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Cultura e sociedade I

Jorge Carreta
1º semestre - 2017
O sentido da colonização ........................................................................................ 2
Portugal / Espanha ............................................................................................2
Processo de colonização ...................................................................................2
Sentido da colonização ......................................................................................3
Resumo em texto corrido ...................................................................................4
O abolicionismo .......................................................................................................6
Influência da escravidão sobre a nacionalidade ................................................6
Influências sociais e políticas da escravidão .....................................................7
Ideias do texto de Joaquim Nabuco ..................................................................9
A integração do negro na sociedade de classes ................................................12
O mito da democracia racial ............................................................................12
Dilema racial brasileiro ....................................................................................14
Resumo em texto .............................................................................................15
Discriminação e desigualdades raciais no Brasil ............................................... 17
Desigualdades educacionais entre brancos e não brancos ............................17
Sistema educacional brasileiro ........................................................................17
Consequências raciais do caráter discriminatório da educação ............... 18
Resumo em texto .............................................................................................18
Raízes do Brasil......................................................................................................20
A herança rural ................................................................................................20
O homem cordial .............................................................................................20
Homem cordial ............................................................................................ 21
Problemas do homem cordial .....................................................................21
Resumo em texto .............................................................................................21
Carnavais, malandros e heróis ............................................................................. 23
“Sabe com quem está falando?” ......................................................................23
Resumo em texto .............................................................................................24
O jeitinho brasileiro................................................................................................25
Navegando em águas brasileiras: o mapa social do jeitinho ...........................25
Conexão entre os três textos ...........................................................................26
Resumo em texto .............................................................................................26

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O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Texto: Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior. Capítulo: O


sentido da colonização
• Objetivo do autor: investigar os motivos que inspiraram e determinaram a
colonização brasileira, uma vez que ela não foi uma consequência natural e
espontânea do descobrimento
• Referencial é o materialismo histórico: as mudanças sociais que se passam no
decorrer da história de uma sociedade não são determinadas por ideias, mas sim
pela situação econômica dos atores da sociedade em questão

Portugal / Espanha

• As grandes navegações se iniciam no final do século XV


• Portugal e Espanha tiveram vantagem nas grandes navegações devido à:
• Posição privilegiada na península Ibérica com saída para o mar
• Primeiros estados nacionais a serem formados com a centralização do poder na
figura do rei, de forma que a coroa passa a financiar as viagens ultramarinas
• A expansão das grandes navegações portuguesas teve início com a busca por
uma nova rota para as índias, com o estabelecimento de entrepostos comerciais
ao longo da costa africana e asiática
• Ao longo dos século XVI e XVII esteve em voga o mercantilismo, que era uma
corrente econômica que prezava a balança comercial favorável e o acúmulo de
metais preciosos (a riqueza de um país é medida pela quantidade de metais
preciosos que uma economia possui)
• A descoberta das Américas é encarada como uma expansão religiosa e comercial
• A igreja tinha uma força enorme no europeu do período, de forma que houve uma
pressão muito grande para catequizar os indígenas

Processo de colonização

• O Brasil foi pouco ocupado nos trinta primeiros anos após o descobrimento: a
primeira atividade extrativista realizada foi a extração de pau-brasil, de onde era
extraído um pigmento para tingir roupas
• Inicialmente, o Brasil não se mostrou interessante para os portugueses porque
eles estavam concentrados na exploração das rotas comerciais de especiarias
• Ameaça de ocupação estrangeira: outros países que entraram posteriormente nas
grandes navegações passaram a ter interesses no Brasil:
• Invasões francesas com a criação da França Antártica no Rio de Janeiro
• Invasões holandesas em Pernambuco
• Dadas as tentativas de invasões e a queda do comércio de especiarias, os
portugueses passam a se interessar por colonizar o Brasil, adotando o sistema de
capitanias hereditárias com a plantação de cana-de-açúcar
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• A plantação foi implementada usando-se o sistema de plantation, que tinha como
principais características: monocultura, mão de obra escrava, latifúndio e
exportação
• A utilização de escravos na plantation justificou-se por:
• Queda na população europeia depois da peste negra, de forma que a mão de
obra livre era escassa
• O tráfico de escravos era um mercado extremamente lucrativo, fazendo parte
da lógica mercantilista
• Dificuldades na escravização indígena: dificuldade de se adaptar ao regime de
trabalho, o conhecimento do território, baixa resistência física, resistência dos
jesuítas
• Os jesuítas viam os índios como indivíduos que precisavam ser catequizados, por
isso se opunham ao uso deles como escravos

Sentido da colonização

• O Brasil vai se organizar para atender os interesses do comércio europeu, desde


a extração de pau-brasil até a comercialização de açúcar
• O país se organiza em função de uma economia externa
• O peso da herança colonial continuou depois da independência do país:
escravidão, a agricultura baseada na plantation e a monarquia
• Mesmo após a independência (1822), o caráter agroexportador prevalece durante
o império e a república até 1930 (ponto de inflexão)
• A aceleração do processo de industrialização começa em 1930, com a
industrialização para substituição de importações. Esse processo foi liderado pelo
Estado, com a criação de empresas como a Petrobras e a CSN
• De 1930 a 1980, há um esforço enorme para a industrialização brasileira
• Até hoje o Brasil é conhecido pela exportação de commodities como minério de
ferro e soja
• Sentido da colonização: cidades que se organizam em função do comércio
europeu, por isso elas ficam no litoral ou no curso de rios
• Sociedade colonial vinculada à metrópole
• Econômico: fornecer gêneros comerciais para a Europa (economia voltada para
fora)
• Social: senhores de engenho e escravos e uma parcela muito pequena de
homens livres, mas vivendo sempre em torno da grande propriedade
• Político: os senhores de engenho detém o poder de mando de forma regional
exercem-no através das câmaras municipais, podendo até ignorar as ordens
reais

