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FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÂNEO (CAIO PRADO JÚNIOR, 1942)

O livro Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior faz um retrospecto no período de
colonização do Brasil. O livro analisa o sentido da Colonização; o povoamento; a vida Material; e a vida social.
Em linhas gerais o autor expõe no livro “Formação do Brasil Contemporâneo” de forma clara e contundente
que o sentido da colonização é nada mais que fornecer bens agrícolas tropicais para serem comercializados
no exterior. Os argumentos desenvolvidos na obra complementam e remetem ao capítulo, “O sentido da
colonização”, que estaria nos três séculos de exploração metropolitana, nos fins mercantis e no povoamento
necessário para a organização de gêneros tropicais rentáveis para o comércio.
A colonização do Brasil fez surgir uma sociedade original, baseada numa empresa do colono branco, de
caráter mercantil, para produção de gêneros de grande valor comercial, com trabalho de indígenas ou negros
africanos. Toda a sociedade e suas forças foram moldadas, ao longo da colonização, para atender a tal
objetivo metropolitano. Constituindo, portanto uma sociedade voltada para o mercado externo, com bases
sociais internas frágeis como explicita o autor quando relata o processo de estruturação da sociedade
brasileira até se chegar à nossa atual sociedade. Nas palavras de Caio Prado, não se tratava de organizar
uma colonização de povoamento e sim “a produção de gêneros que interessavam o seu comércio”. Tem-se
então uma colônia de exploração, e não de povoamento.
“Tudo que se passa são incidentes da imensa empresa comercial a que se dedicam os países da Europa
a partir do séc. XV, e que lhes alargará o horizonte pelo Oceano afora. Não têm outro caráter a exploração da
costa africana e o descobrimento e colonização das Ilhas pelos portugueses, o roteiro das Índias, o
descobrimento da América, a exploração e ocupação de seus vários setores”. (pag. 20-21)

O conjunto sobre o pensamento da obra de Caio Prado sobre o período colonial é fundamental e para
muitos críticos de sua obra se constitui a base de uma interpretação marxista que propõe uma nova visão de
História. A História do Brasil é a História da produção de bens materiais para o consumo externo. Na obra
Formação do Brasil Contemporâneo está presente o materialismo histórico (teoria de Marx).Prado faz uma
análise em seu livro sobre forças orgânicas e inorgânicas, sendo que as forças consideradas orgânicas ao
sistema são as forças ligadas ao latifúndio a grande propriedade e a escravidão. Já as forças que deveriam
portar a construção da nação são inorgânicas ao sistema.
A visão geral acerca do Brasil e da superação no sentido da colonização que Caio Prado oferece é
extremamente atual. Não cabe apenas dialogar com a própria obra em relação ao período colonial que é sem
dúvida brilhante justamente no que se baseia na visão materialista dialética da nossa própria realidade.
A colonização é um momento da história do Brasil relacionada aos grandes descobrimentos marítimos,
que se encaixam por sua vez na história do comércio europeu. Todas as políticas conquistadoras e
colonizadoras dessa época têm em comum o caráter comercial: é sempre desejando o tráfico de mercadorias.
Deste modo Caio Prado conseguiu mostrar os limites que as classes dirigentes impuseram para o
desenvolvimento do Brasil enquanto nação.
“desbrava-se o solo e instala-se nele o aparelhamento material necessário, e com isto se organiza a
produção. (...) O senhor de engenho ou o fazendeiro seria um “explorador, o empresário do grande negócio, o
dirigente, e, sendo eles das primeiras levas, são de origem ‘nobre ou fidalga’”. Dado a falta de braços e a não
emigração, o trabalho escravo tornou-se necessário” (PRADO JR., 1994).

A servidão involuntária e a existência da escravidão no nosso período colonial impediram o florescimento


de uma produção capitalista, que é caracterizada por muitos autores que fazem críticas ao pensamento de
Caio Prado no que tange a sua condição de marxista, assim o autor esclarece,
“A transformação do latifúndio feudal em exploração capitalista só teria sentido na Europa e na Rússia
czarista, onde o senhor perde privilégios e se torna mero proprietário, condição peculiar que coadunará os
interesses da burguesia e dos camponeses na disputa pela propriedade. Substituísse o senhor feudal pelo
camponês capitalista. Isso seria Reforma Agrária como parte de uma revolução democrático-burguesa.”
(PRADO, 1994, p. 59)

Condição necessária e imprescindível para um sistema capitalista é a existência de mão-de-obra


assalariada, ou seja, trabalhadores formalmente livres, o que não houve durante esse período, como assim
exposto em seu livro:
“Assentado em grandes propriedades, na monocultura e no trabalho escravo, do ponto de vista
internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial destinada a
explorar recursos naturais. “(...) nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, (...); mais tarde ouro e
diamantes; depois algodão, e em seguida café para o comércio europeu.” (PRADO JR., 1961,p. 252-256)

