente / Gislane Azevedo, Reinaldo Seriacopi. 1ª ed. São Paulo.
Ática.

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1
— A Promoção à Reino Unido
Para gerar recursos para a administração, o governo joanino teve de aumentar a carga tributária. O dinheiro
dos impostos foi utilizado para cobrir os gastos da Corte, custear as obras de urbanização do Rio de Janeiro
e financiar intervenções militares. Essa situação, somada à carestia e ao aumento dos preços, gerou enorme
insatisfação da população, que começou a questionar os privilégios concedidos aos portugueses, detentores
dos principais cargos burocráticos e dos mais altos postos da Academia Real Militar.
Começaram a ocorrer agitações de rua que culminavam em ações violentas da polícia principalmente (mas
não exclusivamente) no Rio de Janeiro. A situação em Portugal também era de descontentamento popular.
Com a queda de Napoleão em 1815, os portugueses passaram a exigir o retorno imediato de dom João a Por-
tugal. Ele, entretanto, assinou um decreto criando o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Com isso, o
Brasil deixava de ser colônia e ganhava o mesmo status político de Portugal.
E o Reino passava a ter dois centros políticos: Lisboa, em Portugal, e Rio de Janeiro, no Brasil, onde dom
João exercia o governo. Para muitos historiadores, a elevação do Brasil a Reino Unido foi o marco inicial do
processo de emancipação política e administrativa do Brasil.
— Revolução Pernambucana
Na província de Pernambuco, no início de 1817, o debate de ideias emancipacionistas e republicanas deu
origem a um movimento conspiratório, que ficou conhecido como Insurreição Pernambucana ou Revolução de
1817.
Inspirados na Revolução Francesa, os líderes redigiram o esboço de uma Constituição que garantia a igual-
dade de direitos entre os indivíduos, a liberdade de imprensa e a tolerância religiosa. No entanto, o movimento
enfraqueceu-se com as divergências entre os proprietários de escravos e os rebeldes abolicionistas. Em maio,
tropas enviadas da Bahia e do Rio de Janeiro cercaram o Recife. Alguns líderes foram executados e muitos
outros, encarcera- dos em Salvador.
— Revolução do Porto
Por volta de 1818, alguns monarquistas liberais da cidade do Porto defendiam a ideia de que o monarca
deveria governar obedecendo a uma Constituição. Em agosto de 1820 uma guarnição do Exército do Porto se
rebelou e deu início a uma revolução liberal e anti-absolutista conhecida como Revolução do Porto. Rapida-
mente, o movimento se espalhou pelas demais cidades portuguesas.
Em Lisboa, uma junta provisória assumiu o poder e convocou as Cortes, que não se reuniam desde 1689,
para elaborar uma Constituição. A junta exigia também o retorno da família real e da Corte a Portugal e a res-
tauração do monopólio comercial com o Brasil.
A volta da família real a Portugal
Nesse período irromperam no Pará, na Bahia e em Pernambuco várias revoltas apoiando o movimento cons-
titucional de Portugal. Em fevereiro de 1821, o rei dom João VI concordou em jurar fidelidade à Constituição que
estava ainda para ser elaborada e em convocar eleições para a escolha dos deputados que iriam representar
o Brasil nas Cortes de Lisboa.
Temendo perder o trono, dom João VI anunciou também seu retorno a Portugal. No dia 26 de abril, a família
real e mais quatro mil pessoas (nobres e funcionários) zarparam rumo a Portugal. Em seu lugar, o rei deixou o
filho, dom Pedro, que assumiu o poder no Brasil como príncipe regente.
As Cortes de Lisboa
Após o embarque de dom João VI, foram realizadas eleições para a escolha dos 71 representantes do Brasil
nas Cortes de Lisboa. Embora a maior parte dos eleitos fosse a favor da independência do Brasil, apenas 56
viajaram para Lisboa, onde começaram a chegar em agosto de 1821, oito meses depois do início dos trabalhos.
Eles enfrentaram uma forte oposição dos parlamentares lusos, que já tinham adotado diversas medidas des-
favoráveis ao Brasil com a intenção de reduzir o Brasil à sua antiga condição de colônia. Para os parlamentares
lusos, Brasil e Portugal deveriam se submeter a uma mesma autoridade: as Cortes de Lisboa. Ao final de 1821,
as Cortes ordenaram que Dom Pedro, príncipe regente do Brasil, retornasse a Portugal.

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— A Independência do Brasil
Enquanto a determinação das Cortes de Lisboa não chegava, dom Pedro era apoiado, no Brasil, por pes-
soas da elite político-econômica, com experiência administrativa, como José Bonifácio de Andrada e Silva
(1763-1838). Na opinião de José Bonifácio e de outros políticos do período, o Brasil deveria manter-se unido a
Portugal, mas com um governo próprio e autônomo. Havia também quem defendesse o rompimento completo
com Portugal.
Ambas as correntes, contudo, concordavam que dom Pedro deveria resistir às pressões das Cortes de Lis-
boa e recursar-se a voltar a Portugal. No final de 1821, José Bonifácio organizou um abaixo-assinado subscrito
por oito mil assinaturas, que foi entregue a Dom Pedro, no qual era pedido que o príncipe permanecesse no
Brasil. Em 9 de janeiro de 1822, o príncipe anunciou sua decisão de ficar no Brasil. O episódio, conhecido como
Dia do Fico, foi o primeiro de uma série de atos que levariam à ruptura definitiva entre Brasil e Portugal.
Em maio de 1822, o príncipe regente determinou que todos os decretos vindos das Cortes de Lisboa deve-
riam passar por sua aprovação. Em junho, dom Pedro aprovou a convocação de uma Assembleia Constituinte
no Brasil. No começo de setembro, despachos vindos de Lisboa desautorizavam a convocação da Assembleia
Constituinte e ordenavam o imediato retorno de dom Pedro a Portugal. José Bonifácio enviou os despachos ao
príncipe, que se encontrava em São Paulo, aconselhando-o a romper com Portugal, pois já não considerava
mais possível uma conciliação.
No dia 7 de setembro, o mensageiro alcançou dom Pedro nas proximidades do riacho do Ipiranga. Ao rece-
ber os decretos, o príncipe proclamou a independência do Brasil, declarando a ruptura dos laços com Portugal.
No dia 12 de outubro, já de volta ao Rio de Janeiro, foi aclamado com grande pompa imperador constitucional
com o título de dom Pedro I.
Guerras de Independência
Proclamada a independência, teve início a luta por sua consolidação, que envolveria conflitos e derrama-
mento de sangue em diversas regiões do novo país.
Em fevereiro de 1822, ainda antes da declaração de independência, houve na Bahia um longo conflito ar-
mado entre as forças brasileiras que lutavam pela independência e queriam manter um brasileiro no cargo de
governador - no lugar de um general português. A guerra entre as duas facções se prolongaria até 2 de julho
de 1823, com destaque para a figura de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, que se alistou ao lado das tropas
brasileiras.
No Maranhão, no Ceará, no Pará, na Província Cisplatina e no Piauí houve revoltas de portugueses, que
viviam nessas regiões, contra a independência. Para derrotar os revoltosos, dom Pedro recrutou mercenários
estrangeiros. A vitória das tropas brasileiras nessas regiões, além da obtida na Bahia, impediu a fragmentação
do Brasil em diversas províncias autônomas e garantiu a unidade territorial da jovem nação.

Primeira República: elite agrária e a política da economia cafeeira

— Consolidação da República
Em 15 de novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República. Apesar das divergên-
cias que existiam sobre o tipo de república a ser construída no país, as elites que dominavam a política em São
Paulo, Minas Gerais e no Rio Grande do Sul defendiam o federalismo, em oposição à centralização imperial2.
Paulistas e mineiros defendiam propostas inspiradas no liberalismo e tinham, sobretudo os paulistas, o mo-
delo estadunidense como referência, em relação à autonomia dos estados e às liberdades individuais.
No Rio Grande do Sul, havia um importante grupo de políticos liderado por Júlio de Castilhos. Esse grupo
defendia, com base nos ideais positivistas, a instauração de uma ditadura republicana que, ao garantir a ordem,
levaria o país ao progresso. Já no Rio de Janeiro, a capital da República, existia um grupo de republicanos
radicais, chamados de jacobinos. Eram civis e militares, alguns deles positivistas, que defendiam de maneira
exaltada o regime republicano e opunham-se de maneira contundente à volta da monarquia.
2 História. Ensino Médio. Ronaldo Vainfas [et al.] 3ª edição. São Paulo. Saraiva.

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Havia também os monarquistas, que desejavam o retorno do antigo sistema. Entre os militares, predomina-
vam os republicanos. E, mesmo entre estes, havia divergências: enquanto alguns oficiais seguiam a liderança
de Deodoro, outros preferiam a de Floriano Peixoto. Mas havia também os positivistas, que tinham Benjamin
Constant como líder, e alguns monarquistas, sobretudo na Marinha, que tinham fortes ligações com o Império.
Nesse emaranhado de projetos políticos, no início de 1890 o Governo Provisório convocou uma Assembleia
Nacional Constituinte para institucionalizar o novo regime e elaborar o conjunto de leis que o regeriam.
Assim, em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a primeira Constituição republicana do país, a Constitui-
ção dos Estados Unidos do Brasil. Inspirada no modelo vigente nos Estados Unidos, ela era liberal e federativa,
concedendo aos estados prerrogativas de constituir forças militares e estabelecer impostos.
Além disso, ela instaurou o presidencialismo como regime político, com a separação dos poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário, e oficializou a separação entre Estado e Igreja. Os deputados constituintes também
elegeram o marechal Deodoro da Fonseca para a presidência e o marechal Floriano Peixoto para a vice-pre-
sidência da República. Mas o novo regime republicano enfrentaria crises muito sérias até se consolidar defini-
tivamente.
— República de Espadas
Na área econômica, comandada por Rui Barbosa, então ministro da Fazenda, a República começou com
grande euforia. Com o objetivo de estimular o crescimento econômico e a industrialização do país, o governo
autorizou que os bancos concedessem crédito a qualquer cidadão que desejasse abrir uma empresa. E, para
cobrir esses empréstimos, permitiu a impressão de uma imensa quantidade de papel-moeda.
Como a moeda brasileira tinha como referência a libra inglesa, as emissões de dinheiro sem lastro (sem
garantia em ouro) provocaram o aumento acelerado da inflação. Muitos dos empréstimos concedidos foram
usados para abrir empresas que existiam apenas no papel, mas cujas ações, ainda assim, eram negociadas na
Bolsa de Valores. Como resultado, muitos investidores perderam seu dinheiro e a inflação aumentou, atingindo
toda a sociedade brasileira. Essa medida, que visava estimular a economia, mas resultou em desvalorização
da moeda e especulação financeira, recebeu o nome de Encilhamento.
Na área política, assistia-se a graves conflitos envolvendo o presidente e os militares que o apoiavam, de um
lado, e políticos liberais e a imprensa, do outro. Oito meses após ser eleito, em novembro de 1891, Deodoro da
Fonseca determinou o fechamento do Congresso Nacional e decretou estado de sítio no país. Os oficiais que
seguiam a liderança de Floriano Peixoto não apoiaram o golpe de Estado; assim como a Marinha, que consi-
derou autoritária a atitude do presidente, e diversas lideranças civis. Sem apoio político, o presidente renunciou
no dia 23.
Nesse mesmo dia, Floriano Peixoto, seu vice, assumiu a presidência da República.
A posse do novo presidente foi muito questionada. De acordo com a Constituição, o vice assumiria somente
se o presidente houvesse cumprido metade de seu mandato, ou seja, dois anos. Caso contrário, ela previa a
realização de uma nova eleição. Mas Floriano estava decidido a permanecer no poder, com o apoio dos floria-
nistas, que alegavam que o dispositivo constitucional só valeria para o próximo mandato presidencial.
Treze generais do Exército contestaram sua posse e, por meio de um manifesto, exigiram eleições presiden-
ciais. Floriano ignorou o protesto e mandou prender os generais. Receosas com a instabilidade da República,
as elites políticas de São Paulo, representadas pelo Partido Republicano Paulista (PRP), apoiaram o novo pre-
sidente. Floriano, por sua vez, percebeu que o suporte do PRP era fundamental.
Ele também contou com o apoio de importantes setores do Exército e da população do Rio de Janeiro.
Oficiais da Marinha de Guerra (Armada) tornaram-se a sua principal oposição. Em 6 de setembro de 1893, po-
sicionaram os navios de guerra na baía de Guanabara, apontaram os canhões para o Rio de Janeiro e Niterói
e dispararam tiros contra as duas cidades - era o início da Revolta da Armada. Em março do ano seguinte a
situação tornou-se insustentável nos navios - não havia munição, alimentos, água nem o apoio da população.
Parte dos revoltosos pediu asilo político a Portugal, a outra foi para o Rio Grande do Sul participar de um conflito
que eclodira um ano antes: a Revolução Federalista.

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— Revolução Federalista
A instalação da República alterou a política do Rio Grande do Sul. Com ela, o Partido Republicano Rio-
-Grandense alcançara o poder. Apoiada por Floriano Peixoto e liderada por Júlio de Castilhos, a agremiação de
orientação positivista tornou-se dominante no estado em que passou a governar de maneira autoritária.
A principal força de oposição ao Partido Republicano era o Partido Federalista, liderado por Gaspar Silveira
Martins, que defendia o parlamentarismo e a predominância da União Federativa sobre o poder estadual - en-
quanto os republicanos pregavam o sistema presidencialista e a autonomia dos estados.
Diante da violência e das fraudes eleitorais, os federalistas uniram-se a outras forças de oposição, dando
origem a uma sangrenta guerra civil, que ficou conhecida como Revolução Federalista (1893-1895). Os confli-
tos não se limitaram ao estado do Rio Grande do Sul, estendendo-se aos de Santa Catarina e do Paraná, e só
terminaram em junho de 1895 com a vitória dos republicanos sobre os federalistas. A Revolução Federalista
causou muito sofrimento ao sul do país. Somente no Rio Grande do Sul, que contava com cerca de 900 mil
habitantes, morreram de 10 a 12 mil pessoas, muitas delas degoladas.
Passados cinco anos da proclamação da República, chegava ao fim o governo de Floriano Peixoto. No dia
15 de novembro de 1894, o marechal passou a faixa presidencial ao paulista Prudente de Morais, conferindo
novos ares à República. Pela primeira vez, um civil ligado às elites agrárias, em especial aos cafeicultores,
assumia o poder. Com a eleição de Prudente de Morais, encerrava-se o período conhecido como República da
Espada.
— Modelo Político
A Constituição de 1891 estabeleceu eleições diretas para todos os cargos dos poderes Legislativo e Exe-
cutivo. Também determinou que, excetuando os mendigos, os analfabetos, os praças de pré, os religiosos, as
mulheres e os menores de 21 anos, todos os cidadãos brasileiros eram eleitores e elegíveis.
Apesar de suprimir a exigência de renda mínima constante da Constituição imperial, a primeira Constituição
da República também excluía a maioria da população brasileira do direito de votar. O voto foi decretado aberto,
mas, como não havia Justiça Eleitoral, na prática as eleições eram caracterizadas pela fraude. A organização
da eleição dos municípios, bem como a redação da ata da seção eleitoral, ficava a cargo dos chefes políticos
locais, os chamados coronéis.
Isso lhes permitia registrar o que bem quisessem nas atas - daí o nome “eleições a bico de pena” - e também
controlar as escolhas dos eleitores, por meio da violência ou do suborno. Era comum, por exemplo, que nas
atas das seções eleitorais constassem votos de eleitores já mortos para o candidato dos coronéis.
Ou então que os coronéis reunissem os eleitores em um determinado lugar para receber as cédulas eleito-
rais já preenchidas. Esses locais eram chamados de “curral eleitoral”. De modo geral, os eleitores votavam no
candidato do coronel por vários motivos: obediência, lealdade ou gratidão, ou em busca de algum favor, como
dinheiro, serviços médicos e até mesmo proteção. Afinal, sem a garantia dos direitos civis e políticos, grande
parte da população rural - vale lembrar que a imensa maioria dos brasileiros então vivia no campo - buscava a
proteção de um coronel e acabava se inserindo em uma rede de favores e proteção pessoal.
— O Poder dos Coronéis
Também conhecida como coronelismo, a chamada “República dos coronéis” era um sistema político que
resultou da Constituição de 1891 e marcou a Primeira República. Se no Império os presidentes de estado (hoje
denominados governadores) eram nomeados pelo poder central, com a República eles passaram a ser eleitos
pelos coronéis. Nos municípios, eram os coronéis que, por meio da violência e da fraude eleitoral, controlavam
os votos que elegiam o presidente de estado, e também os deputados estaduais e federais, os senadores e até
mesmo o presidente da República.
Por outro lado, eles dependiam do governante estadual para nomear parentes e protegidos a cargos públi-
cos ou liberar verbas para obras nos municípios. Assim, criava-se uma ampla rede de alianças e favores, em
que coronéis, presidentes de estado, parlamentares e o próprio presidente da República estavam atados por
fortes laços de interesses. Esse esquema se consolidou na presidência de Campos Sanes (1898-1902), ideali-
zador do que veio a ser chamado de política dos governadores Ou dos esta- dos.

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Nela, o governo federal apoiava as oligarquias dominantes nos estados, que em troca sustentavam politi-
camente o presidente da República no Congresso Nacional, controlando a eleição de senadores e deputados
federais - e evitando, dessa forma, que os candidatos da oposição se elegessem. Ainda assim, caso isso acon-
tecesse, a Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Federal, responsável por aprovar e confirmar a
vitória dos candidatos eleitos, impugnava a posse, sob a alegação de fraude.
Apesar das fraudes eleitorais, as eleições periódicas foram importantes para a configuração do sistema
político brasileiro. Primeiro, porque exigiam o mínimo de competição no jogo eleitoral, permitindo a renovação
das elites dirigentes. Segundo, porque, mesmo com o controle do voto, havia alguma mobilização do eleitora-
do - com o qual as elites, mesmo dispondo de grande poder político, precisavam manter alguma interlocução.
Política do Café com Leite
A política dos governadores inaugurada por Campos Salles fundamentou a chamada República Oligárqui-
ca. Ela reforçou os poderes das oligarquias - sobretudo as dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Como
o número de representantes por estado no Congresso era proporcional à sua população, São Paulo e Minas
Gerais, que eram os estados mais populosos e ricos - da federação, elegiam as maiores bancadas na Câmara
dos Deputados.
Vale lembrar que, à época, os partidos políticos eram estaduais e proliferavam siglas como Partido Repu-
blicano Mineiro, Partido Republicano Paulista, Partido Republicano Rio-Grandense etc. Expressão simbólica
da aliança entre o Partido Republicano Paulista e o Partido Republicano Mineiro foi a chamada política do café
com leite, que funcionava no momento da escolha do sucessor presidencial.
As oligarquias dos dois estados escolhiam um nome comum para presidente, ora filiado ao partido paulista,
ora ao mineiro. A cada sucessão presidencial, a aliança entre Minas Gerais e São Paulo precisava ser renova-
da, muitas vezes com conflitos e interesses divergentes. Por serem fortes em termos políticos e econômicos,
formaram-se duas oligarquias dominantes no país: a de São Paulo e a de Minas Gerais. Embora em posição
inferior à aliança entre paulistas e mineiros, destacavam-se também a do Rio Grande do Sul, a da Bahia e a do
estado do Rio de Janeiro.
Houve eleições em que os vitoriosos não estavam comprometidos com a política do café com leite, caso
de Hermes da Fonseca em 1910 e de Epitácio Pessoa em 1919. O importante é considerar que as oligarquias
dos estados que se encontravam fora da política do café com leite passaram a questionar o sistema político na
década de 1920.
— Aspectos Econômicos
Por volta de 1830, o café tornou-se o principal produto de exportação do Brasil, superando o açúcar. Com a
expansão das lavouras cafeeiras para o Oeste Paulista, a partir da década de 1870, a cafeicultura estimulou a
economia do país, cujo dinamismo atraiu investidores estrangeiros, sobretudo britânicos.
Ela propiciou a construção e o reaparelhamento de ferrovias, estradas, portos e o surgimento de bancos,
casas de câmbio e de exportação. Também foram criados estaleiros, empresas de navegação e moinhos. O
café mudou o país, inclusive incentivando a sua industrialização. Surgiram, por exemplo, fábricas de tecidos,
chapéus, calçados, velas, alimentos, utensílios domésticos etc. Tratava-se de um tipo de indústria, a de bens de
consumo não duráveis, que não exigia grande tecnologia ou altos investimentos de capital, mas que empregava
grande quantidade de mão de obra.
A riqueza gerada pelas exportações de café possibilitou, ainda, o aumento das importações e a expansão
das cidades, com a instalação de serviços públicos (como iluminação a gás e sistema de transporte urbano),
novas práticas de diversão e até mesmo maior circulação de jornais e livros. A cidade que mais cresceu foi a de
São Paulo, principalmente a partir de 1886, com a chegada de milhares de imigrantes.
Crise do Café
Na década de 1920, o café, que era então responsável por mais da metade das exportações brasileiras, sus-
tentava a economia do país. Por consequência, a oligarquia paulista tornara-se dominante na política brasileira
- dos 12 presidentes eleitos entre 1894 e 1930, seis eram filiados ao Partido Republicano Paulista.

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A crescente produção cafeeira, contudo, acabou provocando graves problemas. O consumo do café brasi-
leiro, que nesse período atendia a 70% da demanda mundial, estabilizou-se, mas os fazendeiros continuaram
expandindo suas plantações. Com uma produção maior do que a capacidade de consumo, os preços interna-
cionais caíram, causando prejuízos e gerando dívidas.
A primeira crise de superprodução ocorreu em 1893. Ao assumir a presidência em 1894, Prudente de Morais
teve de lidar com grave crise econômica. Campos Salles, que o sucedeu na presidência em 1898, fez um acor-
do com os credores internacionais conhecido como funding loan. Pelo acordo, que transformou todas as dívi-
das brasileiras em uma única, cujo credor era a casa bancária britânica dos Rothschild, o Brasil recebeu como
empréstimo 10 milhões de libras esterlinas. Além de oferecer as rendas da alfândega do Rio de Janeiro como
garantia, o governo se comprometeu a realizar uma política económica deflacionária, retirando papel-moeda do
mercado, o que gerou recessão, falências e desemprego e não resolveu os problemas da superprodução de
café e da queda dos preços no mercado internacional.
Para evitar maiores prejuízos, representantes das oligarquias cafeeiras dos estados de São Paulo, Minas
Gerais e do Rio de Janeiro reuniram-se na cidade paulista de Taubaté e elaboraram, em 1906, um plano para
a defesa do produto, que, a princípio, não contou com o apoio do governo federal.
Pelo Convénio de Taubaté - como ficou conhecido esse encontro - estabeleceu-se a política de valorização
do café, pela qual os governos dos estados conveniados recorreriam a empréstimos externos para comprar
e estocar o excedente da produção de café, até que seu preço se estabilizasse no mercado internacional, de
modo a garantir o lucro dos cafeicultores. Para o pagamento dos juros da dívida, seria cobrado um imposto
sobre as exportações de café.
Dois anos depois, na presidência de Afonso Pena, o governo federal deu garantias aos empréstimos. A po-
lítica de valorização do café foi benéfica apenas para os cafeicultores, em especial os paulistas, em detrimento
dos produtores de açúcar, algodão, charque, cacau etc. Além de acentuar as desigualdades regionais, grande
parte dos custos dessa política acabou recaindo sobre a sociedade brasileira, que teve de arcar com os prejuí-
zos.
Economia da Borracha
No começo da República, outro importante produto de exportação era a borracha da Amazônia, que alcançou
seu auge entre 1890 e 1910. Em meados do século XIX, desenvolveu-se o processo de vulcanização da borracha,
por meio do qual ela se tornava endurecida, porém flexível, perfeita para ser usada em instrumentos cirúrgicos e de
laboratório. O sucesso do produto aconteceu mesmo ao ser empregado na fabricação de pneus tanto de bicicletas
como de automóveis. Em 1852, o Brasil exportava 1 600 toneladas de borracha (2,3% das exportações nacionais).
Em 1900, já ultrapassava os 24 milhões de toneladas, o que equivalia a quase 30% das exportações.
Além de empregar cerca de 1 10 mil pessoas que trabalhavam nos seringais, a extração do látex na região
Norte fez com que as cidades de Belém e Manaus passassem por grandes transformações: expansão urbana,
instalação de serviços (iluminação pública, bondes elétricos, serviços de telefonia e de distribuição de água).
A partir de 1910, contudo, a entrada da borracha de origem asiática no mercado internacional provocou um
drástico declínio na produção amazónica. Extraída em colônias inglesas e holandesas, a borracha asiática tinha
maior produtividade, melhor qualidade e menor preço.
— Disputas por Território
Os primeiros governos republicanos enfrentaram problemas de disputas territoriais com os vizinhos latino-
-americanos.
O primeiro deles foi sobre a região oeste dos atuais estados de Santa Catarina e Paraná. que era reclamada
pelos argentinos. A questão foi resolvida pela arbitragem internacional dos EUA em 1895, confirmando a posse
brasileira.
Outra pendência foi com a França, sobre a demarcação das fronteiras do Brasil com a Guiana Francesa.
Com arbitragem internacional do governo suíço, o Brasil venceu a disputa em 1900, impondo sua soberania
sobre as terras que hoje integram o estado do Amapá.
No ano seguinte, o Brasil entrou em disputa com a Grã-Bretanha sobre os limites territoriais entre a Guiana
Britânica (ou Inglesa) e o norte do então estado do Amazonas - que hoje corresponde ao estado de Roraima.

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O rei da Itália. Vítor Emanuel II, foi convocado como árbitro internacional, e em 1904 ele decidiu a favor dos
britânicos. Desse modo, o Brasil perdeu parte do território conhecido como Pirara, e a Grã-Bretanha obteve
acesso à bacia Amazônica por meio de alguns de seus afluentes.
Outra disputa, bem mais complexa. foi travada em torno da região onde hoje se localiza o Acre. que então
pertencia à Bolívia e ao Peru. Muitos nordestinos, em particular cearenses, que sofriam com a seca. haviam se
estabelecido ali para explorar o látex, gerando conflitos armados com tropas bolivianas. Os brasileiros chega-
ram a declarar a independência política do Acre. Em 1903, a diplomacia brasileira conseguiu uma vitória com
o Tratado de Petrópolis, que incorporava o Acre ao território brasileiro em troca de indenizações à Bolívia e ao
Peru.
Cabe destacar a relevante atuação de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco. respon-
sável pelas relações internacionais do Brasil entre 1902 e 1912. Ele não só esteve à frente das negociações
que envolviam disputas territoriais do país como fez do Ministério das Relações Exteriores uma instituição pro-
fissionalizada e aproximou o Brasil dos EUA.
— Movimentos e Revoltas
Revolta da Vacina
Além de modernizar a cidade, era necessário erradicar as doenças epidêmicas da capital da República.
Com base nas então recentes descobertas sobre os microrganismos e a capacidade de mosquitos, moscas e
pulgas transmitirem doenças, o médico sanitarista Oswaldo Cruz, a quem coube essa tarefa, estava decidido a
erradicar a febre amarela, com o combate aos mosquitos, a varíola, com a vacinação, e a peste bubónica, com
a caça aos ratos, cujas pulgas transmitiam a doença.
Em junho de 1904, Rodrigues Alves enviou um projeto de lei ao Congresso que propunha a obrigatoriedade
da vacinação contra a varíola. Havia grande insatisfação popular contra as reformas urbanas do prefeito Pereira
Passos. Mas a obrigatoriedade de introduzir líquidos desconhecidos no corpo, imposta de maneira autoritária
pelo governo e sem esclarecimentos à população, que à época desconhecia os benefícios da vacinação, gerou
forte resistência.
Havia também razões morais contra a vacinação obrigatória. À época, os homens não admitiam que, em sua
ausência, suas residências fossem invadidas por estranhos que tocassem no corpo de suas esposas e filhas
para aplicar vacinas. Como a maioria das mulheres partilhava desses mesmos valores, quando a lei da vacina-
ção obrigatória foi publicada nos jornais, estourou uma revolta no Rio de Janeiro.
Inicialmente, militares tentaram depor Rodrigues Alves, mas logo foram dominados por tropas fiéis ao gover-
no. A maior reação, entretanto, ficou por conta da população mais pobre. Entre os dias 10 e 13 de novembro
de 1904, a cidade foi tomada por manifestantes populares: as estreitas ruas do centro foram bloqueadas por
barricadas e os policiais, atacados com pedradas.
A repressão policial foi violenta. Qualquer suspeito de haver participado da revolta foi jogado em porões de
navios e mandado para o Acre. A vacinação obrigatória acabou sendo suspensa, e, quatro anos depois, uma
epidemia de varíola matou mais de 6 mil pessoas no Rio de Janeiro. Foram necessários muitos anos para que
os governantes reconhecessem que nada conseguiam com Imposições e práticas autoritárias sobre a popula-
ção. Nos anos 1960, com campanhas de esclarecimento, a vacinação em massa tornou-se comum no país. Em
1971, ocorreu o último caso de varíola no Brasil.
Revolta da Chibata
Os marujos da Marinha de Guerra brasileira viviam sob péssimas condições de trabalho: soldos miseráveis,
má alimentação, trabalhos excessivos e opressão da oficialidade. Mas os castigos físicos aos quais eram sub-
metidos, principalmente com o uso da chibata, eram ainda mais graves.
Em 22 de novembro de 1910, marinheiros do encouraçado Minas Gerais se revoltaram contra a punição de
um colega condenado a receber 250 chibatadas. Liderados por João Cândido, eles tomaram a embarcação,
prenderam e mataram alguns oficiais e apontaram os canhões para a cidade do Rio de Janeiro. Os marujos do
encouraçado São Paulo e de outras seis embarcações, também ancoradas na baía de Guanabara, aderiram à
revolta. Os revoltosos exigiam melhores condições de trabalho e o fim dos castigos corporais.

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O Congresso negociou com os revoltosos e, somente após sua rendição, concedeu-lhes anistia. Mas o am-
biente na Armada continuou tenso. Em 4 de dezembro, diante de novas punições, outra revolta eclodiu na ilha
das Cobras. Os oficiais reagiram de maneira dura e bombardearam a ilha.
Depois, prenderam 600 marinheiros, inclusive os que participaram da primeira revolta, entre eles João Cân-
dido, apelidado de “almirante negro”. Jogados em prisões solitárias por vários dias, muitos deles morreram. Os
demais foram detidos em porões de navios e mandados para a Amazónia - ou executados durante a viagem.
Revolta em Juazeiro do Norte
Em 1889, no povoado de Juazeiro do Norte, no sul do estado do Ceará, durante uma missa celebrada pelo
padre Cícero Romão Batista, uma beata teria sangrado pela boca logo após receber a hóstia. A notícia do su-
posto milagre - da hóstia que teria se transformado em sangue - espalhou-se, aumentando o prestígio do padre,
que passou a ser idolatrado na região. Além das funções de padre, ele desempenhava as de juiz e conselheiro,
ensinava práticas de higiene, acolhia doentes e criminosos arrependidos.
Seu prestígio era tamanho que a alta hierarquia da Igreja chegou a ficar incomodada e temerosa de que essa
veneração estimulasse práticas religiosas fora de seu controle - o que, de fato, aconteceu. Em 1892, o padre foi
impedido de pregar e ouvir em confissão. Dois anos depois, a Congregação para a Doutrina da Fé decretou a
falsidade do milagre em Juazeiro do Norte, provocando a reação da população. Movimentos de solidariedade
se formaram e irmandades se mobilizaram a favor do padre Cícero. Imensas romarias passaram a se dirigir à
cidade. Beatas diziam ter visões que anunciavam a proximidade do fim do mundo e o retorno de Cristo. Surgia
um movimento que desafiava as autoridades eclesiásticas da região.
Em 1911, inserido na política oligárquica local, padre Cícero foi eleito prefeito de Juazeiro do Norte e se tor-
nou o principal articulador de um pacto entre os coronéis da região do vale do Cariri. Padre Cícero lutou em vão
até o ano de sua morte, 1934, para provar que o milagre em Juazeiro do Norte havia ocorrido. Apenas em 2016,
a Igreja Católica se reconciliou com o padre, suspendendo todas as punições que havia lhe imposto.
Guerra de Canudos
Antônio Vicente Mendes Maciel andava pelos sertões nordestinos pregando a fé católica. Tornou-se um
beato conhecido como Antônio Conselheiro e passou a ser seguido por muitas pessoas. Em 1877, fixou-se com
centenas delas no arraial de Canudos, um lugarejo abandonado no interior da Bahia, às margens do rio Vaza-
-Barris, ao qual renomearam Belo Monte. A comunidade cresceu rapidamente. Famílias, que fugiam da explo-
ração dos latifundiários da região ou abandonavam suas terras de origem devido à seca, foram para Canudos.
Também foi o caso de jagunços, que serviam aos coronéis, mas haviam caído em desgraça. Estima-se que
em poucos anos o arraial recebeu entre 20 e 30 mil pessoas pobres, em sua grande maioria, mas que em Ca-
nudos tinham ao menos uma casa para morar e terra para plantar.
Canudos tinha uma rígida organização social. No comando estava António Conselheiro, também chamado
de chefe, pastor ou pai. Doze homens, denominados apóstolos, assumiram as chefias dos setores de guerra,
economia, vida civil, vida religiosa etc. O arraial contava com uma guarda especial formada pelos jagunços,
chamada Companhia do Bom Jesus ou Guarda Católica. Havia também comerciantes.
Em 1896, um incidente alterou a paz do arraial. Comerciantes de Juazeiro não entregaram madeiras com-
pradas por Conselheiro para a construção de uma nova igreja. Os jagunços se vingaram saqueando a cidade.
Em resposta, o governador baiano enviou duas expedições punitivas a Canudos, ambas derrotadas pelos
conselheiristas.
Denúncias de que Canudos e António Conselheiro faziam parte de um amplo movimento que visava res-
taurar a monarquia no país chegavam nas capitais dos estados. A imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo,
sobretudo, insistia na existência de um complô monarquista. Na capital da República, estudantes, militares,
escritores, jornalistas, entre outros grupos sociais, responsabilizavam o presidente Prudente de Morais por não
reprimir Canudos.
Nesse contexto foi então organizada uma terceira expedição, chefiada pelo coronel Moreira César, veterano
na luta contra os federalistas gaúchos. Formada por 1.300 homens do Exército brasileiro e seis canhões, ela foi
derrotada pelos conselheiristas, que mataram o coronel. O fato tomou proporções nacionais, e Canudos passou

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a ser visto como uma real ameaça à República. Formou-se, assim, uma quarta expedição, que contava com 10
mil homens. Em outubro de 1897, o arraial foi destruído e sua população, massacrada - mesmo aqueles que
se renderam foram degolados.
Guerra do Contestado
Em 1911, um pregador itinerante de nome José Maria apareceu na região central de Santa Catarina. Ele
afirmava que tinha sido enviado pelo monge João Maria, morto alguns anos antes. Na região Sul do país, mon-
ge tinha o mesmo significado que beato no Nordeste. João Maria, quando vivo, fora contra a instauração da
República e acreditava que somente a lei da monarquia era verdadeira. Apresentando-se como um continuador
de suas ideias, José Maria organizou uma comunidade formada por milhares de homens e mulheres em Ta-
quaruçu, nas proximidades do município catarinense de Curitibanos. Armados e sob a liderança de José Maria,
eles criticavam a República.
Muitos homens e mulheres que participavam desse movimento conhecido como Contestado, por ter ocorrido
em uma área disputada entre os estados do Paraná e de Santa Catarina, eram pequenos proprietários expulsos
de suas terras devido à construção de uma ferrovia, a Brazil Railway Company, que ligaria os estados de São
Paulo e do Rio Grande do Sul. A empresa pertencia a um dos homens mais ricos do mundo, o estadunidense
Percival Farquhar.
Como parte do pagamento à empresa construtora, o governo estadual doou 15 quilômetros de terras de
cada lado da linha, prejudicando os camponeses que ali viviam. A situação era agravada pela presença de ma-
deireiras. Atacados pela polícia, em 1912, deslocaram-se para Palmas, no Paraná.
O governo do estado, que considerou se tratar de uma invasão dos catarinenses, atacou a comunidade e
matou José Maria, dispersando a multidão de homens e mulheres que o seguia. Um ano depois, cerca de 12
mil fiéis se reagruparam em Taquaruçu. A liderança do movimento ficou a cargo de um conselho de chefes, que
difundiu a crença de que José Maria regressaria à frente de um exército encantado para vencer as forças do
mal e implantar o paraíso na Terra. Em fins de 1916, forças do Exército e das polícias estaduais, com o apoio
de aviões, reprimiram o movimento, matando milhares de rebeldes.
— O Modernismo
No Brasil, como em grande parte do mundo ocidental, a vida cultural era fortemente influenciada pelos euro-
peus. No vestuário, na culinária, na literatura, na pintura, no teatro e em outras manifestações artístico-culturais,
adorava-se, sobretudo, o padrão francês como modelo.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, isso começou a mudar. A guerra resultou no declínio eco-
nômico e político dos países envolvidos no conflito e suscitou, ao menos nas Américas, a dúvida quanto à supe-
rioridade da cultura europeia. Nos anos 1920, em diversas cidades do Brasil, principalmente em São Paulo e no
Rio de Janeiro, surgiram jornais, revistas e manifestos publicados por artistas e intelectuais que, preocupados
com a modernização do país, discutiam o que era ser brasileiro. Recusavam-se a copiar padrões europeus e
propunham uma nova maneira de pensar e definir o Brasil, valorizando a memória nacional e a pesquisa das
raízes culturais dos brasileiros.
Era o movimento modernista, que se manifestou com grande impacto em São Paulo. Entre os dias 11 e 18
de fevereiro de 1922, o Teatro Municipal de São Paulo abrigou a Semana de Arte Moderna. Em três noites de apre-
sentação, artistas e intelectuais exibiram suas obras: houve música, poesia, pintura, escultura, palestras e debates.
Nas artes plásticas, destacaram-se Anita Malfatti, Di Cavalcanti - responsável pela arte da capa do catálogo
da exposição - e Lasar Segall (pintura); Vitor Brecheret (escultura); e Oswaldo Goeldi (gravura). Oswald de
Andrade apresentou as revistas Papel e Tinta e Pirralho, leu textos e poemas.
Mário de Andrade, Ronald de Carvalho e Graça Aranha também leram seus trabalhos. O maestro Villa-Lobos
impressionou o público quando, na orquestra que regia, incluiu instrumentos de congada, tambores e uma folha
de zinco. O público vaiou.
Acostumada ao padrão europeu de música, a audiência rejeitava os instrumentos musicais das culturas
africanas e indígenas. Para os modernistas, era preciso mostrar às elites que essas culturas também eram
formadoras da cultura nacional.

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— O Tenentismo
Enquanto isso, setores da média oficialidade do Exército - como tenentes e capitães - atacavam o governo
com armas, em um movimento conhecido como tenentismo. Alguns criticavam o liberalismo e defendiam um
Estado forte e centralizado, expressando um nacionalismo não muito bem definido. Exigiam a moralização
da política e das eleições e defendiam a adoção do voto secreto. Muitos se mostravam ressentidos com os
políticos, pelo papel secundário do Exército na política nacional. A primeira revolta tenentista ocorreu no Rio
de Janeiro, em 1922. Após os rebelados tomarem o Forte de Copacabana, canhões foram disparados contra
alvos considerados estratégicos. O objetivo era impedir posse do presidente eleito Arthur Bernardes e, no limite,
derrubar o governo.
O presidente Epitácio Pessoa, com o apoio do Exército e da Marinha, ordenou o bombardeamento do for-
te. Muitos desistiram da luta, mas 17 deles decidiram resistir. Com fuzis nas mãos, marcharam pela avenida
Atlântica. Um civil se juntou a eles. Ao final, sobraram apenas os militares Siqueira Campos e Eduardo Gomes.
A rebelião ficou conhecida como a Revolta dos 18 do Forte.
Em 1924, eclodiu outra revolta tenentista, dessa vez em São Paulo. Os revoltosos tomaram o poder na ca-
pital paulista. O objetivo era incentivar revoltas todo o país até a derrubada do presidente Arthur Bernardes. A
reação do governo federal foi bombardear a cidade. Acuados, os revoltosos resolveram marchar para Foz do
Iguaçu.
A Coluna Prestes
Enquanto isso, no Rio Grande do Sul, o jovem capitão Luís Carlos Prestes liderava uma coluna militar que,
partindo de Santo Ângelo, marchava ao encontro dos rebelados paulistas em Foz do Iguaçu. Quando se encon-
traram, em abril de 1925, formaram a Coluna Prestes-Miguel Costa e partiram em direção ao interior do país,
para mobilizar a população contra o governo e as oligarquias.
Com cerca de 1500 homens, atravessaram 13 estados. Perseguido pelo Exército, Prestes, com táticas mi-
litares inteligentes, impôs várias derrotas às tropas governistas - que nunca o derrotaram. Após marcharem 25
mil quilômetros, cansados e sem perspectivas, em 1927 os soldados da coluna entraram no território boliviano,
onde conseguiram asilo político. Por sua luta e capacidade de comando, Luís Carlos Prestes passou a ser con-
siderado um herói e conhecido como “Cavaleiro da Esperança “.
— A Revolução de 1930
No início da década de 1920, o sistema político da Primeira República começava a apresentar sinais de es-
gotamento. A realização da Semana de Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista do Brasil e a eclosão
da Revolta dos 18 do Forte eram indícios desse esgotamento. A própria sucessão presidencial, também no ano
de 1922, foi marcada por uma forte disputa entre os grupos políticos estaduais.
Paulistas e mineiros haviam concordado em apoiar o mineiro Arthur Bernardes. Mas as lideranças políticas
do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul, da Bahia e de Pernambuco optaram por lançar Nilo Peçanha como
candidato. O movimento, conhecido como Reação Republicana, não propunha romper com o sistema oligár-
quico, mas abrir espaço para os grupos dominantes de outros estados, desafiando o domínio de paulistas e
mineiros. No entanto, os resultados das eleições eram previsíveis e Arthur Bernardes saiu vitorioso.
Os líderes da Reação Republicana não aceitaram a derrota e apelaram para os militares - o que fez eclodir
a revolta tenentista no Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1922. Arthur Bernardes governou sob estado de
sítio, perseguiu o movimento operário e atuou de maneira bastante impopular nas cidades. Em 1926, dissiden-
tes do PRP fundaram o Partido Democrático (PD), em São Paulo. O novo partido defendia a adoção do voto
secreto e obrigatório, a criação da Justiça Eleitoral e a independência dos três pode
O sucessor de Arthur Bernardes, Washington Luís, suspendeu o estado de sítio e as perseguições ao movi-
mento sindical. No entanto, não concedeu a anistia política aos tenentes, como exigiam as oposições. Em 1929,
começaram as articulações para a nova sucessão presidencial. O presidente Washington Luís, do Partido Re-
publicano Paulista, indicou para sucedê-lo o presidente do estado de São Paulo, Júlio Prestes. Inconformadas,
as oligarquias mineiras se aliaram aos gaúchos e aos paraibanos, lançando o nome do gaúcho Getúlio Vargas
para a presidência e do paraibano João Pessoa para a vice-presidência.

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O Partido Democrático, de São Paulo, apoiou a candidatura de Vargas. Os dissidentes então formaram a
Aliança Liberal, cuja plataforma política defendia o voto secreto, a criação de uma Justiça Eleitoral, a mora-
lização da prática política, a anistia para os militares revoltosos dos anos 1920 e o estabelecimento de leis
trabalhistas.
Nas eleições ocorridas em março de 1930, Júlio Prestes venceu, mas os políticos da Aliança Liberal não
aceitaram a derrota, alegando fraudes eleitorais. Mineiros e gaúchos conseguiram o apoio dos tenentes na luta
contra o governo. No exilio argentino, Luís Carlos Prestes tinha aderido ao comunismo e recusou-se a participar
das conversações. A crise eclodiu com o assassinato de João Pessoa, em julho de 1930. Apesar de se tratar
de um crime que misturava razões políticas locais e passionais, os políticos da Aliança Liberal transformaram o
episódio em questão nacional e deflagraram uma revolução.
Iniciada em 3 de outubro de 1930, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, ela se alastrou rapidamente
pelo Nordeste. Diante da possibilidade de uma guerra civil, altos oficiais do Exército e da Marinha depuseram
o presidente Washington Luís e formaram uma Junta Militar. Com a chegada das tropas rebeldes ao Rio de
Janeiro, entregaram o poder a Getúlio Vargas. O movimento político-militar conhecido como Revolução de 1930
saía vitorioso. Era o início da Era Vargas.

O Estado Getulista

— Governo Provisório
Ao assumir a chefia do governo provisório em 1930, apoiado pelos militares, Getúlio Vargas aboliu a Consti-
tuição de 1891, dissolveu o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas estaduais e as Câmaras munici-
pais e instituiu um regime de emergência. Com exceção do governador Olegário Maciel, de Minas Gerais, todos
os demais (na época, chamados de presidentes de estado) foram substituídos por interventores, pessoas da
confiança do presidente, escolhidos por ele entre os egressos do movimento tenentista3.
Em São Paulo, a nomeação do tenentista pernambucano João Alberto Lins de Barros para interventor provo-
cou descontentamento entre as elites, que passaram a exigir um interventor civil e paulista. Os desdobramentos
do descontentamento da população em relação a Vargas levaram à deflagração da Revolução Constituciona-
lista, em julho de 1932.
Devido à debilidade de suas convicções ideológicas, o tenentismo perdeu muito de sua influência junto ao
governo Vargas. Vários de seus representantes voltaram para os quartéis, outros se aliaram ao comunismo ou
a grupos simpatizantes do fascismo. Os que continuaram no governo permaneceram subordinados ao presi-
dente.
— Legislação Trabalhista
A obra pela qual o governo de Getúlio Vargas é mais lembrado é a legislação trabalhista, iniciada com a cria-
ção do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em novembro de 1930. As leis de proteção ao trabalhador
regularam o trabalho de mulheres e crianças, estabeleceram jornada máxima de oito horas diárias de trabalho,
criaram o descanso semanal remunerado e garantiram o direito a férias (já concedido anteriormente, em 1923,
porém nunca colocado em prática) e à aposentadoria, entre outras novidades.
Esse conjunto de leis seria sistematizado em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ao
mesmo tempo, em 1931 0 governo aprovou a Lei de Sindicalização, que estabelecia o controle do Ministério do
Trabalho sobre a ação sindical. Os sindicatos passaram a ser órgãos consultivos do poder público; só podiam
funcionar com autorização do Ministério do Trabalho, que, por sua vez, tinha poderes de intervenção tão impor-
tantes nas atividades sindicais que podia até afastar diretores.
Assim, anarquistas e comunistas foram afastados do movimento sindical pelo governo e reagiram à lei,
considerada autoritária, por meio de greves e manifestações. Aos poucos, porém, diversos setores sindicais
passaram a acatá-la.

3 Azevedo, Gislane. História: passado e presente / Gislane Azevedo, Reinaldo Seriacopi. 1ª ed. São Paulo.
Ática.

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A legislação trabalhista - apresentada à população como uma “dádiva do governo” - e a aproximação em
relação aos sindicatos faziam parte de um tipo de política que seria caracterizado como populista, anos mais
tarde. Apresentado como autor magnânimo das leis trabalhistas, Getúlio era chamado de “pai dos pobres”,
uma espécie de protetor da classe trabalhadora, desconsiderando as conquistas como resultado das lutas dos
trabalhadores.
— A Constituição de 1934
Em 1932, Getúlio Vargas ainda governava sob um regime de exceção. Em fevereiro do mesmo ano, o go-
verno aprovou um novo Código Eleitoral que trazia algumas novidades:
– criava a Justiça Eleitoral, para coibir as fraudes eleitorais;
– instituía o voto secreto, principalmente para minar a influência dos coronéis sobre os eleitores (releia o
Capítulo 3);
– reduzia de 21 anos para 18 a idade mínima do eleitor;
– garantia o direito de voto às mulheres, antiga reivindicação dos grupos feministas, que tinham entre suas
principais militantes a enfermeira Bertha Lutz (1894-1976).
Pressionado por diversos setores da sociedade, juntamente com a divulgação do novo Código Eleitoral, o
governo convocou eleições para maio de 1933, visando à formação de uma Assembleia Constituinte. Entre os
254 constituintes eleitos encontrava-se a médica Carlota Pereira de Queirós, candidata por São Paulo e primei-
ra deputada do Brasil.
Promulgada em julho de 1934, a nova Constituição incorporou a legislação trabalhista em vigor, acrescen-
tando a ela a instituição do salário mínimo (que seria criado somente em 1940) e criou o Tribunal do Trabalho.
Pela nova Carta, analfabetos e soldados continuavam proibidos de votar.
Ainda em julho de 1934 os constituintes elegeram Getúlio Vargas para a Presidência da República, pondo
fim ao governo provisório. De acordo com a Constituição, o mandato presidencial se estenderia até 1938, quan-
do um novo presidente escolhido por voto livre e direto assumiria o cargo.
— Governo Constitucional de Vargas
Os anos 1930 foram marcados por uma forte polarização política, com o surgimento de dois movimentos an-
tagônicos: a Ação Integralista Brasileira (AIB), de direita, e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), de esquerda.
A exemplo do que acontecia na Europa, onde a população geral estava desacreditada da democracia libe-
ral - o que favorecia o surgimento de regimes totalitários em diversos países -, surgiram no Brasil grupos que
reivindicavam a implantação de uma ditadura de direita, semelhante à de Mussolini na Itália.
Em 1932, foi formada a Ação Integralista Brasileira, de inspiração fascista, liderada pelo escritor Plínio Sal-
gado e composta de intelectuais, religiosos, alguns ex-tenentistas e setores das classes médias e da burguesia.
Tendo como lema “Deus, Pátria e Família”, o integralismo era um movimento de caráter nacionalista, antiliberal,
anticomunista e contrário ao capitalismo financeiro internacional.
Os integralistas defendiam o controle do Estado sobre a economia e o fim de instrumentos democráticos,
como a pluralidade partidária e a democracia representativa. Nas eleições municipais de 1936, os integralistas
elegeram vereadores em diversos municípios brasileiros e conquistaram várias prefeituras, entre elas as de
Blumenau (SC) e Presidente Prudente (SP).
A Aliança Nacional Libertadora surgiu em março de 1935, e tinha como presidente de honra o líder comunista
Luís Carlos Prestes. O Partido Comunista do Brasil (PC do B) tinha grande ascendência sobre a ANL, mas o
movimento reunia em suas fileiras grupos de variadas tendências: socialistas, liberais, anti-integralistas, inte-
lectuais independentes, estudantes e ex-tenentistas descontentes com o autoritarismo do governo Vargas. Seu
programa político era nacionalista e anti-imperialista. Entre suas principais bandeiras estavam a suspensão do
pagamento da dívida externa, a nacionalização de empresas estrangeiras e a reforma agrária.
A ANL cresceu rapidamente, chegando a reunir entre 70 mil e 100 mil filiados, segundo estimativas do histo-
riador Robert Levine. Quatro meses depois de fundada, foi declarada ilegal pelo presidente Vargas.

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A partir de então, seus militantes passaram a agir na clandestinidade. Em novembro de 1935, setores da ANL
ligados ao PC do B lideraram, sob orientação da Internacional Comunista, insurreições mi- litares nas cidades
de Natal, Recife e Rio de Janeiro, com o intuito de tomar o poder e implantar o comunismo no Brasil. Mal articu-
lados, os levantes fracassaram e a Intentona Comunista, como ficou conhecido o episódio, levou o presidente
a decretar estado de sítio e determinar a prisão de mais de 6 mil pessoas - entre as quais um senador e quatro
deputados.
Entre os detidos encontravam-se Luís Carlos Prestes (posteriormente condenado a dezesseis anos de re-
clusão) e sua mulher, a judia alemã Olga Benário. Ela, grávida de sete meses, foi deportada para a Alemanha
nazista em setembro de 1936, onde morreu em um campo de concentração em 1942.
— Eleições Canceladas
Em meio a esse clima de repressão à esquerda, teve início, em 1937, a campanha eleitoral para a escolha
do sucessor de Getúlio Vargas. O presidente, contudo, articulava sua permanência no poder junto às Forças
Arma das e aos governadores. No final de 1937, o capitão integralista Olímpio Mourão Filho elaborou um plano
de uma conspiração comunista para a tomada do poder e o entregou à cúpula das Forças Armadas.
Era o Plano Cohen, nome de seu suposto autor. O documento era falso, mas serviu de pretexto para um gol-
pe de Estado. No dia 10 de novembro de 1937, o presidente ordenou o fechamento do Congresso por tropas do
Exército. Pelo rádio, Vargas declarou canceladas as eleições presidenciais e anunciou a instauração do Estado
Novo, que ele definiu como “um regime forte, de paz, justiça e trabalho”.
A seguir, foi outorgada uma nova Constituição, que logo passaria a ser chamada de Polaca, em alusão a
suas semelhanças com a Constituição polonesa, de inspiração fascista. As garantias individuais foram suspen-
sas e o direito de reunião, abolido. A população ficou proibida de se organizar, reivindicar seus direitos e de
manifestar livremente suas opiniões. Sem reação popular, começava uma nova fase do governo getulista: a de
uma ditadura declarada, centralizada em torno da figura de Getúlio Vargas.
— O Estado Novo
Vargas passou a governar por meio de decretos-lei. Todos os partidos políticos foram extintos, incluindo a
Ação Integralista, que apoiara o golpe. A ideologia do Estado Novo enfatizava principalmente a ideia de recons-
trução da nação - pautada na ordem, na obediência à autoridade e na aceitação das desigualdades sociais - e
a de tutela do Estado sobre a nacionalidade brasileira.
Departamento de Imprensa e Propaganda
Em 1939, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), inspirado no serviço de comunicação
da Alemanha nazista. Os agentes do DIP controlavam os meios de comunicação por meio da censura a jornais,
revistas, livros, rádio e cinema. Eles também elaboravam a propaganda oficial do Estado Novo, produzindo
peças publicitárias que mostravam o presidente como uma figura paternal, bondosa, severa e exigente a fim de
agradar à opinião pública.
O DIP elaborava também cine documentários, como o Cinejornal Brasileiro - exibido obrigatoriamente em
todos os cinemas, antes do início dos filmes -, livros e cartilhas escolares enaltecendo a figura de Vargas e
transmitindo noções de patriotismo e civismo.
Em meio ao ambiente de controle e repressão, a Polícia Especial de Getúlio Vargas ganhou força. Coman-
dada pelo ex-tenentista Filinto Müller, ela ficou conhecida por suas prisões arbitrárias e pela prática de tortura
contra os presos.
— O Brasil e a Segunda Guerra Mundial
Em 1940, Vargas fez um discurso elogiando o sucesso das tropas nazistas na Europa. Entretanto, embora
se aproximasse dos países do Eixo por suas posturas autoritárias, o governo de Getúlio Vargas manteve uma
postura ambígua sobre a Segunda Guerra Mundial, pois mantinha relações econômicas com os Estados Uni-
dos.
Para impedir a influência europeia sobre o Brasil, o governo estadunidense pôs em prática a política de boa
vizinhança, que se manifestou por meio do fim do intervencionismo político e da colaboração econômica e mi-
litar. O rompimento definitivo com o bloco nazifascista ocorreu em 1942, quando navios mercantes brasileiros
foram afundados por submarinos alemães.

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Em agosto daquele ano, após manifestações populares e estudantis exigindo que o governo entrasse no
conflito ao lado das democracias, Getúlio declarou guerra aos países do Eixo. Em julho de 1944, aproximada-
mente 25 mil soldados, integrantes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) desembarcaram na Itália.
— O Fim do Estado Novo
Em 1942, as manifestações estudantis e populares lideradas pela União Nacional dos Estudantes (UNE), a
favor da participação do Brasil na guerra contra o nazifascismo, deram início a um lento processo de distensão
no clima sufocante do Estado Novo. Outras manifestações ocorreram, agora pelo fim do Estado Novo e pela
volta da democracia.
Em 1943, houve o Manifesto dos Mineiros, de um grupo de políticos e intelectuais de Minas Gerais durante
um congresso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No início de 1945, foi a vez dos participantes do
Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores. Ainda em 1945, Getúlio pôs fim à censura da imprensa, anistiou
presos políticos - entre eles, Luís Carlos Prestes - e convocou eleições para uma Assembleia Constituinte.
Surgiram então diversos partidos políticos, entre os quais a União Democrática Nacional (UDN), formada
por setores das classes médias e altas, o Partido Social Democrático (PSD), composto de antigos coronéis e
interventores nos estados e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), constituído por líderes sindicais ligados ao
Ministério do Trabalho, além do Partido Comunista do Brasil (PC do B), que voltou a ser legalizado.
Durante a campanha eleitoral, líderes do PTB e de alguns sindicatos, com o apoio do Partido Comunista e
com o aval do presidente, passaram a defender a permanência de Getúlio Vargas na Presidência. A expressão
“Queremos Getúlio!”, repetida em coro pelos partidários desse grupo, deu nome ao movimento: queremismo.
Para evitar a permanência de Vargas no poder, os generais Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra exigiram sua
renúncia.
Com o afastamento de Getúlio em Outubro de 1945, o Estado Novo chegava ao fim.

Democracia e rupturas democráticas na segunda metade do século XX

— A Experiência Democrática no Brasil


Eurico Gaspar Dutra assumiu a presidência em janeiro de 1946. O início de seu governo foi marcado pela
posse da Assembleia Nacional Constituinte, encarrega da de elaborar uma nova Constituição para o Brasil. Pro-
mulgada ainda em 1946, a Carta restabelecia a democracia, a organização do Estado em três poderes (Exe-
cutivo, Legislativo e Judiciário) e a autonomia dos estados e municípios, colocando fim ao centralismo político
que caracterizou a Era Vargas4.
No entanto, a nova Constituição manteve a exclusão do direito de voto aos analfabetos (mais da metade
da população), inúmeras restrições ao direito de greve e a não incorporação dos trabalhadores do campo à
legislação trabalhista.
Na área econômica, Dutra deu uma orientação liberal ao seu governo, afastando-se da política nacionalista
adotada por Getúlio Vargas. Com a abertura do mercado aos produtos importados, as reservas nacionais em
moedas estrangeiras acumuladas durante a Segunda Guerra esgotaram-se.
Em 1948, foi anunciado o Plano Salte, abreviatura de Saúde, Alimentação, Transporte e Energia, considera-
dos setores prioritários. O plano só foi aprovado pelo Congresso em 1950, no final do governo Dutra, e aban-
donado pelo governo seguinte. Assim, foi implementado apenas em parte, como a pavimentação da rodovia
Rio-São Paulo (atual Via Dutra), a abertura da rodovia Rio-Bahia e o início das obras da Hidrelétrica do São
Francisco. Aderindo ao clima da Guerra Fria, o governo Dutra estreitou relações com os Estados Unidos e, em
1947, rompeu relações diplomáticas com a União Soviética. Esse posicionamento acabou provocando um re-
cuo na frágil e recente democracia brasileira: o governo decretou a ilegalidade do Partido Comunista Brasileiro
(PCB), cassando o mandato de deputados, senadores e vereadores do partido que foram eleitos em 1945.
Além disso, o governo também ordenou a intervenção estatal em mais de 400 sindicatos.
4 Vicentino, Cláudio. Olhares da História Brasil e Mundo. Cláudio Vicentino. José Bruno Vicentino. Savério
Lavorato Júnior. 1ª ed. São Paulo. Scipione.

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— O Retorno de Getúlio Vargas
Getúlio Vargas foi vitorioso nas eleições para a sucessão de Dutra em outubro de 1950. Ele candidatou-se
pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PT B), com o apoio do Partido Social Democrático (PSD).
Assim, o pai dos pobres, como ficou conhecido, reassumia a Presidência do Brasil em janeiro de 1951, mas,
desta vez, democraticamente. Sua atuação política junto às camadas mais carentes do país, no estilo populista,
foi decisiva para sua vitória. Meses depois da eleição de Getúlio, a marchinha mais cantada no Carnaval de
1951 era Retrato do velho, de Haroldo Lobo e Marino Pinto, gravada em outubro de 1950 por Francisco Alves,
para comemorar o resultado das eleições.
Com a volta de Getúlio Vargas, o governo passou a seguir a corrente nacionalista, com o Estado atuando de
maneira intervencionista e paternalista.
As importações foram restringidas e os investimentos estrangeiros foram limitados, dificultando as remessas
de lucros de empresas transnacionais para seus países de origem. Para incentivar a indústria nacional, em
1952, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e, no ano seguinte, a Petrobras,
empresa estatal com o monopólio da exploração e refino do petróleo no Brasil. Foi proposta também a criação
da Eletrobrás, uma empresa para controlar a geração e a distribuição de energia elétrica.
Vargas nomeou João Goulart (1919-1976) para ministro do Trabalho, em 1953, para enfrentar as rei- vindi-
cações e a onda de greves. Sob a orientação do presidente, o novo ministro propôs, em janeiro de 1954, dobrar
o valor do salário mínimo, que recuperou seu valor em relação à crescente inflação.
Em fevereiro, 42 coronéis e 39 tenentes-coronéis emitiram um manifesto - o Manifesto dos Coronéis - criticando
o governo, o aumento do salário mínimo e as desordens que corriam pelo país. Entre eles estava o coronel Golbery
do Couto e Silva e vários outros militares que, mais tarde, foram protagonistas da ditadura iniciada em 1964.
Diante do manifesto, Getúlio demitiu o ministro da Guerra, o general Espírito Santo Cardoso, e acordou com
Goulart a sua demissão, acalmando os ânimos. Contudo, no feriado de 19 de maio de 1954, Vargas anunciou
o aumento de 100% do salário mínimo, conquistando ainda mais apoio dos trabalhadores.
A política populista de Vargas atraiu a oposição de liberais, como os membros da UDN (União Democrática
Nacional, partido político de orientação liberal), oficiais das Forças Armadas e empresários, especialmente os
ligados aos interesses estrangeiros.
Em 5 de agosto de 1954, o jornalista Carlos Lacerda (1914-1977), um dos principais oponentes de Vargas,
dono do jornal Tribuna da Imprensa, sofreu um atentado no qual morreu seu segurança, o major da Aeronáutica
Rubens Vaz (1922-1954). O episódio ficou conhecido como o atentado da rua Toneleros.
As investigações apontaram a participação de Gregório Fortunato (1900-1962), chefe da guarda pessoal de
Getúlio. Isso acirrou os ânimos dos oposicionistas, desdobrando-se numa grande campanha pela renúncia de
Vargas.
A campanha contou com os meios de comunicação, que alimentavam e impulsionavam o aprofundamento
da crise. Pressionado, Vargas suicidou-se em 24 de agosto de 1954. A notícia da morte e a divulgação de sua
carta-testamento estimularam manifestações populares por todo o país. Jornais de oposição foram invadidos e
depredados, assim como os diretórios da UDN e a embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro.
Com o suicídio de Getúlio, o vice-presidente Café Filho (1899-1970) assumiu o poder. Inconformados com
o resultado das eleições, a UDN de Lacerda e setores militares tramavam um golpe, com apoio discreto de
Café Filho e outros ministros, mas esbarraram no legalista ministro da Guerra, o general Henrique Teixeira Lott
(1894-1984).
A saída de Café Filho da presidência por problema de saúde ocasionou a transferência do cargo ao presidente da
Câmara dos Deputados, Carlos Luz (1894-1961), aliado da UDN. Este, mais favorável aos golpistas, tentou se livrar
do legalista Lott, que reagiu e o depôs.
O cargo foi entregue então ao presidente do Senado, Nereu Ramos (1888-1958), que governou como presi-
dente da República até a posse de Juscelino Kubitschek, em janeiro de 1956.
Nas eleições de outubro de 1955, Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976), ex-governador de Minas
Gerais, teve uma vitória apertada, de 36%, contra 30% dos votos dados a Juarez Távora, candidato da UDN.