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Resumo em texto corrido

A descoberta do Brasil se deu no século XV por Portugal. Apesar de


descoberto em 1500, o território não foi ocupado de imediato, uma vez que isso não
era uma prioridade para Portugal no momento. Como Portugal foi um dos primeiros
Estados a se formar, a figura real financiou diversas expedições ultramarinas, que, à
época, eram empreendimentos que demandavam recursos vultuosos.
Nesse contexto das grandes navegações, o principal objetivo de Portugal era
encontrar uma rota para as Índias, a fim de lucrar com o comércio de especiarias.
Assim que conseguiu estabelecer seus entrepostos comerciais, essa atividade
rendia-lhe muito dinheiro, de forma que a descoberta do Brasil foi colocada em
segundo plano, uma vez que não viram de imediato vantagem financeira em ocupar
o território.
Essa situação, contudo, se inverteu por volta de 1530, quando o comércio de
especiarias estava começando a mostrar sinais de fraqueza e as terras descobertas
estavam sofrendo ameaças. Nesse momento, Portugal volta sua atenção para o
novo continente, e estabelece aqui uma colônia.
A primeira atividade desempenhada em terras tupiniquins foi a extração de
madeira. Nesse momento, vale destacar o papel desempenhado pelos jesuítas, que
foram fortemente contrários à escravização indígena e empenharam-se em
catequizá-los.
A próxima atividade desenvolvida no Brasil foi a monocultura de cana-de-
açúcar. A partir da experiência que Portugal já tinha com outras colônias, decidiu
implantar aqui o mesmo sistema administrativo das capitanias hereditárias, na qual
um capitão donatário era responsável por desenvolver um território. Assim,
instalaram-se fazendas de monocultura de cana-de-açúcar que seguiam o sistema
de plantation, ou seja, latifúndios focados na monocultura para exportação que
usavam mão de obra escrava.
No que diz respeito à mão-de-obra escrava, em um primeiro momento foram
usados indígenas, mas estes não se adaptaram à intensidade do trabalho, adoeciam
com frequência e havia uma forte pressão dos jesuítas contra sua escravização. Por
conta disso, e pelo tráfico ser um negócio extremamente lucrativo, optou-se por
adotar a mão-de-obra negra trazida da África.
O uso da mão de obra negra marcou profundamente a formação cultural e
social do Brasil e da família brasileira. Como poucos europeus se dispuseram a vir
para o Brasil nesse momento, tornou-se comum o estabelecimento de famílias com
indígenas (em um primeiro momento) e com negros.
Ao levar tudo isso em conta, pode-se perceber que a colonização brasileira foi
orientada para atingir os interesses comerciais europeus. Pode-se perceber isso
pela localização das cidades - sempre próximas ao mar ou no curso de rios -, pelo
caráter agroexportador e pela utilização da mão de obra escrava.

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Mesmo após o fim da colônia, percebe-se que esse modelo econômico
continuou presente, ou seja, a monarquia, a escravidão e o caráter agroexportador
permanceram até a proclamação da república. Alguns efeitos colaterais, como o
preconceito contra negros e a subvalorização de alguns tipos de trabalho persistem
na mente do brasileiro até os dias de hoje.
No âmbito político, o poder local era exercido por brancos católicos de origem
europeia, que eram os únicos aptos a exercerem cargos políticos através das
câmaras municipais. Esses, que geralmente eram senhores de engenho, detinham
um poder regional, que, mesmo com o fim da colônia, também influenciou a ordem
política durante a república em episódios como o coronelismo no nordeste e a
alternância entre São Paulo e Minas Gerais no comando do país durante a chamada
república do café-com-leite.

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O ABOLICIONISMO

• Texto: O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco

Influência da escravidão sobre a nacionalidade

• Joaquim Nabuco: pernambucano que teve grande influência na luta contra a


escravidão
• Século XIX: escravidão está em vias de desaparecimento no globo:
• Surgimento de leis que flexibilizam a escravidão no Brasil: lei do ventre livre, lei
dos sexagenários
• Fim da guerra de Secessão nos EUA na década de 1860 e abolição da
escravidão
• Escravidão foi fenômeno definidor da formação do Brasil como nação: as relações
criadas pela escravidão permanecem mesmo após ela: exemplo de negros que
tem maior dificuldade em conseguir empregos
• Florestan Fernandes fala a mesma coisa
• Raça é um conceito biológico que serve para explicar as diferenças de fenótipo.
Hoje, não se remete mais ao conceito biológico, mas sim ao conceito político que
diz respeito à identidade
• A presença secular da instituição servil no país produziu e deixou como “herança”
a mentalidade conservadora da classe dominante brasileira, a rígida hierarquia
social e um traço psicológico do brasileiro: a coexistência do autoritarismo e da
submissão no indivíduo
• Teorias raciais do século XIX sustentavam que a miscigenação racial promovia a
formação de indivíduos considerados fracos e inferiores
• Ao contrário, Nabuco valoriza a miscigenação e não vê inferioridade insuperável
na “raça negra”
• Escravidão: “herança de berço”: a maioria da população brasileira descende de
escravos
• Efeito sobre a nacionalidade
• Enfraquecimento moral da nacionalidade: se reflete na dificuldade para a
criação de símbolos nacionais
• Degradação proporcionada pela escravidão
• A formação da família teria sido mais vigorosa sem a escravidão
• Família marcada pela violência, promiscuidade, abuso de força por causa do
estupro da mulher negra e índia pelo branco colonizador
• Negros: “mais atrasados”: supersticiosos (isso é uma visão da época)
• Brancos: fanatismo religioso
• Sem a escravidão, os brancos teriam "elevado os negros”: superação de
instintos bárbaros, superstições grosseiras

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• A mescla entre brancos e negros foi nociva pois, ao invés do branco elevar o
negro, houve uma degradação de ambos. No caso do branco, os cruzamentos
levaram a doenças, contaminação da língua e maneiras sociais
• A escravidão impregnou-se no país; criou um “ar servil que envolve e abafa a
todos”: a característica servil da escravidão permanece. Exemplo: deixar sujo o
lugar por acreditar que existe alguém que irá limpar

