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Uribam Xavier1
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Uribam Xavier – Professor da área de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais. Graduado
em Filosofia Política e Doutor em Sociologia, seu ultimo livro “ América latina no Século XXI – As
Resistências ao Padrão Mundial de Poder [ 2016].
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circunferência da terra partindo do pressuposto de que a mesma é redonda. Além
disso, registra que os que descrevem o mundo habitado [Europa, Ásia e
Líbia/África] comentem o equivoco de achar que há uma justa proporção de
espaços territorial entre eles. Para ele: “realmente, a Europa quase iguala em
cumprimento às outras duas; mas não me parece que lhes possa ser comparada em
largura”.” E estranha à nomeação dos territórios: “ não compreendo por que, sendo
a terra uma só, lhe dão três nomes diferentes, e , aliás, nomes de mulheres [p. 459].”
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A cosmologia cristã ao adotar como verdade a suposição de que o mundo
era dividido em apenas três continentes, passou a representar esse imaginário no
mapa cristão denominado de T em O. Todavia, as demais civilizações existentes na
época [ chinesa, indiana, Japonesa, árabe, Inca e asteca] não regionalizavam o
mundo de forma tripartida. Ao preserva e reinterpreta a divisão tripartida do
mundo, por razões religiosas e política: como o desejo de conquistar a hegemonia
no Ocidente e o combate a perda de espaço no Oriente para o Islã, o cristianismo
atribuiu a Europa um lugar privilegiado, uma região abençoada com o poder de
prosperar dominando e explorado as demais. Já a Ásia e a África eram lugares
amaldiçoado cujo destino era o de ser dominado, explorado, colonizado e
escravizado pela Europa. Por toda Idade Média a Igreja Católica Apostólica
Romana, achando-se a representante de Deus na terra e legitima portadora dos
poderes espiritual e temporal, dominou ,promoveu guerras, explorou, se impôs
como portadora da justiça, punindo com morte os considerados hereges ou infiéis
e colonizando boa parte do mundo.
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MAPA T em O
Fonte: geografiamb2.files.wordpress.com
Quanto à fabula dos antípodas, quer dizer, de homens cujos pés pisam o
reverso de nossas pegadas na parte oposta da terra, onde o sol nasce, quando
se oculta de nossos olhos, não há razão que nos obrigue a dar-lhe crédito. Tal
opinião não se funda em testemunhos históricos, mas em meras conjeturas e
raciocínios aparentes, baseados em estar a terra suspensa na redondez do
céu e o mundo ocupando o mesmo lugar, ínfimo e médio. Daí deduzem não
poder carecer de habitantes a outra parte da terra, quer dizer, a parte
debaixo de nós. E não reparam em que, mesmo crendo ou demonstrando com
alguma razão que o mundo é redondo e esférico, não é lógico dizer que a
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terra é coberta de água por esse lado. A escritura, que dá fé das coisas
passadas precisamente porque suas predições se cumprem, não mente. Além
de parecer enorme absurdo dizer que alguns homens, atravessada a
imensidade do oceano, puderam navegar e arribar à referida parte com o fito
exclusivo de salvaguardar em sua origem a continuidade unitária do gênero
humano.
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Como nos informa Jerry Brotton[.....] : “ Para as pessoas do início do século XVI, a descoberta de novos
lugares, até mesmo de novos mundos, era vista com cautela, até mesmo com suspeita. Isso contestava
os fundamentos do conhecimento herdado de escritores clássicos como Aristóteles e Ptolomeu e
questionava até mesmo a autoridade bíblica: se o novo mundo da América e seus habitantes realmente
existiam, por que não estavam mencionados na Bíblia?.”
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Até os fins do século XV, segundo Walter Mignolo [2005], a cristandade era
uma posição marginal que identifica o Ocidente com Jafé, que era também a mesma
Europa da mitologia grega3, distinta da Ásia e da África. Portanto, essa Europa
ainda não era a Europa que vai ser constituída como o centro do mundo a partir do
século XVI, depois da expulsão dos judeus e da derrota dos mouros e da conquista
do Novo Mundo por parte da Espanha. É somente após a conquista do Novo Mundo
que o cristianismo passou a forjar um novo imaginário ocidental sobre a Europa e
a América que marcará a formação de um novo padrão de poder mundial: o mundo
moderno colonial.
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A visão que os gregos tinham da Europa, era uma visão negativa. Segundo Aristóteles [1991, p. 130],
na sua obra a Política: os povos que habitavam as regiões frias, principalmente da Europa, são pessoas
corajosas, mas de pouca inteligência e poucos talentos. Vivem melhor em liberdade, pouco civilizados,
de resto, e incapazes de governarem seus vizinhos.”