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JK, como era popularmente conhecido, foi o candidato da coligação PSD-PTB. Como na época os eleitores
votavam separadamente para presidente e para vice-presidente, João Goulart, o Jango, ex-ministro do Tra-
balho de Vargas, venceu a eleição para Vice-presidência, com mais votos (3 591.409) do que o próprio JK (3
077.411).
— De Jk a João Goulart
O governo de Juscelino Kubitschek foi marcado pelo desenvolvimentismo. Apoiando-se no Plano de Metas,
divulgado sob o slogan “50 anos em 5”, Juscelino prometia desenvolver o país em tempo recorde. O programa
priorizava investimentos em setores de energia, indústria, educação, transporte e alimentos.
Para alcançar as metas, o governo favoreceu a entrada de capitais estrangeiros e a presença de empresas
transnacionais no país. Esse modelo abandonava o nacionalismo do período Vargas e aderia ao capitalismo
internacional. Como resultado dessa política, fábricas de caminhões, tratores, automóveis, produtos farmacêu-
ticos e cigarros foram instaladas no Brasil.
Destacam-se também a construção das usinas hidrelétricas de Furnas e Três Marias; e a pavimentação de
milhares de quilômetros de estradas. Grandes mudanças ocorriam em diversos setores. No dia a dia de muitas
cidades e regiões.
Na música, foi a época em que surgiu a bossa Nova, um novo estilo de tocar e cantar samba com influência
do jazz, juntando-se aos tangos, boleros, valsas e sambas de então. No futebol, 1958 foi o ano da conquista
do primeiro campeonato mundial. Passaram a fazer parte dos hábitos dos brasileiros o consumo de produtos
industriais, como eletrodomésticos (máquina de lavar roupas, rádio de pilha, etc.)
No entanto, esse desenvolvimentismo era basicamente dirigido a partes do mundo urbano moderno. O enor-
me fosso social, pleno de desigualdades e carências (saneamento básico, escolas, saúde), e um mundo rural
que ainda reunia a maioria da população brasileira sem a proteção de uma legislação trabalhista continuavam
a existir.
A maior obra do governo JK, entretanto, foi a construção de Brasília, a nova capital federal, planejada pelo
urbanista Lúcio Costa e pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
A cidade foi inaugurada em 21 de abril de 1960. Localizada no Planalto Central, estava bem distante das
cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, os principais centros de pressão popular da época. A abertura da
economia brasileira ao capital estrangeiro e os vários empréstimos contraídos junto às instituições estrangeiras
deixaram o país numa séria crise financeira, com a inflação chegando, em 1960, ao índice de 25% ao ano.
Nas eleições de 1960, a coligação PSD-PTB indicou o marechal Henrique Teixeira Lott para concorrer à
Presidência e João Goulart à Vice-presidência. Na oposição, a UDN e outros partidos menores apoiaram a
candidatura do ex-governador de São Paulo, Jânio Quadros (1917-1992). Seu candidato à Vice-presidência
era Mílton Campos, ex-governador de Minas Gerais. Jânio pregava uma limpeza na vida política nacional com
o combate à corrupção. Para simbolizar a ideia, usava uma vassoura na campanha eleitoral. Como votava-se
separadamente para presidente e para vice-presidente, Jânio Quadros se tornou presidente com 5,6 milhões
de votos. João Goulart foi eleito vice-presidente com 4,5 milhões de votos. Era formada a dupla “Jan-Jan”.
Jânio Quadros no Poder
Como presidente, Jânio Quadros primou pela ambiguidade. Na economia atuava deforma mais próxima
aos conservadores liberais: cortou gastos e congelou salários em meio à contínua elevação dos preços dos
produtos. Por outro lado, sua política externa aproximava-se da esquerda, ao reatar relações diplomáticas com
países socialistas a fim de ampliar mercados.
Um episódio reforçou essa política de independência em relação ao bloco capitalista. Em 1961, o argentino
Ernesto Che Guevara, então ministro da Economia em Cuba, foi condecorado por Jânio Quadros com a Ordem
do Cruzeiro do Sul.
Essa atitude provocou reações contrárias, inclusive do próprio partido do presidente. Em agosto de 1961,
após sete meses de governo, Jânio surpreendeu a todos ao renunciar ao cargo, numa manobra política fracas-
sada. A renúncia fazia parte de um plano que contava com o temor de setores da sociedade diante da possibi-
lidade de João Goulart assumir a Presidência para fortalecer seu poder.

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O vice, que se encontrava na China Popular, em missão de governo, era considerado comprometido com as
causas trabalhistas - e até acusado de ser um comunista - por vários militares e políticos. Ao que parece, a ex-
pectativa de Jânio era que a população se mobilizasse contra seu pedido de renúncia e o Congresso Nacional
o rejeitasse, o que o levaria a exigir plenos poderes para continuar na Presidência.
A renúncia, porém, foi aceita imediatamente e nenhum grupo movimentou-se para convencer Jânio Quadros
a permanecer no poder. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli (1910-1975), assumiu a Pre-
sidência da República até a posse de Jango.
— A Crise Política no Governo Jango
A renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961 amplificou as divergências entre as forças políticas.
Alguns ministros militares e políticos da UON, contrariando a Constituição, tentaram impedir a posse de João
Goulart. O novo presidente era visto como um herdeiro de Getúlio Vargas e acusado de simpatizante da es-
querda.
Em defesa de Jango, Leonel Brizola (1922-2004), então governador do Rio Grande do Sul, lançou a Cam-
panha da Legalidade, conquistando o apoio de boa parte da população brasileira. A posse de Jango ocorreu
somente após debates e negociações que levaram à alteração da Constituição. Com uma emenda, em 2 de se-
tembro de 1961, foi implantado o parlamentarismo no país. Era o acordo para se evitar uma guerra civil: Jango
assumiria a presidência, mas o governo de fato ficaria a cargo do primeiro-ministro, escolhido pelo Congresso
Nacional. Definiu-se também que, após algum tempo, o parlamentarismo deveria ser ratificado ou não por um
plebiscito.
Em janeiro de 1963, o plebiscito sobre o parlamentarismo mobilizou o país. O sistema político estava em
vigência há pouco mais de um ano e era muito criticado e impopular. Com intensa campanha pelo seu fim, os
brasileiros decidiram pela restauração do regime presidencialista. Enquanto o presidencialismo era restabele-
cido, a situação econômica do país deteriorava-se.
A inflação, que em 1962 atingira 52%, chegou aos 80% em 1963 e afetou gravemente o poder aquisitivo
dos trabalhadores. Para enfrentar a crise, o governo lançou o Plano Trienal, no final de 1962. Seu objetivo era
conter a inflação e promover o desenvolvimento do país. No entanto, os efeitos do plano foram mínimos, princi-
pal- mente quanto ao custo de vida. As pressões populares cresceram, levando Jango a defender amplas refor-
mas nos setores agrário, administrativo, fiscal e bancário. Conhecidas como reformas de base, essas medidas
foram vistas pelos seus opositores como uma ameaça à ordem liberal vigente.
Três dessas medidas ajudam a entender os interesses que estavam ameaçados. Contra a inflação, foi cria-
da a Superintendência Nacional do Abastecimento (Sunab), ligada ao governo e encarregada de controlar os
preços dos produtos, interferindo, portanto, nos lucros dos produtores e comerciantes.
Para oferecer melhores condições de vida a milhões de trabalhadores rurais e ampliar a oferta de alimentos,
uma proposta de reforma agrária nos latifúndios improdutivos foi apresentada ao Congresso. Os latifundiários,
porém, não concordavam com os mecanismos de cálculos para se chegar aos valores das indenizações a se-
rem pagas pelas terras, alegando grandes perdas caso fossem efetivamente aplicados.
Outra questão polémica foi a restrição da remessa de lucros das empresas estrangeiras para o exterior;
a proposta teve oposição de grupos ligados ao capital internacional. Diante de tantos embates, João Goulart
aproximou-se de setores populares organizados por operários, camponeses, estudantes e militantes de es-
querda, como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União
Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), a Confederação dos Trabalhadores Agrícolas (CONTAC) e as
Ligas Camponesas.
No lado oposto, contra Jango, os conservadores juntavam organizações sociais e políticas. Entre eles, des-
tacava-se o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (PES), que reunia diretores de empresas multinacio-
nais, jornalistas, intelectuais, militares e a nata do empresariado nacional.
Entre outros opositores a João Goulart estavam o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), a Confe-
deração Nacional das Indústrias (CNI) e a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Num comício reali-
zado em 13 de marco de 1964, no Rio de Janeiro, o presidente prometeu o aprofundamento das reformas para
diversas entidades de trabalhadores e estudantes.

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Em resposta, os conservadores organizaram uma grande passeata em São Paulo, chamada Marcha da Fa-
mília com Deus pela Liberdade. Os participantes da passeata declaravam estar se posicionando contra o que
era visto como ameaça da transformação do país numa república comunista, representada pelo presidente,
suas propostas e seu grupo de apoio. Setores da Igreja e do empresariado participaram da manifestação.

A redemocratização e a busca pela estabilidade econômica

Definição
“Abertura Política” é a denominação de uma sequência de atividades cuja finalidade era promover uma
lenta, gradual e segura transição do regime militar que para o regime democracia nos últimos dois mandatos
da ditadura.

• “Lenta, gradual e segura”: o lema que definiu o início da abertura política foi criado no governo do general
Ernesto Geisel indicava o modo como o líder pretendia conduzir o processo de restauração da democracia.
– Lenta: devido a não haver conformidade nas Forças Armadas com relação à abertura política. Enquanto
uns não concordavam com a adoção de medidas mais radicais e extremistas, outros defendiam (e empreen-
diam) tentados terroristas contra instituições.

– Gradual: conforme o Pacote de Abril (nome atribuído pela a um conjunto de medidas impostas por Ernesto
Geisel, abril de 1977), ainda não era o momento ideal para que os militantes abrissem mão das eleições majo-
ritárias indiretas.

– Segura: tinha o objetivo de assegurar o controle da ascensão da esquerda ao poder, para que o processo
democratização não eclodisse em uma revolução semelhante às que ocorreram na China e em Cuba. Ainda,
por meio da Lei Falcão, conseguiu-se dificultar a divulgação das propostas dos candidatos oponentes.

• Lei da Anistia: promulgada no Governo de João Figueiredo, essa lei isentou os militares de seus crimes co-
metidos no decorrer da ditadura, além de dispensar, também, aqueles que tinham sido condenados por crimes
políticos e os militares e agentes que atuaram ilegalmente durante o regime.

• “Diretas Já»: o impulso que avançou o movimento também recuperou o pluripartidarismo. Mesmo que
sua aprovação tenha ocorrido em função de fragmentar a esquerda, o pluripartidarismo permite representação
política aos mais diversos grupos, sendo, assim, um fator essencial em um regime democrático. O retorno pelo
à democracia somente seria possível por meio da eleição direta para presidente da República, assim, o movi-
mento “Diretas Já”, em contrapartida à divisão provocada pelo pluripartidarismo, gerou o engajamento político
desses grupos em busca de desse ideal comum.

• Revogação do AI-5: outra medida indispensável na luta pela democracia, decretada no Governo de Ernes-
to Geisel.

• Eleição de Tancredo Neves: o marco da transição de regimes aconteceu em 1985, de forma indireta, e o
candidato eleito contava com aprovação de boa parte da bancada governamental, ou seja, agradou os milita-
res. E, mesmo que Neves não tenha assumido o cargo, o governo que se seguiu reafirmou o êxito dos militares,
já que a esquerda só chegaria à Presidência da República quase vinte anos depois.

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História dos negros no Brasil: luta antirracista, conquistas legais e desafios atuais

A formação da cultura afro-brasileira remonta ao período colonial, quando milhares de africanos vieram para
o Brasil através do trafico negreiro. O grande número de negros vindo no período colonial acabou por formar
a maior população de origem africana fora da África. A cultura afro-brasileira foi marcada pelas referências
culturais europeia e indígena.
É importante ressaltar que essa manifestação cultural não se deu de forma homogênea, já que os africanos
que vieram ao Brasil tinham distintas origens, forçando a apropriação e a adaptação para que suas práticas
culturais sobrevivessem. Os rituais e costumes africano apenas deixaram de ser proibidos em 1930, durante o
governo de Getúlio Vargas.
Assim, com o fim da perseguição, a cultura africana começou a ser mais valorizada, até que, em 2003, é
promulgada a lei nº 10.639 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), exigindo as escolas brasileiras de ensino
fundamental e médio que abarquem em seus currículos o ensino da história e cultura afro-brasileira.
Devido à quantidade de escravos recebidos e também pela migração interna destes, os estados de Mara-
nhão, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do
Sul foram os mais influenciados. A maioria dos povos veio trazido da Angola, Congo e Moçambique, eles forma-
vam os Bantos. Já os Sudaneses, vieram da África ocidental, Sudão e da Costa da Guiné.
I. Aspectos da Cultura Afro-Brasileira
Podemos dizer que a cultura afro-brasileira compõe os costumes, as tradições, a mitologia, o folclore, a lín-
gua, a culinária, a música, a dança, a religião, enfim, o imaginário cultural brasileiro.
Um exemplo de como a cultura africana esta presente na nossa sociedade estão nas festividades, como o
Carnaval, a maior festa popular brasileira, a festa de São Benedito, principal festa do Congado (expressão da
cultura afro-brasileira), comemorada no final de semana após a Páscoa; e a festa de Iemanjá, realizada no dia
2 de fevereiro.
Na música influência afro-brasileira está patente em expressões como Samba, Jongo, Carimbo, Maxixe,
Maculelê, Maracatu e utilizam instrumentos variados, com destaque para Afoxé, Atabaque, Berimbau e Tambor.
Por conseguinte, não podemos perder de vista que estas expressões musicais são também corporais, uma vez
que refletem formas de dançar, como no caso do Maculelê, uma dança folclórica brasileira, e do samba de roda,
uma variação musical do samba. Podemos ressaltar outras expressões de música e dança como as danças
rituais, o Tambor de Crioula, e os estilos mais contemporâneos como o samba-reggae e o axé baiano. Final-
mente, merecendo um destaque especial a Capoeira, uma mistura de dança, música e artes marciais proibida
no Brasil durante muitos anos e declarada Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade em 2014.
A culinária é outro elemento típico da cultura afro-brasileira. Ela introduziu as panelas de barro, o leite de
coco, o feijão preto, o quiabo, dentre muitos outros. Entretanto, os alimentos mais conhecidos são aqueles da
culinária baiana, preparados com azeite dendê e pimentas, como Abará, Vatapá e o Acarajé, bem como o Qui-
bebe nordestino, preparado com carne-de-sol ou charque; além dos doces de pamonha e cocada. Por fim, o
prato brasileiro mais conhecido de todos é a Feijoada, criada pelos escravos como uma apropriação da feijoada
portuguesa e produzida a partir dos restos de carne que os senhores de engenho não consumiam.
A religião afro-brasileira se caracterizou pelo sincretismo com o catolicismo, união de aspectos do cristia-
nismo às suas tradições religiosas para que pudessem realizar as práticas religiosas africanas secretamente.
Assim, nasceram do sincretismo o Batuque, o Xambá, a Macumba e a Umbanda, enquanto se preservaram
algumas variações africanas da Quimbanda, Cabula e o Candomblé.
Influência Africana no Brasil5
A influência africana no processo de formação da cultura afro-brasileira começou a ser delineada a partir do
tráfico negreiro. Quando milhões africanos “deixaram” forçadamente o continente africano e despontarem no
Brasil para exercer o trabalho compulsório.
5 http://www.acordacultura.org.br/artigos/29082013/a-influencia-africana-no-processo-de-formacao-da-cul-
tura-afro-brasileira

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O escravo africano era um elemento de suma importância no campo econômico do período colonial sendo
considerado “as mãos e os pés dos senhores de engenho porque sem eles no Brasil não é possível fazer,
conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente” (ANTONIL, 1982, p.89). Contudo, a contribuição
africana no período colonial foi muito além do campo econômico, uma vez que, os escravos souberem reviver
suas culturas de origem e recriarem novas práticas culturais através do contato com outras culturas.
É importante salientar que não houve uma homogeneidade cultural praticada pelos negros africanos, visto
que imperava uma heterogeneidade favorecida pelas origens distintas dos africanos, que apesar de oriundos do
continente africano, geralmente os escravos apresentava uma prática cultural diferenciada em alguns aspectos
devido à região que pertencia, pois a África caracteriza-se em um continente dividido em países com línguas e
culturas diversas.
Além da prática cultural diferenciada ressaltada, os africanos, ainda, incorporaram algumas práticas eu-
ropeias e indígenas, além de, influenciá-los culturalmente. O intercâmbio cultural entre os elementos citados
contribuiu para uma formação cultural afro - brasileira híbrida e bastante peculiar.
Ao longo do período colonial e monárquico brasileiro foi grande o contingente de escravos africanos no
Brasil, visto que, constituía a maior mão - de - obra do período. A contribuição desses escravos foi além da
participação econômica, uma vez que, foram inserindo suas práticas, seus costumes e seus rituais religiosos na
sociedade Brasileira contribuindo, dessa forma para uma formação cultural peculiar no Brasil.
Importante, ressaltar que as práticas desses escravos africanos eram diferenciadas, pois eles eram oriundos
de pontos diferentes do continente africano. De acordo com VAINFAS (2001 p.66), durante o período colonial,
quase nada se sabia sobre a origem étnica dos africanos traficados para o Brasil. Porém, ao longo do período
passou-se a designá-los a partir da região ou porto de embarque, ou seja, das áreas de procedência.
Apesar da origem diversa dos escravos africanos, dois grupos se destacaram no Brasil: os Bantos e os Su-
daneses. Os bantos foram assim, classificados devido à relativa unidade linguística dos africanos oriundos de
Angola, Congo e Moçambique.
Vainfas (2001, p. 67) destaca que:
Os povos bantos predominaram entre os escravos traficados para o Brasil desde o século XVII, concen-
trando-se na região sudeste, mas espalhados por toda a parte, inclusive na Bahia. (...) Os Bantos oriundos do
Congo eram chamados de congo, muxicongo, loango, cabina, monjolo, ao passo que os de Angola o eram de
massangana, cassange, loanda, rebolo, cabundá, quissamã, embaca, benguela.
Essa diversidade fez com os Bantos apresentassem uma especificidade cultural, notadamente na lingüís-
tica, nos costumes e, principalmente, no campo religioso, que mesclou aspectos do cristianismo com suas
tradições religiosas.
De acordo com Kavinajé (2009, p. 3):
Os bantos, depois de um primeiro período de autonomia religiosa, que se conhece através de documentos
históricos, assistiram à transformação de seus cultos. Por um lado, esses deram lugar á macumba; por outro,
amoldaram-se às regras dos condomblés nagôs, não se distinguindo deles senão por uma maior tolerância.
Os cultos bantos em gradativo declínio acolheram os espíritos dos índios, o que iria levar ao surgimento de um
“condomblé de cablocos”, e adotaram cantos em língua portuguesa, ao passo que os condomblés nagôs só
usam cantos em língua africana.
Já os sudaneses provenientes da África ocidental, Sudão e da Costa da Guiné, contribuíram culturalmente
para a formação de uma identidade afro-brasileira, visto que muito de suas práticas culturais imperam atual-
mente como, por exemplo, o candomblé, prática religiosa dos escravos sudaneses.
No Brasil estes grupos: bantos e sudaneses misturaram-se resultando em cruzamentos biológicos, culturais
e religiosos.

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De acordo com Paiva (2001, p.36):
Misturavam-se informações, assim como etnias, tradições e práticas culturais. Novas cores eram forjadas
pela sociedade colonial e por ela apropriadas para designar grupos diferentes de pessoas, para indicar hie-
rarquização das relações sociais, para impor a diferença dentro de um mundo cada vez mais mestiço. Da cor
da pele à dos panos que a escondia ou a valorizava até a pluralidade multicor das ruas coloniais, reflexo de
conhecimentos migrantes, aplicados à matéria vegetal, mineral, animal e cultural.
Nota-se que o cruzamento cultural entre estes povos africanos propiciou a construção de uma identidade
cultural brasileira, ou cultura afro-brasileira. Uma vez que, eles não temeram em “inventar códigos de compor-
tamentos e de recriarem práticas de sociabilidade e culturais” (Paiva 2001, p.23). Assim, este cruzamento foi
resultado de um longo processo que propiciou uma riqueza cultural peculiar ao Brasil.
De acordo com Paiva (2001, p.27), pode-se caracterizar este cruzamento cultural como resultante de uma
aproximação entre universos geograficamente afastados, em hibridismos e em impermeabilidades, em (re)
apropriações, em adaptações e em sobreposição de representações e de práticas culturais.
Assim, a influência africana foi se tornando visível em vários seguimentos da sociedade colonial, tais como
culinária, práticas religiosas, danças, dentre outros valores culturais que foram incorporados pela população
brasileira.
Sobre a influência africana Freire (2001, p. 343) destaca que:
Quantas “mães-pretas”, amas de leite, negras cozinheiras e quitandeiras influenciaram crianças e adultos
brancos (negros e mestiços também), no campo e nas áreas urbanas, com suas histórias, com suas memórias,
com suas práticas religiosas, seus hábitos e seus conhecimentos técnicos? Medos, verdades, cuidados, forma
de organização social e sentimentos, senso do que é certo e do que é errado, valores culturais, escolhas gastro-
nômicas, indumentárias e linguagem, tudo isso conformou-se no contato cotidiano desenvolvido entre brancos,
negros, indígenas e mestiços na Colônia.
Ainda de acordo com Freyre (2001, p. 346), a nossa herança cultural africana é visível no jeito de andar e
no falar do brasileiro, pois:
Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar,
na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a
marca da influência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de
comer, ela própria amolegando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histó-
rias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho- de- pé de uma coceira tão boa.
De que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama- de- vento, a primeira sensação completa
de homem. Do muleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo. (Freyre (2001, p. 348)
Observa-se que de acordo com a citação acima a influência africana foi além cozinha e da mesa, chegando
até a cama, pois era comum a iniciação sexual do “senhorzinho” branco ocorrer com uma escrava.Comum tam-
bém era a prática de feitiços sexuais e afrodisíacos pelos escravos, pois foi na “perícia e no preparo de feitiços
sexuais e afrodisíacos que deu tanto prestigio a escravos macumbeiros juntos a senhores brancos já velhos e
gastos.” Freyre (2001, p. 343),
A influência do escravo negro na vida sexual da família brasileira é destacada por, Freyre (2001, p. 381),
assim:
(...) O grosso das crenças e práticas da magia sexual que se desenvolveram no Brasil foram coloridas pelo
intenso misticismo do negro; algumas trazidas por ele da África, outras africanas apenas na técnica, servin-
do-se de bichos e ervas indígenas. Nenhuma mais característica que a feitiçaria do sapo para apressar a rea-
lização de casamentos demorados. O sapo tornou-se também, na magia sexual afro-brasileira, o protetor da
mulher infiel que, para enganar o marido, basta tomar uma agulha enfiada em retrós verde, fazer com ela uma
cruz no rosto do indivíduo adormecido e coser depois os olhos do sapo.
Além da influência na vida sexual destacado no clássico Casa Grande e Senzala, merecem ênfase as can-
ções que foram modificadas pelas negras.

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Também as canções de berço portuguesas, modificou-se a boca da ama negra, alterando nelas palavras;
adaptando-as às condições regionais; ligando-as às crenças dos índios e às suas. Assim a velha canção “escu-
ta, escuta menino” aqui amoleceu-se em “durma, durma, meu filhinho”, passando Belém de “fonte” portuguesa,
a “riacho” brasileiro. Freyre (2001, p. 380)
Observa-se que as amas apropriaram-se das canções de origem portuguesa e as recriaram, dando um to-
que especial, o toque africano. Isso é perceptível na “infantilização” das palavras das canções.
“A linguagem infantil também aqui se amoleceu ao contato da criança com a ama negra. Algumas palavras,
ainda hoje duras ou acres quando pronunciadas pelos portugueses, se amaciaram no Brasil por influência da
boca africana. Da boca africana aliada ao clima - outro corruptor das línguas europeias, na fervura por que
passaram na América tropical e subtropical. Freyre (2001, p. 382)
Deste modo, foi se delineando a língua falada no Brasil, a língua portuguesa que foi amplamente influencia-
da pelo modo de falar dos escravos africanos.
A ama negra fez muitas vezes com as palavras o mesmo que com a comida: machucou-as, tirou-lhes as es-
pinhas, os ossos, as durezas, só deixando para a boca do menino branco as sílabas moles. Daí esse português
de menino que no norte do Brasil, principalmente, é uma das falas mais doces deste mundo. Sem rr nem ss;
as sílabas finas moles; palavras que só faltam desmanchar-se na boca da gente. A linguagem infantil brasileira,
e mesmo a portuguesa, tem um sabor quase africano: cacá, bumbum, tentén, nenén, tatá, papá, papapo, lili,
mimi (...) Amolecimento que se deu em grande parte pela ação da ama negra junto à criança; do escravo preto
junto ao filho do senhor branco. Os nomes próprios foram dos que mais se amaciaram, perdendo a solenidade,
dissolvendo-se deliciosamente na boca dos escravos. Freyre (2001, p. 382)
Nota-se que o intercâmbio cultural entre os negros africanos, indígenas e portugueses foram intensos, no-
tadamente na língua, costumes, modos, comidas, forma de pensar e práticas religiosas. De acordo com Paiva
(2001, p. 185) As trocas culturais e os contatos entre povos de origem muito diversa é algo que, então, fazia
parte do dia - a – dia colonial, desde a chegada dos portugueses. Isto, porque, era ampla a vivência cultural da
população negra no Brasil colonial, refletindo amplamente na sociedade do período.
Deste intercâmbio cultural formou-se a cultura afro-brasileira, sendo visível à influência africana em todos os
aspectos da sociedade brasileira, não sendo possível desvincular a cultura brasileira da africana, da indígena
ou da europeia.
Para Paiva (2001, p.39) a formação cultural não se deu de forma linear, uniforme e harmônica. Muitos foram
os conflitos, as adaptações e os arranjos ao longo do período.
É evidente que não estou sugerindo uma formação linear desse universo cultural, nem estou emprestando-
lhe uma harmonia, que, de fato, pouco existiu. Tanto seu processo de formação quanto a convivência no interior
dele se deram (e se dão) de maneira conflituosa na maioria das vezes, embora haja, também, adaptações
constantes, arranjos e acordos que visam a sua preservação. Paiva (2001, p. 41)
A preservação dessas práticas culturais ocorreu através de aproximações e afastamentos conforme ideia
defendida por Paiva (2001, p.40):
A conformação e a preservação do universo cultural dão-se, então, através das aproximações e afastamen-
tos, das interseções, da intervenção de espaços individuais e coletivos, privados e comuns, que envolvem di-
mensões do viver tão diversas quanto à do material, da utensilagem e das técnicas; dos costumes e tradições,
das práticas e das representações culturais; da mitologia e da religião; do físico e concreto, do psicológico e
imaginário; da linguagem e das escritas; da dominação, da resistência e do transito entre elas: da temporali-
dade e da espacialidade; das continuidades e das descontinuidades; da memória e da história. Tudo implicado
com os campos da política e do econômico, provocando mutuamente contínuas reordenações e construções
sociais.
Desse modo, observa-se a formação e a preservação de uma identidade cultural, bastante plural devido
às influências: europeia, africana e indígena, favorecendo uma riqueza cultural bastante peculiar. Estas pecu-
liaridades multiculturais manifestaram-se, principalmente, na língua, culinária, música, dança, religião, dentre
outros.

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Resistência
Onde quer que tenha existido escravidão, houve resistência escrava. No Brasil os escravizados criaram
diversas maneiras de resistência ao sistema escravista durante os quase quatro séculos em que a escravidão
existiu entre nós. A resistência poderia assumir diversos aspectos: fazendo “corpo mole” na realização das
tarefas, sabotagens, roubos, sarcasmos, suicídios, abortos, fugas e formação de quilombos. Qualquer tipo de
afronta à propriedade senhorial por parte do escravizado deve ser considerada como uma forma de resistência
ao sistema escravista.
Perdigão Malheiro, que foi um importante jurista do século XIX, entendia a fuga como parte essencial do sis-
tema escravista. Existe uma concordância geral entre os estudiosos da escravidão com a opinião de Malheiro,
de que a fuga foi um aspecto típico do escravismo. Onde quer que tenha existido escravidão, foram comuns as
fugas, os anúncios nos jornais buscando fugitivos e também a figura do capitão-do-mato. Após a fuga, o escra-
vizado poderia tentar se esconder nas matas, onde frequentemente formavam quilombos, ou ainda tentar se
misturar na densa população africana e afrodescendente que habitava os núcleos urbanos, tentando se passar
por livre ou por liberto. Tendo fugido um escravizado, o seu senhor acionava toda uma rede de informantes para
descobrir o seu paradeiro. Anunciava a fuga nos jornais locais, oferecendo recompensas àquele que desse
notícias precisas sobre o esconderijo ou localização do fugitivo e, frequentemente, pagava um capitão-do-mato
para trazer o escravizado de volta.
A fuga representou um modo significativo no processo de resistência ao cativeiro e de autoafirmação da
condição humana do escravizado em oposição ao sistema escravista. Em primeiro plano provocava um abalo
do ponto de vista econômico, tanto de posse quanto de produção, por vários motivos: porque o escravizado
deixava de trabalhar enquanto estava fugido, deixando, portanto, de gerar lucro para o seu senhor; também
por não haver garantia de que o escravizado fosse ser apreendido e, caso não fosse, o senhor perdia o capi-
tal nele investido; e, por último, porque pagar as diárias de um Capitão-do-Mato não era barato. Em segundo
plano, a fuga não era apenas um simples ato de rebeldia, significava a tentativa de usufruir de um espaço de
liberdade, ainda que, na maior parte das vezes, fosse passageira. Sendo uma afronta direta ao poder senhorial,
os escravizados fugitivos, quando apreendidos, recebiam um castigo exemplar. As punições aos escravizados
apreendidos após uma fuga eram extremamente severas, podendo, às vezes, o castigo exemplar recebido
resultar em sua morte.
As motivações que levavam um escravizado a fugir eram variadas e nem todas as fugas tinham por objetivo
se livrar do domínio senhorial. Existiam as fugas reivindicatórias, como aquelas que fizeram os escravos do en-
genho Santana de Ilhéus, nas quais os escravizados buscaram mudanças no exercício da escravidão dentro do
engenho, ou quando o escravizado fugia após ser vendido para um outro senhor. Fazendo isto, o escravizado
pressionava o seu comprador para devolvê-lo ao seu antigo senhor, pois sabia que nenhum senhor gostaria de
ter entre os seus escravizados um fugitivo contumaz. De forma contrária, às vezes, o escravizado fugia à procu-
ra de um outro senhor que o comprasse; caso o seu senhor não aceitasse a negociação, ele poderia continuar
fugindo e, portanto, dando prejuízos e maus exemplos, até que seu senhor resolvesse vendê-lo.
Existiam também as fugas temporárias. Era comum a fuga por alguns dias, quando em geral o escravizado
ficava nas imediações da moradia de seu senhor, às vezes para cumprir obrigações religiosas, outras para visi-
tar parentes separados pela venda, outras, ainda, para fazer algum “bico” e, com o dinheiro, completar o valor
da alforria.
Os Quilombos
Os quilombos ou mocambos existiram desde a época colonial até os últimos anos do sistema escravista e,
assim como as fugas, foram comuns em todos os lugares em que existiu escravidão. A formação de quilombos
pressupõe um tipo específico de fuga, a fuga rompimento, cujo objetivo maior era a liberdade. Essa não era
uma alternativa fácil a ser seguida, pois significava viver sendo perseguido não apenas como um escravo fugi-
do, mas como criminoso.
O quilombo mais conhecido no Brasil foi Palmares. Palmares foi um quilombo formado no século XVII, na
Serra da Barriga, região entre os estados de Alagoas e Pernambuco. Localizado numa área de difícil acesso,
os aquilombados conseguiram formar um Estado com estrutura política, militar, econômica e sociocultural, que
tinha por modelo a organização social de antigos reinos africanos. Calcula-se que Palmares chegou a possuir
uma população de 30 mil pessoas.

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Depois da abolição definitiva da escravidão no Brasil, em 1888, as comunidades negras deram outro sen-
tido ao termo “Quilombo”, não sendo mais utilizado como forma de luta e resistência ao cativeiro, mas sim
como morada e sobrevivência da família negra em pequenas comunidades, onde seus valores culturais eram
preservados. Tais comunidades receberam diferentes nomeações: remanescentes de quilombos, quilombos,
mocambos, terra de preto, comunidades negras rurais, ou ainda comunidades de terreiro.
Religião e Cultura
Religiosidade Negra As diferentes origens dos africanos trazidos para o Brasil fizeram com que aqui se de-
senvolvessem diferentes tradições religiosas, que variaram de acordo com as localidades para as quais eles fo-
ram levados. No Sudeste brasileiro, por exemplo, a maior parte da população escrava anterior ao fim do tráfico,
em 1850, era composta de africanos oriundos da região centro-ocidental, vindos principalmente do Congo e de
Angola. Daí ter se desenvolvido uma religiosidade de matriz africana que cultuava os ancestrais e os inquices
(como eram chamados genericamente as entidades dos cultos congo-angolanos no Brasil). Já o Maranhão e
a Bahia, receberam muitos africanos da região do reino do Daomé, chamados de jejes na Bahia e de minas
no Maranhão. Estes grupos cultuavam deuses chamados de voduns. Para a Bahia vieram também grupos que
falavam a língua iorubá, que cultuavam deuses denominados orixás. A fusão de elementos das tradições jejes
e nagôs deu origem ao candomblé baiano.
As irmandades religiosas constituíam outro aspecto da religiosidade negra do Brasil escravista. Alguns afri-
canos vindos de regiões da África, onde o catolicismo já havia penetrado, como o Congo e Angola, já chegaram
ao Brasil como católicos. Outros se convertiam no Brasil quando, por imposição da cultura senhorial, padres
católicos eram contratados pelos senhores para iniciarem os escravizados no cristianismo.
Possuidores de suas próprias crenças, os escravizados se deixavam converter de forma superficial, e quan-
do adotavam o catolicismo, o faziam através de seu próprio repertório religioso e cultural. O que fez com que o
catolicismo praticado pelos africanos e descendentes possuísse muitas características das religiões de matriz
africana, como as músicas e danças, as oferendas, as promessas e as festas. Além do que, para a maior parte
dos escravizados, adotar o catolicismo não significava abandonar as religiões africanas, praticava-se o catoli-
cismo na frente do senhor e as religiões africanas pelas costas.
O exercício da prática católica pelos negros foi feito através das irmandades religiosas. Estas organizavam
festas em homenagem aos padroeiros, os mais comuns eram Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Além
das festas e obrigações religiosas as irmandades juntavam dinheiro para compra de alforria e se constituíam
em importantes espaços de fortalecimento de laços de união entre escravos e libertos.
Entre as contribuições mais expressivas da cultura africana estão o samba, o carnaval, o futebol, a capoeira
e o candomblé (este mais diretamente associado à cultura baiana). À exceção do futebol, todos fazem parte do
repertório cultural afro-brasileiro. Porém, o marcante estilo do futebol brasileiro, com seu molejo e criatividade,
também é inseparável da influência afro. Sambas, batucadas, candomblés e o exercício da capoeira foram
práticas duramente reprimidas pelo Estado brasileiro em épocas anteriores à década de 1930. A partir da dé-
cada de 1920, começou a ganhar corpo entre a intelectualidade brasileira a ideia da miscigenação como algo
positivo.
Essas ideias da intelectualidade brasileira ganhariam uma feição prática com a chegada de Getúlio Vargas
ao poder e os ideais nacionalistas do Estado Novo. Ao longo dos quinze anos do governo Vargas (1930-1945),
várias medidas foram tomadas no sentido de valorização de uma cultura nacional. Dentre essas medidas de-
vem ser citadas a valorização do samba e a descriminalização da capoeira e do candomblé.

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História dos povos indígenas do Brasil: luta por direitos e desafios atuais

• Indígena: em 1492, quando chegou à América, Colombo achou que tinha desembarcado nas Índias e
chamou de índios os habitantes da região. O nome resultou de um erro e contém a falsa visão de que todos os
habitantes da América nesse período eram iguais, com a mesma cultura. Portanto hoje se prefere empregar o
termo indígena.
História dos Povos Indígenas e a Formação Sociocultural Brasileira6
Segundo o censo do IBGE de 20107, o Brasil conta com uma população de 896.917 pessoas que conside-
ram-se indígenas. Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que corresponde aproxima-
damente a 0,47% da população total do país.
A maior parte dessa população distribui-se por milhares de aldeias, situadas no interior de 700 Terras Indí-
genas, de norte a sul do território nacional.
Esses números representam os sobreviventes da colonização do território brasileiro ao longo de 500 anos
de exploração. Ao ponto que estima-se que, na época da chegada dos europeus, fossem mais de 1.000 povos,
somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Sendo que, nos dias hoje, encontramos no território brasileiro 246
povos falantes de mais de 150 línguas diferentes.
Contudo para tratar o assunto na atualidade, é necessário ter em mente seis pontos:
Ocupação: populações humanas já habitavam a terra hoje denominada Brasil antes da chegada dos euro-
peus, com ocupações que variam entre 40.000 e 2.000 anos antes do presente, e que ainda se mantinham por
volta de 1.500. Essas populações habitavam territórios que interagiam com seu modo de vida e seus costumes.
Origem: não existe um consenso sobre a origem das populações indígenas. Pesquisas apontam migrações
vindas do norte da América, da Polinésia e de outras áreas do planeta. Essas populações foram chamadas de
nativas ou originárias por já habitarem o lugar antes da chegada dos europeus.
Permanência: muitos dos grupos que habitam o território brasileiro possuem vínculos com os primeiros po-
vos aqui estabelecidos.
História: o ser humano surgiu na África, aproximadamente 3 milhões de anos atrás. A partir de então vem
adaptando-se ao ambiente, até resultar no Homo sapiens sapiens, que data de 40.000 anos. Durante todo esse
período, chamado de pré-história, ocorreram migrações para diversas partes do mundo, até chegar à América.
As fontes de informação sobre esse período são de origem arqueológica, visto que as populações que habi-
tavam o Brasil eram ágrafas (não possuíam sistema de escrita). A partir de 1500 esses grupos que haviam se
separado pelos fluxos migratórios entram em contato novamente, com a chegada dos portugueses.
Cultura: como qualquer outro grupo humano, os povos indígenas possuem culturas resultantes da história
e das relações entre os homens e o ambiente que os cerca. Essa cultura sofreu diversas transformações por
conta dos contatos realizados nos últimos 500 anos, de maneira nem sempre pacífica.
Limites Geográficos: os limites entre países, estados ou municípios muitas vezes são criados a partir de re-
ferências que não coincidem com os limites de habitação dos povos indígenas. Em muitos casos, os povos que
hoje vivem em uma região de fronteiras internacionais já ocupavam essa área antes da criação das divisões
entre os países; é por isso que faz mais sentido dizer povos indígenas no Brasil do que do Brasil.
Discussões
Sobre os povos indígenas, pela visão dos portugueses “eles eram selvagens e muito cruéis”. Essa visão,
construída com base nos valores europeus da época marcou o processo de colonização.
Alguns arqueólogos afirmam que a ocupação da América ocorreu há cerca de 15.000 anos. Outros, porém,
dizem que isso ocorreu antes, por volta de 50.000 anos atrás.

6 http://pib.socioambiental.org/
7 https://indigenas.ibge.gov.br/graficos-e-tabelas-2.html

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Seja como for, o fato é que boa parte do território hoje conhecido como Brasil já era ocupado por grupos
humanos há 10.000 anos. A cultura e as formas de organização social desses grupos eram diferentes umas
das outras.
Alguns desses grupos são chamados atualmente de povos de tradição Humsitá. Eles ocupavam o que é hoje
a região Sul do Brasil e eram habilidosos fabricantes de instrumentos de pedra.
Haviam os sambaquis que habitavam principalmente o litoral. Viviam, sobretudo, da pesca e da coleta de
moluscos, como o caranguejo.
Outros grupos eram os que habitavam a atual região amazônica e produziam objetos de cerâmica. O grupo
dos Itararé, que ocupavam as regiões Sul e Sudeste do Brasil atual e faziam suas habitações abaixo do solo,
além de diversos outros grupos com características próprias.
A relação entre os povos indígenas e os europeus sempre foi bastante agitada. Durante os primeiros anos
do contato foram estabelecidas relações de comércio, principalmente do Pau-Brasil, com portugueses e fran-
ceses. Percebendo a concorrência, esses países buscaram aliados nos grupos que habitavam o litoral e que já
possuíam histórico de rivalidade com outras tribos.
Com a decisão de Portugal de ocupar e colonizar efetivamente o Brasil, muitos índios acabaram aprisiona-
dos e escravizados, utilizados como mão-de-obra principalmente nas plantações de cana-de-açúcar.
Como havia a necessidade de cada vez mais terras para o cultivo da cana, os portugueses adentravam
cada vez mais para o interior, o que gerava sempre novos conflitos ao tentar expulsar os índios de suas terras.
A busca por ouro e pedras preciosas empreendida pelas bandeiras de exploração também resultou na captura
de muitos indígenas.
A situação amenizou-se com a chegada dos padres da Companhia de Jesus ao Brasil, que condenavam o
trabalho forçado dos índios. Os padres construíram colégios e reduções, onde buscavam converter os índios
para a fé católica. Muito mais do que um local para a conversão, os índios enxergavam nessas construções
formas de fugir da exploração do trabalho forçado e de seus inimigos.
Com a expansão para o interior do Brasil, principalmente durante os séculos XIX e XX, a situação indígena
piorava cada vez mais. Aqueles que não eram mortos durante os conflitos por terras acabavam confinados em
aldeamentos e reservas, que representavam uma pequena parte do território que habitavam e de onde tiravam
seu sustento.
Muitos índios acabaram também sendo expulsos dessas reservas, obrigados a migrarem para as cidades ou
sendo realocados em reservas com povos totalmente diferentes, em alguns casos até mesmo povos em que
existia uma relação de conflito.
Os Indígenas em 1500
Por volta de 1500, quando os portugueses aqui chegaram, alguns desses povos ainda existiam; outros já
tinham desaparecido havia algum tempo. Estudos atuais revelam que por essa época, viviam no atual território
brasileiro mais de 1.000 povos diferentes, com crenças, hábitos, costumes e formas de organização específi-
cas.
Esses povos falavam cerca de 1.300 línguas distintas, agrupadas em dois troncos linguísticos: o Tupi e o
Macro-Jê. Mas havia muitas outras famílias linguísticas, como a dos Aruaque e a dos Caraíba, da atual região
amazônica.
De modo geral, os povos do tronco linguístico Tupi viviam no litoral. Estre eles estavam povos como os Gua-
rani, os Tupinambá e os Tabajara.
Já os povos do tronco Macro-Jê – como os Bororó, os Carajá, os Tarairu, os Cariri – viviam, em grande parte,
mais para o interior do território, ou no sertão, como os portugueses diziam na época.
- Povos do tronco Jê
Xavantes: autodenominados Akwén, entraram em contato com mineradores na província de Goiás, no início
do século XVIII. Atualmente habitam o estado do Mato Grosso.

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Apinayé: entram em contato com jesuítas no Tocantins em 1633, sendo contrários à ideia de pacificação.
Estiveram em conflito com portugueses e com o governo brasileiro ao longo de vários séculos. Atualmente
habitam o estado de Tocantins.
Kaingang: São um dos grupos indígenas mais numerosos do Brasil, com uma população estimada em apro-
ximadamente 30 mil pessoas. Habitam os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Desde o século XVI possuem contato com europeus, quando eram denominados Guaianazes.
Eram também conhecidos por coroados, devido ao corte de cabelo que utilizavam, semelhante a uma co-
roa. Sua relação com os colonizadores e funcionários do governo sempre adquiriram caráter hostil, até que em
meados do século XIX seus líderes resolveram aliar-se aos não índios, auxiliando na pacificação dos diversos
grupos espalhados pelo interior dos estados que ainda habitam.
Kayapó: habitantes da região da floresta amazônica. Atualmente vivem nos estados de Mato Grosso e Pará.
Timbira: entram em contato com os não índios a partir do início do século XVIII, na capitania do Piauí. Atual-
mente habitam os estados de Tocantins, Pará e Maranhão.
Xokleng: habitantes do sul do Brasil, os primeiros registros de contatos datam do século XVIII. Vivem atual-
mente no estado de Santa Catarina.
- Povos do tronco Tupi
Caetés: ficaram conhecidos pelo episódio em que teriam supostamente feito um banquete com a tripulação
que naufragou juntamente com Pero Fernandes Sardinha, primeiro bispo português a chegar no Brasil. Habita-
vam a região dos estados de Alagoas e Pernambuco.
Potiguaras: povo que tinha no caráter guerreiro seu valor fundamental. Praticavam a antropofagia (ato de
comer partes de um ser humano) ritual. Foram inimigos dos portugueses durante o processo de conquista do
território, formando alianças com franceses. Viviam do litoral do atual estado da Paraíba ao estado do Ceará.
Eram inimigos dos Tabajaras.
Tabajaras: viviam no litoral dos estados de Alagoas e Sergipe, migrando para a Paraíba, território de domínio
Potiguara, o que gerou grandes conflitos entre os povos. Os Tabajaras acabaram aliando-se aos portugueses
após os primeiros contatos.
Tamoios: também eram praticantes da antropofagia. Habitavam o litoral norte de São Paulo e o Vale do Pa-
raíba, sendo inimigos dos portugueses.
Tupinambás: habitaram porções de terra no norte da Bahia, Sergipe e também do litoral norte do Rio de Ja-
neiro até São Sebastião em São Paulo. Foram inimigos dos Tupiniquim e também dos portugueses.
Tupiniquins: viviam na região do atual estado da Bahia e possuíam uma grande concentração de pessoas
no território do atual estado de São Paulo. Foram aliados dos portugueses.
Influências na Formação da Sociedade Brasileira
Muitas das práticas sociais e culturais do Brasil atual têm origem nas sociedades indígenas, a começar pela
alimentação. Ao chegarem ao Brasil em 1500, os portugueses saborearam os alimentos nativos da América,
conhecidos e cultivados há muito tempo pelos indígenas.
Assim, iniciou-se o consumo pelos portugueses da mandioca, do milho, da batata-doce, do amendoim, da
abóbora, do abacaxi, do caju, da pimenta, do mamão, entre outros. O hábito de assar os alimentos, o hábito de
dormir em redes, tão difundido, sobretudo no Nordeste, o consumo de bebidas preparadas a partir de guaraná
e mate também tem origem nos costumes indígenas.
Técnicas como a pesca utilizando tarrafa (rede), a coivara (queimada dos campos para limpeza) e o mutirão,
originado da prática tupi de realização coletiva de determinada atividade necessária para a manutenção da
organização da tribo, foram também incorporadas.
A medicina também utilizou-se da sabedoria indígena para auxiliar na cura dos homens. A quinina, empre-
gada para a malária, ainda hoje é utilizada como medicamento básico. A copaíba, que os tupis utilizavam para
curar feridas, igualmente continua a ser utilizada. Podemos citar, ainda, o curare, usado como anestésico, e a
pajelança (invocação dos espíritos para efetivar a cura de doenças), praticada mediante a intermediação dos
pajés.

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Também o folclore foi e ainda é marcado por influências indígenas. Destacamos o curupira, que protegia a
caça e a natureza, garantindo um permanente equilíbrio entre as necessidades do homem e a preservação do
ambiente natural; o boto-tucuxi, que, no folclore amazônico, era o responsável pela gravidez de jovens virgens
e de mulheres cujos maridos costumavam ausentar-se por longos períodos.
Nosso vocabulário teve uma grande contribuição de diversas etnias em sua formação. Até hoje muitos no-
mes de lugares, pessoas, objetos e práticas do dia tem sua origem em palavras indígenas.
Organização dos Índios
Relações Familiares
Os documentos produzidos pelos portugueses e outras evidências históricas revelam que boa parte dos po-
vos indígenas viviam em pequenas aldeias. Cada aldeia era formada por um conjunto de quatro a sete malocas
(tipo de cabana comunitária).
Essas aldeias eram circulares, em forma de ferradura ou lineares, como por exemplo, duas fileiras de casas,
formatos ainda hoje utilizados pelos indígenas. As malocas eram feitas de galhos de árvores e cobertas com
palha.
Uma característica comum às aldeias é a existência de um espaço central entre as habitações onde se orga-
nizam cerimônias religiosas e festas, e onde as crianças brincam. Em tupi, esse espaço é chamado de ocara.
Crenças e Costumes
As crenças religiosas dos povos indígenas estavam estreitamente relacionadas com a natureza. Para eles,
a chuva ou a seca, uma boa caçada ou uma pescaria bem-sucedida deviam-se à ação de várias entidades e
espíritos ligados à natureza.
O boitatá, por exemplo, protegia o campo dos incêndios, representado por uma serpente de fogo; o curupira,
descrito como um indígena de cabelos vermelhos com os pés virados para trás, era o protetor da fauna e da
flora.
A figura central dos ritos religiosos era o pajé, mediador entre o mundo terreno e o espiritual. Ele entrava em
contato com os espíritos da floresta para curar as doenças e era um grande conhecedor dos remédios naturais
extraídos das plantas.
Na época da chegada dos portugueses à América, os indígenas conheciam mais de 3 mil diferentes es-
pécies de ervas, que usavam para combater os mais variados problemas de saúde. Na Europa, o número de
remédios não passava de cem.
Para os indígenas, a terra, a floresta, a água e os animais eram de todos, não havia propriedade privada.
Para resolver situações importantes – como decidir uma guerra -, formava-se um conselho composto dos che-
fes das grandes famílias e as decisões eram tomadas coletivamente. O morubixaba – líder da aldeia – era o
conselheiro encarregado de ajudar as pessoas a resolver pequenos conflitos.
Podemos dizer, portanto, que nas sociedades indígenas não havia privilégios nem desigualdades sociais.
A educação das crianças era tarefa de toda a comunidade, e não só da família. As crianças eram muito bem
tratadas e não havia castigos físicos. Da mesma forma, os idosos eram respeitados como guardiões da história
e do saber de seu povo. Eram eles que transmitiam aos mais jovens os valores e as crenças do grupo.
Os indígenas que viviam nas terras que hoje formam o Brasil desconheciam a escrita. Assim, o conheci-
mento e os saberes acumulados pelos grupos eram transmitidos de geração em geração por meio de histórias
narradas oralmente.
Além da arte de contar histórias, muitos grupos desenvolveram habilidades como produtores de arte plumá-
ria, que consiste na criação de enfeites e adornos de penas coloridas em combinações de grande beleza. Tam-
bém na cerâmica, nos traçados e nas pinturas corporais alguns desses povos produziram obras belíssimas.
As tarefas que garantiam a sobrevivência do grupo eram feitas por todos. Assim também era dividido o re-
sultado do trabalho coletivo. Derrubar árvores, caçar, pescar, preparar a terra para o plantio, construir malocas,
armas e canoas, em geral, era trabalho dos homens. As mulheres, além de cuidar das crianças pequenas e
cozinhar, trabalhavam na coleta de frutos, na plantação de roças e na colheita.

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Os alimentos variavam conforme a disponibilidade dos recursos naturais e as características de cada povo
indígena. Grupos que moravam próximo a rios e mares tinham na pesca sua principal fonte de alimento. Já os
que viviam no interior do território, além da caça, se dedicavam muitas vezes à prática da agricultura. Planta-
vam principalmente milho, mandioca, abóbora, inhame e batata-doce.
Com o grande conhecimento que tinham da natureza, alguns povos indígenas aprenderam a extrair o ve-
neno de certas variedades de mandiocas. Feita a extração do veneno, transformavam a raiz em farinha seca,
tapioca, beiju e outros produtos. Vários alimentos que consumimos hoje no Brasil são uma herança direta das
culturas indígenas.
Antropofagia na Cultura Indígena
A antropofagia praticada pelos povos indígenas fazia parte de sua cultura, e é sob esse prisma que precisa-
mos compreender o fenômeno. Os indígenas não comiam outros seres humanos por estarem com fome ou por
não terem comida.
Para algumas etnias, comer o corpo de um ente querido constituía um ato de amor: mães e pais, por exem-
plo, poderiam comer restos mortais de seus filhos.
Outra forma de antropofagia era aquela em que grupos ou povos comiam o corpo de um guerreiro apri-
sionado. Esse costume fazia parte de um ritual mais amplo: o prisioneiro poderia viver muito tempo junto ao
grupo que o aprisionou, era bem alimentado e chegava mesmo a se casar com uma mulher da aldeia. No dia
da execução, aldeias vizinhas eram convidadas para a festa. Por meio dessa morte e da ingestão do corpo do
guerreiro, a aldeia vingava simbolicamente os parentes mortos pela aldeia inimiga. Em outros casos, julgavam
adquirir a força e a coragem do inimigo ao ingerir partes do corpo do prisioneiro morto.
Papel dos Jesuítas
Muitos padres da Companhia de Jesus, conhecidos por Jesuítas condenavam as ações praticadas pelos
colonos portugueses em relação aos escravos indígenas, já que a rotina de trabalho nos canaviais era árdua
e durava longas horas diárias.
Por pressão dos Jesuítas, a Coroa portuguesa estabeleceu que os escravos fossem liberados de suas
atividades durante os domingos para praticar a fé cristã e frequentar a missa. Apesar da determinação real, a
medida não era seguida por muitos senhores de engenhos e quando era praticada, muitos indígenas acabavam
usando o dia para descansar ou praticar outras atividades que lhes rendessem uma alimentação complemen-
tar, deixando de lado as obrigações religiosas.
Os Jesuítas criaram aldeamentos com o objetivo de batizar os índios na fé católica. Com a ideia de que po-
deriam alcançar o paraíso e praticar a fé cristã, os índios eram catequizados. Para conseguir uma aproximação
e conquistar os interesses indígenas, os Jesuítas aprenderam sua linguagem e seus costumes, para pouco a
pouco incorporar elementos religiosos em sua cultura e finalmente torná-los completamente cristãos.
O abandono das antigas crenças e aceitação da fé cristã, mesmo quando imposta, era considerada pelos
jesuítas, como a forma mais eficiente para torná-los mais pacíficos, além de facilitar a vida dos colonos pois au-
xiliariam em guerras contra tribos consideradas perigosas e hostis, além dos invasores franceses e holandeses
que possuíam grande interesse pelo território brasileiro.
É importante notar o ponto de vista indígena, muitas vezes atraídos para os aldeamentos com o objetivo de
fugir da escravidão imposta pelos colonos e das guerras praticadas por seus rivais.
Aldeamentos Indígenas
Os aldeamentos foram os locais de trabalho dos missionários, que buscavam catequizar as populações
indígenas. Utilizados como forma de atração, os aldeamentos normalmente estavam localizados próximos às
povoações coloniais, para incentivar o contato com os portugueses.
Entre os vários exemplos de estudo da língua indígena para a utilização como ferramenta de conversão é
possível citar os padres José de Anchieta e António Ruiz de Montoya.
O primeiro dicionário conhecido da língua Tupi foi escrito pelo padre José de Anchieta e publicado em 1595,
com o nome de “Arte de Gramática da Língua Mais Falada na Costa do Brasil”.

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Anchieta, que missionou no Brasil desde 1553, notava (como seus contemporâneos) a grande semelhança
da língua falada pelos indígenas do litoral: os tupis. Em uma carta de 1584, ele observa que todos os povos do
litoral “têm uma mesma língua que é de grandíssimo bem para a sua conversão”.
Seriam assim povos cuja identidade estaria associada à língua geral, como os jesuítas chamavam o “tupi
universal” que inventaram. Ao lado da inegável semelhança de todos os dialetos tupis, o agrupamento das
diversas “castas” resolveu-se na necessidade homogeneizadora que os primeiros missionários viam para lidar
com os grupos nativos.
Tratava-se de entender para transformar, compreender as culturas indígenas para substituí-las pelo Evange-
lho. Os jesuítas, desde cedo, determinaram que a catequese, ou a conquista das almas, seria mais facilmente
realizada se usassem da língua dos naturais. Assim, a Gramática da língua mais usada na costa do Brasil surge
com um instrumento da conversão do indígena.
O primeiro dicionário da língua Guarani foi escrito no ano de 1639 pelo padre António Ruiz Montoya. Publi-
cado em Madrid, no dicionário de 814 páginas traz cerca de 8.100 palavras. Não por acaso a publicação que
traduz para o castelhano recebeu o nome “Tesouro da Língua Guarani”.
Sobre a relação dos indígenas com os aldeamentos, como bem destacam Mota e Chagas8, ao tratar das re-
duções jesuíticas na região do Guairá (atual Paraná), os índios guarani, por seu lado, fizeram alianças, acordos
e guerras, no sentido de garantir sua liberdade.
É preciso lembrar que, quando fizeram aliança com os jesuítas, eles buscaram uma forma de não ser sub-
metidos, por exemplo, à servidão (encomiendas). Para entender a história da ocupação dos territórios do Guai-
rá, é preciso considerar as relações entre os diversos grupos: conquistadores e seus interesses, os Guarani,
os Kaingang (inimigos).
Com expedições denominadas de descimentos, os missionários convenciam os índios através da retórica
a descerem de suas aldeias para se juntarem a novos aldeamentos. Pela legislação, o aldeamento garantia a
liberdade indígena, no entanto, nesse ambiente, os indígenas foram forçados a adaptar-se a novos elementos
culturais, sofrendo interferência religiosa e moral. Eram obrigados a trabalhar e por lei deveriam receber paga-
mento, uma nova realidade completamente diferente da sua tradição.
Os jesuítas nunca foram contrários ao trabalho indígena e, muito menos, à sua inserção no mundo colonial.
O que eles não sustentavam era a servidão natural dos mesmos e a sua escravização, salvo por motivo de
“guerra justa”.
Para os jesuítas, o objetivo final da catequização e conversão começava a mostrar seu sucesso a partir da
destruição e da perda dos costumes dos povos indígenas.
O modelo, tal como inaugurado pelos jesuítas, perdurou ao longo de todo o período colonial, embora tenha
sofrido significativas alterações com a política indigenista pombalina, inaugurada com o Diretório dos Índios
(1757-1758), que já apostava na secularização das aldeias, e reforçada após a expulsão dos jesuítas em 1759-
60.
Diretoria-Geral e Diretorias Parciais dos Índios.9
A criação das Diretorias Gerais e Parciais dos Índios por todo o território brasileiro foi originada por meio do
Regulamento das Missões de Catequese e Civilização dos Índios criado pelo Decreto n° 426 de 24 de julho de
1845.
As Diretorias dos Índios tinham como responsabilidade as mediações entre os índios e os Governos Imperial
e Provincial.
Segundo o Regulamento, cada Província teria um Diretor Geral de Índios, nomeado pelo Imperador que de-
veria interagir com o respectivo Presidente da Província para algumas questões, como por exemplo, requisitar
os objetos que o Governo Imperial enviasse para os índios, a fim de distribuí-los pelos Diretores das Aldeias e
pelos Missionários.