Toda a acumulação realizada nesses países, em especial Portugal em relação ao período de exploração
da colônia foi primitiva e não capitalista. Alguns autores apontam e a conceituam como co-relacionada ao
período feudal.
A formação colonial era pré-capitalista com elementos feudais, a escravidão era uma revitalização da
Antiguidade Clássica e da Idade Média, sem terem sido extintas até o século XVII. A estrutura social foi
estamental, onde, seguindo a analogia do corpo, a cabeça era composta pelos senhores de engenho,
fazendeiros e prelados, os braços armados, pelos feitores e toda organização repressiva mantenedora da
ordem social, e a mão-de-obra era composta de escravos e homens de ofício (artesãos, mecânicos, etc.). O
poder nascia mais da terra do que do mercado, as relações eram mais políticas e de violência armada do que
monetária (econômica). Os portugueses eram mais aventureiros, traficantes e senhores soberanos
estamentais de terra do que empresários dirigentes e empreendedores comerciais ou capitalistas.
(Hirano,1989, p. 256)
O passado colonial do Brasil, cuja razão de ser era a produção em larga escala visando o mercado
externo, com sua necessária dependência do trabalho escravo está profundamente impresso nas instituições
econômicas, políticas e sociais de hoje. A sociedade era essencialmente agrária e acima de tudo o que
caracteriza a sociedade brasileira de princípios do século XIX, é a escravidão.
O autor ressalta que durante esse período a classe explorada mantinha suas necessidades básicas
minimamente, sendo que a vida social se restringia às festas religiosas. O alto lucro que gerava levou à prática
do tráfico de escravos africanos. Em relação à constituição do povo brasileiro, Caio Prado aponta três “raças”:
brancos, indígenas e os negros africanos.
Dentre os objetivos que o autor ressalta sobre a administração da Coroa, seriam o de acompanhar e
auxiliar o desempenho das capitanias, estimular posteriormente o desenvolvimento da produção de cana de
açúcar, sendo uma de suas prioridades econômicas após a queda da exploração do ouro e diamante.
A indústria açucareira colonial, sem algum tipo de tecnologia era estruturada em sistema de latifúndios,
num regime de monocultura, movido essencialmente por mão-de-obra escrava, sendo que esta era a
predominante, tendo-se em vista que inicialmente os escravizados eram os indígenas para posteriormente ser
composta pelos escravos de origem africana.
O autor cita a necessidade da Coroa no povoamento, fundando vilas. Cita ainda que como resultado da
ocupação holandesa e com o processo de formação da industrialização foi sendo necessária a criação de
centros de estudos para a corte portuguesa e a aristocracia rural brasileira, surge assim ainda que
timidamente uma pequena classe composta por poucos advogados no Rio de janeiro, arquitetos, médicos,
pintores e teólogos que vieram para a Colônia. Aos poucos foi acontecendo o processo de urbanização da
colônia, ainda que com pouquíssimas ruas com calçamento.
A necessidade de independência da colônia partiu, sobretudo com diversas manifestações da sociedade
que, no entanto eram reprimidas de forma violenta. Mais o autor expõe de forma subjetiva que de certa forma
a Independência do Brasil começou com a vinda da família real portuguesa.
Modelada nos ideais franceses e ingleses e com influência da Constituição portuguesa, a Constituição de
1824 trazia como principais pontos um governo monárquico hereditário, o catolicismo como religião oficial
imposta, a submissão da Igreja ao Estado e o voto aberto e censitário. Havia as eleições indiretas que eram
compostas por eleitores das paróquias e das províncias. O poder executivo era exercido pelo Imperador e
seus ministros e o judiciário era composto pelo Supremo Tribunal de Justiça. O legislativo era exercido pelo
Assembléia Geral sendo que o poder moderador era exclusivo do Imperador. Ao outorgar a constituição de
1824, D. Pedro I conseguiu descontentar todos os setores da sociedade brasileira.
Em virtude do caráter mercantil inicial, não há preocupação com o povoamento. O objetivo é somente as
atividades mercantis imediatas (comércio de produtos já existentes e de fácil obtenção, inicialmente), o que a
América portuguesa não poderia proporcionar naquele momento, pois implicava em gastos em montagem de
um sistema produtivo, já que o continente nada oferecia para comércio imediato.
Além disso, a Europa não possuía excesso populacional que viabilizasse a colonização. O que se tem
são, inicialmente, simples feitorias que praticam escambo com indígenas e defendem a terra. O grande
processo colonizador virá com a queda do comércio com as Índias e a necessidade de gerar novas fontes de
riqueza. A idéia de povoar surge então da tentativa de promover atividades econômicas que gerassem lucros
à Metrópole, sendo também capaz de abastecer e manter as feitorias encarregadas desse processo e
defender a área. Em relação às outras nações européias, Portugal foi pioneiro nisso. Mas, perdeu sua posição
de maior potência colonial para ingleses e franceses, com o desenvolvimento destes nos séculos seguintes.
Corroborando o que já foi explicitado sobre o pensamento do autor “se vamos à essência da nossa
formação, perceber-se-á que o país se constituiu para fornecer açúcar, tabaco e outros gêneros; ouro e
diamantes; algodão e depois café para os mercados externos”. (PRADO p. 117). Isso caracterizou a colônia
ao longo de três séculos, dispondo de todas as estruturas e atividades sociais e econômicas para seu
desenvolvimento.
O resultado final é que nossa sociedade e economia são moldadas em função desse sentido, o qual se
prolonga e se faz notar na nossa evolução até o momento em que o livro foi escrito (1942). Como decorrência
desse processo de exploração nos resta uma economia pautada na pobreza e na miséria, como expõe o
próprio autor:
“Numa palavra, e para sintetizar o panorama da sociedade colonial: incoerência e instabilidade no
povoamento; pobreza e miséria na economia; dissolução nos costumes; inércia e corrupção nos dirigentes
leigos e eclesiásticos. Neste verdadeiro descalabro, ruína em que chafurdava a colônia e sua variegada
população...” (PRADO. p. 353-354)
Destarte, o sentido da colonização brasileira reflete o método de produção e organização da sociedade aí
formada. O poder sempre esteve concentrado nas mãos de oligarquias rurais que mantinham seus privilégios
e estrutura econômica favorável, a despeito de toda a população rejeitada e explorada pelo sistema.
“A colonização produziu seus frutos quando reuniu neste território imenso e quase deserto, em 300 anos
de esforços, uma população catada em três continentes, e como ela formou bem ou mal, um conjunto social
que se caracteriza e identifica por traços próprios e inconfundíveis; quando devassou a terra, explorou o
território e nele instalou aquela população da Europa, caixas de açúcar, rolos de tabaco, fardos de algodão,
barras de ouro e pedras preciosas...” (PRADO p. 354)