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O PROCESSO DE DESTRUIÇÃO CULTURAL
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Toda cidade colonial de Cusco foi construída sobre a antiga cidade Inca
desenhada pelo soberano Pachacurec para servir de sede aos sacerdotes do
Império Inca. Ainda em Cusco, na mítica localidade conhecida como “ umbigo do
mundo” e antiga Capital dos reinos dos Incas, a chamada pedra dos dozes ângulos [
chacana], construída com diorito, que pertencia ao Palácio do soberano Roca, teve
parte destruída e parte desfigurada, deixando, então, de ser um alto templo Inca,
para se converter em parte do Palácio Arquiepiscopal [p. 25].
Daqui por diante, em qualquer caso, nem por ocasião de casamento, festa do
povoado, nem por outra qualquer maneira, os índios e índias deste povoado
tocarão tambores nem dançarão, nem cantarão à moda antiga, nem os bailes, nem
os cânticos, que até aqui cantaram em idioma materno, porque a experiência
ensinou que nos tidos cantares invocam nomes de suas divindades, de suas
imprecações ou de raio.
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quando descobertos, como no caso ocorrido em Lima, capital do Peru, em 1608,
quando Francisco de Ávila [ 1576 -1647], nascido em Cusco, vigário na província
de Huarochiri- Peru, descobriu a existência do que considerava ídolos e crenças
consideradas demoníacas, ordenou a repressão militar e religiosa contra as
povoações de San Damian, San Lorenzo de Quinti, Santa Maria de Jesus, Chome,
Sesicaya destruindo mais de 18 mil ídolos moveis e dois mil ídolos fixos e
torturando os praticantes. Entre 1722 a 1777, os missionários jesuítas e
franciscanos dedicaram-se, no Nayar, a queimar as imagens funerárias dos povos
Coras para extirpar a idolatria [Báez, p.27].
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Como nos esclareces Báez [ 2010, p.104]: “ os centros de substituição cultural ou transculturação
atuaram inicialmente nos chamados centros de doutrina, que se encarregaram da educação dos índios,
como foi o caso dos franciscanos em Tlateloco, os jesuítas em Patzcuaro, Tepotzotlán e o colégio de San
Gregório na Cidade do México. Hoje se sabe que a melhor maneira utilizada para controlar a população
consistiu em compreender o poder dos caciques: foram os primeiros a ser batizados como exemplos às
suas comunidades e, em casos de rebeldia, também os primeiros a ser castigados como exemplos a
qualquer outro que pudesse desconhecer a autoridade imperial.”
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necessário castigar os índios para que eles aceitassem o bem das leis do deus
cristão e da igreja católica.
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América foi imposta uma violência simbólica, uma dominação que se objetiva no
ato de impor ao outro o que ele deve ser, de ignorar o que ele é e fala, por que para
o dominante o colonizado, como diferente, não sabe o que diz quando fala. A
violência simbólica é uma forma de dominação que silencia o outro e seu saber
transformando-o num repetidor [colonizado, subalternizado] do discurso, do saber
e dos valores do dominador. A violência simbólica veio junta com a dominação
material na forma de uma nova ordem política, religiosa, cultural, tecnológica,
teológica e econômica. Como defendia o fisiólogo e teólogo espanhol Juan Ginês de
Sepúlveda [ 1494 -1571 ], frade dominicano que escreveu a obra “ Tratado Sobre
las Justas Causas de la Guerra Contra los Índios.” Vejamos um trecho dessa obra
citado por Fernando Báez [ p.40]:
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A TESE DA INFERIORIDADE
Tudo parece coincidir em provar igualmente que a maior parte dos continentes da
América era terra nova, ainda fora do alcance da mão humana e na qual a natureza
não teve tempo de estabelecer todos os seus planos, nem de se desenvolver em
toda sua extensão; que os homens são frios e os animais pequenos porque o ardor
de uns e a estatura de outros dependem da salubridade e do calor do ar.
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Buffon citado por Antonello Gerbi [1996], pagina 27.
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subalternizados e dito como povos impotentes que não conseguiam dominar a
força virgem e hostil da natureza e submetê-la em proveito próprio.
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Idem, pagina 21.
