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FORTALEZA – 2013
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Para:
André Haguette, o mestre sereno.
E
Alba Carvalho, que casada com Gramsci tem uns fica com Boaventura.
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ÍNDICE
Introdução .......................................................................................................... 04
5 – Conclusões .......................................................................................................
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INTRODUÇÃO
Quem gostava de política ou acompanhava a vida do partido sabe que era uma
prática comum e uma marca sua a presença, de seus militantes e parlamentares nas
mobilizações de lutas dos trabalhadores de todas as categorias. Uma passeata, uma
caminhada, uma greve, uma ocupação ou um protesto, lá estavam os parlamentares
petistas ajudando com carro de som, panfletos, e fazendo discursos de apoio. Usavam
o espaço do parlamento para ampliar a voz dos trabalhadores, exerciam no parlamento
a representação dos explorados, acompanhavam e cobravam das instituições
governamentais o que era reivindicado pelos trabalhadores e setores organizados da
sociedade civil, e ainda denunciavam assassinatos de trabalhadores no campo e na
cidade.
agrotóxicos na água da região e doenças causadas pelo veneno usado nos plantios. O
caso só não foi esquecido porque as pastorais sociais da Diocese de Limoeiro do Norte
e entidades ligadas à proteção ambiental cobram justiça e uma investigação por parte
do governo. E o PT, faz silêncio, finge-se de morto, sem manifestar qualquer um
pronunciamento ou questionamento sobre o modelo de desenvolvimento predatório,
em curso no Ceará, que causa danos à população local e deixa ricas as multinacionais
que exploram o perímetro irrigado na região.
desenho que pega apenas as casas de gente pobre, numa verdadeira ação de limpeza
étnica e racismo ambiental que passa por 22 bairros. Os moradores e as entidades que
os apoiam denunciam que o valor da indenização proposto não lhes permitem
construir outra moradia, fora suas perdas sentimentais, vínculos afetivos e proximidade
de trabalho que serão destruídos. Coube ao Ministério Público Federal mandar
suspender a execução da obra, exigindo que fossem feitos um estudo sobre os valores
da indenização, uma avaliação de cada imóvel, a realização de acordos
administrativos, bem como os pagamentos de indenizações fossem agendados e
realizados os procedimentos para o licenciamento ambiental. Em que lugar se
posiciona o PT? O PT acha que a Copa é uma conquista do governo Lula e que suas
consequências, seus custos exorbitantes bancados com recursos públicos, e tudo de
negativo que ela produz é fruto de uma impressa golpista e reacionária. Por que não
discutir quais obras são importantes para cidade? Por que não ter transparência no
processo? Por que desapropriar tal trajeto e não buscar alternativas? A resposta foi
dada pelo engenheiro responsável, o petista Edilson Aragão, ao jornal O Povo
(15.12.2011): “porque é mais barato e mais prático”.
No Brasil, os êxitos que o governo Lula obteve através de seus programas sociais
e pela sua política de estruturação econômica do setor produtivo e financeiro, levou os
petistas a uma posição de acomodação ao capitalismo, aderindo, sem assumir
conscientemente, a tese do fim da história1. O PT ficou arrogante e passou a tratar
como inúteis os que se colocam como críticos da administração petista. Os petistas e
muitos de seus apologistas, quando são arguidos sobre a prática de corrupção tão
constante no governo, saem com resposta do tipo: a corrupção, agora, aparece mais
por que o governo manda investigar e apura, como se não fosse petistas e aliados os
envolvidos nos escândalos de corrupção; no governo Lula se rouba menos, como se
crime e ética fossem uma questão de quantidade. Para muitos, pelos feitos alcançados
pelo governo Lula, a sociedade não tem razão nenhuma de criticar, pois “nunca na
história do país” se fez tanto pelos pobres; logo, quem crítica é reacionário ou golpista.
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A teoria do fim da história parte do pressuposto de que com o fim da bipolaridade entre o bloco
capitalista e o bloco socialista, acontecido com o fim da guerra fria, houve uma vitória absoluta da
racionalidade capitalista e da forma capitalista de ser e de conduzir o mundo. Nesse sentido, a utopia de
transformação social, o socialismo, é uma ingenuidade, pois o único sistema possível em nossa
epocalidade é o capitalismo, e cabe ao governo o administrar bem.
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1- DA NASCENTE AO PODER
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A Tese de Santo André-Lins foi aprovada durante o IX Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos,
Mecânicos e de Material Elétrico do Estado de São Paulo, ocorrido na Cidade de Lins, em 24 de janeiro
de 1979.
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“ Enquanto vivermos sob o capitalismo, este sistema terá como fim último o lucro, e
para atingi-lo utiliza todos os meios: da exploração desumana de homens, mulheres
e crianças até a implantação de ditaduras sangrentas para manter a exploração.
Enquanto estiver sob qualquer tipo de governo de patrões, a luta por melhores
salários, por condições dignas de vida e de trabalho, justas a quem constrói todas as
riquezas que existe neste país, estará colocada na ordem do dia a luta política e a
necessidade de conquista do poder político. A história nos mostra que o melhor
instrumento com o qual o trabalhador pode travar esta luta é o seu partido político
[...] Hoje, diante da atual conjuntura política, econômica e social que vive a
sociedade brasileira, essa necessidade, com o peso de sua importância, se faz sentir.
Crentes que já é hora de o trabalhador tomar em suas mãos as lutas pelas
questões que hoje angustiam a população brasileira, como a anistia ampla, geral e
irrestrita, a Assembléia Constituinte, democrática, livre e soberana, a reforma agrária
e a liberdade partidária [...] propomos o seguinte: 3. que se lance um manifesto, por
este congresso, chamando todos os trabalhadores brasileiros a se unificarem na
construção de seu partido, o Partido dos Trabalhadores; 4. que este partido seja de
todos os trabalhadores da cidade e do campo, sem patrões, um partido que seja
regido por uma democracia interna, respeite a democracia operária, pois só com um
amplo debate sobre todas as questões, com todos os militantes, é que se chegará à
conclusão do que fazer. Não um partido eleitoreiro, que simplesmente eleja
representantes na Assembléia, Câmara e Senado, mas que, além disso e
principalmente, seja um partido que funcione do primeiro ao último dia do ano,
todos os anos, que organize e mobilize todos os trabalhadores na luta por suas
reivindicações e pela construção de uma sociedade justa, sem exploradores e
explorados; 5. que seja eleita neste congresso uma comissão e junto com todos os
outros setores que, embora ausentes, também estão interessados na construção
desse partido, amplie os contatos e comece a encaminhar essa luta nacionalmente
em discussões com as bases, iniciadas desde já; que essa comissão fique
encarregada da redação de um manifesto aos trabalhadores brasileiros, chamando à
construção do Partido dos Trabalhadores, proposto no terceiro ponto.”
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Pela tese de Santo André-Lins fica claro que o PT foi criado porque algumas
lideranças sindicais do ABC paulista e dos movimentos sociais, no final da década de
1970, chegaram à conclusão de que os sindicatos e as lutas dos movimentos eram
insuficientes e incapazes de desenvolver um projeto político e de lutar pela tomada do
poder. Assim, a criação de um partido operário era uma oportunidade para
participarem da política com seus próprios meios e instrumentos, era uma
oportunidade de fazer política por melhores condições de vida e trabalho, de lutar pelo
poder com independência em relação aos patrões, aos políticos profissionais e às
elites dominantes do capitalismo. O PT nasceu para ser o partido dos trabalhadores das
mãos calejadas. O primeiro slogan do partido foi: “ PT: nossa vez, nossa voz.”
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Há meias-verdades na afirmação dos petitas de que o PT era o primeiro partido na história brasileira a
emergir da classe operária. Tal afirmação se deve ao fato de que parte dos dirigentes petistas rejeitavam a
procedência do PC brasileiro na representação da classe operária. O PCB foi formado com a participação
e militância expressiva de operários. Para Lula, principal liderança do chamado “Novo sindicalismo”, a
classe operária brasileira dos anos 80 não tinha cultura socialista ou comunista, ao operariado não
interessava política, ao operariado interessava salário. Daí, ser o PT o primeiro partido político a
representar verdadeiramente os trabalhadores.
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enquanto partido de massa, não tirou uma definição oficial sobre essas questões e
incorpora várias visões sobre elas.
A PRIMEIRA ELEIÇÃO
que a maior parte da classe operária e camponesa do país votasse em seus candidatos.
Com a abertura das urnas, o partido vivenciou sua primeira derrota, praticamente não
existiu eleitoralmente, obteve 3,1% dos votos validos em todo país.Todavia, embora o
PT tenha tomado o que a direção nacional, à época, chamava de “ banho de água fria”,
conseguiu eleger 8 deputados federais: em São Paulo (6), em Minas Gerais (1)e no Rio
de janeiro (1). Não elegeu governador, senador e prefeito, mas conseguiu eleger 12
deputados estaduais em todo país: (9) em São Paulo, (2) no Rio de Janeiro e (1 )em
Minas Gerais.
Lula, nas eleições de 82, foi candidato ao governo de São Paulo. Com o slogan
de campanha “ trabalhador vota em trabalhador” e “ vote no três que o resto é
burguês” ( o primeiro número do PT foi o 3 e só depois passou a ser o 13), Lula obteve
próximo de 10% dos votos. Os operários paulistas votaram com a burguesia. O conforto
psicológico e o consolo moral para a derrota foram buscados num trabalho do
cartunista Henfil [Se não houver frutos, valeu a beleza das flores. Se não houver flores,
valeu a sombra das folhas. Se não houver folhas, valeu a intenção da semente]
,amplamente reproduzido em cartazes e camisetas usadas por militantes,
principalmente universitários e religiosos da teologia da libertação. Nessas eleições, o
PT enfrentou a resistência do chamado fenômeno do “ voto útil”. O PMDB, que
articulava a chamada “unidade de oposição”, argumentava que votar no PT era dividir a
luta contra a ditadura militar. O PT passou a ser acusado, principalmente pelo PC do B,
que na clandestinidade, atuava por dentro do PMDB, de divisionista, simplista e
sectário.
No início dos anos de 1980, o Brasil vivia uma crise muito profunda cujo
principal gargalo era a incapacidade de o Estado honrar os pagamentos dos juros das
dívidas interna e externa. A opção do governo para solucionar a crise do Estado, a
partir de uma estratégia que combinou ajuste externo, produção de saldo na balança
comercial para pagar o serviço da dívida externa, com um ajuste fiscal, diminuindo
recursos aplicados em políticas públicas e promovendo um galopante achatamendo
salarial, acabou produzindo uma crise política muito profunda. Os servidores públicos e
movimentos sociais, afetados pelo ajuste fiscal, passaram a se organizar e a fazer
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DIRETAS JÁ!
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O ano de 1983 foi muito importante para as organizações populares no Brasil. Em 23 de agosto, durante
a CONCLAT – Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, é aprovada a fundação da Central Única
dos Trabalhadores – CUT. No ano seguinte, 1984, durante um congresso de trabalhadores rurais, em
Curitiba, é fundado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.
