Você está na página 1de 5

KAUÃ CASAGRANDE REIS

RESENHA: “COLONIALIDADE
O LADO MAIS ESCURO DA MODERNIDADE”

Resenha apresentada no curso de cinema


e audiovisual, da Universidade federal de Juiz de
Fora (UFJF)

Orientador(a): Raquel Quinet de Andrade Pifano

Juiz de Fora
2022
Resenha: "Colonialidade, o lado mais obscuro da modernidade"

Walter D. Mignolo é professor, filósofo, semiólogo e crítico literário nascido no


Pampa Gringa Chica (província de Córdoba, Argentina) em 1941. Realizou diversas
contribuições para os estudos coloniais, e com o tempo se tornou referência para o
pensamento decolonial latino-americano.
Já bastante em voga nos Estados Unidos durante a década de noventa, os estudos
pós-coloniais, consistem em um pensamento que questiona o colonialismo como parte de um
processo de globalização, e por sua vez questiona a desculpa evolutiva eurocêntrica
propagada durante eras justificando ideologicamente as atrocidades da colonização.
A princípio, o pós-colonialismo revisava apenas consequências do colonialismo
europeu. Dos primeiros autores a denunciar esses processos europeus de colonização temos
Edward Said em seu livro, Orientalismo: O Oriente como invenção do ocidente (1978), e
Eduardo Galeano em As veias abertas da América Latina (1971). Ambos buscam denunciar
como a globalização sobrepuja culturas e valores, imprimindo no colonizado uma cicatriz de
inferioridade que perdura até os dias de hoje.
"A divisão internacional do trabalho significa que alguns países se
especializam em ganhar e outros em perder. Nossa comarca no mundo, que
hoje chamamos América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde
os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se aventuraram
pelos mares e lhe cravaram os dentes na garganta." (GALEANO, 1971, p.5)

Posteriormente, o pós-colonialismo passou a considerar também o imperialismo


Estadunidense como processo ligado a um tipo de colonialismo contemporâneo. Assim, obras
como Imperialismo, fase superior do capitalismo (1917) de Lenin e obras feministas
decoliniais se tornaram referência para o estudo da colonialidade buscando a emancipação
cultural de tradições antes vistas como inferiores.
Mignolo em seu artigo “Colonialidade, o lado mais obscuro da modernidade”, na
sessão “A pauta oculta”, busca apresentar seu principal objeto de estudo, a colonialidade, o
qual é definida por Quijano, aquele que cunhou o termo:
"a colonialidade transcende o colonialismo e não desaparece com a
independência ou descolonização dos países que foram colônias. Ela opera
através da naturalização de certos padrões nas relações de poder e da
naturalização de hierarquias raciais, culturais, territoriais, de gênero e
epistêmicas." (QUIJANO, v. 9, n. 9, 1997)

Mignolo então anuncia e critica então o capitalismo e a globalização (ordem


mundial) como grandes responsáveis pela forma com que a história se conduziu até a
modernidade, modernidade essa que para o autor é consequência direta do colonialismo,
“não há modernidade sem colonialidade” (Mignolo, 2016).
Contextualizando com uma perspectiva histórica, Mignolo inicia assim a sessão: “O
advento de um monstro de quatro cabeças e duas pernas”, nela mignolo estabelece algumas
considerações sobre o estado do mundo pré-capitalista e policêntrico e a partir daí comenta
sobre o resultado dessa modernidade agora destacando um mundo sem equilíbrio, “a
modernidade anda junto com a colonialidade e, portanto, que a modernidade precisa ser
assumida tanto por suas glórias quanto por seus crimes.” (Mignolo, 2016, p.4).
Apresentado esses dois cenários, Mignolo, apoiado por outros autores, busca explicar
o porquê de o ocidente ter se desenvolvido, a resposta? O capitalismo, o capitalismo em seu
estado mais puro, selvagem e sem moderação, incentivando mais do que nunca a exploração
do outro reforçando a ideia da hierarquia em múltiplos contextos, sendo o mais notável deles
o racismo.
“Sem dúvida, ela está certa ao destacar a relevância de um novo
tipo de economia (o capitalismo) e da revolução científica. Ambos cabem
dentro do discurso progressista e correspondem à retórica celebratória da
modernidade[...] Há, no entanto, uma dimensão oculta dos eventos que
aconteciam ao mesmo tempo, tanto no âmbito da economia como no do
conhecimento: a dispensabilidade (ou descartabilidade) da vida humana, e
da vida em geral, desde a Revolução Industrial até o século XXI.”
(Mignolo, 2017, p.4)

Para ilustrar o conceito de dupla colonização, de tempo e espaço, é utilizado o


exemplo da América Latina sendo analisada a partir de três diferentes períodos caracterizados
por três diferentes colonizadores sob o mesmo espaço em diferentes passagens de tempo.
"Durante o intervalo de tempo entre 1500 e 2000, três fases
cumulativas (e não sucessivas) da modernidade são discerníveis: a fase
ibérica e católica, liderada pela Espanha e Portugal (1500-1750,
aproximadamente); a fase “coração da Europa” (na acepção de Hegel),
liderada pela Inglaterra, França e Alemanha (1750-1945); e a fase
americana estadunidense, liderada pelos Estados Unidos (1945-2000)"
(MIGNOLO, 2017, p.4)

