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COMENTÁRIO

Mignolo inicia o texto falando a respeito de pautas atuais da modernidade, a exemplo


do livro Cosmopolis: the hidden agenda of modernity, de Stephen Toulmin (1990); Los Conquistados:
1492 y la poblácion indígena de las Américas, editado por Heraclio Bonilla (1992) e do ensaio
Coloniality and modernity/rationality, de Quijano (2007), publicado no periódico Cultural Studies.
Em tom memorialista, Mignolo relata a respeito da finalização do próprio livro The darker
side of the Renaissance (1995) e como após a leitura desses textos ele dedicou tempo para
compreender o conceito de “colonialidade”. Este conceito veio a ser central em livros e
artigos mais recentes e as leituras anteriores pavimentaram o caminho para a compreensão
mais complexa do tema.
Mignolo explica como Toulmin (1990) diverge do pensamento dele ao propor o “rio
humanístico correndo por trás da razão instrumental” (MIGNOLO, 2017, p. 01) como pauta
oculta da modernidade. Para Mignolo (2017, p. 01), a pauta oculta da modernidade é a própria
colonialidade. Este conceito, introduzido pelo sociólogo peruano Anibal Quijano, foi melhor
elaborado por Mignolo no livro História locais/projetos globais e publicações posteriores. O
autor frisa a contribuição de Quijano para a conceituação de “descolonização” a partir da
Guerra Fria e das lutas pela libertação na África e na Ásia. Mignolo (2017, p. 02) explica
como a colonialidade é o tom para dar nome à lógica da civilização ocidental desde o
Renascimento.
Para o autor, o conceito de colonialidade não deve ser totalitário. Ele deve
particularizar a ação das invasões europeias nos mais diversos espaços geográficos – “de
Abya Yala, Tawantinsuyu e Anahuac, com a formação das Américas e do Caribe e o tráfico
macoço de africanos escravizados” (MIGNOLO, 2017, p. 02). Há mais a dizer a respeito da
colonialidade: (a) atualmente, ela já é um conceito descolonial e (b) é também
“assumidamente a resposta específica à globalização e ao pensamento linear global”.
Um exemplo desta particularização das ações colonialistas europeias e suas variantes
em territórios não europeus pode ser melhor compreendido com a leitura do texto de Sergio
Adorno, Monoólio Estatal da Violência na Sociedade brasileira contemporânea. Conforme veremos
mais adiante neste comentário, Mignolo (2017) apresenta um percurso histórico para o
fortalecimento da maneira de ser europeia por todos os territórios nos quais as forças –
militares, epistemológicas, populacionais e outras – europeias alcançaram. Sergio Adorno
inicia o texto indicando um dos efeitos dos colonialismos não previstos ou, pelo menos, não
indicados como consequência da chegada dos processos civilizatórios europeus em terras
diferentes da Europa. O crescimento da violência urbana – oriunda, certamente, dos
processos de troca de carne humana por dinheiro e longos tempos de escravidão – é uma
marca da sociedade atual. Sergio Adorno indica como a sociedade contemporânea organiza
sua estrutura institucional e epistemológica para examinar os processos de violência urbana
– crime comum, crime organizado, violência doméstica, violação de direitos humanos. Esses
itens, ditos amplamente, são presentes em muitos estados nacionais e são espalhados por
muitos estratos sociais, independente da língua, da crença e da cor da pele. Será que esse
problema social é consequência dos processos colonizadores europeus? Em que medida
podemos atribuir as ações colonialistas do passado e atuais às novas maneiras de mobilização
para a constituição de políticas públicas de segurança e penais?
Como se vê, Mignolo (2017, p. 02) parte de uma conceituação descontínua, complexa
e fluida, ao mesmo modelo da modernidade. Para o autor, modernidade e colonialidade
andam juntas, mesmo em tempos globais. Desde o século XVI, a colonialidade e a
globalidade são acionadas nos lugares onde haja compartilhamento e disputa entre as
inclinações opressivas e imperiais dos ideais europeus modernos quando estes são projetados
para o mundo não europeu, parafraseando Mignolo (2017, p. 02). Esse argumento teórico
de Mginolo (2017) tem como contraponto a constatação feita por Sergio Adorno. Em que
medida? O autor Sergio Adorno (p. 02) indica que há a sociedade civil se orienta por meio
de um “estoque de conhecimento acumulado por intermédio de culturas organizacionais que
agenciam interesses corporativos os mais diversos e, não raro, impedem que problemas reais
possam ser efetivamente atacados a curto, médio e longos prazos”. Mais à frente, veremos a
proposição belíssima de Mignolo (2017) para a consecução de uma agenda epistemológica
que dê conta da ampla e fluida variedade da contemporaneidade. Seria muito interessante se
o saber europeu acumulado não atravessasse a realização das políticas públicas atuais. Essas,
por sua vez, seriam melhor efetivadas caso pensadas dentro das particularidades de cada
estado nacional. Para os casos penais, em específico, é bastante interessante considerar a
realidade local. Para isso, Adorno indica a orientação das políticas públicas “por um conjunto
de dados estatísticos confiáveis e de informações qualitativas extraídas de pesquisas realizadas
no domínio das ciências sociais”.