Influências sociais e políticas da escravidão

• Comparação com os EUA: no Brasil não houve a divisão observada nos EUA
(norte livre e sul escravocrata), o que, para Nabuco, preveniu o surgimento de
tensões raciais
• Segregação no Sul após a Guerra Civil (1861-65)
• Entre nós nunca houve a “prevenção da cor”
• Mestiçagem: "confusão de classes e indivíduos”, “extensão ilimitada dos
cruzamentos sociais entre escravos e livres”
• Escravos, ao serem alforriados, eram considerados cidadãos, não havendo
castas sociais perpétuas, e podendo, até mesmo, serem donos de escravos
• Havia poucas portuguesas dispostas a virem para o Brasil, de forma que as
famílias se formaram, num primeiro momento, com índios e, num segundo, com
negros
• Houve uma convivência íntima entre as raças no Brasil por conta disso
• Mestiço político: a coexistência na mentalidade do brasileiro do autoritarismo do
senhor e da submissão do escravo.
• Mestiço político foi o resultado da confusão das classes, dos cruzamentos entre
escravos e livres e, sobretudo, graças ao fato de a escravidão ter sido uma
instituição “democrática”, pois abriu a todos – brancos ou negros, ingênuos ou
libertos, escravos ou estrangeiros – a possibilidade de possuir escravos
• Unidade nacional: heterogeneidade étnica dificulta “soberba, desordem de
mundos incandescentes”. Como uma nação que adota o liberalismo ter escravos?
Como se pode falar em unidade nacional com tamanha diferença étnica. Depois
da república, o esforço para a construção de uma memória nacional comum é
muito forte
• Homens livres (“lavradores não proprietários”): vegeta em torno da grande
propriedade, sem meios próprios de sobrevivência; sua situação é agravada pela
escravidão
• Indústria: escravidão é incompatível com o desenvolvimento das classes operárias
(que supõe mão de obra livre, salário, dignidade do trabalhador) leva à
permanência da mentalidade escravocrata.
• Comércio: o tráfico foi o que realmente prosperou (“o comércio é o manancial da
escravidão, e seu banqueiro”). O único comércio que gerou grandes lucros, por
isso tamanha resistência para sua eliminação
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• “Agente da escravidão”: “o único comércio que prospera é o da escravidão e do
açúcar
• A escravidão também fez crescer a classe dos funcionários públicos (“o Estado é
o abrigo dos filhos de famílias fidalgas arruinadas”): todo trabalho braçal é visto
como degradante, então a saída para o filho da classe média é o trabalho
administrativo -> herança da escravidão
• Também abriga os homens pobres com mérito, mas sem meios
• Há poucas formas de ascensão social, e o Estado era uma delas (talvez a
principal)
• A escravidão, havendo abarcado a terra e o trabalho agrícola, degradou o
trabalho e criou o desprezo por quem ocupa funções braçais (quem trabalha na
terra passou a ser visto como inferior)
• A escravidão “fecha todas as avenidas” (indústria, comércio, letras, ciências)
• Os movimentos para o fim da escravidão tiveram início no final do século XVII e
se intensificou no século XIX Leis abolicionistas:
• Lei Feijó (1831 - proibição do tráfico)
• Lei Bill Aberdeen: ingleses abateriam navios negreiros identificados no oceano.
Quando avistados, os escravos eram jogados no mar para evitar que fossem
abatidos
• Lei do Ventre Livre: a lei permitia que os senhores tutelassem as crianças e
usassem seus serviços até determinada idade
• Lei dos Sexagenários: era extremamente raro que um escravo tivesse tal
expectativa de vida
• Lei Áurea: alguns escravos permanceram onde estavam porque era a vida que
conhecem e não tinham perspectivas e nem conhecimento de outros ofícios

• "Os senhores da lavoura” (brancos, escravocratas), tendo abatido todas as


profissões, tornaram-se classe rica, educada, patriótica, digna de representar o
país intelectual e moralmente? Não, era uma aristocracia heterogênea, de
identidade cambiante.
• O único ponto em comum era a escravidão, mas o poder no Brasil era exercido
localmente pelas oligarquias
• A base da escravidão é a violência. O escravo que se recusasse a trabalhar era
levado à praça pública para ser castigado
• Igreja: conivente com a escravidão, omissa em relação à "questão servil” (também
proprietária de escravos)
• Adquiriu caráter materialista e a tornou incapaz de desempenhar papel
importante na vida social
• Ajudou a justificar durante séculos a escravidão
• Defender a escravidão no Brasil tornou-se antipatriótico, dada a identificação de
suas instituições com o regime abolicionista

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• Guerra do Paraguai: escravos e ex-escravos mandados para combate
• Na volta, muitos são alforriados
• Exército passa a se recusar a reprimir revoltas escravas
• Problema: transformar o “simples nacional” (pessoas apáticas à sociedade) em
cidadão, ”unidade ativa e pensante na comunhão a que pertence”: como integrar o
escravo na sociedade
• Educação: “escola e senzala são pólos que se repelem”. Os negros, ainda hoje,
tem menos acesso à educação
• Caráter patriarcal do governo do Império: resultado da escravidão

Ideias do texto de Joaquim Nabuco

1. Como se deu a formação da família brasileira


• Mestiçagem por conta de não ter quem vir de Portugal
• Degradou brancos e negros
• Marcada pelo estupro, promiscuidade
• Descendemos de escravos e isso ainda tem heranças
2. Impactos do fim da escravidão (o que seria do negro ao final da escravidão?)
• Mestiço político
• Não existe tensão racial por conta de não ter havido uma prevenção de cor e a
segregação declarada de brancos e negros -> confusão das classes
• Escravidão vista como uma instituição democrática e a possibilidade dos negros
serem cidadãos -> sociedade com alguma mobilidade social, mas bem restrita
• Heranças: relações persistem: empregada doméstica, shopping
• Degradação de cargos públicos
• Dificuldades para formação da identidade nacional

Os negros foram inicialmente trazidos para o Brasil para trabalharem sob


regime de escravidão nas plantações de cana-de-açúcar, formando uma sociedade
praticamente estamental. Naquele momento, o tráfico negreiro era uma atividade
extremamente lucrativa para Portugal e não haviam muitos europeus dispostos a
virem para o novo continente.
Por conta disso, além da atuação servil, pode-se observar que ocorreu
grande miscigenação, com a formação de famílias entre os colonizadores brancos e
as escravas negras. Essa miscigenação, marcada pela violência, promiscuidade e
abuso sexual, mostra que houve uma relação íntima entre as raças no país.
Nabuco, apesar de valorizar a miscigenação, ressalta que essas relações
tiveram efeitos adversos na formação do caráter nacional e na identidade de
brancos e negros. Quanto ao primeiro, é extremamente difícil estabelecer um caráter
nacional em um país formado por raças tão heterogêneas. Com relação ao segundo,
ele afirma que a escravidão foi responsável por rebaixar tanto o branco como o
negro, tendo assim um efeito nocivo. Enquanto o branco ficou suscetível a doenças
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e teve seu idioma “contaminado" com palavras africanas, os negros sofreram com a
brutalidade do trabalho nos engenhos de açúcar.
A escravidão passou a ser duramente criticada a partir do início do século
XIX, quando surgiram os primeiros grupos abolicionistas. A fim de atender às
demandas desse grupo, diversas leis foram promulgadas ao longo do século XIX,
encaminhando o Brasil para o fim da escravidão. Dentre essas leis, destacam-se a
Lei Eusébio de Queiróz, que proibiu o tráfico negreiro e leis como a dos
Sexagenários e a do Ventre Livre. Com relação a essas duas últimas, vale destacar
que tinham efeito bastante restrito, uma vez que era raro que um escravo chegasse
aos 60 anos e, no que diz respeito à Lei do Ventre Livre, ela permitia que o Senhor
explorasse o escravo até seus 21 anos, ou seja, durante seu período mais rentável.
O movimento abolicionista ganhou ainda mais força com a Guerra do
Paraguai, uma vez que escravos foram convocados para lutar pelo país. Ao final da
guerra, alguns receberam alforria e o exército passou a apoiar a causa. Nesse
cenário, a escravidão tornou-se insustentável, de forma que a Princesa Isabel
assinou a Lei Áurea em 1988, findando assim a escravidão.
Contudo, o fim da escravidão marcou apenas o começo de um novo capítulo
na história brasileira. Livres, os ex-escravos não tinham perspectivas de emprego e
nem um local para ir. Culturalmente, a escravidão também deixou marcas profundas
que persistem até hoje.
Nesse sentido, Joaquim Nabuco cunhou o termo mestiço político para definir
a convivência de duas naturezas opostas: o autoritarismo do senhor e a submissão
do escravo, relações moldadas durante a escravidão que persistem até os dias de
hoje em atitudes do dia-a-dia, por exemplo o fato de um jovem branco não retirar
sua bandeja após se alimentar em um shopping por acreditar que alguém o fará, ou
então a forte presença de empregadas domésticas nas residências brasileiras.
Para Nabuco, não houve uma tensão racial forte no Brasil, como a observada
nos EUA após a Guerra de Secessão, porque aqui nunca houve uma prevenção de
cor, de forma que a escravidão era um sistema até certo ponto democrático, à
medida que dava direito a qualquer pessoa de possuir um escravo. Além disso,
assim que alforriado, o negro passava a ser visto como cidadão.
A escravidão também degradou certos ofícios relacionados à terra, criando
desprezo por quem ocupa funções braçais, injustamente vistos como inferiores. A
herança da escravidão ainda se mostra presente nas escolas e universidades, onde
os negros são minoria, e no mercado de trabalho, onde ganham menos do que
brancos para exercerem a mesma função.
No que diz respeito ao caráter nacional, com a proclamação da república,
houve a necessidade de se construir uma identidade nacional, com símbolos
brasileiros. Essa tarefa se mostrou um tanto complicada, data a heterogeneidade da
população. É difícil de conceber que figuras que representem ideias opostos, como
D. Pedro I e Tiradentes possam ambos ser considerados heróis nacionais.

