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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO

GUILHERME CHAVES CUESTA

A LUTA PELA VISIBILIDADE DAS CULTURAS NEGRAS: DARCY RIBEIRO,


MANDUME E A MÚSICA NEGRA COMO RESISTÊNCIA AO EPSITEMICÍDIO.
Sumário
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 3

REMINISCÊNCIAS DO COLONIALISMO ............................................................ 4

O SÓRDIDO RETORNO DE QUEM SEMPRE ESTEVE AQUI: A


CONTINUIDADE DE AGRESSÕES E A INVISIBILIDADE DAS CULTURAS
NEGRAS ............................................................................................................................... 5

BRASIL: A GÊNESE DO POVO-NAÇÃO, DISTÂNCIAS E AS FORMAS DE


RESISTÊNCIA ......................................................................................................................... 6

OS DISTANCIAMENTOS E O EPISTEMICÍDIO .............................................. 7

O PRIMEIRO RITMO A FORMAR PRETOS RICOS, A POESIA DAS RUAS


E OS SÍMBOLOS DE REPRESENTATIVIDADE E RESISTÊNCIA........................... 8

CONCLUSÃO ............................................................................................................. 10

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 10
INTRODUÇÃO

A escolha do tema remete sobre as formas como todas as pessoas que conheço
encontraram dentro da cultura negra uma maneira de resistir a imposição branca. Escolhi por
saber que minha família luta pelas minorias desde que me entendo por gente. Assim, escrever
sobre a luta pela visibilidade dessas culturas, viabiliza o entendimento que a partir delas muitas
pessoas encontram formas de se rebelar contra o sistema que as oprime.
No presente ensaio tratarei observações sobre o colonialismo, a opressão epistêmica,
epistemicídio, a resistência africana ao europeu, O Blues, a cultura Hip Hop na produção de
uma luta cultural. Para possibilitar ao leitor entender sobre as formas de destruição de culturas,
conhecimento e o efeito causado por essas ações no tempo presente.
Para isso, discursarei sobre exemplos de preconceitos e destruição as culturas não
assimiladas pelo Europeu e seus saberes, associado a violência histórica sofrida pelos negros
na sociedade brasileira, que resulta em maneiras de tornar invisível suas formas de expressão
cultural. Seguido da apresentação do Brasil e os brasileiros, embasado na obra "O Povo
brasileiro" de Darcy Ribeiro, para decorrer sobre a distância social e de poder entre brancos e
negros, permitindo entender a valorização dos tipos de conhecimento: erudito e popular, e os
preconceitos incumbidos na sociedade do Brasil.
REMINISCÊNCIAS DO COLONIALISMO

"O Colonialismo é uma ferida


que nunca foi tratada.
Uma ferida que dói sempre,
por vezes infecta,
e outras vezes sangra". (Kilomba, 2020, p. contra capa).

Como consequência da fixação pelo conceito de progresso e continuidade, advindos da


era industrial, surge a grande dificuldade de identificar influências de um certo período
histórico, tais dificuldades interferem em saber as continuidades relacionadas a épocas
anteriores, comumente mescladas de descontinuidades, novidades, e quebras de paradigmas.
De forma que, o que permanece de uma época passada é quase sempre transformado em algo
que ao mesmo tempo, acusa e finge, e devido a isso permanece como sendo diferente sem nunca
ter deixado de ser o mesmo.
Tomando como partida que vivemos em uma sociedade capitalista, colonial e patriarcal,
temos como referência os três instrumentos de dominação da era moderna: O capitalismo, o
colonialismo e o patriarcado (SANTOS, SOUZA, 2018). Dentro dessas categorias a mais
problemática é o colonialismo, estamos tão acostumados à ideia de que as lutas de libertação
anticolonial do século XX colocaram fim ao colonialismo, que é raro pensar que o colonialismo
não acabou, apenas mudou de forma, e que a nossa dificuldade é sobretudo a de dar nome
adequado ao complexo processo de continuidade e mudança.
Diante desse cenário, denota-se que colonialismo é todo o modo de dominação baseado
na degradação das populações dominadas por razões étnico raciais. Em que, às populações e os
corpos racializados não é dada a mesma dignidade humana que é exercitada aos que os
dominam.
Nessa conjuntura, é possível apresentar o conceito de colonialismo interno, sendo a
compreensão de que o colonialismo não possui apenas uma camada macro (internacional), mas
também acontece dentro de um Estado-nação, ao passo que existe nele uma heterogeneidade
étnica em que se unem determinados étnicas ou grupos dominantes, e outros dominados.
Portando, para definir que estruturas de poder coloniais permaneceram nas raízes das
sociedades que surgiram no século XIX, advindas das lutas de independência nas Américas,
assim como define o autor da teoria:

el colonialismo interno corresponde a unaestructura de relaciones sociales de dominio y explotación entre


grupos culturales heterogéneos, distintos. Si alguna diferencia específica tiene respecto de otras relaciones de
dominio y explotación (ciudadcampo, clases sociales), es la heterogeneidad cultural que históricamente produce
la conquista de unos pueblos por otros, y que permite hablar no sólo de diferencias culturales (que existen entre la
población urbana y rural y en las clases sociales), sino de diferencias de civilización (GONZÁLEZ CASANOVA,
2015, p. 146).

No mesmo contexto, o neocolonialismo surge como a prática caracterizada pelo


domínio que as antigas potências coloniais continuavam a ter sobre as suas antigas colônias,
agora países ditos independentes. Como argumenta Kwame Nkrumah, em sua obra
Neocolonialismo – Último Estágio do Capitalismo. Mas, que é possível compreender a síntese
de suas ideias de construção do Pan-africanismo e do Socialismo africano, como referências
para o processo de independência real dos países africanos, pois como disse Devés-Valdés
(2008, p. 123-124):
Para Nkrumah, o neocolonialismo era a pior forma de imperialismo. Para aqueles que praticavam,
significava poder sem responsabilidade, e para aqueles que o sofriam, exploração sem desagravo. [...] Nkrumah
argumenta que o neocolonialismo representa o imperialismo em sua etapa final. No lugar do colonialismo como
instrumento do imperialismo, existia então o neocolonialismo, que seria ainda pior. [...]. Essa constatação,
juntamente com as que Fanon havia feito antes, constituiu uma das primeiras críticas ou autocríticas diante da nova
situação africana dos pós independência.

Por fim, é valido ressaltar que, em uma análise mais imersa desde 1961, apenas uma
forma específica de colonialismo terminou, não o seu modo de dominação. Com isso, a forma
que se extinguiu é denominada por Boaventura Sousa Santos como "Colonialismo histórico",
ou seja, designando apenas a ocupação territorial do estrangeiro invasor. Mas, na verdade, a
dominação colonial continuou de maneiras diferentes, essas tantas que é possível pensar que
talvez o colonialismo esteja tão novo e agressivo como no passado.

O SÓRDIDO RETORNO DE QUEM SEMPRE ESTEVE AQUI: A CONTINUIDADE


DE AGRESSÕES E A INVISIBILIDADE DAS CULTURAS NEGRAS

A colonização de forma objetiva viabilizou populações e corpos que, apesar de todas as


declarações universais dos direitos humanos, fossem a ser existencialmente considerados
desumanizados, inferiores na escala do ser, e as suas vidas sem valor para quem os oprime,
sendo, por isso, facilmente descartáveis.
Além disso, foram também objetificados de propriedade individual, mercadoria de seu
"senhor" deixando como prova histórica a escravidão. E continuam hoje a ser populações e
corpos vítimas do racismo, da xenofobia. Portanto, nessa combinação de inferiorização ao nível
de não-ser, que só teria potencial de se tornar ser, sendo domesticado, educado e civilizado
pelas virtudes europeias. Associado a exploração justificada pela ciência e religião, surge a
narrativa eurocêntrica.
Uma análise feita pela escritora e artista Grada Kilomba em relação à máscara facial de
metal, que foi um instrumento prático de tortura e que é um símbolo das políticas de
silenciamento do colonialismo.