8 Chagas, Nádia Moreira; Mota, Lúcio Tadeu. O Guairá nos Séculos XVI e XVII – As Relações Intercultu-
rais http://projetos.unioeste.br/projetos/cidadania/images/stories/ArquivosPDF/biblioteca/O_Guair_nos_sec._
XVI_e_XVII_.pdf
9 http://www.ambienteterra.com.br/paginas/indio/seusdireitos.html

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Com relação à Assembleia Provincial, deveria propor “a criação de Escolas de primeiras Letras para os lu-
gares, onde não baste o Missionário para este ensino”. As Aldeias eram controladas por um Diretor, nomeado
pelo Diretor Geral.
Tanto o Governo Imperial e quanto o Governo Provincial seriam juridicamente responsáveis pela Diretoria.
Essa divisão de responsabilidade apenas aconteceu a partir do Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, que alte-
rou a constituição e, dentre outros, criou as Assembleias Legislativas Provinciais, delegando-lhes competências
legislativas e materiais, ou seja, competência de editar leis e de colocá-las em prática, incluindo a de elaborar
as leis orçamentárias e a de “promover, cumulativamente com a assembleia e o governo geral, a organização
da estatística da província, a catequese, a civilização dos indígenas e o estabelecimento de colônias”.
Na Província de São Paulo, o Diretor Geral dos Índios nomeado pelo Imperador foi o Brigadeiro José Joa-
quim Machado de Oliveira, que, por sua vez, deveria nomear diretores leigos para cada aldeia indígena da
província.
Machado de Oliveira se posicionava a favor da vertente que via a catequese e civilização como saída do
estado de barbárie, contrariando aqueles que não acreditavam ser possível qualquer mudança. Mesmo que o
Regulamento das Missões fosse um passo a favor dessa vertente, ainda assim, era composto por ideias bas-
tante diversificadas.
O aldeamento de Itariri-SP chama atenção, por ser um dos poucos que Machado de Oliveira considerava ter
dado certo. Ele foi criado em 21 de janeiro de 1847, no município de Iguape, porque, segundo o diretor geral,
existiram famílias de indígenas Guarani Nhandeva, que deixaram as matas, em 1837 e ali se asilaram, vivendo
do trabalho braçal onde era este exigido, e talvez sob a condição de escravos.
Criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI)10
O Serviço de Proteção aos Índios (SPI), instituição criada pelo decreto nº 8.072, de 20 de junho de 1910
com o nome de Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN). Tinha por
tarefa a pacificação e proteção dos grupos indígenas, bem como o estabelecimento de núcleos de colonização
com base na mão de obra sertaneja.
As duas instituições foram separadas em 6 de janeiro de 1918 pelo decreto Lei nº 3.454, e a instituição pas-
sou a ser denominada SPI, que foi extinta em 1967 quando da criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
A origem do SPI estava nas redes sociais que ligavam os integrantes do Ministério da Agricultura, Indústria
e Comércio (MAIC), Apostolado Positivista no Brasil e Museu Nacional, pois o MAIC previu desde a sua criação
a instituição de uma agência de civilização dos índios.
As atividades das Comissões de Linhas Telegráficas em Mato Grosso deram notoriedade a Cândido Mariano
da Silva Rondon. Ele e outros militares positivistas que integravam redes de relações políticas regionais e na-
cionais, vinculadas a instituições civis e aparelhos governamentais, sediados na Capital Federal, se envolveram
numa polêmica pública relativa à “capacidade ou não de evolução dos povos indígenas”.
A partir de 1908, Rondon propôs que fosse criada uma agência indigenista do Estado brasileiro tendo por
finalidades:
a) estabelecer de uma convivência pacífica com os índios;
b) garantir a sobrevivência física dos povos indígenas;

10 BRASIL. Legislação indigenista. Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, 1993.


Ministério da Agricultura. Serviço de Proteção aos Índios. SPI/1953. Relatório das atividades do Serviço de
Proteção aos Índios durante o ano de 1953. Rio de Janeiro: Serviço de Proteção aos Índios, 1953.
Ministério da Agricultura. Serviço de Proteção aos Índios. SPI/1954. Relatório das atividades do Serviço de
Proteção aos Índios durante o ano de 1954. Rio de Janeiro: Serviço de Proteção aos Índios, 1954.
FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. Saudades do Brasil: Práticas e representações do campo indigenista no
século XX. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – PPGAS/MN, UFRJ, Rio de Janeiro, 2005.
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Sobre indigenismo, autoritarismo e nacionalidade: considerações sobre a
constituição do discurso e da prática da “proteção fraternal” no Brasil. In: OLIVEIRA, João Pacheco de (Org.).
Sociedades indígenas e indigenismo no Brasil. Rio de Janeiro: Marco Zero: Ed. UFRJ, 1987.

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c) estimular os índios a adotarem gradualmente hábitos “civilizados”;
d) influir “amistosamente” na vida indígena;
e) fixar o índio à terra;
f) contribuir para o povoamento do interior do Brasil;
g) possibilitar o acesso e a produção de bens econômicos nas terras dos índios;
h) empregar a força de trabalho indígena no aumento da produtividade agrícola;
i) fortalecer as iniciativas cívicas e o sentimento indígena de pertencer à nação brasileira.
As iniciativas do SPI envolviam a intervenção na vida indígena através de um ensino informal, a partir das
necessidades criadas, evitando-se influenciar a organização familiar. O objetivo era impedir conflitos entre
diferentes povos enquanto o SPI introduzia inovações culturais, prevendo possíveis mudanças nos locais de
habitação dos índios.
Foram estimuladas mudanças no trabalho indígena com a difusão de novas tecnologias agrícolas e o ensino
da pecuária, além da arregimentação de índios para os trabalhos de conservação das linhas telegráficas.
A experiência de Rondon no trato com povos indígenas e suas ideias positivistas sobre os índios, conver-
gentes com os projetos de colonização e povoamento definidos na criação do MAIC, originaram o convite que o
tornou primeiro diretor do SPI. Dessa forma, foi instaurado um novo poder estatizado que assegurava o controle
legal das ações incidentes sobre os povos indígenas. Esse poder foi formalizado na malha administrativa do
SPI, a partir de um código legal (regimentos, decretos, código civil, etc.).
Para a administração da vida indígena foi formalizada uma definição legal de índio, através do Código Civil
de 1916 e do Decreto nº 5.484, de 1928. Os indígenas tornaram-se tutelados do Estado brasileiro, um direito
que implicava num aparelho administrativo único, mediando as relações índios/Estado/sociedade nacional.
A terra, a representação política e o ritmo de vida foram administrados por funcionários estatais, com os
índios adotando uma indianidade genérica.
Os indigenistas do SPI trabalharam em diferentes tipos de postos indígenas (de atração, de criação, de
nacionalização, etc.), assim como em povoações e centros agrícolas. Dependendo de recursos financeiros e
políticos, o SPI adotou um quadro funcional heterogêneo, envolvendo desde militares positivistas a trabalhado-
res rurais sem qualquer formação. A pedagogia nacionalista empregada por esses agentes controlava as de-
mandas indígenas, mas podia resultar em situações de fome, doenças e de população, contrárias aos objetivos
do Serviço.
A ação do SPI foi marcada por contradições identificadas como “paradoxos indigenistas”, pois tinha por ob-
jetivo respeitar as terras e a cultura indígena, mas agia transferindo índios e liberando territórios indígenas para
colonização, impondo uma pedagogia que alterava todo o sistema produtivo indígena.
De 1910 a 1930, o SPI fez parte do então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio; de 1930 a 1934,
esteve ligado ao Ministério do Trabalho; de 1934 a 1939, foi integrado ao Ministério da Guerra, como parte da
Inspetoria de Fronteiras; em 1940 voltou ao Ministério da Agricultura e, mais tarde, passou para o Ministério do
Interior. Em 1939, foi criado o Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI) com o objetivo de atuar como
órgão formulador e consultor da política indigenista brasileira.
A ideia seria a de que o SPI daí por diante teria somente atribuições executivas, o que não ocorreu. A atua-
ção do SPI se concentrou na pacificação de grupos indígenas em áreas de colonização recente. Em São Paulo,
Paraná, Espírito Santo, Mato Grosso e outras regiões foram instalados postos indígenas.
Após a consolidação da pacificação eram feitas negociações com os governos estaduais para a criação
de reservas de terras para a sobrevivência física dos índios. Progressivamente eram introduzidas atividades
educacionais voltadas para a produção econômica e ações destinadas a atender as condições sanitárias dos
índios.
O SPI buscou garantir a posse de terras aos índios através da concessão de terras devolutas. Inúmeras
propostas foram feitas pelo SPI de criação de terras indígenas e que foram negadas pelos governos estaduais.

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Nos postos indígenas eram instaladas oficinas mecânicas, engenhos de cana-de-açúcar e casas de farinha,
e os índios treinados em diversos ofícios. As crianças eram enviadas as escolas dos postos, sendo que estas
também recebiam filhos de colonos de empregados dos postos e crianças da população vizinha, o que permitia
um processo de integração da população.
O SPI enfrentou durante toda a sua existência problemas de carência de recursos e dificuldades de qualifica-
ção de seu pessoal. A atuação do órgão acabou por gerar resultados opostos a sua proposta. Eram frequentes
as denúncias de casos de fome, doenças, assassinatos e escravização. No início da década de 1960, sob a
acusação de genocídio, corrupção e ineficiência o SPI foi investigado por uma Comissão Parlamentar de In-
quérito (CPI).
O processo levou à demissão ou suspensão de mais de cem funcionários de todos os escalões. Em 1967,
durante o regime militar, o SPI e o CNI (Confederação Nacional da Industria) foram extintos e substituídos pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Assistência Sanitária
A disseminação de doenças e a ocorrência de epidemias para as quais os povos em guerra ou dominados
tinham baixa imunidade contribuiu para a conquista dos povos indígenas do Brasil na época colonial. O contá-
gio da varíola, gripe, tuberculose, pneumonia, coqueluche, sarampo e outras viroses levaram à dizimação de
inúmeros povos indígenas, à mortandade de milhares de índios.
Nas primeiras décadas do século XX, essa realidade não foi alterada: nos grupos recém-contatados pelo
SPI, aldeias inteiras foram destruídas por doenças pulmonares. Ao causar alta mortalidade, o pós-contato ini-
ciava o desequilíbrio das condições de sobrevivência de um povo que já enfrentava doenças endêmicas como
verminoses e malárias, passando a conviver com a desnutrição, a dificuldade de produção de alimentos e a
falta de cuidados sanitários.
O SPI dificilmente conseguia controlar, estabilizar e melhorar a condição sanitária de povos indígenas que
enfrentavam surtos epidêmicos. Em campo, no início dos anos 50, o antropólogo Darcy Ribeiro foi testemunha
da morte de dezenas de índios Urubu Kaapor dizimados por sarampo e coqueluche. Os postos indígenas pos-
suíam alguns medicamentos, mas a maioria de seus encarregados eram leigos em assistência sanitária.
Assistência Educacional
Dos antigos aldeamentos missionários aos postos indígenas do SPI, a alfabetização de crianças e adultos
indígenas visava consolidar a sedentarização de um povo. Esse processo pedagógico envolvia cultos cívicos,
aprendizado de trabalhos manuais, técnicas da pecuária e novas práticas agrícolas. Pressupunha também no-
vos cuidados corporais, como o uso de vestimentas e o ensino de práticas higiênicas.
Os postos indígenas instalavam oficinas mecânicas, engenhos de cana e casas de farinha, treinando os ín-
dios em diversos ofícios, além de investir na educação para transformar os índios em trabalhadores nacionais.
Desde o século XIX, crianças indígenas eram enviadas para as escolas de artífices existentes nas capitais
estaduais como ocorreu em Manaus na gestão do SPI.
A política de “nacionalização” dos índios esteve presente em quase todos os postos, onde a professora das
crianças indígenas era quase sempre a esposa do encarregado, orientando essas crianças para a integração
à população regional à medida que aceitavam também como alunos os filhos de colonos, dos empregados do
posto e de fazendas vizinhas. Essas escolas não se diferenciavam das escolas rurais, do método de ensino
precário à falta de formação do professor, predominando a formação de índios como produtores rurais voltados
para o mercado regional.
Assimilacionismo Cultural
No dicionário a palavra assimilacionismo recebe a seguinte definição: “corrente que preconiza a assimilação
de culturas periféricas pelas culturas dominantes”11.
Por assimilacionismo entendemos que um determinado grupo cultural minoritário num processo de “decul-
turação” esquecem os traços da sua cultura de origem e, simultaneamente, adquirem os da cultura dominante.

11 https://bit.ly/2v73uqH

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Tem como base uma perspectiva ideológica que considera uma cultura superior à outra e supõe um papel
passivo das culturas mais fracas: muitas vezes, ao grupo mais fraco exige-se mesmo que adote os traços do
grupo dominante. Neste caso, uma das culturas elimina efetivamente a outra (ajustamento por eliminação).
Na prática, no entanto, verifica-se que só alguns aspectos da cultura subordinada são eliminados em favor da
cultura dominante.
Em termos de comunidades migrantes, culturalmente diferentes e minoritárias, portanto mais fracas, a forma
de reação a esta situação parece depender de duas condições:
- primeiro, que haja uma opção clara e vigorosa dos indivíduos candidatos à integração, de se inserirem na
sociedade de acolhimento;
- segundo, que haja uma opção coletiva suficientemente clara e explícita da sociedade de acolhimento para
reconhecer a identidade cultural própria e um estatuto de igualdade aos novos integrados.
Museu do Índio (anos 1950)12
O Museu do Índio foi criado, em 1953, no Serviço de Proteção aos Índios – SPI, agência do Governo encar-
regada de dar assistência aos índios no Brasil.
No início da década de 60, o Museu foi transferido para o Conselho Nacional de Proteção aos Índios – CNPI,
órgão responsável pelo assessoramento e formulação da política indigenista oficial da época. Em 1967, o
Governo militar resolveu reunir o SPI, o CNPI e o Museu em um único órgão, a Fundação Nacional do Índio -
FUNAI, onde a instituição está inserida até hoje.
Atualmente, o Museu do Índio é uma importante instituição de pesquisa sobre línguas e culturas indígenas.
Tem sob sua guarda documentos relativos à maioria das sociedades indígenas contemporâneas, constituídos
de 15.840 peças etnográficas e 15.121 publicações nacionais e estrangeiras, especializadas em etnologia e
áreas afins. Seus diversos Serviços são responsáveis pelo tratamento técnico de 76.821 registros audiovisuais
e 833.221 documentos textuais de valor histórico e contemporâneo.
Sob a direção do antropólogo Darcy Ribeiro, o Museu do Índio foi inaugurado no dia 19 de abril de 1953, no
Rio de Janeiro.
O prédio já foi residência oficial na época do império e abrigou, entre outras figuras políticas, o marechal
Rondon, pioneiro na política indigenista no País. Em 1865 o imóvel foi doado para abrigar um órgão de pesqui-
sas sobre as culturas indígenas brasileiras. Em 1910, se tornou sede do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e,
entre 1953 e 1978, foi sede do Museu do Índio. Em 1978, o museu foi transferido para o bairro de Botafogo, na
zona sul.
A abertura do Museu do Índio não representou apenas um novo espaço para divulgação da cultura indígena.
Ele exibia a temática indígena conjugada a um novo estilo museográfico, caracterizado pela elaboração de um
projeto prévio, onde tanto o tema quanto os equipamentos expositivos foram pensados de modo que o resulta-
do agradasse ao usuário.
Para tanto o prédio passou por uma reforma, assinada por um arquiteto de renome que criou um novo siste-
ma de iluminação, projetou as vitrines, distribuiu os espaços inserindo nele objetos e fotografias concatenados
com o tema. O Museu do Índio abre suas portas atraindo o público devido ao grande apelo visual, abrigando
em sua dependência arquivo textual, audiovisual e espaços para dinâmicas educativas.
Provido de uma infraestrutura que conjugava conforto e conteúdo documental, o Museu do Índio, repre-
sentado por Ribeiro, se lança como um novo fórum de debates para as políticas indigenistas até centrada no
Museu Nacional marcadamente pela atuação de Heloisa Alberto Torres. Ribeiro não apenas assina a Certidão
de Nascimento do Museu do Índio como é também responsável pelas primeiras coleções etnográficas autorais
daquela instituição.

12 LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.


MOREIRA, Ruy. A Nova Divisão Territorial do Trabalho e as Tendências de Configuração do Espaço Bra-
sileiro. In: LIMONAD, Ester; HAESBAERT, Rogério & MOREIRA, Ruy (org.) Brasil Século XXI, por uma nova
regionalização. São Paulo: Max Limonad, 2004.

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O casarão que abriga, atualmente, o Museu do Índio/FUNAI foi tombado como patrimônio de preservação
cultural do país em 22 de fevereiro de 1967. Vinte anos depois, a construção também passou a ser considerada
patrimônio do município do Rio de Janeiro, pelo decreto 6.934, de 9 de setembro de 1987.
A história e trajetória do Museu do Índio é peculiar, por ter surgido de um órgão voltado à proteção das po-
pulações indígenas, que desenvolveu uma seção de estudos, que não tinha como finalidade a pesquisa aca-
dêmica; e sim pesquisas para dar um respaldo ao SPI. Essas pesquisas acabaram construindo um acervo, que
gerou um processo museológico. Desde sua existência o museu esteve vinculado às pesquisas, salvo alguns
momentos em que mudanças na estrutura impediram essa aproximação.
Parque Nacional do Xingu (anos 1960)
A criação do Parque do Xingu resultou de um longo processo de luta entre instituições do Estado brasileiro
e setores da sociedade civil envolvendo o controle territorial e/ou privatização de terras. Sua superfície corres-
ponde a uma pequena parcela da vasta região onde se encontrava presente, já no início do século XX, uma
variedade significativa de etnias indígenas localizadas na bacia do alto rio Xingu no estado brasileiro de Mato
Grosso.
A partir dos anos 40 foi sendo sistematizado o contato entre setores da sociedade nacional, mais precisa-
mente indigenistas com os grupos indígenas. Um posto de assistência do órgão oficial encarregado da tutela
aos grupos indígenas no Brasil - o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) foi criado e instalado no Alto Xingu.
Em 1952 foi apresentado ao Congresso Nacional um Anteprojeto para a criação de um parque nacional na
referida região. Neste projeto estava previsto um perímetro bem maior que o atual, incluindo uma zona tampão
de amortecimento do contato com as frentes de expansão, de proteção às nascentes da bacia hidrográfica e da
preservação do meio ambiente imediatamente circunvizinho à região ocupada pela população indígena.
Em 1961 foi criado pelo governo federal no alto Xingu o Parque Nacional do Xingu. Em 1973 é, por força do
Estatuto do Índio, alterado na sua condição jurídica para parque indígena. A lei 6.001 de 1973 em seu artigo
28 define:
Parque Indígena é a área contida em terra para posse dos índios, cujo grau de integração permita assistên-
cia econômica, educacional e sanitária dos órgãos da União, em que se preservem as reservas de flora e fauna
e as belezas naturais da região.
O novo status remeteu o Parque do Xingu à subordinação da FUNAI – Fundação Nacional do Índio e, por-
tanto, não mais subordinado ao IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Reno-
váveis, caso permanecesse como parque nacional.
Segundo a legislação ambiental brasileira parques nacionais correspondem a áreas geográficas extensas
e delimitadas, dotadas de atributos naturais excepcionais, objeto de preservação permanente, submetidas à
condição de inalienabilidade e indisponibilidade de seu todo.
Considerando-se a configuração do PIX (Parque Indígena do Xingu) em relação ao território mato-grossense
constata-se que este se encontra “ilhado”. Isto porque o Parque do Xingu sofre pressões constantes sobre sua
geografia e população, ao situar-se em meio à ocupação do seu entorno, por grandes fazendas do agronegó-
cio, pela mobilidade dos trabalhadores rurais e pelas novas cidades.
Ao longo desses últimos 60 anos, a consolidação do espaço rural e urbano do estado de Mato Grosso re-
sultou na expansão espacial da economia para o interior do Brasil, resultando em impactos socioambientais,
especialmente para o conjunto de etnias localizadas no Parque Indígena do Xingu.
A ampliação do PIX é atualmente uma das principais reivindicações de líderes indígenas endereçadas a
FUNAI - Fundação Nacional do Índio. O parque tem quase 30 mil quilômetros quadrados, embora seu território
atualmente seja muito menor do que o inicialmente previsto. Nas quatro décadas seguintes a sua criação, incor-
porou algumas pequenas áreas, porém não suficiente para incluir as nascentes da bacia hidrográfica e evitar a
pressão do desmatamento e da progressiva influência do complexo do agronegócio.
A leitura do atual mapa de uso e ocupação do Mato Grosso revela a vulnerabilidade do Parque do Xingu e
de seus habitantes sobre o entorno ligado ao uso das terras pelo agronegócio. Esta pesquisa está se iniciando
e apresenta uma primeira leitura da análise geográfica sobre o Parque Indígena do Xingu nos tempos atuais.

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Recentemente uma série de fatos e eventos circunscritos à área de localização e influência da terra indí-
gena está relacionada aos equipamentos do território e à mobilidade da força de trabalho, fatos estes que se
inserem no grande projeto da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IRSA). Consolidando-se como liderança
regional, o Brasil passa a investir e coordenar um programa de integração da infraestrutura regional (IRSA) com
apoio das instituições multilaterais: BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), BIRD (Banco Internacio-
nal para Reconstrução e Desenvolvimento), CAF (Bando de Desenvolvimento da América Latina) e agências
de desenvolvimento europeias, japonesas etc.
Tal processo é mutuamente reforçado pelo aumento da integração econômica regional, comercial, financeira
e produtiva. E o Parque do Xingu está bem no âmago e no centro destas territorialidades. O efeito mais imediato
conforme dados que serão apresentados é o da urbanização do território.
Assim, argumenta-se com base nos dados referentes aos impactos socioambientais presentes na atualidade
do território indígena sobre três condições:
- a geografia do território oficial do parque do Xingu;
- o significado da transformação de parque nacional em parque indígena; e
- os efeitos do processo de urbanização extensiva e da consolidação do agronegócio sobre as etnias e seus
descendentes localizados no referido território indígena.
A ideia de criação do Parque tomou forma numa mesa-redonda convocada pela Vice-Presidência da Re-
pública em 1952, da qual resultou um anteprojeto de um Parque muito maior do que o que veio finalmente a
se concretizar. A despeito dos poderes legislativo e executivo do Mato Grosso estarem representados nessa
mesa-redonda, inclusive por seu governador, o estado começou a conceder, dentro desse perímetro, terras a
companhias colonizadoras.
Por isso, quando foi finalmente criado o Parque Nacional do Xingu, pelo Decreto nº 50.455, de 14/04/1961,
assinado pelo presidente Jânio Quadros, sua área correspondia a apenas um quarto da superfície inicialmente
proposta. O Parque foi regulamentado pelo Decreto nº 51.084, de 31/07/1961; ajustes foram feitos pelos De-
cretos nº 63.082, de 6/08/1968, e nº 68.909, de 13/07/1971, tendo sido finalmente feita a demarcação de seu
perímetro atual em 1978.
Tendo em vista os povos que lá habitam, pode-se dividir o Parque Indígena do Xingu em três partes:
- uma ao norte (conhecida como Baixo Xingu);
- uma na região central (o chamado Médio Xingu); e
- outra ao sul (o Alto Xingu).
Na parte sul ficam os formadores do rio Xingu; a região central vai do Morená (convergência dos rios Ronuro,
Batovi e Kuluene, identificada pelos povos do Alto Xingu como local de criação do mundo e início do Rio Xingu)
à Ilha Grande; seguindo o curso do Rio Xingu, encontra-se a parte norte do Parque.
Na década de 80, tiveram início as primeiras invasões de pescadores e caçadores no território do PIX. Ao
final dos anos 90, as queimadas em fazendas pecuárias localizadas a nordeste do Parque ameaçavam atin-
gi-lo e o avanço das madeireiras instaladas a oeste começou a chegar perto dos limites físicos definidos pela
demarcação.
Ademais, a ocupação do entorno começava a poluir as nascentes dos rios que abastecem o Parque e que
ficaram fora da área demarcada. Nesse processo, fortaleceu-se entre os moradores do PIX a percepção de que
está a caminho um incômodo: o Parque vem sendo cercado pelo processo de ocupação de seu entorno e já se
evidencia como uma “ilha” de florestas em meio ao pasto e a monocultura na região do Xingu.
A questão da fiscalização do território é presença certa na agenda dos assuntos políticos do Parque, sendo
discutida tanto em encontros de lideranças e assembleias da ATIX (Associação Terra Indígena Xingu) como
na interlocução com a FUNAI e os órgãos ambientais federal (IBAMA) e estadual (Fundação Estadual do Meio
Ambiente - FEAM).
Para tanto, foi montada uma infraestrutura dos citados onze postos de vigilância para proteger as áreas que
propiciam um acesso direto ao Parque, como a intersecção dos principais rios com os limites do PIX e o ponto
em que a BR-080 margeia esses limites.

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No entanto, o sistema de postos, por si só, não é suficiente para enfrentar as situações criadas pelo entorno
e vem sendo complementado por outras ações, desenvolvidas no âmbito do Projeto Fronteiras, uma parceria
da ATIX com o ISA (Instituto Socioambiental).
O projeto compreende o mapeamento da dinâmica de desmatamentos, através de fotos de satélite, e da
identificação in loco de novos vetores de ocupação no entorno do PIX. Também inclui um trabalho de capaci-
tação dos Chefes de Postos, a restauração e manutenção dos marcos que estabelecem os limites físicos do
território e um banco de dados georreferenciados de todos os fazendeiros cujas propriedades fazem fronteira
com o PIX.
Dessa maneira, torna-se possível que os índios acompanhem de perto o que acontece nas fronteiras do
Parque e mobiliza as comunidades acerca das ameaças externas, tanto em discussões inter-aldeias, como
junto aos órgãos públicos responsáveis (FUNAI, IBAMA e o Governo Estadual).
O Indigenismo no Regime Militar (anos 1960 a 1980)13
Após o golpe civil-militar de 1964, um novo período econômico se iniciou no Brasil. Construções de grandes
obras (hidrelétricas, estradas e desmatamento de áreas para a criação de grandes latifúndios para pecuária)
se espalharam por todas as regiões do país, e no caminho desses projetos inúmeros povos com suas terras,
reconhecidas ou não, passaram a ser tratados como obstáculos para o desenvolvimento.
Nas regiões de fronteira agrícola, como a Amazônia e o Centro-Oeste, as terras indígenas eram invadidas
por criadores de gado, madeireiros ou garimpeiros. O Estado tinha pouco controle nessas regiões, e as violên-
cias contra os indígenas tinham, frequentemente, a conivência das autoridades locais.
As políticas indigenistas foram integralmente subordinadas aos planos de defesa nacional, construção de
estradas e hidrelétricas, expansão de fazendas e extração de minérios. Sua atuação foi mantida em plena
afinidade com os aparelhos responsáveis por implementar essas políticas: Conselho de Segurança Nacional
(CSN), Plano de Integração Nacional (PIN), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
A ação da FUNAI durante a ditadura foi fortemente marcada pela perspectiva assimilacionista. O Estatuto do
Índio (Lei nº 6.001) aprovado em 1973, e ainda vigente, reafirmou as premissas de integração que permearam
a história do SPI.
Com recursos escassos e mal contabilizados, a FUNAI continuou a operar, assim como o SPI, com profis-
sionais pouco qualificados. Não se concretizou a proposta de se realizar planejamentos antropologicamente
orientados, conduzidos por profissionais de formação sólida, bem pagos e comprometidos com o futuro dos
povos indígenas. O órgão foi permeado, em todos os níveis, por redes de relações pessoais, clientelistas e
corporativas, que remetem ao paternalismo e ao voluntarismo que dominaram o velho SPI.
Projetos como a construção das hidrelétricas de Itaipu e de Tucuruí, no Rio Tocantins, e a criação do maior
latifúndio do mundo no norte do Mato Grosso, em terra indígena Xavante, expulsaram centenas de comunida-
des e provocaram milhares de mortes nas aldeias. A abertura da rodovia Transamazônica BR- 230, planejada
para cortar o Brasil transversalmente, da fronteira com o Peru até João Pessoa na Paraíba, afetou de maneira
trágica 29 grupos indígenas, dentre eles, 11 etnias que viviam completamente isoladas.
Documentos e relatos colhidos durante as investigações recentes da Comissão Nacional da Verdade (CNV)
apontam que cerca de 8 mil indígenas foram mortos, em conflitos, crises de abastecimento ou epidemias trazi-
das pelos trabalhadores, em consequência da construção de quatro rodovias:
- a Transamazônica;
- a BR-174, que liga Manaus a Boa Vista;
- a BR-210, conhecida com Perimetral Norte; e
- a BR 163, que liga Cuiabá a Santarém.

13 Adaptado de http://memoriasdaditadura.org.br/indigenas/ e http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-in-


digenistas/orgao-indigenista-oficial/funai

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Essas estradas faziam parte do Plano de Integração Nacional (PIN), instituído em 1970, pelo presidente
Emílio Garrastazu Médici. O PIN previa que 100 quilômetros em cada lado das estradas a serem construídas
deveriam ser destinados à colonização. A intenção do governo era assentar cerca de 500 mil pessoas em agro-
vilas que seriam fundadas nesses locais.
O processo civilizatório imposto pela ditadura civil-militar incluía perseguição, criminalização, prisão e tortura
de lideranças indígenas que lutavam por seus territórios ou que tivessem comportamento considerado inade-
quado pela FUNAI.
Durante a ditadura, as comunidades indígenas encontraram entre os antropólogos, sertanistas e missioná-
rios ligados ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI) seus principais apoiadores para resistir às violências e
às ameaças cometidas pelo regime, pelos donos de terras e pelos colonos e trabalhadores do garimpo.
Os Índios e a Tecnologia14
A população indígena é formada por diferentes povos com hábitos, costumes e línguas distintas. Atualmen-
te o rápido avanço tecnológico tem permitido a aproximação entre os índios que ainda vivem em reservas e
o restante da população. O contato com os meios de comunicação, especialmente a televisão, o telefone e a
internet, colabora na busca pela adoção de um novo estilo de vida e na perda de antigos valores.
Há cerca de quatro anos, foi destaque na imprensa nacional e estrangeira a história de índios suruís que
vivem na reserva indígena Sete de Setembro, na divisa entre os Estados de Rondônia e Acre, fazendo uso
das novas tecnologias para defender a terra na qual eles vivem do desmatamento. Com a ajuda de GPS, eles
passaram a monitorar a posição de madeireiros ilegais.
Os dados são enviados para autoridades competentes, como Polícia Federal e Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), para que as providências cabíveis sejam tomadas. Foi quando os arcos e flechas deixaram de ser as
únicas ferramentas de defesa do território, e as novas tecnologias passaram a fazer parte do dia a dia de muitas
tribos indígenas.
A proximidade das comunidades indígenas aos centros urbanos faz com que os índios acessem os instru-
mentos disponíveis das tecnologias de informação e comunicação, trazendo esses recursos e os incluindo no
seu dia a dia e nas suas relações de sociabilidade. Essas mídias são adaptadas não levando em conta o fazer
dessa comunidade, ou seja, a formação do povo.
Muitas crianças e jovens são expostas desde cedo à televisão e à internet, o que pode ser considerado
natural para quem vive nas fronteiras culturais. O problema é que grande parte destas crianças só tem acesso
às produções culturais do ocidente. O conhecimento produzido pelos povos indígenas, nestes espaços que se
constituem com as novas tecnologias, fica do lado de fora.
Por outro lado, essas mídias têm servido para dar visibilidade e ‘guardar’ a história e a memória da comuni-
dade indígena, dentro de recursos tecnológicos que atraem o olhar do índio e também que fazem com que os
mesmos sintam-se incluídos no mundo, pois a cultura deles também é difundida para a sociedade.
Guardadas as devidas proporções, assim como nas outras regiões do mundo, do Brasil e da Amazônia, as
tecnologias invadiram o dia a dia das pessoas, seja pela mera cópia de um CD pirata, seja pelos aparelhos
sofisticados que passaram a fazer parte da vida pessoal e profissional dos indivíduos na contemporaneidade.
Da mesma maneira, os índios foram atraídos pelos encantos desses aparatos tecnológicos, levado pela proxi-
midade de suas aldeias, assim como sua inserção no convívio com as cidades urbanas.
Esse contato com as mídias foi incorporado à cultura indígena. Hoje é comum encontrar nas comunidades
Indígenas aparelhos de TV, filmadoras, DVDs, rádios, telefones celulares, câmeras e computadores. Algumas
populações indígenas passaram a utilizar e consumir produtos dessa sociedade informacional.

14 CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da Modernidade.3ª. Edição.
São Paulo: Edusp, 2000.
COSTA, Alda Cristina. O embate entre o visível e o invisível: a construção social da violência no jornalismo
e na política. 2010. Universidade Federal do Pará, Belém.
http://www.videonasaldeias.org.br/2009/.

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Não que isso seja um crime, pelo contrário, pode representar uma oportunidade de “capturar” as informa-
ções, os relatos e socializá-los de vez aos conhecimentos e a cultura indígena não somente para os índios mais
jovens, mas com toda a sociedade que desconhecem a riqueza dos primeiros habitantes do Brasil.
O jovem/adolescente Suruí transita por outros espaços e se constitui também em outras identidades, já que
ele pode ser um eleitor, um estudante, pode receber uma bolsa assistencial do governo, ter um número de ce-
lular, conviver com jovens da sociedade envolvente. Portanto, se essa tecnologia é uma realidade e adentrou
a vida dos índios Suruí, é preciso conciliar sua utilização com as tradições do povo, do mesmo modo que deve
ser aplicada como recurso didático na educação, levando em conta a memória e história do povo indígena.
Nem sequer pode-se atribuir aos meios eletrônicos a origem da massificação das culturas populares. Esse
equívoco foi apropriado pelos primeiros estudos sobre a comunicação, segundo os quais a cultura massiva
substituiria o culto e o popular tradicionais.
É interessante destacar que a noção de popular é reforçada nas mídias ainda levando em conta uma lógica
de mercado, ou seja, a mídia tem um papel central já que as pessoas necessitam do seu discurso para que
possam construir o sentido social da realidade.
E não é diferente com a comunidade indígena Suruí que passa compreender como importante ter sua histó-
ria e tradições serem narradas pelos diversos meios de comunicação. A mídia, neste sentido, não é apenas um
suporte tecnológico, mas uma instituição responsável por criar uma lógica de mundo, muitas vezes, não muita
clara, mas que exerce sentido na vida humana, pois influencia as relações sociais ou até cria novas formas de
sociabilidade.
Hoje, a imagem midiática começa na primeira idade das crianças e vai até o fim da sua vida, ditando as
intenções daqueles que trabalham para construir esses sentidos, sejam produtores anônimos ou ocultos: no
despertar pedagógico da criança, nas escolhas econômicas e profissionais do adolescente, nas escolhas tipo-
lógicas (a aparência) de cada pessoa, até nos usos e costumes públicos ou privados, às vezes como “informa-
ção”, às vezes velando a ideologia de uma escolha ou persuadindo os comportamentos. As crianças começam
a desenvolver algumas lógicas de pensamento a partir de uma programação televisiva.
Muitas crianças indígenas, mesmo vivendo com suas famílias, bem cedo são expostas à escola ocidental,
à televisão e até mesmo à internet, o que é natural para quem vive nas fronteiras culturais. O problema é que
grande parte destas crianças só tem acesso às produções culturais do ocidente. O conhecimento produzido
pelos povos indígenas, nestes espaços que se constituem com as novas tecnologias, fica do lado de fora. Ainda
que existam sociedades isoladas dentro da Amazônia, no Brasil, lembra a antrópologa Ivânia Neves, a maioria
dos povos indígenas mantém relações efetivas com a sociedade envolvente.
Já estabelecem, portanto, uma fronteira cultural com as instituições ocidentais (igreja, escola, televisão, rá-
dio, secretarias públicas, ONGs, entre outras). Nascidas dentro deste cenário, a grande maioria das crianças
indígenas vive hoje nestas fronteiras. Historicamente, o início do contato entre as sociedades indígenas e as
instituições ocidentais, além de terem resultado na morte de milhares de índios, quer seja por processos de
violência, quer seja por questões de saúde, representa quase sempre uma grande desestruturação política e
cultural para estas sociedades.
Este contato, no entanto, uma vez realizado estabelece uma nova e irreversível ordem para as sociedades
indígenas. Se as gerações mais velhas não dominavam a língua portuguesa, hoje, na realidade de muitas so-
ciedades, o que se observa é o fato de que as crianças falam apenas a língua portuguesa. Não podemos perder
de vista que existem grupos indígenas que não falam mais uma língua tradicional.
Ao se trabalhar a questão da tecnologia deve-se levar em conta que seus avanços produzem transforma-
ções na experiência cotidiana, estabelecendo novas relações de sociabilidade.
É interessante destacar que algumas experiências já vêm sendo realizadas com resultados positivos com
relação a inserção dos índios no mundo digital. Desde 1987 vem sendo realizado o projeto denominado Vídeo
nas Aldeias, na área de produção audiovisual indígena no Brasil, com o objetivo de apoiar as lutas dos povos
indígenas para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais, por meio de recursos au-
diovisuais.

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O uso do vídeo permite que as comunidades indígenas selecionem e fortaleçam manifestações culturais que
elas desejam tanto conservar para as futuras gerações quanto apresentar como parte de sua identidade. Ele é
um instrumento adaptado a formas tradicionais de produção e transmissão cultural apoiado na força da palavra
e na memória oral.
O Vídeo nas Aldeias surgiu como proposta das atividades da ONG Centro de Trabalho Indigenista, como um
experimento realizado por Vincent Carelli entre os índios Nambiquara, depois abrangendo outras aldeias bra-
sileiras. Hoje o projeto criou um importante acervo com mais de 70 filmes sobre os povos indígenas no Brasil.
A utilização das mídias também passa na concepção dos índios como instituições importantes de divulgação
de identidades e de visibilidades. É interessante destacar que os indivíduos e as formas de relação entre eles
são alimentados pela mídia porque a maior parte dos conhecimentos acerca do mundo, dos modelos de papel,
dos valores e dos estilos de comportamento chega à mente humana não pela experiência direta do mundo fí-
sico e das relações com os outros, mas cada vez mais pela mediação dos meios de comunicação. E diversas
questões passam a habitar a mente humana, a partir da discussão por esses meios. Esses meios se tornam
fundamentais como suportes de inclusão e exclusão sociais e de controle das coisas que acontecem no mundo.
Com o surgimento da Internet e seus adventos, o homem se deparou com um espaço que antes era difícil de
imaginar: um lugar onde pudesse exprimir suas ideias, pensamentos, opiniões, sua vida cotidiana, e ao mesmo
tempo, um lugar onde tudo isso poderia ser visto.
Dessa maneira, uma perspectiva onde a cultura ocidental ainda se sobrepõe sobre a indígena, é possível
hoje utilizar os recursos tecnológicos em benefício da comunidade, pois eles abrem novas possibilidades, prin-
cipalmente no sentido de que podem servir também para atrair e seduzir o mundo indígena, ou seja, contando
a história e memória do povo nos artefatos. Não é possível excluir esses recursos, mas é possível adaptá-los
para que sejam utilizados como instrumentos para comunidade, já que eles podem produzir o mundo deles e
divulgá-los para sociedade como um todo.

Dinâmica social no Brasil: estratificação, desigualdade e exclusão social

Todos sabemos, pela própria experiência do dia-a-dia, que nossa sociedade apresenta contradições: e de-
sigualdades. Nas grandes cidades por exemplo, ao lado de mansões luxuosas encontramos favelas e pessoas
morando embaixo de viadutos.
Vivemos, portanto, em uma sociedade profundamente desigual. Se quisermos fazer uma descrição desse
tipo de sociedade, podemos trabalhar com o conceito de estratificação social. Mas se nosso objetivo for analisar
historicamente os conflitos entre os diversos grupos que a compõem, devemos recorrer ao conceito de classes
sociais.
Seja qual for o método escolhido, é preciso levar em conta também que alguns indivíduos ou mesmo grupos
de pessoas podem mudar de posição social. Para estudar esses casos utilizamos o conceito de mobilidade
Social
Estratificação social
A expressão estratificação deriva de estrato, que quer dizer camada. Por estratificação social entende-se
a distribuição de indivíduos e grupos em camadas hierarquicamente superpostas dentro de uma sociedade.
Essa distribuição se dá pela posição social dos indivíduos, das atividades que eles exercem e dos papéis que
desempenham na estrutura social.
Na sociedade capitalista contemporânea, as posições sociais são determinadas basicamente pela situação
dos indivíduos no desempenho de suas atividades produtivas (capitalistas X proletários).
Contudo, nessa mesma sociedade os indivíduos podem desempenhar outros papéis e alcançar novas posi-
ções sociais como na religião que praticam, o partido político em que militam, as funções sociais que desempe-
nham, a profissão que exercem (médico x pedreiro).

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Principais tipos de Estratificação Social
1. Estratificação política. Estabelecida pela posição de mando na sociedade (grupos que têm poder e grupos
que não têm).
2. Estratificação profissional. Baseada nos diferentes graus de importância atribuídos a cada profissional
pela sociedade. P.E., em nossa sociedade a profissão de médico é muito mais valorizada que a de pedreiro,
motorista.
3. Estratificação econômica. É definida pela posse de bens materiais, cuja distribuição pouco equitativa faz
com que haja pessoas ricas, pobres e em situação intermediária.
Estratificação Econômica de uma Sociedade Capitalista
Dependendo do tipo de sociedade, esses estratos podem ser organizados em:
• Castas
• Estamentos
• Classes sociais.
Tipos de Sociedades Estratificadas
Castas Sociais:
Existem sociedades em que os indivíduos nascem numa camada social mais baixa e podem alcançar, com
o decorrer do tempo, uma posição social mais elevada. Esse fenômeno conhecido como mobilidade social.
Em contrapartida, existem sociedades em que, mesmo usando toda a sua capacidade e empregando todos
os esforços, o indivíduo não consegue alcançar uma posição social mais elevada. Nesses casos, a posição
social lhe atribuída por ocasião do nascimento, independentemente de sua vontade. Ele carrega consigo, pelo
resto da vida, a posição social herdada.
A sociedade indiana é estratificada dessa maneira. Há séculos, a população da Índia está distribuída em um
sistema de estratificação social rígido e fechado, que não oferece a menor possibilidade de mobilidade social.
É o sistema de castas
Enquanto nas sociedades ocidentais pessoas de níveis sociais diferentes podem se casar - o que não raro
possibilita a ascensão social de um dos cônjuges -, na Índia o casamento só é permitido entre pessoas da
mesma casta.
As castas são grupos sociais fechados, cujos membros seguem rigorosamente as tradições familiares. Um
indivíduo nascido em determinada casta deve permanecer nela pelo resto da vida. Sua posição social é defini-
da ao nascer. Além de direitos e deveres específicos, as pessoas não podem ascender socialmente mediante
qualidades pessoais, mérito ou realizações profissionais.
Pode-se esquematizar a estratificação social indiana por meio da seguinte pirâmide de castas:
No topo da pirâmide estão os brâmanes, que são os sacerdotes e os mestres da erudição sacra. Segundo
sua crença, a eles compete preservar a ordem social, estabelecida por orientação divina.
A seguir, distribuídos pela segunda casta, vem os Xátrias guerreiros que formam a aristocracia militar.
A terceira grande casta – a dos vaixas - é formada pelos comerciantes, artesãos e camponeses.
Os sudras, por sua vez, executam os trabalhos manuais e diversas tarefas servis. São uma casta deprecia-
da, tendo o dever de servir as três castas superiores.
Na base da pirâmide social ficam os parias, grupo de miseráveis, desprovidos de direitos e sem profissão
definida. Totalmente desprezados pelas demais castas, vivem da caridade alheia. Os parias não podem ba-
nhar-se nas águas sagradas do rio Ganges (o que é permitido as outras castas), nem ler os Vedas, que são os
livros sagrados dos hindus.

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Embora o sistema de castas tenha sido abolido oficialmente em 1947, quando a Índia conquistou a inde-
pendência sob a liderança de Mahatma Gandhi, basta percorrer o pais para constatar que, na prática, o antigo
regime sobrevive. Os indianos das castas superiores não aceitam perder seus privilégios, e os membros das
castas inferiores e os “sem castas” continuam sendo excluídos, rejeitados, privados de educação formal e de
outras oportunidades.
Cabem a eles as piores tarefas, como limpar fossas e lavar cadáveres.
Na segunda metade do século XX, reformas sociais e mudanças na economia da Índia, impulsionadas pela
industrialização, começaram a romper o sistema de divisão em castas.
Assim, nos grandes centros urbanos do pais, como Nova Delhi, Bombaim e Calcutá, a abolição do sistema
vem ocorrendo gradativamente. Entretanto, ele ainda perdura na maior parte da Índia rural.
Estamentos ou Estados
Um exemplo típico de sociedade estratificada em estamentos pode ser encontrado na Europa ocidental du-
rante a Idade Média (476-1453), sob a vigência do modo de produção feudal.
Estamento ou estado e uma camada social semelhante a casta, porém um pouco mais aberta. Na sociedade
estamental, a mobilidade social é difícil mas não impossível, como na sociedade estratificada em castas.
Na sociedade feudal, a ascensão era possível nos raros casos em que a Igreja recrutava seus membros
entre os mais pobres; quando os servos eram emancipados por seus senhores; no caso de o rei conferir um
título de nobreza a um homem do povo; ou, ainda, se a filha de um rico comerciante se casasse com um nobre,
tornando-se, assim, membro da aristocracia.
A pirâmide social da sociedade estamental durante o feudalismo europeu apresentava-se da seguinte ma-
neira:
No vértice da pirâmide encontravam-se nobreza e no alto clero. Eram os donos da terra da qual obtinham
renda explorando o trabalho dos servos. Os nobres dedicavam-se à guerra à caca, cuidavam da administração
do feudo e exerciam o poder judiciário em seus feudos.
O alto clero (cardeais, arcebispos, bispos, abades) era uma elite eclesiástica e intelectual.
Seus membros vinham da nobreza. Constituíam também a única camada letrada na primeira a fase do pe-
ríodo medieval, desempenhando importantes funções administrativas.
Abaixo da camada dos nobres, encontravam-se os comerciantes. Embora ricos, muitas vezes eles não ti-
nham os mesmos privilégios da nobreza. Além disso, suas atividades sofriam uma série de restrições legais.
Tais restrições foram desaparecendo à medida que o feudalismo entrou em declínio.
Mais abaixo estavam os artesãos, os camponeses livres e o baixo clero. Os artesãos viviam nas cidades,
reunidos em associações profissionais, as corporações de ofício; os camponeses livres trabalhavam a terra e
vendiam seus produtos agrícolas nas vilas e cidades; o baixo clero, originário da população pobre, convivia com
os pobres, com o povo, prestando-lhe assistência religiosa
Abaixo de todos estavam os servos, que trabalhavam a terra para si e para seus senhores, vivendo em con-
dições precárias; estavam ligados à terra, passando a ter novo se quando a terra mudava de dono.
A divisão da estrutura social em estamentos - tipo intermediário entre a casta e a classe – era encontrada na
Europa até fins do século XVIII.
Classe Social
Desenvolvido pelo pensador alemão Karl Marx, o conceito de classe social parte de premissas próprias,
segue critérios específicos e sua aplicação leva a conclusões totalmente diferentes das que podem ser encon-
tradas nos estudos que analisam a sociedade segundo o modelo descritivo da estratificação social.
Para Marx, a história da humanidade é “a história da luta de classes”. Segundo ele, portanto, a classe social
é acima de tudo uma categoria histórica. Quando Marx se refere as duas grandes classes do capitalismo - a
burguesia e o proletariado -, está designando duas forças motrizes e concretas do modo de produção capitalis-
ta, um sistema econ6mico historicamente determinado.

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O próprio Marx, no entanto, não reivindicava a descoberta das classes sociais nem da luta de classes, mas
sim a “demonstração de que a existência das classes só se liga a determinadas fases históricas de desenvol-
vimento da produção”. Marx atribula uma importância particular aos conflitos entre as classes. Para ele, são
esses conflitos que constituem o principal fator de mudança social. Esses movimentos, portanto, imprimiriam
movimento e dinamismo à sociedade.
Por outro lado, as classes sociais mudam ao longo do tempo, conforme as circunstâncias econômicas,
políticas e sociais. As contradições que mantêm entre si forjam e estruturam a própria sociedade. Quando os
conflitos chegam a um ponto insuportável, ocorre uma revolução que transforma a sociedade, modificando o
modo de produção.
Foi o que aconteceu, com o feudalismo: uma nova classe (a burguesia) derrubou um velho estamento (a
nobreza), gerando a sociedade capitalista. A Revolução Francesa de 1789 foi uma das expressões dessa trans-
formação.
Mas a nova sociedade capitalista, na concepção de Marx, já começou dividida em duas grandes classes
conflitantes: a burguesia (proprietária dos meios de produção) e o proletariado, ou classe operária, que só tem
de seu a torça de trabalho.
Essa divisão baseada no regime de propriedade faz com que uma classe seja dominante, e a outra, domi-
nada, numa relação sistemática de dominação e exploração.
Assim, a teoria das classes não se limita a descrever as divisões da sociedade em camadas, como faz o
modelo da estratificação social, mas procura explicar como e por que elas ocorrem historicamente. As classes
sociais só existem a partir da relação que estabelecem entre si. Nesse sentido, as classes são, além de an-
tagônicas, necessariamente complementares. A burguesia, por exemplo, não pode existir sem o proletariado.
Complementares, porque são elas que fazem funcionar o sistema. Antagônicas, porque uma delas (a bur-
guesia) se apropria do trabalho da outra (o proletariado), o que gera o conflito permanente.
As classes médias
Entre a burguesia e o proletariado existem outros grupos que se movem entre as duas classes fundamen-
tais, oscilando de uma para a outra. Alguns desses grupos são denominados genericamente de classes me-
dias, ou pequena burguesia.
A pequena burguesia constitui um setor muito numeroso, que abrange desde a dona de um pequeno arma-
zém até os pequenos e médios proprietários de terra, passando por todos os assalariados que trabalham em
escritórios, funcionários públicos e profissionais liberais.
Ao contrário da burguesia e do proletariado, que atuam diretamente na produção social entre as classes
médias misturam-se múltiplos papeis. Não se trata, portanto, de uma classe política e socialmente homogênea.
Segundo Karl Marx, essa heterogeneidade das classes médias explica por que, nos conflitos sociais e po-
líticos, elas oscilam tanto, ora apoiando os interesses da grande burguesia, ora apoiando os interesses dos
trabalhadores.
Mobilidade Social
Em maio de 1953, Lourenço Carvalho de Oliveira, nascido na pequena aldeia de Vigia, no norte de Portugal,
desembarcou no porto de
Santos, no litoral de São Paulo, depois de onze dias de viagem na terceira classe do transatlântico Vera Cruz.
Em sua terra, deixara a mulher e três filhos pequenos vivendo graças à solidariedade de parentes e vizinhos.
Foi morar de favor na casa de um primo e arrumou emprego como ajudante num bar. Economizou muito,
mandou buscar a família e conseguiu, depois de anos de trabalho e privações, abrir uma pequena venda em
sociedade com um amigo.
O negócio foi crescendo: primeiro uma mercearia, depois um mercado, a seguir um supermercado. Em
1988, 35 anos depois de chegar ao Brasil, o Sr. Lourenço era dono de uma grande rede de supermercados,
tendo se tornado um dos mais influentes membros da Associação Comercial de São Paulo. Seus filhos têm
curso superior e um deles é professor na Universidade de São Paulo.

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Essa história de vida mostra que os indivíduos, numa sociedade capitalista, podem chegar a ocupar diferen-
tes posições sociais - ou estratos - durante a vida. É possível que alguns deles, que integram o estrato de baixa
renda (camada C), passem a integrar o de renda média (camada B) ou mesmo o de renda alta (camada A).
Por outro lado, alguns indivíduos da camada A podem ter sua renda diminuída, passando a integrar as ca-
madas B ou C. Do ponto de vista sociológico, os dois fenômenos são caracterizados como manifestações de
mobilidade social.
Mobilidade social é a mudança de posição social de uma pessoa (ou grupo de pessoas) num determinado
sistema de estratificação social.
Tipos de Mobilidade Social
Quando as mudanças de posição social ocorrem no sentido ascendente ou descendente na hierarquia so-
cial, dizemos que a mobilidade social é vertical. Quando a mudança de uma posição social a outra se opera
dentro da mesma camada social, diz-se que houve mobilidade social horizontal.
Mobilidade Social Vertical
A mobilidade social vertical pode ser:
- ascendente ou de ascensão social - quando a pessoa melhora sua posição no sistema de estratificação
social, passando a integrar um grupo economicamente superior a seu grupo anterior;
- descendente ou de queda social- quando a pessoa piora de posição no sistema de estratificação, passando
a integrar um grupo economicamente inferior.
O filho de um operário que, por meio do estudo, passa a fazer parte da classe média é um exemplo de ascen-
são social. A falência e o consequente empobrecimento de um comerciante, em contrapartida, é um exemplo
de queda social.
Assim, tanto a subida quanto a descida na hierarquia social são manifestações de mobilidade social vertical.
Em uma sociedade aberta e democrática, é comum pessoas de um grupo social passarem para outro grupo,
mais ou menos elevado na escala social.
A esse fenômeno, que tanto pode ser ascendente como descendente, dá-se o nome de mobilidade social.
No Brasil, a chegada do ex-metalurgico Luiz lnácio Lula da Silva à Presidência da República, em janeiro de
2003, é expressão dessa mobilidade. Com ele, passaram a integrar o governo diversas pessoas provenientes
das camadas mais baixas da sociedade. É o caso, por exemplo, de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente,
que foi seringueira no Acre e só pode estudar a partir dos 17 anos.
Mobilidade Social Horizontal
Uma pessoa se muda do interior para a capital. No interior, ela defendia ideias políticas conservadoras; ago-
ra, na capital, sob novas influências, passa a defender as ideias de um partido progressista. Seu nível de renda,
porém, não se alterou substancialmente. A situação mostra uma pessoa que experimentou alguma mudança de
posição social mas que, apesar disso, permaneceu no mesmo estrato social.
Assim, a mudança de uma posição social dentro da mesma camada social caracteriza-se como mobilidade
social horizontal.
Democracia e Mobilidade Social
O fenômeno da mobilidade social varia de uma sociedade para outra. Em algumas sociedades ela ocorre
mais facilmente; em outras, praticamente inexiste no sentido vertical ascendente. É mais fácil ascender social-
mente nos Estados Unidos, por exemplo, do que no interior da índia, ainda dominado pela estratificação social
em castas.
A mobilidade social ascendente é mais frequente numa sociedade democrática aberta, que enaltece a esca-
lada rumo ao topo de indivíduos de origem humilde - como nos Estados Unidos -, do que numa sociedade de
tradição aristocrática, como a Inglaterra.
Entretanto, é bom esclarecer que, mesmo numa sociedade capitalista mais aberta, a mobilidade social verti-
cal não se dá de maneira igual para todos os indivíduos. A ascensão social depende muito da origem de classe
de cada indivíduo.

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Alguém que nasce e vive numa camada social elevada tem mais oportunidades e condições de se manter
nesse nível, ascender ainda mais e se sair melhor do que os originários das classes inferiores.
Isso pode ser facilmente verificado no caso dos jovens que pretendem fazer o curso superior. Aqueles que,
desde o início de sua vida escolar, frequentaram boas escolas e, além disso, estudaram em cursinhos prepara-
tórios de boa qualidade, têm mais possibilidades de aprovação nos vestibulares das universidades públicas e
privadas do que os jovens provenientes das classes de baixa renda.
Mobilidade Social no Brasil
A chance de uma criança de baixa renda de ter um futuro melhor que a realidade em que nasceu está, em
maior ou menor grau, relacionada à escolaridade e ao nível de renda de seus pais. Nos países ricos, o “eleva-
dor social” anda mais rápido. Nos emergentes, mais devagar - no Brasil, ainda mais lentamente.
O país ocupa a segunda pior posição em um estudo sobre mobilidade social feito pela OCDE (Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com dados de 30 países15.
De acordo com o estudo o elevador social está quebrado. Para promover mobilidade social, seriam neces-
sárias nove gerações para que os descendentes de um brasileiro entre os 10% mais pobres atingissem o nível
médio de rendimento do país. A estimativa é a mesma para a África do Sul e só perde para a Colômbia, onde o
período de ascensão levaria 11 gerações.
O indicador da OCDE foi construído levando em consideração a “elasticidade intergeracional de renda”. Ou
seja, quanto o nível de rendimento dos filhos é determinado pelo dos pais. A instituição ressalta no estudo que
a simulação tem finalidade ilustrativa - para dar dimensão da dificuldade de ascensão social - e que não deve
ser interpretada como o tempo preciso para que um domicílio de baixa renda atinja a renda média.
Na média entre os países membros da OCDE, a chamada “persistência” da renda intergeracional é de 40%.
Isso significa que, se uma família tem rendimento duas vezes maior o que de outra, o filho terá, em média, ren-
da 40% mais alta que a da criança que veio da família de menor renda.
Nos países nórdicos, a persistência é de 20%. No Brasil, de 70%, conforme a pesquisa.
Mais de um terço daqueles que nascem entre os 20% mais pobres no Brasil permanece na base da pirâ-
mide, enquanto apenas 7% consegue chegar aos 20% mais ricos. Na média da OCDE, 31% dos filhos que
crescem entre 20% mais pobres permanecem nesse grupo e 17% ascendem ao topo da pirâmide.
Pai Pobre, Filho Pobre
Isso é o que o estudo chama de “chão pegajoso” (sticky floor): a dificuldade das famílias de baixa renda de
sair da pobreza.
Filhos de pais na base da pirâmide têm dificuldade de acesso à saúde e maior probabilidade de frequentar
uma escola com ensino de baixa qualidade.
A educação precária, em geral, limita as opções para esses jovens no mercado de trabalho. Sobram-lhes
empregos de baixa remuneração, em que a possibilidade de crescimento salarial para quem tem pouca qualifi-
cação é pequena - e a chance de perpetuação do ciclo de pobreza, grande.
Nesse sentido, a desigualdade social e de renda, destaca o levantamento, é definidora do acesso às opor-
tunidades que podem fazer com que alguém consiga ascender socialmente.
“Além do chão pegajoso, países como o Brasil têm também tetos pegajosos (sticky ceilings)”, acrescenta
Stefano Scarpetta, diretor de emprego, trabalho e assuntos sociais da OCDE, referindo-se às famílias de alta
renda.
O nível elevado de desigualdade também se manifesta sobre a mobilidade no topo da pirâmide. Aqui, é pe-
quena a probabilidade de que as crianças mais abastadas eventualmente se tornem adultos de classes sociais
mais baixas que a dos pais.

15 Camila Veras Mota. Brasil é o segundo pior em mobilidade social em ranking de 30 países. Institu-
to Humanitas Unisinos. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/579960-brasil-e-o-segundo-pior-em-mobilida-
de-social-em-ranking-de-30-paises.

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Scarpetta pondera que, ao contrário da tendência global de aumento da desigualdade, o Brasil conseguiu
reduzir suas disparidades na última década, até o início da recessão. O país fez pouco, entretanto, para corrigir
os problemas estruturais que mantêm em movimento o ciclo da pobreza - a qualidade precária da educação e
da saúde e a falta de treinamento para os milhões de trabalhadores de baixa qualificação.
“O Brasil fez um bom trabalho tirando milhões de famílias da extrema pobreza, com o Bolsa Família, por
exemplo. Falta agora fazer a ‘segunda geração’ de políticas”, disse o economista à BBC News Brasil.
Classe Média
Quando se analisa a mobilidade apenas do indivíduo, e não de uma geração a outra, o estudo da OCDE
verifica que, de forma geral, a classe média é o estamento com maior flexibilidade - para cima e para baixo.
No Brasil, a mobilidade da base da pirâmide para a classe média é maior do que em vários emergentes.
Essa ascensão, contudo, é frágil.
A estrutura do mercado de trabalho, com uma participação elevada do emprego informal, intensifica os
efeitos negativos das crises sobre a população mais vulnerável. Como aconteceu com parte da “nova classe
média” durante a última recessão, o desemprego pode ser um caminho de retorno à pobreza.
Mobilidade Social e Crescimento Econômico
O nível baixo de mobilidade social tem implicações negativas sobre o crescimento da economia como um
todo, diz o estudo da OCDE. Talentos em potencial podem ser perdidos ou subaproveitados, com menos inicia-
tivas na área de negócios e menos investimentos.
“Isso debilita a produtividade e crescimento econômico potencial em nível nacional”, ressalta o texto.
Um elevador social “quebrado” também se manifesta sobre o bem-estar social.
A percepção de que a oportunidade de ascensão depende de fatores que estão fora do alcance - como a
renda dos pais ou o acesso a educação - gera desesperança e sentimento de exclusão. Isso aumenta a proba-
bilidade de conflitos sociais, diz a pesquisa.
Tendência Global
O problema não é exclusivo dos países emergentes. Mesmo países ricos, com desempenho expressivamen-
te superiores ao do Brasil nos indicadores de educação - França, Alemanha - estão acima da média da OCDE
entre as estimativas do número de gerações necessário para que os 10% mais pobres atinjam a renda média.
“Por mais que esses países tenham bom desempenho no PISA (avaliação global do desempenho escolar),
esses índices são uma média. Países como a França, por exemplo, são bastante heterogêneos”, ressalta Scar-
petta.

Manifestações culturais, movimentos sociais e garantia de diretos das minorias

— Contracultura
Nos Estados Unidos e nos países da Europa Ocidental, entre as décadas de 1950 e 1960, muitos jovens
passaram a criticar os modos de vida tradicionais e a criar novos estilos de vida e de relações sociais. Esse
conjunto de contestações da juventude daquela época ficou conhecido como contracultura16.
O movimento da contracultura começou nos EUA, quando uma geração de intelectuais e poetas dos anos
1950 - a beat generation - passou a criticar os valores conservadores da sociedade estadunidense. Eles nega-
vam o individualismo e o consumismo do chamado american way ofl ife. Allen Ginsberg, William Burroughs e
Jack Kerouac são os nomes mais conhecidos desse movimento.
O último escreveu um livro bastante divulgado, On the road, de 1957 - que no Brasil foi lançado como Pé na
estrada. Na década de 1960, a contracultura continuou a expressar a rebeldia de jovens das classes médias
contra o consumismo, a cultura de massa, a sociedade industrial e a padronização dos comportamentos. Eles
também se mostravam insatisfeitos com o autoritarismo de seus pais e dos governantes.
16 História. Ensino Médio. Ronaldo Vainfas [et al.] 3ª edição. São Paulo. Saraiva.