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número de votos para sua aprovação. Votaram 298 deputados a favor, 63 contra, 3
abstenções e 112 não compareceram como forma de boicote; faltaram 22 votos para
aprovação da Emenda das Diretas.
que emana da ordem burguesa capitalista, ordem que o partido justamente procura
destruir e, no seu lugar, construir uma sociedade socialista.
gestão e privatização das que não prestam serviços públicos e nem atuam em setores
estratégicos; e a criação de um fundo de investimentos em políticas sociais voltado
para o desenvolvimento de setores estratégicos da economia e formulação de políticas
sociais para os setores marginalizados da sociedade.
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A Frente Brasil Popular – FBP foi o arco de alianças construído pelo PT que sustentou a campanha de
Lula para presidente do Brasil. A FBP foi composta pelo PT, PSB, PC do B e PV. Todavia, o PV decidiu
abandonar a frente devido à rejeição do PSB e do PC do B ao nome de Fernando Gabeira ( PV-RJ) que
havia sido indicado durante o VI Encontro Nacional do PT como o candidato preferencial para vice de
Lula. Com a saída do PV, o PSB e PC do B apoiaram o nome do Senador Paulo Bisol para vice na chapa
do Lula. Paulo Bisol aceitou o convite, desfiliou-se do PSDB e filiou-se ao PSB.
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Os 22 candidatos a presidente da república em 1989 foram: Collor (PRN), Lula (PT), Brizola (PDT),
Covas (PSDB), Maluf (PDS), Afif Domingos (PL), Ulysses Guimarães (PMDB), Roberto Freire
(PCB), Aureliano Chaves (PFL), Ronaldo Caiado (PSDD), Afonso Camargo (PTB), Enéas Carneiro
(PRONA), José Alcides (PSP), Paulo Contijo (PP), Zamir Teixeira (PCN), Lívia Maria (PN), Eudes Maria
(PLP), Fernando Gabeira (PV), Celso Brant (PNM), Antonio dos Santos (PPB), Manoel Horta (PDC do
B) e Arnaldo Corrêa (PMB).
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Fernando Collor empreendeu estrategicamente um discurso de combate a funcionários públicos, os
marajás, que recebiam salários altos e desproporcionais em relação aos cargos; muitos, apadrinhados de
políticos, nem trabalhavam. Essa estratégia teve eco na sociedade e Collor se definiu como Caçador de
Marajás.
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Durante o segundo turno, a coordenação política da FBP fez várias articulações e criou um Movimento
Lula presidente que contou com a adesão de Brizola (PDT), Roberto Freire (PCB), Covas (PSDB) ,entre
outras lideranças políticas e personalidades públicas como políticos, artistas e cantores. Mas rejeitou o
apoio público declarado do PMDB por considerar um partido conservador e de direita. No final do
segundo turno, sentiu que os votos do PMDB fizeram falta para derrotar o Collor.
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A revista Isto É Senhor, na sua edição de 27.12.89, em seu editorial (p.27), fez o
seguinte comentário sobre os resultados eleitorais:
“Conservador e populista – com estes qualitativos, muitos jornalistas norte-
americanos apresentam Fernando Collor de Mello, presidente eleito do Brasil, aos
seus leitores. Baseiam-se, principalmente, mais ainda nas origens familiares, no
figurino tradicionalista de sua campanha presidencial. Muitas promessas de combate
à corrupção e à politicagem, um grande e sistemático esforço para transformar o
oponente em um comedor de criancinhas, ateu e um tanto devasso [...] Um
programa social-democrático faltou ao candidato Lula na hora em que ele partiu
para negociação com outras forças políticas depois do primeiro turno, um programa
nítido que corrigisse os pontos de museu da Frente Brasil Popular e que colocasse a
escanteio o fanatismo do apocalipse das facções exaustivamente obsoletas, em
proveito da compreensão de que o Brasil não merece ser considerado uma imensa
Nicarágua”.
A campanha cujo jingle era “Lula Lá – Quero ver Chegar”, foi considerada, antes
da eleição de Lula presidente em 2002, a mais importante, a mais politizada, a mais
mobilizadora e a mais emocionante, tanto para militância quanto para toda a
sociedade. Wladimir Pomar (1990, p.9), um dos coordenadores nacional da campanha
de 89, escreveu um livro onde registra o seguinte:
É muito provável que, passado bastante tempo dos resultados finais das eleições
de 1989, grande parte dos que se empenharam para que Lula fosse vitorioso não
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A direção nacional acusou Luiza Erundina de rompimento com a disciplina partidária por ter aceitado o
cargo de ministra-chefa da secretaria de administração no governo Itamar Franco, e decidiu suspender por
um período de um ano seus direitos e deveres partidários. Sentido-se desrespeitada, saiu do partido e
filiou-se ao PSB.
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O Plano Real foi resultado de uma bem sucedida negociação entre as elites
nacionais, representadas por partidos de centro e de direta, para garantir a
continuidade das reformas liberais, a estabilidade econômica e evitar a chegada do
PT ao poder.
defesa do “PT das origens” e acabou sendo expulsa do partido em 1992, dando início à
constituição do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados – PSTU.
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Para o programa de televisão, o PT, que logo após a derrota de 1989, criou o governo paralelo e lançou
a Caravana da Cidadania, na qual Lula percorreu todo o país e registrou um conjunto de imagens sobre a
pobreza e as desigualdades regionais, sofreu um golpe quando criaram uma lei que proibia o uso de
imagens externas nos programas de televisão durante as eleições de 1994.
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Apesar do otimismo, mais uma vez Lula é derrotado como candidato da FBP
para presidente da república, desta vez a eleição foi decidida já no primeiro turno,
ocorrido em 2 de outubro. O resultado foi o seguinte:
dificuldade de entender e enfrentar o Real. Segundo erro foi não termos tido
competência para ampliar a frente de apoio a Lula. O terceiro não ter sabido construir
uma frente política. Fomos apenas um conjunto de partidos, muitas vezes sem
articulação”.
Roberto Freire (senador pelo PPS): “O PT, núcleo hegemônico da Frente Brasil
Popular, errou ao avaliar que os efeitos do plano real seriam efêmeros e se volatizariam
antes da eleição. Com essa análise, a candidatura Lula ficou desarmada do ponto de
vista político e não conseguiu fazer o discurso coerente e concreto da busca da
estabilidade econômica – uma reivindicação de todos os segmentos da sociedade.”
Marco Aurélio Garcia (direção nacional do PT): “a aliança PLF-PSDB, que atraiu o
PP, PTB e frações significativas do PMDB, neutralizou a direita clássica, mostrando para
suas bases – especialmente empresariais – que somente com uma cara moderna era
possível derrotar Lula, que ameaçava, quatro meses antes de outubro, vencer as
eleições no primeiro turno [...] O PAG apontava uma alternativa ao nacional-
desenvolvimentismo e ao neoliberalismo. Mas o país estava esgotado, e o Real
despolitizou a campanha e frustrou o esforço de polarização”.
Além de ganhar no primeiro turno, FHC tinha a seu favor a vitória de aliados
políticos na maioria dos estados da Federação e um Congresso Nacional composto por
parlamentares favoráveis a construção de uma ampla aliança em torno da estabilidade
econômica promovida pelo Plano Real. Nessa conjuntura, FHC prometia livrar o país da
herança do Estado varguista e implantar um processo de desenvolvimento com
combate à pobreza. Para se livrar dos resíduos do modelo varguista, propôs novas
formas de regulamentação da relação entre Estado e mercado. A escolha do modelo de
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regulamentação do mercado gerou uma divisão dentro do PSDB entre uma ala política
neoliberal (FHC, Pedro Malan, Henrique Meirelles e Tasso Jereissati), continuadores das
reformas iniciadas por Collor, e uma outra que defendia um modelo social-
democrata( Serra, Bresser Pereira, Rubens Ricupero, Mario Covas).
grande. Então é preciso fazer as reformas para colocar o Estado em uma condição
mais enxuta, para poder funcionar. É preciso acelerar as privatizações, porque a
infraestrutura do país está em pandarecos, e é preciso, ao mesmo tempo, ampliar o
grau de abertura e criar condições de competição ( Sallum Jr. 1997, p.14)”
medidas e opções realizadas 13, no seu primeiro mandato, predominou uma política
liberalizante em sintonia com o que se passava em toda América Latina, que adotava as
políticas de ajustes estruturais indicadas pelo Banco Mundial e sintetizadas no
famigerado Consenso de Washington. Quando acusado pela oposição de adotar
políticas neoliberais, FHC tentou ridicularizar seus opositores com frases polêmicas: “
estamos deixando de ser caipiras”, ‘ nhenhenhém “, “ neobobos”.
O Programa de Governo de 1989 afirma que “só a união do povo e uma nova
maioria podem formar um governo capaz de tirar o país da crise e prepará-lo para o
século XXI”. Afirma também que a união das esquerdas expressa o sentimento de todos
aqueles que condenam o atual estado de coisas e que querem superar os problemas
que afligem o país há séculos e que foram sumariamente agravados pelo governo FHC.
Pela primeira vez, o PT fala da herança FHC: “o povo está inquieto, intranqüilo e
inseguro; o país sofre com a arrogância, o autoritarismo e a irresponsabilidade de FHC;
a nação vive crescente dependência externa, instabilidade e crise”.
13
Segundo Sallum Jr. (2003, p.44) “os projetos de reforma constitucional e infraconstitucional
submetidos ao Congresso foram quase todos aprovados, entre os quais se destacaram: a ) o fim da
discriminação constitucional ao capital estrangeiro; b) a exploração, o refino e o transporte de petróleo e
gás, monopolizado pela companhia estatal de petróleo (Petrobrás), foram transferidos para a União e
convertidos em concessão do Estado às empresas, principalmente a estatal, que manteve grandes
vantagens em relação a outras concessionárias privadas; e c) o Estado foi autorizado a conceder direitos
de exploração dos serviços de telecomunicação ( telefonia fixa e celular, exploração de satélites, etc.) a
companhias privadas”.
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Embora tenha garantido a reeleição, seu governo cada vez mais passou a ser
identificado como neoliberal pela oposição. Além disso, durante os oito anos do
governo FHC (01/01/1995 – 01/01/2003) vários escândalos de corrupção alimentaram
a agenda política dando fogo para oposição, citamos alguns: 1 – o escândalo
envolvendo o sistema de vigilância do Amazonas – Projeto Sirvan, envolvendo a
empresa nacional Esca e a norte-americana Raytheon; 2 – Prática de caixa-dois nas
campanhas de 1984 (R$5 milhões) e 1998 (R$ 10,1 milhões); 3 – esquema de
pagamento de propina, durante o processo de privatização do Sistema Telebrás (RS 90
milhões), para ajudar na montagem do consórcio Telemar e da Vale do Rio Doce (R$ 15
milhões), recebido do consórcio do empresário Benjamim Steinbruch; 4 – Divulgação
de uso de grampos telefônicos onde FHC aparece articulando apoio da Previ para
beneficiar o consórcio do Banco Opportunity – BO; 5 – Escândalo envolvendo o ex-
secretário do Palácio do Planalto, Eduardo Jorge Caldas, acusado de ter liberado verbas
para o TRE paulista ( o caso do juiz Nicolau), de manipular recursos de fundo de pensão
e de fazer lobby para empresas privadas; 6 – Constatação de rombo ( R$ 2 bilhões) na
Sudam e de desvio de dinheiro ( R$ 1,4 bilhões) na Sudene. Para evitar apuração dos
fatos, FHC extinguiu os órgãos; 7 – Escândalo financeiro Marka/FonteCindar, onde o
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Banco Central repassou R$1,6 bilhão para bancos privados durante o processo de
desvalorização do Real. Foram presos o ex-presidente do BC, Chico Lopes, e o
banqueiro Salvatore Cacciola, ex-dono do Banco Marka; 8 – Escândalo da operação
araponga, conduzido pela Polícia Federal ,que descobriu uma rede de espionagem para
vasculhar a vida dos adversários do governo. A candidatura de Roseana Sarney foi
abortada numa ação dos arapongas; 9 – Obras irregulares: o TCU apresentou um
levantamento em 2001 onde constata a existência de 121 obras federais cm indícios de
irregularidades.
