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UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
DEPTO. DE TEORIA E PLANEJAMENTO DE ENSINO
DISCIPLINA: Educação e Relações Étnicorraciais na escola
PROFESSOR: Amauri Mendes Pereira

SOBRE O COLONIALISMO

Aimé Césaire (extratos do “Discurso sobre o colonialismo”)

“(...) O que é em princípio a colonização? É de convir que não é nem


evangelização, nem empreendimento filantrópico, nem vontade de fazer recuar as
fronteiras da ignorância, da doença, da tirania, nem a expansão do nome de Deus e
nem do Direito. Há que admitir, uma vez por todas, que a empresa de colonização
foi obra de uma civilização que, a um dado momento de sua história, se vê
obrigada, internamente, a estender à escala mundial, a concorrência de suas
economias antagônicas (...) Acho que a hipocrisia (do colonialismo) é de data
recente; porque nem Cortez descobrindo o México, do alto do grande teocalli, nem
Pizarro frente a Cuzco (e ainda menos Marcos Pólo frente a Cambaluc)
afirmavam ser mandatários duma ordem superior; e pilham; e têm capacetes,
lanças, cupidez. Os hipócritas só vieram mais tarde (Césaire refere-se ao
colonialismo moderno, fruto do capitalismo ) ; acho que neste campo o grande
responsável é o pedantismo cristão, por ter proposto as equações desonestas:
cristianismo=civilização e ‘paganismo’= selvageria , ás quais só poderiam seguir-se
as abomináveis conseqüências colônias e racistas que vitimaram os Índios , os
Amarelos e os Negros(...) Somos favoráveis ao contato de mundos diferentes – uma
civilização isolada se estiola (...), a grande possibilidade da Europa ( que lhe
facultou a expansão e , depois , a revolução industrial ) foi ter sido uma
encruzilhada e o receptáculo de todas as filosofias , bem coma o lar de todos os
sentimentos , o que fez dela o melhor distribuidor de energia (...) (Césaire analisa
em seguida, dentro do seu julgamento da hipocrisia do moderno colonialismo
europeu, de pretensões humanistas, as semelhanças entre os crimes
praticados pelos colonialismo e os resultantes do nazismo).(...) No fundo, o
que o burguês não perdoa a Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem,
não é a humilhação do homem em si, mas o crime o homem branco, e o fato de
Hitler ter aplicado á Europa os processos coloniais que até á altura eram usados
apenas contra os Árabes da Argélia, contra os carregadores da Índia e contra os
Negros da Áfricas (...) “Aspiramos não á igualdade , mas ao domínio . Um país de raça
estrangeira deverá ser um país de servos, de trabalhadores agrícolas ou industriais. Não
se trata de suprimir as desigualdades entre os homens, mas de aumentá-las e delas fazer
uma lei “. A citação não é de um teórico do nazismo, ou de um colonialista militante. E
de Renan, o grande “humanista e filósofo” ocidental, escrita em 1890 no seu livro ‘A
reforma intelectual e moral‘. Sieger, autor de um ensaio sobre a colonização, escrevia
em Paris, em 1907: “os países novos (da África e Ásia) são um vasto campo aberto ás
atividades individuas violentas que, nas metrópoles, chocariam preconceitos e uma
concepção prudente e sagrada de vida, mas que, nas colônias podem desenvolver-se
mais livremente e melhor afirmar, por conseguintes , o seu valor . Assim , as colônias
podem , de certa maneira , servi de válvula de escape e de segurança para a sociedade

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moderna “ . (Césaire conclui seu livro, Discurso sobre o colonialismo, escrito
em 1948, sob a emoção da tomada de consciência dos intelectuais
colonizados pela França da luta anti-colonial que se trava em seus países) “A
burguesia enquanto classe está condenada , quer queira ou não a ser culpado de toda a
barbárie da historia (contemporânea) ; das torturas (...) do escravismo (...) , em
suma ,de tudo o que ela criticou , e em termos inesquecíveis , no tempo em que , sendo
classe ascendente, encarava o progresso humano. Os moralistas nada podem contra
isso. Há uma lei de desumanização progressiva em virtude da qual, doravante, na ordem
do dia da burguesia, não há nem pode haver mais violência, corrupção e barbárie .”

