Você está na página 1de 4

FRAGOSO, João.

“A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua


primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII)”. In: ____________; BICALHO,
Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O Antigo Regime nos
trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001, pp. 30-71.

João Luís Ribeiro Fragoso, ganhador dos prêmios: Prêmio Arquivo Nacional de
Pesquisa (1o. lugar - 1991); Comenda da Ordem do Mérito Científico - Presidência da
República (2010) e Prêmio Jabuti - Ciências Humanas (1o. lugar - 2015), possui
graduação em História Social através da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979),
mestrado em História Social (com ênfase em História Agrária do Brasil) pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1982) e doutorado em História Social
(sociedades agrárias na época moderna), também, pela Universidade Federal Fluminense
(1990). Desde 2005, é professor titular da UFRJ e tem experiência na área de História
Moderna, com ênfase em História do Brasil Colônia, atuando principalmente nos
seguintes temas: império português, escravidão americana, Antigo Regime e elites
econômicas e sociais.
O capítulo 1, “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua
primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII)”, do livro “O Antigo Regime nos trópicos:
a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII)”, inicia comentando sobre o
crescimento do mercado internacional, favorecido pelo açúcar, no Brasil colonial, que
contribuiu para a economia do plantation no recôncavo da Guanabara.
O século XVII foi um século bastante benéfico para a economia açucareira, o Rio
de Janeiro, por exemplo, possuía seiscentos engenhos de grande porte e estava voltado,
também, para a exportação do produto. De modo geral, foi um período em que os preços
do açúcar, no mercado internacional, estavam muito bons, mas, apenas, isso não bastou
para o desenvolvimento de uma economia de plantation.
Em seguida, aborda que o início da montagem da sociedade colonial no Rio de
Janeiro se dá em um ambiente caracterizado por uma viragem estrutural do Império
ultramarino português. Toda a sociedade do Antigo Regime português dependia, direta e
indiretamente, do império comercial e, ao longo do século XVI, a Coroa encontrava-se
em uma crise profunda de alimentos, fome, mortes, além de ter ocorrido um boom
demográfico em relação ao século anterior. Portanto, as décadas iniciais do Rio de
Janeiro colonial foram marcadas por um Império e uma metrópole deficitários. Porém,
foi neste contexto que se deu a acumulação primitiva da economia de plantation. Sobre
essa conjuntura, o autor descreve: Ambiente que fica ainda mais angustiante, ou mais
interessante, quando passamos para as origens dos conquistadores cujos descendentes
se transformaram nas melhores famílias da terra, ou seja, converteram-se em senhores
de engenhos. Alguns desses conquistadores vieram do norte de Portugal e das ilhas do
Atlântico; outros, antes de chegarem ao Rio, passaram primeiro por São Vicente. No
século XVI, ás pressões demográficas sobre a terra e as fomes recorrentes
transformaram a região de Entre Douro e Minho numa área caracterizada pela
contínua “fuga de gentes”. Fugas, primeiro para as ilhas do Atlântido e, depois, em
função das dificuldades econômicas e sociais, para outras partes, em especial o Brasil
(Rodrigues, 1993, pp. 197-270; Vieira; 1992, pp. 133-2031). Quanto a São Vicente,
sabe-se que a capitania, em finais dos quinhentos, não era o melhor exemplo de riqueza
e prosperidade, ou ainda não havia se transformado no “celeiro do Brasil”, cultivado
por vastos plantéis de gentios da terra (Monteiro, 1994, pp. 57-128). [...] Curiosamente,
talvez só São Vicente tenha fornecido ao Rio um grupo de conquistadores cuja origem
era de uma elite social, porém local. [...] Oriundos, portanto, de algumas das melhores
famílias vicentinas da época todos estavam também ligados à procura de metais e ao
comércio de gentios da terra (Franco, 1989, pp. 58-59), Por conseguinte, seriam esses
homens que fogem da pobreza, procedentes da pequena fidalguia ou egressos da elite,
de uma capitania pobre, que dariam origem às melhores famílias do Rio de Janeiro.
A explicação que não é dada é a de como a montagem da economia de plantation
da Guanabara foi custeada. Contudo, com a descoberta de que 17 das 26 famílias de
conquistadores do Rio eram de São Vicente e, ao decorrer do século, originaram quase
50 famílias com engenhos, desconfiou-se de que parte dessa elite senhorial tinha
envolvimento com os bandeirantes, aprisionando índios. O que, além de ter fornecido
mão de obra aos primeiros engenhos da Guanabara, contribuiu para o acúmulo de
recursos para a primeira elite senhorial do Rio. O pior dessa história é que não eram,
somente, os vicentinos e seus familiares que exerciam tal domínio, mas também,
conquistadores de diferentes procedências que se transformaram em proprietários de
engenhos.
Além do aprisionamento, o tráfico negreiro, também, foi fonte de acumulação de
riqueza para os engenhos da Baía de Guanabara. Isto é, inicialmente, os conquistadores
apreendiam os índios para vendê-los e, posteriormente, prosseguiram com o tráfico de
escravos. O que também se perpetuou na segunda metade do século XVIII, período o
qual a economia plantation já estava funcionando.
Portanto, observa-se, sempre, uma economia baseada em uma hierarquia social
marcada por diferença de “qualidades”, ou melhor, descrevendo, marcada por diferença
de “raças”. Os indígenas e os africanos eram tidos como mercadorias, produtos.
Além desses empreendedorismos, a própria produção de alimentos e da cana
serviu como acúmulo de riquezas para a constituição da economia do plantation.
Destacando o estudo de Fragoso, Portanto, as futuras famílias senhoriais
estavam presentes em diferentes atividades econômicas - apresadores de índios,
comerciantes, lavradores etc. - ou ainda exerciam várias destas atividades
simultaneamente. [...] Em outras palavras, mas também apresentando novos números
das 197 famílias senhoriais conhecidas para o século XVII, 89 (ou 45,2%) tiveram
origem em um oficial ou ministro do rei (governadores, provedores da fazenda, capitães
de infantaria, etc.). Destas 89 famílias, 73 foram constituídas entre 1566 e 1620;
portanto, além de descenderem dos oficiais de Sua Majestade eram também
conquistadores e primeiros povoadores do recôncavo da Guanabara.

