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Uribam Xavier – gosta de café com tapioca e cuscuz, peixe frito ou no pirão, de frutas e verduras. Antes
da pandemia, frequentava o espetinho do Paraíba, no boêmio e universitário bairro do Benfica
[Fortaleza], e no pré-carnaval seguia o bloco Luxo da Aldeia. É professor, ativista político decolonial e
anti-imperialista, estuda e escreve para puxar conversa e fazer arenga política. Seu último livro escrito
foi “Crise civilizacional e pensamento decolonial. Puxando conversa em tempos de pandemia”. Dialética
Editora, Belo Horizonte, 2021.
portadora da possibilidade de realização universal da humanidade do homem
moderno.
A emancipação da burguesia em relação ao Antigo Regime, por meio
revolucionário, tem como marco simbólico a Revolução Francesa de 1789, que
anunciou a realização universal da humanidade do humano por meio da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do cidadão, em 26 de agosto de 1789. No seu
artigo primeiro, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 diz: "Os
homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só
podem fundar-se na utilidade comum". Do ponto de vista econômico, é a revolução
industrial inglesa, na metade do século XVIII, que é o grande símbolo da consolidação
do processo de formação do modo de produção capitalista na visão eurocêntrica.
Com a consolidação do poder da burguesia no campo econômico, político e
militar, logo ficou claro que ela não era portadora das condições universais de
realização da humanidade do humano, mas uma classe provinciana com vocação de
domínio cultural, político, econômico e militar do planeta. Como bem constata Marx e
Engels no “Manifesto do Partido Comunista” (2005, p. 46): “[...] a moderna sociedade
burguesa, surgiu das ruínas da sociedade feudal, não eliminou os antagonismos entre
as classes. Apenas estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas
formas de luta em lugar das antigas”.
A história europeia demonstra que a emancipação, como uma invenção
burguesa, não é universal e não significa liberdade para todos e todas, não é a garantia
de realização das promessas do projeto civilizador moderno para todos, pois, como já
foi desvelado pelo pensamento decolonial, colonialidade/modernidade são partes
constituintes de um mesmo processo, não existe modernidade sem colonialidade, nem
existe colonialidade sem modernidade. Como afirma Agnes Heller e Ferenc Fehér
(1998, p. 12): “[...] a Europa sempre foi mais expansiva e expressamente universalista
que outros projetos culturais. Os europeus não apenas entendiam sua cultura como
superior às outras, e essas outras, estranhas, como inferiores a eles”.
A modernidade, como projeto de universalização de um modo de vida
particular, considera todas as outras civilizações como inferiores e bárbaras, que
devem ser colonizadas, e que, para existirem, devem incorporar os seus valores e
modo de vida, o que implica assimilarem ou copiarem o seu sistema econômico, o
capitalismo. Marx e Engels, fazendo uma conexão positiva entre colonização e
processo civilizador moderno, acreditavam que:
Com o rápido aperfeiçoamento de todos os instrumentos de produção, com
as comunicações imensamente facilitadas, a burguesia arrasta para a
civilização todas as nações, até mesmos as mais bárbaras [...] obriga-as a
ingressarem no que ela chama de civilização, isto é, a se tornarem
burguesas. Numa palavra, cria um mundo à sua imagem e semelhança
(MARX; ENGELS, 2005, p. 49).
Karl Marx classificou a burguesia como revolucionária e afirmou que ela “[...]
não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e, por
conseguinte, as relações de produção, portanto todo o conjunto das relações sociais”
(MARX, 2005, p. 48). Logo, portanto, fica claro que a revolução não é um instrumento
de emancipação e nem de libertação universal, mas um meio para alguns chegarem ao
poder, para que um grupo nacional torne um território dominado por um país
estrangeiro num território governado por um poder dominante local, como as lutas
ocorridas por independência nas colônias americanas dominadas pela Espanha no
século XIX ou as lutas por libertação nacional, ocorridas na África e na Ásia na segunda
metade do século XX. Agnes Heller e Ferenc Fehér afirmam (1998, p. 13): “[...] ao
denunciar a particularidade de todas as proposições universais europeias e daí passar
para a criação da mais universal das proposições universais, Marx só provou que foi o
último europeu”.
Em o “Discurso sobre o colonialismo”, escrito entre 1948 e 1955, período
histórico que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial, Aimé Césaire afirmava que a
“Europa é moral e espiritualmente indefensável”, e ao ser provocado a falar sobre
colonização e civilização, afirmou:
O que é, em seu princípio, a colonização? Reconhecer que ela não é
evangelização, nem empreitada filantrópica, nem vontade de fazer
retroceder as fronteiras da ignorância, da enfermidade, da tirania; nem a
expansão de Deus, nem a extensão do Direito; admitir de uma vez por
todas, sem titubear pelas consequências, que na colonização o gesto
decisivo é o do aventureiro e do pirata, o do mercador e do armador, do
caçador de ouro e do comerciante, o do apetite e da força, com a maléfica
sombra projetada por trás por uma forma de civilização que em um
momento de sua história se sente obrigada, endogenamente, a estender a
concorrência de suas economias antagônicas à escala mundial (CÉSAIRE,
2020, p. 12-13).
REFERÊNCIAS
CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Santa Catarina, Letras
Contemporâneas, 2020.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin
Claret, 2005.