Didaticamente, Mignolo (2017, p. 02) apresenta uma proposta de história linear para
as ocupações dos ideais europeus no século XVI. Ele explica a coexistência de diversas
civilizações de longa história e outras mais recentes a partir de 1500. Um exemplo do
primeiro tipo é a dinastia de Ming, reinante entre 1368 a 1644 e também contemporânea ao
Império Romano. Outro exemplo da coexistência de civilizações de longa duração com
outras contemporâneas é o próprio Império Romano e a dinastia chinesa. O autor
(MIGNOLO, 2017, p. 03) enriquece o texto com exemplos dos sultanatos em Baku, Déli e
Moscou; os reinados africanos de Oyo, com a nação Iorubá e os Reinos de Benim e os
reinados incas em Tawantinsuyu e os astecas Anahuac. Esses exemplos são demonstrativos
da grande prosperidade das civilizações diferentes das europeias. O autor, portanto,
pergunta: “O que aconteceu, então, no século XVI que iria mudar a ordem mundial,
transformando-a naquela em que vivemos hoje”? (MIGNOLO, 2017, p. 03).
O texto pula bruscamente para o século XXI. Neste período, Mignolo (2017, p. 03)
identifica um mundo “interconectado por um único tipo de economia (o capitalismo) e
distinguido por uma diversidade de teorias e práticas políticas” (MIGNOLO, 2017, p. 03).
O autor indica a manutenção das fronteiras entre esses dois aspectos – economia e variedade
de pensamento – como um dos tons mais presentes nas colonialidades atuais.
O autor afirma que as histórias dos estados nacionais fortalecem o desejo de
soberania – a exemplo da China e da Índia. O ocidente emana a ideia de que há a possibilidade
do fim das fronteiras e do livre-comércio entre os países (MIGNOLO, 2017, p. 03). O autor
afirma que essa noção pós-nacional é uma “afirmação de uma identidade que precedia o
nascimento do nacionalismo na Europa e sua dispersão pelo mundo” (MIGNOLO, 2017, p.
03). O que isso significa? Isso significa que, apesar de venderem uma ideia de prosperidade,
os colonialismos mais atuais esbarram nos nacionalismos enraizados nos países soberanos,
com profundas raízes históricas, mesmo quando há aproximação dos ideais europeus em
alguma menor medida.
Para explicar esse enfrentamento, Mignolo (2017, p. 03) propõe os “dois lados da
globalização: o da narrativa da modernidade e o da lógica da colonialidade”. Como a
realidade global é, por excelência, mais complexa, as respostas tendem a seguir a mesma
complexidade. Se por um lado, o pós-nacionalismo no Ocidente significa a ruptura de
barreiras e a diminuição de fronteiras, por outro lado, em países não europeus, o pós
nacionalismo significa uma amplificação dos sentimentos nacionalistas e “uma reivindicação
das identidades como base da soberania estatal” (MIGNOLO, 2017, p. 03).
Sergio Adorno especifica um destes enfrentamentos de colonialidades para o caso
brasileiro (ADORNO, p.269). Adorno propõe uma análise social que considere as tensões
nas relações entre indivíduos, grupos e instituições sociais; tensões nas relações entre
processos sociais e tensões nas relações entre indivíduos e sociedade civil. Esse exame
partindo do indivíduo em direção às instituições pode mostrar os rumos da democracia
brasileira, “sua institucionalização e consolidação, seu futuro e seus desafios” (ADORNO,
p. 269).
Rico em exemplos chineses, americanos e africanos, Mignolo (2017, p. 03) explica
como as memórias coletivas permanecem nas histórias nacionais mesmo durante o pós-
nascionalismo. O segundo ponto de interesse do autor – o sistema econômico global
capitalista – é examinado por meio da manifestação de empresas transnacionais contrárias a
este modelo e abrindo possibilidades modernidades variadas, “cercada por outras periféricas
ou alternativas” (MIGNOLO, 2017, p. 03). Mignolo (2017, p. 04) denomina este movimento
de “cosmopolitismo descolonial”. O tom laudatório das diversas nacionalidades e seus
pontos de encontro é melhor ambientado por Sergio Adorno, cujo texto examina a violência
urbana no contexto brasileiro, partindo de incompleta – mas sólida – revisão de literatura.