Com maior peso político no partido do que a Direção Nacional, Lula seguiu
firme no seu propósito de ser presidente do Brasil, sabendo que era a ultima vez que
podia ser candidato, passou por cima das diretrizes e princípios históricos do partido.
Inicialmente, indica Celso Daniel, prefeito da Cidade de Santo André (SP), para
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Como conclusão desse resgate histórico que compõe a primeira parte da minha
pesquisa, cito as constatações de Emir Sader, em O PT e o Governo Lula, um artigo
lúcido e chamativo ao debate:
Os resultados eleitorais confirmaram que o "fenômeno Lula" era muito maior que
o PT. Antes de tudo porque os votos com que Lula conseguiu superar o patamar
histórico do PT vieram depois da divulgação da "Carta aos brasileiros", eram votos
que com isso deixaram de "temer" a Lula, pelos compromissos que ele havia
assumido. Mas ao mesmo tempo eram obtidos pelas mudanças introduzidas no
programa do PT e na sua plataforma original, antes em confronto com o capital
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No segundo turno, vencendo com 52.793,364 votos, Lula se tornou o segundo presidente mais votado
do mundo, apenas atrás de Ronald Reagan nas eleições estadunidense de 1980.
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BIBLIOGRAFIA:
DOSSIÊ: Documentos trabalhadores: anos 1970. Fundação Perseu Abramo, São Paulo,
Revista Perseu nº4 – dezembro 2004.
__________. A nossa vez, a nossa voz. Belo Horizonte, Movimento Pró-PT, 1981.
________. Programa de Governo do PT 94. Diretório Nacional do PT, São Paulo, 1994.
________. Documento Teoria e Debate (Eleições 1994). Diretório Nacional do PT, São
Paulo, 1995.
POMAR, Wladimir. Quase Lá – Lula, o Susto das Elites. São Paulo, Editora Brasil Urgente,
1990.
SADER, Emir. E agora PT? Caráter e Identidade. São Paulo, Editora Brasiliense, 2ª
edição, 1986.
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“1º - De joelhos diante do FMI, cujas políticas fracassam no mundo inteiro, como
reconhecem até mesmo economistas conservadores, FHC e seus tecnocratas
preparam receitas que significam hipotecar a soberania de nossa política
econômica e frustra definitivamente as possibilidades de um desenvolvimento
nacional.
2º - Chegamos a uma situação limite em que começa a ficar evidente toda a
perversidade das políticas econômicas aplicadas desde a guinada neoliberal que
Collor de Mello impôs ao país. Tolerar esta política significa renunciar a um projeto
de desenvolvimento nacional capaz de eliminar as profundas distorções que
afetam secularmente a sociedade brasileira. Mais do que isto, implica consagrar
um tipo de organização econômica e social que só poderá se manter apoiada por
uma ampla coalizão conservadora, que será forçada a lançar mão, pelo caráter
excludente de suas políticas, de procedimentos crescentemente autoritários.
3º - É evidente que qualquer programa das oposições exigirá mudança radical com
relação à dívida externa, ao FMI e à banca internacional. O país renegociará a
dívida, por razões de soberania. Além disso, não têm como pagá-la a curto prazo
(...) A centralização do câmbio defenderá nossas reservas e impedirá uma
moratória selvagem imposta pelos credores. É preciso defender o mercado
interno, reorientar o sistema tributário criando condições para o financiamento
público da economia, redefinindo não só o papel dos recursos do governo federal
mas também das agências de desenvolvimento como o BNDES, o Banco do Brasil e
outros Bancos Públicos. Nesse programa de governo se dará prioridade à
formação da poupança interna, à renegociação da dívida interna para permitir,
inclusive, o respeito ao pacto federativo. A reforma tributária e a renegociação da
dívida interna, com o alongamento do seu perfil, são bases para o
restabelecimento da capacidade de financiamento do Estado.”
No último ano de seu mandato, FHC deu sinal de que sua opção era mesmo
pelo capital financeiro; tal opção ficou evidente na sua política de juros altos, o que
gerou descontentamento nos setores nacionais que compunham seu arco de alianças
(oligarquias regionais, setor comercial e agropecuário), que, além disso, sonhavam em
ser o herdeiro do trono, principalmente a ala mais conservadora do Partido da Frente
Liberal – PFL, que tentou emplacar a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, como
candidata própria do partido à presidência. As primeiras propagandas de Roseana,
destacando o seu lado de mãe, mulher e de coragem para fazer, tiveram impactos
positivos, mas a candidatura foi execrada pelo partido do governo FHC (PSDB), que
viam em Roseana um entrave à candidatura de José Serra. Frente a esse fato, as bases
conservadoras do PFL e do PMDB, articuladas por José Sarney que desejava sua filha na
presidência, descontentes com o governo federal, voltaram o seu apoio lentamente à
campanha de Lula.
Numa entrevista muito lúcida, publicada pelo jornal Folha de São Paulo, Perry
Anderson (2002) fez uma avaliação do Governo FHC e alertou para o que vinha
ocorrendo com os governos de oposição que chegavam ao poder. Segundo Anderson:
“A hiperinflação foi derrotada, o que sem dúvida beneficiou as camadas mais pobres
da população. O analfabetismo diminuiu, a mortalidade infantil foi reduzida e houve
um certo grau de redistribuição da terra. Houve avanços na área social e
administrativa. O aparelho do Estado passou por uma modernização genuína, sob
alguns aspectos, tornando-se menos opaco e mais eficiente. Os níveis de corrupção,
embora continuem altos, caíram. As informações estatísticas são mais confiáveis, os
controles orçamentários estão mais rígidos, o clientelismo regional foi reduzido (...)
Seria um erro menosprezar esses avanços. Mas eles são muito modestos quando
comparados à escala dos danos provocados pelas políticas macroeconômicas do
governo. A característica que define o governo de FHC tem sido o neoliberalismo
light, do tipo que predominou nos anos de 1990, quando as doutrinas da Terceira Via
distanciaram-se ostensivamente das versões mais rígidas de neoliberalismo
introduzidas por Reagan e Thatcher nos anos 80, ao mesmo tempo em que, na
prática, levaram adiante – na realidade, muitas vezes acentuaram – o programa
original, acompanhado apenas de concessões sociais secundárias e de um discurso
mais flexível.
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Apesar de ter sido de iniciativa do PT a formação de sua política de aliança, falamos de incorporação do governo Lula porque o
controle do poder político de uma nação passa pela direção intelectual e moral da sociedade. Lula era governo, mas não estava
sendo capaz de conduzir um projeto político que contrarie ou ganhe espaço em relação ao capital financeiro. Um grupo é
ideologicamente hegemônico quando consegue manter articulado – mesmo que de maneira conflitiva – grupos sociais heterogêneos,
difundindo e fazendo aceitar a sua concepção de mundo e sociedade. No governo Lula, é a ideologia de mercado que cimenta as
relações, o social é subordinado ao crescimento econômico. Não se esperava do PT uma ação aventureira contra o capital financeiro,
mas se exigia uma ação reformista para redistribuir riqueza, renda e conhecimento.
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do Banco Central (BC), Henrique Meirelles16, deputado eleito pelo PSDB e ex-
presidente mundial do Bank of Boston, atual Boston Fleet, o 7º maior banco nos EUA
e, após o Citigroup, a segunda maior instituição credora do Brasil. A despeito das
críticas de que poderia haver conflitos de interesses principalmente pelo fato de
Meirelles ter presidido um banco credor do país, envolvido em operações obscuras
que levaram ao default argentino, Lula não apenas o confirmou no cargo, como
acatou sua exigência de que o BC teria de ter autonomia em relação ao Executivo. O
ministério da Fazenda foi entregue a um petista com fortes afinidades com as
políticas neoliberais, Antonio Palocci, um ex-prefeito de uma cidade paulista de
médio porte, que promovera a intensa privatização, incluindo a distribuição de água,
e que tornou-se o braço das novas alianças do governo com o capital financeiro. O
ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o Ministério da
Agricultura foram confiados ao setor de agrobusiness, por meios de dois grandes
empresários do setor. O Ministério da Integração Regional, responsável pela a
interface da área econômica com as diversas regiões do país, foi entregue ao ex-
candidato à presidente Ciro Gomes.”
16
A indicação de Henrique Meirelles para presidência do BC gerou polêmica dentro do PT. A senadora
Heloísa Helena se colocou contrária à sua indicação argumentando que ele servia aos interesses
financeiros internacionais. Como o nome indicado para presidir o BC deve ser sabatinado pelo Senado, o
PT fechou um acordo para que a senadora Heloísa Helena se ausentasse da seção de sabatina de
Meirelles.
52
sofisticada. Lula foi produzido com um visual humanizado, passou a usar ternos caros,
barba feita e trocou a aparência de operário por uma de executivo. Além disso, o
marketing focou de forma muito forte na questão do combate à corrupção. Duda
Mendonça, o marqueteiro de Lula, criou uma campanha de forte impacto moral. Em
uma das peças de publicidade, vinculada por várias vezes na televisão, mostrava ratos
(PSDB, PMDB, PLF) comendo a bandeira brasileira e finalizava assim: “ou a gente acaba
com eles ou eles acabam com o Brasil. Xô corrupção – uma campanha do PT e do povo
brasileiro”.
O Governo Lula teve sua ação voltada para a administração do mercado através
da priorização de medidas centradas na revisão do papel do Estado (reforma da
previdência: aprovada; e tributária: protelada) e na manutenção da estabilidade
econômica. Todavia, os objetivos de um Estado democrático tendem a ser objetivos
sociais, mas, para efetivação de objetivos sociais, faz-se necessário uma expansão
funcional do Estado orientado por uma agenda social.
17
Mais de 150 mil pessoas de todo Brasil compareceram à festa de comemoração e posse do governo
Lula, em Brasília.
53
18
Como disse Lula, na carta aos brasileiros (22/6/02): “ vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir
que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos”.
54
ter ficado estarrecido com a concordância do senador Eduardo Suplicy com parte das
críticas feitas por Maurício Correia. Já o Presidente Lula, durante as festas de
comemoração do Dia da Independência, não cumprimentou o presidente do STR, com
quem dividia o mesmo palanque, mas cumprimentou o governador do Distrito Federal,
Joaquim Roriz, acusado, pelo próprio PT, de corrupto, mas cujo partido, O PMDB de
Jader Barbalho, já era alvo de negociações de cargo no governo Lula em troca de apoio
político. No mesmo período, no Piauí, o Programa Fome Zero é usado por militantes
petistas como uma correia de transmissão para filiação partidária (Fonte Jornal FSP –
7/9/2003).