Figura 1 — Escrava Anastácia

Arago (1839)
Essas práticas coloniais, não abolidas com a escravidão, atravessaram a barreira do
tempo e se perpetuam no racismo dos séculos posteriores em relações a tradições Africanas,
como por exemplo a religião, em que é notável o modo como a cultura negra é demonizada e
rotulada no mesmo patamar que foi difundido pelo europeu desde sua chegada, são exemplos
de como desde o período colonial como o invasor silenciou e destruiu no passado essas culturas,
e permeou para a contemporaneidade outras formas de agredir e tornar invisível a expressão
cultural negra.
Além das consequências sobre a religião, personalidades importantes e famosas do
Brasil, são comumente associadas a um imaginário de uma pessoa branca: como por exemplo,
o renomado Machado de Assis, o maior escritor da literatura Brasileira em que a grande parte
da população, não imaginaria que Machado teria sido negro. Isso ocorre devido ao fator de
embranquecimento incumbido na sociedade brasileira, a associação ao modo de que tudo aquilo
dito dentro da cultura branca é bom, aceitável, inteligível, bonito, etc. Mas, de modo oposto
tudo que não estiver dentro desse nicho recebe adjetivos pejorativos.
Assim, fica evidente que as continuidades do colonialismo sobre as culturas não
ocidentais brancas são notadas nas seguintes formas: dominar, desumanizar, tornar o outro a
categoria de "não ser", pressionar o imaginário do embranquecimento social. Em suma, oprimir
de modo a colocar a cultura da Europa como civilizada e tornar silenciada e invisível a cultura
alvejada.

BRASIL: A GÊNESE DO POVO-NAÇÃO, DISTÂNCIAS E AS FORMAS DE


RESISTÊNCIA

Todos nós conhecemos um pouco da história geral do Brasil, a vinda dos portugueses,
os indígenas, extração de pau-brasil, as capitanias, a exploração pelo ouro, a vinda da família
real e tudo que existe de consenso para dizer que o Brasil é formado inicialmente pelo
português.
Porém, o Brasil e os brasileiros como povo, surgem do choque entre o invasor europeu
com os povos indígenas e os negros africanos, em que devido a regência dos portugueses
culturas, tradições e formações sociais distintas lutam entre si para formar um "povo novo"
(Ribeiro, 2008). O motivo disso, está no fato de portugueses, indígenas e negros africanos serem
etnias diferentes. Também, por esse povo representar um novo modelo de estrutura social, e
organização socioeconômica, baseada na escravidão e na servidão ao pacto colonial. Logo,
parte da gênese brasileira é fundamentada na escravidão do negro, e de sua subordinação,
econômica e social a metrópole portuguesa. '
Nesse contexto, o Brasil emerge recombinado de características próprias, variadas das
culturas europeias, indígenas e dos negros africanos. Portanto, resultando em um mosaico de
povos, multiétnicos e retalhados pela forma oposta de seus componentes diferentes e
imisturáveis. Embora, não podemos confundir o como fragmentação, pois toda essa
multiplicidade conflui para resultar uma unidade étnica básica: O brasileiro.
Em contrapartida, a unidade étnica não é sinônimo de uniformidade, pois existem três
forças que diversificam o Brasil. A primeira sendo a ecológica, em que resulta na produção de
diferentes paisagens humanas devido as condições regionais que o território obriga adaptação.
Em seguida, temos a força econômica, em que diferentes formas de produção e por
consequência diferentes jeitos de viver a vida, são colocados em confronto. Em última instância,
e o motivo que vemos no país mais do que descendentes de portugueses, indígenas e negros
africanos, temos: A imigração, fator que insere novos formas étnicas, os japoneses, árabes, e
principalmente mais europeus —não apenas portugueses. Assim, surgiram modos diferentes de
ser dos brasileiros: os sertanejos, gaúchos, caboclos, caipiras e muitos outros. Mas, todas essas
formas diferentes marcam muito mais aquilo que existe em comum entre eles como brasileiros,
do que suas diferenças de adaptação da região, ou de miscigenação.
Historicamente, a partir de 1930, a urbanização brasileira contribuiu para uniformizar
os brasileiros no aspecto cultural, contudo, sem apagar suas diferenças. De modo que, a
industrialização cria formas diferentes de viver e uniformiza estilos culturais. Então, mesmo
que diferenciados por matrizes raciais e culturais, regionais, descendências de povoadores e
imigrantes, os brasileiros se comunicam, se entendem, se sentem e se comportam como um só
povo, como uma só etnia. Mas, devido a extensão de seu território, o Brasil é mais que uma
simples etnia, senão, uma etnia de dimensão nacional: um povo-nação (Ribeiro, 2008).
Com todos os fatos apontados, fica evidente que a unidade étnica e a uniformidade
cultural são o importante resultado do processo de formação do povo brasileiro, mas o povo-
nação não aparece apenas da evolução das formais sociais anteriores. Surge, na verdade, da
abundância de uma força de trabalho escrava, incumbida a servir como mercadoria, surge de
processos demorados e repressivos que em síntese permitem um frequente genocídio e um
etnocídio rigoroso. Portanto, dentro dessas condições, acentua-se uma distância social entre as
classes dominantes e as oprimidas, e na perspectiva dos oprimidos, ressaltam-se os opostos que
reúnem por baixo da uniformidade e unidade, o medo advindo de um trauma: a brutalidade
repressiva e autoritária do europeu.