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Franz Fanon. O UNIVERSO DO COLONIZADO (Extrato de Os


condenados da terra)

“O mundo colonial é um mundo dividido em compartimentos. É supérfluo lembrar as


cidades européias e cidades indígenas, como é supérfluo lembra o apartheid na África
do Sul(...) O mundo colonizado é um mundo cindido em dois. A linha divisória, a
fronteira, é indicada pelos quartéis e delegacias de polícias. Nas colônias, o interlocutor
legal e institucional do colonizador, o porta-voz do regime de opressão é o gendarme
ou o soldado (...) Nos paises capitalistas , entre o explorado e o poder interpõe-se uma
multidão de professores de moral, de conselheiros, de “desorientadores” . Nas regiões
coloniais, ao contrário, o gendarme e o soldado ,por sua presença imediata, por suas
intervenções diretas e freqüentes , mantêm contato com o colonizado e o aconselham,
com coronhadas ou com explosões de napalm, a não mexer-se. Vê-se que o
intermediário do poder utiliza uma linguagem de purê violência (...) nas colônias, a
infra-estrutura econômica é igualmente uma super-estrutura. A causa e conseqüência:
o indivíduo é rico porque e branco, é branco porque é rico (...) Não são as fábricas nem
as propriedades, nem a conta no banco que caracterizam em primeiro lugar a classe
dirigente. A espécie dirigente é, antes de tudo, a que vem de fora, a que não se parece
com os autóctones, os “outros” (...) O mundo colonial é um mundo maniqueísta (...) A
sociedade colonizada não é apenas descrita como uma sociedade sem valores (...) . O
indígena é declarado impermeável à ética: ausência de valores como também negação
de valores. É, ousemos confessá-lo, o inimigo dos valores. Neste sentido, é o mal
absoluto (...) O colono faz a história. Sua vida é uma epopéia, uma odisséia. Ele é o
começo absoluto: “Esta terra formos nós que a fizemos”, dizem eles. É a causa
contínua: “Se partirmos, tudo está perdido, esta terra regredirá à Idade Média”. O
colono faz a história e sabe que a faz. E porque se refere constantemente à história da
sua metrópole, indica de modo claro que ele aqui é o prolongamento dessa metrópole.
A história que ele escreve não é, portanto, a história da região por ele saqueada, mas a
história da sua nação no território explorado, violado, esfaimado (...) Mundo
compartimentado, maniqueísta, imóvel, mundo de estátuas: a estátua do general que
efetuou a conquista, a estátua do engenheiro que construiu a ponte” (Como diz Jean
Paul Sartre, a metrópole colonial atomiza os colonizados para unificá-los do exterior).

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Kwame N` Krumah. A Estrutura Econômica do Colonialismo (Extrato
de Neo-Colonialismo: último estágio do imperialismo)