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Outra situação que não conversa com a escravidão é a industrialização. O
modelo de desenvolvimento industrial prezava pelo trabalhador livre e assalariado,
de forma que a escravidão era um empecilho para a industrialização.

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A INTEGRAÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE DE CLASSES

• Texto de Florestan Fernantes


• O que acontece com o negro quando saímos de uma sociedade estamental para
uma competitiva

O mito da democracia racial

• Fim da escravidão: imposição de uma ordem social competitiva, que se contrapõe


à ordem estamental (sem possibilidade de mobilidade social)
• Antes do fim da escravidão, não havia uma ordem competitiva estabelecida entre
os indivíduos, a mobilidade social é quase inexistente. Poucos negros alforriados
tiveram a chance de ascender, principalmente nos momentos finais da escravidão
• Negros são reconhecidos formalmente na constituição, mas a igualdade em
termos práticos não acontece. São removidas as barreiras formais
• Há uma ordem social competitiva, na qual os indivíduos disputam os melhores
postos no mercado de trabalho
• O negro, após o fim da escravidão, continuou à margem das sociedade. As
relações desenvolvidas durante a escravidão permanceram
• O mito da democracia racial vem da visão de que a escravidão foi benévola
(doméstica, menos violenta, marcada pela intimidade entre senhor e escravo), o
que Florestan ataca
• Abolição: não criou ódios raciais ou barreiras para escravidão dos negros. Não
houve antagonismos entre negros e brancos, por estarem estes temerosos da
entrada do negro no mercado de trabalho. Como ocorreu uma forte miscigenação,
não se criou o ódio
• Perpetuação dos padrões de relações sociais da escravidão: inércia ou omissão
do branco
• Permite entender a criação do “mito da democracia racial”: negros e brancos
não conseguem alcançar posições de classe equivalentes à dos brancos
• EUA: confronto. Não tivemos o mesmo tipo de ódio racial que foi desenvolvido
lá. A sociedade lá se revolta com morte de negros, o que não acontece aqui.
Isso é uma herança da separação racial física que aconteceu no sul
• Ambivalência: os negros não eram repelidos frontalmente, mas também não foram
aceitos sem restrições
• Não havia "intenção declarada de prejudicar o negro”. Em caso de flagrante
discriminação, o alarme surgia nos mesmos círculos nos quais os negros eram
recusados
• A discriminação não se eleva ao nível da consciência social (pensamento
coletivo): as pessoas não veem a escravidão como um problema social -
discriminação sem perceber

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• Se não houverem políticas públicas de promoção dos negros, você não vence a
desigualdade. Não é uma questão de mérito e de não aproveitar as
oportunidades. O que acontece é uma reprodução contínua das desigualdades
• “Pois é patente e lógica desse padrão de justiça social (que diz que não há
diferenças entre brancos e negros, apenas uma questão de mérito). Em nome de
uma igualdade perfeita no futuro, acorrentava-se o homem de cor aos grilhões
invisíveis de seu passado, a uma condição subalterna de existência e a uma
disfarçada servidão eterna”
• Democracia racial: não havia discriminação
• Preconceito e discriminação são formas de legitimação das relações sociais
herdadas da escravidão e de preservação entre brancos e negros
• Haveria uma igualdade jurídico-política (igualdade formal) entre bancos e negros.
As desigualdades seriam resultado da ordem competitiva (cria a ilusão de que as
oportunidades estão abertas a todos, mesmo aos negros e mestiços
• A abolição e a república não alteraram a mentalidade hierárquica e aristocrática
herdadas da escravidão
• A economia competitiva, como o símbolo da modernização da estrutura produtiva
da sociedade brasileira, desenvolveu-se como conseqüência imediata da abolição
da escravidão. Em outras palavras, o negro sofreu as conseqüências diretas de
um processo marcado pelas desiguais condições de acesso às novas ocupações
econômicas advindas da mercantilização da economia.
• A ideologia racial tem utilidade prática:
• A desigualdade era atribuída a incapacidade ou irresponsabilidade do negro
• Isenta o branco de qualquer responsabilidade ou solidariedade em relação ao
negro
• Enfatizando aspectos exteriores à relações raciais, produziu uma consciência
falsa da realidade

• Desigualdades são gritantes entre homens e mulheres, brancos e negros.