OS DISTANCIAMENTOS E O EPISTEMICÍDIO

No limiar da discussão das classes sociais, Darcy Ribeiro demonstra a existência de duas
partes que simultaneamente se conflitam e complementam. Estas são, o patronato de
empresários, que obtém seu poder através da exploração econômica, e o patriciado, cujo poder
reside em desempenhar cargos militares, políticos, religiosos, sindicais etc.
Dentro dessas partes, existe o crescimento de algo incomum nesse ambiente: a gerência
de multinacionais, que passaram a constituir o setor predominante das classes dominantes. Esse
ramo emprega desde tecnólogos até controladores de mídia, moldando a opinião pública e
alienando a população. Em posição subsequente desse ramo, existem as classes médias —
profissionais liberais, professores, afins— e dentro dessa classe, aparecem os grupos mais
rebeldes contra a ordem, a rebelião mesmo foi interpretada pelos estratos mais baixos. O quarto
e último estrato, as classes oprimidas, são apagadas da vida social e lutam para ingressar em
empregos e ter acesso ao mercado. Mostrando assim, algumas das distâncias sociais do Brasil.
Porém, a maior das distâncias sociais do Brasil é aquela que separa ricos e pobres,
somada a questão da discriminação de negros, mulatos e indígenas, acentuando a atenção para
os primeiros. No entanto, ao observar bem a rebelião negra é muito menos agressiva do que
poderia — e deveria— ter sido. Em uma linha temporal, partindo da escravidão, as principais
formas eram a fuga dos engenhos, visando a resistência e reconstrução da vida nas comunidades
quilombolas, mas esse indivíduo vivia uma situação paradoxal, pois o quilombola era um negro
que ja tinha sido aculturado, tentando reestabelecer formas de vida da África, o que seria
praticamente impossível devido a perseguição incessante do europeu. Grosso modo, é possível
dizer que a luta do negro Africano e seus descendentes brasileiros recai sobre conquistar
espaços, lugares e papéis legitimamente participativos na sociedade brasileira.
Iniciando a discussão sobre epistemicídio, o conceito elaborado por Boaventura Sousa
Santos (1997), condiz que epistemicídio é um instrumento definitivo de dominação
étnica/racial, que nega outras formas de conhecimento, do conhecimento produzido pelo grupo
dominado, e por consequência da intelectualidade dos sujeitos desses grupos. Porém, no ensaio
utilizarei além dessa definição, a constatação de Sueli Carneiro:

[...] o epistemicídio é, para além da anulação e desqualificação do conhecimento dos povos subjugados,
um processo persistente de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso a educação, sobretudo de
qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de deslegitimação do negro
como portador e produtor de conhecimento e de rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência material e/ou
pelo comprometimento da autoestima pelos processos de discriminação correntes no processo educativo. Isto
porque não é possível desqualificar as formas de conhecimento dos povos dominados sem desqualificá-los
também, individual e coletivamente, como sujeitos cognoscentes. E, ao fazê-lo, destitui-lhe a razão, a condição
para alcançar o conhecimento “legítimo” ou legitimado. Por isso o epistemicídio fere de morte a racionalidade do
subjugado ou a sequestra, mutila a capacidade de aprender etc. É uma forma de sequestro da razão em duplo
sentido: pela negação da racionalidade do Outro ou pela assimilação cultural que em outros casos lhe é imposta.
Sendo, pois, um processo persistente de produção da inferioridade intelectual ou da negação da possibilidade de
realizar as capacidades intelectuais, o epistemicídio nas suas vinculações com as racialidades realiza, sobre seres
humanos instituídos como diferentes e inferiores constitui [...] (Carneiro; Fischmann, 2005, p. 97, com
adaptações).

O conceito de epistemicídio, nessa definição, possibilita compreender as múltiplas


formas em que se expressam as contradições vividas pelos negros com relação as desigualdades
raciais. A nação brasileira, tem em suas atuais classes dominantes, gerações de antigos senhores
de escravos, que guardam um alto desprezo pelo negro. Uma nação comandada por essa
mentalidade, obviamente nunca fez nada em benefício aos corpos negros que de tudo fez para
construi-la. Sempre negaram a eles, posse de terras, liberdade e qualquer ajuda. Apenas trouxe
discriminação e repressão.
No contexto da base urbana estabelecida, o negro passa a ser aquilo que existe de maior
esplendor e belo na cultura brasileira. Nesse sentido, o carnaval surge baseado na cultura negra,
a capoeira e muitas outras manifestações culturais. É fato que, isso ocorre numerosamente em
todos os campos que não exigem escolaridade: música popular, o futebol e espaços de menor
visibilidade e expressão. O negro assim, se torna aos poucos o componente mais criativo da
cultura brasileira, e associado aos indígenas, aquele que também torna mais singular o povo
brasileiro.
Finalmente, desde 1960, devido ao sucesso do negro estadunidense, que foi absorvido
pelos brasileiros como uma vitória da etnia, mas também como uma forma de ascensão para
um contingente da população, o negro brasileiro começa a tomar coragem de assumir seu
orgulho e lutar pela ampliação da resistência e acesso aos direitos civis.

O PRIMEIRO RITMO A FORMAR PRETOS RICOS, A POESIA DAS RUAS E OS


SÍMBOLOS DE REPRESENTATIVIDADE E RESISTÊNCIA

"Eu sou o primeiro ritmo a formar pretos ricos


O primeiro ritmo que tornou pretos livres
Anel no dedo em cada um dos cinco
Vento na minha cara, eu me sinto vivo
A partir de agora considero tudo blues
O samba é blues, o rock é blues, o jazz é blues
O funk é blues, o soul é blues, eu sou Exu do Blues
Tudo que quando era preto era do demônio
E depois virou branco e foi aceito, eu vou chamar de blues
É isso, entenda
Jesus é blues" (Bluesman...).