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Estudantes e intelectuais passaram a incorporar reivindicações de grupos considerados minoritários, como
os negros, os homossexuais e as mulheres - todos em busca de seus direitos. Grande número de jovens se
engajou no movimento hippie. Usando roupas largas e coloridas e cabelos compridos e sem corte, os hippies
recusavam a sociedade industrial, massificante e de consumo.
Eles valorizavam o indivíduo, as ideias de paz, amor e liberdade e a vida comunitária. “Paz e amor” era o
lema deles. Pacifistas, eram contra a guerra e a violência e protestavam distribuindo flores. Em geral, defen-
diam o amor livre, rejeitando o casamento monogâmico tradicional.
Muitos não estudavam nem tinham emprego, viviam em comunidades onde comiam o que plantavam e pro-
duziam artesanato para vender. Alguns se aproximaram das religiões orientais.
— 1968
O auge do movimento da contracultura foi em 1968. Protestos de jovens e trabalhadores ocorreram nos
Estados Unidos, na Europa e na América Latina. Muitos estavam entusiasmados com a Revolução Cubana
(1959), a Independência da Argélia (1962) e a Revolução Cultural na China (1966).
Com o desejo de mudar o mundo, jovens de vários países passaram a recusar o consumismo capitalista
e o modelo de socialismo soviético. Nos EUA, milhões de jovens protestaram contra a Guerra do Vietnã. Nas
universidades, os estudantes organizaram protestos; fora delas, os hippies também defendiam o fim do conflito.
Na Europa, o movimento de rebeldia mais conhecido foi o que aconteceu na França e ficou conhecido
como Maio de 1968. Em 22 de março, estudantes ocuparam a Universidade de Nanterre para protestar contra
a prisão de alguns colegas. Depois, tomaram o Quartier Latin, famoso bairro universitário em Paris, erigindo
barricadas. Em 13 de maio, as centrais sindicais comunista e socialista declararam greve.
Trabalhadores e estudantes uniram-se a elas, organizando um comando operário-estudantil. Em 20 de maio,
10 milhões de trabalhadores estavam em greve. Para contornar a situação, o governo Charles de Gaulle con-
vocou eleições, nas quais os chamados gaullistas saíram vitoriosos. De Gaulle acionou a polícia para recuperar
fábricas e universidades que haviam sido tomadas pelos revoltosos, perseguiu e prendeu líderes estudantis.
A partir daí, o movimento de Maio de 1968 recuou. Os protestos estudantis e operários de 1968 também
ocorreram no Brasil, no México, na Polônia, na Iugoslávia e na Tchecoslováquia. A repressão pôs fim à mobili-
zação em toda parte.
— Conquista dos Direitos Civis
Até meados dos anos 1950, vigorou a segregação racial contra os negros nos estados do sul dos EUA. Ha-
via escolas para brancos e escolas para negros, restaurantes e bares para brancos e restaurantes e bares para
negros, banheiros públicos para brancos e banheiros públicos para negros. Nos ônibus e nas praças públicas,
havia assentos reservados para os brancos e para os negros.
Em alguns estados sulistas, os negros encontravam dificuldades para exercer seus direitos políticos. Em
1954, a Suprema Corte dos EUA reconheceu que as escolas públicas para brancos recebiam mais recursos
dos governos estaduais, e ofereciam um ensino de melhor qualidade do que as escolas para negros. Os juízes,
então, declararam a inconstitucionalidade da segregação racial nas escolas: todas as crianças, brancas ou
negras, podiam frequentar qualquer escola.
Naquele ano, o negro Martin Luther King foi nomeado pastor de uma igreja batista em Montgomery, no es-
tado do Alabama. Em seu curso de pós-graduação, ele defendera uma tese sobre o movimento de resistência
pacífica liderado por Mahatma Gandhi, na Índia. Ele já tinha se tornado o maior defensor dos direitos da popu-
lação negra quando, em 1955, uma mulher negra, Rosa Parks, foi presa em um ônibus. Rosa estava sentada
e, pelas leis segregacionistas, deveria ceder seu lugar a um passageiro branco.
Ela se negou a fazê-lo e acabou detida pela polícia. Luther King, em represália, organizou um boicote da
população negra aos transportes urbanos em Montgomery. Foi preso e sua casa, atacada. A Suprema Corte
declarou, então, a inconstitucionalidade da segregação racial nos transportes públicos de todo o país. Foi um
avanço na luta contra a discriminação.

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Em resposta à resistência da população negra, a organização racista Ku Klux Klan empregou táticas de
terror. Mas o movimento contra a discriminação prosseguiu firme. Recorrendo à resistência pacífica, no início
de 1963, Luther King liderou grandes protestos dos negros por seus direitos civis. Em 1964, Luther King foi
vencedor do Prêmio Nobel da Paz. Em abril de 1968, ele foi assassinado a tiros.
A luta dos negros estadunidenses continuou e resultou no reconhecimento de seus direitos civis e na aboli-
ção da discriminação em todos os estados do país.
— Malcolm X e os panteras negras
Apesar de bem-sucedido na sua estratégia de luta, a liderança de King começou a ser contestada por se-
tores mais radicais do movimento negro, sobretudo sua proposta de integração e convívio pacífico com os
brancos. Outras lideranças surgiram, como Malcolm X. Filho de família pobre, tornou-se líder de um templo mu-
çulmano em Detroit e passou a pregar a dignidade dos negros. Era contra a estratégia da resistência pacífica.
Em fevereiro de 1965, foi assassinado.
Na segunda metade dos anos 1960, setores do movimento negro aderiram a propostas ainda mais radicais.
Entre elas estava a do Partido Pantera Negra para Autodefesa, fundado no final de 1966 em Oakland, na Cali-
fórnia. Sua maneira de luta era muito diferente da liderada por Luther King ou Malcolm X.
Os panteras negras não se amparavam na religião. Declaravam-se marxistas e maoistas e recorriam à vio-
lência em confrontos armados com a polícia. Foram duramente reprimidos e a maioria de seus líderes, presa.
O movimento desapareceu nos anos 1980.
— O Movimento Feminista
Nos anos 1960, não eram apenas os negros estadunidenses que lutavam por direitos civis. As mulheres tam-
bém reivindicavam igualdade perante os homens. Em 1963, elas constituíam 51% da população e um terço da
força de trabalho. Mas ganhavam menos, inclusive quando exerciam um trabalho igual ou ocupavam o mesmo
cargo que um homem.
Algumas funções pareciam impossíveis de serem ocupadas por uma mulher, em particular cargos de gerên-
cia e direção. As mulheres, além disso, eram minoria nos cursos superiores de graduação e pós-graduação.
Apesar das conquistas no campo político, em especial o direito de voto, obtido em 1918, o movimento feminista
perdeu o ímpeto a partir da década de 1920.
O renascimento ocorreu nos anos 1960. Em 1963, a ativista Betty Friedan publicou o livro The feminine mys-
tique (A mística feminina), em que atacava as ideias que reservavam para a mulher apenas o papel de dona
de casa e mãe. As feministas foram hostilizadas, insultadas e ridicularizadas. Muitos alegavam que a igualdade
entre os sexos destruiria a instituição do casamento e da família. Mas o movimento feminista enfrentou todos
os obstáculos com sucesso.
Em 1964, a legislação federal proibiu qualquer discriminação no trabalho por motivo de raça e também de
sexo. Nos anos seguintes, uma série de leis garantiu às mulheres direitos civis e a igualdade perante os ho-
mens, a exemplo da criminalização do assédio sexual no trabalho e da abertura da carreira militar para elas.
O movimento se expandiu por diversas partes do mundo, resultando em campanhas e leis específicas contra
a violência doméstica e a favor da equiparação das mulheres aos homens no tocante aos direitos civis.
Características
• Política fundamentada na profunda centralização de poder e no autoritarismo

• Controle da nação por meio dos Atos Institucionais, dispositivos contrários à Constituição Federal

• Intervenção estatal na economia, com desenvolvimento econômico nos padrões capitalista e tecnoburo-
crático, com dependência monetária internacional

• Princípios da Escola Monetarista (Industrialização Excludente)

• Modernização da infraestrutura (transporte, comunicação, energia e saneamento)

• Ampliação da linha de crédito para classes média e média-alta

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Movimentos sociais

• Movimento Sindical: ressurgiu a partir de 1974, confrontando a ditadura de forma mais direta e caracteri-
zando o fim dos anos 1970 como uma intensa onda de greves, que sofreram fortes repressões.

• Vanguarda Popular Revolucionária (VPR): movimento de guerrilha formado por militares dissidentes, cria-
do em 1966, contrário à postura do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e à sua inoperância diante ao Golpe de
1964.

• Movimentos das comunidades eclesiais de base: articulados pela Igreja Católica, especialmente pelos
adeptos à Teologia da Libertação, esses grupos denunciavam episódios de prisões políticas e torturas, reivindi-
cando direitos humanos mínimos.

• Associações de moradores: esses grupos se multiplicavam no período do regime militar, com o objetivo de
lutar por melhores condições de vida, principalmente em relação à saúde, educação e saneamento.

• Movimento sanitarista: naquele sistema, a saúde pública estava limitada a poucos e respaldada no Insti-
tuto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), fundado em 1974, para dar assistência
apenas aos trabalhadores das zonas urbanas e que possuíam registro em carteira, ou seja, previdenciários.

• Movimento estudantil: Impulsionados pela Reforma Universitária de 1968 e pelo Decreto no 477, que
suspendeu quaisquer manifestações estudantis, e, ainda pelo Ato Institucional n. 5 (AI5), os estudantes se
encarregaram da principal atuação no enfrentamento à ditadura. A União dos Estudantes (UNE) teve papel
fundamental nesse movimento.

Desenvolvimento econômico, concentração da renda e riqueza

O Estado na década de 197017


A década de 1970 foi marcada por uma intensa participação do Estado na economia em todo o mundo, espe-
cialmente no Brasil. Isso se deu, em grande parte, em virtude de empresas públicas oferecerem infraestrutura
para o setor privado. O Estado brasileiro durante 50 anos (1930–1970) criou e absorveu empresas do setor
privado por vários motivos, como nacionalismo econômico, socorro a empresas privadas, recursos insuficientes
por parte do setor privado em setores estratégicos da economia nacional e riscos elevados em investimentos
de infraestrutura com grandes períodos de maturação.
Martins (1985) aponta que a participação do Estado brasileiro na economia durante a década de 1970 foi
caracterizada por um movimento de forças centrípetas – de concentração de recursos no governo federal – e
de forças centrífugas – de disseminação de agências e empresas independentes e relativamente autônomas
para a alocação dos recursos supramencionados. Conforme o autor, somente de 1971 a 1976 foram criadas
131 empresas estatais, sendo 67 pela União, 59 pelos estados e 5 pelos municípios.
Havia cerca de 300 empresas estatais, somente no âmbito federal, em 1979. Essas empresas variavam des-
de bancos até siderúrgicas, empresas de petróleo, hotéis e outros setores. Segundo Pêgo Filho et al. (1999),
entre 1970 e 1981, a poupança bruta do setor produtivo estatal federal correspondeu a 3,68% do PIB, em mé-
dia, representando 18,68% de toda a poupança bruta do setor privado.

17 ARAÚJO, Wagner Frederico Gomes de. As estatais e as parcerias públicoprivadas: o Project Finance
como estratégia de garantia de investimentos em infraestrutura e seu papel na reforma do estado brasileiro. in:
PRÊMIO DEST MONOGRAFIAS: EMPRESAS ESTATAIS. Embrapa Informação Tecnológica, Brasília, DF.2009
- Adaptado

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Além disso, a década de 1970 caracterizou-se como um período de déficit público elevado para o equilíbrio
macroeconômico e de níveis de inflação acima do que seria desejado. Ademais, o expansionismo estatal levou
a grandes projetos de infraestrutura sob a responsabilidade do Estado, o que exigiu montantes de capital para
sua implementação.
A partir da primeira e, principalmente, da segunda crise do petróleo em 1973 e 1978, respectivamente, houve
uma deterioração das contas públicas da maioria dos países, gerando graves desequilíbrios macroeconômicos.
Nesse contexto, o Estado brasileiro perdeu praticamente toda sua capacidade de investimento, o que adveio do
progressivo endividamento público. No âmbito microeconômico, ocorreu uma forte contração dos empréstimos
e financiamentos externos a empresas nacionais, tanto estatais quanto privadas. As empresas estatais, portan-
to, não possuíam mais recursos disponíveis para grandes empreendimentos de infraestrutura. Essa redução
de despesas implicou uma deterioração do estoque de capital em infraestrutura e, consequentemente, gerou
estrangulamentos em setores importantes para a retomada do desenvolvimento econômico.
Em vários países, a reação às crises da década de 1970 foi seguida por processos de reforma do Estado,
com a diminuição de seu papel como provedor de infraestrutura, gerando uma onda de privatizações e conces-
sões ao setor privado. Na Grã-Bretanha, o lema tornou-se o rolling back the State durante o governo Thatcher
quando, além das privatizações, foram disseminados contratos de desempenho para os prestadores de ser-
viços de infraestrutura ou de utilidade pública (MACEDO; ALVES, 1997). Na Nova Zelândia, considerado um
dos países com reformas mais radicais, foram implementadas grandes mudanças macroeconômicas, com um
agressivo programa de privatizações, além da terceirização de várias atividades estatais (CARVALHO, 1997).
A estratégia das privatizações surgiu como tentativa de ajuste nas contas públicas, por meio da venda de
ativos produtivos do Estado, seja para redução do estoque da dívida pública, seja para redução da demanda
de recursos fiscais para gastos em infraestrutura. Dessa forma, uma das principais justificativas para a privati-
zação, no âmbito macroeconômico, foi o ajuste fiscal. Mais empresas privadas significavam, igualmente, maior
arrecadação tributária para o governo, o que também poderia contribuir para a melhora das contas públicas. No
plano microeconômico, as privatizações foram justificadas pelos ganhos de eficiência das empresas sob o con-
trole privado e sua maior capacidade de investir. Giambiagi e Além (2000) apontam que não se pode garantir
maior eficiência apenas pela transferência ao setor privado, não havendo diferenças significativas entre ambos,
sendo que o principal contraste é que as empresas estatais também têm um papel importante na política eco-
nômica do governo.
No Brasil, pode-se identificar três fases da privatização (PINHEIRO; GIAMBIAGI,1997):
a) Década de 1980 – A primeira fase se deu por um processo de reprivatizações, com o objetivo de sanear
a carteira do BNDES5, o que ocorreu sem a privatização de grandes empresas estatais. Essa fase permitiu ao
BNDES adquirir know-how para se tornar o principal agente de privatizações posteriormente.
b) De 1990 a 1995 – Em 1990, foi lançado o Plano Nacional de Desestatização (PND). Nessa fase ocorreu a
venda de empresas tradicionalmente estatais, além da privatização de setores inteiros. A privatização significa-
va ainda uma peça importante na estratégia do governo de ajuste macroeconômico. Grandes empresas, como
a Usiminas, escolhida para inaugurar o processo, foram privatizadas.
c) A partir de 1995 – Em 1995 foi aprovada a Lei de Concessões, estabelecendo regras para a exploração de
serviços públicos pelo setor privado, abrindo caminho para um processo de maciça privatização, principalmente
nos setores de infraestrutura e serviços públicos, como telecomunicações e energia elétrica.
Com a privatização dos serviços públicos, a partir de 1995, foi necessário um esquema de regulação das
empresas privadas que atendiam aos cidadãos, pois, a despeito de ser de iniciativa privada, os serviços públi-
cos têm que ser garantidos pelo Estado. O Estado simplesmente delega os serviços públicos ao setor privado
sob condições e prazos acordados, tendo o setor privado a obrigação de investimentos previamente definidos
(MOREIRA; CARNEIRO, 1994).
As estatais remanescentes tiveram seu papel estratégico exaltado, assumindo um papel seletivo, mas im-
portante na economia brasileira, como é o caso da Embraer ou da Petrobras. Ademais, sua gestão foi profissio-
nalizada, uma vez que se trata instituições de direito privado.

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Dessa forma, a interação entre o setor público e o setor privado, inclusive as estatais, tem que ser contínua,
pois a partir dessa interação será consolidada a posição do setor privado em infraestrutura. O fato de o Estado
brasileiro ainda ocupar um papel fundamental na economia nacional e a melhora do cenário macroeconômico
na década de 1990 criam condição para que se efetive a parceria público-privada nos setores de infraestrutura.
O Plano Metas e Bases Para a Ação do Governo (1970-1973)18
O plano Metas e Bases para a Ação do Governo (MBAG), foi adotado pelo governo federal durante o período
em que Médici estava na presidência, divulgado em outubro de 1970. O governo não pretendia criar um novo
plano imediatamente e, assim, o MBAG complementou-se com outros dois documentos: o Orçamento Pluria-
nual de Investimentos de 1971 a 1973 e o I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (1972 a
1974). Neste plano ficaria estabelecida a sistemática segundo a qual cada governo executaria o último ano do
Plano Nacional de Desenvolvimento, com as correções que julgasse necessárias.
O MBAG estabeleceu como prioridades nacionais para o período de 1970 a 1973 (auge do Milagre Econô-
mico) as seguintes: investimentos em educação, saúde, saneamento, agricultura e abastecimento e o avanço
no desenvolvimento científico e tecnológico.
O documento identificava como objetivo síntese o ingresso do Brasil no mundo desenvolvido até o final do
século (Brasil, 1970). Este objetivo síntese incorporava os seguintes objetivos básicos:
- crescimento econômico com elevação da taxa de crescimento do produto real para no mínimo 7 a 9% a.a.,
evoluindo para 10% a.a.;
- expansão do emprego para a ordem de 3,3% a.a.;
- controle da taxa de inflação;
- expansão das receitas de exportação;
- progresso social e melhoria na distribuição de renda;
- correção gradual de desequilíbrios regionais e setoriais;
- estabilidade política e segurança nacional.
O Plano Trienal (1963-1964)19
Em 1961 o presidente Jânio Quadros criou a Comissão Nacional de Planejamento (COPLAN) que coexistiu
por algum tempo com o Conselho de Desenvolvimento. Posteriormente, Celso Furtado, como Ministro Extraor-
dinário para o Planejamento, preparou o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social para o período
de 1963 a 1965, já durante o regime parlamentarista do governo de João Goulart. O plano foi criado com os
objetivos básicos de promover um desenvolvimento econômico rápido e estabilizar o nível de preços. Foram
propostas as seguintes metas:
- crescimento de 7% do PNB que deveria ser repassado aos salários reais com o objetivo de distribuir melhor
a renda;
- promoção das Reformas de Base (principalmente a Reforma Agrária);
- refinanciamento da dívida externa do país;
- redução progressiva da pressão inflacionária, de modo que em 1965 a elevação do nível de preços não
fosse superior a 10%;
- redução das desigualdades regionais dos níveis de vida;
- melhoria da qualidade do ensino.
Para o governo da época, a realização destas metas só seria possível mediante o controle do processo in-
flacionário, que se tornou o objetivo prioritário do plano. A origem da inflação foi associada ao período de cres-
cimento econômico de 1957 a 1961 com o aumento da participação do setor público na economia e também
devido aos problemas estruturais do setor externo vinculados ao processo de substituição de importações.

18 MATOS, Patrícia de Oliveira. Análise dos planos de desenvolvimento elaborados no Brasil após o II PND.
Dissertação (mestrado) Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2002. Adaptado
19 Idem

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O plano continha as seguintes metas para o controle inflacionário:
- redução do dispêndio público programado;
- captação de recursos do setor privado no mercado de capitais;
- política fiscal com aumentos progressivos da carga tributária.
O Plano Trienal possuía uma maior abrangência, programa e metodologia e modificou as concepções a res-
peito da política e programação econômica no Brasil. Este plano é considerado um marco histórico uma vez que
foi além da concepção plurissetorial, determinando linhas de ação com projeções globais da economia e tendo
como objetivo amplas modificações estruturais como: a distribuição de renda, melhoria de recursos humanos,
correção das disparidades regionais, organização do setor governamental e eliminação de entraves institucio-
nais. Os tipos de investimento priorizados no Plano Trienal incluíam a ampliação da base de recursos naturais
economicamente utilizáveis, o aperfeiçoamento do fator humano, investimentos sociais, estes da alçada do
setor público, e investimentos estruturais e infraestruturas como indicativos para o setor privado.
O Plano Trienal caracterizou-se ainda pelo seu caráter globalista e pelo fato de ter se ajustado ao quadro
das motivações que levam o Estado a participar diretamente do processo de formação de capital em suplemen-
tação ao setor privado. Alinhou-se também às motivações decorrentes do processo de coordenação geral da
economia, formulando diretrizes básicas para a orientação do crescimento econômico.
Contudo, Singer (1977) considera que o Plano Trienal não era um plano de desenvolvimento econômico e
social do país, mas apenas uma plataforma de ação do governo federal.
Para Bresser Pereira (1998), o Plano Trienal não teve condições políticas para ser aplicado, dada a crise que
o país atravessava no início dos anos 60 e que acabou culminando com o golpe militar em 1964. O Plano Trie-
nal conseguiu sobreviver apenas até meados de 1963, quando todo o ministério de João Goulart foi substituído.
Segundo Sandroni (2000), com relação aos planos anteriores, o Plano Trienal apresentou a vantagem de
partir de uma visão global da economia, mas a sua parte setorial não obedeceu a um esquema uniforme de
apresentação e muitos dos seus objetivos não foram definidos quantitativamente, sendo apresentados sob a
forma de diretrizes gerais.
Segundo Rossetti (1991), o Plano Trienal não descuidou da correção de desajustamentos, ao estabelecer
objetivos para o controle progressivo da pressão inflacionária, para a atenuação dos custos sociais do cresci-
mento econômico e para a redução das desigualdades regionais de níveis de vida.
Contudo, o Plano Trienal não logrou êxito, como o Plano de Metas, devido principalmente às pressões exer-
cidas por grupos populistas que impediam a implantação de medidas mais rigorosas de controle da inflação e
às pressões exercidas por classes economicamente dominantes que tentavam impedir as Reformas de Base.
Mesmo assim, o Plano Trienal contribuiu significativamente para o aprimoramento dos instrumentos de po-
lítica econômica.
O Plano de Ação Econômica do Governo (1964-1967)
O Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) teve a sua implantação a partir do início do regime militar
em 1964. Ele surgiu como uma reação das classes conservadoras contra as posições reformistas contidas no
Plano Trienal, porém atingiu níveis de agregação tão amplos quanto este. O plano procurava dar consistência
às estratégias de reformas econômicas do primeiro governo militar, o governo do general Castelo Branco.
O PAEG assumiu uma posição menos reformista, com traços predominantemente liberais e propostas de
caráter ortodoxo, mas sem abandonar a interferência governamental na economia, justificando a ação estatal
contida no plano a partir das deficiências do sistema de preços. As deficiências apontadas pelo plano foram as
seguintes: o livre jogo das forças de mercado não garante necessariamente a formação de um volume dese-
jável de poupança, o sistema de preços nem sempre incentiva investimentos em setores essenciais como por
exemplo, educação, transportes; e o sistema de preços não leva necessariamente a uma distribuição de renda
razoável entre pessoas e regiões.
Apesar disso, segundo o PAEG, o Estado não elimina o papel da livre empresa e do mecanismo de preços,
ele age apenas como regulamentador e tem um caráter meramente indicativo.

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O PAEG foi elaborado pelos ministros Roberto Campos e Otávio Gouvêa de Bulhões com base na ortodo-
xia e no arrocho salarial, mas conseguiu realizar reformas importantes que os outros governos não puderam
implantar, tais como: a reforma bancária, com a criação do Banco Central; a reforma do mercado de capitais; a
criação do FGTS e do BNH e a instituição da correção monetária.
O fato mais relevante a ser comentado sobre o PAEG é o de que este marca um período de transição na vida
política e econômica do país. Contudo, o PAEG não teve a pretensão de apresentar-se como um plano global
de desenvolvimento, mas apenas como um programa de ação coordenada do governo no campo econômico.
Estes traços liberais no entanto não correspondem às medidas implementadas no período de 1964 a 1966.
Nesta época, o número de empresas estatais aumentou muito (em 1966 35% das estatais existentes haviam
sido criadas sob a vigência do PAEG).
As principais medidas do PAEG referem-se às destinadas ao controle da inflação que vinha aumentando
muito desde 1959, chegando a atingir 90% em 1963. Estas medidas englobam a reforma tributária, com ele-
vação da tributação para reduzir a renda disponível, a redução das emissões monetárias, o estímulo às expor-
tações e redução das importações e um severo controle dos salários e dos juros. O diagnóstico da economia
brasileira como uma economia inflacionária também gerou a criação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional (ORTN) que permitiu ao governo a captação de recursos por via não inflacionária.
A inflação durante o período de vigência do PAEG foi diagnosticada como tendo componentes de demanda e
de custos e, segundo Sandroni (1999), a inflação de custos foi localizada no processo de substituição de impor-
tações, incentivado por barreiras alfandegárias. Para este autor, o protecionismo permitia um aumento espiral
nos custos dos setores substitutivos.
O PAEG atingiu seus objetivos no que se refere à redução da inflação, melhoria do saldo das contas públicas
e recuperação das exportações agrícolas, não conseguiu porém, evitar a recessão e o aumento do desempre-
go.
Segundo Tavares (1972), durante o período de 1964 a 1967 foram modificadas em profundidade as regras do
jogo institucional. Não só do setor público, como no que se refere aos mecanismos de acumulação interna das
empresas e aos esquemas de seu financiamento externo. Assim, a economia brasileira pôde voltar a crescer
em novas condições de financiamento, mantendo aparentemente, o mesmo padrão estrutural de crescimento,
apenas mais acentuadamente desequilibrado e concentrador. A natureza do problema central da acumulação
naquele período de transição consistia na necessidade de transferir excedentes dos setores atrasados ou pou-
co dinâmicos para os de maior potencial de expansão.
O Plano previa uma taxa anual de investimento bruto de 17% do produto, que, associada a taxas anuais
de depreciação de 5%, crescimento populacional de 3,5% e a uma relação incremental capital-produto de 2:1,
permitiria uma elevação da renda per capita de 2,5 % a.a.
Neste período também foi realizada a Reforma Administrativa, na qual foram introduzidas modificações de
largo alcance na estrutura do planejamento do país. Um dos objetivos da Reforma foi a institucionalização do
planejamento governamental, firmando a norma de que a ação do governo obedeceria a programas gerais e
setoriais de duração plurianual, elaborados através dos órgãos de planejamento, sob a orientação e coordena-
ção geral do presidente da república. A Reforma estabeleceu que o planejamento constituiria um dos princípios
fundamentais da administração federal, compreendendo a elaboração e atualização dos seguintes instrumen-
tos básicos:
- plano geral do governo;
- programas setoriais e regionais de duração plurianual;
- orçamento programa anual;
- programação financeira de desembolso.
A Constituição de 24/01/67 estabeleceu a competência do Congresso Nacional para dispor sobre os “planos
e programas nacionais, regionais e orçamento plurianuais” estipulando também que “as despesas de capital
obedecerão ainda a orçamentos plurianuais de investimento, na forma prevista em lei complementar” e que
“o orçamento consignará dotações plurianuais para a execução dos planos de valorização das regiões menos
desenvolvidas do país.”

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Alguns dos resultados macroeconômicos durante o período de vigência do PAEG podem ser analisados na
tabela:
Tabela. Brasil - variáveis macroeconômicas nos anos 60.

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (2002)


PIB*- Taxa de crescimento;
Taxa de Investimento* - Formação Bruta de Capital Fixo/PIB;
Inflação* - variação do IGP- DI;
Déficit Público* - Gov. Federal e Banco Central (títulos). Em R$ Milhões (deflator:
IGP-DI).
O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (1972-1974)
Em 15 de setembro de 1971 foi encaminhada ao Congresso, juntamente com o segundo Orçamento Pluria-
nual de Investimentos, a proposta do I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND). O I PND definiu os seguin-
tes objetivos nacionais:
- colocar o Brasil, no espaço de uma geração, na categoria de nação desenvolvida;
- duplicar, até 1980, a renda per capita do país (em comparação com 1969)
- expandir o PIB de Cr$ 222,8 bilhões em 1972 para Cr$ 314,5 bilhões em 1974 (a preços de 1972);
- investimentos nas áreas de siderurgia, petroquímica, transporte, construção naval, energia elétrica e mi-
neração;
- prioridades sociais: agricultura, programas de saúde, educação, saneamento básico e incremento à pes-
quisa técnico- científica;
- ampliação do mercado consumidor e da poupança interna com os recursos do PIS e do PASEP;
- aumento da taxa de investimento bruto de 17% em 1970 para 19% em 1974;
Para isto, pressupunha a manutenção de taxas anuais de crescimento do PIB de 8 a 10%; taxa de expansão
do nível de emprego de 3,2%, redução da taxa de inflação até o nível de 10%; disseminação dos resultados do
progresso econômico em termos sociais e regionais; estabilidade política e segurança interna e externa (Brasil,
1971).
O I PND foi elaborado durante a gestão do ministro do planejamento Reis Velloso, ainda no governo Médici,
e coincidiu com a expansão cíclica do período do Milagre Econômico. Segundo Furtado (1981), o extraordinário
crescimento da produção manufatureira brasileira, no período em que se convencionou chamar de “milagre”,
ocorreu sem que operassem modificações significativas na estrutura do sistema, ou sem que este alcançasse
níveis altos de capacidade de autotransformação.
O I PND foi baseado no binômio político ideológico de segurança e desenvolvimento e representou uma
ampla formulação do “modelo brasileiro de organizar o Estado e moldar as instituições”. Os projetos de de-
senvolvimento do I PND seriam completados com o PIN (Programa de Integração Nacional), cujos objetivos

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eram a construção da Rodovia Transamazônica e colonização das regiões por ela cortadas; ampliar para 40 mil
hectares a área irrigada do Nordeste e distribuir 70 mil títulos de propriedades rurais a posseiros e agricultores
sem-terra.
Segundo Sandroni (2000), ao final do triênio 72/74, confirmou-se o elevado grau de execução do I PND,
sobretudo na área econômica. Contudo, alguns projetos sociais tiveram um grau de execução bem abaixo do
previsto. Dos 40 mil hectares estipulados para a irrigação no Nordeste foram irrigados apenas 5674 hectares.
No saneamento básico, a rede de esgoto assegurou o atendimento a 500 mil pessoas em lugar dos 5 milhões
constantes do I PND. No campo industrial o maior crescimento ocorreu no setor de bens de consumo duráveis
o que acabou gerando um aumento nas importações de meios de produção. A inflação prevista para 10% a.a.
Atingiu os 35%.
Para a avaliação dos resultados dos planos de desenvolvimento, foi implementado, em 1972, o Programa
de Acompanhamento dos Planos Nacionais de Desenvolvimento que constituía a atividade permanente dos
órgãos que integravam o sistema de planejamento e tinha por objetivo a avaliação da execução, revisão, com-
plementação e aperfeiçoamento dos Planos Nacionais de Desenvolvimento e os respectivos instrumentos de
controle e implementação.
Este trabalho era realizado por meio de:
- análise do desempenho total da economia e do comportamento de seus setores prioritários;
- avaliação do progresso alcançado na execução dos programas e projetos;
- identificação dos pontos de estrangulamento e obstáculos institucionais que dificultam a consecução das
metas e a execução de programas e projetos.
Segundo Holanda (1983), pretendia-se fazer com que esse programa viesse a contribuir para a efetiva ins-
titucionalização de um sistema integrado de planejamento. Com base no programa, o relatório de acompanha-
mento do I PND relativo ao exercício de 1972, mostrou que das 34 metas setoriais mais importantes, 19 haviam
se enquadrado na faixa de execução de 90 a 99% e apenas 6 apresentavam um índice de execução de menos
de 80%.
O I PND, concedeu maior ênfase à indústria de bens de consumo duráveis, liderada pela indústria automobi-
lística. Mas, apesar de haver um intenso crescimento econômico neste período, o plano acabou intensificando
as distorções distributivas do país.
Tavares (1972) considera que o desenvolvimento do período se fez com graves pressões inflacionárias e
com o aumento do desequilíbrio externo e das desigualdades regionais, embora não seja menos significativo,
o fato de que o Brasil foi um dos poucos países da América Latina que conseguiu manter um ritmo de cresci-
mento elevado na época e em que o processo de substituição de importações avançou até níveis de integração
industrial maiores.
Tem-se assim, um grande avanço no processo de substituição de importações neste período. No entanto,
em fins de 1973, a manutenção do ciclo expansionista dependeria cada vez mais de uma situação externa
favorável. O Choque do Petróleo no final deste ano, veio tornar esta situação mais adversa e elevar a taxa de
inflação interna. Diante da condição externa desfavorável e da diminuição da capacidade de financiamento do
setor público, o modelo de crescimento do Milagre se esgotou e o governo se viu obrigado a optar entre uma
política de ajustamento ou de financiamento.
A política de ajustamento causaria a contenção da demanda interna e evitaria que o choque do setor exter-
no se transformasse em inflação permanente. A política de financiamento manteria o crescimento em níveis
elevados, fazendo ajustes graduais de preços relativos, enquanto houvesse financiamento externo abundante.
Inicialmente o governo da época escolheu o ajustamento, mas não conseguiu atingir os efeitos desejados. O
governo então optou pela continuidade do processo de desenvolvimento lançando, em fins de 1974, o II PND.
O segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979)
O segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), do período de 1975 a 1979, constituiu a mais am-
pla e articulada experiência de planejamento no Brasil após o Plano de Metas. Foi elaborado durante o governo
Geisel, pelo ministro do planejamento Reis Velloso, permanecendo em vigor até o primeiro ano do governo
Figueiredo.

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O II PND mudou a ênfase do desenvolvimento para a indústria de bens de capital, mas foi considerado um
fracasso pois coincidiu com a fase de retração cíclica da economia. O plano buscava a preservação do modelo
de desenvolvimento, admitindo que a continuidade do crescimento exigiria uma “reconstrução estrutural” com
um esforço bem maior de acumulação por unidade adicional de produto. Assim, o II PND foi lançado apesar de
o governo reconhecer as dificuldades para manter taxas de crescimento da ordem de 10%, face à crise externa.
Mesmo assim, optava pelo crescimento acelerado como “política básica”.
O plano realizou alterações nas prioridades de industrialização brasileira: do setor de bens de consumo
duráveis para o setor produtor de meios de produção, principalmente a indústria siderúrgica, máquinas, equipa-
mentos e fertilizantes, sendo as empresas estatais o agente central destas transformações. O plano enfatizou
a abertura na política externa, o mercado interno e a empresa privada nacional, o combate à inflação, a explo-
ração do potencial hidrelétrico e a continuação do processo de substituição de importações. A principal meta
do II PND era a manutenção da taxa de crescimento econômico em torno de 10% ao ano, com crescimento
industrial em torno de 12%.
Segundo Sandroni (2000), o II PND propunha transformar o Brasil em uma “potência emergente” deslocan-
do-o do Terceiro Mundo para o espaço dos países altamente industrializados. Para isto propunha substituir
importações, elevar as exportações e ampliar o mercado interno consumidor. O investimento total seria de 1
trilhão e 750 bilhões de cruzeiros, para assim atingir um PIB da ordem de US$120 bilhões e uma renda per ca-
pita de US$ 1000,00. O nível de crescimento industrial deveria situar-se em torno de 12% a.a., as exportações
deveriam crescer a 20% a.a. e a agricultura a 7%. Quanto à ampliação do mercado consumidor, as diretrizes
do II PND, não eram claras. Isto decorria da política salarial que reduzia o poder de compra dos assalariados.
Assim, o crescimento do mercado interno estaria mais relacionado ao aumento populacional e à expansão do
emprego.
Para Furtado (1981), os objetivos estratégicos do II PND podem ser sintetizados em 2 pontos: ampliar a
base do sistema industrial e aumentar o grau de inserção da economia no sistema de divisão internacional do
trabalho. Estes objetivos refletiam a percepção da necessidade de reestruturação do sistema produtivo, que re-
queria a elevação da taxa de investimento e, com intensidade ainda maior, da taxa de poupança. No entanto, os
resultados da execução do plano ficaram bem aquém do esperado. De 1975 a 1979 a produção manufatureira
cresceu a 6,8% ao ano, a produção de bens de capital a 7% e a de bens de consumo duráveis a 7,4% ao ano.
O Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE) foi o principal órgão de implementação do plano, visan-
do dar garantias de demanda e incentivos ao setor privado. Já a sustentação política do plano assentou-se no
capital financeiro nacional, nas empreiteiras e nas oligarquias arcaicas. Desta forma, o governo buscava dar
suporte ao plano, restando para isso equacionar a questão do financiamento.
Assim, as empresas estatais foram forçadas ao endividamento externo para cobrir o hiato de divisas. Além
disso, houve uma estatização da dívida externa e ampliação da mesma devido, entre outros aspectos, à facili-
dade de obtenção de recursos no exterior. Esta facilidade decorria da ampla liquidez no mercado internacional.
Para realizar o II PND, o Estado foi assumindo um passivo para manter o crescimento econômico e o fun-
cionamento da economia (Vasconcellos et al., 1999). O endividamento do governo nesta época teve como
consequência a deterioração da capacidade de financiamento do setor público na década de 80, uma vez que
socializaram-se todos os custos do II PND (aumento nos gastos sem criar mecanismos adequados de financia-
mento). O endividamento direto externo foi estimulado paralelamente ao aumento da dívida interna, impossibi-
litando progressivamente os grandes projetos governamentais. Este fato exigiu constantes revisões nas metas
do II PND.
Segundo Sandroni (2000), durante a vigência do plano ocorreu uma variável não prevista: a necessidade de
desaquecimento da economia. Este autor fez o seguinte balanço do plano: significativos avanços na geração de
bens de capital, de energia, prospecção de petróleo e produção de álcool, mas o alcance dos objetivos estaria
muito aquém do que foi traçado para o aumento do PIB, da renda per capita, das exportações e da ampliação
do mercado consumidor.
A crise mundial está entre as causas da desaceleração do II PND, além dos limites estruturais do próprio
plano. Segundo Lessa (1981), o II PND era impossível de ser implementado, em função do seu gigantismo e
da crise econômica mundial, uma vez que se tratava de um verdadeiro projeto de Nação-Potência, não apoiado
pelas bases de sustentação do regime militar. Já Castro (1985), considerava que os grandes projetos do II PND,

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pela sua complexidade e longo prazo de maturação teriam começado a produzir resultados visíveis somente
a partir de 1983 e 1984, e as dificuldades acima mencionadas teriam apenas levado à diminuição do ritmo de
investimentos a partir de 1976, mas não à sua paralisação total.
Para Bresser Pereira (1998), o plano não reconheceu que o Brasil (e o mundo) entravam naquele momento
em uma fase de declínio ou desaceleração cíclica que tornavam inviáveis a maioria de suas metas. No entanto,
este foi importante para estimular de forma definitiva a implantação da indústria de bens de capital no Brasil.
Tabela. Resultados macroeconômicos durante o II PND.

Fonte: IPEA (2002)


PIB* - Taxa de Crescimento;
Indústria* - Taxa de Crescimento;
Formação Bruta de Capital Fixo/ Produto Interno Bruto* - (Taxa de Investimento);
Inflação* - Variação do IGP-DI;
Dívida Externa* - US$ (Bilhões).
O terceiro Plano Nacional de Desenvolvimento (1980 - 1985) e a nova realidade econômica
O terceiro Plano Nacional de Desenvolvimento foi elaborado em 1979, em plena crise econômica, durante
o governo do presidente Figueiredo, pelo ministro Delfim Neto que, paradoxalmente, era considerado um des-
crente do planejamento econômico.
O plano foi projetado para o período de 1980 a 1985, embora tenha sido interrompido já no segundo semes-
tre de 1980. Neste período, já não existia o clima de “euforia desenvolvimentista” que marcou os PND’s anterio-
res. Segundo Giacomoni (1996), o país começava a sofrer as consequências da crise econômica internacional
e o governo federal, alegando que a instabilidade impedia qualquer programação de mais longo prazo, passou
a governar com medidas de curto e curtíssimo prazo.
O III PND reconheceu como setores prioritários da economia brasileira a agricultura e o desenvolvimento
de novas fontes de energia. Quanto aos seus objetivos, o III PND pouco se diferenciava dos planos anteriores
mantendo como objetivo síntese a construção de uma sociedade desenvolvida, livre, equilibrada e estável,
em benefício de todos os brasileiros, no menor prazo possível. Segundo o documento oficial do III PND, foram
considerados os seguintes objetivos prioritários:
- acelerado crescimento da renda e do emprego;
- melhoria da distribuição da renda, com redução dos níveis de pobreza absoluta e elevação dos padrões de
bem-estar das classes de menor poder aquisitivo;
- redução das disparidades regionais;
- contenção da inflação;
- equilíbrio do Balanço de Pagamentos e controle do endividamento externo;
- desenvolvimento do setor energético;
- aperfeiçoamento das instituições políticas.
No entanto, estes objetivos não foram alcançados, até porque não houve qualquer implementação do plano.

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Na realidade, o III PND não pode ser considerado como um plano de desenvolvimento, mas como uma
simples declaração de intenções pelo governo. Segundo Lopes (1990), o plano foi preparado apenas para o
cumprimento de uma determinação legal, sob a égide de um ministério cujo comandante não via qualquer uti-
lidade prática no processo de planejamento e, sendo assim, o III PND viu-se logo relegado ao esquecimento.
Para Bresser Pereira (1998), o III PND refletiu não apenas a crise econômica como também a própria crise
do governo, incapaz de formular um plano de ação coerente.
Holanda (1983), considera que o III PND foi influenciado pelo impacto do choque do petróleo e dos juros
internacionais que tornaram precárias quaisquer projeções econômicas. Para este autor, o plano se caracte-
rizava como um documento basicamente qualitativo, definindo diretrizes, critérios e instrumentos de ação. E,
em função das incertezas e das restrições decorrentes da crise energética, da dívida externa e das pressões
inflacionárias não apresentou metas quantitativas.
Assim, o III PND marca o fim do processo de planejamento como efetivo instrumento de controle da política
econômica do país. Foram apontados os seguintes motivos para o fim do processo:
- a saída do ministro Reis Velloso da SEPLAN (Secretaria de Planejamento) e a ascensão de Delfim Neto,
representando uma mudança de mentalidade, uma vez que Velloso sempre foi um grande defensor do plane-
jamento, enquanto Delfim Neto não depositava o mesmo crédito no processo;
- a distância entre os números previstos no II PND e os realizados, gerando uma reação contra o planeja-
mento;
- as dificuldades enfrentadas pelo segundo choque do petróleo e pela alta das taxas de juros internacionais
limitando as funções do III PND.
Segundo Lopes (1990), o III PND foi preparado, aprovado e publicado apenas devido à imposição legal e, à
época em que o plano deveria estar sendo implementado, a convicção geral era de se tratar de um documento
de reduzida utilidade em face dos desafios enfrentados pela economia brasileira.
O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (1986 - 1989)
A Nova República encontrou, em 1985, apesar da grave situação de endividamento, uma posição de relati-
vo ajuste após as crises de 1981 a 1983, graças aos pesados investimentos em energia e à recuperação dos
superávits na balança comercial. A recuperação do crescimento, no entanto, associou-se à explosão das taxas
de inflação ocasionando o Plano Cruzado em 1986.
O Plano Cruzado gerou uma economia com preços congelados por tempo excessivo, provocando desabas-
tecimento geral e desequilíbrio dos fatores de produção, que levaram ao abandono do plano e a um novo surto
inflacionário em 1987. Segundo Lopes (1990), este conturbado cenário deflagrou a decadência do processo de
planejamento que o Brasil vinha desenvolvendo há décadas. Neste sentido, o lançamento do I Plano Nacional
de Desenvolvimento da Nova República (I PND-NR) acentuou a crise do planejamento para o desenvolvimento
no Brasil, presente desde o III PND.
Este primeiro plano de desenvolvimento do governo de José Sarney foi publicado pela SEPLAN, com metas
para o período de 1986 a 1989 e elaborado sob a coordenação do ministro João Sayad.
O I PND-NR se concentrou nos seguintes aspectos:
- crescimento econômico;
- combate à pobreza, às desigualdades e ao desemprego;
- educação, alimentação, saúde, saneamento, habitação, previdência e assistência social;
- justiça e segurança pública.
Quanto à parte econômica o I PND-NR evitou quantificações que pudessem representar compromissos
mensuráveis. Enfatizou, principalmente, a mudança no padrão de negociação da dívida externa e a necessida-
de de reduzir as transferências de recursos ao exterior. Quanto ao setor público, priorizou a reestruturação do
aparelho estatal por meio de medidas que iam desde a privatização seletiva de empresas estatais à reforma
administrativa.

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Segundo Lopes (1990), o I PND-NR representou um inútil exercício, da mesma forma que seu antecessor,
e não foi sequer considerado como instrumento de suporte ou indicador de tendências seja pelo governo, seja
pelo setor privado.
No entanto, a argumentação dos mentores do plano era a de que este se diferia dos anteriores, assim como
as condições da economia brasileira nos anos 80 se diferiam das condições da década anterior. Esta diferença
apresentava-se na própria concepção do plano:
“Em virtude da circunstância em que vivemos no campo econômico-social e devido à nova orientação do
governo sobre as funções do setor público, associada ao decisivo estímulo para que o setor privado assuma
o papel de liderança no processo de crescimento, este não é um plano de investimentos públicos, nem uma
proposta acabada e compulsória de direcionamento dos investimentos empresariais” (Brasil, 1985b).
Segundo Giacomoni (1996), em função das dificuldades de reorientar a questão financeira no âmbito do
setor público e dos problemas de administração da dívida externa e interna, o país, ao longo desse período,
conviveu com inúmeras crises que se refletiram na substituição de ministros da área econômica e na adoção
de medidas de curtíssimo prazo. Estes fatos dificultaram o planejamento de médio e longo prazo no país e,
portanto, a implementação do I PND-NR.
A dívida pública interna após 1986 e as mudanças institucionais20
As dificuldades fiscais existentes em meados da década de 1980 acarretaram a necessidade de mudanças
na estrutura institucional da área fiscal. O ano de 1986 representou um marco fundamental no aspecto institu-
cional da administração da dívida pública brasileira, com a adoção de medidas profundas visando a um maior
controle fiscal, como a extinção da Conta Movimento – utilizada para o suprimento dos desequilíbrios de fundos
do Banco do Brasil pelo Banco Central. Decidiu-se ainda pela criação da Secretaria do Tesouro Nacional, por
meio do Decreto nº 92.452, de 10/08/1986, visando a centralizar o controle dos gastos públicos e, especialmen-
te, a viabilizar seu controle mais efetivo. A maior preocupação com a necessidade de controle e monitoramento
da dívida interna, a qual vinha apresentando elevado crescimento nos anos anteriores em virtude da precária
situação fiscal, aliada à percepção de que se fazia necessária uma distinção institucional entre as políticas
monetária e de dívida acarretaram a transferência da administração da dívida pública do Banco Central para o
Ministério da Fazenda.
O Decreto nº 94.443, de 12/06/1987 determinou a transferência das atividades relativas à colocação e ao
resgate da dívida pública para o Ministério da Fazenda, onde essa função ficou a cargo da Secretaria do Te-
souro Nacional. Entre as funções dessa secretaria, regulamentadas pela Portaria MF nº 430, de 22/12/1987,
estava explicitamente:
[...] efetuar o controle físico/financeiro da dívida emitida [...] determinar os títulos e os volumes das Ofertas
Públicas, inclusive elaborando e publicando os editais, em estreito relacionamento com o Banco Central do
Brasil [...] e [...] administrar o limite de colocação dos títulos [...]
Nesse contexto, e visando a separar ainda mais as atribuições de autoridade monetária e fiscal, foi elabora-
do o Decreto-Lei nº 2.376, de 25/11/1987, que estabelecia medidas de controle sobre a dívida pública, a qual só
poderia ser elevada para cobrir déficit no Orçamento Geral da União (OGU), mediante autorização legislativa, e
para atender à parcela do serviço da dívida não incluída no referido OGU. A despeito da separação de funções
e da criação da Secretaria do Tesouro Nacional, este mesmo Decreto-Lei nº 2.376 estabeleceu que: “[...] se
o Tesouro Nacional não fizer colocação de títulos junto ao público, em valor equivalente ao montante dos que
forem resgatados, o Banco Central do Brasil poderá subscrever a parcela não colocada”. Em outras palavras,
embora fosse um avanço institucional em relação à prática anterior, qualquer que fosse a necessidade de rola-
gem, esta seria passível de financiamento via Banco Central, bastando para isso que o mercado se recusasse
a dar o financiamento.
O insucesso das políticas levadas a cabo pelo governo até então para o combate à inflação conduziu o
governo a tentativas mais “heterodoxas”, que acabaram por influenciar as estratégias de administração da dí-
vida nos anos seguintes. Logo no início de 1986, o país viveu a primeira experiência heterodoxa de combate à
inflação. No início daquele ano, a elevação das taxas de inflação e do endividamento público eram motivo de
preocupação para o governo, levando-o a adotar, em 28 de fevereiro, o Plano Cruzado, o qual congelou preços,

20 PEDRAS, Guilherme Binato Villela. História da dívida pública no Brasil: de 1964 até os dias atuais

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decretou o fim da correção monetária e reduziu as taxas reais de juros. Essas medidas, aliadas à necessidade
de reduzir os déficits fiscais, levaram o Banco Central, e não o mercado, a absorver as novas emissões da dí-
vida, conforme permitido pela legislação em vigor, antes descrita.
Tendo em vista a dificuldade na colocação de LTNs e a impossibilidade de colocação de ORTNs (agora
denominadas OTNs) em mercado, dada a desindexação da economia por conta da extinção da correção mo-
netária, o Banco Central optou por criar um título de sua responsabilidade. Assim, em maio de 1986, a falta
de opções de instrumento levou o Conselho Monetário Nacional a autorizar a autoridade monetária a emitir
títulos próprios para fins de política monetária. Foi então criada a Letra do Banco Central (LBC), a qual tinha
como característica ímpar o fato de ser remunerada pela taxa Selic, com indexação diária. A ideia era limitar
as emissões de LBCs ao volume de títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional existente na carteira do
Banco Central. Naturalmente, dadas as características do novo título e a conjuntura econômica da época, sua
aceitação pelo mercado foi enorme.
Considerando o sucesso na colocação das LBCs, aliado à referida falta de opção de instrumentos de finan-
ciamento, e considerando a nova diretriz de separação das atividades fiscais e monetárias, o governo aprovei-
tou a edição do já citado Decreto-Lei nº 2.376/87 e criou as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs). Tais títulos
possuíam características idênticas às da LBC, sendo de responsabilidade do Tesouro Nacional e destinados
especificamente para financiamento dos déficits orçamentários.
É importante avaliar sob uma perspectiva histórica o impacto da iniciativa de emitir títulos atrelados à taxa
de juros diária. Como será mencionado adiante, esses títulos passariam a representar parcela considerável da
DPFi, funcionando como um importante instrumento do governo na manutenção de sua capacidade de finan-
ciamento.
Com o insucesso do Plano Cruzado, o ano de 1987 marca o início de dificuldades ainda maiores na con-
dução da política econômica, com o déficit público saindo do controle, além de problemas na área externa. De
fato, a moratória da dívida externa ocorrida em fevereiro daquele ano gerou maior necessidade de financiamen-
to via dívida interna.
Com a promulgação da Constituição em 1988, o Banco Central, que naquele momento estava proibido de
emitir títulos, ficou também impedido de financiar o governo. Pela nova sistemática, o Banco Central só pode-
ria adquirir títulos diretamente do Tesouro Nacional em montante equivalente ao principal vencendo em sua
carteira. Tinha-se chegado assim à clássica forma de relacionamento entre autoridade monetária e autoridade
fiscal. Posteriormente, em 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal tornou ainda mais rígida a legislação, ao es-
tabelecer que as colocações para a carteira do Banco Central só poderiam ser efetuadas à taxa média do leilão
realizado, no dia, em mercado, regra esta que permanece até os dias atuais.
A despeito dos sucessivos choques heterodoxos introduzidos na economia desde 1986, as taxas de infla-
ção permaneciam em níveis bastante elevados, assim como a incerteza em relação ao futuro próximo. Dessa
maneira, em 1988 e 1989 praticamente não houve colocação de LTNs nem mesmo para a carteira do Banco
Central, ilustrando o difícil momento pelo qual passava o país. Por sua vez, o financiamento público começou
a ser efetuado com emissão de LFTs, sendo tal título durante esses dois anos praticamente a única forma de
arrecadação de recursos, via emissão de títulos, para o governo. Nesse período, é interessante notar que esse
instrumento de origem heterodoxa passava a ser fundamental para a solvência do país. Sua inexistência impli-
caria a necessidade de emissão de LTNs em prazos cada vez menores, o que levaria a aumento considerável
no risco de refinanciamento da dívida.
A criação das LBCs, primeiramente, e a seguir das LFTs mostra que a busca por soluções não tradicionais
para os problemas econômicos foi usada também na administração da dívida pública. A despeito disso, o prazo
da dívida não foi alterado com a emissão desse instrumento de repactuação diária, de forma que, ao final da
década, o prazo médio da dívida continuou reduzido, enquanto o percentual desta sobre o PIB representava o
maior valor registrado até aquela data, indicando o crescente grau de vulnerabilidade do país ante as necessi-
dades de refinanciamento.
Ao se iniciar o novo governo, em 1990, a situação do endividamento público era crítica, com o estoque de
títulos em mercado representando 15% do PIB, recorde histórico, sendo a dívida composta praticamente por
LFTs e com prazo médio de apenas cinco meses. Além disso, a inflação encontrava-se em níveis superiores a
1.000% ao ano, e o déficit primário havia atingido 1% do PIB no ano anterior.

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Tendo em vista esse pano de fundo, o governo do presidente Collor iniciou-se com o objetivo explícito de dar
fim ao processo inflacionário e ao descontrole fiscal vivido pelo país nos últimos anos. O desgaste da política
econômica mencionado anteriormente e a crítica situação da dívida pública daí decorrente conduziram às drás-
ticas medidas representadas pelo Plano Collor em 1990, o qual, entre outras, determinou o congelamento de
80% dos ativos financeiros do país, representando, para a dívida pública, impacto sem precedentes.
Com esse artifício, o governo promoveu a troca compulsória da dívida em poder do mercado por outra, reti-
da por 18 meses no Banco Central, rendendo BTN + 6% a.a. Ou seja, o estoque, antes remunerado pela taxa
Selic, passou a ser remunerado a uma taxa muito inferior, gerando ganhos consideráveis para o governo. Além
disso, a medida causou uma profunda redução na liquidez da economia, de forma que o Banco Central se viu
forçado a recomprar as LFTs ainda em mercado. Esses dois fatos, aliados ao superávit primário obtido no pri-
meiro ano do novo governo (mais de 4% do PIB), acabaram por conduzir a uma queda histórica no estoque da
dívida em poder do público, de 82,5% em 1990.
Em 1991, com a inflação ascendente e dificuldade para emissão de LTNs, dada a credibilidade perdida pelo
governo por conta do congelamento de ativos representado pelo Plano Collor, o Banco Central optou por criar
um instrumento com características idênticas para fins de política monetária, o Bônus do Banco Central (BBC),
instituído pela Resolução nº 1.780, de 21/12/1990. Nos primeiros meses de 1991, apenas esse título era ofer-
tado ao público.
A partir de setembro de 1991, os valores referentes aos ativos congelados começaram a ser devolvidos, e,
a partir de outubro, os recursos para pagá-los eram obtidos com novas emissões de títulos. Ao final do ano de
1991 foi criado um novo instrumento, regulamentado pelo Decreto nº 317, de 30/10/1991 e denominado Notas
do Tesouro Nacional (NTNs), com diversas séries, a depender do indexador utilizado. Dentre os mais comuns
destacam-se o dólar (NTN-D), o IGP-M (NTN-C) e a TR (NTN-H). Buscava-se diversificar os instrumentos para
tentar ampliar a base de investidores, tentando garantir os recursos para pagamento das BTN-Es vincendas.
A criação dessa diversidade de instrumentos reflete não apenas as turbulências passadas pela economia do-
méstica ao longo dos anos 1980 e início dos anos 1990, mas também a heterodoxia então dominante no plano
macroeconômico.
Buscando dar mais um passo na direção da separação entre as atividades fiscais e monetárias iniciada na
década anterior, em 1993 foram propostas algumas medidas, conhecidas como “Operação Caixa-Preta”. Tais
medidas buscavam propiciar maior transparência no relacionamento entre o Tesouro Nacional e o Banco Cen-
tral, efetuando, entre outras mudanças, a reestruturação da carteira de títulos de responsabilidade do Tesouro
Nacional no Banco Central, dotando a autoridade monetária de instrumentos mais adequados à condução da
política monetária. Outra medida foi o resgate antecipado de títulos do Tesouro Nacional na carteira do Banco
Central, com recursos obtidos via emissão de títulos do Tesouro em mercado, sendo um dos fatores responsá-
veis pela queda de 24% no estoque da carteira de títulos em poder do Banco Central naquele ano.
Ao longo desses anos da década de 1990, o governo continuava tentando debelar a inflação, que, naquele
momento, já superava a casa dos 1.000% ao ano. Enquanto isso, as taxas de crescimento da economia con-
tinuavam muito baixas, com o país apresentando crescimento médio real negativo de 1,3% de 1990 a 1993.
Buscando dar um fim a essa situação, em 1994 era lançado mais um plano heterodoxo, conhecido como Plano
Real. Este partia do mesmo princípio dos planos anteriores, isto é, que existia um componente inercial na infla-
ção brasileira, mas dessa vez buscava-se conciliar a esse aspecto alguns componentes da cartilha ortodoxa,
como a manutenção de elevadas taxas reais de juros. Dessa vez a receita foi bem-sucedida e o país pôde, após
muitos anos, viver momentos de inflação em níveis razoáveis e cadentes. A partir de 1995, a previsibilidade
começava a voltar a fazer parte do cotidiano dos agentes econômicos. Certamente, esse aspecto iria impactar,
de alguma forma, a estrutura da dívida pública interna.
Entretanto, a despeito do relativo sucesso na estabilização da inflação, a partir daquele ano a dívida co-
meçou a apresentar trajetória forte de elevação, o que pode ser explicado pela conjugação de alguns fatores,
dentre eles: (I) a rígida política monetária da época, a qual acarretou uma taxa real de juros média no período
extremamente elevada; (II) o reduzido superávit primário, que se apresentava até negativo para alguns entes
de governo; e (III) a política de propiciar maior transparência às contas públicas, reconhecendo vários passivos
que antes se encontravam disfarçados, como, por exemplo, o programa de saneamento das finanças estaduais
e municipais e a capitalização de alguns bancos federais. De fato, nessa segunda metade da década de1990,
a DPMFi em mercado cresceu em média, em termos reais, à taxa de 24,8% a.a.

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Na segunda metade da década de 1990, o reduzido prazo médio da dívida, aliado à política de maior trans-
parência fiscal (contabilização dos “esqueletos” no estoque da dívida), fazia com que o alongamento passasse
a ser parte fundamental na estratégia de endividamento. Por essa razão, em que pese o sucesso na estabi-
lização econômica, as mudanças na estratégia de endividamento ao longo dos anos seguintes foram reflexo
preponderantemente das turbulências por que passou a economia internacional no período.
Nos primeiros anos após o Plano Real, o governo logrou melhorar substancialmente a composição da dívida.
Com a estabilidade econômica, ele elevou os volumes emitidos de LTNs, assim como paulatinamente buscou
aumentar seus prazos ofertados em leilão, que passaram de um mês para dois e três meses de prazo. Em
1996, apenas LTNs de seis meses de prazo passaram a ser ofertadas em mercado. Os prazos desses títulos
continuaram a ser elevados até que, ao final de 1997, o Tesouro Nacional conseguiu colocar em mercado títulos
prefixados com dois anos de prazo. Após a eclosão da crise da Ásia, a opção imediata foi pela redução nos
prazos, quando voltaram a ser ofertadas LTNs de três meses. Até esse momento, o governo tinha resistido a
recorrer às LFTs. Apenas após a crise da Rússia o Tesouro Nacional decidiu voltar a emitir esse instrumento,
interrompendo, momentaneamente, a emissão de títulos prefixados.
Ao longo desse período, a participação das LTNs, que se encontrava em menos de 1% ao final de 1994,
passou para 27% em 1996, enquanto o estoque das LFTs chegou a desaparecer nesse mesmo ano. Entretanto,
já a partir de 1997, com a eclosão da crise asiática e a despeito do sucesso na manutenção da estabilidade
econômica, os avanços obtidos foram sendo revertidos, de forma que, ao final de 1998, o estoque de prefixados
chegaria a apenas 2% do estoque total, enquanto as LFTs voltavam a representar quase metade desse estoque
total.
Um dos motivos que explicam a não recuperação dos papéis prefixados na participação da dívida é, como
esta cresceu muito, o aumento da percepção de risco de refinanciamento, de forma que o prazo médio desta
teve de ser aumentado para não prejudicar a percepção do mercado quanto à sustentabilidade da dívida pú-
blica. Dessa forma, evitou-se colocar títulos prefixados com prazos inferiores a seis meses, privilegiando ins-
trumentos pós-fixados (em especial as LFTs) mais longos. Tal processo foi ajudado com a mudança no regime
cambial em 1999, que, ao reduzir a volatilidade das taxas de juros, fez com que o risco de mercado da dívida
pública, sob a ótica do governo, fosse também reduzido. De fato, a partir de 1999, o prazo das LFTs ofertadas
em leilão foi aumentado para dois anos, enquanto as LTNs voltaram a ser emitidas com prazos de três e seis
meses.
O ponto a destacar quanto a esse período é que, apesar do grande avanço representado pela estabilização
da economia, seus efeitos sobre a dívida pública em termos de composição dos instrumentos não se fizeram
sentir tão fortemente como seria esperado. As expressivas emissões diretas representadas pelo reconheci-
mento dos passivos contingentes (fundamental para um saneamento definitivo das contas públicas), aliadas às
altas taxas de juros necessárias à consolidação da estabilidade, fizeram com que o estoque da dívida pública
crescesse brutalmente no período. Esse fato gerou a necessidade de que seu prazo médio fosse elevado para
evitar que o risco de refinanciamento a cada período ficasse muito grande.
Também a partir de 1999 o governo voltou a emitir títulos indexados a índices de preços (IGP-M). O objetivo
era reforçar o processo de alongamento da dívida pública, aproveitando uma elevada demanda potencial re-
presentada pelos fundos de pensão. Desde então, tem-se observado um esforço no sentido de obter contínua
melhoria no perfil da dívida federal interna, seja em termos de aumento do prazo, seja de uma maior qualidade
na composição desta, buscando-se a redução na participação de títulos indexados à taxa de câmbio e à taxa
Selic, o que vem acontecendo com sucesso desde 2003.
Consenso de Washington
Em novembro de 1989, reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionários do governo norte-america-
no e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI, Banco Mundial e BID - especializados em
assuntos latino-americanos. O objetivo do encontro, convocado pelo Institute for International Economics, sob
o título “Latin American Adjustment: How Much Has Happened?”, era proceder a uma avaliação das reformas
econômicas empreendidas nos países da região. Para relatara experiência de seus países também estiveram
presentes diversos economistas latino-americanos. Às conclusões dessa reunião é que se daria, subsequente-
mente, a denominação informal de “Consenso de Washington”.