Escolaridade, diferenças salariais.
• Durante a escravidão, o preconceito e a discriminação eram formas legítimas de
preservar as distâncias sociais entre brancos e negros
• Após a abolição e a república, a mentalidade hierárquica e aristocrática (poder
exercido pela classe dominante) herdadas da escravidão não se alteraram
• Convicções de democracia racial:
• Não existe o problema do negro no Brasil
• Dada a índole do brasileiro, não há problemas raciais entre nós
• A ideia de que oportunidades estão abertas a todos
• Ideia de que o negro está satisfeito com suas condições de vida

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• Não há um problema de justiça social em relação aos negros, apenas efeitos
residuais que seriam tratados pelos meios tradicionais e resolvidos por
mudanças qualitativas expontâneas
• Críticas à abolição:
• Movimento dirigido por brancos e que falava aos brancos: estudos hoje
mostram que o movimento da abolição teve a participação de elementos
populares (crítica à visão de Florestan Fernandes)
• Não pretendia submeter a estrutura racial da sociedade de castas, apenas
alterar sua ordem: alterar a ordem jurídica, todos são iguais perante a lei
• Após a abolição
• Questão racial tratada como caso de polícia. Temia-se que qualquer processo
de ruptura levasse a rebeliões mais amplas e greves, portanto as manifestações
sociais eram duramente reprimidas, principalmente durante a primeira república
• A questão racial é varrida para debaixo do tapete
• Horror dos brancos a qualquer manifestação da população negra
• Mito da democracia racial funciona como ideologia (conjunto de ideias que é
universalizado para a sociedade a ponto de se tornar natural, geralmente
provenientes da classe dominante), isso é, legitima e perpetua as desigualdades
raciais
• Políticas universais foram um esforço para melhorar as condições de brancos e
negros, como o aceso universal à educação
• Programas como Bolsa Família devem ser ampliados para gerar circulação de
renda. Recomendação do Banco Mundial
• Ao negro e ao mestiço restou a “infiltração pessoal” e a “ascensão social
parcelada”, sem alcance coletivo
• “Especialização de interesses”: não há identificação entre camadas baixas e
intermediárias e a camada dominante
• Perpetuação parcial das antigas formas de dominação patrimonialista: a
mentalidade escravista não desaparece:
• Raiz do desequilíbrio entre a ordem social e racial
• Democracia tímida e débil

Dilema racial brasileiro

• Após a abolição: manutenção da concentração racial da renda, do prestígio social


e do poder
• Manutenção da "situação de raça” do tempo da escravidão
• Após a II Guerra Mundial: declínio da imigração, avanço da industrialização, que
levaram a mudanças pouco significativas:
• Proletarização, minoria foi incorporada à classe média, casos esporádicos de
incorporação à classe alta

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• Há um descompasso entre a ordem social competitiva e a ordem racial:
acreditava-se que se o país crescesse, a população negra seria absorvida e
estaria em pé de igualdade com os brancos. Depois do processo de
industrialização, Florestan Fernandes constata que isso não aconteceu
• O processo de industrialização acabou condenando parte da população negra e
branca a viverem às margens da sociedade
• A população negra se concentra na luta absorvente para “pertencer ao sistema”:
desmobilizações
• Fenômeno de “demora cultural”: ordem social competitiva e ordem racial se
ajustam lentamente
• A ferida racial é uma “hidra”: não consegue diminuir porque não existem
políticas específicas
• Importância do movimento negro: “Seria preciso introduzir serviços especiais de
âmbito nacional, regional e local, para lidar com os problemas práticos de
absorção de contingentes populacionais diversos a uma sociedade democrática”

Resumo em texto

Em sua obra, Florestan Fernandes trata da transição do regime escravista, na


qual existia basicamente uma sociedade estamental com baixíssima mobilidade
social, para a sociedade capitalista competitiva e como se deu a adequação do
negro a esse processo.
A principal tese combatida por Fernandes é a de que existiu aqui uma
democracia racial. Esse mito advém do fato de acreditar-se que, no Brasil, a
escravidão se deu de forma benévola, marcada pela intimidade do senhor e do
escravo. Assim, imaginava-se que não havia qualquer tipo de discriminação racial.
A ideologia da democracia racial mostrou-se como uma forma de perpetuar as
relações criadas desde a escravidão, de forma que impregnou-se na população
brasileira a ideia de que não existiam diferenças entre brancos e negros oriundas de
questões raciais, como acontecia nos EUA, onde a segregação após o fim da
escravidão criou tensões raciais que estão presentes até os dias de hoje.
Aqui, pelo contrário, acreditava-se que não existia tensão racial dada a forma
como a escravidão foi conduzida, e que as diferenças entre brancos e negros eram
apenas uma questão de capacidade. Assim, partia-se do pressuposto errôneo de
que ambos tinham acesso às mesmas oportunidades, o que Florestan mostrou não
ser a verdade. Essa concepção naturalizou-se, de forma que não se acreditava que
havia no Brasil o intuito de prejudicar o negro e foi a principal justificativa para que
brancos lavassem as mãos com respeito à questão racial, mantendo em suas mãos
a concentração de renda, prestígio e poder.
Assim, sem acesso às mesmas oportunidades que os brancos, os negros
foram renegados à margem da sociedade, sofrendo as consequências de uma

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transição que aconteceu sem o mínimo planejamento, principalmente com o
surgimento das primeiras indústrias.
Havia, contudo, entre a classe dominante, um receio de que tais
desigualdades pudessem vir a gerar rebeliões e revoltas, de forma que qualquer
manifestação social era tratada como caso de polícia, ou seja, era duramente
reprimida.
Essa classe acreditava que, se o país crescesse, os negros acabariam sendo
devidamente incorporados pela economia e, eventualmente, estariam em pé de
igualdade com os brancos, o que, deve-se ressaltar, não aconteceu.
A situação do negro, é verdade, melhorou com o tempo, graças,
principalmente, à implementação de políticas públicas que visam corrigir injustiças
históricas. Medidas como as cotas raciais em universidades, ou mesmo aquelas de
caráter universal, como o Bolsa Família, tem um papel fundamental na promoção do
negro e das parcelas menos favorecidas da população. Contudo, vale ressaltar que,
embora os ganhos sejam significativos, ainda acontecem em ritmo extremamente
lento. É inaceitável pensar que, mais de 120 anos após o final da escravidão, negros
e brancos ainda não recebam o mesmo salário para exercerem a mesma atividade,
ou que a presença de negros no ensino superior seja ínfima perto da de brancos.
Em suma, a principal mensagem que pode-se desprender da obra de
Fernandes é a de que a democracia racial é um mito. A discriminação ficou tão
arraigada que pode ser percebida até hoje, uma herança vergonhosa de nosso
passado escravocrata.