Após uma longa introdução da colonialidade Mignolo na terceira sessão de seu


artigo: “A formação e as transformações do ‘patrón colonial de poder’” define o que seria
essa matriz colonial de poder (MCP) a partir da visão de Quijano, descrita como quatro
domínios inter-relacionados, sendo eles: controle da economia, da autoridade, do gênero e da
sexualidade, e do conhecimento e da subjetividade. Mignolo acrescenta então dois pilares que
sustentam esses domínios, o patriarcado e o racismo, constituindo assim o monstro de quatro
cabeças e duas pernas anteriormente citado.
A natureza ou pachamama (conceito de natureza ocidental), é agora destituída de seu
status de entidade e passa a adquirir valor, deixar de controlar o homem para estar sob o
controle do homem, fazendo com que a natureza seja tratada como parte do domínio
econômico colonial do MCP e com o passar do tempo ser cada vez mais capitalizada.
“Agora, isso faz parte da luta pelo controle da MCP, baseada no conceito de
‘natureza’ ou, pelo contrário, da luta pela desvinculação da matriz por meio
da argumentação descolonial com base no conceito de ‘pachamama’.”
(MIGNOLO, 2017, p.6)

“Foi basicamente assim que o colonialismo foi introduzido no domínio do


conhecimento e da subjetividade. Vinte anos depois de Acosta, Francis
Bacon publicou o seu Novum Organum (1620), no qual propôs uma
reorganização do conhecimento e declarou claramente que a “natureza”
estava “ali” para ser dominada pelo homem.” (MIGNOLO, 2017, p.7)

“O próximo passo foi a Revolução Industrial: o significado da “natureza”


em Acosta e Bacon mudou, chegando a se referir a “recursos naturais”, o
alimento necessário para nutrir as máquinas da Revolução Industrial que
produziam outras máquinas” (MIGNOLO, 2017, p.7)

A partir do desenvolvimento sobre a capitalização da natureza em prol do


desenvolvimento do capitalismo e colonialismo, Mignolo propõe então uma reflexão da
contemporaneidade em razão desse processo, principalmente sobre essa retórica da
modernidade onde o colonialismo é tratado como o meio para um fim fabuloso.
O autor propõe então uma espécie de retrospectiva histórica visando ressaltar nós
histórico-culturais que compõem a matriz colonial, sendo estes: Uma formação racial global;
Uma formação particular de classe global; Uma divisão internacional do trabalho entre centro
e periferia; Um sistema interestatal de organizações político-militares; Uma hierarquia
racial/étnica global; Uma hierarquia de gênero/sexo global que privilegiava homens em
detrimento de mulheres; A criação das categorias “homossexual” e “heterossexual”; Uma
hierarquia espiritual/religiosa que privilegiava espiritualidades cristãs em detrimento de
espiritualidades não cristãs/não ocidentais; Uma hierarquia estética; Uma hierarquia
epistêmica que privilegiava o conhecimento e a cosmologia ocidentais; Uma hierarquia
linguística, entre as línguas europeias e as línguas não europeias; Uma concepção particular
do “sujeito moderno”.
“A mcp então opera em uma série de nós histórico-estruturais heterogêneos
e interconectados, que são atravessados por diferenças coloniais e imperiais
e pela lógica subjacente que assegura essas conexões: a lógica da
colonialidade.” (MIGNOLO, 2017, p.10)

“Nós histórico-estruturais significam que nenhum é independente de


qualquer outro, como qualquer nó é provavelmente relacionado de duas ou
mais maneiras divergentes. A analítica da colonialidade (o pensamento
descolonial) consiste no trabalho inexorável de desvendar como a matriz
funciona, e a opção descolonial é o projeto inexorável de tirar todos da
miragem da modernidade e da armadilha da colonialidade. Todos são
conectados pela lógica que gera, reproduz, modifica e mantém hierarquias
interconectadas.” (MIGNOLO, 2017, p.10)

Em conclusão ao pensamento desenvolvido durante todo o artigo, Mignolo na última


sessão: “Futuros globais, opções descoloniais” nos apresenta alternativas para combater esse
sistema tão discutido e algumas perspectivas de futuros ao qual ele mesmo as denomina de
reocidentalização, a reorientação da esquerda, a desocidentalização, a descolonialidade ou
opção descolonial e a espiritualidade ou opção espiritual.
“Por isso, o pensamento e a ação descoloniais focam na enunciação, se
engajando na desobediência epistêmica e se desvinculando da matriz
colonial para possibilitar opções descoloniais – uma visão da vida e da
sociedade que requer sujeitos descoloniais, conhecimentos descoloniais e
instituições descoloniais.” (MIGNOLO, 2017, p.6)

Nós, estudiosos e pensadores descoloniais, podemos contribuir não ao


relatar para os estudiosos, intelectuais e líderes indígenas qual é o
problema, porque eles o conhecem melhor que nós, mas ao agir no domínio
hegemônico da academia, onde a ideia de natureza como algo fora dos seres
humanos foi consolidada e persiste. (MIGNOLO, 2017, p.6)

Você também pode gostar