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A mensagem neoliberal que o Consenso de Washington registraria vinha sendo transmitida, vigorosamente,
a partir do começo da Administração Reagan nos Estados Unidos, com muita competência e fartos recursos,
humanos e financeiros, por meio de agências internacionais e do governo norte-americano. Acabaria cabalmen-
te absolvida por substancial parcela das elites políticas, empresariais e intelectuais da região, como sinônimo
de modernidade, passando seu receituário a fazer parte do discurso e da ação dessas elites, como se de sua
iniciativa e de seu interesse fosse. Exemplo desse processo de cooptação intelectual é o documento publicado
em agosto de 1990 pela Fiesp, sob o título “Livre para crescer - Proposta para um Brasil moderno”, hoje na sua
5ª edição, no qual a entidade sugere a adoção de agenda de reformas virtualmente idêntica à consolidada em
Washington.
A proposta da Fiesp inclui, entretanto, algo que o Consenso de Washington não explicita mas que está
claro em documento do Banco Mundial de 1989, intitulado “Trade Policy in Brazil: the Case for Reform”. Aí
se recomendava que a inserção internacional de nosso país fosse feita pela revalorização da agricultura de
exportação. Vale dizer, o órgão máximo da indústria paulista endossa, sem ressalvas, uma sugestão de volta
ao passado, de inversão do processo nacional de industrialização, como se a vocação do Brasil, às vésperas
do século XXI, pudesse voltar a ser a de exportador de produtos primários, como o foi até 1950. Uma área em
que os preços são cadentes - são hoje, em termos reais, 40% em média inferiores aos de 1970 - em virtude do
notável volume de subsídios concedidos a seus produtores agrícolas pelos países desenvolvidos, da ordem de
US$ 150 bilhões de dólares por ano, e da revolução no setor de materiais que vem reduzindo substancialmente
o uso de matérias-primas naturais por unidade de produto obtido.
Ao final da década de 1980, dada a precária situação fiscal do país, o governo federal possuía dívidas con-
tratuais vencidas com diversos credores. O processo de saneamento das contas públicas implicava encontrar
uma solução para essa situação. No início dos anos 1990, o governo deu início a um processo de reestrutura-
ção dessas dívidas por meio de sua securitização. Nesse processo, débitos oriundos da assunção de dívidas
de estados e de empresas estatais foram repactuados e transformados em títulos públicos emitidos para os cre-
dores originais. Enquanto representou um benefício para o governo, na medida em que permitiu a adaptação
dos fluxos de pagamentos à sua capacidade de pagamento, contribuiu para o resgate da credibilidade do setor
público como devedor. Para o credor, representou transformar uma dívida contratual, portanto sem liquidez, em
instrumento passível de negociação em mercado secundário. O Tesouro Nacional registrou os títulos emitidos
para refinanciamento da dívida dos estados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, do Banco Cen-
tral (Selic) e os referentes à assunção da dívida das empresas estatais, denominados Créditos Securitizados,
na Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos (Cetip), onde estão custodiados, sendo livremente
negociados em mercado secundário. Ainda nos anos 1990, os Créditos Securitizados foram, em conjunto com
outros títulos da dívida pública, utilizados como moeda de pagamento no programa de privatização das empre-
sas estatais, sendo, portanto, parte daquele conjunto de instrumentos que ficou conhecido como “moedas de
privatização”. Em 1999, e dentro do processo de padronização dos instrumentos de dívida pública, o Tesouro
Nacional passou a aceitar tais títulos como meio de pagamento na segunda etapa dos leilões de NTN-C e, mais
recentemente, nos leilões de NTN-B. Não obstante essa possibilidade, o estoque dos Créditos Securitizados
tem aumentado, em virtude, principalmente, da emissão regular de CVS, título que tem como origem a securi-
tização de dívidas decorrentes do Fundo para Compensação das Variações Salariais (FCVS).
O Brasil e o Consenso de Washington21
Os princípios neoliberais consolidados no Consenso de Washington batem de frente com alguns dos pres-
supostos do modelo de desenvolvimento brasileiro e da política econômica externa que lhe dava apoio. Em
particular com a liberdade de ação que o Brasil desejava manter para prosseguir em seu processo de indus-
trialização, mediante reserva de mercado para indústrias de capital nacional no campo da informática assim
como pela exclusão do patenteamento na área químico-farmacêutica. O Brasil tampouco se dispunha a aceitar
restrições ao pleno desenvolvimento tecnológico no setor nuclear e aeroespacial.
Golpeado pela crise da dívida externa e pela forma como esta foi tratada, o Brasil, graças a sua base indus-
trial e ao esforço feito pela Petrobrás para aumentar substancialmente a produção nacional de petróleo, con-
seguiria acumular substanciais saldos de balanço comercial, criando condições para honrar o serviço daquela
dívida. Em consequência, só lograria fazê-lo à custa do equilíbrio das contas públicas. Sucessivas cartas de
intenção ao FMI foram assinadas sem que o país pudesse cumprir as metas acordadas em matéria fiscal e
21 Batista, Paulo Nogueira. O CONSENSO DE WASHINGTON: A visão neoliberal dos problemas latino-a-
mericanos. 1994

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monetária. Para dominar a inflação resultante desse descontrole, gerado em sua maior parte pelo serviço da
dívida externa e interna, sucessivos planos, heterodoxos e ortodoxos, foram tentados sem êxito, produzindo um
sentimento generalizado de frustração que abalaria a confiança na ação do Estado.
A despeito da vulnerabilidade resultante do endividamento externo e dos percalços na luta contra a inflação,
o Brasil não parou. Teria, por isso mesmo, condições para resistir às pressões do governo americano e dos
organismos multilaterais de crédito. Resistiria, inclusive, às pretensões americanas no GATT, em matéria de
serviços e de propriedade intelectual, posição que só começaria a ser erodida ao final do governo Sarney.
Com Collor é que se produziria a adesão do Brasil aos postulados neoliberais recém-consolidados no Con-
senso de Washington. Comprometido na campanha e no discurso de posse com uma plataforma essencialmen-
te neoliberal e de alinhamento aos Estados Unidos, o ex-presidente se disporia a negociar bilateralmente com
aquele país uma revisão, a fundo, da legislação brasileira tanto sobre informática quanto sobre propriedade in-
dustrial, enviando subsequentemente ao Congresso projeto de lei que encampava as principais reivindicações
americanas. Com base em recomendações do Banco Mundial, procederia a uma profunda liberalização do
regime de importações, dando execução por atos administrativos a um programa de abertura unilateral do mer-
cado brasileiro. Concluiria, ainda, negociações com a Argentina a respeito de um mecanismo de salvaguardas
das respectivas instalações nucleares, mediante o qual nosso país, sem aderir ao Tratado de Não-Proliferação
Nuclear, aceitaria de fato o regime de salvaguardas abrangentes que nele se prevê.
Plano Collor22
A inflação em um ano de março de 1989 a março de 1990 chegou a 4.853%, e no governo anterior teve vá-
rios planos fracassados de conter a inflação. Depois de sua posse, Collor anuncia um pacote econômico no dia
15 de março de 1990, o Plano Brasil Novo. Esse plano tinha como objetivo por fim a crise, ajustar a economia
e elevar o país do terceiro para o Primeiro Mundo. O cruzado novo é substituído pelo “cruzeiro”, bloqueia por
18 meses os saldos das contas correntes, cadernetas de poupança e demais investimentos superiores a Cr$
50.000,00. Os preços foram tabelados e depois liberados gradualmente. Os salários foram pré-fixados e depois
negociados entre patrões e empregados. Os impostos e tarifas aumentaram e foram criados outros tributos,
são suspensos os incentivos fiscais não garantidos pela Constituição. É Anunciado corte nos gastos públicos,
também se reduz a máquina do Estado com a demissão de funcionários e privatização de empresas estatais.
O plano também prevê a abertura do mercado interno, com a redução gradativa das alíquotas de importação.
As empresas foram surpreendidas com o plano econômico e sem liquidez pressionam o governo. A ministra
da economia Zélia Cardoso de Mello, faz a liberação gradativa do dinheiro retido, denominado de “operação
torneirinha”, para pagamento de taxas, impostos municipais e estaduais, folhas de pagamento e contribuições
previdenciárias. O governo libera os investimentos dos grandes empresários, e deixa retido somente o dinheiro
dos poupadores individuais.
Recessão - No início do Plano Collor a inflação foi reduzida porque o plano era ousado e radical, tirava o di-
nheiro de circulação, porem com a redução da inflação iniciava-se a maior recessão da história no Brasil, houve
aumento de desemprego, muitas empresas fecharam as portas e a produção diminui consideravelmente, tem
uma queda de 26% em abril de 1990, em relação a abril de 1989. As empresas são obrigadas a reduzirem a
produção, jornada de trabalho e salários, ou demitir funcionários. Só em São Paulo nos primeiros seis meses de
1990, 170 mil postos de trabalho deixaram de existir, foi o pior resultado, desde a crise do início da década de
80. O Produto Interno Bruto diminui de US$ 453 bilhões em 1989 para US$ 433 bilhões em 1990. Collor parecia
alheio a sua política econômica desastrosa, procurava passar uma imagem de super-homem, sempre apare-
cendo na mídia se exibindo, pilotando uma aeronave, fazendo caminhadas, praticando esportes etc. Mostrava
uma personalidade forte, vaidoso, arrojado, combativo e moderno.
Privatizações - Em 16 de agosto de 1990 o Programa Nacional de Desestatização que estava previsto no
Plano Collor é regulamentado e a Usiminas é a primeira estatal a ser privatizada, através de um leilão em ou-
tubro de 1991. Depois mais 25 estatais foram privatizadas até o final de 1993, quando Itamar Franco já estava
à frente do governo brasileiro, com grandes transferências patrimoniais do setor público para o setor privado.
Sendo que o processo de privatização dos setores petroquímico e siderúrgico já está praticamente concluído.
Então se inicia a negociação do setor de telecomunicações e elétrico, há uma tentativa de limitar as privatiza-
ções à construção de grandes obras e à abertura do capital das estatais, mantendo o controle acionário pelo
Estado.

22 LENARDUZZI, Cristiano, Et al. PLANO COLLOR. Adaptado

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Plano Collor II
A inflação entra em cena novamente com um índice mensal de 19,39% em dezembro de 1990 e o acumulado
do ano chega a 1.198%, o governo se vê obrigado a tomar algumas medidas. É decretado o Plano Collor II em
31 de janeiro de 1991. Tinha como objetivo controlar a ciranda financeira, extingue as operações de overnight e
cria o Fundo de Aplicações Financeiras (FAF) onde centraliza todas as operações de curto prazo, acaba com o
Bônus do Tesouro Nacional fiscal (BTNf), o qual era usado pelo mercado para indexar preços, passa a utilizar a
Taxa Referencial Diária (TRD) com juros prefixados e aumenta o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Pratica uma política de juros altos, e faz um grande esforço para desindexar a economia e tenta mais um con-
gelamento de preços e salários. Um deflator é adotado para os contratos com vencimento após 1º de fevereiro.
O governo acreditava que aumentando a concorrência no setor industrial conseguiria segurar a inflação, então
se cria um cronograma de redução das tarifas de importação, reduzindo a inflação de 1991 para 481%. A recu-
peração da economia iniciou-se no final de 1992, após um grande processo de reestruturação interna das in-
dustrias. Foi fundamental a abertura do mercado brasileiro para produtos importados, a qual obrigou a indústria
nacional a investir alto na modernização do processo produtivo, qualidade e lançamento de novos produtos no
mercado. As empresas que queriam permanecer no mercado tiveram que rever seus métodos administrativos,
bem como da organização, reduzindo os custos de gerenciamento, as atividades foram centralizadas, muitos
setores terceirizados. As empresas são obrigadas a investir pesado na automação, reduz a hierarquia interna
nas industrias, então cresce a produtividade. Toda essa modernidade era necessária para as empresas se tor-
narem mais competitiva, tanto no mercado interno quanto no mercado externo. O aumento de produtividade foi
fundamental para a sobrevivência das empresas, porem para os trabalhadores, significava perdas de postos de
trabalho, quer dizer com menos funcionários se produziam mais, então aumenta o desemprego dos brasileiros,
que em 1993 só na Grande São Paulo chega a um milhão e duzentos mil trabalhadores desempregados.
Plano Real23
O Plano Real teve como base teórica: o Consenso de Washington, que deu as direções que deveriam ser
tomadas e o Plano Cruzado e as discussões relativas à sua criação, tomados como um exemplo dos erros que
não deveriam ser repetidos.
Em novembro de 1989, em congresso convocado pelo Instituto de Economia Internacional, reuniram-se em
Washington funcionários do governo dos EUA, FMI, BIRD, BID e economistas latino-americanos para debater
o seguinte tema: “Ajustamento latino-americano, o que tem ocorrido?”. O congresso afirmou a excelência das
medidas neoliberais que vinham sendo adotadas pelos países latino-americanos até então, com exceção do
Brasil e do Peru. A conferência apontou a importância do combate à inflação através da dolarização da econo-
mia, valorização das moedas nacionais, ajuste fiscal, aceleração das privatizações, mudanças na seguridade
social, desregulamentação dos mercados e liberalização comercial e financeira.
A segunda referência importante, a experiência do Plano Cruzado, forneceu um aporte teórico relacionado
ao debate entre as propostas de uma “moeda indexada” e um “choque heterodoxo”.
Devido à inoperância do Plano Cruzado, que foi identificado como um “choque heterodoxo”, a outra sugestão
ganhou força no desenvolvimento do Plano Real. A ideia de uma “moeda indexada” ao dólar e a outra moeda
nacional paralela, ganhou força durante o desenvolvimento do Plano Cruzado e influenciou fortemente o Plano
Real.
Brasil, Argentina e México enfrentaram vários desafios comuns no final da década de 1980 e início da dé-
cada de 1990, os principais deles sendo a inflação que implicava em sérios problemas sociais, necessidade
de reorganização das economias e alinhamento às mudanças internacionais nestes países que ainda estavam
vinculados aos programas de desenvolvimentos fortemente estatais que, no Brasil, foram implementados pelo
governo militar a partir de 1964 e ganhando força na década de 1970.
O processo de desenvolvimento da uma economia liberal no México, entre 1988 e 1994, assim como no Bra-
sil, teve como objetivo diminuir a participação do Estado na economia e avançar na liberalização do comércio
externo, com destaque para as relações comerciais com os Estados Unidos e o Canadá que foram favorecidas
com a entrada do país no Nafta (North American Free Trade Agreement). O processo de reformas no início da
década de 90 contribui para o crescimento da economia baseado nas exportações e apoiado por uma política

23 IPOLITO, Danilo Bueno. História do Plano Real. Universidade de São Paulo, Jornalismo.

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de desvalorização do Peso. No entanto, o crescimento foi quebrado por uma crise cambial motivada pela des-
confiança do capital internacional, provocando uma instabilidade que se refletiu na saída maciça de capital e na
queda abrupta das reservas do país.
Na Argentina, durante o governo do presidente Carlos Menem, o Ministro da Economia Domingo Cavallo
apresentou seu plano para combater a inflação, que se reverteu na Lei da Convertibilidade, que tinha como uma
de suas bases o câmbio fixo, atrelado ao dólar, o que restringia a emissão de moeda ao aumento do Tesouro
Nacional. Em um primeiro momento, a medida proporcionou uma estabilidade econômica sem inflação signifi-
cativa que favoreceu o ingresso de capitais estrangeiros produzindo um forte crescimento do PIB. No entanto,
uma recessão que teve início em 1998 e chegou ao seu auge em 2001, em parte relacionada às crises interna-
cionais e, em parte resultado da política de câmbio fixo, terminou por provocar o fim da Lei de Convertibilidade
com altas sequelas para o país, nos níveis político, social e econômico.
A economia brasileira repetiria a trajetória mexicana e argentina em alguns pontos importantes, combinando
sucesso inicial no combate à inflação com elevados déficits externos e forte dependência de fluxos voláteis de
capital internacional.
Algumas diferenças entre os três planos são claras: o Plano Real era mais flexível e cauteloso com relação
ao câmbio do que a lei de conversibilidade argentina; o plano mexicano recorreu intensamente a políticas de
preços e salários, que dependeu de negociações com os representantes das classes trabalhistas, diferente do
que aconteceu com os planos argentino e brasileiro. No caso do Plano Real, a criação da URV (Unidade Real
de Valor), que funcionou por quatro meses, foi uma medida original para evitar medidas de choque como con-
fiscos e congelamentos, possibilitando a estabilização da moeda.
No entanto, as diferenças não superam as convergências entre os três planos que buscavam a estabiliza-
ção da economia e sua inserção nos padrões internacionais do neoliberalismo, que passava a ditar as novas
normas do capitalismo mundial.
Nas semelhanças entre os planos estão: o uso da taxa de câmbio como instrumento de combate à inflação,
de acordo com o conceito de monetary standard approach que considera a importância da harmonização das
políticas monetárias como uma forma de combate à inflação; a abertura da economia às importações, por meio
da drástica redução das barreiras tarifárias e não-tarifárias; a abertura financeira externa, com o estímulo à
entrada de capitais de curto prazo e medidas de desindexação da economia.
Implantação do Plano Real
O Plano de Fernando Henrique Cardoso, que era ministro da Fazenda do governo de Itamar Franco, consis-
tia em três fases: o ajuste fiscal, o estabelecimento da URV (Unidade de Referência de Valor) e a instituição de
uma nova moeda, o Real. De acordo com os autores do plano, as reformas liberais do Estado, que estavam em
andamento naquele período seriam fundamentais para efetividade do plano.
A primeira fase, o “ajuste fiscal” procurava criar condições fiscais adequadas para diminuir o desequilíbrio
orçamentário do Estado, principalmente sua fragilidade com financiamento, que seria um dos principais proble-
mas relacionados à inflação. A criação do FSE (Fundo Social de Emergência), que tinha por finalidade diminuir
os custos sociais derivados da execução do plano e dos cortes de impostos, foi uma das principais iniciativas
do governo.
A URV, o embrião da nova moeda, que terminou quando o Real começou a funcionar em 1º de julho de 1994,
era um índice de inflação formado por outros três índices: O IGP-M, da Fundação Getúlio Vargas, o IPCA do
IBGE e o IPC da FIPE/USP. O objetivo do governo era amarrar o URV ao dólar, preparando o caminho para a
“âncora cambial” da moeda e também evitar o caráter abrupto dos outros planos, com esta ferramenta transitó-
ria. Dessa forma, ao contrário da proposta de “moeda indexada” e da criação de duas moedas, apenas separa-
ram-se duas funções da mesma moeda, pois o URV servia como uma “unidade de conta”.
A terceira fase do plano consistiu na implementação da nova moeda, que substituiria o Cruzeiro de acordo
com a cotação da URV que, naquele momento, valia CR$ 2.750,00. O governo instituiu que este valor corres-
ponderia a R$ 1,00 que, por sua vez, foi fixada pelo Banco Central em US$ 1,00, com a garantia das reservas
em dólar acumuladas desde 1993.
No entanto, apesar de amarrar a moeda ao dólar, o Governo não garantiu a conversibilidade das duas moe-
das, como ocorreu na Argentina. Dessa forma, o Real conseguiu corresponder de uma forma mais adequada
às turbulências desencadeadas pela crise do México, que começou a se intensificar no final de 1994.

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A política de juros altos, que promoveu a entrada de capitais de curto prazo, e a abertura do país aos produ-
tos estrangeiros, com a queda do Imposto de Importação, foram fundamentais para complementar a introdução
da nova moeda e para combater a inflação e elevar os níveis de emprego.
Reformas do Estado
Considerada uma quarta fase da reforma econômica proposta pelo Plano Real, as reformas no Estado
propiciaram o habitat ideal para a moeda criada em sintonia com o conceito de neoliberalismo, ao contrário
do Estado que, como visto anteriormente, ainda carregava fortes resquícios do modelo pré-crise do petróleo,
caracterizado pela regulamentação do mercado, a instituição de monopólios estatais e o forte investimento em
infraestrutura.
Desta forma, os defensores do Plano Real insistiram na necessidade das reformas das áreas econômicas
como a quebra dos monopólios estatais, tratamento igualitário entre empresas nacionais e estrangeiras e des-
regulamentação das atividades e mercados considerados até então estratégicos ou de segurança nacional.
Além disso, foram empreendidas reformas tributárias, administrativas e previdenciárias.
A importância destas reformas para a estabilização do país e a inserção internacional brasileira era ressal-
tada e abrandada nos períodos mais estáveis da economia nacional. As mudanças de ordem econômica foram
aprovadas com relativa facilidade no Congresso Nacional, sendo extintos o monopólio estatal na área de pros-
pecção, exploração e refino de petróleo e na distribuição, transmissão e geração de energia.
As reformulações nas estruturas do Estado foram mais complicadas. A reforma fiscal só começou a ser dis-
cutida no Congresso com a crise cambial em janeiro de 1999. Na reforma administrativa, aprovou-se a possibi-
lidade de demissão de funcionários públicos por excesso de quadros (quando os salários ultrapassarem 60%
das receitas), e por ineficiência. As privatizações, que já estavam encaminhadas desde o governo Collor, com
o PND (Programa Nacional de Desestatização), foram ampliadas e aceleradas.
Nesse sentido, pode-se perceber a importância do Plano Real para a implementação do projeto liberal no
Brasil e como, de fato, não foi apenas um plano solitário de estabilização monetária e sim um conjunto de me-
didas para impulsionar a internacionalização da economia brasileira.
A Euforia do Consumo - A queda da inflação de 46,60% em junho para 3,34% em agosto e a manutenção
desta abaixo desse valor nos meses seguintes provocou um aumento imediato no poder aquisitivo da popula-
ção de mais baixa renda, conduzindo uma explosão dos níveis de consumo que resultou em um crescimento
de 5,4% no PIB de 1994. Colaborou para isso o aumento das compras a prazo e a baixa remuneração nominal
das aplicações financeiras com a realocação dos recursos para o consumo.
As crises Mexicana, Asiática e Russa
A partir de dezembro de 1994 eclodiu a crise cambial mexicana, e a saída de capital especulativo relaciona-
da à queda da cotação do dólar nos mercados internacionais começou a colocar em xeque a estabilização da
economia nacional e o Plano Real, que dependia em grande parte do capital estrangeiro. A crise mostrou que
a política de contenção da inflação com a valorização das moedas nacionais frente ao dólar não poderia ser
sustentável no longo prazo.
Negando sempre à similaridade entre o Brasil e o México e a Argentina, o governo passou a desacelerar a
atividade econômica e a frear a abertura internacional com a elevação da taxa de juros, aumento das restrições
às importações e com estímulos à exportação. Com a necessidade de opor a situação econômica brasileira à
mexicana, como um sinal ao capital especulativo, o governo quis mostrar que corrigiria a trajetória de sua ba-
lança comercial, atingindo saldo positivo.
Após retomada do crescimento entre abril de 1996 e junho de 1997, a crise dos “Tigres Asiáticos”, que come-
çou com a desvalorização da moeda da Tailândia, se alastrou para Indonésia, Malásia, Filipinas e Hong Kong
e acabou por atingir Nova York e os mercados financeiros mundiais.
A crise obrigou o governo a elevar novamente as taxas de juros e decretar um novo ajuste fiscal. Novamente
a fuga de capitais voltou a assolar a economia brasileira e o Plano Real.
A consequência foi a demissão de 33 mil funcionários públicos não estáveis da União, suspensão do reajuste
salarial do funcionalismo público, redução em 15% dos gastos em atividades e corte de 6% no valor dos proje-
tos de investimento para 1998, o que resultou em uma diminuição de 0,12% do PIB naquele ano.

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A crise se intensificou em agosto com o aumento da instabilidade financeira na Rússia, com a desvalorização
do rublo e a decretação da moratória por parte do governo.
A resposta brasileira foi a mesma de sempre, a elevação da taxa de juros básica para até 49% e um novo
pacote fiscal para o período 1999/2001. No entanto, diferentemente das outras duas crises, o governo recorreu
ao FMI em dezembro de 1998, com quem obteve cerca de US$ 41,5 bilhões, comprometendo-se a manter o
mesmo regime cambial, desvalorizando gradativamente o Real, acelerar as privatizações e as reformas libe-
rais, realizar o pacote fiscal e assumir metas com relação ao superávit primário.
O fim da âncora cambial
Nos primeiros dias do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, em janeiro de 1999, a repercussão
da crise cambial russa chegou ao seu limite no Brasil. As elevadas taxas de juros começavam a perder força
como ferramenta de manutenção do capital externo na economia brasileira e um novo déficit recorde na conta
de transações correntes obrigou o governo a mudar a banda cambial, que foi ampliada para R$ 1,32.
Logo no primeiro dia, o Real atingiu o limite máximo da banda, sendo desvalorizado em 8,2%, o que in-
fluenciou na queda do valor dos títulos brasileiros no exterior e das bolsas de valores do mundo todo. O Banco
Central tentou defender o valor da moeda, vendendo dólares, mas a saída de capitais continuou ameaçando
se aproximar do limite de 20 bilhões, que foi acordado com o FMI no ano anterior. Nesse momento, o governo
não teve outra escolha senão deixar o câmbio flutuar livremente, alcançando a cotação de R$ 1,98 em 13 dias.
Os Ciclos Diferenciados e o Desafio da Política Monetária Pró-Cíclica24
A crise financeira internacional de 2008 provocou uma queda consistente da inflação nas economias desen-
volvidas, mas nos países emergentes foram registradas divergências acentuadas no ciclo inflacionário, que tem
prevalecido nos anos recentes. O Chile e o México iniciaram um ciclo de flexibilização monetária em 2012 e
2013, respectivamente, com a desaceleração do ritmo de crescimento econômico, enquanto o Brasil elevou sua
taxa básica de juros em 375 pontos base entre abril de 2013 e abril de 2014 de 7,25% para 11,0%, a despeito
da redução no ritmo da expansão da atividade industrial e do consumo privado.
O estabelecimento do regime de metas de inflação em 1999 marcou o início de um novo arcabouço ins-
titucional da política monetária no Brasil. Com a combinação do regime de câmbio flutuante, as expectativas
inflacionárias assumiram um papel relevante na convergência da inflação para a meta central, que passou ser
o principal objetivo do Banco Central e a taxa de juros, o principal instrumento.
Entretanto, para a boa consecução do regime de metas de inflação é crucial a convergência e a coordenação
das políticas fiscal e monetária. Após registrar superávits primários consolidados na média de 1,93% do PIB
entre 1999-2002 e de 2,42% entre 2003-2008, a política fiscal brasileira tem sido posta em cheque nos últimos
anos quanto à sua neutralidade na inflação e a sua influência nas ações da política monetária. Os desvios con-
sistentes da inflação à meta central nos últimos anos e sobretudo, o timming e a intensidade do ajuste da taxa
de juros levantaram questionamentos entre os analistas em relação ao ciclo da política monetária, que estaria
mais associado a um padrão pró-cíclico.
As economias em desenvolvimento tradicionalmente implementaram políticas fiscais pró-cíclicas, com ex-
pansão de gastos públicos em períodos de elevação das taxas de crescimento econômico e ajustes contracio-
nistas nas contas públicas nos períodos recessivos ou de desaceleração, reforçando a deterioração dos ciclos
de negócios. O comportamento pró-cíclico da política fiscal estaria associado às dificuldades de acesso ao
financiamento do mercado internacional de capitais e também às pressões políticas por aumento de gastos em
períodos do ciclo de alta do crescimento econômico.
Entretanto, nos últimos anos, aumentou o número de economias emergentes que tem acionado políticas
fiscais anticíclicas, ou seja, tem priorizado a recuperação da poupança fiscal em anos de bom crescimento
para utilizar essa poupança de forma anticíclica nos períodos de contração ou desaceleração econômica, via
ampliação dos gastos fiscais e crédito público subsidiado. Esse movimento estaria associado à qualidade insti-
tucional e regulatória e ao aprofundamento das reformas econômicas estruturais, reforçando a credibilidade do
cumprimento das metas de superávit primário.

24 VELHO, Eduardo. Os Ciclos Diferenciados e o Desafio da Política Monetária Pró-Cíclica. Disponível em:
http://agriforum.agr.br/os-ciclos-diferenciados-e-o-desafio-da-politica-monetaria-pro-ciclica/

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No caso da economia brasileira, os números apontam características de uma política fiscal anticíclica (em
alguns períodos, o governo não formalizou a política anticíclica como objetivo, sobretudo antes de 2012) após
a crise financeira internacional, considerando o indicador de superávit primário consolidado do setor público
estrutural acumulado em quatro trimestres como proporção do PIB. Para citar um exemplo, esse superávit
recuou de 3,4% no primeiro trimestre de 2008 para 2,2% no terceiro trimestre de 2009, quando a taxa real de
crescimento acumulada em quatro trimestres recuou de 6,37% para uma variação negativa de -1,4% na mes-
ma comparação. Entre 2010 e 2013, também ocorreu a deterioração do superávit primário durante o ciclo de
desaceleração do PIB.
Entretanto, a recuperação da poupança fiscal na economia brasileira em períodos de expansão econômica
tem sido puxada de forma preponderante pelo aumento das receitas tributárias e não por corte e/ou maior efi-
ciência dos gastos. Nesse panorama, a política fiscal pressiona a inflação de custos e no último triênio 2011-
2013, apresentou novo impulso fiscal de demanda, o que também demandou a necessidade de retomada de
um novo ciclo de aperto monetário em 2013.
No passado, em diversas economias emergentes que apresentavam déficits elevados de transações corren-
tes no balanço de pagamentos e pressão de desvalorização de suas moedas, como o Brasil nas décadas de
80 e 90, os governos acionavam o aumento das taxas internas de juros para atenuar esse movimento, mas que
por outro lado, limitava ou mesmo impedia a adoção de política monetárias anticíclicas.
Nos últimos cinquenta anos, cerca de 40% dos países em desenvolvimento sancionaram políticas monetá-
rias pró-cíclicas, enquanto países industrializados praticaram políticas monetárias anticíclicas no mesmo perío-
do. Ao comparar os ciclos da política monetária, através da taxa básica de juros e da taxa real de crescimento
econômico medida pelo PIB (para uma amostra de 69 economias entre os anos de 1960 a 2009), constatou-se
que todas as economias consideradas industrializadas adotaram taxas de juros mais elevadas em períodos de
maior crescimento.
Crescimento econômico25
A economia internacional registrou uma aceleração do crescimento a partir de 2002. A exemplo do que havia
ocorrido entre 1982 e 2001. As regiões que mais se destacaram foram a Ásia Ocidental e Pacífico e a China.
Nesse último país, a média anual do período foi de quase 10%. A economia da Rússia, que conseguiu sair da
recessão pós-socialista graças ao aumento dos preços do petróleo, se expandiu a 6,4% ao ano.
Os países da União Europeia e o Japão tiveram comportamento inverso. Suas economias reduziram o cres-
cimento a níveis inferiores a 2%. A América Latina apresentou uma recuperação, chegando a quase 4% ao ano
a despeito de o Brasil ter mantido sua trajetória anual de 2,4%. Os EUA também mantiveram seu crescimento
em torno de 3%.
A economia brasileira, apesar do crescimento relativamente lento, apresentou, nesse período, uma mudança
em relação às duas décadas anteriores. Houve uma substancial redução da fragilidade externa da economia,
graças à acumulação de elevados superávits comerciais – US$ 32 bilhões, em média, entre 2001 e 2006, dos
pelo aumento das exportações. O resultado foram os sucessivos saldos positivos nas transações correntes, da
ordem de 1,5% do PIB
Esses elevados superávits externos se refletiram muito positivamente nos indicadores de dívida e de re-
servas externas. A dívida externa líquida até setembro de 2006 havia sido reduzida para US$ 70,8 bilhões, o
equivalente a 35% do valor máximo alcançado em 1999, US$ 205,1 bilhões. Já a dívida externa bruta registrou
uma redução de US$ 84,8 bilhões nesse mesmo período, enquanto as reservas internacionais atingiram US$
US$ 62,7 bilhões, aumentando em praticamente US$ 30 bilhões desde o nível mínimo atingido em 2000. Como
se pode ver no Anexo 1, essa melhoria no quadro externo pode ser percebida em todos os demais indicadores
de solvência externa da economia brasileira. A redução da vulnerabilidade externa foi acompanhada pelo forta-
lecimento financeiro das empresas brasileiras.
A partir de 2002, a dívida bruta das companhias abertas, a preços de dezembro de 2005 [Nascimento (2006)],
caiu de R$ 366,8 bilhões para R$ 286,5 bilhões: uma redução de aproximadamente R$ 80 bilhões. Com isso, ao
final daquele último ano, a dívida total era 21,9% menor do que em 2002, ano em que atingiu seu valor máximo.

25 CRUZ, Adriana inhudes Gonçalves, Et al. A Economia Brasileira: Conquistas dos Últimos dez anos e
perspectivas para o futuro. Adaptado

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Do ponto de vista do endividamento líquido, a queda foi ainda maior. O saldo de R$ 253 bilhões a preços
de 2005, registrado ao final de 2002, se viu reduzido, no final de 2005, a R$ 130,7 bilhões, ou seja, quase a
metade. Além da redução da dívida bruta, colaborou para esse resultado o aumento das disponibilidades e
aplicações líquidas dessas empresas, que passaram de R$ 132 bilhões para R$ 156 bilhões nesse período.
Com relação ao equilíbrio entre receitas e obrigações em moeda estrangeira, também se observou uma
redução importante na fragilidade das empresas. A participação do endividamento em moeda estrangeira no
endividamento total das empresas analisadas começou a declinar ainda em 2001 quando atingiu o máximo de
46%. Desde então, a redução das dívidas em moeda estrangeira se acentuou, fazendo com que sua participa-
ção declinasse para 30% em 2005. Foi uma queda de 12 pontos percentuais em apenas três anos.
Esses resultados sinalizam um cenário de fortalecimento financeiro das empresas, tanto em termos de
menor endividamento líquido quanto de maior equilíbrio entre suas receitas e seus pagamentos em moeda es-
trangeira. Esse comportamento corresponde, no plano microeconômico, à redução da vulnerabilidade externa
da economia como um todo.
Crescimento do mercado interno26
No ano 2000, o Brasil voltou a apresentar uma aceleração do crescimento, o PIB cresceu 4,3%. O aqueci-
mento da economia estava relacionado com a diminuição das taxas de juros, imposta rigidamente para ficar no
patamar de 15% no ano anterior, o grande período em que o Real manteve-se estabilizado nos anos anteriores
e com a recuperação da confiança, consequência do comprimento do acordo com FMI.
O ano de 2001 foi marcado por uma desaceleração econômica, a taxa de crescimento do PIB foi de apenas
1,3%. Isso aconteceu devido à crise energética vivenciada pelo país e pela insegurança nos mercados exter-
nos, provocados pela crise da Argentina e pelos atentados terroristas contra os Estados Unidos.
Com isso, o mercado de câmbio passou por algumas oscilações, na qual o Real sofreu uma depreciação
média de 28,3% ao ano e a taxa cambial variou de R$1,95/US$, em Janeiro para R$2,36/US$ em Dezembro.
Apesar disso, o impacto da desvalorização cambial sobre os preços não foi tão acentuado, o IPCA cresceu
6,8% no ano, justificado pela diminuição da demanda do consumidor e pela paralisação do mercado de traba-
lho, em relação a novas contratações e a rentabilidade real. Além disso, a crise energética também impactaria
o nível de preços, e assim, o país operou com uma política monetária retrativa, através do aumento da taxa
básica de juros e dos depósitos compulsórios, para permanecer dentro da meta inflacionária.
O colapso energético ocorrido no Brasil neste período comprometeu o fornecimento e distribuição de energia
elétrica do país. Esta crise interna, que obrigou os brasileiros a racionar energia, aconteceu por dois principais
motivos: a pequena quantidade de chuva, que deixou inúmeras represas vazias, e pela carência de planeja-
mento e de investimento, tanto na geração como na distribuição da energia elétrica.
Em 2001, a economia da Argentina, que estava atrelada ao câmbio fixo, no qual um peso era equivalente a
um dólar, tentou negociar suas dívidas, porém só aprofundou ainda mais a crise. Em dezembro, o país declarou
a moratória de sua dívida, neste mês, o Presidente Fernando de La Rua renunciou, e em seguida, outros quatro
presidentes assumiram o cargo e renunciaram em 12 dias.
A taxa de crescimento em 2002 foi de 2,7%, ocasionada devido a vitória nas eleições presidenciais do país
pelo candidato de oposição, Luiz Inácio Lula da Silva, que trouxe incerteza quanto à sustentação da política
econômica, o chamado risco-Lula, nome que faz alusão ao risco-país. O risco-país tenta medir a instabilidade
econômica em um país e assim o risco que você assume ao investir nele, quanto maior, menores serão as
chances de atrair investidores estrangeiros.
Esse fator, aliado à degradação da economia e da política da Argentina, resultou na queda do fluxo de capi-
tais e aumentou risco dos países emergentes, pelo provável ataque ao Iraque pelos EUA, que provocou insta-
bilidade nos preços internacionais do petróleo e afetou os preços internos de seus derivados.

26 Ribeiro, Francielle Camila Santos, Et al. A EVOLUÇÃO DO PRODUTO INTERNO BRUTO BRASILEIRO
ENTRE 1993 E 2009

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Em consequência desses fatores, o aumento da taxa cambial não só continuou como passou a influenciar os
preços internos e elevar a dívida pública, pois parte dela estava acoplada à moeda estrangeira, terminando o
ano com a cotação de R$3,63/US$ e com uma depreciação de 52% do Real. Mesmo com a moeda depreciada
e com o aumento da inflação, o Banco Central decidiu reduzir para 18% a taxa Selic em julho, agosto e setem-
bro, porém no em outubro teve início um aumento sucessivo da taxa, concluindo o ano em 25%.
Em 2002, o que aumentou o nível desta taxa foi o risco-Lula, que trouxe insegurança quanto à política eco-
nômica que iria empregar.
Em 2003 o governo adotou política fiscal e monetária contracionista, fazendo com que a taxa de crescimento
do PIB voltasse a desacelerar e alcançasse a marca de 1,1%. A insegurança do período foi caracterizada pelo
aumento do risco-país, pela depreciação da taxa de câmbio, pela saída de capitais e pela queda do crédito
internacional.
Com o objetivo de controlar a inflação, o governo optou por aumentar a taxa Selic para 26,5% ao ano em fe-
vereiro, mantendo-a assim até junho. Esta política econômica resultou em maior confiança dos mercados e na
baixa do câmbio, que passou de R$3,59/US$ em fevereiro para R$2,93/US$ ao final do ano. Com a apreciação
do câmbio e com ferramentas monetárias restritivas, o governo conseguiu obter certo controle sobre a inflação
e assim voltou a diminuir a taxa básica de juros. Mesmo assim, a inflação acumulada do período alcançou 9,3%
(IPCA).
O ano de 2004 foi marcado pela retomada do crescimento do PIB brasileiro, alcançando a taxa de 5,7%.
Com um ambiente externo favorável e o contínuo aumento do saldo da balança comercial, a taxa de câmbio
voltou a valorizar-se. Além disso, a queda da inflação, a partir da metade do ano de 2003, fez com que o Banco
Central reduzisse a meta da taxa Selic em 10 pontos percentuais, atingindo, em janeiro de 2004, 16,5% a.a.
De janeiro a abril, o Comitê de Política Monetária (COPOM) decidiu diminuir a taxa Selic em meio ponto per-
centual para prorrogar o crescimento econômico e o pequeno nível da inflação. Porém, no segundo semestre,
o aumento da pressão inflacionária acarretou um aumento desta taxa, que passou para 17,5% ao ano.
Em 2005, o país apresentou crescimento de 3,2%, desempenho menor que o verificado em 2004, devido
à desaceleração dos investimentos, da indústria de transformação e da agropecuária. Segundo Rebeca Palis,
gerente de Contas Nacionais do IBGE, este resultado foi puxado pelo consumo das famílias, influenciado prin-
cipalmente pelo aumento do crédito e dos salários reais, da ordem de 3,1%, enquanto que o gasto do governo
cresceu 1,6% em relação ao ano anterior.
De acordo com o IBGE, a participação dos componentes da demanda, no resultado do PIB deste ano, foi de
55,5% consumo das famílias, 20,6% investimento, 19,5% consumo do governo e exportações líquidas de 4,4%,
sendo que as exportações contribuíram com 16,8%, contra 18,0% de 2004, queda justificada pela apreciação
do Real frente ao dólar, enquanto as importações alcançaram 12,4%, contra 13,4% em 2004.
Os investimentos registraram alta de apenas 1,6%, em relação a 2004, pois a crise de confiança, motivada
pelas incertezas quanto às políticas do governo, fez com que empresários e consumidores adiassem projetos
para 2006. A taxa de juros mais elevadas e o câmbio contribuíram com esse resultado.
A participação setorial no valor adicionado foi da ordem de R$ 145,8 bilhões para a agropecuária, redução na
participação de 1,70% em relação a 2004, totalizando 8,4% do PIB 2005. A indústria e os serviços apresenta-
ram desempenhos positivos, 40% e 57%, respectivamente. O PIB per capita a preços correntes, definido como
a divisão do total do PIB a preços correntes pela população residente atingiu R$ 10.520,00 em 2005.
Para o ano de 2006, o crescimento registrado foi de 4,0%, pequena recuperação frente a 2005. O PIB per
capita apresentou crescimento real de 1,4% e o consumo das famílias 3,8% ante 2005.
Com base em dados do IBGE, o setor agropecuário cresceu 3,2% em 2006, a indústria brasileira avançou
3%, puxada pela indústria extrativa mineral (5,6%) e pela construção civil (4,5%). O ano foi marcado pelos re-
flexos da crise do agronegócio iniciada em 2005, determinada pela ausência de investimentos e de incentivos
por parte dos governos e, pela preocupação mundial com a gripe do frango, febre aftosa, transgenia, que com-
prometeram as exportações brasileiras do setor.

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O resultado de 2007 mostra crescimento de 5,7%, conquistado pela recuperação do setor do agronegócio,
atividade que apresentou o maior crescimento no ano com 5,3%, baseado no bom desempenho da lavoura de
trigo, algodão herbáceo, milho em grão, cana e soja. O bom desempenho da economia também foi motivado
pelo volume de investimentos (16,0%).
A indústria cresceu 4,9%, com destaque para a indústria de transformação com participação de 5,1%, e da
construção civil 5,0%, enquanto o setor de serviços apresentou alta de 4,7% em relação a 2006, desempenho
determinado pelo subsetor de intermediações financeiras e seguros (13,0%), seguido por serviços de informa-
ções (8,0%) e comércio (7,6%).
O PIB cresceu 5,1% em 2008, enquanto o PIB per capita cresceu 4,0% em relação a 2007. A taxa de inves-
timento de 2008 chegou a 18,5% - a mais alta da série iniciada em 2000. Comparando o quarto trimestre de
2008 com o terceiro, o PIB apresentou queda de 3,6%, se comparado ao mesmo período de 2007 a economia
brasileira registrou expansão de 1,3%
Os modestos resultados do último trimestre do ano foram motivados pela precipitação da crise mundial, ini-
ciada nos Estados Unidos, que foi negligenciada pelo governo brasileiro, que se limitou a reduzir os depósitos
compulsórios e preferiu não alterar a taxa Selic. A indústria foi o setor que mais padeceu, registrando queda de
7,4%, enquanto a agropecuária e serviços apresentaram resultados de – 0,5% e – 0,4%, respectivamente no
período.
Em 2009, a variação do PIB ficou em - 0,2%, totalizando R$ 3.143 bilhões. Os resultados setoriais também
apresentaram queda, sendo o pior desempenho da indústria - 5,5%, no qual todos os subsetores apresenta-
ram queda, com destaque para a indústria e transformação (- 7,0%) e construção civil (-6,3%). O agronegócio
recuou – 5,2%, devido à redução da produção de trigo, milho, café e soja. O setor de serviços apresentou alta
de 2,6%.
Os componentes da demanda interna agregada apresentaram valores positivos para consumo das famílias
(4,1%) e gastos do governo (3,7%), enquanto que a formação bruta de capital fixo recuou 9,9%.
A renda per capita caiu em 1,2%, ficando em R$ 16.414,00, resultado maior que em 2008, devido à baixa
taxa de crescimento da população (0,99%) e não ao desempenho da economia.
A taxa de investimento recuou para 16,7%, resultado diretamente relacionado à crise de confiança, que ron-
dava a economia mundial no primeiro semestre de 2009, “recessão pronunciada, acontecida no 1º semestre do
ano, reflexo da penetração da crise internacional no front doméstico, que atingiu de forma profunda os ramos
mais articulados ao comércio externo, pela via perversa da diminuição da demanda, dos preços e do crédito”.
No segundo semestre, a economia se recuperou, em função do bom desempenho do mercado interno aque-
cido pelas reduções do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para automóveis, eletrodomésticos da linha
branca e materiais de construção, e da pequena melhora apresentada pelo comércio internacional.
O PIB do primeiro semestre, se comparado ao mesmo período de 2008, recuou 1,9% e, no segundo período
de 2009, apresentou alta de 1,5%, seguindo a mesma base comparativa.
As medidas para mitigação dos efeitos da crise foram intensificadas entre 2008 até meados de 2009, pe-
ríodo no qual a política monetária promoveu uma diminuição gradativa na taxa Selic de 13,75% a.a. em de-
zembro/2008 para 8,75 a.a. em julho/2009. Portanto, a recuperação demonstra que as medidas adotadas pelo
governo promoveram a reação econômica, fazendo com que o Produto Interno Bruto crescesse nos últimos
seis meses do ano anterior.
A Evolução do Salário Mínimo27
O primeiro mandato do governo Lula, marcado pelo começo de uma nova fase da inserção internacional
da economia brasileira, a partir da melhora da demanda do mercado externo, determinando grande parte das
condições favoráveis ao bom desempenho do crescimento do PIB, o qual foi realimentado pela subsequente
ampliação do investimento e consumo - resultando, entre os anos de 2003 e 2006, numa média de variação
anual do produto da ordem de 4,2% -, inaugurou um período de considerável estruturação no mercado de tra-
balho brasileiro, o que também contribuiu para a criação de um contexto favorável à implementação de uma
política do salário mínimo.
27 SOUEN, Jacqueline Aslan. A Política de Valorização do Salário Mínimo e seus Determinantes no Contex-
to da Retomada Econômica, 2003 – 2010. Adaptado

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A maior liquidez internacional no pós 2003, devido, em grande medida, à política americana de juros baixos,
ampliação do gasto público e do déficit comercial, juntamente à forte demanda da economia chinesa, contribuiu
para um movimento mais favorável do comércio mundial, se traduzindo em melhoras crescentes das nossas
exportações – via aumento de preços e quantidades, principalmente em commodities, mas também em manu-
faturados –, mais competitivas devido ao câmbio desvalorizado, significando expressivos aumentos dos saldos
anuais da balança comercial e em conta corrente. O aumento das exportações, por sua vez, rebateu positiva-
mente na atividade econômica e, consequentemente, na dinâmica da demanda doméstica, reforçada, poste-
riormente, pelo aumento do crédito às empresas e ao consumidor pelas transferências de renda do programa
Bolsa Família, e pelo movimento de recuperação do salário mínimo acima da inflação, o qual foi beneficiado
pela gradual ativação da economia, bem como um contexto político mais favorável.
Embora com a continuidade de um arranjo restritivo de política econômica, marcada pelos juros elevados
- priorizando o controle inflacionário -, câmbio flutuante e a busca dos recorrentes superávits primários - para
pagar o custo da dívida pública e reduzir a relação dívida/PIB -, com o aquecimento da economia os níveis
absolutos e relativos de desemprego pararam de subir no mesmo ritmo anterior e, a partir de 2004, com o PIB
crescendo em média 3,5% ao ano, entre 2004-2006, houve um gradativo aumento da elasticidade do emprego
em relação ao produto, com as ocupações aumentando cerca de 2% ao ano – ver tabela 2. A informalidade e o
grau de desproteção previdenciária arrefeceram, e a massa dos rendimentos do trabalho, captada pela PNAD,
cresceu consideravelmente entre 2004-2006, mas, sobretudo entre 2005-2006, tanto pelo aumento das ocupa-
ções formais, como devido ao crescimento da renda média do trabalho – ver tabela 4 -, a qual se encontrava
em níveis bastante baixos em 2004. Sendo assim, tal cenário acabou significando melhores condições para a
continuidade do processo de recuperação do valor real do salário mínimo.
Com a recuperação da atividade econômica ocorreu um maior estímulo às contratações formais, sobretudo
em razão do aumento de capacidade produtiva nas médias e grandes empresas - dominantes no setor exporta-
dor – revertendo a tendência de pequena elasticidade emprego-renda dos anos 90. Dessa forma, inaugurou-se
um período de aumento das ocupações, principalmente o emprego assalariado formal. Esse quadro de au-
mento do emprego e formalização foi sendo realimentado pela continuidade do bom desempenho do produto,
reforçado pelo aumento dos gastos das famílias e empresas, devido à ampliação do crédito de mais longo
prazo. Outra fonte de ampliação dos empregos formais se deu a partir do setor público, devido aos avanços
das políticas sociais, sobretudo em saúde, educação, previdência e assistência social, sendo que esses dois
últimos setores passaram a contratar mais, como reflexo do maior dinamismo da atividade econômica. Portan-
to, a dinâmica econômica e do mercado de trabalho, no pós 2003, foram fundamentais para a ampliação do
emprego formal. Contudo, também é necessário sublinhar que uma fonte de estímulo da melhora do nível de
formalização está relacionada ao maior empenho do governo no sentido de aumentar a fiscalização nos estabe-
lecimentos e contratos de trabalho. Tal postura do poder público, através do Ministério do Trabalho e Emprego,
Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, tinha como principal objetivo a elevação da arrecadação
de impostos e contribuições sociais, para contrabalançar os crescentes gastos sociais, e as necessidades de
ajuste fiscal, decorrentes da política macroeconômica conservadora, iniciada em 1999.
Sendo assim, tais mudanças significativas na economia e no mercado de trabalho brasileiro, como reflexo
de um ciclo virtuoso inaugurado em 2003 - com a forte demanda do mercado internacional, num ambiente de
relativo controle inflacionário e redução da vulnerabilidade externa e tendência à queda nas taxas de juros -, fo-
ram primordiais à trajetória ascendente do valor do salário mínimo, que acumulou crescimento real de 27,87%,
entre 2002-2006.
A ampliação do número de pessoas ocupadas com rendimento, aumento da formalização, crescimento da
massa salarial - sobretudo entre 2005 e 2006 -, em virtude do aumento das ocupações, mas também pela ele-
vação da renda média do trabalho, relacionada, por sua vez, com a recuperação do piso mínimo, foram funda-
mentais para realimentar o ciclo virtuoso e, portanto, a continuidade do processo de recomposição do salário
mínimo. Na medida em que o ritmo de crescimento da economia e do emprego se manteve, foram nítidos os
efeitos positivos sobre as contas públicas e da previdência, realimentando o quadro favorável para a sequência
de reajustes do mínimo, rebatendo nos aumentos do salário médio real que, somados aos ajustes dos pisos
das categorias - como resultado das negociações coletivas -, e à ampliação dos empregos formais, implicou
em substancial crescimento da massa salarial real, conforme dados da PNAD e assim sucessivamente, repro-
duzindo as condições para o contexto positivo.

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Ampliação de credito28
Dentro do contexto econômico, pode-se dizer que o crédito oportuniza a realização de investimentos e con-
quistas, sendo obtido por meio de uma relação de confiança entre duas ou mais partes, com as devidas garan-
tias de operação, cujo propósito é a compra e venda de produtos ou serviços.
O acesso das populações carentes ao crédito é resultado das políticas públicas contra a pobreza, impactan-
do a economia local. Pode-se dizer que o crédito é a chave que abre a porta para o crescimento dos negócios
em todos os setores da economia.
O sistema financeiro do Brasil tem como características certo conservadorismo, apoiando-se numa visão de
curto prazo e privilegiando a ideia de que capital atrai mais capital, às vezes, numa razão direta de seu tamanho
e inversa com relação às suas necessidades.
A oferta de crédito tem uma elevada importância no desenvolvimento econômico do país, uma vez que pos-
sibilita o investimento na aquisição de produtos, máquinas, equipamentos, bem como na contratação de mão-
-de-obra, impulsionando a economia nacional. Com a oferta de crédito a médio e longo prazo, tanto as pessoas
físicas como empresas participam de forma mais direta da economia, participação observada pelo aumento do
consumo, aplicações em maquinários e abertura de novos estabelecimentos comerciais.
O crédito tem um importante papel no desenvolvimento local e este irá se refletir no desenvolvimento de uma
forma mais ampla, ou seja, reflete-se na sociedade como um todo e faz com que os governos se voltem para
atender as necessidades da população. O desenvolvimento do país deve envolver a participação da sociedade
civil, do poder público e das instituições financeiras, enquanto organismos liberadores de crédito.
Sempre que o poder público oportuniza a liberação do crédito, o reflexo é o aumento do consumo. Saliente-
-se que pode haver maior inserção econômica e social, através da geração de emprego e renda.
É importante ressaltar que a concessão do crédito através das instituições financeiras baseia-se na análise de
fatores operacionais e financeiros da empresa, no caso de pessoa jurídica, bem como nas garantias pessoais, no
caso de liberação de crédito à pessoa física, ligado principalmente ao salário. O volume de crédito é diretamente
proporcional à política econômica implantada pelo poder público, isto é, numa economia equilibrada, pode-se
liberar o crédito sem maiores riscos. Salientando-se que quanto maior o endividamento, maiores são os riscos
de inadimplência, assim como provoca a elevação das taxas de juros.
No entender de Securato (2002), toda operação de crédito se caracteriza por ser uma forma de obtenção de
empréstimo, cujo custo está representado na forma de juros. Já Schrickel (2000, p. 25) apresenta uma definição
de operação de crédito como sendo “[...] todo ato de vontade ou disposição de alguém destacar ou ceder tem-
porariamente parte de seu patrimônio a um terceiro, com a expectativa de que esta parcela volte à sua posse
integralmente após decorrer o tempo estipulado”. No momento da liberação do crédito, ocorre o que Santos
(2003, p.15) determina como sendo “a troca de um valor presente por uma promessa de reembolso futuro, não
necessariamente certa em razão do fator risco”.
As operações de crédito têm sua classificação de acordo com a origem dos recursos, dividindo-se em: ope-
rações de crédito com recursos direcionados, aquelas que apresentam taxas e recursos previamente estabele-
cidos pelas normas governamentais e destinadas fundamentalmente a setores como o rural, habitacional e de
infra-estrutura; assim como as operações de crédito com recursos livres, as que têm sua formalização por meio
de taxas de juros definidas entre os tomadores e os estabelecimentos financeiros (ORTOLANI, 2000).
Entre as principais operações de crédito com recursos livres, pode-se destacar:
- Capital de giro: modalidade de empréstimo cujo objetivo é atender as necessidades de capital de giro das
empresas. O empréstimo tem sua vinculação por meio de um contrato específico em que fica estabelecido o
prazo, taxas, valores e as garantias necessárias. Comumente, a garantia se realiza por meio de duplicatas, e
os prazos giram em torno de 180 dias.
- Conta garantida: caracteriza-se por se tratar de uma conta de crédito aberta com valor limite pré-estabe-
lecido e o movimento ocorre a partir dos cheques emitidos pelo cliente, se não houver saldo na conta corrente
de movimentação. Havendo saldo disponível na conta movimento, há a transferência dos valores para a conta
garantida, cobrindo o saldo devedor da mesma.

28 BURIN, Roberto. AS CONSEQUÊNCIAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AMPLIAÇÃO DO CRÉDITO


COMO ESTRATÉGIA PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Adaptado

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- Desconto de títulos (notas promissórias e duplicatas): o banco libera aos clientes, de forma imediata, re-
cursos que serão recebidos quando do vencimento das promissórias e duplicatas entregues à instituição finan-
ceira. O cliente recebe os valores, antecipa seu fluxo de caixa e transfere ao banco os documentos que seriam
recebidos no futuro.
- Aquisição de bens: operação que se destina a possibilitar a aquisição de bens, tanto a pessoas físicas
como jurídicas, ficando o bem adquirido como garantia da operação de crédito realizada.
- Financiamento imobiliário: caracteriza-se por não estar integrado ao Sistema Financeiro de Habitação e
seu objetivo é o financiamento para adquirir, construir ou reformar imóveis.
- Cheque especial: tipo de crédito em que há a vinculação de um determinado limite à conta bancária da
pessoa física. O saldo desse limite é abatido sempre que houver saldo na conta bancária do devedor.
- Crédito pessoal: tradicional operação de crédito destinada às pessoas físicas, mas ressalta-se que a con-
cessão não se caracteriza pela vinculação de um bem ou de algum serviço.
- Cartão de crédito: modalidade de crédito que disponibiliza, entre outros, serviços como pagamentos à vista
entre consumidor e empresa, bem como permite a liberação de dinheiro de forma direta ao consumidor por
meio de uma operação de saque.
- Crédito consignado: representa uma modalidade de crédito muito utilizada atualmente. Trata-se de um em-
préstimo em que os débitos das parcelas serão realizados diretamente no salário do tomador do empréstimo,
ou seja, diretamente em seu contracheque. No entanto, essa modalidade deve obedecer aos limites de endivi-
damento do trabalhador, conforme o valor de seu salário (FORTUNA, 1999; BACEN, 2007).
A liberação de crédito através da utilização das políticas públicas, especificamente no período de 2002 a
2009, possibilitou o acesso ao crédito das chamadas populações de baixa renda, urbanas e rurais; bem como a
elevação do consumo e a consequente geração de emprego e renda. Conforme Torres Filho (2006), a partir do
ano 2000, evidencia-se um crescimento do crédito para a pessoa física em razão da consolidação do sistema
financeiro no que diz respeito ao enfrentamento das constantes crises financeiras e da capacidade de manter a
economia nacional num patamar de estabilidade e segurança, a partir de alguns ajustes e redirecionamentos.
Conforme Slomp (2012), percebe-se, no país, a instalação da chamada cultura do endividamento, em face
do aumento no número de pessoas endividadas junto às instituições financeiras, bem como pela elevação do
crédito direto ao consumidor em lojas e departamentos; fazendo com que o endividamento se caracterize como
um reflexo da sociedade. Assim sendo, a dívida é parte integrante do contexto econômico e está diretamente
relacionada às atuações internacionais, nacionais, regionais e até familiares, em face disso, o governo e os
órgãos de controle devem estar atentos para que o endividamento não se torne um problema de irreversível
solução.
Transferência de Renda29
No Brasil, país de grande dimensão continental, a acumulação ocorre de forma heterogênea. Em algumas
áreas estão concentrados setores dinâmicos da economia, que promovem cada vez mais a expansão produ-
tiva daquele espaço, enquanto em outras ocorrem fragilidades econômicas. Buscar a integração do processo
produtivo entre as regiões do Brasil para promover o acúmulo de excedentes e a redução das desigualdades
sociais rumo a um posterior desenvolvimento, deveria estar entre os principais objetivos das ações governa-
mentais.
As discussões em torno das causas do crescimento e desenvolvimento de uma nação são das mais diver-
sas. Enquanto alguns economistas compartilham a ideia de que crescimento e desenvolvimento são sinônimos,
outra corrente de teóricos diferenciam ambos, propondo ser o crescimento condição indispensável, mas não
suficiente ao desenvolvimento. Há também uma nova proposta de desenvolvimento sustentada no princípio da
justiça social, com a equalização das oportunidades, contrapondo-se ao modelo convencional de desenvolvi-
mento econômico predominante.

29 SILVA. Audileia Rodrigues. PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIAS DE RENDA E DESENVOLVIMENTO:


UMA ANÁLISE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE PLANALTO – BA, NO PERÍODO DE
2004 A 2010. Adaptado

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Daí a importância de não se confundir crescimento com desenvolvimento, fazendo-se necessário a com-
preensão de ambos os processos, pois em algumas situações associado ao crescimento ocorrem queda dos
indicadores sociais. O crescimento estaria relacionado ao aumento da renda per capita, enquanto que, o de-
senvolvimento contemplaria o aumento da produção nacional acompanhado de melhorias no nível de vida da
população e de transformações sociais e econômicas ocorridas na sociedade, o que evidencia a complexidade
da relação existente entre crescimento e desenvolvimento.
As análises mais completas acerca das questões do desenvolvimento, além avaliarem as variações quanti-
tativas do produto e as melhorias em educação, saúde, nível de bem estar, entre outros, consideram a questão
ambiental, pois “Com o tempo, o crescimento econômico tende a esgotar os recursos produtivos escassos,
através de sua utilização indiscriminada.”
Daí a relevância do gasto social e das rendas monetárias para as pequenas economias, pois em muitos
casos, eles são direcionados aqueles que não possuem renda, implicando na ampliação do consumo destes
beneficiários, e em ganhos econômicos. O gasto social teria efeitos sobre o produto e a renda da economia, o
que pode ser atribuído ao princípio da demanda efetiva. Outro efeito concentra-se na promoção autônoma da
redistribuição da renda que o gasto pode promover aos beneficiários. No Brasil, o avanço em gasto social co-
meça a ocorrer a partir da Constituição de 1988, momento de grandes demandas sociopolíticas em todo o país.
O programa Bolsa Família é uma representação bastante plausível nesta proposta de desenvolvimento equi-
tativo, haja vista que, além de atender parcela significativa da população brasileira em situação de pobreza e
extrema pobreza, o programa conta com condicionalidades nas áreas de saúde e educação, o que acaba por
contribuir com igualdade, e com a oportunidade de inclusão.
As políticas sociais se definem como a intervenção do Estado nas questões sociais do país, com vista a
melhorar as condições de vida de seus habitantes, e oferecer direitos, como educação, saúde e assistência so-
cial. Dentre os objetivos das políticas, a redução das desigualdades, pode ser considerada como um dos mais
importantes, se constituindo em uma forma de ampliar o bem estar da sociedade.
A crise econômica 2008 - Abalos na economia mundial
A crise que mais abalou a economia mundial desde a crise de 1929 foi a que eclodiu nos EUA a partir de uma
bolha (uma situação de super demanda que estimula a especulação financeira) no setor imobiliário e se alas-
trou para todos os outros setores econômicos e países do mundo. Ocorreram várias outras crises econômicas
entre 29 e 2008, mas foram menos violentas. Como outras crises que ocorreram neste intervalo podemos citar
as crises do petróleo, na década de 70 (1973 e 1979). A crise atingiu os setores financeiros (de créditos finan-
ciamentos e negociações na bolsa de valores) e produtivos (retração na produção das indústrias, desemprego
e diminuição no consumo de bens e serviços.). Se alastrou rapidamente e de forma notável atingiu com mais
profundidade os países mais desenvolvidos. EUA, UE, e Japão foram os mais impactados. Uma razão para isso
é que devemos nos lembrar que na Globalização todas as grandes economias do mundo são muito interligadas
e interdependentes, podendo gerar um efeito dominó.
Ainda nos dias de hoje, idos de 2015, alguns países europeus estão passando por uma forte crise econô-
mica e a união europeia corre risco de se desmantelar e o Euro de se enfraquecer. Há várias propostas nos
PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda/Eire, Grécia e Espanha), os mais atingidos pela crise europeia, de abandonar a
moeda e a UE. Nos mais industrializados também há convicções de abandonar a organização. Foi marcado no
Reino Unido um plebiscito para decidir se ficam ou não na EU. A crise atingiu também os Emergentes. Como
dependem do capital das economias centrais e exportam matérias primas para lá, foram atingidos e tiveram
um crescimento econômico menor. Lembre-se que países desenvolvidos param de produzir e de comprar com-
modities (matérias primas negociadas nas bolsas internacionais. Fique ligado, pois quem determina o preço é
o mercado e não os produtores.) e no caso do Brasil, exportamos menos minérios e produtos agrícolas. Como
tudo isso começou?
A crise estourou nos EUA e é importante lembrarmos uma de suas características: Seu banco central o FED
(federal reserve) tem total autonomia para mexer nas taxas de juros. E como não há intervenção estatal, quan-
do um consumidor adquire um financiamento, os valores das parcelas podem oscilar de acordo com a oscilação
dos juros. Em 2001 ocorre o atentado do 11/09 que estimula a política de Guerra ao Terror do então presidente
George Bush de invadir o Afeganistão em 2001 e o Iraque e os gastos militares aumentam muito.