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DISCRIMINAÇÃO E DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL

• Autor: Carlos Alfredo Hasenbalg


• Sua tese foi defendida nos EUA, então compara a situação lá com o que acontece
no Brasil

Desigualdades educacionais entre brancos e não brancos

• Não brancos: “expostos a um ciclo de desvantagens cumulativas”


• Democracia racial: funciona como ideologia e leva a um processo de
naturalização, admitir que algo é natural, não construído socialmente, servindo
para justificar a situação atual (Florestan Fernandes)
• Durante muito tempo se acreditou que resolvendo o problema da desigualdade
social se resolveria o problema racial (era um problema social sem relação com a
raça)
• Para resolver é preciso políticas específicas, pois as universais não dão conta
• A população negra sofre com os mesmos mecanismos de dominação de classe e
exclusão. Mas sofre também uma discriminação peculiar, que aumenta a
desvantagem competitiva
• Reduz a ênfase dada por Florestan Fernandes ao legado do escravismo e
acentua a importância do racismo e da discriminação após a abolição como
causas das desigualdades entre brancos e não brancos
• Florestan: desigualdades são explicadas pela persistência do modelo tradicional
e assimétrico de relações sociais herdadas da escravidão (atitudes,
comportamentos e valores)
• Hasenbalg discorda dessa interpretação que enfatiza apenas “permanência" e o
“atraso cultural”: não é a simples perpetuação do passado no presente, existem
novas formas de discriminação: acesso à educação, salários
• As sobrevivências do antigo regime não permanecem intactas; elas são
reelaboradas e transformadas dentro de uma estrutura social modificada. As
práticas são reelaboradas na forma de preconceito racial. Exemplo: teorias
raciais do século XIX

Sistema educacional brasileiro

• Sistema educacional europeu comparado com o brasileiro:


• Desenvolvimento de cidadãos politicamente competentes: historicamente
deixada de lado
• Qualificação para ocupar seu lugar na indústria: só ganhou importância
recentemente, com a aceleração da industrialização
• Princípios da educação brasileira

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• Controle da massa indisciplinada: medo de que desempregados fossem
cativados pelos ideais comunistas. Por isso, surgem os primeiros sistemas
educacionais criados pelo estado
• A educação não nasce com ideal libertador e de criar indivíduos livres e
pensantes. Para a maioria, a educação foi pensada para o controle
• Educação utilitarista: cada nível está preocupado em preparar o indivíduo para
o seguinte, sem se preocupar com suas especificidades ou com a formação
moral e cívica
• Brasil: educação é uma estrutura fechada de oportunidades e tinha como principal
função ser um símbolo de status
• Quanto maior o nível educacional, maior a discriminação entre brancos e negros
no acesso à educação
• Diferença entre sudeste e nordeste: segregação ecológica
• Polo econômico mais desenvolvido no sudeste fez com que as diferenças
raciais fossem menores: a industrialização estabelece critérios mais impessoais,
garantindo um progresso maior do negro
• Grande parte dos não-brancos vive na parte subdesenvolvida no Brasil, onde as
oportunidades econômicas e educacionais são menores
• As diferenças não explicadas pela questão geográfica são explicadas pela
questão social
• A discriminação educacional, juntamente com a discriminação racial exterior ao
sistema educacional, atuaram para produzir a exclusão virtual dos não brancos
das escolas secundárias e universidades

Consequências raciais do caráter discriminatório da educação

• A cor da pele afeta o desempenho e o tempo de permanência na escola


• O retorno de anos adicionais de estudo em ganhos ocupacionais e de renda tende
a ser menor para não-brancos
• A expansão do ensino de base não se reflete na expansão do ensino universitário

Resumo em texto

Em seu texto, Hasenbalg reafirma a tese de Florestan Fernandes de que a


diferença entre brancos e negros no Brasil é uma herança escravista, mas acredita
que não seja a explicação completa para o fenômeno. Para esse autor, além do
fardo histórico, os negros passaram a sofrer outras formas de discriminação ao
longo do tempo, como o menor acesso ao ensino ou a desigualdade salarial. Dessa
forma, os não brancos são expostos a um ciclo de desvantagens cumulativas e que
não conseguem ser resolvidas apenas ao se resolver o problema de desigualdade
social, como se acreditava no passado.
Como já abordado, uma das principais formas de discriminação entre brancos
e não brancos é o sistema educacional brasileiro. Sistema esse que, a despeito do
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que ocorreu na Europa, não se preocupa em formar cidadãos politicamente
competentes, mas sim é usado para controlá-los. Assim, vê-se que tal sistema tem
um caráter utilitarista, sempre preocupando-se em formar o indivíduo para a etapa
seguinte, sem dar o devido valor à formação da pessoa como parte da sociedade.
Além de tal caráter controlador e utilitarista, o ensino no Brasil é elitista e
discriminatório. Até hoje, ter um diploma de ensino superior é considerado um sinal
de status e, quanto maior o nível educacional, maior a discriminação sofrida por não
brancos.
Essa discriminação leva a sérias consequências, que podem ser percebidas
pelos dados coletados por Hasenbalg em sua pesquisa, que sustentam as hipóteses
de que a cor da pele afeta o desempenho e o tempo de permanência na escola; de
que o retorno de anos adicionais de estudo em ganhos de renda é menor para não
brancos e, finalmente, que a expansão do ensino básico não se reflete na expansão
do ensino universitário.
Dessa forma, pode-se ver que as diferenças entre brancos e não-brancos se
refletem fortemente no meio educacional e profissional. Em algumas regiões, como
o sudeste, as diferenças raciais são menores principalmente devido à
industrialização, que estabeleceu critérios mais impessoais para a contratação de
funcionários. Contudo, é inegável que as diferenças entre brancos e negros
persistem e algo há que ser feito.
A redução da desigualdade demanda políticas focadas nos grupos menos
favorecidos. Nesse caso em particular, por exemplo, a política de cotas raciais tem
garantido o acesso aos negros nas universidades, segmento que sempre foi
dominado por brancos. Assim, vê-se a necessidade de ampliação das políticas
focadas em detrimento das políticas universais.