Punição para os rebeldes, expulsão dos radicais ( Heloísa Helena, João Batista –
o Babá e Luciana Genro), intolerância para com os críticos, uso dos programas
governamentais para o fisiologismo partidário, corrupção dos princípios e vaidade. O
que estava acontecendo com o PT, e com o governo, que venceu as eleições embaladas
pela ideia de que a “esperança venceria o medo”? O que estava acontecendo com o
governo de origem popular que, na condução do processo de reformas, fez opção por
manter alianças com os setores do capital financeiro, partidos patrimonialistas, ao
mesmo tempo em que adotava uma postura de distanciamento em relação aos grupos
que representavam os interesses de setores populares e da classe média?
proposta pelo governo Lula, que, aprovada, retirou à direito de aposentadoria integral dos servidores
públicos. Em seguida, acusou Lula de “cometer impropérios que precisavam ser corrigidos pelo ministro
da casa civil” e de se empenhar para impedir a criação das CPIs dos casos Valdomiro Diniz e Santo André
( corrupção na prefeitura e morte do prefeito do PT)
20
Alguns analistas políticos na época diziam que Lula havia conseguido, no imaginário popular, se
separar do PT e do mundo político. Assim, passou a ser blindado em relação a toda e qualquer acusação
de corrupção. Numa linguagem da umbanda; Lula tinha o corpo fechado.
57
AS ELEIÇÕES DE 2004
“A centralidade das eleições municipais será definida pelo seu caráter local e
municipal. O eleitorado estará mais preocupado em eleger prefeitos, em escolher
boas propostas para solução de seus problemas municipais do que julgar o
desempenho do governo federal. Além disso, os fatores que determinam a decisão
do voto do eleitorado são multidimensionais (...). O objetivo central na disputa
eleitoral de 2004 consiste em vencer as eleições. Vencer as eleições significa manter
e aumentar as administrações nas capitais e nos grandes centros urbanos e avançar
nos médios e pequenos municípios. Vencer as eleições significa também aumentar o
número de vereadores eleitos pelo PT. Vencer as eleições significa agregar aliados,
consolidar alianças e aumentar o grau de apoio e de sustentabilidade política e
social ao governo Lula.”
O fato de o PT não ter mantido suas principais administrações, São Paulo (uma
das maiores âncoras de projeção e poder político do país) e Porto Alegre (força
simbólica do modo petista de governar), como previa um dos seus objetivos táticos,
não significa que o partido saiu derrotado. É claro que localmente há derrotas e perdas
de espaço importantes, mas há espaços para reflexões e especulações sobre os
motivos de tal fenômeno. Todavia, no geral, o PT saltou de 187 para 411 prefeituras,
passou de 2.485 vereadores para 3.679, mesmo que alguns ponderem que ele reduziu
o número de eleitores a serem governados de 21.590.995 para 17.055.262. Os
resultados eleitorais demonstram que o voto foi multidimensional, mas que foi
formatado um quadro político equilibrado, onde nem PT e nem PSDB, os maiores
vitoriosos nas eleições, se tornassem hegemônicos.
21
O Ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, fez um balanço no dia 16/12/2004 sobre as ações do
governo federal durante o ano. Ele aproveitou ainda para destacar as prioridades para 2005. O ministro
fez um pronunciamento longo (18 laudas) e, em seguida, concedeu entrevista coletiva no Palácio do
Planalto. O pronunciamento e a entrevista foram disponibilizados no site do PT (www. pt.org.br).
61
A merenda escolar passou a atender 881 mil crianças de 18 mil creches, além
de toda a rede básica de ensino fundamental, que teve um aumento de 15% no valor
de repasse em 2002. O bolsa-família, cujo valor médio era de R$28,00, passou para R$
75,00.
O BNB destinou US$ 720 milhões, entre 2003 e 2004, para o crediamigo,
financiando a pequena agricultura e o trabalhador autônomo. O governo também
62
A reforma agrária não atingiu as metas planejadas, segundo José Dirceu, porque
o governo recebeu 500 mil famílias assentadas com passivo e teve que dar
financiamento para água, habitação, estrada e assistência técnica. Todavia, no ano
passado, assentou somente 36 mil famílias das 80 mil previstas, e em 2004 somente 68
mil famílias das 120 mil prometidas nas metas. E, conclui o ministro José Dirceu, no
social:
“O governo continua com a política consistente de afirmação da mulher, do negro e
da negra e o Programa Quilombola, que é uma realidade no país, saneamento
básico, obra de eletrificação rural, universidade e políticas públicas para aldeias
indígenas.”
razoável para garantir a sustentabilidade desse endividamento com rigor fiscal, mas
também audácia e criatividade. O que o presidente exige de nós, do governo, é
criatividade e trabalho.”
pg.210)”. Nesse sentido, o PT, ao priorizar uma política de mercado voltada para o
fortalecimento do setor financeiro, subordinando o desenvolvimento social ao
crescimento econômico, rompe as esperanças de adotar uma postura de governo
comprometida com a transformação social e com a construção de uma reforma política
e moral.
22
Elementos para uma Teoria do Partido Político, Gramsci in Carlos Nelson Coutinho: Fontes do
Pensamento Político de Gramsci, Editora L&PM, Porto Alegre, 1981.
64
O ano de 2005 iniciou-se com o acirramento das disputas pelo poder, cuja
reeleição presidencial foi posta como foco pelo próprio governo durante os seus dois
primeiros anos de governo. Ao ser empossado, Lula já manifestava o desejo de ser
reeleito. A estrutura montada para o funcionamento de suas ações foi configurada à
moda de um “Parlamentarismo Presidencial”, onde Lula passou a se comportar como
se fosse um Primeiro Ministro a comandar a política internacional, a participar de
eventos internacionais e nacionais, a pousar de público com celebridades. O papel de
presidente, de homem forte, de comando político, de negociações com políticos e
partidos, de nomeações e acompanhamento da agenda do Congresso Nacional, ficou
com o ministro da Casa Civil, José Dirceu.
23
Valdomiro Diniz foi acusado de pedir propina ao empresário Carlos Augusto Ramos, conhecido como
Carlinhos Cachoeira. A propina foi para campanha política do PT de 2002. Valdomiro, homem de
confiança de José Dirceu, ocupava cargo de confiança sob a chefia de Aldo Rabelo ( PC do B) na
Coordenação Política e Assuntos Institucionais do Governo Lula. Carlinhos Cachoeira gravou a conversa
que foi divulgada pela revista época. O dinheiro sujo vinha do jogo de bingos e o PT se mobilizou para
evitar a CPI dos bingos.
65
Presidencial”. O governo ficou sem comando político, e o estrago só não foi maior
porque o governo contava com o Deputado João Paulo (PT-SP) na presidência da
Câmara dos Deputados para conduzir uma agenda política de interesse do governo.
A Direção Nacional do PT, que muitas vezes se comporta como se fosse governo,
em parte porque o presidente Lula não assumia o comando político do país, quis
24
A votação para presidência da Câmara aconteceu no dia 16/02/2005. No primeiro turno, os resultados
foram os seguintes: Luis Eduardo Greenhalgh (PT-SP), 207 votos Severino Cavalcanti (PP-PE) 124 votos,
Vírgilio Guimarães (PT-MG) 117 votos; José Carlos Aleluia (PFL-BA) 53 votos; Jair Bolsomaro (PFL-
RJ) 2 votos, brancos 3 votos, nulos 4 votos. No segundo turno: Severino Cavalcanti 300 votos, Luis
Greenhalgh 195 votos, branco 1 voto, nulo 2 votos. O Candidato oficial do PT, mesmo com o apoio do
candidato “rebelde” no segundo turno, teve menos votos do que o obtido no primeiro turno.
66
amenizar a derrota afirmando que Severino Cavalcanti fazia parte da base de aliados.
Todavia, essa mesma base aliada impôs mais duas derrotas ao governo: uma na
indicação do Conselho Nacional de Justiça, órgão responsável pelo controle externo do
poder judiciário: após acordo político, o PT apoiou o nome de Sérgio Renault, mas o
eleito foi Alexandre Moraes, indicado pelo PFL/PSDB. A outra derrota foi na indicação
do Presidente do Tribunal de Contas da União: após acordo político para indicação do
nome do deputado José Pimentel (PT-CE), o indicado foi o deputado Augusto Mendes
(PP - RS); Augusto bateu Pimentel por 203 a 137 votos. Mesmo assim, José Genoíno,
presidente nacional do PT, declarou, por várias vezes, que essas derrotas faziam parte
do jogo democrático, que a relação com a base aliada estava firme e forte.
67
nas contas da DNA Propaganda, administrada por Marcos Valério, o que, segundo a
Polícia Federal, alimentava o valerioduto, esquema de pagamento ilegal a
parlamentares.
Um dos argumentos mais fortes e racionais para impedir a CPI dos correios foi
a afirmação de que o governo já havia tomado todas as medidas para apurar os fatos,
entre elas , as seguintes: afastou o diretor financeiro dos correios, Maurício Marinho,
do cargo e mandou instalar sindicância interna; mandou instalar inquérito policial; e
suspendeu a licitação sob suspeita. Como retórica política, usou o seguinte argumento:
“CPI não existe, trata-se de uma estratégia do PSDB e do PFL para desgastar o governo
e antecipar o debate das eleições de 2006”.
69
Desde que passou a enfrentar a maior crise política da sua história, a crise do
mensalão, o PT criou algumas falácias que não suportam um ligeiro confronto com os
fatos produzidos por suas práticas no comando administrativo da coisa pública no país:
A primeira falácia: “o governo não rouba e não deixa roubar”. Nessa retórica, o
PT aparece como o guardião da ética, mas não precisamos recorrer aos fatos vindo à
tona, com a denúncia sobre a existência do “mensalão”, para que tal falácia caísse por
terra, bastava rever alguns casos anteriores. O caso Benedita da Silva, ex-ministra
acusada de usar o dinheiro público, para fins privado ao participar na Argentina de um
evento evangélico. Diante do caso, a postura da direção do PT foi que a imprensa
estava fazendo uma tempestade num copo de água. A ministra só caiu devido à
pressão da opinião pública e pelo fraco desempenho de sua pasta. O presidente do BB,
Cássio Casseb, acusado de evasão de divisas e de gastar dinheiro público na aquisição
de ingresso de uma festa cuja renda era destinada à compra de uma sede para o PT no
DF. O ex-ministro, Humberto Costa, acusado de conduzir de forma irregular a compra
de hemoderivados no Ministério da Saúde. Luiz Candiota, diretor de política monetária
do Banco Central, acusado de sonegação fiscal.
Mais do que ser conivente com o roubo e d fazer uso do tráfego de influência, o
governo Lula legitimou a corrupção através da Medida Provisória nº 207, de
13/09/2004, que elevou o Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, à condição
de Ministro de Estado para que ele passasse a ter foro privilegiado, não podendo ser
julgado criminalmente por instâncias inferiores ao Supremo Tribunal Federal – STF. A
Medida Provisória foi motivada porque Henrique Meirelles enfrentava acusação de
crime contra o sistema financeiro e evasão de divisas.