É possível se fazer uma análise histórica que o nosso sistema produtivo esteve e está sempre voltado
para o mercado externo, e não para a satisfação da população interna; em poucos momentos de nossa
História o povo teve uma participação política ativa, que pudesse transformar a sociedade e suas estruturas.
Passamos a sofrer a colonização inglesa, que passou a comandar o nosso funcionamento como país. E
sem essa atuação do que o historiador chama como citado anteriormente de “setor inorgânico” colonial nunca
constituiríamos uma nação, na visão de Caio Prado.
A obra transmiti uma visão crítica das origens coloniais do Brasil e do seu legado à nação. Divergindo
daqueles que entendiam o período colonial em termos equivalentes ao feudalismo na Europa, Caio Prado Jr. o
situa no processo de expansão ultramarina européia resultante do capitalismo mercantil.
“Quem percorre o Brasil de hoje fica muitas vezes surpreendido com aspectos que se imagina existirem
nos nossos dias unicamente em livros de história; e se atentar um pouco para eles, verá que traduzem fatos
profundos e não são apenas reminiscências anacrônicas”. (PRADO p. 11-12)

As conclusões sobre o passado colonial contêm as contradições latentes que se expressam quando se
manifesta sobre questões políticas contemporâneas. O autor questiona criticamente a política de exploração
da Coroa portuguesa que de forma racional a mesma deveria ter outro tipo de política inclusive para estimular
a produção de técnica ou estimular uma maior racionalidade dos recursos naturais.
Em resumo, o Brasil, sua conquista territorial e colonização, são partes do grande movimento engendrado
pelo capital mercantil, graças às descobertas e avanços tecnológicos com que se aceleram e se
internacionalizam as navegações e, depois, as comunicações. Foi um vasto empreendimento comercial, sem
maiores preocupações em construir uma sociedade unitária e integrada. Espécie de empresa de exploração
do que é apenas extrativismo comercializável até a grande agricultura de exportação capaz de atender aos
interesses europeus de consumo.
Esse condicionamento confere à colônia portuguesa nas Américas cumprir o papel de simples
fornecedora de produtos tropicais para os mercados europeus. Porém, transcende a instância política do
Estado absolutista português, para identificar-se com a própria vida da sociedade colonial que se transforma
em sociedade nacional após a Independência política em 1822. Mas permanece o estatuto colonial que nos
inferioriza e nos constrange nas tentativas de rompimento.
Caio Prado Júnior caracteriza o Brasil como uma feitoria da Europa, cuja evolução econômica de colônia,
alternando fases de prosperidade com fases de aniquilamento total, instaurou com isso um longo processo
ainda em pleno desenvolvimento de busca de maior autonomia relativa.

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