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RAÍZES DO BRASIL

• Sérgio Buarque de Holanda


• O Estado existe para garantir o interesse público
• Contexto: país rural, cujo principal produto de exportação ainda é o café
• Abordagem: refletir sobre o presente olhando as origens da sociedade

A herança rural

• Sociedade colonial: essencialmente agrária, as cidades dependeram das


propriedades agrícolas essencialmente até a independência e a política era
monopolizada pelos fazendeiros
• Independência: país escravocrata adota preceitos do liberalismo, o que gera
contradição
• Valores de igualdade, liberdade e fraternidade em um país essencialmente
escravocrata, patriarcal e personalista
• Como esperar transformações profundas em país onde eram mantidos os
fundamentos tradicionais da situação que se pretendia ultrapassar
• Com a ascensão dos centros urbanos no século XIX, ganham relevância
atividades relacionadas à atividade política e burocrática, que foram exercidas
pelos donos de engenho
• Manteve-se a mentalidade relacionada à vida rural e à formação brasileira dada
principalmente por famílias, de forma que a família patriarcal forneceu o modelo
de relação entre governantes e governados no espaço público
• Relações políticas são constituídas à semelhança da família patriarcal: vínculos
biológicos, afetivos e sentimentais predominam sobre interesses e ideias iguais
• Administração pública marcada pelo patrimonialismo - a figura masculina é
central e ele tem poder sobre os outros membros - (pouco permeável à
ordenação impessoal) e oposto à administração burocrática - burocracia como
uma administração com um fim definido
• Patrimonialismo: não saber separar o público do privado, levando à confusão
• Desenvolvimento do Brasil criou uma burguesia citadina dependente do campo,
com as funções exercidas pela massa dos antigos senhores rurais

O homem cordial

• Homem cordial é a expressão comportamental e psicológica que predomina na


esfera pública
• Aqueles que foram formados no ambiente familiar patriarcal tinham dificuldade de
compreender as diferenças entre o público e o privado
• Para o funcionário “patrimonial” a gestão política se apresenta como assunto de
interesse particular, o que não deveria acontecer no Estado burocrático
• Há oposição entre a esfera familiar (privada) e a estatal (pública)
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• Necessária a submissão dos interesses privados ao interesse público
• Substituição dos laços de sangue e afeto por relações impessoais baseadas na
lei escrita e em valores abstratos (por exemplo, igualdade)
• Patrimonialismo: dificuldade para distinguir o público do privado dada a
transposição da família patriarcal para o espaço público

Homem cordial

• Virtudes como hospitalidade e generosidade tem origem no meio rural e patriarcal


do período colonial
• Homem cordial é aquele indivíduo que não consegue separar o público do
privado, que não consegue entender que a vida no Estado burocrático deve ser
impessoal e não pessoal
• Brasileiro é conhecido como homem cordial pois isso reflete sua pessoalidade e
informalidade nas relações
• Homem cordial, aquele que se orienta pela emoção e não pela impessoalidade,
por uma ética de fundo emotivo
Mnemônico: InForPeTimi
• Informalidade
• Aversão à impessoalidade, à distância
• Dificuldade para apoiar-se em si mesmo: a parcela social é o que mais importa
• Criar intimidade, familiaridade
• Religiosidade frouxa: exemplo do católico não praticante

Problemas do homem cordial

• Incompatibilidade entre os valores liberais-democráticos, que propõe decisões


racionais, e o "cordialismo"

Resumo em texto

O Brasil foi colonizado majoritariamente por famílias portuguesas. Assim,


estabeleceu-se uma sociedade colonial patriarcal e baseada na família. Os cargos
públicos eram monopolizados por fazendeiros, o que faz com que os valores da
família fossem transplantados para a esfera pública. Por conta disso, Sergio
Buarque defende que há, na mente do brasileiro, uma relação patrimonialista, ou
seja, uma confusão entre o público e o privado.
Assim, a família patriarcal forneceu o modelo de relação entre governantes e
governados no espaço público. As relações políticas são construídas da mesma
forma que na família patriarcal, ou seja, prevalecem vínculos biológicos, afetivos e
sentimentais em detrimento do alinhamento de ideias e das relações impessoais.
O impacto dessa dificuldade em separar o público do privado tem efeitos
também na forma como o brasileiro se comporta na esfera pública. Sergio Buarque
cunhou o termo homem cordial justamente para definir tal comportamento. Assim, o
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homem cordial é aquele que não consegue separar as esferas pública e privada e
entender que, no espaço público, as relações devem ser impessoais.
O homem cordial, pelo contrário, prefere orientar-se por uma ética de fundo
emotivo. Isso se reflete em sua forma de agir, que é bastante avessa à formalidade,
à impessoalidade e tem uma necessidade intensa de criar intimidade com seu
interlocutor.
Essa forma “cordial" de agir traz consigo problemas, uma vez que é
incompatível com os valores liberais-democráticos que propõe decisões devem ser
racionais e pensadas para o bem coletivo, não emocionais e direcionadas ao
engrandecimento próprio.
Em suma, essa confusão entre as esferas púbica e privada que ocorre no
Brasil por uma herança da família colonial pode ser exemplificada pelos diversos
casos de desvios de verbas públicas em benefício próprio, como o ocorrido no
escândalo da Petrobras.

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CARNAVAIS, MALANDROS E HERÓIS

Texto de Roberto Da Matta

“Sabe com quem está falando?”

• “Sabe com quem está falando?”: ritual social intimamente arraigado no brasileiro
• Expressão usada para estabelecer o lugar de cada um socialmente (carteirada)
• Presente na prática social, mas excluídos da composição da nossa identidade/
auto-imagem (povo ordeiro, pacífico, simpático)
• Não entra na nossa auto-imagem porque isso revela conflito, e os brasileiros
são contrários ao conflito. Desordem é vista negativamente
• Revela o autoritarismo presente nas relações sociais e indica conflito, algo
execrado na sociedade brasileira (contrária à visão de povo ordeiro e acolhedor)
• Revela uma sociedade hierarquizada, preocupada com o lugar de cada um
• Naturalização das posições sociais: considerar a hierarquia como algo normal
e que deve ser mantida
• Igualdade apenas na teoria, não da prática das relações sociais
• Entre nós, o conflito é a expressão de revolta individual e não sintoma de crise no
sistema
• O conflito é circunscrito em termos de personalidade: as pessoas enxergam os
conflitos a partir do seu próprio ponto de vista, sem considerá-lo como sintoma
do que acontece com a sociedade de maneira geral
• Resolve-se individualmente preservando-se as estruturas
• Similar ao racismo à brasileira: em certas situações, todos se revelam racistas ou
defendem a resolução autoritária dos conflitos
• Assim como o racismo, temos vergonha de assumir que usamos o “sabe com
quem” para marcar hierarquia, tirando isso da auto-imagem do brasileiro
• Exemplo das pessoas contrárias à greve
• Uso do "você sabe com quem…”: defesa da posição social, manutenção da
hierarquia, colocar alguém em seu lugar: pode ser usado por todos
• Hierarquia social baseada mais na “intimidade”, na esfera das relações pessoais.
Inibe os conflitos e a diferenciação social baseada nas posições econômicas
• Sistema social brasileiro: esqueleto hierárquico convivendo com os ideais
igualitários da democracia liberal
• “Hierarquização que diferencia os iguais”
• Dominado identifica-se com o dominante
• Ética vertical (identificação com superiores) em lugar de uma ética horizontal
(mesmo nível hierárquico) - resolução de conflitos na base pessoal
• “Sabe com quem”: expressa o domínio da relação pessoal, em contraste com o
domínio da esfera pública, marcado pelas regras gerais e impessoalidade