No dia 21 de junho de 2005, MST, CUT, ABONG, UNE, CPT e outros movimentos
sociais entregaram ao governo Lula e divulgaram em Brasília uma “ Carta do Povo
Brasileiro” contra a desestabilização do governo e contra a corrupção: por mudanças
na política econômica, pela prioridade nos direitos sociais e por reformas políticas
democráticas. A carta propôs ao governo Lula, ao Congresso e à sociedade civil as
seguintes medidas:
74
Calheiros e José Sarney passou a ter um maior controle sobre os ministérios. Isso só
confirma o que José Genoíno havia dito (FSP-10/06/2005): “governamos com aliados.
Não é um caso isolado que vai contaminar essa aliança”. A aliança do PT não era com a
sociedade civil, a aliança tinha como foco garantir a reeleição do Lula. Quem faz
oposição, bem como quem governa, não o faz com base em projeto político para o
Brasil, mas na defesa de seu projeto de poder.
O PT, por várias vezes, diante do cenário de crise, acusou haver uma
conspiração das elites em curso no país para derrubar o governo Lula. Todavia, Norman
Gall (2005, p.6) nos esclarece que:
Empresários, banqueiros e líderes políticos da oposição, de maneira quase unânime,
se colocaram contra um impeachment do presidente, embora muitos digam que
existiam bases legais de sobra para isso. Ao afastar a ameaça do impeachment, a
oposição renunciou ao uso do principal instrumento de pressão contra Lula.
Enquanto isso, a economia segue bem, com a inflação caindo. As finanças públicas
melhoravam e as contas internacionais registraram superávits crescentes. Os bancos
e os fornecedores estrangeiros de Hot Money obtiveram lucros enormes com os
empréstimos ao governo com as taxas de juros reais mais altas do mundo, 14%
acima da inflação. Os homens temiam que a queda de Lula também assinalasse a
queda do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, como o pau que mantém o circo de
pé.
Maquiavel diz que além da virtude é preciso sorte para governar. Lula parece
ter tudo isso e algo a mais, pois se os representantes do mercado, mesmo diante de
tantos escândalos, apoiaram Lula enfraquecendo a vontade da oposição de instalar um
processo de impeachment, o homem que dava segurança de lucro fácil aos setores do
mercado, o ministro da fazendo Antonio Palocci, viria a cair quase um ano depois, mas
a conjuntura já era bem mais favorável ao governo.
Uma análise das políticas sociais do governo Lula, no período de 1992 a 2002,
nos foi apresentada pela professora de Ciência Política da USP, Maria Hermínia Tavares
de Almeida (2002), na qual ela constata o seguinte:
25
Em 1º de abril de 2006, a revista Veja n.º. 1950, cuja capa denuncia o “ golpe sujo”, afirma que a CEF
chegou a oferecer um milhão de reais para que alguns de seus funcionários assumissem a culpa pela
quebra do sigilo bancário do caseiro. A revista ainda, afirma que Jorge Mattoso recebeu pessoalmente de
Palocci a ordem para quebra do sigilo bancário de Francenildo. A ordem havia sido dada na tarde do dia
16 de março, quando, numa sala do Planalto, Palocci assistia, pela TV, o depoimento do caseiro na CPI
dos Bingos.
77
O governo Lula e o PT, por não conseguirem justificar suas ações com base
numa ética de princípios e nem de responsabilidade republicana, transformaram a
instrumentalidade em um valor: o compromisso com as mudanças sociais se
transformou num utilitarismo. A maioria dos parlamentares petista 26 se moldou ao
26
Em maio de 2006, a Polícia Federal deflagrou a operação Sanguessuga para desmontar um esquema de
irregularidades em licitações na área de saúde que envolvia a compra de ambulâncias para prefeituras.
Uma CPI foi instalada e investigou 90 parlamentares e 25 ex-parlamentares,e, ao final dos trabalhos, a
78
CPI dos Sanguessugas recomendou a cassação de 72 parlamentares. Do Ceará, José Airton (PT) estava
entre os mais envolvidos.
79
Uma estratégia de Lula durante todo seu mandato foi a de deslocar, junto à
sociedade, a sua imagem dos escândalos e do seu partido. Diante dos escândalos, Lula
sempre afirmou não saber nada, afirmou que foi traído pelo PT, afirmou que um pai não
sabe tudo que passa em casa com seus filhos. Sua estratégia deu tão certo que, em 12 de
julho de 2005, pesquisa divulgada pela CNT - Sensus revelava que 45,7% dos
81
entrevistados achavam que Lula não tinha conhecimento do mensalão, e apenas 33,6%
achavam que ele sabia. Já no final de seu primeiro mandato, Lula conseguiu um feito
extraordinário: pesquisa do IBOPE, realizada entre 7 a 10 de dezembro de 2006, mostra
que a avaliação da administração entre setembro a dezembro, entre boa e ótima, subiu
de 49% para 57%; ruim e péssima caiu de 16% para 13% no mesmo período. Nessa
mesma pesquisa, Lula obteve média 7 (sete) pelo seu desempenho. Com esse resultado,
Lula tornava-se o presidente mais bem avaliado na história do Brasil. Além disso, a
mesma pesquisa registrava que para 59% dos entrevistados o segundo mandato de Lula
seria bom ou ótimo.
O grande aprendizado que ficou foi que, na disputa de poder, ganhar espaço
significa criar fatos que alimentem as condições para emplacar um candidato com reais
possibilidades de derrotar quem está no governo; e, quem está no governo, isolar a
oposição. O PT conseguiu isolar a oposição, conseguiu usar dos mecanismos
tradicionais e do marketing político para ter sintonia com a sociedade. Nesse sentido,
quem apostou que, com a vitória do PT, a cultura política iria mudar, ficou , além de
perplexo, decepcionado.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. A política Social no Governo Lula - 1999-2002.
Revista CEBRAP nº. 70 – p.7-17, São Paulo, novembro 2004.
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci – Elementos para uma teoria de partido político.
Editora L&PM, Porto Alegre, 1981.
_________. Lula de Novo com a Força do Povo. Programa de Governo 2007-2010. São
Paulo, 2006.
27
Para os petistas Emir Sader e Marco Aurélio Garcia (2010, p.27), “ o governo Lula manteve alguns
elementos das políticas do governo anterior (...) Na primeira fase, primaram os elementos de
continuidade, mantendo-se um rígido ajuste fiscal, que possibilitou os superávits primários e a
independência de fato do Banco Central...Manteve tanto a política econômica financeira como a política
agrícola tradicional.”
84
1.º - O programa Bolsa Família, cujo objetivo anunciado era ajudar a tirar da
miséria parte da população em situação de risco por meio do mecanismo da segurança
alimentar. O programa atingiu, em junho de 2006, 12 milhões de famílias; e, entre 2003
a junho de 2006,28 o governo investiu 11 bilhões de reais no programa;
28
Todos os dados dos fatores aqui apresentados têm como fonte o caderno: Mais Desenvolvimento. Uma
publicação da Casa Civil da Presidência da República, ano III, número 7, junho de 2006.
85
A campanha para reeleição de Lula foi marcada por uma orientação tática e
eleitoral; o PT colocou a seguinte questão como foco nas eleições de 2006: o Brasil
precisa decidir se o capitalismo segue sendo administrado por um projeto de esquerda
ou se retornará a um projeto neoliberal. Nesse sentido, o que marca a diferença entre
os capitalistas de esquerda e os de direita é a concepção de Estado. Com os capitalistas
de esquerda, temos um Estado que intervém na economia, temos um Estado que
amplia os serviços públicos; com os de direita, temos um Estado mínimo através do
86
avanço das privatizações. Portanto, o que tivemos com a reeleição de Lula (2006) e a
eleição de Dilma (2010) foi uma disputa de hegemonia entre capitalistas de esquerda e
de direita, ou seja, tivemos uma disputa de poder e não de projeto sistêmico de
sociedade. A esquerda capitalista, que saiu vitoriosa, construiu sua campanha com a
seguinte estratégia: caracterizar a direita de privatista e mostrar para a população um
balanço positivo do governo Lula como sendo superior ao do governo FHC. Durante a
campanha, o governo FHC foi caracterizado como neoliberal e condutor de uma
nefasta política de privatizações29. Todavia, apesar de considerar as privatizações como
sendo uma política criminosa por parte do governo tucano, o PT e o governo Lula
nunca falaram sobre política de desprivatização e nem tomaram nenhuma iniciativa
para investigar as formas como se deram as transações privatizantes.
Quando era oposição, o PT, através da deputada federal Drª Clair (PT-PR) fez
parte da Frente Parlamentar pela defesa do patrimônio público e integrou a CPI das
privatizações. A deputada Clair foi uma das autoras de uma das ações populares que
pedia a anulação do leilão da companhia Vale do Rio Doce ocorrido no ano de 1997. Já
em 2007, durante a semana da pátria, foi realizado um plebiscito popular com o lema
“ A Vale é Nossa”, uma reedição da campanha “ O Petróleo é Nosso”. O plebiscito foi
antecedido de um ano de campanha de sensibilização popular em torno da proposta
de reestatização da empresa. A campanha foi organizada pelo MST, CUT, ABONG,
pastorais sociais, Via Campesina e setores do PT. A reestatização da Vale foi aprovada
na consulta popular, mas o governo Lula fez de conta que tal mobilização não existiu.
Durante o segundo turno das eleições de 2006, logo após o escândalo dos
aloprados, o marqueteiro da campanha, João Santana, adotou como mote, na reta final
o seguinte bordão: “ deixa o homem trabalhar”, retirado da música que o forrozeiro
Lázaro Piauí havia feito para campanha. O jingle de Lázaro descreve o presidente como
humilde, carinhoso, predestinado e defensor do povo. A letra não cita o PT e ressalta: “
olha Lula aí de novo. Tá tudo andando direitinho. Deixa o homem trabalhar”. O
29
José Prata Araújo (2006, p. 13) registra que , nos dois governos de FHC, tivemos um “ amplo programa
de privatizações nas áreas de telefonia, mineração, siderurgia, energia elétrica, bancos, ferrovias,
produção de aviões, saneamento básico etc., que implicou a transferência para o setor privado de uma
importante fatia do patrimônio público, em torno de US$ 105 bilhões ”.
87
Assim, a reeleição de Lula é um mérito muito mais dele do que do PT. É muito
significativo que o primeiro encontro do presidente com dirigentes do PT, depois da
vitória, foi para pedir que o partido não lhe criasse problemas, que evitasse cobranças
públicas de cargos, bem como críticas a sua política econômica. Lula foi muito mais
além ao diminuir a participação do PT nos ministérios durante o seu segundo
mandato. No primeiro mandato, o PT havia ocupado 21 dos 31 ministérios. Já o PMDB,
que no início do mandato ficou sem ministério e depois chegou a ocupar dois, passou a
ocupar seis e sete cargos no primeiro escalão.
O início do segundo mandato foi de glória para o presidente Lula, ele chegou a
afirmar que sua política econômica seria bem diferente, que seria necessário destravar
o país, para ele: “destravar o país significa a gente ter uma lógica econômica com
menos tensão do que tivemos no primeiro mandato”.