A partir dessas famílias, que eram caracterizadas como “as melhores famílias da
terra” e que mantiveram seus engenhos, seu reconhecimento por um tempo longínquo,
observa-se o sistema econômico delas favorecido por parte do Antigo Regime
português, já que eram descendentes do rei. Como também, por parte de três práticas
originadas da antiga sociedade portuguesa, são elas: as conquistas/guerras, que
significavam conquistas de homens e terras de baixo custo, a administração real, que
dava a essas famílias benesses, em nome do rei, e outras mercês, e o domínio da câmara,
organização que concedia a essas famílias a possibilidade de intervenção no dia a dia da
nova colônia.
Explicando o sistema de mercês, basicamente, era uma prática da antiga
sociedade portuguesa, que teve origem na guerra de Reconquista contra os muçulmanos
em Portugal no período medieval e consistia no recebimento, por parte da aristocracia,
de terras e privilégios como forma de recompensa de serviços prestados à coroa, isso era
concedido pelo rei. Porém, no Brasil, essa prática de mercês não era algo realizado,
somente, com os aristocratas, pois se estendia, também, a outras pessoas que tivessem
prestado algum serviço para o rei. Já o sistema de benesses correspondia ao uso de
postos concedidos pela Coroa, para fins menos nobres do que servir ao rei. Então, esses
postos possibilitavam o acúmulo de fortunas.
Por isso, o autor comenta: Para os de origem nobre os benefícios concedidos no
além-mar eram a chance de manter/ampliar terras, rendas e prestígios na metrópole.
Por meio dessas idas ao ultramar, famílias fidalgas, acumularam fortunas, com as quais
instituíram ou aumentaram morgados[...] Para alguns dos que ficaram no recôncavo da
Guanabara, a distribuição de mercês viabilizou uma acumulação de riquezas que mais
adiante. Se transformaria em engenhos de açúcar, ou melhor, na própria economia da
“plantation”.
Ainda sobre a acumulação de riquezas, além de ter sido conquistada por meio da
produção camponesa em Portugal ou da escravidão do plantation, havia, também, a
“Economia do bem comum”, um sistema de mercado imperfeito – porque era dominado
pela política, não por uma dependência, apenas, da oferta-procura –, resultado de jogos
políticos e de alianças que propiciaram benefícios da coroa e atribuições econômicas da
câmara.
Portanto, a economia do plantation não se deu em cenários favoráveis para
Portugal e seu Império e a saída para que fosse feita a agroexportação era a, já
mencionada, prática da antiga sociedade portuguesa, resumida em: conquistas de
homens e terras de baixos custos, sistema de mercês e benesses. Para isso, caberia aos
conquistadores primeiros povoadores dirigir a administração da nova sociedade nos
trópicos. Com excelência, fizeram uso dos cargos e alianças, construindo engenhos e se
transformando nas primeiras elites senhoriais do Rio de Janeiro. Além disso, criaram
uma espécie de “nobreza da República”, em que não esteve presente nenhum
descendente da primeira aristocracia do Reino. Por isso, é comum, nas “melhores
famílias” do Rio, encontrar mercadores, não de grosso trato, sertanistas, médicos, entre
outros.
Assim, concluísse, com a escrita de Fragoso, que a primeira elite do Rio de
Janeiro tinha suas bases na conquista e no mando político, na apropriação da
“economia de bem comum”, formada por bens e serviços públicos sob a jurisdição do
senado e do rei, administrados por poucos eleitos, porém custeados por todos os
colonos. Em razão destas características, tal acumulação econômica excludente tinha
como pano de fundo as disputas políticas entre diferentes redes de aliança. Por seu
turno, esse mesmo ambiente gerou um mercado também influenciado pela política, era
nele que os comerciantes, vinculados ou não às melhores famílias da terra, viviam.
Aquela nobreza e suas práticas de acumulação, com fenômenos majoritários, cederam
espaços, em algum momento do setecentos a outras relações sociais mais baseadas no
comércio, a prática de exclusão social do público (para além dos escravos) continuaria
como uma das chaves para acumulação de riquezas nas mãos de um pequeno grupo de
pessoas.
Dessa forma, o texto “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de
sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII)”, de João Fragoso, traz, além da
caracterização de como se deu a primeira elite senhorial no Rio de Janeiro, um
importante destaque para a economia do plantation, que, de fato, teve uma ligação
indispensável com a constituição dessa elite. É um texto riquíssimo para ser trabalhado
como referencial teórico em sala de aula, sobretudo, porque o autor tem formações
muito próximas do brasileiro/carioca, o que torna seu conteúdo mais atrativo e
interessante.

Você também pode gostar