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Nos anos de 2001 o FED diminuiu a taxa básica de juros que ficou em torno de 1,75% a 1%. O objetivo desta
medida é estimular a economia através do consumo. Os financiamentos ficam mais baratos e vendem mais
mercadorias. O valor do financiamento de casas caiu e impulsionou a construção civil e o mercado imobiliário,
que passa a oferecer créditos a muitas pessoas. No linguajar corporativo americano denominava-se como “Sub
prime” os setores trabalhadores mais frágeis da economia (trabalhadores assalariados e pequenos empreende-
dores), que por possuírem uma baixa renda, há um risco maior de calote no caso de aumento das prestações).
Multiplicam-se os empréstimos imobiliários e a emissão de títulos na bolsa de valores, dando como garantia as
prestações a serem pagas, ou seja, em caso de inadimplência perde o imóvel. Com a super demanda forma-se
uma bolha especulativa, e aumentam os valores dos imóveis e aplicações financeiras na construção civil.
Devidos aos altos gastos militares e políticas neoliberais em que o governo retirou os impostos das rendas
mais altas ocorre aumento da inflação (aumento no preço dos produtos) no país. Para tentar conter a inflação o
FED aumentou a taxa básica de juros e tentar incentivar a procura internacional por dólares. A principal conse-
quência é o aumento do valor dos financiamentos e prestações. As taxas foram aumentadas até 5,25%, cinco
vezes maior que 2001. Como as prestações multiplicaram seu valor, aquele grupo mais frágil da economia de-
signado “sub prime” pelos bancos não conseguiram pagar suas dívidas e ocorreram vários calotes.
Lembra-se que o próprio imóvel era dado como garantia da dívida? Então. Ocorre uma grande onda de
despejos e muitas pessoas foram parar nas ruas. Com o aumento da oferta de imóveis (oferta maior que a
demanda) os preços desabam. Como as dividas foram transformadas em títulos os bancos comercializaram
estes títulos nas bolsas de valores. Estes títulos na bolsa (com base nos empréstimos dados como garantia)
despencou causando prejuízos à bancos e a empresas imobiliárias. O resultado: Efeito dominó. Milhares de
pessoas perdem a moradia, bancos quebram e o setor de construção civil entrou em paralisia.
Consequências da crise
- Adoção de medidas Keynesianas, ou seja, os Estados passam a intervir na economia. Os bancos no mun-
do todo injetam em torno de 400 bilhões nos mercados financeiros através de empréstimos de curto prazo para
os bancos manterem as transações financeiras. O dinheiro emprestado é público. O governo norte americano
injetou muito dinheiro para salvar bancos e estimular fusões entre eles. Os bancos que não receberam ajuda
estatal quebraram e levaram junto outros bancos e fundos de pensão.
- Os investidores (por segurança param de investir em títulos imobiliários) e migram seus investimentos para
as commodities o que provocou aumento na cotação internacional dos grãos. Mais de 20 nações pobres pas-
saram por uma crise alimentar no primeiro semestre de 2008, causando protestos populares.
- As medidas Keynesianas são adotadas pelas potências industriais para evitar uma maré de empresas
quebradas. Investem trilhões de dólares nas instituições bancárias e grandes empresas. As eficácias das
medidas neoliberais passam a ser questionadas. Os governos estatizam empresas e garantem os depósitos
bancários de investidores
- Recessão (retração da economia)
- Desemprego
- Diminuição do crescimento econômico mundial

Desenvolvimento sustentável e meio ambiente

A relação entre meio ambiente e desenvolvimento sustentável é um dos temas mais prementes da atualida-
de, refletindo a necessidade urgente de reavaliar as práticas econômicas e sociais à luz dos impactos ambien-
tais. O conceito de desenvolvimento sustentável surge como uma resposta à crescente consciência de que o
modelo de desenvolvimento econômico vigente, muitas vezes baseado na exploração excessiva de recursos
naturais, não é viável a longo prazo. Assim, busca-se um equilíbrio entre crescimento econômico, conservação
ambiental e equidade social.

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A Crise Ambiental Global
Atualmente, enfrentamos uma série de crises ambientais, incluindo as mudanças climáticas, a perda de
biodiversidade, a poluição e a degradação dos solos e dos recursos hídricos. As mudanças climáticas, impul-
sionadas principalmente pelas emissões de gases de efeito estufa resultantes de atividades humanas, como
a queima de combustíveis fósseis, representam uma ameaça significativa para ecossistemas, economias e
comunidades em todo o mundo. A perda de biodiversidade, por sua vez, resulta da destruição de habitats, po-
luição, práticas agrícolas insustentáveis e mudanças climáticas, comprometendo os serviços ecossistêmicos
dos quais dependemos.
Desenvolvimento Sustentável como Solução
O desenvolvimento sustentável propõe um modelo em que o crescimento econômico é alcançado sem es-
gotar os recursos naturais e prejudicar o meio ambiente. Essa abordagem enfatiza a importância de atender às
necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias
necessidades. Isso envolve a integração de políticas ambientais, econômicas e sociais, a promoção de tecno-
logias limpas e renováveis, e a adoção de práticas de consumo e produção responsáveis.
Economia Verde e Energias Renováveis
Uma parte crucial do desenvolvimento sustentável é a transição para uma economia verde, caracterizada
por ser inclusiva e geradora de baixas emissões de carbono. Isso inclui investimentos em energias renováveis,
como solar, eólica e hidrelétrica, que são fundamentais para reduzir a dependência de combustíveis fósseis.
Além disso, a economia verde envolve a criação de empregos “verdes” que contribuem para preservar ou res-
taurar o meio ambiente, seja na agricultura, indústria, serviços ou administração pública.
Sustentabilidade Social e Equidade
O desenvolvimento sustentável também aborda questões de equidade social e sustentabilidade. Isso envol-
ve garantir que todos tenham acesso aos recursos básicos, educação e saúde, e que as comunidades tenham
voz nas decisões que afetam seus ambientes e seus meios de subsistência. A promoção da igualdade de gêne-
ro, a proteção dos direitos dos povos indígenas e das comunidades locais, e a garantia de práticas comerciais
justas são fundamentais para alcançar a sustentabilidade em todas as suas dimensões.
Desafios e Caminhos a Seguir
A implementação efetiva do desenvolvimento sustentável requer ação coletiva global, envolvendo governos,
empresas e sociedade civil. Acordos internacionais, como o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas e os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, são passos importantes nessa direção. No en-
tanto, ainda há desafios significativos, incluindo a necessidade de financiamento adequado, o desenvolvimento
de políticas eficazes e a promoção de mudanças comportamentais em nível individual e coletivo.
O caminho para o desenvolvimento sustentável não é simples nem fácil, mas é essencial para garantir um fu-
turo onde o progresso econômico, a conservação ambiental e o bem-estar social caminhem lado a lado. Assim,
cada ação que tomamos hoje para apoiar este objetivo é um passo em direção a um mundo mais equitativo,
saudável e sustentável para todos.

Desenvolvimento sustentável e meio ambiente

As formações vegetais são tipos de vegetação facilmente identificáveis na paisagem e que ocupam extensas
áreas. É o elemento mais evidente na classificação dos biomas. Estes, por sua vez, são sistemas em que solo,
clima, relevo, fauna e demais elementos da natureza interagem entre si formando tipos semelhantes de cober-
tura vegetal, como as Florestas Tropicais, as Florestas Temperadas, as Pradarias, os Desertos e as Tundras.
Em escala planetária, os biomas são unidades que evidenciam grande homogeneidade nas características de
seus elementos.

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Assim, há Florestas Tropicais na América, África, Ásia e Oceania que, embora semelhantes, possuem co-
munidades ecológicas com exemplares distintos. Alguns desses exemplares são chamados de endêmicos, ou
seja, não ocorrem em nenhuma outra área do mundo. Entre outros fatores, isso se explica pela separação dos
continentes: o afastamento físico fez com que as espécies vivessem evoluções paralelas, apesar de distintas,
processo que é chamado especiação.
As plantas e os animais de um mesmo bioma não estão presentes, necessariamente, em diferentes regiões
do planeta. Exemplo: o chimpanzé é encontrado na Floresta Tropical de Uganda, mas não compõe a fauna das
Florestas Tropicais sul-americanas. Por outro lado, várias espécies endêmicas de nosso continente não são en-
contradas nas florestas africanas, como é o caso do mico-leão-dourado, originário da Mata Atlântica brasileira.
Principais Características das Formações Vegetais
A formação vegetal é o elemento mais evidente na classificação dos ecossistemas e biomas, por isso, e
dependendo da escala utilizada em sua representação, são feitas grandes generalizações.
Os elementos climáticos, em especial a temperatura e a umidade, são determinantes para o tipo de vege-
tação de uma área. Eles definem diversas características das plantas, necessárias à adaptação aos diferentes
climas. Com base nessas características é possível classificar as plantas em:
Perenes (do latim perene, “perpétuo, imperecível”): plantas que apresentam folhas durante o ano todo;
Caducifólias, decíduas (do latim deciduus, “que cai, caduco”) ou estacionais: plantas que perdem as folhas
em épocas muito frias ou secas do ano;
Esclerófilas (do grego sklerós, “duro, seco, difícil”): plantas com folhas duras, que têm consistência de couro
(coriáceas);
Xerófilas (do grego xêrós, “seco, descarnado, magro”): plantas adaptadas à aridez;
Higrófilas (do grego hygrós, “úmido, molhado”): plantas, geralmente perenes, adaptadas a muita umidade;
Tropófilas (do grego tropos, “volta, giro”): plantas adaptadas a uma estação seca e outra úmida;
Aciculifoliadas (do latim acicula, “alfinete, agulhinha”): possuem folhas em forma de agulhas, como os pi-
nheiros. Quanto menor a superfície das folhas, menos intensa é a transpiração e maior é a retenção de água
pela planta;
Latifoliadas (do latim lato, “lrgo, amplo”): plantas de folhas largas, que permitem intensa transpiração; são
geralmente nativas de regiões muito úmidas.
Os índices termopluviométricos, associados a outros fatores de variação espacial menor e que também in-
fluem no tipo de vegetação, como maior ou menor proximidade de curso de água, os diferentes tipos de solo,
a topografia e as variações de altitude, determinam a existência de diferentes ecossistemas não contemplados
nos mapas-múndi. Todas as formações vegetais têm grande importância para a preservação dos variados bio-
mas e ecossistemas da Terra.
Cobertura Vegetal Original
Tundra
Vegetação rasteira, de ciclo vegetativo extremamente curto. Por encontrar-se em regiões subpolares, desen-
volve-se apenas durante os três meses de verão, nos locais onde ocorre o degelo. Um exemplo disso é o rio na
Groelândia que se forma nessa estação, com o derretimento da neve. As espécies típicas são os musgos, nas
baixadas úmidas, e os líquens, nas porções mais elevadas do terreno, onde o solo é mais seco, aparecendo
raramente pequenos arbustos.
Floresta Boreal (Taiga)
Formação florestal típica da Zona temperada. Ocorre nas altas latitudes do hemisfério norte, em regiões de
climas temperados continentais, como Canadá, Suécia, Finlândia e Rússia. Neste último país, cobre mais da
metade do território e é conhecida como Taiga. É uma formação bastante homogênea, na qual predominam
coníferas do tipo pinheiro. As coníferas são espécies adaptadas à ocorrência de neve no inverno; são
aciculifoliadas e com árvores em forma de cone, o que facilita o deslizamento da neve por suas copas. Essa
formação florestal foi largamente explorada para ser usada como lenha e para a fabricação de papel e móveis.
Atualmente, a madeira é obtida de árvores cultivadas (silvicultura).

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Floresta Subtropical e Temperada
Esta formação florestal caducifólia, típica dos climas temperados e subtropicais, é encontrada em latitudes
mais baixas e sob maior influência da maritimidade. Estendia-se por grandes porções da Europa centro-oci-
dental, mas por causa de atividades agropecuárias, atualmente subsiste na Ásia, na América do Norte e em
pequenas extensões da América do Sul e da Oceania. Na Europa, restam apenas pequenas extensões, com a
floresta Negra, na Alemanha, e a floresta de Sherwood, na Inglaterra.
Floresta Equatorial e Tropical
Nas regiões tropicais quentes e úmidas, encontramos florestas que se desenvolvem graças aos elevados
índices pluviométricos. São, por isso, formações higrófilas e latifoliadas, extremamente heterogêneas, que se
localizam em baixas latitudes na América, na África e na Ásia. Nessas regiões predominam climas tropicais e
equatoriais e espécies vegetais de grande e médio portes, como o mogno, o jacarandá, a castanheira, o cedro,
a imbuia e a peroba, além de palmáceas, arbustos, briófitas e bromélias. As Florestas Tropicais possuem a
maior biodiversidade do planeta, com muitas espécies ainda desconhecidas.
Mediterrânea
Desenvolve-se em regiões de clima mediterrâneo, que apresentam verões quentes e secos e invernos ame-
nos e chuvosos. É encontrada em pequenas porções da Califórnia (Estados Unidos, onde é conhecida como
Chaparral), do Chile, da África do Sul e da Austrália. As maiores ocorrências estão no sul da Europa, onde foi
largamente desmatada para o cultivo de oliveiras (espécie nativa dessa formação vegetal) e videiras (nativas
da Ásia), e norte da África.
Pradarias
Compostas basicamente de gramíneas, são encontradas principalmente em regiões de clima temperado
continental. Desenvolvem-se na Rússia e Ásia central, nas Grandes Planícies norte-americanas, nos Pampas
argentinos, no Uruguai, na região Sul do Brasil e na Grande Bacia Artesiana (Austrália). Muito usada como
pastagem, essa formação é importante por enriquecer o solo com matéria orgânica.
Estepes
Nessas formações a vegetação é herbácea, como nas Pradarias, porém mais esparsa e ressecada. As Es-
tepes desenvolvem-se em uma faixa de transição entre climas tropicais e desérticos, como na região do Sahel,
na África, e entre climas temperados e desérticos, como na Ásia central. Essa vegetação foi muito degradada
por atividades econômicas, como o pastoreio.
Deserto
Bioma cujas espécies vegetais estão adaptadas à escassez de água em regiões de índice pluviométrico
inferior a 250 mm anuais, como nos desertos da América, África, Ásia e Oceania. Apresenta espécies vegetais
xerófilas, destacando-se as cactáceas. Algumas dessas plantas são suculentas (armazenam água no caule) e
não possuem folhas ou evoluíram para espinhos, reduzindo a perda de água pela evapotranspiração. No Saa-
ra, em lugares em que a água aflora à superfície, surgem os oásis.
Savana
Em regiões onde o índice de chuvas é elevado, porém concentrado em poucos meses do ano, podem de-
senvolver-se as Savanas, formação vegetal complexa que apresenta estratos arbóreo, arbustivo e herbáceo.
As Savanas são encontradas em grandes extensões da África, na América do Sul (no Brasil, corresponde ao
domínio dos Cerrados) e em menores porções na Austrália e na Índia. Sua área de abrangência tem sido muito
utilizada para a agricultura e a pecuária, o que acentuou sua devastação, como tem ocorrido no Brasil central.
No continente africano, esse bioma abriga animais de grande porte, como leões, elefantes, girafas, zebras,
antílopes e búfalos.
Vegetação de Altitude
Em regiões montanhosas há uma grande variação altitudinal da vegetação. À medida que aumenta a altitude
e diminui a temperatura, os solos ficam mais rasos e a vegetação, mais esparsa. Nessas condições, surgem as
florestas nas áreas mais baixas e, nas mais altas, os campos de altitude.

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A Vegetação e os Impactos do Desmatamento
Impacto ambiental é um desequilíbrio provocado pela ação dos seres humanos sobre o meio ambiente ou
por acidentes naturais, como a erupção de um vulcão (que pode provocar poluição atmosférica), o choque de
um meteoro (destruição de espécies animais e vegetais), um raio (incêndio numa floresta), etc.
Quando os ecossistemas sofrem impactos ambientais, geralmente a vegetação é o primeiro elemento a ser
atingido, pois é reflexo das condições naturais de solo, relevo e clima do lugar em que ocorre.
Atualmente, todas as formações vegetais, em maior ou menor grau, encontram-se modificadas. Em muitos
casos, sobraram apenas alguns redutos em que a vegetação original é encontrada, nos quais, embora com
pequenas alterações, ainda preserva suas características principais. Essa devastação deve-se basicamente a
interesses econômicos.
A primeira consequência do desmatamento é o comprometimento da biodiversidade, por causa da dimi-
nuição ou, muitas vezes, da extinção de espécies vegetais e animais, muitas delas ainda nem descobertas e
estudadas.
Na Floresta Amazônica, há uma grande quantidade de espécies endêmicas. Parte desse patrimônio ge-
nético é conhecida pelas várias etnias indígenas que ali habitam. No entanto, a maioria dessas comunidades
nativas está sofrendo um processo de integração à sociedade urbano-industrial que tem levado à perda do
patrimônio cultural desses povos, dificultando a preservação dos seus conhecimentos. Outro ponto importante
que afeta os interesses nacionais dos países onde há florestas tropicais, incluindo o Brasil, é a biopirataria, por
meio da qual muitas empresas assumem práticas ilegais para garantir o direito de explorar, futuramente, uma
possível matéria-prima para a indústria farmacêutica e de cosméticos, entre outras.
No Brasil, os incêndios ou queimadas de florestas, que consomem uma quantidade incalculável de biomas-
sa30 todos os anos, são provocados para o desenvolvimento de atividades agropecuárias, muitas vezes em
grandes projetos que recebem incentivos governamentais e, portanto, sob o amparo da lei. Podem também ser
resultado de práticas criminosas ou ainda de acidentes, incluindo naturais.
As consequências socioambientais das interferências humanas em regiões de florestas são várias. Uma das
principais é o aumento do processo erosivo, o que leva a um empobrecimento dos solos, podendo ampliar ou
formar áreas desertificadas em regiões de clima árido, semiárido e subúmido.
Biomas e Formações Vegetais do Brasil
Nosso país apresenta grande variedade de ecossistemas. Essa variedade relaciona-se à grande diversi-
dade da fauna e da flora brasileiras, das quais muitas espécies são nativas do Brasil, como a jabuticaba, o
amendoim, o abacaxi e a castanha-do-pará. No entanto, esses ecossistemas já sofreram grandes impactos
negativos desde o início da colonização, com o desenvolvimento das atividades econômicas e a consequente
ocupação do território, como se pode constatar ao comparar os dois mapas abaixo.

30 Biomassa é a quantidade total de matéria viva de um ecossistema, geralmente expressa em massa por
unidade de área ou de volume.

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Brasil: vegetação nativa

http://www.inf.furb.br/sisga/educacao/ensino/mapaVegetacao.php

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Brasil: retratação da vegetação e da cobertura atual31

https://www.nerdprofessor.com.br/mapa-vegetacao-do-brasil/
Características das Formações Vegetais Brasileiras
As principais formações vegetais no território brasileiro são:
Floresta Amazônica (floresta pluvial equatorial): é a maior floresta tropical do mundo, totalizando cerca de
40% das florestas pluviais tropicais do planeta. No Brasil, ela se estende por 3,7 milhões de km² e 10% dessa
área constitui unidades de conservação. Cerca de 15% da vegetação da Floresta Amazônica foi desmatada,
sobretudo a partir da década de 1970 com a construção de rodovias e a instalação de atividades mineradoras,
garimpeiras, agrícolas e de exploração madeireira. Em razão do predomínio das planícies e dos planaltos de
baixa altitude, a topografia não provoca modificações profundas na fisionomia da floresta, que apresenta três
estratos de vegetação:
→ Caaigapó (do tupi-guarani, “mata molhada”) ou igapó: desenvolveu-se ao longo dos rios, numa área per-
manentemente alagada. Em comparação com os outros estratos da floresta é o que possui menos quantidade
de espécies e é constituído por árvores de menor porte, incluindo palmeias e plantas aquáticas, destacando-se
a vitória-régia;
→ Várzea: área sujeita a inundações periódicas, com a vegetação de médio porte raramente ultrapassando
os 20 m de altura, como o pau-mulato e a seringueira. Como se situa entre a matas de igapó e de terra firme,
possui características de ambas;
31 Em geografia e ecologia, a antropização é a conversão de espaços abertos, paisagens e ambientes
naturais pela ação humana.

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→ Caaetê (do tupi-guarani, “mata seca”) ou terra firme: área que nunca inunda, na qual se encontra vege-
tação de grande porte, com árvores chegando aos 60 m de altura, como a castanheiro-do-pará e o cedro. O
entrelaçamento das copas das árvores forma um dossel que dificulta a penetração da luz, propiciando um am-
biente não exposto ao sol e úmido no interior da floresta.
Mata Atlântica (floresta pluvial tropical): originalmente cobria uma área de 1 milhão de km², estendendo-se
ao longo do litoral desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul e alargando-se para o interior em Mi-
nas Gerais e São Paulo. É um dos biomas mais importantes para a preservação da biodiversidade brasileira e
mundial, mas é também o mais ameaçado. Restam apenas 7%de sua área original e, desses remanescentes,
quatro quintos estão localizados em propriedades privadas. As unidades de conservação abrangendo esse
bioma constituem apenas 2%.
Mata de Araucárias ou Mata dos Pinhais (floresta pluvial subtropical): nativa do Brasil, é uma floresta na
qual predomina a araucária (Araucaria angustifolia), também conhecida como pinheiro-do-paraná ou pinheiro
brasileiro, espécie adaptada a climas de temperaturas moderadas a baixas no inverno, solos férteis e índice
pluviométrico superior a 1000 mm anuais. Nesse bioma é comum a ocorrência de erva-mate, além de grande
variedade de espécies valorizadas pela indústria madeireira, como os ipês. Originariamente, essa floresta do-
minava vastas extensões dos planaltos da região Sul e pontos altos da serra da Mantiqueira nos estados de
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Foi desmatada, sobretudo, para a retirada de madeira utilizada na
fabricação de móveis.
Mata dos Cocais: esta formação vegetal se localiza no estado do Maranhão, encravada entre a Floresta
Amazônica, o Cerrado e a Caatinga, caracterizando-se como mata de transição entre formações bastante
distintas. É constituída por palmeiras, com grande predominância do babaçu e ocorrência esporádica de car-
naúba; desde o período colonial, a região é explorada economicamente pelo extrativismo de óleo de babaçu e
cera de carnaúba. Atualmente, porém, vem sendo desmatada para o cultivo de grãos destinados à exportação,
com destaque para a soja.
Caatinga: vegetação xerófila, adaptada ao clima semiárido do Sertão nordestino, na qual predominam ar-
bustos caducifólios e espinhosos; ocorreram também cactáceas, como o xique-xique e o mandacaru. A palavra
“caatinga” significa, em tupi-guarani, “mata branca”, cor predominante da vegetação durante a estação seca.
No verão, em razão da ocorrência de chuvas, brotam folhas verdes e flores. Sua área original era de 740 mil
km², mas já teve 50% de sua área devastada e menos de 1% faz parte de unidades de conservação.
Cerrado: originalmente cobria cerca de 2 milhões de km² do território brasileiro, mas cerca de 40% de sua
área foi desmatada. É constituído por vegetação caducifólia, predominantemente arbustiva, de raízes profun-
das, galhos retorcidos e casca grossa (que dificulta a perda de água). Duas das espécies mais conhecidas
são o pequizeiro e o buriti. A vegetação próxima ao solo é composta de gramíneas, que secam no período de
estiagem. É uma formação adaptada ao clima tropical típico, com chuvas abundantes no verão e inverno seco,
desenvolvendo-se, sobretudo, no Centro-Oeste brasileiro e em porções significativas do estado de Roraima.
Nas regiões Sudeste e Nordeste do país aparecem em manchas isoladas, cercadas por outro tipo de vegeta-
ção. Em regiões mais úmidas, essa formação se torna mais densa e com árvores maiores, caracterizando o
chamado “cerradão”.
Pantanal: estende-se, em território brasileiro, por 140 mil km² dos estados de Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso, em planícies sujeitas a inundações. No Pantanal há vegetação rasteira, floresta tropical e até mesmo
vegetação típica do Cerrado nas regiões de maior altitude. Por isso caracteriza-se não como uma formação
vegetal, mas como um complexo que agrupa várias formações, com fauna muito rica. Esse bioma vem sofrendo
diversos problemas ambientais, decorrentes principalmente da ocupação em regiões mais altas, onde nasce a
maioria dos rios. A agricultura e a pecuária provocam erosão dos solos, assoreamento e contaminação dos rios
por agrotóxicos.
Campos Naturais: formações rasteiras ou herbáceas constituídas por gramíneas que atingem até 60 cm de
altura. Sua origem pode estar associada a solos rasos ou temperaturas baixas em regiões de altitude elevada,
áreas sujeitas à inundação periódica ou ainda solos arenosos. Os campos mais expressivos do Brasil locali-
zam-se no Rio Grande do Sul, na chamada Campanha Gaúcha, apropriados inicialmente como pastagem na-
tural, atualmente são amplamente cultivados tanto dessa forma quanto para a produção agrícola mecanizada.

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Destacam-se, ainda, os campos inundáveis da ilha de Marajó (PA) e do Pantanal (MT e MS), utilizados, respec-
tivamente, para criação de gado bubalino e bovino, além de manchas isoladas na Amazônia, com destaque ao
estado de Roraima, e nas regiões serranas do Sudeste.
Vegetação Litorânea: a restinga e os manguezais são consideradas formações vegetais litorâneas. A restin-
ga se desenvolve no cordão arenoso formado junto à costa, com predominância da vegetação rasteira, chama-
da de pioneira por possibilitar a fixação do solo e permitir a ocupação posterior de arbustos e algumas árvores.
Os manguezais são nichos ecológicos responsáveis pela reprodução de grande número de espécies de peixes,
moluscos e crustáceos. Desenvolvem-se nos estuários, e a vegetação, arbustiva e arbórea, é halófila (adapta-
da ao sal da água do mar), podendo apresentar raízes que, durante a maré baixa, ficam expostas. As principais
ameaças à preservação dessas formações vegetais são o avanço da urbanização, a pesca predatória, a polui-
ção dos estuários e o turismo desordenado, incentivando a instalação de aterros.
Matas de Galeria (Ciliar) e Capão
Podemos encontrar pequenas formações florestais em meio a outros tipos de vegetação, tai como:
Mata de Galeria ou Mata Ciliar: tipo de formação vegetal que acompanha o curso de rios do Cerrado, onde é
muito frequente, e da Caatinga. Nas áreas próximas às margens dos rios perenes, o solo é permanentemente
úmido, criando condições para o desenvolvimento dessa mata, mais densa do que o bioma onde está encra-
vada.
Capão: em locais que correspondem a pequenas depressões, com baixos índices de chuvas, o nível hidros-
tático (ou lençol freático) aflora ou chega muito próximo à superfície. Aí se desenvolvem os capões, formações
arbóreas geralmente arredondadas em meio à vegetação mais rala ou rasteira.
Domínios Morfoclimáticos
Brasil: Domínios Morfoclimáticos

http://educacao.globo.com/geografia/assunto/geografia-fisica/dominios-morfoclimaticos.html
Em 1965, o geógrafo Aziz Ab’Sáber (1924-2012) estabeleceu uma classificação dos domínios morfoclimáti-
cos brasileiros, na qual cada domínio corresponde a uma diferente associação das condições de relevo, clima
e vegetação. Assim, por exemplo, o domínio equatorial amazônico é formado por terras baixas (relevo), flores-
tadas (vegetação) e equatoriais (clima).

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Legislação Ambiental e Unidades de Conservação
A expressão “meio ambiente” envolve todas as dimensões que tornam a vida das pessoas mais saudáveis
e equilibrada, como a qualidade do ar e o conforto acústico. Essa expressão, portanto, engloba tanto o meio
ambiente natural quanto o cultural.
A legislação brasileira relativa ao meio ambiente é ampla e bem elaborada. Os problemas ambientais que
observamos com frequência, amplamente divulgados pelos meios de comunicação, não resultam da limitação
da legislação, mas da ineficiência de ações educativas e de fiscalização.
Histórico das Leis Ambientais Brasileiras
Ao longo dos períodos colonial e imperial de nossa história, foram elaboradas algumas leis voltadas à pro-
teção do meio ambiente, mas elas tinham abrangência restrita, como a proteção ao pau-brasil e a algumas
espécies animais. Já no período republicano, em 1911, foi criada a primeira reserva florestal do país, onde
atualmente se encontra o estado do Acre; em 1921 foi criado o Serviço Florestal do Brasil, que hoje é o Instituto
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); e em 1934 foi aprovada a primeira versão do
Código Florestal.
Durante o período da ditadura militar (1964-1985), foram criados projetos de ocupação humana e econômi-
ca das regiões Norte e Centro-Oeste que provocaram grandes impactos negativos ao meio ambiente. Esses
projetos previam a expansão da agricultura e a criação de gado em áreas de floresta e a prática de garimpo,
mineração e extração de madeira, instituída com a abertura das rodovias de integração.
Como os impactos, principalmente na Floresta Amazônica, trouxeram repercussão negativa em escala mun-
dial, em 1974 o governo brasileiro promoveu mudanças de estratégia, implantando ações de proteção ambien-
tal: combate à erosão, criação das Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental, metas para o zonea-
mento industrial e criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente.
Em 1979, foi criado o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que instituiu, em 1981, a Política Na-
cional do Meio Ambiente (PNMA, Lei nº 6.938). Essa lei promoveu um grande avanço ao apresentar as bases
para a proteção ambiental e conceituar expressões como “meio ambiente”, “poluidor”, “poluição” e “recursos
naturais”. A PNMA busca a preservação e a recuperação das áreas ambientalmente degradadas, visando ga-
rantir condições de desenvolvimento social e econômico, e segurança nacional e a proteção da dignidade da
vida humana. A partir de sua publicação se instituiu que o meio ambiente é um bem público a ser resguardado
e protegido, em prol da coletividade.
Em 1986, o Conama publicou uma resolução sobre o tema, em que se destaca a exigência de elaboração
do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), de caráter técnico e detalhista, e do seu respectivo Relatório de Impacto
Ambiental (Rima), menos detalhado e acessível aos que não são especialistas na área. Esses dois documentos
são necessários para o licenciamento e a autorização expedidos pelo Ibama para a realização de qualquer obra
ou atividade que provoque impactos ambientais.
Outro grande destaque na evolução do Direito Ambiental Brasileiro foi atingido com a Constituição Federal
de 1988, a primeira de nossa história a dedicar um capítulo ao esse tema e a incorporar o conceito de desen-
volvimento sustentável. Ela estabelece, no artigo 225, que “Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e
à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O parágrafo terceiro
desse mesmo artigo estipula que: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
aos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obriga-
ção de reparar os danos causados”.
A previsão de sanções penais significa a criminalização das atividades prejudiciais ao meio ambiente, o que
foi regulamentado somente dez anos depois, em 1998, com a Lei nº 9.605. Conhecida como a Lei dos Crimes
Ambientais, ela define os crimes contra a fauna e aflora, além dos relacionados à poluição, ao ordenamento
urbano, ao patrimônio cultural e outros. Quem comete agressões ambientais como desmatamento, poluição do
ar ou de águas, ou falsificação de Relatório de Impacto Ambiental, é punido com multa, proibição de exercício
de certas atividades e até mesmo prisão.

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Código Florestal
O Código Florestal foi criado em 1934 e reformulado duas vezes: em 1965 e em 2012 (Lei nº 12.561/12).
Neste ano houve muitos embates entre ambientalistas, que queriam ampliar as áreas de preservação e a obri-
gação de recompor o que foi desmatado irregularmente, e grandes proprietários, que queriam autorização para
ampliar as áreas de agricultura e pecuária sem recompor os biomas. Esta é uma das mais importantes leis am-
bientais do país e estabelece a normas de ocupação e uso do solo em todos os biomas brasileiros. Os incisos II
e III do artigo 1º, parágrafo 2º, merecem destaque, pois definem as áreas de preservação e as reservas legais:
Áreas de Preservação Permanente (APPs): só podem ser desmatadas com autorização do Poder Executivo
Federal e em caso de uso para utilidade pública ou interesse social, como a construção de uma rodovia, por
exemplo. São a margens de rios, lagos ou nascentes, várzeas, encostas íngremes, mangues e outros ambien-
tes. A principal função das APPs é preservar a disponibilidade de água, a paisagem, o solo e a biodiversidade.
Reservas Legais: em cada um dos sete biomas brasileiros, os proprietários de terras são obrigados a pre-
servar uma parte da vegetação nativa. Na Amazônia, são obrigados a manter 80% da propriedade com floresta
nativa, índice que cai para 35% no Cerrado localizado dentro da Amazônia a 20% em todas as demais regiões
e biomas do país. É importante notar que o Código Florestal rege apenas as propriedades que podem ser uti-
lizadas para atividades agrícolas, e não se aplica, portanto, no interior das unidades de conservação, como os
parques e as reservas ecológicas.
As Unidades de Conservação
As unidades de conservação são doze áreas de preservação agrupadas conforme a restrição ao uso. As
unidades classificadas como de restrição total são denominadas Unidades de Proteção Integral, como o Parque
Nacional da Serra dos Órgãos, em Teresópolis, Rio de Janeiro, por exemplo. Aquelas cujo nível de restrição é
menor e têm uso voltado ao desenvolvimento cultural, educacional e recreacional são denominadas Unidades
de Uso Sustentável.

Unidades de Conservação conforme a Restrição ao Uso


Unidades de Proteção Integral Unidades de Uso Sustentável
Estação Ecológica Área de Proteção Ambiental
Reserva Biológica Área de Relevante Interesse Ecológico
Parque Nacional Floresta Nacional
Monumento Natural Reserva Extrativista
Refúgio de Vida Silvestre Reserva de Fauna
Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Reserva Particular do Patrimônio Natural
Existem unidades de conservação definidas pela Ibama em todos os biomas brasileiros, inclusive nos bio-
mas marinhos. Há também unidades de conservação mantidas por estados e até por municípios, criadas por
leis estaduais e municipais.
É importante destacar que a criação de leis, decretos e normas voltados à questão ambiental ao longo da
história brasileira é consequência do aumento da importância do tema no mundo e no Brasil. Essa evolução
deu-se de forma lenta, mas contínua. Esse processo foi influenciado pelas conquistas obtidas em âmbito inter-
nacional nas diversas conferências mundiais voltadas ao meio ambiente, e parte da sociedade civil brasileira
cumpriu um importante papel ao pressionar os governos legisladores em aprovar leis eficazes e incluir o tema
na própria Constituição do país.
Objetivos das Unidades de Conservação
O Código Florestal, como várias outras leis que se seguiram, serviu de base para a criação do Sistema Na-
cional de Unidades de Conservação da Natureza, que têm como propósitos:
Contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional e nas
águas jurisdicionais;
Proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e nacional;
Contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais;

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Promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais;
Promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimen-
to;
Proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;
Proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica,
paleontológica e cultural;
Proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;
Recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
Proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental;
Valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
Favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a na-
tureza e o turismo ecológico;
Proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valori-
zando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente.

Matriz energética: fontes renováveis e não renováveis

As fontes de energia são de grande importância para o desenvolvimento de um país. No Brasil, as principais
fontes de energia são a energia hidrelétrica, petróleo, biocombustíveis e carvão mineral.
• Hidrelétrica: utiliza usinas hidrelétricas para a produção de eletricidade.
• Petróleo: utilizado para produzir combustíveis como a gasolina e óleo diesel e abastecer usinas termelétri-
cas.
• Carvão Mineral: utilizado para produzir energia termelétrica e é a matéria prima para as indústrias siderúr-
gicas.
• Biocombustíveis: são combustíveis alternativos originados de produtos vegetais e renováveis.
— Fontes de Energia Renováveis e não renováveis
As fontes de energia não renováveis são aquelas que podem se esgotar do planeta, por não terem regene-
ração. As renováveis podem se regenerar e portanto, não agridem tanto o meio ambiente.
• Fontes de Energia não Renováveis: petróleo, carvão mineral, energia nuclear e gás natural.
• Fontes de Energia Renováveis: energia solar, energia eólica, biocombustíveis, energia hidráulica e energia
geotérmica.

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Mudança climática

Efeito Estufa

Sempre ouvimos falar que o efeito estufa é o grande vilão do aquecimento global, que não deixa de ser ver-
dade. Mas uma coisa precisa ficar clara: é graças a ele que existe vida em nosso planeta. O efeito estufa é um
fenômeno natural que faz com que a temperatura média do globo se conserve nos limites necessários para a
manutenção da vida, em torno de 14,5 graus Celsius.
Ele ocorre em razão da existência de gases, como o carbono, que estão naturalmente na atmosfera e im-
pedem a dissipação para o espaço de parte da radiação vinda do Sol, que é absorvida e refletida pela Terra32
O problema é que, por causa da ação do homem, esse benéfico “cobertor” atmosférico está se transforman-
do num forno. O intenso uso de combustíveis fósseis, especialmente carvão e petróleo, e a utilização predatória
da terra (desmatamento, queimadas, depósitos de lixo) liberam na atmosfera uma imensa quantidade de gases
que retêm calor, como dióxido de carbono, metano e óxidos de nitrogênio, intensificando o efeito estufa.
O IPCC defende a tese de que essas atividades teriam causado um aumento de 0,7 grau no século XX.
Aumento das emissões
Desde a Revolução Industrial, há mais de 200 anos, nossas atividades econômicas são baseadas na queima
de combustíveis fósseis. A energia que consumimos para gerar eletricidade e aquecimento, para nos locomo-
vermos em viagens de carro, avião ou navios e para mover a atividade manufatureira contribui com cerca de
metade das emissões dos gases de efeito estufa.

32 http://www.mundoedu.com.br/uploads/pdf/554aaa4b0e16e.pdf

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Outras atividades, como a agricultura, a derrubada de florestas e a manutenção de aterros sanitários, tam-
bém despejam no ar enorme quantidade de gás carbônico, metano e óxido nitroso.
Todas essas atividades são realizadas mais intensamente nos países desenvolvidos. Estados Unidos, Ja-
pão e muitas nações europeias apresentam elevada produção de gases estufa per capita, principalmente por
causa do uso de automóveis e da elevada industrialização. Contudo, países em desenvolvimento, como China
e Brasil, vêm aumentando significativamente as emissões desses gases nos últimos anos.
Os chineses já ultrapassaram os norte-americanos como os maiores poluidores do planeta, sendo respon-
sáveis por um quarto das emissões mundiais. No Brasil, 61% das emissões de gases-estufa estão ligadas ao
desmatamento.
Em busca de uma economia verde
Apesar de parecer um palavrão, a sustentabilidade está presente no cotidiano de todos nós. Separar o lixo
em casa, economizar água, desligar as luzes quando desnecessário, não jogar lixo no chão, escolher eletro-
domésticos que economizem energia, cuidar de plantas e animais. Essas ações nos parecem muitas vezes
naturais, mas nem sempre foi assim.
Faz apenas algumas décadas que os primeiros ambientalistas, cientistas e pesquisadores passaram a de-
fender a preservação dos mananciais e dos biomas, a redução no consumo de energia, a deposição adequada
do lixo e a reciclagem de materiais.
A diferença, agora, é que essa visão ambientalista contamina a economia globalizada, levando empresas e
governos a reconsiderar seu modelo econômico. Isso faz com que sejam promovidas campanhas de conscien-
tização que atingem largamente a população.
O meio ambiente transforma-se numa questão estratégica para a vida econômica, social e cultural, e o de-
senvolvimento tem de ser sustentável, ou seja, deve incluir em seus pressupostos a manutenção de recursos
naturais e o bem-estar dos cidadãos.
No início dos anos 90, durante a Conferência Eco 92, realizada no Rio de Janeiro, os temas da sustenta-
bilidade e da preservação ambiental ganharam mais força e o reconhecimento de diversos países. Em 2012,
vários líderes mundiais voltaram a se reunir na Rio+ 20, com o objetivo de fazer um balanço do que foi feito e
discutir novas formas de equilibrar as atividades econômicas com a preservação do meio ambiente.
Para boa parte dos governos do mundo e dos cientistas reunidos por eles, organizados no Painel Intergo-
vernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o clima da Terra está passando por um aquecimento global,
que estaria sendo provocado pela ação humana, com a liberação de poluentes na atmosfera que acentuam o
efeito estufa. Também estava na pauta a preservação da biodiversidade do planeta, que implica equilíbrio e
estabilidade de ecossistemas e seu aproveitamento pela humanidade de forma a preservá-las.
O uso descontrolado de matérias-primas, o crescimento caótico das cidades e o desmatamento são temas
que integraram toda essa discussão.
Mais difícil do que apontar os erros em relação à forma de tratar o meio ambiente era achar soluções possí-
veis dentro de realidades tão diversas. Na hora de aplicar medidas concretas, esbarra-se em diferentes interes-
ses de cada país ou grupo social, e a grande questão de quem arca com o ônus das políticas de preservação.
No plano mundial, os países mais desenvolvidos alegavam que a crise econômica impedia a implementação
de medidas em larga escala, pois afetariam ainda mais sua economia, já fragilizada. Por sua vez, as nações
em desenvolvimento, que apresentavam crescimento, não queriam prejudicar sua economia, em expansão.
Como tudo começou
Há quatro décadas discutem-se as questões ambientais em âmbito global. Em 1972, na Conferência Mun-
dial de Estocolmo, abordou-se pela primeira vez a produção (principalmente industrial) dos países ricos como
causa importante da degradação da natureza. Essa perspectiva marcou uma nova etapa da preocupação am-
biental.
Depois, em 1987, o Relatório Nosso Futuro Comum, da Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desen-
volvimento, retomou a questão, lançando o conceito de desenvolvimento sustentável, cuja proposta visava
a compatibilizar o crescimento econômico com o equilíbrio ambiental, de maneira a garantir a satisfação das
necessidades das gerações presentes e futuras.

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Outro marco foi a Eco 92, a conferência mundial sobre meio ambiente realizada no Rio de Janeiro, em 1992.
O encontro aprovou o documento Convenção sobre a Mudança do Clima, que trata do aquecimento global, e a
Convenção sobre a Diversidade Biológica, que trata da preservação dos ecossistemas e hábitats.
O documento mais abrangente elaborado pelo encontro foi a Agenda 21, um plano que estabelece estraté-
gias globais, nacionais e locais para promover o desenvolvimento sustentável no mundo.
A Agenda 21 traduz os compromissos com o desenvolvimento sustentável em 27 princípios, calcados em
três premissas:
→ os países desenvolvidos devem mudar seu padrão de produção e consumo e, portanto, seu modelo eco-
nômico;
→ os países em desenvolvimento devem manter as metas de crescimento, mas adotar métodos e sistemas
de produção sustentáveis;
→ as nações desenvolvidas devem apoiar o crescimento das mais pobres, com recursos financeiros, trans-
ferência de tecnologia e reformas nas relações comerciais e financeiras internacionais.
A partir de então, cada país signatário é considerado parte dessa convenção e indica representantes para as
discussões, realizadas uma vez por ano, numa Conferência Geral das Partes (cuja sigla é COP).
Amais importante delas, até hoje, foi a terceira conferência (a COP-3), que ocorreu em 1977, em Kyoto, no
Japão. Criado no encontro, o Protocolo de Kyoto é um importante documento por ter sido o primeiro acordo
oficial com metas e prazos para reduzir as emissões de gases do efeito estufa.
O documento estabeleceu diferenças entre os países ricos, que tinham metas percentuais de redução por
ser os principais responsáveis pelos gases emitidos nos últimos dois séculos, e aqueles em desenvolvimento
e industrialização recentes, entre os quais Brasil, China e Índia, que se comprometiam a adotar medidas sem
metas pré-estabelecidas.
O protocolo, porém, demorou para entrar em vigor, pois deveria ter a adesão de um número de países que
representasse pelo menos 55% das emissões globais (relativas a 1990). Isso só aconteceu em 2005, quando
superou esse patamar com a adesão da Rússia, valendo a princípio para o período de 2008 até o fim de 2012.
No entanto, qualquer redução significativa continuou dependendo dos grandes emissores, e nem todos ra-
tificaram o acordo. A principal ausência foi dos Estados Unidos, que se recusam a assinar o protocolo se não
houver metas de redução obrigatórias para todos os países em desenvolvimento. Eles alegaram, ainda, que a
economia do país seria bastante afetada.
Mais tarde, com a não participação norte-americana, outras nações também abandonaram os compromis-
sos firmados no protocolo.
Os governos de Canadá, Japão, Austrália e Rússia passaram a fazer coro com os Estados Unidos na recla-
mação contra as economias emergentes, que passaram a ter grande peso no balanço de emissões.
Países como China, Índia e Brasil não são considerados ricos e, portanto, não têm metas obrigatórias. No
entanto, o crescimento econômico dessas nações nos últimos anos, principalmente das superpopulosas China
e Índia, aumentou muito a emissão de carbono global, sem que eles tenham que cumprir metas.
Novas perspectivas
Havia expectativa de que um novo acordo fosse acertado na COP-15, que aconteceu em 2009, em Cope-
nhague (Dinamarca), mas ela fracassou. Na conferência seguinte, a COP-16, realizada em 2010, em Cancún
(México), os participantes priorizaram a regulamentação de medidas já discutidas para enfrentar ou amenizar
as consequências do aquecimento global.
A principal delas foi a criação de um Fundo Verde, no qual os países ricos se comprometeram a depositar
30 bilhões de dólares, até o fim de 2012, para ajudar os países pobres a adotar medidas na área ambiental.
Também foi aprovada a criação do mecanismo de Redução de Emissões e Degradação Florestal (Redd,
sigla em inglês), que permitirá a países como o Brasil receber compensações financeiras para preservar suas
florestas.

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A primeira etapa do Protocolo de Kyoto venceu em 2012 sem alcançar seus objetivos. Ainda se tentava
chegar a uma nova fase do acordo, na COP-17, realizada em Durban, na África do Sul, em dezembro de 2011.
Apesar da recusa das nações desenvolvidas em assinar qualquer compromisso, chegou-se a um consenso: o
prazo de validade da primeira etapa do protocolo teve seu final prorrogado por mais cinco anos, até 2017.
Com esse acordo, as nações assinaram um documento que devia servir de base para um futuro novo pro-
tocolo. Esse documento-base, chamado Plataforma Durban, fixou uma agenda que culminou na criação, em
2015, de um novo acordo, que obriga todas as nações, e não apenas aquelas listadas no Protocolo de Kyoto,
a cumprir metas de redução nas emissões a partir de 2020.
Na prática, a plataforma foi só uma promessa. Mas, no mundo das políticas globais, significou um avanço na
luta contra as mudanças climáticas, ainda mais levando em conta que os dois maiores poluidores do mundo,
China e Estados Unidos, concordaram em integrar esse pré-acordo.
Aqui no Brasil, a lei que institui a Política Nacional de Mudanças Climáticas, sancionada pelo então presi-
dente da época, Lula, no início de 2010, estabeleceu a meta brasileira de redução nas emissões de CO² entre
36% e 39% até 2020, usando como parâmetro as emissões projetadas para esse período se nada fosse feito.
Como o desmatamento é responsável por cerca de 75% das emissões brasileiras, essa meta implicava di-
minuir o índice do país.
Ao organizar a Rio+20, a intenção das Nações Unidas era debater também como a crise econômica mundial
poderia ser uma boa oportunidade para rever o modelo econômico atual. As mudanças propostas deveriam se
apoiar sobre três pilares: sociedade, economia e meio ambiente.
Assim, à lista de questões ambientais, a ONU acrescentou o combate à pobreza e à fome e a crise econô-
mica mundial. Por isso, o documento final da conferência abordava formas de promover uma “economia verde”,
que não prejudicasse o meio ambiente, promovendo a eficiência no uso dos recursos naturais e, ao mesmo
tempo, promovendo a erradicação da pobreza e da fome.
Há quem critique o documento por apresentar uma pauta ampla demais, que pode não resultar em avanços
concretos. Segundo os críticos, seria melhor tratar apenas das questões do meio ambiente, que já são suficien-
temente complexas.
Para evitar que a questão se mantenha no terreno do debate teórico, seria preciso estabelecer metas espe-
cíficas para cada ação, com valores claros a ser alcançados dentro de prazos determinados.
Mas as propostas das conferências exigem políticas de governo para que saiam do papel e sejam postas
em prática, o que não é tarefa fácil. Esse desafio é o que chamamos de Governança Global, ou seja, como os
países se organizarão, em termos de metas, acordos, protocolos e instituições, para colocar a economia verde
em prática.
As nações desenvolvidas deixaram a desejar quanto a promover a igualdade de oportunidades. A transfe-
rência de tecnologia ficou aquém do esperado. A ajuda financeira prometida às nações pobres pelos 22 países
mais ricos do planeta também está longe de atingir o compromisso assumido, em parte devido à crise econô-
mica global.
Camada de Ozônio
Diversas mudanças climáticas bruscas já ocorreram no mundo, como as ondas de calor nos anos 1980,
considerada a década mais quente do século XX. Embora as ondas de calor possam estar relacionadas a pro-
cessos naturais, não há dúvida de que os gases produzidos pela atividade humana e lançados na atmosfera
contribuem para o aumento da temperatura média da Terra.
O gás ozônio, presente naturalmente na estratosfera, desempenha uma função de extrema importância: ele
filtra cerca de 70% a 90% dos raios ultravioletas emitidos pelo Sol.
Não fosse a presença da camada de ozônio, os raios ultravioletas atingiriam diretamente a Terra e, em
consequência, teríamos uma elevação de temperatura tão violenta que destruiria qualquer forma de vida aqui
existente.
No entanto, é preciso lembrar que, no nível do solo, o ozônio é uma forma perigosa de poluição, exercendo
ação tóxica sobre vegetais e seres humanos.

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Atualmente, muito se discute o problema da destruição da camada de ozônio. A diminuição desta camada
ameaça a saúde humana, podendo provocar doenças, como câncer de pele, queimaduras, envelhecimento
precoce, catarata ocular e imunodeficiência. Mas ela também afeta a flora e a fauna, além de influir no clima
do planeta.
Desde 1974, estudos associam a destruição do ozônio estratosférico ao maciço e descontrolado uso dos
CFCs, um grupo de gases utilizados principalmente nos sistemas de refrigeração e na produção de aerossóis
(sprays), solventes, isopor etc.
Uma vez presentes na atmosfera e submetidos a reações químicas (liberação de íons de cloreto na estra-
tosfera) e a reações com outros gases, os CFCs - compostos de cloro (Cl), adquirem a propriedade de destruir
o ozônio.
Estudos recentes comprovaram uma diminuição de 3% a 4% da camada de ozônio na Antártida, originando
o chamado buraco na camada de ozônio. A quase totalidade dos CFCs presentes na atmosfera dessa região
provém dos países industrializados e é transportada pela circulação atmosférica (massas de ar).
Em 1987, no Protocolo de Montreal (Canadá), 24 países desenvolvidos assinaram um compromisso de
redução da produção de CFC, substituindo-o por gases menos nocivos. De fato, o uso desses gases tem se
reduzido e o buraco na camada de ozônio pode diminuir ou mesmo desaparecer se forem mantidas as provi-
dências estabelecidas também em outras convenções mundiais (Estocolmo, na Suécia, 1972; Rio de Janeiro,
1992; Kyoto, no Japão, 1997 etc.).

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O buraco na camada de ozônio é detectável por meio de imagens de satélites, como podemos observar na
figura.

Imagem de setembro de 2004, feita por satélite de monitoramento da NASA que mostra o buraco na camada
de ozônio sobre a Antártida. Este buraco é consequência da emissão de gases ao longo de anos, em todo o
planeta.
Chuva Ácida
Trata-se de chuva, neve ou neblina com alta concentração de ácidos em sua composição. Com a denomi-
nação genérica de chuva ácida, sua origem são os óxidos de nitrogênio (NOx) e o dióxido de enxofre (SO²)
liberados na atmosfera pela queima de combustíveis fósseis (principalmente o carvão mineral).
Esses compostos reagem com o vapor de água presente na atmosfera, formando o ácido nítrico (HNO³) e o
ácido sulfúrico (H²SO4), que, mais tarde, se precipitam e alteram as características do solo e da água, prejudi-
cando lavouras, florestas e a vida aquática. Também danificam edifícios e monumentos históricos.

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Inversão Térmica
Os grandes centros urbanos, principalmente os localizados em áreas de serras ou montanhas são as re-
giões comumente mais afetadas pela inversão térmica. Essa inversão acontece quando o ar frio e mais denso
não consegue circular por uma camada de ar mais quente e menos densa. Sem essa circulação ocorrem alte-
rações significativas na temperatura do local33.
Um dos agravantes dessa situação é que com a impossibilidade de circulação, o ar mais denso (frio) fica
retido nas regiões mais próximas da superfície retendo junto a ele uma grande quantidade de gases poluentes.
Essa camada de ar denso é facilmente verificada ao apresentar uma cor acinzentada decorrente da alta con-
centração de gases emitidos pelas indústrias e pelos automóveis, principalmente.

Transição energética

Você sabe o que é a “transição energética”? Essa palavra está cada vez mais em evidência com a mudança
climática em todo o mundo. A necessidade de ações mais focadas na redução de emissão de gases do efeito
estufa (GEE), como na utilização de geração energia com fontes renováveis, é essencial para o planeta.
Desde os primórdios da civilização humana passamos por algum tipo de transição energética. Seja ela hu-
mana, animal ou até mesmo aquela vinda da queima dos combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão. A
evolução de uma comunidade ou região pode ser analisada com base na forma de controlar e consumir energia.

33 https://querobolsa.com.br/enem/biologia/problemas-ambientais

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Atualmente, quando falamos de transição energética, estamos destacando a mudança de uma fonte de
energia para outra de forma mais sustentável, ou seja, uma matriz que reduza as emissões de gases de efeito
estufa.
Além disso, a transição energética tem sido apontada como um dos grandes pilares para o crescimento eco-
nômico e social dos países, de forma justa e inclusiva.

Transição energética consiste em passar de uma matriz de fonte de energia que utiliza combustíveis fósseis,
como Petróleo, gás natural e carvão, que são grandes emissores de Carbono (CO2) na atmosfera, para fontes
renováveis, como sol, água, vento e biomassa, que emitem menos gases de efeito estufa.

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O Ministério de Minas Energia (MME) é um dos protagonistas mundiais deste tema e é o principal respon-
sável pela Política Nacional de Transição Energética, que poderá levar o Brasil para outro nível mundial em
fontes renováveis de energia. Hoje, o país já utiliza 48% de energia renovável, acima da média mundial que é
de 15%. Contudo, ainda tem grande potencial de recursos hídricos, solar e eólico para ser explorado de forma
estável e eficiente para o sistema.
A transição energética é um conjunto de políticas fundamentais para o setor energético e para o desenvol-
vimento socioeconômico do país. O grande desafio é conciliar geração de emprego, renda, inclusão social,
combate às desigualdades, melhoria da qualidade de vida do brasileiro, reindustrialização, preservação da
biodiversidade e da qualidade ambiental, entre outros.
INDÚSTRIA E TRANSPORTE
Os setores da indústria e de transportes tiveram um papel importante na trajetória dos últimos 50 anos no
consumo de energia no Brasil. Cerca de dois terços de toda energia consumida pelo brasileiro *se deu* nesses
segmentos.
Na questão do consumo, 18% da energia foi na forma de eletricidade e 82% a partir da queima de combus-
tíveis, sejam em biocombustíveis ou combustíveis fósseis.

Portanto, a política de transição no Brasil busca a eletricidade renovável e ampliar essa participação para
ajudar os setores industriais e de transportes a reduzir a pegada de carbono. Além de serem competitivos, ao
mesmo tempo em que também usa os combustíveis de Baixo Carbono para cobrir o restante dessa oferta.
Fonte: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/transicao-energetica-a-mudanca-de-energia-que-o-
-planeta-precisa

População: estrutura, composição e dinâmica

O crescimento da população brasileira, nas últimas décadas, está ligado principalmente ao crescimento ve-
getativo (ou natural). A queda nesse crescimento apresenta outras justificativas que merecem atenção.
• Maior custo para criar filhos;
• Acesso a métodos anticoncepcionais;
• Trabalho feminino extradomiciliar;
• Acesso a tratamento médico;
• Saneamento básico.

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Para conhecer a população de um país, devemos, primeiramente, definir dois conceitos demográficos bási-
cos:
– População absoluta: corresponde ao número total de pessoas de uma área. No Brasil, por exemplo, a po-
pulação absoluta era de 190.755.799 pessoas, pelo censo de 2010.
– População relativa: é também chamada de densidade demográfica e é dada pelo número de habitantes por
quilômetro quadrado de uma determinada região.
O declínio da mortalidade deve-se, em grande parte, à diminuição da mortalidade infantil, isto é, dos óbitos
de crianças com menos de um ano de idade. Em 1970, a taxa era de cem mortes em cada mil nascimentos
vivos; em 1980, caiu para setenta por mil; em 1991, para 45 por mil; e no ano de 2000, para 35 por mil.
Em relação aos países desenvolvidos, este índice ainda é elevado. Por isso, programas de combate à mor-
talidade vêm sendo implementados tanto pelo governo quanto por entidades privadas
A taxa de mortalidade infantil no Brasil está baixando, conforme indicadores. A queda da mortalidade infantil
indica aumento no percentual de adultos e melhorias na expectativa de vida, que em 1950 era de mais ou me-
nos 46 anos e, em 2018, chegou a 76 anos (IBGE).
Migrações populacionais
As migrações populacionais remontam aos tempos pré-históricos. O homem parece estar constantemente à
procura de novos horizontes. As razões que justificam as migrações são inúmeras (político-ideológicas, étnico-
-raciais, profissionais, econômicas, catástrofes naturais, entre outras), ainda que as razões econômicas sejam
predominantes.
A grande maioria das pessoas migra em busca de melhores condições de vida. Todo ato migratório apre-
senta causas repulsivas (o indivíduo é forçado a migrar) e/ou atrativas (o indivíduo é atraído por determinado
lugar ou país).
Considera-se emigração como a saída de uma área para outra; imigração é a entrada de pessoas em uma
área. As migrações podem ser internas, quando ocorrem dentro do país, e externas, quando ocorrem de um
país para outro. Ainda podem ser permanentes ou temporárias.
Movimentos migratórios no Brasil
Externos
Até 1934, foi liberada a entrada de estrangeiros no Brasil. A partir dessa data, ficou estabelecido que só po-
deriam imigrar 2% de cada nacionalidade dos estrangeiros que haviam migrado entre 1884 e 1934.
Os fatores que mais favoreceram a entrada de imigrantes no Brasil foram:
– A dificuldade de encontrar escravos após a extinção do tráfico, depois de 1850;
– O ciclo do café, que exigia mão de obra numerosa;
– Abundância de terras.
Para a maior parte dos imigrantes, a adaptação foi muito difícil, pois além das diferenças climáticas, da
língua e dos costumes, não havia no país uma política firme que assegurasse garantias as pessoas que aqui
chegavam. As regiões sul e sudeste foram as que receberam maior contingente de imigrantes, principalmente
por causa do ciclo do café e povoamento da região sul.
Internos
Em nossa história, os principais movimentos migratórios foram:
– Migração de nordestinos da Zona da Mata para o sertão, séculos XVI e XVII (gado);
– Migração de nordestinos e paulistas para Minas Gerais, século XVII (ouro);
– Migração de mineiros para São Paulo, século XIX (café);
– Migração de nordestinos para a Amazônia, devido ao ciclo da borracha;
– Migração de nordestinos para Goiás, na década de 1950 (construção de Brasília);
– Migrações de paulistas para Rondônia e Mato Grosso, na década de 1970.