O ano de 200830 foi singular para o Brasil e de temor para o mundo, pois a crise
estrutural do capitalismo explode em forma de crise do sistema finan
30
O ano de 2008 teve início com o escândalo dos cartões corporativistas, o qual derrubou a ministra da
promoção da igualdade racial, Maltide Ribeiro, e obrigou o ministro dos esportes, orlando Silva, a
devolver 32 mil reais aos cofres públicos. A filha de Lula, Lurian Cordeiro, é acusada de gastar 55 mil
reais na compra de pneu e material de construção usando o cartão corporativo. O caso dos cartões
corporativos chegou ao ponto mais quente, quando, para intimidar a oposição que ameaçava abrir uma
CPI para apurar os fatos, a casa civil, comandada por Dilma, foi acusada pela oposição de montar um
dossiê com detalhes dos gastos da família do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
31
“ Iniciada no centro do sistema econômico mundial, por ocasião da explosão da bolha imobiliária, a
crise rapidamente alcançou os bancos, gerando uma ameaça de default do crédito e de risco sistêmico. Em
pouco tempo, dos Estados Unidos ela se espraiou para outros países centrais e depois para o resto do
mundo, afetando a produção e o comércio internacionais”, Jorge Matoso (2010, p32) in Sader, Emir &
Garcia, Marco Aurélio (orgs.).
89
O PT, ao renunciar a luta pelo socialismo - seguindo a opção já adotada pelo PSB
, PPS e PC do B – passou a ser um partido acomodado com a administração da ordem
burguesa. Como um competente e íntimo condutor dos interesses do capital, Lula
anunciou e conseguiu, durante o seu governo, fazer da crise no Brasil uma marolinha.
Lula, como diz Maquiavel, teve astúcia e sorte para articular virtú e fortuna, pois suas
medidas funcionaram gerando não só popularidade nacional e admiração internacional
como capital político e eleitoral para o seu partido e seus aliados. Todavia, uma das
grandes características de nossa epocalidade é que a manutenção da dominação do
capital sobre o conjunto das relações sociais acontece através de uma boa
administração do Estado como promotor de políticas que estimulem o consumo de
massa como uma ação que une interesses opostos. Como já nos alerta Herbert
Marcuse ( 1978, p.234) sobre a nova forma de dominação do capitalismo:
em seu estágio mais avançado, a dominação funciona como administração e,
nas áreas superdesenvolvidas de consumo de massa, a vida administrada
90
tornar-se a vida perfeita do todo em defesa da qual os opostos se unem 32. Essa é
a forma pura de dominação.
32
O lema do governo Lula durante os seus dois mandatos foi: “Brasil, um país de todos.”
91
Durante toda década dos anos de 1990 até chegar ao Palácio do Planalto
(2002), o Partido dos Trabalhadores (PT), juntamente com a Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra ( MST) se
colocaram como defensores das lutas antineoliberais catalisadas pela rejeição a
práticas de ajuste fiscal. O PT chegou ao poder numa crise das políticas neoliberais,
numa conjuntura que, na América Latina, levou ao poder vários partidos de esquerda
( Bolívia, Venezuela, Equador, Uruguai, Chile,Argentina , Nicarágua, Paraguai). Alguns
jornalistas chegaram a dizer que vivíamos, na entrada no século XXI, uma onda
vermelha latinoamericana.
No contexto da onda vermelha na América Latina, as vitórias de Lula no Brasil e
de Hugo Chávez na Venezuela foram muito importantes para enfraquecer a hegemonia
política americana na região, sepultando a proposta americana de construção da
92
Aliança do Livre Comércio das Américas – ALCA. Emir Sader (2003, p.61), constata que
“a entrada no século XXI é a da disputa por uma nova hegemonia e contra a
hegemonia norte-americana, pela emancipação e contra a dominação”. Todavia,
enquanto a Venezuela, Bolívia e Equador se mantiveram firmes numa política de
enfrentamento e rupturas com o sistema capitalista, o governo Lula buscou consolidar-
se como líder latinoamericano e mundial, apostando em relações multilaterais, onde o
Brasil, como país capitalista emergente, pudesse exercer um protagonismo importante
ao perseguir a conquista de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Assim,
em vez de apostar na Aliança Bolivariana para as Américas – ALBA, Lula não mediu
esforços para se tornar o líder dos países emergentes.
neoliberalismo é, num primeiro momento, uma forma de arrumar a casa para depois
iniciar, num patamar mais favorável, as transformações mais profundas com o sistema.
Não obstante, se assumir tal discurso, volta a restabelecer a velha teoria etapista da
esquerda comunista, dos anos 50, que já foi sepultada por Caio Prado. Emir Sader,
quando achava que o PT não era um partido neo-etapista, que primeiro queria derrotar
o neoliberalismo para depois romper com o capitalismo, apresentou um argumento
que merece melhor atenção, mesmo que não justifique a acomodação do partido ao
ideário capitalista, cito-o:
O Partido dos Trabalhadores chegou ao governo sem contar com uma teoria de
saída do neoliberalismo e sem contar com uma produção teórica que possibilite
construir uma sociedade pós-neoliberal (...). A crise hegemônica gerada pela
realização e pelo conseqüente esgotamento do neoliberalismo – como política e
como modelo de sociedade – é ao mesmo tempo uma crise política e teórica, que
requer práticas políticas novas e novas capacidades de elaboração teórica (2002,
p.17)”.
melhor do que o início do primeiro governo Lula. De toda forma, se,ao ser seduzido
pelo boto cor de rosa, o PT produzir uma sociedade capitalista menos perversa,
próxima a de um Estado de bem-estar social, e avançar com um modelo de
desenvolvimento menos agressivo ao patrimônio ambiental, será um ganho muito
grande. Cabe, portanto, aos que continua com o sonho de um modelo de sociedade
anticapitalista provar sua viabilidade. Contudo, nesse momento, não devemos ter
vergonha de admitir que o PT esteja melhorando as condições de vida, principalmente
dos pobres, no país, mas devemos ser críticos e construir as bases para o projeto
anticapitalista.
BIBLIOGRAFIA
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial. O homem unidimensional.
Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978.
ARAÚJO, José Prata. Um retrato do Brasil. Balanço do governo Lula. São Paulo,
Fundação Perseu Abramo, 2006.
Senado, de que fosse cassado, ele foi absolvido pelos seus pares em setembro de 2007;
o outro foi o caso do Deputado Edmar Moreira (sem partido – MG), acusado de quebra
de decoro parlamentar por uso indevido da verba indenizatória; ele usou a verba para
pagar despesas com empresa de propriedade da própria família. Edmar Moreira ficou
famoso por ter um castelo de 25 milhões não declarados no Imposto de Renda e por
ter sido absolvido pelo Conselho de Ética, mesmo tendo o relatório do Deputado
Nazareno Fonteles (PT-PI) pedindo a sua cassação.
Num país em que máximas como “ é dando que se recebe”, “ toma lá, dá cá “,
“roubo, mas faço” são explicitadas publicamente por seus políticos e têm força na
modelagem das relações políticas é porque os valores republicanos são hostis à visão
de mundo e aos interesses de parte dos que participam do mando político.
A máxima “é dando que se recebe” foi cunhada, em março de 1988, pelo ex-
ministro da Indústria e Comércio e ex-líder do Centrão, Deputado Roberto Cardoso
Alves (PMDB – SP), durante os debates sobre a prorrogação do Mandato do presidente
José Sarney. Para obter a prorrogação por mais um ano, Sarney abriu os cofres da
União de forma muito generosa. No seu governo, que teve como Ministro das
Comunicações Antonio Carlos Magalhães (PDS e PFL - BA), o “toinho malvadeza”, foram
1250 canais de rádio e TV distribuídos por critérios políticos partidários. No período, a
família de Sarney passou a controlar duas emissoras de TV e sete de rádio (Revista Veja
25.07.1990). O presidente Sarney, assim, estabeleceu o “ toma lá, dá cá” no período de
redemocratização do país.
Brasil. As denúncias, que se iniciaram com o problema das passagens 34, passaram pela
questão das horas extras e chegaram ao seu ponto mais crítico com o esdrúxulo caso
dos atos secretos.
34
O escândalo das passagens envolveu todo o Congresso Nacional. Sem fiscalização, há suspeita de
desvio, fraudes e comércio ilegal das contas que todo parlamentar tem direito. O Senador Tasso Jereissati
(PSDB-CE) foi acusado de ter gasto 469 mil para fretar jatinhos entre 2005 e 2007, ele admite ter gastado
358 mil reais. Já em relação às horas extras, em janeiro de 2009, período de recesso parlamentar, o senado
pagou R$ 6 milhões em hora-extra a 3.800 funcionários. Já entre dezembro de 2008 e fevereiro de 2009,
9.512 funcionários do Senado receberam R$ 83,4 milhões de ajuda de custo.
101
cargo. Nesse cenário, no dia 16 de junho de 2009, José Sarney ocupou a tribuna do
Senado para apresentar sua defesa e isentar-se de qualquer culpa. Na sua fala, Sarney
destaca, segundo a interpretação que faço de seu discurso, cinco eixos:
1.º - O presidente do Senado desconhece o que são atos secretos, diz Sarney:
“eu não sei o que é ato secreto. Aqui, ninguém sabe o que é ato secreto”.
“ nunca tive meu nome associado a qualquer das coisas que são faladas aqui dentro do
Congresso Nacional, ao longo do tempo, porque isso é uma crise mundial. O que se fala aqui no Brasil
sobre o Congresso fala-se na Espanha, fala-se na Inglaterra, fala-se na Argentina, fala-se em todos os
lugares [...] Eu acredito que muita gente está interessada em enfraquecer o senado e as instituições
legislativas. Por quê? Porque ao enfraquecê-las, elas passam a ser exercidas por outros, que não mais:
são grupos econômicos, são alguns setores radicais da mídia, são radicais corporativistas que passam
exercer, pressionar e ocupar o lugar das instituições legislativas. É aqui só? Não. É no mundo inteiro que
está se vendo esse processo.”
3.º - José Sarney declara que a crise não é sua e que não tem responsabilidade
administrativa no senado:
“A crise do Senado não é minha, a crise é do Senado [...] Eu não vim para administrar, para
saber, da despensa do Senado 36, o que havia lá. Eu vim, eu sou presidente do Senado para exercer uma
função política, para exercer uma função que a Casa deve ter representação.”
“ Ora, Srs. Senadores, quais foram os fatos de que estou sendo acusado? Depois de 50 anos de
vida pública. Então, vê-se agora a pessoa sendo julgada, porque uma neta minha e um neto meu... E, por
36
Essa declaração em si já caracteriza quebra de decoro parlamentar, pois fere frontalmente a Resolução
n.° 20, de 1993, que instituiu o Código de Ética e decoro Parlamentar, que no art. 2° diz : “são deveres
fundamentais do Senador: I - Promover a defesa dos interesses populares e nacionais; II – zelar pelo
aprimoramento da ordem constitucional e legal do país, particularmente das instituições democráticas e
representativas, e pelas prerrogativas do Poder Legislativo; III – exercer o mandato com dignidade e
respeito à coisa pública e à vontade popular”.