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Para Cornelius De Pauw, o homem em estado de natureza, como o
encontrado no continente americano, é um bruto incapaz de progresso, é um
animal que odeia as leis da sociedade, vive cada um por si. O indígena americano é
um selvagem em estado de indolência e inércia, um ser que não tem consciência de
que é preciso sacrificar parte de sua liberdade para garantir a realização de sua
potencia e estruturar uma organização social. Embora vivendo mais de um século
depois de Thomas Hobbes [1588 – 1679], o pensamento depauwiniano é mais
conservador e preconceituoso, já que Hobbes, na sua principal obra, “ o Leviatã”,
de 1651, defende que é preciso o homem renunciar parte de sua liberdade quando
vive no estado de natureza, estado de guerra de todos contra todos, para criar uma
sociedade civil [ Estado] que garanta a paz necessária para o desenvolvimento de
suas potencialidades plenas, mas para Hobbes o homem natural não é diferente do
homem que vive em sociedade, a natureza não muda com o tempo, nem o direito
de natureza. Segundo De Pauw7:
Em geral, a América não poderia jamais ser povoada como a Europa e a Ásia, por
estar coberta de pântanos imensos, que tornam o ar sumariamente malsão, e o solo
produtivo dum número prodigioso de vegetais venenosos. Pode-se viajar por
vastas solidões da América do Norte sem encontrar uma única habitação ou traço
do homem. A influência nefasta do clima sobre o homem, a flora e a fauna é tal que
os naturalistas são unânimes em afirmar que os animais trazidos da Europa para
América degeneram, a mesma deterioração que predomina nos animais mais
robustos se estende aos homens, que, em diferentes regiões, tem sofrido
disenterias epidêmicas mais ou menos letais. A grande umidade atmosférica, a
quantidade prodigiosa de águas estagnadas, os vapores tóxicos, os líquidos
deteriorados e as qualidades prejudiciais das plantas e alimentos, contam para a
fraqueza da compleição, a aversão ao trabalho e a inadaptação geral para todo tipo
de melhoria, o que tem impedido os americanos de emergirem da vida selvagem. A
ausência de realizações do homem americano, bem como a inépcia das do resto do
mundo, quando confrontadas com a exuberância da criação européia, não
deixariam margem a dúvidas quanto à distancia que há de separar os continentes
da terra: por toda extensão da América nunca apareceu um filosofo, um artista, um
homem erudito ou destacado, cujo nome tenha encontrado um lugar na história
das ciências ou cujo talento lhe tenha granjeado nomeadamente ou sito útil aos
demais. A Europa é o único lugar no mundo em que se encontram filósofos e
astrônomos, pois os chineses, com todas as suas jactâncias, não tem nenhum.
Também não tem escultores, pintores, assim como os outros povos da Ásia; seus
poetas são meros trovadores.
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Citado por Luiz Antônio Lindo. 2012, p. 39
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nobres como os existentes na Europa. Robertson não tem ideias originais, mas será
um grande divulgador, como podemos observar em um trecho de sua obra8
quando ele diz que no Novo Mundo:
O principio da vida parece ter sido menos ativo e vigoroso do que no velho
continente, as diferentes espécies de animais peculiares a ele são em muito menor
número do que as do outro hemisfério. A natureza não somente era menos
prolífica no Mundo Novo, mas parece ao mesmo tempo ter sido menos vigorosa em
suas produções. Os animais que pertencem originalmente a este quadrante do
globo parecem ser de uma raça inferior, nem tão robusta, nem tão feroz quanto as
do outro continente.
8
Citado por Antonello Gerbi [ 1996], página 134.
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Diz William Robertson que: “Impressionados com a aparência de degeneração da espécie humana em
todo o Novo Mundo [...} alguns autores de grande renome [ ou seja Buffon] afirmaram que essa região
do globo tinha emergido tardiamente do mar e que seus habitantes, vindos à existência mais tarde e
ainda no início de suas carreiras, não mereciam ser comparados com os povos de um continente mais
antigo e desenvolvido. Outros [ De Pauw] imaginavam que, sob a influência de um clima hostil, que
restringe e debilita o princípio da vida, o homem jamais atingiu na América a perfeição que pertence a
sua natureza, mas permaneceu um animal de ordem inferior, carente em vigor de estrutura física e
destituído de sensibilidade, bem como de força, nas atividades mentais.” Citado por Antonello Gerbi
[1996, p.138].