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No palco colonial a cena abriu-se com a aparição dos missionários, os comerciantes e
administradores. Enquanto os missionários imploravam ao súbdito colonial que olhasse
para os tesouros do céu, que não corrompem, os comerciantes e administradores faziam-
se donos dos tesouros da terra. Não havia intenção de processar na região as matérias
primas descobertas. Com elas alimentavam-se as fábricas das metrópoles para voltar,
mais tarde, a exportá-las para as colônias sob a forma de mercadorias acabadas (...) O
tráfico restrito a duas direções está implícito no comércio colonial. Em suas possessões
africanas, a Grã-Bretanha controlava a exportação de matéria prima ao evitar o
embarque direto para mercados estrangeiros. Depois de satisfazer as necessidades de
sua própria indústria, vendia o excedente a outras nações e obtinha um lucro extra para
si. O camponês e o operário não tinham alguma participação nesse lucro. Tão pouco se
usava alguma parte dele para obras públicas ou serviços sociais nas colônias. Existe a
crença de que o governo britânico contribuía para custear a administração e os serviços
públicos nas suas colônias. Isto é uma a falácia. Cada colônia cuidava do seu próprio
orçamento com a arrecadação de impostos e rendas públicas, e a primeira rubrica das
despesas previstas era para os salários dos funcionários europeus da administração. A
construção de ferrovias, portos e estradas eram cobertas com as rendas de fontes locais e
eram feitas, na maior parte, para preencher as necessidades de transporte e de
comunicação dos colonialistas. (...) No nosso país, a exploração comercial tem uma
longa história, tão longa de fato quanto o contato europeu com a costa ocidental da
África. De acordo com a política imperialista de estimular a agricultura de monocultura
nas colônias os nossos camponeses, que haviam descoberto que o cacau se dava bem no
nosso solo e clima, foram estimulados a concentrar-se nesse produto, em prejuízo dos
produtos alimentícios e de diversos tipos de produção para troca regional. No entanto, o
estímulo à monocultura não se fez acompanhar de preços estáveis. O preço do cacau
era fixado pelos compradores europeus e norte-americanos entre os quais estavam, ale
m dos grandes fabricantes de chocolate, os importadores e distribuidores importantes de
produtos alimentícios, ferramentas agrícolas e manufaturados. Unidos na sua
associação, faziam baixar o preço do cacau, enquanto que o custo dos produtos
importados, que se tornavam cada vez mais imprescindíveis para o nosso povo, como
conseqüência da monocultura, subiam cada vez mais. A Costa do Ouro (atual Ghana)
sendo o maior produtor de cacau do mundo, não tinha sequer uma única fábrica de
chocolate.

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NEGRITUDE - Léopold Sedar SENGHOR

“ (...) Mas então o que é a Negritude? Se quisermos refletir bem sobre ela devemos
encará-la num duplo sentido: subjetivo e objetivo, particular e universal, atual e eterno
– na medida em que o espírito é eterno. Nesse sentido, a Negritude é, essencialmente,
uma recusa e um engajamento, uma negação e a superação da negação na síntese,
melhor, na simbiose (...) Vejamos então o que é a Negritude. Objetivamente, como
civilização, é o conjunto dos valores dos povos não somente da África Negra como
também das minorias negras da América, até mesmo as da Ásia e Oceania. É, como o
escreve Jean Paul Sartre em Orfeu Negro, “uma certa qualidade comum ao pensamento
e condutas dos negros”. Subjetivamente, a Negritude é uma vontade de assumir os
valores de civilização do mundo negro, de vivê-los em nós, após tê-los fecundados e
atualizados, mas também de fazê-los viver com os outros e pelos outros. Nesse sentido,
ela é, para retomar a expressão de Irelé, “um humanismo de alcance universal” (...)
Deves-se dizer que a Negritude, como movimento cultural, não é um racismo: nem