103
isso, querem me julgar perante a opinião pública deste país? É de certo modo a gente ter uma falta de
respeito pelos homens públicos que nós temos [...] Não tenho nenhum motivo ou problema na
consciência que não seja o de ter cumprido o meu dever e acho que não posso ser julgado. É uma
injustiça do país julgar um homem como eu, com tantos anos de vida pública, com a correção que tenho
de vida austera, de família bem composta, que tem prezado a sua vida para a dignidade de sua carreira.”
5.º - José Sarney afirma que o Senado vai fazer tudo o que for necessário para
moralidade da instituição:
“Fiquem absolutamente tranquilos quanto uma coisa: nós faremos tudo que for necessário,
tudo que for para a moralidade e o bem do Senado.”
O discurso de Sarney não foi suficiente para evitar que um conjunto de novas
denúncias sobre casos de desmandos e de corrupção no Senado fossem divulgadas.
Todavia, agora o teor das denúncias envolviam diretamente o próprio Sarney e sua
família. O quadro abaixo demonstra o conteúdo das acusações.
“Até hoje não usei esta tribuna para rebater as inverdades contra mim disseminadas
aqui mesmo e na mídia nacional [...] Avaliei que as críticas eram só rescaldos da
eleição, mas eram mais profundas. Faziam parte de um projeto político e de uma
campanha para desestabilizar-me. Das acusações que me foram feitas nas diversas
representações apresentadas ao Conselho de Ética, nenhuma se refere a qualquer
coisa relacionada com dinheiro ou prática de atos ilícitos.[...] Todas são respaldadas
apenas por recortes de jornal. O Conselho de Ética é um órgão julgador. Há inúmeras
decisões da Justiça que não autorizam a abertura de processo por recortes de jornal
106
[...] Na coerência do meu passado, não tenho cometido nenhum ato que desabone
minha vida, não tenho senão que resistir. [...] Acusam-me de favorecer um
namorado de minha neta por atos secreto[...] É claro que não existe um pedido de
uma neta, se pudermos ajudar legitimamente, que deixemos de atender [...] Assim,
Senhores Senadores, não está se desejando melhorar nem pensando no Senado.
Está-se numa campanha pessoal contra mim, sem respeitar minha privacidade,
meus 55 anos de vida pública, de muitas e cruéis lutas, sem nódoa. Todos aqui,
repito, somos iguais. Ninguém é melhor do que outro. Quero resumir. Em nenhum
momento de minha vida faltei com o decoro parlamentar. Logo eu, que prezo a
liturgia, cidadão de vida ilibada, de hábitos simples, ter falta de compostura e
decoro. Não favoreci neta ou neto meu. Não abusei de minha autoridade ao
requisitar o envio de seguranças a minha residência. Não menti ao dizer que não
tinha responsabilidade por atos administrativos na Fundação José Sarney. Sou , isto
sim, vítima de uma campanha sistemática e agressiva. Humildemente, peço aos
meus colegas que me julguem pela conduta,austera, sem arrogância, respeitando
todos e com todos mantendo boa convivência, e não pelas mentiras, calúnias,
montagens, acusações levianas e desrespeito às pessoas. Peço justiça para que
possamos sair da crise e voltarmos ao ambiente de tranqüilidade.”
I – Representação que acusa José Sarney de usar ato secreto para nomeação do
namorado de sua neta. Apresentada por Arthur Virgilio em 23 de julho;
II – Representação que acusa José Sarney de obter favorecimento por meio de
atos secretos. Apresentada pelo PSDB em 28 de julho;
III – Representação acusando José Sarney de favorecer o neto com operações
de empréstimos a funcionários do senado. Apresentada pelo PSDB em 28 de julho;
IV – Representação que acusa Sarney de desviar recursos públicos da Fundação
José Sarney e mentir ao negar ter ligações com a administração da Fundação .
Apresentada pelo PSDB em 28 de julho;
V – Representação acusando o presidente do Senado de omitir para Receita
Federal uma casa no valor de 4 milhões de reais e de ter conta no exterior gerenciada
por Edemar Cid Ferreira. Apresentada pelo PSOL em 29 de julho;
VI – Representação acusando Sarney de vender terras nunca registradas em seu
nome, como forma de não pagar impostos. Apresentada em 29 de julho por Arthur
Virgilio e Cristovam Buarque (PDT - DF);
VII – Representação acusando Sarney de se beneficiar de recursos na operação
Boi Barrica. Apresentada por Arthur Virgilio em 14 de julho.
entendimento de que recortes de jornais não podem justificar ações de ética, e que o
regimento determina que denúncias referentes a fatos acontecidos em períodos
anteriores ao mandato devem ser arquivados. Ao anunciar o arquivamento, disse
Duque:
“é uma decisão pessoal do presidente. Quero avisar que são dois dias para
recorrer da minha decisão após a publicação. Feito isso, o Conselho em sua
totalidade vai julgar, se não estiverem de acordo. Essa é a regra e não fui eu
quem fiz. Quero dizer ainda que procurei caprichar nos pareceres feitos para os
cincos processos. É um despacho muito jurídico, baseado em decisões do STF, a
instancia adequada para julgar parlamentares ( Folhaonline, 05.0.8.2009.)”
Por não ter tido a grandeza moral e nem assumido a responsabilidade política
para nomear uma comissão de investigação das acusações que lhe chegaram em forma
de representação, oferecendo para sociedade uma satisfação esclarecedora, o
Conselho de Ética apenas reforçou as evidências de que foi montado com o propósito
de absolver José Sarney, ou seja, tratou-se de um joguete de faixada. Na composição
do conselho, apenas cinco membros, de um total de quinze, são da oposição.
Atos sigilosos para nomear parentes, criar cargos e aumentar salários sem
publicação oficial resultam em crime de improbidade administrativa [Lei 8.429, de
06.06.1992] e são passíveis de punição. Pelo Código de Ética e do Decoro Parlamentar,
mentir em plenário pode levar a perda do mandato. A oposição recorreu contra o
arquivamento de onze acusações contra o Senador José Sarney. Das quinze vagas de
titulares no Conselho de Ética, cinco são da oposição, que esperava o apoio dos três
senadores do PT para que as investigações fossem instauradas. Assim, o PT passou a
ser visto como o fiel da balança. Em depoimento dado à imprensa, no dia 11.08.2009,
Aluízio Mercadante, líder da bancada do PT no Senado, disse: “cada senador petista vai
votar de acordo com a sua consciência. O sentimento da bancada é contrário à tese do
arquivamento sumário das denúncias e representações”. No mesmo dia, dos doze
petistas que integram a bancada, cinco assinaram um manifesto pedindo que José
Sarney se licencie da presidência do Senado.
109
A Direção Nacional do PT, orientada por Lula 37, passou a tratar do isolamento do
senador Mercadante. Lula colocou em cena o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que,
sendo do PMDB, ocupava o cargo de líder do Governo Lula no Senado. Jucá defendeu a
substituição dos petistas no Conselho de Ética. No dia 18.08.2009, um dia antes da
reunião do Conselho para analisar o recurso da oposição, ele se dispôs a ocupar uma
das vagas do PT no colegiado. No seu discurso, ele foi categórico: “não estou me
oferecendo, mas estou à disposição do governo para qualquer missão. O Conselho de
Ética não é partidário. É um júri individual. Não se pode puxar para o PT a decisão. O
Conselho deveria ter gente de vários partidos”. A declaração, rica em contradições, fala
por si mesma.
“A crise política pela qual passa o Senado Federal tem raízes em práticas
administrativas inaceitáveis, que colidem com princípios constitucionais que
fundamentam a administração pública [...] No entanto, não podemos ignorar que
essa mesma crise é alimentada pela disputa política relacionada às eleições de
2010 [...] Por entender que essa crise tem raízes reais, mas é manipulada de forma
hipócrita para interesses eleitorais [...] oriento 39 os senadores do PT que fazem
37
No dia 13.08.2009, numa sessão calorosa , os senadores Tasso Jerreissati (PSDB-CE) e Renan
Calheiros (PMDB-AL) protagonizaram um bate-boca vergonhoso que poderia ter sido caracterizado
como quebra de decoro. No dia seguinte, o Presidente Lula encaminhou ao Congresso para aprovação um
pedido de concessão de rádio FM para a família de Renan Calheiros. No processo, figuram como
acionista da rádio, José Renan Calheiros filhos, Prefeito da Cidade de Murici (AL), e dois Assessores do
Senador: Carlos Ricardo Santa Rita e Ildefonso Tio Uchoa.
38
Nesse dia, a Senadora Marina Silva (PT- AC) anunciou sua saída do PT. O Senador Flávio Arns também
disse que sairia do PT.
39
A nota do presidente nacional do PT se constitui numa peça que fundamenta um dos aspectos que
tento aqui demonstrar, a saber: que o PT virou um partido vazio de projeto em torno do qual se possa
construir uma governabilidade programática. O PT passou a disputar o poder pelo poder. Daí, mesmo
reconhecendo que existia uma crise, que ela tenha raízes reais e revelava práticas inaceitáveis que
colidem com os princípios constitucionais; era preferível a falta de zelo para com a coisa pública, praticar
e ser cúmplice da corrupção, a correr o risco de não continuar no poder. O mais grave, a nota chega a
negar o papel político da oposição de fiscalizar o governo e de buscar alterar a correlação de forças a
partir das próprias contradições do governo e de seus aliados. Esse fato é o mais grave porque pode
110
Estado ligue para uma das 35 emissoras de rádio ou 13 repetidoras da TV Mirante, todas do mesmo
proprietário, do tal José Sarney;
Para saber sobre as contas públicas, vá ao Tribunal de contas Roseana Murad Sarney (recém batizado
com esse nome, coisa proibida pela Constituição, Lei que no Estado do Maranhão não tem nenhum valor);
Para entrar ou sair da cidade, atravesse a Ponte José Sarney, pegue a Avenida José Sarney, vá até a
Rodoviária Kiola Sarney. Lá, se quiser, pegue um ônibus caindo aos pedaços, ande algumas horas pelas
“maravilhosas” rodovias maranhenses e aporte no município José Sarney.
Não gostou de nada disso? Então quer reclamar? Vá, então, ao Fórum José Sarney, procure a Sala de
Imprensa Marly Sarney, informe-se e dirija-se à Sala de Defensoria Pública Kiola Sarney.”
O escândalo da Receita Federal foi bem explorado pela mídia e capitalizado pela
oposição. No dia 12 de agosto, a oposição aprovou convite para que Lina prestasse
depoimento à Comissão de Constituição e Justiça. No seu depoimento, ocorrido no dia
18, ela confirmou o encontro com Dilma e o teor da conversa, mas não apresentou
provas do encontro. No dia 24 de agosto, doze integrantes da cúpula da Receita Federal
colocaram o cargo à disposição do governo em solidariedade a Lina Vieira. Num
agravamento da crise, 60 (sessenta) funcionários de carreira da Receita, em postos de
chefia, distribuídos em cinco das dez superintendências regionais, deixaram suas
41
Numa entrevista, em 15.07.2004, o presidente Lula disse que não estava preocupado com a Instalação
da CPI da Petrobras, instalada no dia 14.07.2009, pois, para ele, os membros da CPI “ são bons
pizzaiolos. A CPI é interessante para quem quer fazer um carnaval”.