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Segundo Flávia Varella [ 2016, p.365]: “ a teoria dos estágios das sociedades não era um modelo pré-
fabricado pronto para ser utilizado de forma indiscriminada. Utilizar-se dos modos de subsistência como
base teórica para a explicação do progresso do homem não significa, para os letrados setecentistas,
corromper a história, mas produzir macronarrativas através da comparação dos fatos das sociedades
particulares. Robertson, em History of America, imbuiu essa teoria explicativa de uma forma narrativa
ao subscrever que a mudança moral e material é qualitativa e que a Europa possuía inata superioridade
cultural, tendo em vista que foi a primeira parte do mundo a chegar à fase comercial.”
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posso que os bárbaros costumam ser pequenas nações que podem reunir-se. Os
primeiros são normalmente povo caçadores; os segundos, povos pastores[ cap.11].” E
destaca: “ O que fez com que haja tantas nações selvagens na América é que a terra
produz por si mesmas muitos frutos de que se pode tirar sustento [ cap. 9].”
O selvagem não possuía nenhum dos atributos civilizacionais mais simples – como
o arado – e nem existiam indícios de que iria desenvolvê-los. Puxado por bois e
cavalos, o arado era visto pelos europeus como condição essencial para o aumento
da produtividade da terra e, consequentemente, do excedente de produção, além
de servir como instrumento para marcar o limite entre um vizinho e outro, criando
uma propriedade visível e definida. O entendimento de que não existia o conceito
de propriedade na cultura indígena facilitou a legitimação da colonização da
América por parte de seus conquistadores. Como o indígena não era proprietário
da terra em que vivia, poderia ser conduzido a outro local mais apropriado ao
colonizador. Por estarem em um estágio anterior ao agrícola, não tinham
desenvolvido a ideia de propriedade.”
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universal, os esclarecidos afirmaram, no mesmo movimento, a exclusão das
diferenças e o desejo de transformar o resto do mundo em sua imagem e
semelhança, em seguidores do seu processo de desenvolvimento e civilizatório.
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Segundo Hegel [ 2008, p 74]: “ apesar de termos algumas informações sobre a América e sua cultura,
principalmente sobre o México e o Peru, sabemos que foram povos bem primitivos, que fatalmente
sucumbiriam assim que o espirito se aproximasse deles. A América sempre se mostrou, e ainda se
mostra, física e espiritualmente impotente. Depois que os europeus desembarcaram na américa, os
nativos declinaram gradativamente à sombra da atividade européia [...] Ainda custará muito até que
europeus lá cheguem para incutir-lhes uma dignidade própria. A inferioridade desses indivíduos , sob
todos os aspectos, até mesmo o da estatura, é fácil de se reconhecer.”
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indígena, diferente do direito da propriedade privada burguesa eurocêntrica.
Agora, além de abandonar seus costumes e de colocar-se de forma silenciosa numa
posição de subordinação, os não europeus têm que se integrar a um único modelo
constitucional de direito. Na sua obra “ Princípios da Filosofia do Direito”, Hegel
esclarece que do espirito universal do direito não participa todos os povos. Os
povos para os quais a história passou, são povos sem história [ Africanos, Asiáticos
e Americanos] não possuidores de diretos já que não contam na história
universal. Foi o povo europeu quem recebe da história o direito universal como
encarnação do espirito para aplicar aos outros povos. Diz Hegel [ 1990,p.314]:
O povo que recebe um tal principio como seu principio natural, fica com a missão
de aplica-lo no decorrer do progresso e na consciência de si do espirito universal
que se desenvolve. Tal povo é o povo que, na época correspondente, domina a
história universal. Mas só um pode ser o povo dominante, e em face do direito
absoluto que lhe cabe como representante do grau atual do desenvolvimento do
espirito no mundo, nenhum direito tem os outros povos que, tal como aqueles
outros que já representam uma época passada, nada são na história universal.
Não começa um povo por ser um Estado, e a passagem ao Estado político de uma
horda, uma família, um clã ou uma multidão constitui em geral a realização formal
da ideia nesse povo. Nessa forma, a substancia moral que ele é em si ainda não
possui a objetividade que consiste em ter nas Leis, como determinações passadas,
uma existência em si e para os outros com universal validade. Enquanto não for
reconhecido, a sua independência é apenas formal; não é uma soberania, pois não é
objetivamente legal e não possui expressão racional fixa.
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educação, um momento de passagem de uma existência isolada e sensível para um
tipo de participação futura, em uma moralidade mais sublime e na cultura associada
a essa moralidade. A escravidão é, em si e por si, injustiça, pois a essência humana é a
liberdade. Mas para chegar à liberdade o homem tem que amadurecer.”