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Fonte: www.sogeografia.com.br
Os movimentos migratórios mais intensos nas décadas de 1980 e 1990 foram nas regiões:
– Centro-oeste: Brasília e arredores; áreas do interior do MT, MS e GO, onde ocorre a expansão da pecuária
e da agricultura comercial.
– Norte: zonas de extrativismo mineral em RO, AP e PA; zonas madeireiras no PA e AM; áreas agrícolas em
RO e AC.
– Sudeste: migrações das capitais para o interior dos estados de SP, RJ e MG.
– Sul: até o final da década de 1980, os movimentos emigratórios para o centro-Oeste e norte foram muito
significativos. Na década de 1990, houve forte migração intraestadual, principalmente das metrópoles para o
interior.
– Nordeste: tradicionalmente, o Nordeste era uma área de evasão populacional, principalmente do sertão
para a Zona da Mata ou outras regiões do país, como sudeste e centro-oeste. Atualmente, há uma atração de-
vido os incentivos fiscais dos estados às empresas de fora, mão de obra barata e turismo.
Estrutura etária da população brasileira
Avalia-se a estrutura da população através da sua distribuição etária, condição socioeconômica e sua po-
sição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Em relação aos critérios de avaliação dos países, desde
1950 até o final da década de 1980, a classificação comum era aquela que enquadrava os países da seguinte
forma:
1º mundo: países capitalistas desenvolvidos;
2º mundo: países socialistas de economia planificada;
3º mundo: países subdesenvolvidos.
Acontecimentos na geopolítica internacional, como a queda do Muro de Berlim, fim da Guerra Fria, ressur-
gimento da Europa como potência econômica e o fim da experiência socialista soviética, marcam uma nova
disposição da ordem mundial, em que se menciona o mundo multipolar e a globalização da economia.
A partir daí, tornou-se necessário um novo entendimento para classificar os países. A ONU passou a utilizar
o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que tem por objetivo avaliar a qualidade de vida através de alguns
critérios:
– Expectativa de vida;
– Renda per capita;
– Grau de instrução.
O IDH avalia e aplica uma nota que varia de 0 a 1. Quanto mais próximo do 1, melhor o IDH de uma país, ou
de uma região. Veremos mais informações sobre o IDH nos próximos tópicos.
Essa organização é apresentada em gráficos cartesianos, em que na abscissa (horizontal) são colocadas as
populações por milhões, divididas em homens e mulheres, cada qual ficando de um lado da ordenada (vertical),
onde é colocada uma tabela de idades, dividida em faixas de 5 em 5 ou de 10 em 10 anos. Esses gráficos car-
tesianos são chamados de pirâmides etárias. Normalmente, as faixas resultantes são divididas em três partes
ou faixas etárias:

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– População jovem: 0 a 19 anos.
– População adulta: de 20 a 59 anos.
– População idosa: acima de 60 anos.
A pirâmide etária do Brasil tem sua base larga e vai estreitando-se até atingir o topo. Isso significa que o nú-
mero de idosos é relativamente pequeno. O gráfico do Brasil demonstra que, mesmo com todo o crescimento,
continuamos a ser um país jovem, pois no caso dos países mais desenvolvidos, a base da pirâmide costuma
ser menos larga e o topo mais amplo.

Fonte: IBGE

Fonte: IBGE
PEA (População Economicamente Ativa)
É a população que exerce atividade remunerada nas formas da lei. Nos países desenvolvidos, os ativos
são predominantemente a população adulta, enquanto nos subdesenvolvidos tanto os jovens quanto os idosos
trabalham juntamente com os adultos.

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População: estrutura, composição e dinâmica

— Definição e função
Cidade
Area industrializada e povoada com zonas residenciais e comerciais. A cidade é uma zona urbana, o contrá-
rio de zona rural, ou seja, é a parte do município em que há uma grande concentração de pessoas e estruturas
industriais.
As zonas rurais, também denominadas de campo, são partes de um município em que são utilizadas para
atividades da agricultura e agropecuária, onde há pouquíssima industrialização, e são áreas que abrigam pai-
sagens naturais.
As zonas urbanas e rurais coexistem, são dependentes umas das outras, pois a zona urbana utiliza produtos
produzidos nas zonas rurais e as zonas rurais comercializam com as zonas urbanas.
— Industrialização e Urbanização
Os processos de industrialização e urbanização são interligados, desde a revolução industrial as cidades
começaram a se desenvolver de forma que o movimento de pessoas aumentou e consequentemente, a urba-
nização se desenvolveu. Quanto maior o número de pessoas, mais consumiam e produziam, movimentando
assim, a indústria e ocasionando também deu rápido desenvolvimento.
O crescimento da Indústria em todos os países do mundo, mas principalmente na Inglaterra, proporcionou
diversas transformações no espaço geográfico. Além de um maior movimento de pessoas, estruturas relacio-
nadas ao transporte, como trens, metrô, veículos em geral, ruas asfaltadas, grandes centros comerciais, entre
outros, foram criadas e desenvolvidas. Isso, mas principalmente o fator de empregos na área industrial, acabou
causando o êxodo rural, que é quando as pessoas que residem nas zonas rurais se mudam para a zona urbana
a fim de encontrar empregos e condições melhores de vida, o que ocorreu bastante no processo da revolução
Industrial.
— Urbanização Brasileira e Regiões Metropolitanas
A urbanização brasileira iniciou-se no século XX, com o desenvolvimento da indústria o êxodo rural come-
çou a acontecer, em meados de 1950, e portanto, a urbanização a se desenvolver principalmente no Sudeste
do país. Algo que influenciou bastante esse desenvolvimento foi a política de desenvolvimento dos governos
Getúlio Vargas e Juscelino Kubistchek que prometiam “50 anos em 5”. Nos anos 60, a urbanização começa a
se desenvolver no centro-oeste do país. Hoje, mais de 70% da população do Brasil reside em áreas urbanas,
portanto as regiões diferem bastante em relação a infraestruturas. As regiões do Sudeste e do Sul são mais
desenvolvidas, enquanto o Nordeste ainda tem uma grande carência. Assim, a urbanização junto da industria-
lização causou buracos na sociedade, como a desigualdade social e falta de oportunidades para as pessoas.
— A Questão Agrária e Conflitos no Campo no Brasil
A questão agrária diz respeito a conflitos que ocorrem no meio rural, nos meios de produção agrícolas e a
relação entre o capitalismo e o trabalho rural. Com a modernização deste espaço rural, problemas como a desi-
gualdade, concentração de terras e êxodo rural acabaram se intensificando. A urbanização causou um aumento
na demanda de produtos agrícolas, e como consequência, meios de acelerar essa produção, como o uso de
agrotóxicos. Isso diminui o preço dos produtos enquanto produtos industrializados tem seu preço elevado.
— Rede e Hierarquia Urbana Brasileira
Hierarquia Urbana é a organização de cidades em níveis hierárquicos de subordinação, ou seja, cidades mé-
dias têm influência sobre as menores. Dizemos maior em relação a produtividade, bens e serviços oferecidos, e
não em relação a seu tamanho físico. A hierarquia também integra as cidades em uma rede urbana, uma rede
que as conecta econômica, social e culturalmente. Pode ser categorizada em:

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• Metrópole: cidade de grande porte que exerce influência sobre outras cidades. Uma metrópole pode ser
nacional (grande centro urbano) ou regional (uma cidade em que habitam mais de um milhão de habitantes e
exerce influência em todo o estado).
• Centros Regionais: cidades de médio porte, exercem influência na região e produzem bens para outras
cidades.
• Cidade local: cidades de porte pequeno que dependem de cidades maiores.
• Vilas: pequena concentração urbana que não atinge critérios para se considerar uma cidade, e depende
muito das grandes metrópoles.
— Concentração e Desconcentração das Indústrias no Brasil
Concentração e Desconcentração Industrial é o processo de migração das indústrias dentro de um certo
país. No Brasil, a industrialização ocorreu tarde, mas não demorou muito para se solidificar, nos anos 70, a
região do Sudeste já estava bem industrializada e com boa infraestrutura urbana. Há muito tempo, o Sudeste
lidera o processo industrial no Brasil, porém atualmente tem acontecido uma mudança nessa concentração, a
partir de planejamentos governamentais de democratizar a indústria pelas regiões do país. São Paulo continua
sendo o estado de maior concentração industrial, porém o desenvolvimento desse setor nas outras regiões tem
crescido e possivelmente causará em breve uma desconcentração das Indústrias no Brasil.

Infraestrutura urbana e segregação socioespacial

A urbanização é o processo de crescimento das cidades em população e extensão territorial, que ocorre prin-
cipalmente pela migração do campo para a cidade, chamada de êxodo rural. A urbanização está relacionada às
dinâmicas socioespaciais, que são as transformações que ocorrem no espaço geográfico em decorrência das
relações sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais que nele se desenvolvem.
As dinâmicas socioespaciais nas cidades envolvem diversos aspectos, como:
– Aspectos econômicos: referem-se às atividades produtivas que se realizam nas cidades, como indústria,
comércio, serviços e finanças. Essas atividades geram empregos, renda, impostos e desenvolvimento para as
cidades, mas também podem provocar desigualdades sociais, concentração de riquezas e dependência exter-
na.
– Aspectos políticos: referem-se às formas de organização e gestão das cidades, como os poderes públi-
cos, os partidos políticos, os movimentos sociais e as instituições participativas. Esses atores influenciam nas
decisões sobre o planejamento urbano, as políticas públicas, a distribuição de recursos e a garantia de direitos
para os cidadãos urbanos.
– Aspectos culturais: referem-se às manifestações artísticas, religiosas, linguísticas, gastronômicas e outras
que expressam a diversidade e a identidade dos grupos sociais que vivem nas cidades. Essas manifestações
contribuem para a valorização da cultura urbana, mas também podem gerar conflitos, preconceitos e exclusões.
– Aspectos ambientais: referem-se às condições naturais e antrópicas que afetam a qualidade de vida nas
cidades, como o clima, a vegetação, a poluição, o saneamento básico e o uso do solo. Essas condições podem
gerar benefícios ou problemas para os habitantes urbanos, como conforto térmico, áreas verdes, enchentes,
ilhas de calor e deslizamentos.
As dinâmicas socioespaciais nas cidades também estão relacionadas aos riscos e desastres urbanos, que
são eventos adversos que podem causar danos materiais e humanos nas áreas urbanas. Esses eventos podem
ser de origem natural ou antrópica (causados ou agravados pela ação humana), como terremotos, furacões,
incêndios, explosões e acidentes. Os riscos e desastres urbanos estão associados à vulnerabilidade social e
ambiental das populações urbanas, especialmente as mais pobres e marginalizadas.

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As políticas públicas de planejamento urbano são instrumentos que visam ordenar o espaço urbano e pro-
mover o desenvolvimento sustentável das cidades. Elas envolvem a elaboração de planos diretores, leis de uso
do solo, zoneamentos ambientais e outras normas que regulam as atividades urbanas. Elas também envolvem
a implementação de obras e serviços públicos que atendam às demandas da população urbana em áreas como
habitação, transporte, saúde, educação e lazer.

Desenvolvimento rural brasileiro: estrutura e concentração fundiária; sistemas produ-


tivos e relação de trabalho no campo

O Brasil, com sua extensa área territorial e vasta diversidade de biomas, é uma potência agrícola global. O
desenvolvimento do setor agrícola não foi apenas resultado de seus recursos naturais, mas também de práti-
cas, inovações e esforços para transferir conhecimentos técnicos aos agricultores. Nesse cenário, a extensão
rural se consolidou como uma ponte entre a pesquisa agropecuária e o campo, desempenhando um papel
central na modernização da agricultura brasileira.
A agricultura brasileira, desde o período colonial, foi marcada por distintas formas produtivas, desde latifún-
dios monocultores até pequenas propriedades familiares. Porém, a falta de acesso à informação e tecnologia
foi por muito tempo um limitador do desenvolvimento agrícola, principalmente para pequenos e médios produ-
tores. Nesse contexto, a extensão rural surgiu como um mecanismo para diminuir essa lacuna, propondo uma
relação mais próxima e direta com o homem do campo, visando sua capacitação e empoderamento.
Apesar de ser reconhecido primordialmente por sua importância política e administrativa como sede do
governo federal, o Distrito Federal tem uma relevante parcela rural, que abriga desde produções familiares até
experimentações agrícolas. Estas áreas rurais, por estarem próximas ao centro político, acabam por vezes re-
fletindo as dinâmicas e transformações das políticas agrícolas do país de maneira mais imediata.
A extensão rural se apresenta não apenas como transmissão de técnicas, mas como uma via de mão dupla,
na qual extensionistas e agricultores trocam experiências, adaptam soluções e co-criam estratégias para en-
frentar os desafios do campo. Ao longo da história brasileira, essa prática tem passado por diversas metamor-
foses, espelhando os desafios socioeconômicos e ambientais de cada época.
Assim, ao explorar a trajetória da extensão rural no Brasil e no Distrito Federal, mergulhamos em uma nar-
rativa sobre desenvolvimento, inovação, desafios e adaptações, reconhecendo a centralidade do setor agrícola
na formação socioeconômica do país e a importância de conectar ciência, prática e tradição no campo.
— Origens (até a década de 1940)
Um país de base agrária
Ao longo de sua história colonial e nos primeiros momentos como nação independente, o Brasil teve sua
economia fortemente ancorada na agricultura. Grandes ciclos econômicos, como o do açúcar, café e borracha,
deram forma à nossa paisagem econômica e social. No entanto, a produção agrícola era muitas vezes baseada
em práticas tradicionais, com pouca intervenção tecnológica.
Os primeiros passos da extensão rural
Antes da oficialização da extensão rural como uma prática sistemática, já existiam iniciativas isoladas que
buscavam levar conhecimentos mais avançados ao campo. Estas iniciativas eram frequentemente conduzidas
por escolas agrícolas, sociedades rurais e até mesmo por missionários. Era uma fase onde a extensão estava
mais ligada à ideia de educação rural e alfabetização do que à transmissão de técnicas agrícolas avançadas.
Influência internacional e modelos iniciais
O conceito de extensão rural, como é entendido hoje, teve suas raízes em modelos desenvolvidos principal-
mente nos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX. O “Modelo Smith-Lever”, por exemplo,
instituído nos EUA em 1914, teve grande influência na forma como o Brasil começou a perceber a necessidade
de uma ação organizada de extensão. A ideia de conectar universidades, pesquisadores e agricultores come-
çou a ganhar força, reconhecendo-se que a pesquisa agrícola não seria efetiva sem uma ponte direta com o
produtor.

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Desafios e limitações
Apesar de haver uma crescente percepção da importância da extensão rural neste período, o Brasil enfren-
tou desafios. A vastidão territorial, as diferenças regionais, a variedade de cultivos e a falta de infraestrutura
(como estradas e meios de comunicação eficientes) tornaram a implementação de programas de extensão
uma tarefa complexa. Além disso, havia resistência cultural e desconfiança por parte de muitos agricultores em
relação a novas técnicas e práticas.
A fase inicial da extensão rural no Brasil, até a década de 1940, foi marcada por tentativas, aprendizados
e adaptações. Embora fosse um período de estruturação e consolidação da ideia de extensão, as sementes
plantadas nessa época forneceram a base para o desenvolvimento de programas mais robustos e sistemáticos
nas décadas subsequentes. A extensão rural começava a se firmar como uma ferramenta essencial para a
modernização da agricultura brasileira.
— Institucionalização (1940 - 1960)
O cenário pós Segunda Guerra
O período pós Segunda Guerra Mundial marcou um momento de reconstrução e transformação global. O
mundo presenciou um boom tecnológico, com inovações que passaram a influenciar diversas áreas, incluindo
a agricultura. O Brasil, imerso nesse contexto e buscando modernizar sua produção agrícola, viu na extensão
rural um mecanismo fundamental para essa transformação.
Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR)
Em 1948, foi fundada a Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR), um marco na insti-
tucionalização da extensão rural no Brasil. Com apoio do governo e cooperação internacional, principalmente
dos Estados Unidos, a ABCAR atuou como principal entidade de extensão, focando inicialmente em regiões de
maior desenvolvimento agrícola, como o Sudeste.
A ABCAR não só introduziu técnicas agrícolas modernas, mas também buscou promover uma mudança
cultural no campo. Seu trabalho envolveu a introdução de práticas de gestão, incentivo à cooperação entre
agricultores e a promoção da cidadania e educação rural.
A extensão e a modernização agrícola
A década de 1950 foi marcada pelo desejo de modernização da agricultura brasileira. Sob influência do “Mi-
lagre Verde”, que promoveu o uso intensivo de insumos químicos e variedades de alto rendimento em diversos
países, o Brasil buscou atualizar suas práticas agrícolas. A extensão rural desempenhou um papel chave, sen-
do o veículo para introduzir essas novas técnicas aos agricultores.
Desafios e críticas
Apesar do crescimento e fortalecimento da extensão rural durante este período, também surgiram críticas.
Muitos alegavam que a abordagem adotada era muito top-down, impondo técnicas sem considerar a realidade
e o conhecimento local dos agricultores. Além disso, a forte ênfase na modernização às vezes levava a práticas
insustentáveis e à marginalização de pequenos agricultores em benefício da agricultura de grande escala.
A fase de institucionalização da extensão rural no Brasil entre 1940 e 1960 foi fundamental para estabele-
cer a prática como um pilar da política agrícola nacional. Foi um período de rápido aprendizado, expansão e
adaptação, onde a extensão rural começou a moldar a face da agricultura brasileira. Contudo, os desafios en-
frentados e as críticas levantadas nesse período também sinalizavam a necessidade de uma abordagem mais
inclusiva e sustentável para a extensão no futuro.
— Expansão e consolidação (1960 - 1980)
O Brasil em transformação
A década de 1960 viu o Brasil passar por intensas mudanças sociopolíticas. O Golpe Militar de 1964 levou
à instauração de uma ditadura que perduraria até 1985. Durante este período, houve uma busca intensiva pelo
desenvolvimento econômico, sendo a agricultura uma das áreas focais. Com o objetivo de transformar o país
em uma potência agrícola e garantir a segurança alimentar, houve uma massiva mobilização de recursos para
a pesquisa e extensão agrícola.

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Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER)
Criada em 1973, a EMBRATER surgiu como parte desse impulso modernizador. Absorvendo as funções da
ABCAR, a EMBRATER se tornou o principal órgão nacional de extensão rural, atuando em parceria com as
empresas estaduais de extensão. Seu papel não era apenas transferir tecnologia, mas também coordenar e
formular políticas de extensão em nível nacional.
A Era da revolução verde no Brasil
Inspirado pelo sucesso da Revolução Verde em outros países, o Brasil adotou muitas de suas práticas du-
rante as décadas de 1960 e 1970. Com o apoio da extensão rural, foram introduzidos no país variedades de
cultivos de alto rendimento, fertilizantes químicos e pesticidas. Este período viu um aumento significativo na
produção agrícola, solidificando a posição do Brasil como uma potência agrícola global.
Impactos sociais e ambientais
Porém, a intensa modernização da agricultura teve seus custos. O foco em grandes propriedades e mono-
culturas levou a uma concentração de terras, marginalizando pequenos agricultores. As práticas intensivas da
Revolução Verde também levaram a problemas ambientais, como erosão do solo, contaminação da água e
perda de biodiversidade.
A busca por sustentabilidade e participação
Reconhecendo os problemas emergentes, começaram esforços na década de 1970 para tornar a agricultura
mais sustentável. A extensão rural começou a promover práticas como rotação de culturas, manejo integrado
de pragas e conservação do solo. Também houve uma crescente consciência da importância da participação
dos agricultores no processo de extensão, levando a métodos mais participativos.
A fase de expansão e consolidação da extensão rural entre 1960 e 1980 foi marcada por conquistas sig-
nificativas em termos de produção agrícola. No entanto, também trouxe à luz os desafios da modernização
rápida e sem reflexão. O papel da extensão rural foi fundamental nesse processo, tanto na promoção de novas
tecnologias quanto na reorientação em direção a práticas mais sustentáveis e inclusivas. Esta fase preparou o
terreno para as transformações e descentralizações que ocorreriam nas décadas seguintes.
— Descentralização e redefinição (1980 - 2000)
O contexto socioeconômico
A década de 1980, muitas vezes chamada de “década perdida”, trouxe consigo desafios econômicos sig-
nificantes para o Brasil, incluindo inflação elevada, dívidas externas e crises fiscais. No entanto, foi também
um período de transição política, com o fim do regime militar e a redemocratização do país. Essas mudanças
tiveram impactos diretos na maneira como a extensão rural foi conduzida e percebida.
Descentralização das políticas de extensão
Durante a década de 1980, a extensão rural começou a ser descentralizada. A responsabilidade pela presta-
ção de serviços de extensão, anteriormente centralizada em agências federais como a EMBRATER, foi gradual-
mente transferida para as unidades federativas. Isso levou a uma maior participação dos estados e municípios
na formulação e implementação de políticas de extensão.
A ascensão da agricultura familiar
Nesse período, houve um reconhecimento crescente da importância da agricultura familiar. Ao contrário do
modelo anterior, focado em grandes propriedades e monoculturas, a década de 1990 viu esforços para apoiar
pequenos agricultores. Programas como o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Fa-
miliar) foram criados, e a extensão rural desempenhou um papel vital na transferência de tecnologias apropria-
das para essa modalidade de agricultura.
O movimento pela agroecologia
Junto com a valorização da agricultura familiar, surgiu um movimento pela agroecologia, buscando uma
agricultura mais sustentável e integrada ao meio ambiente. A extensão rural começou a explorar e promover
práticas agroecológicas, enfatizando a diversidade, rotação de culturas, e uso mínimo de insumos químicos.

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Desafios financeiros e institucionais
A despeito das mudanças positivas na abordagem da extensão rural, o período foi marcado por restrições
financeiras. Com as crises econômicas e a descentralização, muitas entidades de extensão enfrentaram falta
de recursos e tiveram que se reestruturar. Isso levou a debates sobre a eficácia e eficiência da extensão rural e
sobre como melhor atender às necessidades dos agricultores em um ambiente de recursos limitados.
A extensão rural, nas décadas de 1980 e 1990, passou por uma redefinição significativa em suas práticas e
objetivos. De um modelo centralizado e voltado para a agricultura de larga escala, migrou-se para uma abor-
dagem mais descentralizada, inclusiva e ambientalmente consciente. Embora tenham surgido novos desafios,
esse período lançou as bases para uma extensão rural mais adaptada às realidades e diversidades do Brasil.
— Século XXI: inovação, sustentabilidade e participação
O novo milênio: Desafios e oportunidades
O início do século XXI foi marcado por um cenário globalizado, onde a tecnologia e a informação passaram
a ter um papel central. O Brasil, inserido neste contexto, experimentou crescimento econômico, mas também
enfrentou desafios como as mudanças climáticas e a necessidade de produção agrícola sustentável. A exten-
são rural, mais uma vez, se viu na encruzilhada entre tradição e inovação.
A revolução digital no campo
Com o advento das tecnologias de informação e comunicação (TICs), a extensão rural começou a se bene-
ficiar de ferramentas como softwares de gestão agrícola, drones, satélites e plataformas online. Isso permitiu
uma extensão mais eficaz, alcançando um número maior de agricultores e oferecendo soluções personalizadas.
Foco na sustentabilidade e agroecologia
Reconhecendo os impactos negativos da agricultura intensiva, houve um movimento contínuo em direção à
sustentabilidade. A extensão rural passou a promover ainda mais práticas agroecológicas, manejo integrado de
recursos e conservação da biodiversidade. Além disso, com a crescente preocupação global com as mudanças
climáticas, a extensão rural teve papel crucial na difusão de práticas agrícolas resilientes ao clima.
Participação ativa dos agricultores
A abordagem de extensão rural no século XXI tornou-se mais participativa. Valorizando o conhecimento
local, as agências de extensão passaram a envolver mais os agricultores no processo de decisão, reconhecen-
do-os como parceiros e não apenas como receptores de tecnologia. Isso resultou em soluções mais adaptadas
às realidades locais.
Parcerias e colaborações
Neste período, observou-se um aumento nas parcerias entre órgãos de extensão, instituições de pesquisa,
universidades e o setor privado. A natureza multidisciplinar dos desafios agrícolas exigiu uma abordagem cola-
borativa, onde diferentes entidades trabalharam juntas para fornecer soluções holísticas.
O século XXI trouxe consigo um conjunto de desafios e oportunidades para a extensão rural no Brasil. Com
foco em inovação, sustentabilidade e participação, a extensão rural continuou a evoluir, buscando soluções que
não apenas aumentassem a produtividade agrícola, mas que também fossem ambientalmente sustentáveis e
socialmente justas. Adaptando-se às realidades em constante mudança, a extensão rural reafirmou seu papel
vital na paisagem agrícola brasileira.
— Extensão rural no Distrito Federal
O cenário particular do Distrito Federal
O Distrito Federal (DF), criado em 1960 para ser a sede da capital federal, Brasília, apresenta uma particu-
laridade em relação a outros estados brasileiros. Embora a maioria das atividades esteja centrada na adminis-
tração pública e em serviços, a região também possui uma zona rural ativa, com uma diversidade de pequenos
e médios produtores que cultivam desde hortaliças até grãos.

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A criação da EMATER-DF
A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (EMATER-DF) foi criada em 1977
com a missão de promover o desenvolvimento rural sustentável no DF. Desde o início, sua abordagem foi
voltada para a agricultura familiar, focando em práticas sustentáveis e na melhoria da qualidade de vida dos
agricultores.
Desafios e particularidades
Diferente de regiões agrícolas tradicionais, o DF possui uma proximidade única entre zonas rurais e urba-
nas. Isso traz vantagens, como acesso a mercados e facilidade de comunicação, mas também desafios, como
conflitos de uso da terra, pressões urbanísticas e questões de manejo de recursos hídricos.
Inovação e sustentabilidade
A EMATER-DF tem desempenhado um papel proativo na introdução de tecnologias inovadoras para os agri-
cultores da região. Projetos de agricultura de precisão, uso eficiente de água e produção orgânica são alguns
exemplos. Há também um forte incentivo à agroecologia, com a promoção de práticas que respeitem o meio
ambiente e promovam a biodiversidade.
Participação e integração com a comunidade
A proximidade da zona rural com o ambiente urbano permitiu uma maior integração entre produtores e
consumidores. A EMATER-DF promoveu diversas iniciativas, como feiras agroecológicas, que aproximaram
o público urbano da realidade dos agricultores, valorizando o produto local e promovendo uma alimentação
saudável.
A extensão rural no Distrito Federal reflete a singularidade de uma região que combina características urba-
nas e rurais. Através da atuação da EMATER-DF, os agricultores do DF têm sido capazes de enfrentar desafios
específicos e aproveitar as oportunidades oferecidas por sua localização única. A história da extensão rural no
DF é um testemunho da capacidade de adaptar práticas agrícolas às circunstâncias locais, buscando sempre
a sustentabilidade, inovação e integração com a comunidade.
— Do passado ao futuro
A extensão rural no Brasil possui uma rica e dinâmica história, refletindo as transformações sociais, políticas
e econômicas que o país experimentou ao longo do século XX e início do século XXI. Desde seus primórdios
voltados para a difusão de técnicas agrícolas, até a valorização da agricultura familiar e práticas agroecológi-
cas, a extensão rural tem desempenhado um papel fundamental na promoção do desenvolvimento agrícola
sustentável.
A trajetória da extensão rural no país pode ser vista como um espelho das prioridades nacionais: a busca por
segurança alimentar nas décadas de 1960 e 1970, a redefinição e descentralização nos anos 1980 e 1990, e o
foco na inovação e sustentabilidade no século XXI.
O Distrito Federal, por sua vez, oferece um interessante microcosmo da extensão rural. A EMATER-DF, ao
longo de sua história, enfrentou desafios específicos, mas também aproveitou as oportunidades únicas apre-
sentadas pela proximidade entre zonas urbanas e rurais.
Olhando para o futuro, a extensão rural no Brasil e no Distrito Federal tem o potencial de continuar a desem-
penhar um papel crucial. Com os crescentes desafios das mudanças climáticas, da necessidade de alimentar
uma população em crescimento e da conservação da biodiversidade, a extensão rural será essencial para co-
nectar pesquisa, inovação e as realidades no campo.
Assim, a história da extensão rural no Brasil e no Distrito Federal não é apenas um registro do passado,
mas uma fonte de inspiração e orientação para as futuras gerações de agricultores, técnicos, pesquisadores
e formuladores de políticas. Através da colaboração, inovação e respeito ao meio ambiente e às comunidades
rurais, a extensão rural pode continuar a moldar um futuro agrícola próspero e sustentável para o Brasil.

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108
A inserção do Brasil no sistema internacional.

Origens, Conceitos Básicos e Fundamentos Teóricos34


O Início
Levando-se em consideração a centralidade do Estado no debate dos estudos de Relações Internacionais,
faz-se necessário entender a evolução teórica acerca desse tema. Nesse sentido, a Ciência Política, de forma
geral, concentra sua literatura nos trabalhos de Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, Montesquieu
e Jean-Jacques Rousseau.
Pode-se dizer que, de uma forma ou de outra, as teorias das Relações Internacionais utilizam esses auto-
res como base para diversas de suas argumentações, principalmente quando se trata das correntes liberal e
realista.
Ao trabalhar a ideia de interesse nacional, Nicolau Maquiavel (1469-1527), autor de O Príncipe, defendeu o
argumento de que para defender os interesses do Estado, a política não pode submeter-se aos valores morais.
É sabido que as ideias de Maquiavel influenciaram profundamente o surgimento e a consolidação do absolu-
tismo europeu.
Para Thomas Hobbes (1588-1679), o homem é um ser mau por natureza, que não mede esforços para ga-
rantir sua sobrevivência e defender seus interesses. Assim, nessa luta incessante de homem contra homem, a
morte é uma ameaça constante à vida dos indivíduos. Partindo-se, então, do medo da morte, surge a necessi-
dade de todos abrirem mão de seus direitos em benefício de um Estado (Leviatã) que garanta paz, segurança
e prosperidade. Isso posto, Hobbes utiliza a figura do Leviatã para legitimar o Estado como ator que age em
benefício de todos. Discute-se que os postulados de Hobbes embasam os estudos sobre o contrato social.
Trabalhando na releitura dos conceitos de Hobbes, John Locke (1632-1704) ponderou sobre os limites ao
poder das monarquias absolutistas. Nesse sentido, Locke defende a ideia de que a liberdade não pode ser en-
tendida como o preço a ser pago pela instituição do poder estatal. Nesse caso, ficaria estabelecido o direito da
sociedade rebelar-se contra o Estado, pois sua liberdade seria o contraponto ao próprio poder do soberano. É
dentro desse contexto que surge a separação entre as esferas públicas e privadas.
A partir das ideias de John Locke, Barão de Montesquieu (1689-1755) tratou da separação dos poderes
(Legislativo, Executivo e Judiciário) em sua obra O Espírito das Leis. O contrato social ganhou forma na estru-
tura de uma democracia representativa. Edificaram-se, então, os pilares do Estado liberal que rivalizaria com o
poder absolutista dos reis.
Por fim, Jean Jacques Rousseau (1712-78), na contramão do pensamento hobbesiano, embasou seu pen-
samento na figura do bom selvagem. Enquanto para Thomas Hobbes o homem era um ser mau e egoísta por
natureza, inserido em um contexto de anarquia e caos, Rousseau argumentou que, na verdade, o homem é um
ser originalmente bom. Desse modo, sua transformação, na figura hobbesiana, dá-se a partir do surgimento da
propriedade privada que o leva à violência e escravidão. Para Rousseau, o contrato social ideal seria aquele
que a soberania popular, expressa na forma da democracia direta, fosse o pilar principal sobre o qual se es-
tabeleceria o Estado. As ideias de Rousseau são identificadas como embrionárias do pensamento comunista.
É importante perceber que o debate acerca da legitimação do Estado como instituição gestora de conflitos
e interesses domésticos não acontece de forma autônoma em relação aos eventos externos às fronteiras na-
cionais. Assim, na medida em que os grupos políticos dominantes encontram certo grau de coesão doméstica,
a própria manutenção da estrutura do poder estatal torna-se paulatinamente sensível à dinâmica política e
comercial no âmbito das relações interestatais.

34 JUBRAN, Bruno Mariotto. Relações internacionais: conceitos básicos e aspectos teóricos. Secretaria de
Planejamento e Desenvolvimento Regional. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuse.
Porto Alegre: 2015.

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O período de consolidação das monarquias europeias deu-se, então, no contexto da articulação dos agrupa-
mentos humanos em torno de Estados que respondessem por suas demandas políticas, econômicas e sociais.
Alcançada a legitimação do poder doméstico, os Estados passaram, em maior ou menor grau, a se projetar in-
ternacionalmente, no sentido de garantir recursos que assegurassem sua sobrevivência ou expansão territorial.
Essa dinâmica de poder entre os Estados absolutistas europeus fomentou a consolidação do sistema estatal
moderno. Na medida em que o Estado absolutista ia sendo substituído pelo Estado liberal (legitimado pela so-
berania popular), o sistema internacional consolidou-se como palco de luta de interesses nacionais divergentes.
Vale ressaltar que o sistema internacional surge antes mesmo da consolidação do capitalismo como um
sistema de alcance global. Argumenta-se que, na verdade, o sistema capitalista beneficiou-se das diversas es-
truturas estatais anteriormente estabelecidas. Desse modo, o processo de acumulação capitalista passou a ser
paulatinamente instrumentalizado como recurso de poder nas Relações Internacionais. Ainda que o dinamismo
do processo de acumulação capitalista seja, para muitos, a principal fonte de atrito do sistema internacional,
vale ressaltar que o ambiente conflituoso entre as potências europeias é anterior ao surgimento do capitalismo.
Sistema Internacional, Geopolítica e Relações Internacionais
Estudos sistêmicos, a partir das dinâmicas e circunstâncias históricas, geográficas, políticas e econômicas
do sistema internacional, impulsionaram o surgimento de conceitos e teorias que compõem, hoje, o campo de
estudo das Relações Internacionais.
Já é de amplo conhecimento que o atual sistema internacional é fruto dos desdobramentos da Guerra dos
Trinta Anos (1618-48) e dos Tratados de Vestefália, que puseram fim ao conflito. De 1648 a 1792, o sistema
de Estados europeus consolidou-se com uma dinâmica própria de equilíbrio de poder. No entanto, as guerras
impulsionadas pela Revolução Francesa (1792-1815) provocaram mudanças fundamentais no equilíbrio de
poder até então estabelecido.
Após a derrocada de Napoleão Bonaparte, o Congresso de Paz de Viena (1815) estabeleceu um período
de aproximadamente um século de “paz” no continente europeu. A razoável estabilidade, no continente, ficou
comprometida com os acontecimentos que precederam a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-18).
Nesse sentido, a defesa do equilíbrio de poder europeu pela Grã-Bretanha, entre França, Prússia, Áustria e
Rússia, favoreceu a adoção de uma política externa, ao mesmo tempo, isolacionista na Europa e imperialista no
âmbito global. Torna-se importante ressaltar que a supremacia mundial britânica (Pax Britannica) representou a
vitória do seu poder naval sobre o poder terrestre do Império Napoleônico. A marinha britânica não só contribuiu
para a derrota de Napoleão e do expansionismo francês, como manteve o ímpeto expansionista dos demais im-
périos europeus, em especial o russo. Adicionalmente, a frota naval britânica foi fundamental na consolidação
de seu império ultramarino e de seu poder sobre as rotas comerciais mundiais.
A expansão territorial dos Estados nacionais e o controle sobre recursos naturais existentes em territórios
além das fronteiras nacionais são os ingredientes latentes, em grande parte, dos conflitos interestatais. Nesse
sentido, muitas vezes, negar o acesso a recursos estratégicos, ou conter a expansão imperialista de um Estado
(ou grupo de Estados), no interior do sistema internacional, torna-se a lógica dos grandes players da política
internacional.
Foi dentro desse debate sobre os recursos de poder, território e acesso a recursos naturais que surgiram as
primeiras observações teóricas no campo das relações interestatais. Trata-se, mais especificamente, da geopo-
lítica, campo de estudos que analisa as relações entre Estados a partir da perspectiva histórica e geográfica.
A geopolítica, que precedeu a consolidação das Relações Internacionais como um campo de estudo científico,
estruturou-se a partir da teoria do poder terrestre e, posteriormente, das teorias do poder naval e aéreo.
Em 1904, o geógrafo britânico Halford John Mackinder argumentou, a partir do estabelecimento de um nexo
de causalidade entre Geografia e História, que havia uma secular disputa pela supremacia mundial entre dois
poderes antagônicos: o poder terrestre e o marítimo. Segundo Mello (1999), Mackinder acreditava na existên-
cia de um poder terrestre eurasiano que buscava, por meio de uma expansão centrífuga, dominar as regiões
periféricas da Europa com o objetivo de garantir acesso aos mares quentes. Já o poder antagônico, marítimo,
situado em ilhas próximas e regiões marginais à Eurásia, controlava a linha costeira dessa região com o intuito
de manter o poder terrestre no interior eurasiano, recorrendo ao exercício de uma força centrípeta. Apesar de

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tratar o poder marítimo como força antagônica ao poder terrestre, Mackinder notabilizou-se como o principal
intelectual da teoria do poder terrestre. Ao defender a existência da disputa secular entre poder terrestre e poder
marítimo, Mackinder pôs fim à dominante visão eurocêntrica das análises internacionais.
No que diz respeito ao poder marítimo, em que pese à supremacia naval britânica, foi um almirante nor-
te-americano quem, em 1880, deu inteligibilidade à teoria do poder marítimo. Alfred Thayer Mahan elaborou
importante trabalho sobre a influência do poder marítimo na história no período de 1660 a 1783. O impacto dos
estudos de Mahan foi decisivo na consolidação do Destino Manifesto como política de expansão do poderio
norte-americano na região do Caribe e do Pacífico (Porto Rico, Filipinas e Cuba).
A teoria do poder naval, na política estadunidense, propunha o completo controle do território norte-ameri-
cano, a contenção do expansionismo japonês na região do Pacífico e a retirada da supremacia dos mares dos
britânicos mundialmente.
Mello (1999) ressalta que as ideias de Mackinder e Mahan foram muito influentes na configuração do siste-
ma mundial no período imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial, assim como no período da Guerra
Fria (194591). Após a Primeira Guerra, o ocidente acreditava na necessidade de se estabelecer um cordão sa-
nitário no entorno da União Soviética com o objetivo de conter a influência e o avanço bolchevique no resto da
Europa. Já no pós Segunda Guerra Mundial (1939-45), a consolidação de Estados-tampões junto às fronteiras
soviéticas atendiam mais aos interesses do Kremlin, no sentido de dificultar qualquer tentativa de expansionis-
mo por parte dos países ocidentais. Igualmente, na visão das potências ocidentais, a expansão e a influência
do poder terrestre soviético, no coração da Eurásia, era um forte argumento da necessidade de se encampar
este tipo de estratégia. Isso posto, coube à influência do poder naval norte-americano a criação de Estados-
-tampões nas fronteiras soviéticas, assim como a instalação de bases militares, navais e terrestres, para conter
o expansionismo soviético por terra e mar.
A ideia da rivalidade secular entre poder terrestre e naval influenciou e segue influenciando as análises inter-
nacionais. Nesse sentido, é comum o uso da metáfora da luta secular entre o país baleia (supremacia do poder
naval) e o país urso (supremacia do poder terrestre). Tal metáfora é bastante utilizada para retratar o conflito
entre os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (EUA-URSS) no âmbito
da Guerra Fria e nos posteriores contenciosos envolvendo a Rússia e os Estados Unidos.
Desse modo, como a teoria do poder terrestre foi importante para os estudos do poder naval, as obras de
Mackinder e Mahan, consideradas pilares dos estudos geopolíticos, também contribuíram para trabalhos que
passaram a enfatizar a influência do poder aéreo para o equilíbrio de poder no sistema internacional. O próprio
termo geopolítica traz em si a ideia da influência de questões geográficas na política. Isso posto, faz-se neces-
sário ressaltar, também, que os estudos pioneiros na área das Relações Internacionais se beneficiaram tanto
da análise histórica do sistema internacional, a partir dos desdobramentos da Paz de Vestefália até os dias
atuais, como das primeiras análises geopolíticas encampadas por Mackinder e Mahan.
O Campo de Estudo das Relações Internacionais: Atores e Níveis de Análise
O estudo das Relações Internacionais visa à compreensão de eventos pertinentes às relações entre os Es-
tados dentro de um recorte temporal determinado. Nesse sentido, faz-se necessária a construção do contexto
ou da realidade em que se dão os temas — objetos de estudo das RI. Partindo do pressuposto de que as RI
iniciam suas abordagens mediante a construção de conjunturas e estruturas em que seus objetos de pesquisa
estão inseridos, o primeiro desafio do pesquisador do campo das Relações Internacionais é o de construir tal
realidade. Esse desafio é potencializado pelo fato de cada pesquisador observar seu objeto de pesquisa a partir
de sua própria perspectiva, podendo, facilmente, divergir de seu colega que, por coincidência, estuda o mesmo
tema. Nesse sentido, as questões que se impõem são ontológicas, epistemológicas e teórico-metodológicas.
Ao se aprofundar nessas questões, Sarfati (2005) busca identificar os elementos, atores e proposições que
compõem a realidade dos estudos das Relações Internacionais (ontologia). O autor questiona a forma como o
conhecimento, na área das RI, é gerado, no sentido de identificar aquilo que pode ou não ser privilegiado nas
análises (epistemologia). Por fim, Sarfati pondera sobre as formas de pesquisar Relações Internacionais (me-
todologia quantitativa e/ou qualitativa). Enquanto a abordagem quantitativa busca elementos mensuráveis para
explicar uma realidade, a qualitativa vale-se de elementos não necessariamente quantificáveis, mas que aju-
dam a compreender a realidade do objeto de estudo. Daí a pertinência, no estudo das Relações Internacionais,
das teorias que buscam explicar, identificando relações de causa e efeito, e de outras que buscam entender a
realidade.

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Outro aspecto relevante no estudo das Relações Internacionais refere-se ao nível de análise. Nesse caso,
trata- -se do foco dado à pesquisa. Assim, para Sarfati (2005), a análise pode buscar a explicação ou a com-
preensão de determinado evento internacional a partir de determinados níveis, quais sejam: o individual, o
societal, o estatal, o supraestatal e o do sistema internacional.
O nível individual apropria-se do estudo da natureza humana para explicar/compreender seu objeto de es-
tudo.
Nesse caso, poder-se-ia, por exemplo, buscar a explicação de um evento internacional a partir da análise
cognitivo-comportamental de um presidente ou autoridade governamental e sua respectiva influência sobre os
processos decisórios do país. No nível societal, por outro lado, consideram-se os interesses de segmentos da
sociedade ou da burocracia estatal como foco da pesquisa em RI.
No nível estatal, tem-se o estudo dos interesses e sistemas de governo (democracias, ditaduras, economia,
segurança, política) dos Estados como um ente unitário nas relações interestatais. Já no nível supraestatal, o
pesquisador privilegia o estudo de organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU)
ou a Organização Mundial do Comércio (OMC), assim como organismos internacionais não governamentais
(multinacionais, organizações terroristas, grupos ambientalistas, etc.) como foco de seu trabalho.
Finalmente, tem-se o nível do sistema internacional. Nesse tipo de análise, a pesquisa avalia os padrões
sistêmicos das relações mútuas entre todos os atores das Relações Internacionais. A análise sistêmica argu-
menta que os Estados são entidades políticas soberanas, não existindo um governo central nas Relações Inter-
nacionais, o que daria a característica anárquica do sistema. Porém é comum a contra-argumentação de que,
na verdade, a aparente anarquia esconde a hierarquia dos países dentro do sistema internacional. A hierarquia
desse sistema seria determinada pelo exercício dos recursos de poder dos Estados (território, população, exér-
citos, tecnologia, riqueza, etc.) no interior do mesmo.
Vale ressaltar, porém, que o nível de análise não se confunde com os atores das Relações Internacionais,
outro conceito relevante abordado pelas teorias de RI. Tem-se como consenso, entre as correntes teóricas das
RI, que os atores são os protagonistas em cada um dos níveis analisados. Contudo o debate em torno do tema
recai sobre a primazia dos atores (protagonistas) no estudo das Relações Internacionais. Desse modo, como
foi colocado na discussão sobre os níveis de análise das pesquisas de RI, o rol de atores engloba indivíduos,
órgãos governamentais, Estados, Organizações Internacionais (OI), organizações internacionais não governa-
mentais (ONGs) e atores não estatais como grupos terroristas ou empresas multinacionais.
Percebe-se, então, uma diferenciação clara entre níveis de análise e atores no estudo das Relações In-
ternacionais. Ainda que se queira compreender, por exemplo, o apoio do Governo Federal no processo de
internacionalização de empresas brasileiras a partir da análise do nível sistêmico das Relações Internacionais
(oligopolização de setores da economia mundial e reordenação do sistema produtivo global), os protagonistas,
nesta análise, podem ser as grandes empresas brasileiras, o Estado brasileiro e os países onde atuam as em-
presas nacionais. De outra forma, pode-se analisar esse objeto a partir do nível societal, levando-se em conta
os interesses de segmentos sociais (empresários) e políticos (o partido do governo), onde os protagonistas
(atores) seriam a burocracia estatal, como, por exemplo, o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), o
partido do governo, as grandes empresas nacionais e o Estado brasileiro.

Conceitos Pertinentes ao Estudo das Relações Internacionais


Nas Relações Internacionais, o processo de entendimento dos eventos internacionais passa pelo debate
acerca de conceitos que são transversais às teorias desse campo do conhecimento. O universo conceitual das
RI, longe de esgotar as possibilidades analíticas, trabalha com definições e conceitos inerentes à dinâmica das
relações interestatais. Nesse sentido, é comum a discussão sobre o comportamento individual de Estados em
relação aos demais.
Faz-se necessária uma explanação sobre o que se entende acerca das expressões sistema estatal ou sis-
tema internacional. O sistema internacional é caracterizado pela não existência de um Governo central. Não
existe um governo supranacional, pelo menos em tese, que determine as regras de governança globais, ou
que seja capaz de impor punições a Estados que “descumpram” tais regras. Entende-se que o sistema interna-
cional é composto por Estados soberanos, política e territorialmente constituídos, que buscam maximizar seus
interesses de forma legítima.

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A ideia de que Estados soberanos buscam maximizar interesses nacionais em um sistema internacional
marcado pela inexistência de um governo central leva à constatação de que a política internacional opera em
um ambiente anárquico. Dessa forma, a anarquia seria a principal característica do sistema internacional.
Ainda que alguns teóricos das RI percebam a anarquia do sistema internacional como característica secun-
dária, para muitos, a primazia da mesma parte da convicção generalizada de que a maximização dos interesses
nacionais é reflexo da característica egoísta do ser humano. Assim, da mesma forma que o homem é um ser
egoísta que busca, acima de tudo, a garantia da própria sobrevivência, os Estados nacionais também agem de
forma egoísta para assegurar sua existência no sistema internacional.
No entanto, é importante ressaltar que, ainda que o sistema internacional seja anárquico, existe um conjunto
de imposições, sanções e regras implícitas que norteiam o comportamento dos Estados no sistema internacio-
nal. Adicionalmente, chama a atenção o fato de que o ambiente anárquico do sistema não restringe possibilida-
des de cooperação bi ou multilateral entre os Estados.
A análise do sistema internacional abre, ainda, espaço para a abordagem de outros dois conceitos impor-
tantes das Relações Internacionais, quais sejam, soberania e recursos de poder. A soberania diz respeito à
legitimidade política e territorial do Estado sobre suas ações no âmbito doméstico e internacional. Desse modo,
o conceito de soberania trata do exercício da autonomia do Estado sobre a condução de sua política interna ou
externa, assim como seus efeitos sobre a dinâmica do sistema internacional como um todo. Já os recursos de
poder tratam das capacidades dos Estados em exercitar seu poder soberano dentro e fora de suas fronteiras
nacionais. Em RI, o exercício do poder diz respeito ao gerenciamento das capacidades assimétricas dos países
dentro do sistema internacional, seja por meio da coerção hard power (poder duro), da influência soft power
(poder brando) ou da combinação de ambos.
A dinâmica, no interior do sistema internacional, é, na verdade, reflexo do gerenciamento das estratégias
de maximização dos interesses dos Estados. Tais estratégias levam em consideração a disposição assimétrica
dos recursos de poder dos países no sistema internacional. Nesse contexto, Keohane (2001) constata graus
diferentes de sensibilidade e vulnerabilidade dos países em relação a tudo que acontece no interior do sistema
internacional.
Em vista disso, a sensibilidade de um país em relação ao cenário externo pode revelar sua dificuldade para
formular novas políticas em um curto espaço de tempo, dado o comprometimento de sua política interna ou
acordos internacionais. No tocante à vulnerabilidade, evidencia-se a capacidade dos países em efetivamente
formular novas políticas e encontrar alternativas, em curto espaço de tempo, frente a uma situação adversa no
contexto internacional. Assim, observa-se que, enquanto a sensibilidade identifica o grau de dependência do
país em relação às dinâmicas do sistema internacional, sua vulnerabilidade trata de sua efetiva capacidade de
reação em cenários internacionais desfavoráveis (KEOHANE, 2001).
A observação das capacidades sistêmicas dos Estados, no sistema internacional, levou ao surgimento de
conceitos que caracterizam a dinâmica das interações dos países em diferentes recortes temporais. Isso posto,
os estudiosos das RI entendem que o sistema internacional pode operar sob a lógica da hegemonia ou dos
polos de poder.
Para Arrighi (1996), a hegemonia trata da capacidade de um Estado soberano exercer, simultaneamente,
seu poder de coerção e de liderança moral e intelectual no núcleo do sistema internacional. O país hegemônico
mobiliza esse poder por meio da possibilidade ou ameaça de uso combinado de seus recursos de poder (terri-
tório, população, recursos naturais, tecnologia, exércitos, finanças) com o fim de garantir o consentimento dos
demais Estados em relação às suas políticas dentro do sistema internacional. Ainda que discordem, os demais
Estados sentem-se coagidos a aceitar as políticas do país hegemônico. De forma complementar, o país hege-
mônico pode obter o consentimento dos demais Estados por meio de sua liderança dentro do sistema interna-
cional, que se dá pela sua influência cultural, moral e intelectual. Consequentemente, as políticas encampadas
pelo país hegemônico podem ser percebidas como benéficas pela totalidade dos países. Consequentemente, a
existência de um país hegemônico, no interior do sistema internacional, fomenta o debate sobre polos de poder.
Os polos de poder, nas RI, referem-se à percepção generalizada de que alguns países, isolada ou conjun-
tamente, possuem capacidades para influenciar e liderar a política internacional de forma sistêmica. Destarte,
pode-se dizer que a análise das Relações Internacionais leva em consideração a uni, a bi ou a multipolaridade
do sistema internacional.

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No caso de um sistema unipolar, pode-se usar como exemplo os contextos históricos do império romano
(Pax-Romana) e do império britânico (Pax-Britânica). Nesses exemplos, ainda que outros Estados possuíssem
capacidades, Roma e Inglaterra exerciam a hegemonia do sistema internacional (MAGNOLI, 2004).
Quando se percebe que a hegemonia do sistema é exercida de forma compartilhada entre dois Estados,
tem-se a bipolaridade como característica patente do sistema. Em vista disso, é consolidada a ideia de que o
período da Guerra-Fria foi marcado pela bipolaridade (URSS/EUA) do sistema internacional.
Por fim, as últimas três décadas têm sido caracterizadas pelo debate recorrente sobre a multipolaridade, a
unipolaridade ou uni-multipolaridade do sistema internacional. Essa constatação dá-se pelo fato de que embora
os Estados Unidos sejam a maior potência militar e econômica do planeta, os custos financeiros e políticos do
exercício da hegemonia sobre o conjunto do sistema internacional são muito elevados. Dessa forma, abrem-se
espaços para que outros Estados considerados potências locais utilizem sua influência hegemônica regional
como forma de atingir seus respectivos interesses em suas relações globais.
Percebe-se, então, que a configuração do atual sistema internacional reflete os interesses de polos de poder
consolidados: Estados Unidos, Europa, China, Japão e Rússia. Por conseguinte, os demais Estados buscam
maximizar seus interesses a partir de análises estruturais e conjunturais do sistema. Nesse panorama, torna-
-se compreensível o agrupamento de países sob a lógica de grupos de geometria variável (VIZENTINI, 2006).
A estratégia de inserção internacional por meio desse tipo de aliança estratégica está latente na formação de
grupos como o Fórum de diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul), o G4 (Alemanha, Brasil, Índia e Japão) e o G20 (Grupo dos 20 no âmbito do sistema financeiro
internacional).
Principal Debate Teórico: Realismo Versus Liberalismo
A discussão teórica nas Relações Internacionais está, tradicionalmente, pautada pela disputa entre duas
correntes principais e suas variações: o realismo e o liberalismo. Naturalmente, não se trata de duas escolas
perfeitamente coesas e cristalizadas, mas sim de tradições de pensamento que evoluem e se modificam com o
tempo e com as circunstâncias. Essa oposição, em larga medida, começou com o surgimento do debate sobre
as Relações Internacionais após o término da I Guerra Mundial. Nessa conjuntura, um grupo de pensadores
vinculados à tradição liberal começou a pensar em alternativas para dirimir as possibilidades de uma nova
guerra acontecer. Esse pensamento bebia do liberalismo econômico e político, que apregoava o direito natural
à vida, à liberdade e à propriedade, e reputava o Estado como um potencial destruidor desses direitos. Desta-
ca-se, portanto, o interesse na construção de uma sociedade calcada no indivíduo, que lhe pudesse assegurar
as melhores condições para a fruição de sua liberdade.
No tocante à política internacional, a grande preocupação dos liberais era em relação à criação de um
ambiente propício à paz mundial. Esse panorama tornar-se-ia possível na medida em que fossem criadas e
impulsionadas instituições que coibissem os vícios e os maus costumes, de forma a promover uma sociedade
mais equilibrada e bem ordenada. Na visão liberal, o Estado era, muitas vezes, responsável por perpetrar dis-
torções nocivas ao bem comum, que acabavam fazendo com que se sobrepusessem interesses individuais à
vontade geral. A guerra, por exemplo, seria fruto desse processo, uma vez que ela decorria da disputa política
de determinados grupos, ainda que fosse travada em parâmetros nacionais. Para os liberais, o uso da razão
— que todos possuímos — viabilizaria a construção de uma ordem internacional mais pacífica, pois os custos
da guerra excederiam largamente os seus eventuais benefícios. Seria imperativo, logo, propiciar mecanismos
que dessem vazão aos desejos dos indivíduos, que atentariam mais à prosperidade moral e material do que às
rusgas interestatais.
A percepção dos liberais a respeito da guerra pode ser sintetizada pela afirmação do filósofo Immanuel Kant
(1989), que dizia que esta era “o esporte dos reis”, pois era praticada sem levar em consideração os benefícios
da população. Assim, considerava-se que o sistema de Estados era caracterizado pela anarquia, aqui entendi-
da não como sinônimo de caos, mas de ausência de autoridade superior aos Estados. Pairava no ar a possi-
bilidade de que um simples desentendimento pudesse desencadear um conflito armado. Desse modo, se, por
um lado, era prerrogativa estatal a defesa da integridade física do seu território e de seus habitantes, também
era verdade que muitas das violações partiam dos próprios Estados, configurando um dilema de segurança. No
entanto, esse quadro poderia ser alterado se os cidadãos fossem ativos na política e propusessem soluções
que tornassem o sistema internacional mais cooperativo e pacífico.

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A perspectiva liberal — que considerava o mundo como um ambiente hostil em virtude da anarquia, mas
plenamente possível de ser aperfeiçoado pelas instituições e pelas ideias adequadas — foi duramente criti-
cada por um grupo de analistas que veio a constituir a escola rival: o realismo. De acordo com os realistas, o
componente anárquico da sociedade internacional não só potencializa as chances de guerras, mas também as
garante. A inexistência de uma instância supranacional, que coordene e limite a ação estatal, faz com que cada
um seja livre para perseguir os seus próprios objetivos. Eventualmente, então, é inevitável que ocorram dis-
putas entre as nações, uma vez que frequentemente os interesses são conflitivos. Ademais, ressalta-se o fato
de que a anarquia é também um desincentivo à cooperação, pois há sempre um elevado risco de que um lado
trapaceie, o que acabaria com a colaboração mútua. Cientes desse cenário, segundo o realismo, os Estados
seriam reticentes às iniciativas de promoção da paz e tratariam de priorizar sua própria segurança.
A crítica realista em relação à abordagem liberal era bastante dura, na medida em que essas interpretações
eram reputadas como normativas e não avaliativas. Edward Carr (1981), por exemplo, dizia que os pensadores
de Relações Internacionais se dividiam entre os idealistas — termo vulgarmente utilizado para denominar os
liberais — e os realistas. Para Carr, enquanto estes estariam preocupados em entender o mundo tal como era,
aqueles teriam uma “visão rósea” da política internacional, ignorando dinâmicas essenciais que eram fonte de
disputas entre as grandes potências. Fundamentalmente, Carr assentava suas premissas no contexto histórico
em que vivia, quando o mundo rumava para a II Guerra Mundial, pondo um termo definitivo à ideia de que a
Grande Guerra pudesse ter sido a “guerra para acabar com todas as guerras”. Além disso, a falência da Liga
das Nações em acomodar interesses distintos e impedir o uso da força como recurso de poder também ia de
encontro às premissas liberais, sinalizando a necessidade de problematizar o tema de maneira menos norma-
tiva.
Embora tanto o realismo quanto o liberalismo tenham mudado significativamente ao longo dos anos, é
possível observar, com a classificação proposta por Carr, algumas diferenças importantes nas duas tradições.
Em primeiro lugar, salienta-se que realistas e liberais concordam em relação ao ordenamento do sistema in-
ternacional, entendido como anárquico. Novamente, ressalta-se que a anarquia contrapõe-se à hierarquia e
não implica uma condição de caos permanente. Malgrado esse ponto de encontro, é elementar recordar que a
anarquia do sistema não tem os mesmos efeitos para as duas escolas. Para os realistas, dada a inexistência de
uma instância supranacional capaz de acomodar interesses e solucionar contendas, trata-se de um elemento
causador de desequilíbrios e de confrontos: como os Estados só têm a si mesmos para atingir seus objetivos,
não há como evitar a ocorrência de guerras. Já os liberais, por outro lado, não negam a relevância da anarquia
como motivador de disputas, mas lembram que instituições desenhadas com base na racionalidade humana
têm condições de atenuar desconfianças e promover a cooperação.
À desavença em relação às consequências da anarquia, soma-se a discórdia sobre o papel do Estado nas
Relações Internacionais. Esse ponto é absolutamente basilar para realistas e liberais e pauta suas discussões
até hoje. Na perspectiva realista, os Estados são os atores precípuos das Relações Internacionais. Ainda que
empresas, organizações não governamentais (ONGs), organizações internacionais, fóruns multilaterais, etc.
tenham alguma pressão sobre o sistema internacional, é somente no âmbito interestatal que se dão as lutas por
poder. A fim de esclarecer seu ponto de vista, os realistas frequentemente recorrem à imagem do jogo de bilhar
para explicar o comportamento estatal: os Estados seriam como bolas de bilhar no tabuleiro geopolítico mun-
dial, ou seja, até poderiam variar em termos de tamanho e cor, mas desempenhariam basicamente as mesmas
funções. À primeira vista, essa perspectiva soa imprecisa, uma vez que se admite que há conflitos internos nos
Estados sobre o que constituiria o interesse nacional. No entanto, para os realistas, esses antagonismos seriam
resolvidos internamente, de modo que, ao final, somente uma posição tivesse primazia.
O entendimento liberal sobre o Estado diverge, em muitos aspectos, da visão realista. Acima de tudo, ob-
serva-se que, para os pensadores liberais, as Relações Internacionais estão compostas por inúmeros atores
expressivos, não somente os Estados. Enfatiza-se, então, que as instituições estatais são palcos de grandes
contendas, o que faz com que nem sempre seja possível visualizar uma postura única em relação a temas com-
plexos. Enquanto alguns grupos de pressão atuam em um sentido, outros vão em direção oposta, e o Estado,
muitas vezes, não consegue escapar a essa dubiedade. Na mesma linha, frisam os liberais, as organizações
internacionais também são mecanismos indispensáveis, pois limitam a atuação dos Estados (punindo os trans-
gressores de regras e recompensando quem as obedece) e facilitam a cooperação, pois a presença de um
canal de comunicação poderia diminuir a descrença generalizada e favorecer o entendimento mútuo.