112
42
“Realismo político” significa perceber a realidade política como ela é, não como deveria ser. Significa
apartar a ética da política, usar dos meios disponíveis ou possíveis para impor seus interesses. Significa
ser bom e coerente até quando a bondade e a coerência permitam a manutenção do poder; ser
contraditório e corrupto quando conjunturalmente for necessário para se manter no poder. Cair no
realismo político é não agir em função de princípios, mas de interesse e resultados. O realismo é a arte de
ser pragmático.
113
43
prática de conquista do poder pelo poder. Para Lula: “Sarney tem história no Brasil
suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”.
Por que o Governo Lula e o PT não tomaram uma postura corajosa e decente
frente à crise do Senado? Porque o PMDB fazia parte da rede de interesses do PT. Entre
eles, a troca de favores e a lealdade política significam compensação e retribuição,
principalmente enquanto se enxergam como portadores de utilidades recíprocas. E
quais eram os interesses que envolvem Lula e o PMDB? Os mais visíveis eram:
aprovação das Medidas Provisórias e Projetos do Governo; impedimentos das CPIs que
tentam apurar irregularidades cometidas pelo governo; e garantia da eleição de Dilma
Rousseff como sucessora de Lula. Logo, a saída de Sarney criaria condições para a
oposição disputar e ganhar a presidência do Senado, atrapalhando os interesses do
governo Lula e do PT.
E por quê, mesmo com tantos escândalos, o Governo Lula foi bem avaliado e
não gerou grandes conflitos com os setores sociais? Porque o governo articulou bem
um tripé que garantiu a sua manutenção. No campo econômico, o governo manteve
uma política que, no macro, além de bem-sucedida, representava os interesses do
capital financeiro, dos agronegócios e do setor da construção civil. No campo social, o
governo promoveu políticas compensatórias importantes, como o Programa Bolsa
Família; a expansão do ensino superior e tecnológico; o Projeto Luz para Todos; e os
Pontos de Culturas que fazia parte do Programa Cultura Viva. Na sua relação com a
sociedade civil, em vez de abrir canal de participação e negociação, o governo
transferiu recursos, para várias atividades, por meio de convênios com sindicatos,
institutos, fundações e ONGs, prática que funciona como instrumento de cooptação,
profissionalização de lealdades políticas e engessamento. Além disso, tanto em relação
à boa avaliação do governo Lula quanto à sua blindagem contra os escândalos de
corrupção, penso que a hipótese de Guillermo O’Donnell (1991) sobre a democracia
em alguns países da América Latina tem validade para o Brasil, ou seja, no Brasil, temos
43
Opinião emitida durante uma entrevista dada em 16.06.2009, quando da sua visita ao Estaca
(Cazaquistão), publicada em vários jornais do país.
114
uma democracia duradoura, mas não concluída, que se caracteriza por ser delegativa 44,
onde o mandatário passa a ser uma síntese da nação. E o complemento, para
explicação da blindagem feita em torno do Governo Lula, é dado pela constatação de
Martins (1999, Pg.38):
“Muito do que parece aos olhos da classe média letrada como arbítrio e roubo, não
aparece com a mesma conotação aos olhos da grande massa pobre, rural e urbana.
Até porque essa massa, de um modo ou de outro, está inteiramente integrada na
política do favor: praticamente tudo passa pela proteção e pelo favorecimento dos
desvalidos. Mesmo nos setores dos serviços públicos onde se situam os focos mais
conscientes da crítica à corrupção, e de elaboração do discurso abstrato sobre a
cidadania, como é o caso da Universidade, e mesmo a impressa, os mesmos críticos
estão muitas vezes envolvidos em práticas cotidianas de troca de favores com
superiores, colegas e funcionários administrativos, seja para receberem benefícios
pessoais, como promoções ou facilidades, ou aliciamento para conseguir que um
chefe ou colega se omita no cumprimento de um dever funcional que se
transformaria em exigências de trabalho que muitos preferem evitar (...) Tudo
perfeitamente integrado na lógica das concepções oligárquicas relativo a troca de
favores”.
Presidente Lula, mesmo considerando que a situação de Sarney era delicada, manteve
firme seu apoio pela permanência do presidente no Senado. Lula não quis que a CPI da
Petrobras entrasse em funcionamento, se entrasse que não se apurasse nada, para isso
precisa do apoio do PMDB. O temor de Lula era que, ao abandonar Sarney, o PMDB se
aliasse ao PSDB inviabilizando a candidatura de Dilma Rousseff, que presidia o
Conselho Administrativo da Petrobras. Todavia, seguindo conselho de seus assessores,
a partir das denúncias que ligam Sarney aos Atos Secretos, Lula passou a atuar mais
nos bastidores, restringindo suas manifestações públicas em defesa de Sarney.
Contudo, uma pergunta inquieta: o que a CPI da Petrobras poderia ter revelado de tão
danoso que apavorou tanto o Presidente Lula?
45
Nesse sentido, o PT, através de vários comportamentos, parece sinalizar para um percurso inverso à sua
trajetória, ou seja, depois de ter se transformado num Partido de Massas caminha, agora, para um Partido
de Quadros. Na clássica elaboração de Maurice Duverger (1970), os Partidos de Massas são fundados a
partir de princípios ideológicos, na militância ativa de seus filiados e em formas organizacionais
complexas. Já o Partido de Quadros tem sua base em grandes personalidades carismáticas, tem orientação
marcadamente eleitoral e as decisões de sua direção têm mais força de que as manifestações de suas
bases. O modelo dos Partidos de Massas se caracteriza por uma orientação socialista, pela distribuição
social do poder e pelo engajamento na transformação social, enquanto os Partidos de Quadros têm suas
ações marcadas pela disputa de poder na dinâmica do capitalismo.
117
“As lideranças nacionais estão evitando fazer críticas ao Presidente Lula, mas não
têm como dizer de outro jeito: esse apoio é uma vergonha. Temos um presidente
com 80% de popularidade. Temos um partido com 30% de preferência, o segundo
colocado tem 8%. E aí, depois de sete anos de governo bem avaliado, a gente tem de
pedir esmola para o Sarney? O governo já deu seis ministérios para eles. O Sarney
tem os cargos nos estados, mais agências. O governo tem credibilidade e a gente
ainda tem de ficar de joelhos para eles? É claro que não tem [...] Só nas últimas
semanas uns dez ministros passaram por aqui. Nos governos de dois adversários de
Sarney, o Jacson e o Zé Reinaldo (Tavares, PSB), não vinha ninguém. E estão
esperando para as próximas semanas a primeira visita do Lula a São Luís, com Dilma,
todo mundo.”
Em Max Weber (1982), temos uma teoria da política que ressalta a liderança e
a responsabilidade ética. Para ele, uma política sem consciência se corrompe,
transformando-se em poder. No meu entendimento, ao flexionar o seu projeto
político, o PT passou a disputar o poder pelo poder, ou seja, passou a fazer da política
a expressão de poder e conflito para fins de controle e dominação. Isso é tão patente
que Lula abriu mão de fazer da política um debate aberto de ideias e confronto de
projetos políticos, além de antecipar a campanha de 2010, apresentando Dilma
Rousseff como sua sucessora (já em 2008).
118
46
Uma declaração de Lula, no dia 30.07.2009, em São Paulo, na Sede da FIESP, em uma entrevista
concedida ao lado da presidenta do Chile, Michelle Bachalet, ele afirma não ter responsabilidade pelos
desmandos no Senado e que não cabe a ele decidir sobre a permanência do Sarney na presidência do
Senado. Depois do apoio público dado pela manutenção de Sarney, diz Lula: “não é problema meu. Eu
não votei para eleger Sarney presidente do Senado, nem votei em Temer, nem votei no Arthur Virgilio.
Votei nos Senadores de São Paulo. Quem tem que decidir se ele continua presidente do Senado é o
Senado, não sou eu”.
119
A Constituição Federal – CF define que o Poder Legislativo (art. 44) será exercido
pelo Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados (art. 45),
representando o povo, e pelo Senado (art. 46), representando os Estados e o Distrito
Federal. Os deputados são leitos pelo sistema proporcional e os senadores pelo
sistema majoritário. Não obstante, no período de eleições, o critério de escolha é o
mesmo, os candidatos ao Senado apresentam-se como representantes do povo; sua
120
empíricas vêm fazendo tal argumento perder força. O cientista político, Fabiano
Santos, argumenta que a tese da ingovernabilidade é frágil e tem como fundamento
conceitual a teoria do voto personalizado. Essa teoria afirma que a transferência de
prerrogativas do Legislativo para o Executivo decorre do paroquialismo dos
representantes eleitos no contexto do sistema proporcional de listas abertas.
que têm suas ações dirigidas no sentido de liquidar as desigualdades sociais. É reflexo,
portanto, de um partido que disputa o poder pelo poder, sem problematizar a fixação
dos fins da ação do Estado, pois, ao definir os fins da ação do Estado e montar um
programa político que os materialize, pode-se, com clareza, saber quem são os aliados
para governabilidade. Para quem quer apenas se perpetuar no poder, o maior interesse
não é a governabilidade, mas a força. Governabilidade diz respeito a quem fixa os fins
do Estado diante dos diversos interesses em conflitos.
47
Por ocasião da inauguração de obras em Alagoas, no dia 15/07/2009, Lula, quando discursava ,fez a
seguinte declaração: “ Eu quero aqui fazer justiça ao comportamento do senador Collor e do senador
Renan, que têm dado uma sustentação muito grande aos trabalhos do governo no Senado.”
124
BIBLIOGRAFIA:
AVRITZER, Leonardo & ANASTASIA, Fátima (Orgs.). Reforma Política no Brasil. Editora
UFMG-PNUD, Belo Horizonte, 2007.
O’DONNELL, Guillermo. Democracia Delegativa? Novos Estudos, CEBRAP, n.º 31, São
Paulo, 1991.
WEBER, Max. Ciência e Política: Duas Vocações. Editora Cultrix, Rio de Janeiro, 1982.
CONCLUSÕES
48
Como bem registrou Emir Sader, em seu livro A Vingança da História (2003, p.192-3): “o governo Lula
assume com uma atitude conservadora, privilegiando a defesa contra o risco de perda de controle da
situação, seja pela fuga de capitais e nova desvalorização acelerada da moeda nacional, seja pelo aumento
descontrolado da inflação(...). Dessa forma, a linha econômico-financeira adotada inicialmente pelo
governo Lula não parece conduzir a diminuição da taxa de juros, com efeitos benéficos previstos,
transformando o círculo vicioso atual num círculo virtuoso. Em outras palavras, não há indicações de que
o primeiro tempo de governo conduzirá ao segundo.”
127
como orientação socialista de novo tipo. Nessa atual crise, o capitalismo encontrou no
PT os condutores da melhor e mais eficiente saída para o prolongamento de seu
projeto. E foi com Lula no poder que o Estado getulista fechou o ciclo. Lula incorporou
o espírito de Getúlio Vargas para liquidar com o resto do nacional-desenvolvimentismo
implantado em 1930, o que deixou FHC com ressentimentos e ciúmes, pois esse era o
seu desejo.