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mesmo um “racismo anti-racista”, para empregar a fórmula de Sartre. Sabe-se, através
da Caracterologia, de que um dos inventores foi o franco-senegalês Gaston Berger, que
a antropologia acabou de arruinar a idéias de uma civilização única, mais ainda, de uma
civilização encarnada pela “sociedade européia” que seria superior a todas as outras (...)
A Negritude, por outro lado, aparece-nos ao mesmo tempo como projeto e como ação.
Ela é um projeto na medida e em que desejamos fundamentar-nos sobre a Negritude
tradicional para trazer a nossa contribuição à Civilização do Universal. Ela é ação na
medida em que onde nós realizamos concretamente o nosso projeto, em todos os
domínios especialmente nos domínios da literatura e das artes, da política e da
economia, é na nossa vida quotidiana de homens negros. Todos o problema da
Negritude, tal como ele se põe aos negros-africanos – como estado e como expressão –
encontra-se aqui confirmado. Um exemplo: a escolha da palavra e das idéias de “soul”
lembra o “fit” do woolof, uma certa maneira africana e popular de sentir. (...) Claro
que os negros francófonos da África não tiveram a experiência nem da deportação para
as Américas nem da escravidão nas “plantantions”. Contudo, a política francesa de
assimilação fez de nós, de uma certa maneira, exilados e subjugados: despersonalizados
(...) Césaire a definiu assim: “A Negritude é o simples reconhecimento de fato de ser
negro, a aceitação desse fato, do nosso destino de negro, da nossa história e da nossa
cultura” (...) Deve ser então entendido que a palavra Negritude visa o conceito na sua
acepção mais geral, englobando assim todos os movimentos culturais lançados por uma
personalidade ou por um grupo de negros: nos Estados Unidos – Movimento de Niagara
e da Renascença Negra-; Nas Antilhas – Movimento da Escola Haitiana -: na África, o
movimento anglófono da African Personality: nas Antilhas e na África, o movimento da
Negritude (...) Definida desta forma no seu duplo sentido, objetivo e subjetivo, a
Negritude aparece-nos, de um lado, sob os seus traças tradicionais, daquilo que
Delafosse chamava de “a alma negra” e Frobenius “a civilização africana. Porque os
povos africanos, na sua evolução histórica, haviam sabido mostrar, eles mesmos, o seu
gênio criador, mas as técnicas elaboradas pelos Europeus, durante o Renascimento,
haviam-lhes permitido organizar o tráfico de negros e estancar o desenvolvimento da
sua civilização (...) O nosso caminho, tenho consciência disso, tem sido contestado por
certos intelectuais, quer se trate de Negritude ou de Socialismo - em nome do
“Marxismo”. Resumo as respostas que temos dado aos nossos contraditores. Antes de
tudo, Marx, mesmo nos limitando ao séc. XIX, não é todo o Socialismo. Há Engels,
que aqui citarei quase sempre junto com Marx, a quem ele explica e completa: há os
socialistas não alemães, os franceses, os ingleses, os russos, entre outros. Leve-se em
conta também que para nós, as obras de Marx não são palavras do Evangelho nem do
Alcorão. Como as obras de outros pensadores – de Aristóteles e S. Tomás d´Aquino, de
Descartes e Hegel – elas estão enraizadas: elas são o produto de um espaço e de um
tempo, isto é, de uma geografia e de uma história, de uma etnia e de uma cultura
singulares.Em outros termos, elas exprimem, ao lado de verdades gerais, válidas para
todos os homens em todos os tempos, verdades particulares, específicas quer à nação,
que ao continente ou ao século considerados. Há, last but not least, o testemunho do
próprio Marx que convida-nos a fazer a nossa história, a realizar o nosso socialismo
partindo da nossa herança cultural (...) Essencialmente, extraímos de Marx e Engels
três idéias, que se referem ao homem, à planificação e à justiça social.

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Amílcar Cabral.
Resistência Política (Extrato de PAIGC Unidade e Luta)