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Ainda sobre o tema do Estado, nota-se que os realistas não fazem distinção entre o sistema político-econô-
mico que cada país adota, não observando diferenças entre socialismo e capitalismo, ditadura e democracia.
Na ótica realista, todos os Estados têm as mesmas funções: garantir sua sobrevivência e velar por seus pró-
prios interesses. O regime político pode ser importante para determinar os meios pelos quais uma nação esco-
lhe agir, mas não altera suas funções básicas. Na Guerra Fria, por exemplo, Estados Unidos e União Soviética,
a despeito de suas discrepâncias institucionais e econômicas, eram sempre colocados em um mesmo patamar:
ambos eram superpotências e procuravam expandir sua área de influência no mundo. Novamente, portanto,
os realistas retomam a metáfora das bolas de bilhar, que até podem não ser iguais em termos de tamanho e
coloração, mas comportam-se de modo idêntico.
Na visão liberal, caso haja uma dessemelhança representativa no que tange à política e à economia, não
é correto considerar todos os países como se fossem iguais. Em alguma medida, para os liberais, existem
Estados melhores e piores: aqueles são democráticos e encampam o livre-comércio, ao passo que estes se
comportam de maneira contrária. Essa distinção não se deve apenas a questões morais e normativas, mas
também dizem respeito à conduta empregada pela nação para resolver os seus conflitos. Isso porque, segundo
os liberais, as democracias não tendem a entrar em guerra entre si, ainda que eventualmente possam entrar em
um confronto armado com uma ditadura. Essa análise remete à paz republicana de Immanuel Kant, que via nas
repúblicas as virtudes necessárias para a concórdia mundial, em oposição ao belicismo das monarquias abso-
lutistas. Em virtude disso, convencionou-se chamar de “paz democrática” essa faceta do pensamento liberal.
A ideia de que democracias não guerreiam entre si merece algum crédito, uma vez que, de fato, não se
registram muitos conflitos armados entre Estados com regimes democráticos. De acordo com os liberais, esse
fenômeno ocorre em função do peso da opinião pública nesses países, que teria muito mais importância para
a formulação da política externa do que nas ditaduras. Desse modo, enquanto governos autoritários podem
prescindir do apoio popular para se aventurar em uma investida militar, as democracias são muito mais respon-
sivas às demandas da população, o que seria um desincentivo à guerra. Entretanto, embora a hipótese liberal
tenha respaldo empírico, o elo causal apresentado é frágil em termos de coerência interna. Afinal, questionam
os realistas, se a opinião pública desempenha um papel proeminente na manutenção da paz, por que países
democráticos iniciaram inúmeras vezes guerras contra ditaduras? Ademais, muitas vezes as hostilidades co-
meçaram com o apoio da opinião pública, como atesta a Guerra do Iraque (2003).
Como o realismo trata os Estados independentemente de seu regime político, a teoria da paz democrática
é terminantemente rechaçada por expoentes realistas, que argumentam não haver qualquer incompatibilidade
para uma guerra entre dois países democráticos. Os realistas salientam a incapacidade dos liberais em explicar
o nexo causal entre a paz e o sistema de governo, objetando que o peso da opinião pública não é suficiente
para legitimar a paz democrática. Todavia, ainda que os realistas tenham êxito em apontar as falhas teórico-me-
todológicas nas explicações dos liberais sobre o assunto, não têm o mesmo sucesso no tocante à refutação da
hipótese per se. Dada a intransigência do realismo em apontar, nas diferenças internas de cada Estado, a razão
para seu comportamento externo, é lógico que os autores dessa corrente não veem nenhuma impossibilidade
em uma guerra entre duas democracias. Porém, como inexistem exemplos significativos que demonstrem o
contrário, a paz democrática permanece inexplicada pelo realismo.
Outra aposta dos liberais para dirimir os riscos de um conflito armado interestatal é o livre-comércio. Esse se-
ria um mecanismo fundamental porque criaria estímulos para que empresários e consumidores pressionassem
seus Estados a não entrarem em guerra, com receio de que a contenda desvirtuasse o fluxo de bens e serviços,
prejudicando a economia local. Mais uma vez, essa interpretação é rejeitada pelos pensadores realistas, que
asseveram que as questões de segurança nacional têm primazia sobre os aspectos econômicos, o que reduzi-
ria drasticamente os efeitos positivos de uma interdependência comercial. A esse respeito, realça-se que esse
assunto pode ser analisado de duas formas, cada uma favorável a uma escola. De fato, a história documenta
fartamente guerras entre países que tinham intenso fluxo comercial, com destaque para a I Guerra Mundial, o
que parece corroborar o pressuposto realista. Contudo, os liberais sublinham a dificuldade para se estabelecer
uma contraprova, visto que muitos conflitos podem ter sido evitados por pretextos comerciais, sem que isso
possa ser definitivamente provado.
Realistas e liberais também discordam em um elemento-chave das Relações Internacionais: o poder. En-
quanto o realismo costuma tratar o poder como a variável máxima da disputa interestatal, o liberalismo ressalta
que esse conceito tem de ser problematizado à luz da crescente interdependência econômica e política entre os
Estados. Assim, observa-se que os realistas veem o poder como a soma relativa das capacidades dos países

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em termos políticos, militares, econômicos e tecnológicos, enfatizando o poder em seus aspectos relativos, ou
seja, o poder que uma nação tem sobre a outra. A política internacional, logo, seria um jogo de soma zero, pois
o ganho que um país tem seria uma perda em comparação ao outro: o poder é a capacidade de influenciar o
sistema mais do que ser influenciado por ele. Destaca-se, ainda, o caráter político-militar da noção de poder
para os realistas. Isso porque, como vivemos em uma sociedade anárquica e a sobrevivência é o objetivo último
de todos os Estados, os recursos disponíveis que cada um tem para assegurar sua integridade territorial são os
seus meios de exercer pressão no sistema internacional.
Sendo a política internacional um campo de disputa por poder, como pensam os realistas, a chave para
entendê-la seria analisar a balança de poder entre as grandes potências, a qual resultaria, sobretudo, da capa-
cidade militar de cada um. Os liberais, no entanto, não compactuam com aspectos fundamentais dessas pre-
missas, ainda que não discordem de tudo. Estão de acordo, por exemplo, com a ideia de que todos os Estados
buscam aumentar seu poder na esfera internacional, cientes de que isso é crucial para a obtenção de suas
metas. Não obstante, os liberais creem que a preocupação com a segurança nem sempre é prioritária para os
países, que só dariam relevância ao tema quando realmente ameaçados por um competidor. Na maioria dos
casos, o propósito principal teria um fundo econômico. Assim, nem seria o poder um conceito predominante-
mente militar, nem seria um jogo de soma zero, pois benefícios econômicos podem ser usufruídos por todas as
partes, sem que ninguém saia prejudicado. Por fim, o liberalismo prevê que a interdependência gera ganhos
de margem de manobra para os Estados teoricamente mais fracos, que se podem valer de suas vantagens
comparativas para pressionar as grandes potências, como atesta a crise do petróleo de 1973.
Em termos cronológicos, nota-se que o primeiro autor que dotou o realismo de um senso teórico organizado
e bem acabado foi o germano-americano Hans Morgenthau (2003), em seu livro Política entre as Nações. Nes-
sa obra, considerada o ponto de partida para o estudo da teoria de Relações Internacionais, o autor sublinha
seis princípios básicos que norteariam o sistema internacional: (a) a política, tal como a sociedade, é regida
por leis objetivas, que espelham a natureza humana; (b) o poder é o objetivo comum de todos os Estados; (c)
o poder é um conceito universalmente definido, mas que se expressa diferentemente de acordo com o tempo
e o espaço; (d) os princípios morais são fundamentais para as Relações Internacionais, mas são subordinados
aos interesses da ação política e à prudência do estadista; (e) os princípios morais não são universais, mas
particulares; (f) a esfera política é autônoma em relação a outras esferas sociais.
O estudo seminal de Morgenthau sobre as Relações Internacionais foi, naturalmente, alvo de apreciações,
elogios e críticas, mesmo entre pensadores realistas que o sucederam. John Herz (1950), por exemplo, enal-
teceu o esforço de Morgenthau para levar adiante o realismo, mas também apontou as fraquezas de sua obra.
Herz acreditava que Política entre nações pecava ao tratar a busca por poder como variável residual das ambi-
ções humanas: na visão de Morgenthau, os Estados queriam ser poderosos porque as pessoas têm essa carac-
terística. Herz concordava com a premissa de que a procura por poder era um elemento definidor das Relações
Internacionais, mas argumentava que a causa não derivava de questões psicológicas, e sim do componente
anárquico do sistema internacional. Afinal, como todos os Estados somente dependem de si para garantir sua
sobrevivência, é natural que exista uma corrida para obter os meios necessários para tanto. O problema é que
a única maneira de se proteger é se armar, e, naturalmente, isso é percebido como uma ameaça pelos demais.
Essa situação configura um dilema da segurança, pois o sucesso individual depende do mal-estar coletivo.
A crítica de Herz foi assimilada por outro realista, Kenneth Waltz, em O Homem, o Estado e a Guerra (1959).
Esse trabalho, sob o ponto de vista metodológico, é de suma relevância para as Relações Internacionais, pois
reúne e categoriza um conjunto de visões sobre as origens da guerra no sistema interestatal. Na perspectiva de
Waltz (1959), a literatura costuma dividir as razões pela disputa de poder em três imagens. A primeira, enuncia-
da por Morgenthau e outros autores, pressupõe que há conflitos porque os seres humanos têm uma necessida-
de inata e insaciável de obter mais poder, impedindo a manutenção da paz entre as nações. A segunda, por sua
vez, vê os Estados como responsáveis pelas guerras, dadas as suas necessidades e interesses individuais.
Finalmente, a terceira imagem (que se baseia no dilema da segurança) dá conta da anarquia do sistema inter-
nacional como a motivação básica pela qual os países têm de acumular poder, uma vez que a ausência de um
órgão supranacional capaz de garantir a ordem faria com que os Estados tivessem de elevar os recursos à sua
disposição, não por veleidades individuais, mas devido à insegurança estrutural do sistema.
O avanço do realismo deveu-se, em boa medida, à conjuntura internacional dos anos 1950-60, quando a
hostilidade entre Estados Unidos e União Soviética acentuou-se vigorosamente. Esse panorama conflituoso
parecia confirmar as principais hipóteses dos realistas, que viam com desconfiança as perspectivas de coope-

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ração entre os Estados e davam especial relevância aos temas de poder e de competição militar. Contudo, esse
cenário se alterou substancialmente na década de 70, quando a détente entre Moscou e Washington começou
a dar frutos, dirimindo as tensões e abrindo margem para o diálogo entre as grandes potências. Além disso,
esse período foi profícuo em termos de parcerias interestatais, e a crise do petróleo de 1973 indicava que os
liberais estavam certos ao enfatizar as questões econômicas e o tema de interdependência como um eixo ba-
silar das Relações Internacionais, que sempre foi menosprezado pelos teóricos realistas.
Foi nessa conjuntura favorável que, em 1977, os liberais Robert Keohane e Joseph Nye publicaram Poder
e Interdependência: política mundial em transição (2001), no qual argumentavam que os processos transna-
cionais estavam alterando as dinâmicas do sistema internacional. Em sua visão, os países cada vez mais se
deparavam com problemas que se originavam em espaços que estavam fora do seu controle. Na mesma linha,
os atores não estatais tornaram-se mais relevantes para a política internacional, complexificando as Relações
Internacionais. Esse quadro acelerava a interdependência entre os Estados, o que proporcionava uma nova
agenda de discussões sobre conflito e cooperação. Diferentemente dos liberais anteriores, porém, Keohane e
Nye (2001) tinham uma interpretação menos normativa da interdependência, que sempre fora reputada como
um fator de estabilidade e concórdia pelo liberalismo. Para esses acadêmicos, embora a interdependência
pudesse favorecer a cooperação, ela também era um fator de disputa e um recurso de poder. Observa-se, por-
tanto, uma tentativa de conciliar aspectos da teoria realista com os preceitos liberais.
A obra de Keohane e Nye (2001) está assentada em três fundamentos que norteiam a configuração da po-
lítica internacional a partir da interdependência complexa: (a) existência de múltiplos canais de comunicação e
negociação: os Estados não têm o monopólio das negociações internacionais, que são feitas com vários atores
(estatais ou não) em circunstâncias formais e informais, o que diminui as incertezas e a assimetria de informa-
ções; (b) agenda múltipla: contrariamente a outros períodos, os temas de segurança já não são hierarquica-
mente superiores às questões econômicas, sociais, ambientais e tantas outras, fazendo com que as vantagens
comparativas de cada Estado não sejam absolutas, mas relativas; (c) utilidade decrescente do uso da força:
dado o envolvimento e a intensa comunicação entre os atores globais, a possibilidade de recorrer à força torna-
-se cada vez menor, ainda que não desapareça. Essa situação aumenta os recursos à disposição dos Estados
mais fracos militarmente, reforçando sua margem de manobra perante as grandes potências.
O estudo de Keohane e Nye (2001) suscitou um grande interesse por parte dos acadêmicos de Relações
Internacionais, que os classificaram como neoliberais, na medida em que sua teoria, ainda que compartilhasse
do legado da tradição liberal, acrescentava elementos novos à análise, aproximando-a da vertente realista em
alguns pontos. Curiosamente, na sequência, deu-se um processo semelhante no realismo, com o lançamento
da Teoria da Política Internacional, de Kenneth Waltz (1979). Esse autor dedicou-se a responder às críticas
que a vertente realista vinha sofrendo ao longo dos anos 70, quando a teoria da interdependência complexa
ganhava força na academia. Para tanto, Waltz (1979) realizou um estudo cujo objetivo era dar uma base mais
sólida e científica ao realismo, com a ideia de que a teoria ainda tinha uma grande capacidade de explicação
das Relações Internacionais, desde que adequadamente estruturada. Há, então, discordâncias em relação aos
realistas clássicos, razão pela qual Waltz (1979) é considerado o fundador do neorrealismo.
O intuito de Waltz (1979) era fazer uma análise estrutural do realismo, com a perspectiva de que a causa
das guerras está no aspecto anárquico do sistema internacional. O autor, assim, rejeita a primeira e a segunda
imagem da política internacional, asseverando que é a terceira a fonte de conflitos entre as grandes potências.
Em sua ótica, toda estrutura era composta de três atributos básicos: princípio ordenador, características de
suas unidades e distribuição de capacidades. O primeiro, segundo Waltz (1979), diz respeito à natureza do sis-
tema: anárquica ou hierárquica. Nas Relações Internacionais, portanto, é a anarquia que rege os Estados. Já o
segundo está relacionado à produção de recursos. Diferentemente de uma economia de mercado, onde cada
um se especializa no que faz de melhor, a política internacional é marcada pela autoajuda: cada Estado conta
somente consigo mesmo para realizar suas tarefas. Enfim, a distribuição das capacidades trata dos meios
relativos que cada país tem, ou seja, quantas são as grandes potências. Nesse livro, Waltz (1979) afirma que
o sistema é bipolar ou multipolar, não abrindo espaço para a unipolaridade que se seguiu à queda da União
Soviética.
Como vimos, o debate nas Relações Internacionais está fortemente ligado à conjuntura, com o avanço e
o retrocesso das escolas refletindo o clima político entre as grandes potências. Assim, os anos 80 foram de
predomínio realista, em decorrência da Segunda Guerra Fria. No entanto, com a derrocada da União Soviética,
viu-se um refluxo do realismo, acompanhado de um progresso do ideário liberal. Isso porque o triunfo do bloco

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ocidental foi perseguido pelos liberais como um sintoma da superioridade do capitalismo e da democracia, que
nunca mais seriam seriamente questionados. Então, seria inaugurada uma nova era das Relações Internacio-
nais, na qual os países não mais lutariam entre si, mas competiriam por mercados e investimentos. Essa pers-
pectiva foi consubstanciada no livro O Fim da História e o Último Homem, de Francis Fukuyama (1992), que via
no êxito dos Estados Unidos uma vitória da civilização ocidental, que seria emulada por todos os países que
aspirassem ao desenvolvimento econômico e social.
Na década de 90, por conseguinte, floresceram teorias que pressupunham o fim dos conflitos militares,
na medida em que os Estados se tornavam capitalistas e democráticos. Nesse quadro, as guerras ficariam
circunscritas a regiões “atrasadas”, que ainda não haviam tomado o rumo do “progresso”. Essa hipótese se
assentava nas noções anteriormente mencionadas, para as quais, os confrontos armados se deviam às carac-
terísticas internas dos Estados. Desse modo, como todos os países teriam o interesse em aderir ao capitalismo
e à democracia, acentuar-se-ia o processo de interdependência. Esse, por sua vez, não implicaria ausência
de tensões interestatais, mas dirimiria os riscos de uma guerra, dado o crescente peso das instituições inter-
nacionais, o papel dos atores extraestatais e a convergência de interesses, fazendo com que o recurso à força
passasse a ser contraproducente. Ou seja, seria inevitável o crescimento dos Estados “bons”, que fariam do
sistema internacional um ambiente mais pacífico.
Com o passar dos anos, a crença liberal em um mundo sem guerras foi-se diluindo — movimento acom-
panhado por um ressurgimento da tradição realista. Em 2001, John Mearsheimer publicou A Tragédia das
Grandes Potências, que foi considerado por muitos como o exemplo mais bem acabado do realismo em termos
teóricos. Nessa obra, Mearsheimer tratou de demonstrar que sua corrente ainda era muito útil para as Rela-
ções Internacionais, ainda que não fosse a única capaz de explicar fenômenos políticos relevantes. Mais do
que criticar o liberalismo, porém, o autor procurou levar adiante o neorrealismo de Kenneth Waltz (1979), que
Mearsheimer definia como um realismo defensivo. Isso porque, embora Waltz, em Teoria da Política Internacio-
nal, tivesse dado uma grande contribuição ao realismo nos aspectos metodológico e científico, sua visão não
explicava por que as grandes potências iniciavam guerras. Para Mearsheimer, Waltz (1979) havia adotado uma
postura conservadora, que não dava conta de que os Estados tinham, muitas vezes, motivos para encetar um
confronto armado.
Segundo esse acadêmico, as Relações Internacionais são marcadas pela anarquia internacional e são es-
truturadas em torno de atores racionais, os Estados. Assim, há uma competição entre eles, e o principal objetivo
é a sobrevivência. Esse ponto é chave, pois considera que o poder não é uma meta, mas sim um meio para
atingir um propósito. Além disso, Mearsheimer salienta que o elemento que representa uma grande potência
é sua capacidade militar. Dessa forma, ainda que os recursos tecnológicos e econômicos sejam importantes,
eles somente o são quando podem ser convertidos em termos militares. Nessa linha, Mearsheimer também é
cético quanto às possibilidades da diplomacia na política internacional, que é insuficiente quando há um risco
de intervenção militar. Na realidade, em sua interpretação, o que ocorre é que todas as grandes potências que-
rem ser únicas no cenário internacional, o que faz com que elas balanceiem o poder com suas rivais, a fim de
eliminá-las e certificar sua sobrevivência.
A teoria de Mearsheimer, que ficou popularizada como o realismo ofensivo, constitui o último esforço de
grande repercussão de sua escola, por mais que muitos artigos realistas tenham sido publicados desde então.
A corrente, conquanto seja respeitada e replicada cotidianamente nas Relações Internacionais, já não goza do
mesmo prestígio que teve ao longo do século XX, sobretudo nos períodos em que havia uma crise aguda entre
as grandes potências do sistema internacional. Atualmente, o realismo é alvo de duras críticas, inclusive de
autores não liberais, mas tem seguidores nas teorias pós-modernas como o construtivismo e a teoria crítica.
Do mesmo modo, os pensadores liberais também parecem anestesiados com os principais eventos políticos
do século XXI, que mostraram que o seu otimismo em relação à paz entre as nações e a interdependência era
precipitado, na medida em que os conflitos ainda estavam na agenda dos Estados.
Visões Alternativas: Marxismo, Teoria da Dependência, Teoria Crítica e Construtivismo
O marxismo, no campo das Relações Internacionais, procurou estabelecer-se como um contraponto tanto ao
realismo como ao liberalismo. Curiosamente, seja exatamente por esse motivo, seja por questões metodológi-
cas, essa corrente jamais logrou o status de mainstream nas discussões sobre teoria das Relações Internacio-
nais, especialmente nos Estados Unidos. Como veremos, o pensamento marxista, em Relações Internacionais,

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teve maior repercussão nas academias fora do eixo América do Norte-Europa Ocidental. É o caso do marxismo-
-leninismo, que chegou a ser a doutrina oficial de nações de orientação socialista e da teoria da dependência,
que teve expoentes em vários pontos do chamado Terceiro Mundo.
Apesar de não ter elaborado análises diretas sobre as Relações Internacionais, e de ter dado pouca atenção
ao papel do Estado no plano mundial, Karl Marx inspirou um abrangente e bastante diversificado conjunto de
visões em diversos campos das Ciências Sociais. Um aspecto comum a quase todos os desdobramentos do
pensamento marxista, especificamente nas RI, é o primado em pensá-los como um produto do desenvolvimen-
to das relações de produção em dado período histórico. Nessa leitura, o sistema de Estados contemporâneo
seria apenas uma forma peculiar de organização das comunidades políticas, calcadas no princípio da territoria-
lidade e no conceito de nação, e não na formação “natural” de entidades políticas com base na comunhão de
valores, como etnia, raça ou história comum.
Os autores marxistas, em RI, não compartilham da visão predominantemente benigna dos liberais acerca do
capitalismo e do comércio internacional como um jogo de soma positiva para os atores envolvidos. De forma
semelhante aos realistas, são, em geral, bastante céticos em relação à possibilidade de cooperação equânime
e mutuamente benéfica entre os agentes que a praticam. Em relação aos realistas, os marxistas questionam a
premissa de que os Estados agem autonomamente no sistema internacional, sem considerar as disputas e os
interesses das classes sociais. Esses conflitos sociais, ademais, não necessariamente se limitam às fronteiras
nacionais, e podem-se alastrar em compasso com a conformação do capitalismo global. As classes sociais,
assim, precedem os Estados na escola marxista.
A seguir, abordaremos algumas das principais subdivisões do marxismo nas RI, tendo-se em mente o con-
texto em que surgiram: o leninismo, as teorias da dependência e, mais recentemente, a teoria crítica. Apresen-
taremos algumas visões mais representativas de cada uma dessas divisões, e, na medida do possível, contras-
taremos com outras teorias, tanto com as de outras escolas de pensamento (realismo e liberalismo), como com
as de outros ramos do próprio marxismo.
Como vimos anteriormente, tanto liberais como realistas tendem a caracterizar o sistema internacional como
anárquico, em função da inexistência de uma autoridade central que se sobreponha aos Estados. No marxismo,
premissas como a inexistência de um governo mundial, ou a preeminência dos Estados como principais atores
não seriam suficientes para entender a ordem global. Tampouco seria útil, nessa visão, o emprego da categoria
analítica anarquia internacional. Quase todos os autores marxistas compartilham da visão de que a ordem glo-
bal é essencialmente hierárquica, coabitada por atores mais poderosos (ou centrais) que restringem o campo
de ação dos mais fracos (ou periféricos).
Lênin e a Teoria do Imperialismo
Vladimir I. Lênin elaborou aquilo que se tornaria a primeira e decisiva contribuição marxista ao pensamento
nas
Relações Internacionais. Sua principal contribuição teórica, a obra Imperialismo como a Fase Superior do
Capitalismo, foi publicada em 1917 , meses antes da Revolução de Outubro na Rússia, e pouco menos de um
ano antes da anunciação dos 14 Pontos pelo então presidente americano Woodrow Wilson, os quais embasa-
riam a vertente liberal nas RI. Na análise leninista, a fase monopolista do capital (a que ele chama de imperialis-
mo), visível já no final do século XIX, envolve a expansão das empresas monopolistas nacionais para o exterior,
cujo resultado é a contradição observada entre os Estados que as representam.
Podemos destacar alguns pontos de contato do leninismo com outras grandes tradições teóricas em RI.
Com o realismo, Lênin poderia concordar que o sistema internacional é composto por Estados nacionais, deten-
tores de diferentes capacidades de poder. No entanto, suas divergências são mais relevantes: a desigualdade
entre os Estados, para Lênin, é explicada pela evolução desigual do sistema econômico e dos meios de pro-
dução. O interesse nacional, além disso, deve ser entendido conforme os interesses econômicos dos grandes
conglomerados e dos monopólios nacionais, e não como algo dado. O autor russo vai além: os principais Es-
tados monopolistas disputam entre si colônias e áreas de influência como consequência da expansão de suas
atividades econômicas; por esse motivo, as relações entre eles tendem ao conflito. Esse aspecto foi a principal
disputa travada com outro autor influenciado por Marx, Karl Kautsky, para quem as potências capitalistas pode-
riam evitar a guerra e cooperar, de maneira a reduzirem os gastos com defesa e se contraporem ao movimento
revolucionário dos trabalhadores.

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Analisado tanto por Lênin como pelos primeiros autores liberais, o conceito de autodeterminação significava
a luta dos povos contra a dominação ou opressão por parte de potências estrangeiras. Mas a autodetermina-
ção, para Lênin, era expressão da luta nacionalista (que visava à emancipação política) e anti-imperialista (re-
fratária à dominação econômica), ao passo que na linha de raciocínio liberal significava apenas a conquista da
soberania política por parte dos povos que tivessem alcançado determinado grau de maturidade e civilização.
O leninismo tornou-se a ideologia oficial com a vitória da revolução socialista na Rússia, em novembro de
1917 , ainda que seu legado tenha sido alvo de importantes disputas após a morte de Lênin, em 1924. No que
se refere à política externa da URSS, com a chegada de Josef Stalin ao poder em 1929, coube ao governo so-
viético a tarefa de atenuar o isolamento internacional imposto pelas potências ocidentais e precaver-se do an-
ticomunismo das potências fascistas, especialmente Alemanha e Japão. A Guerra Fria era vista, na academia
soviética, não apenas como um conflito interestatal, mas também — e, principalmente —, como interclassista:
os países capitalistas representavam os interesses burgueses, ao passo que os socialistas, o do proletariado
no poder. No entanto, como forma de garantir a sobrevivência do sistema social, a URSS buscou, com diferen-
tes graus de intensidade, a defesa do princípio da coexistência pacífica entre os diferentes sistemas socioeco-
nômicos.
Essa postura seria alvo de fortes críticas na China, especialmente a partir de meados da década de 50. Com
a chegada ao poder de Nikita Khrushev em 1953, a URSS passou a defender mais claramente a tese da coe-
xistência pacífica com os países capitalistas, enquanto a China sob o mando de Mao Zedong passou a arguir a
necessidade de ampliar a luta anti-imperialista nos países periféricos, favorecendo, inclusive, a aliança entre os
comunistas e a burguesia local mais progressista . Como resultado, já em 1959 observa-se uma deterioração
progressiva das relações entre os dois países, a ponto de colocá-los à beira de uma confrontação militar aberta
em 1969.

As RI na Periferia: a Teoria da Dependência


Parte dos autores da chamada teoria da dependência, também chamados de dependentistas radicais, tinha
como referência teórica o marxismo, dentre os quais se situam, entre outros, Andre Gunder-Frank, Theutônio
dos Santos, Samir Amin e Immanuel Wallerstein. Diferentemente de Lênin e Marx, esses autores têm uma po-
sição em geral mais cética sobre o efeito civilizador do capitalismo nas economias coloniais. Nesse sentido, a
própria inserção das colônias e dos países recém-emancipados no capitalismo internacional é um fator para o
subdesenvolvimento da periferia ou posição dependente desta em relação ao centro.
Embora a preocupação central desses autores tenha a ver com os desdobramentos internos da condição de
subdesenvolvimento, e não exatamente com sua política externa, observa-se a importante análise da relação
entre os países do centro e da periferia como uma relação de dependência. As análises desses autores con-
vergem parcialmente com o estruturalismo realista de Waltz (1979), especialmente no que se refere à premissa
de que a ação dos atores é condicionada pelo sistema internacional. As divergências, no entanto, são bastante
evidentes: se, para os realistas, o que diferencia os países são, sobretudo, seus recursos materiais, para os de-
pendentistas, a dialética centro-periferia, na economia mundial, funciona como um ponto de partida. Em linhas
gerais, os países periféricos permanecerão explorados pelo centro devido à deterioração dos termos de troca
no comércio internacional e à ampliação dos influxos de investimentos externos diretos, o que gera desequilí-
brios crescentes em seu balanço de pagamentos.
Os teóricos dependentistas radicais rejeitam a concepção típica dos realistas, a de que os Estados se com-
portam racionalmente no sistema internacional, de acordo com sua agenda de interesses nacionais. Samir
Amin (1987), por exemplo, argumenta que a dependência é construída entre o capital internacional e a bur-
guesia nacional governante, e é a partir dessa relação entre classes sociais de diferentes países que se deve
entender a exploração das massas no Terceiro Mundo. Para estancar o processo de transferência de valor da
periferia para o centro, ele defende a ruptura dos países periféricos com o capitalismo central por meio de uma
revolução socialista. Esse é um contraponto em relação às teorias menos radicais, como as de Celso Furtado
e Raúl Prebisch, os quais defendiam o desencadeamento da industrialização, principalmente pelo mecanismo
de substituição de importações, como forma de superar o subdesenvolvimento econômico.
A teoria do sistema-mundo de Immanuel Wallerstein (1974) é uma das mais influentes na escola marxista. O
conceito de sistema-mundo proposto é uma estrutura econômica integrada, a qual apresenta um componente
dinâmico, a lógica da acumulação de capital. Por meio dessa lógica dinâmica, os espaços diferenciam-se ao

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longo do tempo em três categorias: os centros de poder econômico, as periferias, e as semiperiferias, as quais
se estabelecem em uma posição intermediária entre as duas anteriores. Enquanto as regiões centrais apresen-
tam atividades econômicas mais intensivas em capital e tecnologia, as periféricas acabam por se especializar
na produção e na exportação de produtos básicos. A semiperiferia atinge determinado grau de industrialização
e estabelece uma relação de dependência sobre a periferia, da qual importa insumos básicos. Porém, tanto a
tecnologia como o capital permanecem dependentes do centro. Alguns países da América Latina, que haviam
passado por um significativo processo de industrialização, como o Brasil e o México, já eram enquadrados
como semiperiféricos na década de 70, quando a teoria foi proposta.
Alguns analistas argumentam que a teoria da dependência falhou em não prever a ascensão econômica
dos chamados Tigres Asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong), que teriam deixado para trás
o fardo do subdesenvolvimento por meio de uma estratégia de promoção das exportações e de integração nas
cadeias produtivas globais. É possível concordar com esse questionamento na assertiva de que a estratégia
de desenvolvimento autárquico (ou voltado para dentro) apresenta limites, especialmente em se tratando de
países com mercado interno reduzido. Além disso, em uma economia internacional bastante interconectada e
dinâmica, essa estratégia de desenvolvimento pode comprometer a competitividade do país que a adota por um
período muito extenso, especialmente em uma economia global cada vez mais integrada. Entretanto as teorias
da dependência foram (e continuam) pródigas ao apontarem que países ou regiões que se especializam em
exportar insumos básicos correm o risco de perpetuar ou mesmo acentuar seu subdesenvolvimento face aos
demais players da economia mundial. E, mais além, países que se industrializam por meio da estratégia de
internalização da produção de itens de médio valor agregado, como sugere Wallerstein, não deverão atingir os
níveis de desenvolvimento dos países mais avançados.
A Teoria Crítica
Ainda que a leitura dos sistemas-mundo de Wallerstein permaneça bastante atual, a partir dos anos 80,
observa- -se o aparecimento de trabalhos de inspiração marxista, mas que se apresentavam críticos tanto às
escolas realista e liberal das RI, como às próprias proposições mais clássicas do marxismo. Esses autores,
influenciados pela chamada Escola de Frankfurt, vieram a constituir o que se denomina teorias críticas das RI.
Diferentemente dos demais subgrupos do marxismo, as teorias críticas têm seu epicentro em universidades
da América do Norte e da Europa Ocidental. É interessante frisar que essas teorias reflexivas de forma alguma
foram e são peculiaridades das RI; mas integram um movimento que já encontrava ampla ressonância em ou-
tras Ciências Sociais décadas antes. No entanto, é apenas com o fim da Guerra Fria e o súbito desmonte dos
regimes comunistas na Europa Oriental que elas ganharam adeptos na academia ocidental. Os críticos sus-
tentam que o realismo teria falhado ao observar apenas a questão da distribuição das capacidades materiais,
sobretudo bélicas, entre as duas superpotências. Na década de 80, com efeito, a paridade estratégica nuclear
pouco havia alterado; mas um exame mais aprofundado acerca da quebra da legitimidade de instituições so-
viéticas, como o Partido Comunista, por exemplo, poderia dar pistas acerca das mudanças que se sucederam
no final daquela década.
O principal alvo dos autores críticos é, entretanto, a tradição realista. Robert Cox (1987), autor canadense,
questiona o caráter científico tanto do realismo como do liberalismo (tidos por ele como visões positivistas).
Segundo esse autor, o realismo acabou tornando-se uma teoria “resolução de problemas”, isto é, realiza o
diagnóstico da situação internacional e prescreve sugestões para o poder constituído dos Estados, no sentido
de fortalecê-los. É uma teoria conservadora, uma vez que não se compromete com o ideal de emancipação hu-
mana, algo que toda teoria social deveria considerar. O realismo, assim como qualquer outra teoria social, deve
ser contextualizado no tempo e espaço, e serve aos interesses de determinada audiência. Por esse motivo,
jamais pode ser considerado neutro e universal. Por outro lado, Cox e outros autores críticos reconhecem que
suas teorias têm abrangência limitada, decorrente da própria condição de ciência social das mesmas.
Os críticos retomam o raciocínio comum a quase todos marxistas das RI, de que não faz sentido pensar o
sistema de Estados atual como uma realidade dada, sem considerar os processos históricos que o configura-
ram. No entanto, um dos focos de disputas com o marxismo ortodoxo refere-se à importância das ideias e de
outros elementos não materiais para o exercício da liderança de determinado polo de poder. Nesse caso, os
autores reabilitam o conceito gramsciano de hegemonia, o qual relaciona o poder físico ou bélico com a cons-
trução da legitimidade. Transplantado para as Relações Internacionais, a força militar dos Estados é levada a se
justificar constantemente, mesmo nos casos menos defensáveis: a Alemanha nazista, por exemplo, conduziu

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uma linha de argumentação para atacar a Polônia, em 1939, com base na defesa de seus cidadãos frente a
um crescente militarismo polonês. Outra disputa com as demais correntes marxistas é o questionamento ao
determinismo e ao excessivo materialismo nas análises sobre a realidade social.
Sobre o conceito de hegemonia, os autores realistas a associam com a noção de supremacia militar de de-
terminado poder sobre os demais; para os críticos, o termo envolve também o consentimento geral de que a or-
dem dada, imposta pelo agente hegemônico, é benéfica a todos os partícipes. Assim, a construção do sistema
de Bretton Woods, sob a hegemonia dos EUA, foi possível não apenas graças à supremacia militar sobre seus
aliados ocidentais, mas também graças ao esforço de convencimento de que aquela ordem era do interesse
não apenas de seu líder, os EUA, mas também de todos seus membros.
A análise de Cox, especificamente, não aposta na predominância do componente material, ou do compo-
nente das ideias para entender a política internacional. Para ele, existe certa circularidade entre formas de
produção (ou forças sociais), organizações políticas nacionais e política internacional: elas influenciam-se reci-
procamente, e não de forma unidirecional, como defendem as teorias tradicionais (realistas, liberais e marxistas
clássicos).
As teorias críticas denunciam a falta de componente dinâmico nas teorias positivistas de RI, porquanto estas
apresentam compromisso com a manutenção dos mecanismos de dominação social do Estado-nação, que
são reproduzidos em âmbito global via a formulação analítica do sistema internacional interestatal. O poder, na
visão das teorias mais tradicionais, tem como compromisso apenas a segurança (ou sobrevivência) daqueles
que o exercem, os Estados, e não para a promoção de mudanças sociais.
Um aspecto comum a vários autores críticos é o de pensar as Relações Internacionais não como um campo
autônomo nas Ciências Sociais, como outros campos também não o são. Economia e política, por exemplo,
não devem ser dissociadas ao se analisar determinado contexto social e histórico. Essa visão é compartilhada
por autores críticos como Cox, e por autores da chamada Economia Política Internacional (EPI), como Susan
Strange.
Demais autores críticos reforçam o argumento de que o atual sistema de Estados não é perene, tampouco
natural: é fruto de processos históricos complexos, marcados pela superposição de lutas sociais. A noção de
soberania territorial, como defendem alguns autores, é algo bastante recente e tem seu início datável no sécu-
lo XIX, após a Revolução Francesa. A premissa dos neorrealistas (corroborada por parcela considerável dos
liberais) de que os Estados são funcionalmente semelhantes seria falaciosa, como indicam estudos empíricos
de História e de Sociologia.
Os teóricos críticos, em virtude de seus posicionamentos bastante desafiadores, apesar das inovações co-
locadas em prática, sobretudo a partir da década de 90, permanecem bastante marginalizados na academia
dos países ocidentais. Com raríssimas exceções, têm sido empregados como professores em universidades de
menor prestígio acadêmico, seus trabalhos sofrem menor divulgação nas revistas mais bem avaliadas, e seus
projetos de pesquisa têm mais dificuldades em obter recursos de financiamento.
A “Virada” Construtivista
A partir dos anos 90, tem havido um grande debate em torno das chamadas teorias construtivistas em Re-
lações Internacionais, especialmente na América do Norte e, em menor grau, na Europa. São dois os autores
considerados pioneiros nessa agenda de estudos: Nicholas Onuf, por meio da obra World of Our Making: rules
and rule in social theory and International Relations, de 1989, cunhou o termo construtivista, e Alexander Wendt,
autor do artigo Anarchy is What States Make of It, de 1992. Esses autores configurar-se-ão, também, em duas
das principais subdivisões do construtivismo: a primeira, mais à esquerda, detém maior aproximação com as
visões pós- -modernas ou pós-coloniais, enquanto a segunda apresenta uma agenda de pesquisa mais próxi-
ma às visões mais tradicionais (realismo e liberalismo).
A questão fundamental que veio à tona, com o advento do construtivismo nas Ciências Sociais, foi o papel
das ideias e dos valores na realidade social, e as Relações Internacionais não passaram incólumes a esse de-
bate. O fim da Guerra Fria e o súbito desmonte dos sistemas socialistas, no Leste Europeu, certamente deram
impulso às visões não realistas, em especial ao construtivismo, ao liberalismo e, em menor grau, às teorias
genuinamente pós-modernas. De acordo com essas visões, o realismo falhou não apenas em não prever os
acontecimentos do início dos anos 90, como também teria sido incapaz de observar tendências internas desses
países que, ao menos em parte, foram responsáveis pelas transformações na ordem global.

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Apesar de ser uma tarefa bastante difícil agrupar e caracterizar o construtivismo como se fosse um grupo
único, dadas as divergências marcantes entre os autores, um aspecto que os aproxima é, justamente, seu viés
crítico em relação ao realismo (mesmo que, como veremos, o tom das críticas varie bastante). Wendt, consi-
derado um autor mais moderado do construtivismo, questiona a ideia de a estrutura anárquica levar, inexora-
velmente, ao conflito ou à competição entre os seus agentes. Seria necessário observar o comportamento dos
agentes para precisar possíveis tendências de conflito ou cooperação; ou seja, a anarquia, como diz o nome
de seu famoso artigo, é o que os Estados fazem dela. Outro aspecto fundamental, nessa visão, é o papel da
identidade como variável para entender a política externa. Wendt aponta que as cerca de 200 armas nucleares
do Reino Unido são consideradas bem menos ameaçadoras para os EUA do que uma única ogiva em posse da
Coreia do Norte. A razão para esse problema seria o compartilhamento de uma identidade comum entre EUA
e Reino Unido, estabelecida a partir de um histórico de amizade e confiança recíproca, algo não imputável às
relações EUA-Coreia do Norte.
Nicholas Onuf, ao rejeitar o primado da realidade não como dada, mas socialmente concebida por meio da
construção de discursos, representa a parcela mais crítica dentro do construtivismo. Com o conjunto desses
discursos predominantes, tem-se a hegemonia cultural, termo que o aproxima das teorias críticas neomarxis-
tas, que veremos adiante.
Mais próximos à abordagem de Wendt, outros autores oferecem visões construtivistas para entender o
comportamento de determinados Estados. Peter Katzenstein, por exemplo, defende a necessidade de se en-
tenderem a cultura e as normas internas acerca da segurança nacional — essa é a explicação para entender a
passagem de uma política militarista para uma pacifista por parte do Japão no pós-II Guerra. Outra abordagem
construtivista aplicada a países específicos é levada a cabo por Ted Hopf, que analisa a política externa soviéti-
ca e russa. Para esse autor, as visões internas sobre o próprio país e sobre seus “rivais” externos, compartilha-
das tanto pela elite quanto pela sociedade em geral, são um ponto de partida para entender a política externa
em dado momento.
Os autores construtivistas têm fornecido interessantes análises sobre o fenômeno da integração econômica
e da formação de blocos regionais, em especial o caso europeu no pós-II Guerra Mundial. De acordo com a
referida visão, a crescente integração política e econômica, no caso europeu, foi possível não apenas tomando
em consideração o interesse nacional dos Estados, mas também graças aos processos de interação social. As
estruturas criadas no âmbito dos esquemas de integração, sejam elas formais ou não, ajudam a ampliar o espa-
ço de comunhão da intersubjetividade não apenas entre os Estados, mas também entre as próprias sociedades
a que essa integração se dirige, como alegado nessa perspectiva.
É interessante destacar que o construtivismo, e mais especificamente o da vertente mais pragmática de
Wendt, conseguiu atingir o status de mainstream na academia norte-americana em períodos recentes, dife-
rentemente das outras visões alternativas ao debate realismo/liberalismo. Em uma recente pesquisa publicada
pelo jornal Foreign Policy, Alexander Wendt foi considerado, de longe, o autor estadunidense mais influente
nas RI nas últimas duas décadas, superando, inclusive, nomes bastante consagrados, como Kenneth Waltz e
Robert Keohane.

Estado Democrático de Direito: a Constituição de 1988 e a afirmação da cidadania

O Estado Democrático de Direito


O Estado Democrático de Direito é um sistema institucional que designa que qualquer Estado deve garantir
o respeito das liberdades civis dos indivíduos que nele se abrigam.
Deste modo, podemos dizer que o Estado Democrático de Direito significa a exigência do Estado reger-se
pelo Direito e por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das
autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, proclamado no caput do artigo 1º da Constituição
Federal de 1988, sendo que a norma máxima adotou, igualmente em seu parágrafo único, o denominado prin-
cípio democrático, ao afirmar que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

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Em sua origem grega, “democracia” quer dizer “governo do povo”. No sistema moderno, no entanto, não é
possível que o povo governe propriamente (o que significaria uma democracia direta). Assim, os atos de gover-
no são exercidos por membros do povo ditos “politicamente constituídos”, por meio de eleição.

No Estado democrático de direito, as autoridades políticas estão sujeitas ao poder do povo, uma
vez que é a população quem escolhe seus representantes para criarem as leis, os legisladores
(soberania popular).
No Estado Democrático Brasileiro, as funções típicas e indelegáveis do Estado são exercidas por indivíduos
eleitos pelo povo para tanto, de acordo com regras pré-estabelecidas que regerão o pleito eleitoral. O aspecto
do termo “de Direito” refere-se a que “tipo de direito” exercerá o papel de limitar o exercício do poder estatal.
No Estado democrático de direito, apenas o direito positivo (isto é, aquele que foi codificado e aprovado pe-
los órgãos estatais competentes, como o Poder Legislativo) poderá limitar a ação estatal, e somente ele poderá
ser invocado nos tribunais para garantir o chamado “império da lei”. Todas as outras fontes de direito, como o
Direito Canônico ou o Direito natural, ficam excluídas, a não ser que o direito positivo lhes atribua esta eficácia,
e apenas nos limites por ele estabelecidos.
Neste contexto, destaca-se o papel exercido pela Constituição. Nela delineiam-se os limites e as regras para
o exercício do poder estatal (onde se inscrevem os chamados “Direitos e Garantias fundamentais”), e, a partir
dela, e sempre a tendo como baliza, redige-se o restante do chamado “ordenamento jurídico”, isto é, o conjunto
das leis que regem uma sociedade.
Nota-se que é imprescindível no Estado democrático de direito a existência de uma Constituição. No entan-
to, não devemos restringir o elemento democrático à limitação do poder estatal e a democracia ao instituto da
representação política, uma vez que o princípio democrático não se reduz a um método de escolha dos gover-
nantes pelos governados.
Nos dias atuais o Estado Democrático de Direito tem um significado de fundamental importância no desen-
volvimento das sociedades, sendo um dos fundamentos essenciais de organização das sociedades políticas
do mundo moderno, tendo em vista que é um sistema institucional em que há previsão e proteção aos direitos
fundamentais.
Diante de todo o exposto, em linhas gerais, podemos definir como requisitos para a caracterização de um
“Estado Democrático de Direito”: o império das leis; a forma federativa de Estado; o enunciado de garantia de
direitos individuais; governo legitimamente eleito pelo povo.
Características do Estado Democrático de Direito
Para que o Estado Democrático de Direito funcione, é fundamental que exista a distinção dos poderes exe-
cutivos e que os tribunais sejam independentes, assim como os legisladores, para garantir a imparcialidade
das decisões. Foi a partir desta concepção que surgiu a divisão dos três poderes: o poder judiciário, o poder
legislativo e o poder executivo.
O funcionamento desta divisão de poderes estabelece então que em uma democracia parlamentar, o le-
gislativo, representado pelo parlamento, limita o poder do executivo, que é o governo. Este não estará livre
para agir à vontade, porém deve constantemente garantir o apoio parlamentar, uma vez que ele representa a
vontade do povo. Desta mesma forma, o poder judiciário pode fazer um contraponto a determinadas decisões
governamentais.
Princípio Constitucional Democrático35
A concepção teórica de Estado de direito cumpre a missão de limitar o poder político para estabelecer o im-
pério do direito, o “governo das leis e não dos homens”, o que pode aparentar mero atrelar-se à “liberdade dos
modernos” assente no distanciamento e na restrição do poder, na defesa contra o mesmo.
Por sua vez, a concepção teórica de Estado democrático busca um poder, uma ordem de domínio legitimada
pelo povo na sua titularidade e no seu exercício, organizada e exercida em uma dinâmica que não se desvin-
cula do povo (na formulação de Lincoln: governo do povo, pelo povo, para o povo), o que pode aparentar mero
atrelar-se à “liberdade dos antigos”, amiga da convivência com o poder.

35 Marcelo Lamy. Princípio Constitucional do Estado Democrático e Direito Natural. http://www.hottopos.


com/rih9/lamy.htm

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Ocorre, no entanto, que o princípio constitucional democrático renova estas concepções, ao estabelecer
para a democracia uma dimensão substancial (legitimidade) e duas procedimentais (legitimação). A legitimida-
de está atrelada à prossecução concreta e participativa de determinados fins e valores positivados (Estado de
direito democrático – renovação sensivelmente diversa da fórmula “para o povo”). A legitimação está vinculada
a escolha dos governantes (teoria da democracia representativa) e a formas procedimentais de exercício do po-
der que permitem atuar em sua concretização e renovar o controle popular (teoria da democracia participativa).
A dimensão positivada pela Constituição da legitimidade demonstra que o atual Estado de direito limita o
exercício não democrático do poder, assim como a democracia, em sua dimensão substancial, deslegitima o
poder exercido contra os valores positivados pelo direito, contra o direito.
Estas facetas da democracia demonstram que esta constitui princípio jurídico informador, “impulso dirigente”
do Estado e da sociedade, fundamento radical e funcional de qualquer organização do poder. Desdobra-se
em diversas normas principiológicas: soberania popular, renovação dos titulares de cargos públicos, sufrágio
universal, liberdade de propaganda, igualdade de oportunidades nas campanhas eleitorais, separação e inter-
dependências dos órgãos de soberania, entre outros.

Exercícios

1.(CESGRANRIO - 2016 - Agente de Pesquisas e Mapeamento (IBGE)

Disponível em: <http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/upload/mapa_popula%C3%A7%C3%A3o_abso-


luta_brasil_2010.gif>. Acesso em: 31 maio 2016.
O estado do Sudeste com menor população absoluta é
(A) Rio Grande do Sul
(B) São Paulo
(C) Rio de Janeiro
(D) Minas Gerais

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(E) Espírito Santo

2. (CESGRANRIO - 2016 - Agente de Pesquisas e Mapeamento (IBGE)


No gráfico a seguir, é apresentada a evolução das populações urbana e rural no Brasil.

A partir da década de 1970, verifica-se a ultrapassagem do contingente de população urbana em relação à


rural, que decorre do seguinte fator estrutural:
(A) Expansão da agroecologia
(B) Redução do analfabetismo
(C) Regressão do rodoviarismo
(D) Avanço da industrialização
(E) Realização de megaeventos

3.(CESGRANRIO - 2016 - Agente de Pesquisas por Telefone (IBGE)


A diminuição da razão de dependência permite que o país comece a mudar suas prioridades em termos de
políticas públicas. É preciso lembrar, contudo, que essa queda não é homogênea entre as regiões, os estados
e os diferentes grupos de renda.
LACERDA, Antônio Corrêa de. [et al.] Economia Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2013, p.266.
O conteúdo do trecho acima envolve o conceito de Razão de Dependência Total.
Esse conceito tem relação direta com a razão
(A) de uma situação populacional de altas taxas de mortalidade e natalidade para uma de baixas taxas
(B) da população entre 0 e 14 anos sobre a população em idade ativa
(C) da população dependente (0 a 14 anos e 65 anos ou mais) sobre a população em idade ativa
(D) da quantidade da população economicamente ativa sobre o número de desempregados
(E) do número médio de nascidos vivos de mulheres entre 14 e 49 anos

4.(CESGRANRIO - 2014 - Agente de Pesquisas e Mapeamento (IBGE)


Banhada por importantes rios e com abundância de ventos, a região Sul é um dos maiores polos de geração
de energia do País. É lá que se encontra a maior usina hidrelétrica do planeta em geração por MW/hora, Itaipu
Binacional, localizada em Foz do Iguaçu (PR), responsável pelo fornecimento de 17,3% da energia consumida
no Brasil e 72,5% do consumo no Paraguai.
O Globo. Suplemento Especial Sul, 12 dez. 2013, p. 2. Adaptado
A usina hidrelétrica mencionada no texto, localiza-se na bacia hidrográfica do rio

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(A) Paraná
(B) Uruguai
(C) Paraguai
(D) Tocantins
(E) Parnaíba

5.(CESGRANRIO - 2011 - Professor (SEEC RN)/Geografia)


Estabelecendo-se uma relação entre espaço urbano/industrial e problemas ambientais, um dos desafios
a ser enfrentado no mundo é gerar cada vez mais energia, ampliando a participação de fontes renováveis e
limpas.
Sobre a matriz energética brasileira, reconhece-se que, comparada à matriz energética mundial, ela apre-
senta
(A) mais equilíbrio, apesar de a participação do petróleo ultrapassar a média mundial.
(B) muito desequilíbrio, por ser mais dependente do petróleo que a maioria dos países.
(C) pouca expressão do setor renovável em relação ao setor não renovável.
(D) menor representação das fontes de energia limpa.
(E) participação inexpressiva do álcool combustível.

6.(CESGRANRIO - 2016 - Agente de Pesquisas e Mapeamento (IBGE)


O Atlas Geográfico Escolar do IBGE de 2002 apresenta uma classificação de cidades no Brasil, tais como:
centros regionais, metrópoles regionais, metrópoles nacionais e metrópoles globais.
Sendo assim, com base nesse Atlas, Rio de Janeiro e Belo Horizonte são cidades classificadas, respecti-
vamente, como:
(A) metrópole global e metrópole regional
(B) metrópole nacional e metrópole regional
(C) metrópole global e metrópole nacional
(D) metrópole nacional e centro regional
(E) metrópole global e centro regional

7.(CESGRANRIO - 2016 - Agente de Pesquisas por Telefone (IBGE)


No Censo do IBGE de 2010, o país possuía uma população de aproximadamente 191 milhões de habitan-
tes. Desses, cerca de 161 milhões viviam nas zonas urbanas, enquanto apenas 29 milhões viviam na zona
rural. Mas nem sempre foi assim. Até a década de 1960, a maioria da população morava no campo e a quanti-
dade de cidades era bem menor do que a atual. [...] Na década de 1970, o número de habitantes morando nas
cidades foi, pela primeira vez, maior do que a população que vivia na zona rural. Esse crescimento do meio
urbano proporcionalmente maior do que o do meio rural recebe o nome de Urbanização [...]
Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/brasil/urbanizacao-no-brasil.htm>. Acesso em: 09 maio 2016.
A partir de 1990, especialmente, há novas tendências no processo de urbanização brasileiro.
Uma dessas tendências é a(o)
(A) redução do custo de vida nas metrópoles
(B) retração das áreas de ocupação irregular
(C) alteração do ritmo de crescimento das grandes cidades

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(D) aumento na velocidade das migrações inter-regionais
(E) colapso das políticas de planejamento urbano a favor das classes média e alta

8.(CESGRANRIO - 2014 - Agente de Pesquisas e Mapeamento (IBGE)

O tipo climático predominante na porção setentrional do território brasileiro representado no climograma


acima é o
(A) temperado continental
(B) equatorial
(C) tropical de altitude
(D) subtropical
(E) tropical semiárido

9.(CESGRANRIO - 2013 - Técnico em Informações Geográficas e Estatísticas A I (IBGE)


No Brasil, ocorre um tipo climático com aspectos bem definidos: médias elevadas de temperatura de 25 a
28 oC e pequena amplitude térmica anual, em torno de 3 oC. Nesse tipo de clima, as chuvas são abundantes
e bem distribuídas ao longo do ano, favorecidas diretamente pela convergência dos ventos alísios e pela dinâ-
mica de uma massa de ar continental.
Os aspectos acima mencionados caracterizam o tipo climático
(A) equatorial
(B) subtropical
(C) semiárido
(D) tropical de altitude
(E)tropical com duas estações

10.(CESGRANRIO - 2018 - Técnico Bancário (BASA)


Um domínio natural do Brasil se destaca na parte setentrional do país pela extraordinária extensão de terras
baixas florestadas, disposto em anfiteatro, com fortíssima entrada de energia solar, ausência de estações secas
prolongadas pronunciadas em quase todos os subespaços regionais, com elevado abastecimento de umidade.
É o domínio que menos sofreu com o desmatamento.
AB’SÁBER, A. N. Os Domínios de Natureza no Brasil. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. Adaptado.
As características acima descrevem qual domínio natural brasileiro?

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129
(A) Caatinga
(B) Araucárias
(C) Amazônico
(D) Cerrado
(E) Mares de Morros

11.(CESGRANRIO - 2013 - Técnico em Informações Geográficas e Estatísticas A I (IBGE)

Disponível em: <vivaterra.org.br.> Acesso em: 03 ago. 2013.


Na imagem acima, está registrada uma vegetação típica do ambiente natural denominado
(A) caatinga
(B) manguezal
(C) campo limpo
(D) campo rupestre
(E) mata de cocais

12.(CESGRANRIO - 2011 - Professor (SEEC RN)/Pedagogia/Sem Especialidade)


A segunda viagem ao interior do país, rumo a São Paulo, começou no dia 14 de agosto, três semanas antes
do Grito do Ipiranga. O objetivo, como na vez anterior, era apaziguar os ânimos na província, dividida entre dois
grupos políticos, um ligado à família do ministro José Bonifácio e outro, ao coronel Francisco Inácio, comandan-
te da força pública e aliado da João Carlos Oeynhausen, presidente da junta provisória local.
GOMES, Laurentino. 1822. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
Sobre o período da história do Brasil referido no texto, analise as afirmações a seguir.
I – Os movimentos revoltosos tinham o objetivo de efetivar a Proclamação da República.
II – As viagens foram realizadas por D. Pedro I como parte do processo que levou à Independência do Brasil.
III – As mudanças nos regimes políticos no Brasil foram feitas à custa de embates, gerados, muitas vezes,
pela contradição de interesses entre grupos sociais.
É correto o que se afirma em
(A) I, apenas.
(B) II, apenas.
(C) I e III, apenas.

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130
(D) II e III, apenas.
(E) I, II e III.

13.(CESGRANRIO - 2009 - Professor de Educação Básica (SEDUC TO)/História)


“(...) a adoção de uma solução monárquica no Brasil, a manutenção da unidade da ex-colônia e a constru-
ção de um governo civil estável foram em boa parte consequência do tipo de elite política existente à época da
Independência, gerado pela política colonial portuguesa”.
CARVALHO. José Murilo de Carvalho. A construção da ordem: a elite
política imperial. Teatro de sombras: a política imperial.
Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2003. p. 21.
De acordo com o autor do texto, as particularidades do processo de independência do Brasil em relação aos
seus vizinhos da América Espanhola devem ser atribuídas, principalmente, à homogeneidade cultural da elite
política que conduziu a emancipação da América Portuguesa e a formação do Estado imperial brasileiro. Entre
outras evidências históricas, esta tese é fundamentada na
(A) união das elites criollas da América Espanhola em torno do bolivarismo.
(B) restrição da Coroa lusitana à criação de universidades na América Portuguesa.
(C) adoção da forma republicana de governo por todas as ex-colônias espanholas.
(D) ampla participação dos criollos nos altos cargos da burocracia espanhola.
(E) predominância de analfabetos entre os conselheiros de Estado do Império.

14.(CESGRANRIO - 2010 - Analista (IBGE)/História)


Em 15 de novembro de 1890, foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte encarregada de elaborar a
primeira Constituição republicana. O tema principal da discussão foi a relação entre o poder central e os esta-
dos. Ao fim e ao cabo, a Constituição de 1891 definiu que
(A) as rendas advindas da exportação ficariam com os governos estaduais.
(B) as forças armadas ficariam sob o comando do Congresso Nacional.
(C) o ensino primário deveria ficar a cargo da União.
(D) o sistema de saúde deveria ficar a cargo dos governos estaduais.
(E) o orçamento participativo favoreceria a representação municipal.

15.(CESGRANRIO - 2010 - Analista (IBGE)/História)


Os anos iniciais da República no Brasil foram caracterizados por uma intensa instabilidade política. O go-
verno de Campos Sales (1898-1902) é visto como o construtor de um pacto político que garantiu certa estabili-
dade ao regime. Esse pacto, conhecido como a política dos estados, consistiu num sistema de compromissos
políticos por meio do qual o governo federal garantia a autonomia dos grupos oligárquicos dominantes em cada
estado, em troca de apoio das bancadas estaduais no Congresso Nacional. Entre os efeitos da política dos
estados, identifica-se o(a)
(A) fortalecimento do poder Executivo Estadual, em detrimento do poder Executivo Federal e o do Legisla-
tivo.
(B) fortalecimento do poder Legislativo que ampliou sua autonomia em relação ao poder Executivo.
(C) equilíbrio de poder entre os estados da federação que alternavam a liderança do Poder Executivo de
forma igualitária.
(D) neutralização das oposições, pois o Congresso era controlado pelos partidos republicanos hegemôni-
cos.

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(E) fraude eleitoral, pois o voto aberto e não obrigatório favorecia o controle das eleições por parte das oli-
garquias locais.

16.(CESGRANRIO - 2014 - Agente de Pesquisas por Telefone (IBGE)


Desde que o jornal integralista A Offensiva estampara as primeiras convocações para o evento na praça
da Sé, esquerdistas dos mais variados matizes idealizaram uma contramanifestação, combinada propositada-
mente para o mesmo dia (7 de outubro de 1934), horário e local. “És amigo da liberdade? Queres que o Brasil
marche para a paz e o progresso? Repugna-te o crime e a bandalheira? És amante da arte, da ciência e da
filosofia? Pois, então, guerra ao integralismo com todas as suas energias”, incitava um panfleto da Federação
Operária de São Paulo, de orientação anarquista.
NETO, Lira. [ ] Do Governo Provisório à Ditadura do Estado Novo (1930 -1945). São Paulo: Companhia das
Letras, 2013, p.193.
O embate previamente anunciado entre esquerdistas e integralistas foi fatal e ocorreu no governo do presi-
dente
(A) Café Filho
(B) Getúlio Vargas
(C) Jânio Quadros
(D) Washington Luís
(E) Juscelino Kubitschek

17.(CESGRANRIO - 2010 - Analista (IBGE)/História)


Ao longo da república, na sociedade brasileira, o exercício da cidadania sofreu transformações associadas
a ações estatais promotoras de maior inclusão política e social, dentre as quais cita-se o(a)
(A) voto feminino, a partir de 1934.
(B) seguro desemprego, por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
(C) direito de voto para os analfabetos, a partir de 1946.
(D) reconhecimento da liberdade sindical, a partir de 1937.
(E) proteção dos direitos indígenas, a partir de 1891.

18.(CESGRANRIO - 2010 - Professor (Pref Salvador)/História)


Nas cidades gregas da Antiguidade, a democracia limitava-se à minoria da população. Os escravos e as
mulheres não tinham direitos políticos. Além disso, só aqueles que nasciam na cidade de Atenas podiam ser
cidadãos.
De acordo com a Constituição Brasileira de1988, quem NÃO pode votar no Brasil atualmente são os
(A) maiores de 70 anos.
(B) maiores de dezesseis anos.
(C) estrangeiros naturalizados.
(D) analfabetos.
(E) que estão cumprindo o serviço militar obrigatório.

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19.(CESGRANRIO - 2010 - Professor (Pref Salvador)/História)

Trabalhadores homenageiam Vargas pelos seus 10 anos de governo na Esplanada do Castelo. Rio de Ja-
neiro, 9 de novembro de 1940.
Disponível em: http://novahistorianet.blogspot.com Acesso em: 17 set. 2010.
No que se refere à política trabalhista, Getúlio Vargas conjugou com bastante sucesso uma forte repressão
ao movimento operário com a criação de um conjunto de leis que representaram avanço para os trabalhadores.
No dia 1o de maio de 1943, foi assinado o Decreto-Lei no 5.452 que instituía a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) e unificava toda a legislação trabalhista já existente no país. Desde então, a CLT sofreu altera-
ções, mas, tendo em vista o Decreto de 1943, registra-se que, naquela ocasião, os trabalhadores obtiveram as
seguintes conquistas:
I - adoção no território nacional da Carteira Profissional, que passou a ser obrigatória para o exercício de
qualquer emprego assalariado;
II - estabelecimento do limite máximo de 8 horas diárias para a jornada de trabalho do empregado; III - direito
a todo empregado de um descanso semanal de 24 horas consecutivas.
IV - aprovação do salário mínimo, pago diretamente pelo empregador a todo trabalhador do sexo masculino.
V - liberação para a formação de mais de um Sindicato representativo da mesma categoria econômica ou
profissional, ou profissão liberal, sem restrições por parte do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
Estão corretas APENAS as conquistas apresentadas em
(A) I, II e III.
(B) I, III e IV.
(C) I, III e V.
(D) II, IV e V.
(E) III, IV e V.

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20.(CESGRANRIO - 2010 - Analista (IBGE)/História)
A criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1938, durante a presidência de Getúlio
Vargas, objetivou a produção e a sistematização de informações e dados sobre o povo e o território brasileiros
de modo a conhecer o país e a instrumentalizar o poder público em suas ações destinadas ao desenvolvimento
e à modernização nacional.
PORQUE
Na conjuntura política da época da criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – o Esta-
do Novo – ampliaram-se as atribuições do governo federal por meio de ações centralizadoras e intervencionis-
tas, cuja eficácia em muito dependia de saberes tecnicamente especializados e confiáveis.
Analisando as afirmações acima, conclui-se que
(A) as duas afirmativas são verdadeiras, e a segunda justifica a primeira.
(B) as duas afirmativas são verdadeiras, mas a segunda não justifica a primeira.
(C) a primeira afirmativa é verdadeira, e a segunda é falsa.
(D) a primeira afirmativa é falsa, e a segunda verdadeira.
(E) as duas afirmativas são falsas.

Gabarito

1 E
2 D
3 C
4 A
5 A
6 C
7 C
8 B
9 A
10 C
11 B
12 D
13 B
14 A
15 E
16 B
17 A
18 E
19 A
20 A

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