Inicialmente, “o Blues” remete a palavras como "triste", "tristeza" ou até mesmo


"melancolia". Definir, de forma precisa e completa o Blues é muito difícil, diria que é até
impossível, pois se ele é um gênero musical, foi também muito mais do que isso para o povo
negro que o criou. Então o Blues, para ser compreensível, deve ser recolocado em seu contexto
real: o histórico, psicológico, sociológico do povo negro em terra americana, do qual foi a
expressão privilegiada, seguindo sua evolução e desposando seus contornos.
Analisando o contexto americano, temos a origem do gênero, “O blues nasceu com o
primeiro escravo negro na América”. Com essa afirmação, Roberto Muggiati (1995) tenta
expressar a essência da origem do blues. Ainda que carregado de um sentido poético, o autor
tenta demonstrar que, mais do que um estilo musical, o blues é uma representação e ferramenta
cultural de afirmação do negro diante da sociedade colonial e uma forma de se introduzir
perante esta. De fato, o blues possui relação com o processo de resistência negra e a formação
de uma cultura afro-americana diretamente vinculada aos escravos. Como herança de seu
continente, os negros recorriam aos gritos (hollers), expressão primal que sofreria alterações e
mutações no cotidiano escravocrata. Usada única e exclusivamente como ferramenta de
trabalho, já que o negro tinha quase todos os meios de lazer e ócio privados e interditados por
seus senhores. Até mesmo o uso de instrumentos musicais era inicialmente proibido, uma vez
que os proprietários brancos tinham o receio de que sua fabricação e uso poderiam fomentar
rebeliões e levantes. Portanto, a voz se apresentava como o único e principal instrumento
musical do negro e meio de expressão de suas tradições.
Percebe-se então que, de maneira cada vez mais progressiva, o negro se inseria na
sociedade, ainda que apenas culturalmente, por meio da música. Já foi ressaltado que, nas
primeiras décadas do século XX, as inovações tecnológicas favoreceram a expansão do blues.
O surgimento das primeiras big bands no fim da década de 1930 só reforçou essa disseminação.
A explosão do blues em Chicago e o advento da eletricidade na música levaram o blues a um
novo patamar e sua inserção na cultura popular era evidente.
Diante da segregação da sociedade, o blues como estilo musical deu ao negro a
possibilidade de se manifestar e ressaltar seus aspectos sociais, diferenciando-o do branco
americano. Dita forma de resistência se encaixava no sentido de alteridade, da demonstração
da intenção de mudança, da recusa a um estado de subordinação e de anonimato
Assim, o Blues marca a primeira forma cultural do negro resistir as formas do
colonialismo de tornar invisível os traços da cultura negra e do epistemicídio desqualificar as
produções culturais. Diversos nomes do Blues mudaram sua realidade social e econômica
através da música. Logo, se tornando o primeiro ritmo a formar pretos ricos (BACO EXU DO
BLUES), e a base das principais fontes de todos os gêneros musicais americanos: jazz, soul,
disco, rock’n roll, e futuramente da cultura Hip Hop.
Podemos dizer que o movimento Hip Hop é uma cultura popular, uma forma de arte e
de atitude. Um estilo de vida que influencia o mundo inteiro. Uma construção coletiva de
valorização de identidades, de conquista de espaço público, social e político. E o movimento
expressa tudo isso por meio da arte: congrega música, discursos/poesia, dança e grafite. É uma
manifestação cultural e artística híbrida, contemporânea, espelho dos nossos tempos. A
performance do Hip Hop mistura, em níveis sucessivos, gêneros que para a cultura ocidental
seriam diferentes e separados (música, poesia, dança, pintura). O diferencial é a interpretação,
a fusão de todos esses elementos que faz dela uma forma artística que não seria equivalente à
soma dos elementos separados. E isso fica evidente nos trechos da música “Mandume” do
Rapper Emicida:

Banha meu símbolo, guarda meu manto que eu vou subir como rei
'Cês vive da minha cicatriz, eu 'to pra ver sangrar o que eu sangrei
Com a mente a milhão, livre como Kunta Kinte, eu vou ser o que eu quiser
Tá pra nascer playboy pra entender o que foi ter as corrente no pé
Falsos quanto Kleber Aran, os vazio abraça
La Revolução tucana, hip-hop reaça
Doce na boca, lança perfume na mão, manda o mundo se foder
São os nóia da Faria Lima, jão, é a Cracolândia Blasé
Jesus de polo listrada, no corre, corte degradê
Descola o poster do 2pac, que 'cês nunca vão ser
Original favela, Golden Era, rua no mic
Hoje os boy paga de 'drão, ontem nós tomava seus Nike
Os vira lata de vila, e os pitbull de portão
Muzzike, o filho de faxineira, eu passo o rodo nesses cuzão
Ando com a morte no bolso, espinhos no meu coração
As hiena 'tão rindo de quê, se o rei da savana é o leão? (Mandume...).

Mandume tem uma aceitação instantânea na rua, de acordo com o rapper. “A mensagem
é forte, o refrão é urgente. Principalmente pro Brasil de hoje”, afirma. Na história, Mandume
Ya Ndemufayo, morto em fevereiro de 1917, foi o último rei de um povo que ficava entre o sul
da Angola e o norte da Namíbia. Esse povoado era conhecido como os Cuanhamas. Mandume
morreu resistindo aos europeus. Dessa forma, a cultura Hip Hop expressa um lugar de
ressignificações, pois as minorias veem nas produções artísticas a possibilidade de resistir às
práticas e ideias que as estereotipam.