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A nossa resistência, camaradas, podemos compará-la ao seguinte, por exemplo: uma
família, uma tabanca da nossa terra, tem necessidade de lavrar arroz: ela tem duas
buchas de arroz: ela sabe que se tirar uma bucha para semear, vai haver falta, porque o
arroz não vai chegar para comer. Mas ela tira aquela bucha, semeia-a e, se trabalhar
bem, depois pode colher 10, 20 ou mesmo 30 buchas, conforme o terreno. Isso é
parecido com a resistência dum povo, camaradas.
(...)
A luta dum ovo, a resistência dum povo tem várias formas. Como já vos disse, há
muito tempo que começou a nossa resistência. Desde o dia em que passou apela cabeça
dos tugas dominar-nos, explorar-nos, a nossa resistência começou na Guiné. Desde o
dia em que a situação social em Cabo Verde mostrou claro que, dependente dos
colonialistas portugueses, o nosso povo em Cabo Verde era explorado, humilhado,
exportado como animais, a morrer de fome, a resistência começou em Cabo Verde.
(...)
A resistência é uma coisa natural. Toda a força que se exerce sobre uma coisa qualquer,
dá lugar a uma resistência, quer dizer, a uma força contrária. E a força contrária da
força colonialista e imperialista é o movimento de libertação nacional. Isso só se pode
resolver com trabalho político ou, então, em certas condições, pode tomar a forma de
luta aramada, que é o nosso caso concreto. E então definem-se pouco a pouco, no
quadro dessa resistência geral, vários tipos de resistência. É fundamental que cada
militante ou responsável tenha consciência clara desses tipos de resistência. Mas mais
importante ainda é saber porque é que resistência, para que fazemos a resistência.
Devemos conhecer bem os objetivos da resistência.
A resistência é o seguinte: destruir alguma coisa, para construir outra coisa. Isso é que é
resistência. O que é que nós queremos destruir na nossa terra? A dominação colonial
dos tugas. Só isso? Não. Ao mesmo tempo, não queremos qualquer outro tipo de
dominação colonial na nossa terra, qualquer outro tipo de dominação estrangeira.
Queremos que o nosso povo mande no seu destino, através dos seus filhos, na Guiné e
em Cabo Verde. Isso é o que queremos em primeiro lugar.
Mas, na base da vida do nosso Partido, queremos destruir toda a possibilidade de
aqueles que libertam a terra ou outros que venham abusar do nosso povo amanhã. O
nosso objetivo não pode ser o de ir tomar conta do palácio do governador para fazer na
nossa terra o que aquele governador queria fazer. Nem da casa do chefe de posto ou do
administrador. O nosso objetivo é rebentar com o estado colonial na nossa terra para
criarmos um estado novo, diferente, na base da justiça, do trabalho e da igualdade de
oportunidade para todos os filhos da nossa terra, na Guiné e Cabo Verde.
Queremos, portanto, destruir tudo quanto seja um obstáculo ao progresso do nosso
povo, todas as relações que há na nossa sociedade, na Guiné ou em Cabo Verde, que
sejam contra o progresso do nosso povo, contra a liberdade do nosso povo. Queremos o
seguinte, ao fim e ao cabo: possibilidades concretas e iguais para qualquer filho da
nossa terra, homem ou mulher, avançar como ser humano, dar tudo da sua capacidade,
desenvolver o seu físico e o seu espírito, para ser um homem ou uma mulher à altura da
sua capacidade de fato. Tudo quanto seja contra isso, temos que destruir na nossa terra,
camaradas. Passo a passo, um a um se for preciso, mas temos que destruir para
construir uma vida nova. Este é que é o objetivo principal da nossa resistência.
Todos os abusos, todos os privilégios de grupos ou grupinhos, não podemos aceitar na
nossa terra amanhã, se de fato queremos libertar nosso povo. Não vamos libertar o
nosso povo só dos colonialistas tugas, não, mas de tudo quanto o prejudica no caminho
do progresso. Temos que destruir a ignorância, a falta de saúde e toda a espécie de
medo, a pouco e pouco, passo a passo.

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(...)
Quando conseguirmos isso, teremos libertado de verdade o povo da nossa terra. Porque
a maior pressão que existe sobre um povo, não é a dos colonialistas, camaradas, não é a
falta de trabalho, não: é o medo.

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William Edward Burghardt Du Bois.
(Extrato de As Almas da Gente Negra).