Aqueles de que se trata são negros dos pés à cabeça, e tem o nariz achatado, que é
quase impossível ter pena deles. É difícil conceber que Deus, que é um ser
sapientíssimo, tenha posto uma alma, sobretudo uma alma boa, num corpo
completamente negro. É tão natural pensar que cor é o que constitui a essência da
humanidade, que os povos da Ásia que fazem eunucos sempre privam de maneira
mais marcada os negros da semelhança que tem conosco. Uma prova de que os
negros não tem senso comum é que dão mais valor a um colar de vidro do que ao
ouro, que, entre as nações civilizadas, ocupa lugar tão importante. É impossível que
aquela gente seja humana; pois, se supuséssemos que são homens, começaríamos a
crer que nós mesmos não somos cristãos [2010, p.255-256].”
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descoberta da América tinha aberto o caminho.... A burguesia levou a civilização a
todas as nações, mesmo as mais primitivas.... Sob pena de extinção, copele todas as
nações a adoptar o modo de produção burguês; compele a introduzir entre si
aquilo a que ela chama civilização, para que também elas passem a ser burguesas.
Numa palavra, criar um mundo segundo a sua própria imagem.
Não resta dúvida que Marx tem um pensamento eurocêntrico, que ele
assimila as ideias hegelianas de que há somente uma trajetória da história, que a
história evolui num modelo do simples para o complexo, do primitivismo para o
civilizado. Além disso, Marx pensa que as nações primitivas deveriam se adaptar
ao modo de produção burguês, que alguns povos não podiam escapar do destino
de serem conquistados, que os conquistadores europeus são superiores, esse seu
pensamento fica mais claro quando ele fala o domínio britânico na Índia e onde ele
defende uma lei eterna da história que rege os processos de conquistas e pela qual
uma civilização superior sempre se impõe sobre a inferior. Vejamos o que diz Marx
[ 1989, p.98]:
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e negar-lhe a existência como diferente. O novo padrão de poder que nasce desse
processo é o sistema-mundo moderno colonial.
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O termo América Latina, dizem alguns, foi forjado pelo intelectual francês
Michael Chevalier [ 1806 – 1879 ] que empreendeu esforços para legitimar o
expansionismo de Napoleão III [ Charles-Louis Napoleão Bonaparte, 1808 -1873]
contra a influência dos Estados Unidos sobre toda América. A estratégia proposta
por Chevalier foi a de unificar as nações católicas de língua latina da América como
medida para facilitar a expansão da França na América por meio da rivalidade com
os países de origem anglo-saxão e protestantes, mas uma vez a dominação
religiosa se fazia presente e se materializava na forma de disputa política,
econômica e cultural.
Pelo que se tem de registo, o termo América Latina foi utilizado pela
primeira vez pelo intelectual e ativista político chileno Francisco Bilbao Barquin
[1823 – 1865], numa conferencia em Paris no ano de 1856. Quando, em 1861, a
Espanha anexou a Republica Dominicana, numa tentativa de recolonização, e no
ano seguinte a França, governada por Napoleão III, invadiu o México e derrubou o
presidente Benito Juarez, com o objetivo de conter a hegemonia norteamericana e
garantir ampliação de mercado para o comercio francês na região, Francisco Bilbao
escreveu o livro “A América em Perigo”, no qual se posiciona contra as ambições
imperialistas dos europeus e defende a unidade entre as nações latino-americanas
para construir um futuro de liberdade, igualdade e justiça. Para Francisco Bilbao, a
invasão do México pela França produzia dois perigos para América Latina: o
desaparecimento da independência e o extermínio da República. Daí, conclamar ao
povo para fazer da causa do México a causa de toda América Latina. Para ele [1862,
p.17], a glória da América – excerto Brasil, considerado o império com escravos, e o
Paraguai, uma ditadura com servos - é a de ter se identificado com a República.
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Ameríndia. Assim, o eurocentrismo, como ideologia, epistemologia e visão de
mundo, ganhou nova vida e dinâmica com os norteamericanos. Se o colonialismo
rompeu-se com o processo de independência instalado na América; a
Colonialidade do poder seguiu reinando na forma de expansão da chamada
modernidade.
BIBLIOGRAFIA
AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus. Editora Vozes, Parte II, Petrópolis - RJ,
2012.
BROTTON, Jerry. Uma história do mundo em doze mapas. Zahar Editora, Rio de
Janeiro, 2005.
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O’GORMAN, Edmundo. A Invenção da América. Reflexão a respeito da
estrutura histórica do novo mundo e do sentido do seu devir. Editora Unesp,
São Paulo, 1992.
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