CONCLUSÃO

Ao conduzir a reflexão sobre os choques culturais entre diferentes culturais brancas,


com o negro. É possível relacionar os diferentes modos de como a população negra foi
inviabilizada, escravizada, invalidada e desumanizada por processos como o colonialismo e o
epistemicidio. Mostrando os resquícios desses atos na sociedade atual.
Portanto, permitindo a compreensão de que o colonialismo apenas finge ter acabado no
âmbito histórico-temporal, mas jamais em suas formas de dominação, e nesse sentido permeou
ao longo dos séculos formas agressivas para a sociedade vigente.
Nesse parâmetro, desde o silenciamento físico do negro Africano com as máscaras de
ferro, até o preconceito com formas de expressões culturais negras, ressaltam os modos que o
colonialismo se desloca em nossa sociedade. Partindo do princípio de dominar, oprimir e
desvalorizar completamente a cultura do outro.
Vale relembrar também que, o Brasil em sua origem concretizou uma unidade étnica e
a uniformidade cultural são o importante resultado do processo de formação do povo brasileiro.
Mas que devido ao trauma da opressão do colonizador branco, os fatores uniformes e unitários
agravam, na realidade, as distâncias sociais.
Dentro disso, vimos que as classes oprimidas inauguram o debate sobre as distâncias
sociais, mas que não podemos esquecer que, no Brasil, não existe distância social mais evidente
que a de ricos e pobres somada a discriminação dos negros. Ademais, foi possível observar que
o epistemicídio é um sistema eficaz de dominação étnica/racial, quase como o colonialismo,
mas que possibilita compreender os diferentes problemas do negro relacionados a
desigualdades raciais na sociedade. Porém, o negro estadunidense age como fator de inspiração
para o negro brasileiro acordar em relação a luta de seu espaço e direitos.
Por isso, no mesmo contexto dos Estados Unidos, o Blues se torna a primeira forma
cultural do negro resistir as formas do colonialismo e do epistemicídio. Seguido do Hip Hop,
movimento que tem a ampla capacidade de ressignificar símbolos dando a possibilidade da
classe oprimida compreender e se identificar com sua realidade no objetivo de resistir as formas
de repressão impostas pela sociedade.

REFERÊNCIAS

• ARAGO, Jacques Etienne Arago. Castigo de Escravos. 1839. Disponível


em: https://www.researchgate.net/publication/335832589/figure/fig4/AS:8035643938
85698@1568596089540/Jacques-Etienne-Arago-Slaves-Punishment-1839-
27.png. Acesso em: 24 ago. 2021.
• BLUESMAN. Baco Exu do Blues. Cesar Pierri e Portugal (beat). EAEO
Records. Música (2:53).
• CARNEIRO, Aparecida Sueli; FISCHMANN, Professora Doutora Roseli (Coord.). A
CONSTRUÇÃO DO OUTRO COMO NÃO-SER COMO FUNDAMENTO DO
SER. 2005. 339 p Tese (Pós Graduação em Educação) - Universidade de São Paulo.
• CASANOVA, Pablo González . Colonialismo interno (uma redefinição). Biblioteca
Clasco. Buenos Aires, 2007. Disponível
em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/formacion-
virtual/20100715084802/cap19.pdf. Acesso em: 24 ago. 2021.
• KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Editora
Cobogó, v. 3, f. 125, 2020. 249 p.
• MANDUME. Emicida. Música.
• MARTINS, Mireile Silva; MOITA, Júlia Francisca Gomes
Simões (Coord.). FORMAS DE SILENCIAMENTO DO COLONIALISMO E
EPISTEMÍCIDIO: APONTAMENTOS PARA O DEBATE. 11
p Dissertação (Serviço social) - Universidade Federal de Uberlândia.
• RIBEIRO, Darcy. O Brasil como problema. Global Editora e Distribuidora Ltda,
v. 3, f. 136, 2016. 272 p.
• RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil,
f. 218. 2008. 435 p.
• SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-
modernidade, f. 225. 2012. 450 p.

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