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Resumo em texto

A sociedade brasileira apresenta-se, ainda hoje, extremamente hierarquizada,


a despeito do que o nativo gosta de expor. Nós, brasileiros, tendemos a evitar
conflitos e deixar de lado o senso de hierarquia que há em nossa sociedade quando
construímos nossa auto-imagem de um povo pacífico, simpático e ordeiro.
Contudo, em situações nas quais nossa forma cordial de agir ou mesmo o
"jeitinho" não conseguem sanar os problemas, deixamos transparecer esse viés
autoritário e marcado pela hierarquia social.
Hierarquia essa que é baseada na intimidade e fica mais restrita às relações
pessoais, sendo usada por qualquer indivíduo. A partir de frases como “você sabe
com quem está falando?”, a famosa “carteirada”, o brasileiro deixa transparecer o
lugar de cada um socialmente.
Apesar disso, poucos reconhecem a sociedade hierarquizada em que
vivemos, uma vez que esses padrões existem há muito tempo, sendo originários da
família patriarcal colonial. Assim, pode-se dizer que houve um processo de
naturalização e que o uso desse tipo de expressão é até mesmo um ritual social
intimamente arraigado no brasileiro.
Além disso, o brasileiro tende a trazer o conflito para a esfera pessoal,
analisando-o a partir do seu próprio ponto de vista, sem considerá-lo um sintoma de
um problema maior que afeta toda a comunidade.
Em suma, o uso de carteiradas é uma demonstração do caráter hierárquico
da sociedade brasileira, que é trazido à tona quando a cordialidade e o “jeitinho" não
são capazes de sanar o problemas.

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O JEITINHO BRASILEIRO

• Texto de Lívia Barbosa

Navegando em águas brasileiras: o mapa social do jeitinho

• Jeitinho: uso universal da forma de resolver um problema ou situação proibida


(paralegal) - improviso
• O jeitinho transita entre uma situação legal e ilegal
• Jeitinho está posicionado entre o favor e a corrupção
• O que caracteriza a passagem de uma categoria para outra é muito mais o
contexto e o tipo de relação entre as pessoas envolvidas do que, propriamente,
uma natureza peculiar a cada uma
• Favor (positivo): dívida, forte reciprocidade, estabelece hierarquia pois cria-se
uma dívida, sem transgressão
• Jeitinho (ambíguo): reciprocidade entre iguais, geralmente entre pessoas sem
intimidade, sem hierarquia, transgressão - última hora
• Positivo quando é visto para burlar uma burocracia vista como desnecessária
e que prejudica o cidadão
• Corrupção (negativo): não respeitar efetivamente a lei. Linha tênue entre favor,
jeitinho e ilegalidade
• Separadas no discurso, confusas na prática: cervejinha, gorjeta, acreditar que
pouco dinheiro não caracteriza corrupção
• Burocracia: espaço primordial do uso do jeitinho no Brasil (contra a rigidez e o
formalismo excessivo)
• Autora acredita que o problema não seja a burocracia, mas sim a origem do
jeitinho, que veio do modelo da família patriarcal (relação com SBH), que
forneceu o modelo para todas as relações
• Onde é difícil dar jeitinho: ambientes/relação nos quais contato pessoal não é
possível
• Sucesso do jeitinho:
• Gênero dos interlocutores (sedução)
• Modo de falar (ser bom de papo, ter lábia, humildade)
• Ressaltar a não importância do status social: "Sabe com quem…”
• Quando o jeitinho falha, usa-se o “Sabe com quem…"
• Técnica do jeitinho: homem cordial (envolver emocionalmente o interlocutor,
pessoalidade e ênfase nas relações pessoais)
• Jeitinho é visto pelo brasileiro como uma forma de lutar contra a burocracia
• Malandro: personagem típico do jeitinho
• Ambiguidade entre honesto e marginal
• Francisco de oliveira: “Jeitinho e Jeitão”: prática que iniciou-se nas elites/classes
dominantes e foi disseminada para as massas, não o contrário
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Conexão entre os três textos

• Sergio Buarque: predomínio da família patriarcal que foi o modelo de todas as


relações na esfera pública: afeto, pessoalidade, tendendo a afetar a igualdade e a
impessoalidade. As regras se aplicam a todos. Como trazemos essa carga da
pessoalidade, tentamos trazer a pessoa pro campo afetivo.
• O jeitinho é uma expressão da cordialidade
• O sabe com quem está falando é quando a cordialidade funciona pelo lado
negativo, do conflito. Agir com o coração não necessariamente precisa ter um
caráter positivo, pode ser com antipatia, que é o sabe com quem está falando
• Quando falha o jeitinho, entra o você sabe com quem está falando

Resumo em texto

A forma tipicamente brasileira de resolver problemas ou situações proibidas


ficou conhecido como “jeitinho”. Lívia Barbosa defende que essa forma de agir está
localizada num ponto bastante nebuloso no espectro de legalidade e ilegalidade,
estando, em cada situação, mais próximo de um dos lados.
Por conta desse posicionamento bastante tênue entre legalidade e
ilegalidade, a classificação na prática é bastante confusa. Não é fácil determinar até
que ponto oferecer uma cervejinha ou um cafezinho é juridicamente legal.
Socialmente, é também uma solução intermediária que está entre o favor e a
corrupção. Enquanto o primeiro extremo é caracterizado por um forte caráter de
reciprocidade e dívida, sendo realizado comumente entre conhecidos, o jeitinho é
marcado por uma reciprocidade entre iguais e geralmente sem intimidade ou relação
hierárquica. Assim, o que define a passagem de uma categoria para outra é
essencialmente o contexto e a relação entre os envolvidos.
O espaço burocrático é o principal ponto de uso do jeitinho, que é tido pelo
brasileiro como uma forma de lutar contra a rigidez do sistema e o formalismo
excessivo. Contudo, não se pode dizer que, com o fim da burocracia, também seria
o fim do jeitinho, uma vez que ele está completamente inserido na nossa sociedade
desde a sua origem, com a família patriarcal colonial que forneceu o modelo cordial
para as relações.
Assim, o jeitinho materializa-se por meio do homem cordial, ou seja, o
praticante da ação busca aproximar o interlocutor de seus problemas e envolvê-lo
emocionalmente. A fim de garantir maiores chances de sucesso, lança mão ainda de
artifícios como a sedução e a alteração da forma de falar.
Contudo, quando o jeitinho não se mostra eficaz para a solução de
problemas, o brasileiro costuma trazer à tona o caráter hierárquico de nossa
sociedade, utilizando carteiradas como "você sabe com quem está falando?” para
tentar atingir seus interesses.

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