A raça parece ser uma concepção dinâmica e não estática, e as raças típicas estão em
constante mudança e desenvolvimento, mistura e diferenciação...Estamos estudando a
história da parte mais escura da família humana, que não é apartada do resto da
humanidade por nenhuma linha física absoluta e nenhum traço mental definido, mas
que, não obstante,forma, como massa, uma série de grupos sociais mais ou menos
distintos na história, na aparência e em dotes e realizações culturais.
O século XIX foi o primeiro século da simpatia humana – a era em que, meio
encantados, começamos a discernir nos outros aquele brilho transfigurado da divindade
a que chamamos Eu-mesmo; quando lavradores e camponeses, vagabundos e ladrões e
milionários e às vezes-negros, tornaram-se almas palpitantes cuja generosidade e
vitalidade nos tocaram tão de perto que engasgamos surpresos, exclamando: “Tu
também! Viste a tristeza e as águas sombrias da desesperança? Tu também conheceste a
vida?” e então, todos despreparados perscrutamos aqueles Outros-mundos e
lamentamos: “Ó Mundo de Mundos, como poderá o homem fazer de vós um só?
A característica da nossa era é o contato da civilização européia com os povos não
desenvolvidos... Guerra, assassinato, escravidão, extermínio, devassidão: esse tem sido
reiteradamente o resultado de se levar a civilização e o abençoado evangelho às ilhas do
mar e aos pagãos sem lei.
Sento-me com Shakespeare e ele não se encolhe. Cruzo a linha da cor de braços com
Balzac e Dumas, onde homens sorridentes e mulheres receptivas deslizam em salões
dourados. Das cavernas da noite que oscilam entre os braços da terra e a poesia das
estrelas, convoco Aristóteles e Marco Aurélio e toda alma que desejo encontrar e todos
eles chegam corteses, sem escárnio ou condescendência. Assim, apegado à Verdade,
resido acima do véu. É esta a vida que você nos concede... Vocês estão com medo de
que espreitando desse alto Nebo, entre o filisteu e o amalecita, avistemos a Terra
Prometida?
Todos sentem alguma vez sua dualidade – um lado americano, um lado negro; duas
almas, dois pensamentos, dois esforços inconciliáveis, dois ideais em guerra em um só
corpo escuro, cuja força tenaz é apenas o que a impede de se dilacerar.
Quando diante da África, pergunto a mim mesmo: o que existe entre nós que constitui
um laço que consigo mais sentir do que explicar? A África é naturalmente minha pátria.
Entretanto, meu pai nem o pai de meu pai jamais viram a África ou conheceram o seu
significado ou se importaram demais com ela. O pessoal da minha mãe estava mais
perto, e, no entanto, sua conexão direta em cultura e em raça, passou a ser tênue; ainda
assim, meu laço com a África é forte... Uma coisa é certa: o fato que desde o século XV
esses meus ancestrais tiveram uma história comum, sofreram um desatre comum e
possuíam uma única e longa memória... O emblema da cor [é] relativamente
insignificante, salvo como emblema; a essência real deste parentesco é herança social da
escravidão; a discriminação e o insulto, e essa herança não reúne apenas os filhos da
África, mas se estende pela Ásia amarela e pelos mares do sul. É esta unidade que me
atrai para África.

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Richard Wright
(Estrato de The Colour Curtain, coletânea de textos publicada em Londres.
!956 – ele está falando da Conferência Afro-Asiática de Bandung –
Indonésia. 1955, da qual fez extensa cobertura jornalística)

Durante séculos vivendo sob domínio ocidental, os delegados haviam sido formados por
um senso profundo do grande grau de diferença que tinham entre si. Mas agora, face a
face, suas defesas ideológicas caiam... Começaram a perceber sua força conjunta;
começaram a provar o sangue... Agora podiam sentir que seu inimigo branco estava
longe, muito longe... Dia após dia, trotskistas de cor parda se associavam com
muçulmanos escuros, indochineses amarelos se confraternizavam com indonésios
morenos escuros, negros africanos se mesclavam com Árabes acastanhados, birmaneses
bronzeados se associavam com indús morenos escuros, nacionalistas escuros comiam
junto com comunistas amarelos e socialistas conversavam com budistas. Mas todos eles
tinham a mesma experiência de um pano de fundo colonial de sujeição, consciência de
cor e descobriram que a ideologia não era necessária para definir suas relações... As
realidades raciais possuem uma estranha lógica própria.
A estrutura física mutável do mundo, bem como o desenvolvimento histórico da
sociedade moderna, exigem que as populações do mundo tomem consciência de sua
identidade e interesses comuns. A situação das populações oprimidas do mundo inteiro
é universalmente a mesma e sua solidariedade é essencial, não só na oposição à
opressão, mas também no combate pelo progresso humano.

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