Quando pensamos nas trocas entre países e seus pontos de conexão em um delineamento
de longa duração, temos a tendência a frisar os pontos positivos daquelas trocas. O texto de
Mignolo (2017) apresenta o espalhamento dos princípios europeus por todo o globo,
mostrando a força imperial daquele território. Sergio Adorno traz à luz um importante ponto
de reflexão – a violência urbana. Sergio Adorno pergunta em qual sentido a tradição
estrangeira contribui para a realidade atual – seja em tom filosófico, epistemológico ou até
mesmo sua parcela de responsabilidade nesta condição global de muitos povos imigrantes
descolonizados.
Mignolo (2017, p. 04) pergunta o que aconteceu nesse ínterim entre o século XVI e
XIX. O autor recupera a análise de Karem Armstrong, para quem a economia e a
epistemologia dos europeus foram cruciais para a configuração do cenário atual. Mignolo
(2017, p. 04) destaca, no exame de Armstrong, a prática europeia de reinvestir na produção
e a reprodução dos recursos indefinidamente. Mignolo (2017, p. 04) também apoia o
comentário de Armstrong à epistemologia europeia abrangente em vários campos do saber
humano – ampliando a noção de ciência tanto como conhecimento quanto como arte.
Mignolo (2017, p. 04) indica que Armstrong falhou ao não notar a dispensabilidade da
vida humana, desde a Revolução Industrial. Particularmente, vemos o aprofundamento desta
dispensabilidade (ou descartabilidade) da vida humana nos processos atuais de invisibilidade
de minorias e de populações menos abastadas. A escravidão foi a tônica e o motor de boa
parte do progresso europeu após o século XVI e as veias abertas dessa prática justificou por
bom tempo “o racismo, a inferioridade de vidas humanas” e a dispensabilidade do próprio
homem, da carne humana. A modernidade, segundo Mignolo (2017, p. 04) nasce nesse
caldeirão como uma “colonização dupla, de tempo e de espaço”. A colonização de tempo,
conforme Mignolo (2017, p. 04) é criada pela invenção renascentista e a colonização de
espaço é criada pela conquista do Novo Mundo. A colonização da América, para Mignolo
(2017, p. 04), está em curso e pode ser dividida em três fases: (a) a fase ibérica, entre 1500 e
1750, aproximadamente; (b) a fase “coração da Europa”, entre 1750 e 1945 e a (c) fase
americana estadunidente, entre 1945 e 2000. Após o início do século XXI, Mignolo (2017,
p. 04) diz haver uma nova ordem mundial: “um mundo policêntrico e interconectado pelo
mesmo tipo de economia”.
Será que essa pluralidade é devedora da estrutura de controle e administração de
autoridade, economia, subjetividade e normas de relações de gênero e sexo construídas no
século XVI? Mignolo (2017, p. 05) explica como a construção desse grande poder central
exclui indígenas, aborígenas e todos os povos originários, seja qual for o ponto do planeta
Terra onde residiram. As normas de condutas particulares a cada grupo já existente são
apagadas no processo do desenho de projetos globais das nações europeias.
Sergio Adorno (272) também indica o monopólio estatal da violência, em clara
referência a Norbert Elias, para explicar a configuração das transformações econômicas e
intelectuais na Europa e seu espalhamento para terras brasileiras. Sergio Adorno (p. 273)
especifica mais o conceito de Estado de Direito no período moderno, além da Idade Média
e como o direito institui o sentido da autonomia do estado sobre o indivíduo. O nascimento
da violência é atrelado ao nascimento dos Estados nacionais. Após longa análise dos textos
weberianos, Sergio Adorno apresenta um conceito de dominação e violência autorizados
pelo uso do estado.
Continuando, Mignolo (2017, p. 05) indica que o fortalecimento de uma matriz
colonial de poder requer o domínio sobre a economia, a autoridade, do gênero e da
sexualidade e do conhecimento e da subjetividade. Esse domínio evolui em duas linhas
paralelas: (a) luta entre estados imperiais europeus e (b) luta entre estados imperiais europeus
e os sujeitos coloniais africanos e indígenas, escravizados e explorados. Essa estrutura de
domínio foi amparada pelo fundamento racial e patriarcal do conhecimento.
Sergio Adorno (p. 281) amplia a percepção de Mignolo (2017), ao indicar a invenção
da polícia comunitária, a expansão dos serviços de segurança privada e a internacionalização
das operações policiais como itens fragilizados na sociedade contemporânea e, ao mesmo
tempo, participantes da noção de globalidade e matriz colonial mundial.
Mignolo (2017, p. 06) explica como o argumento teológico às vezes oculta as tensões
geopolíticas e corpo-políticas e sustenta a matriz colonial europeia quando esta se espalha
para domínios além europeus. Ele afirma que
o pensamento descolonial e as opções descoloniais (isto é, pensar
descolonialmente) são nada menos que um inexorável esforço analítico para
entender, com o intuito de superar, a lógica da colonialidade por trás da retórica
da modernidade, a estrutura de administração e controle surgida a partir da
transformação da economia do Atlântico e o salto de conhecimento ocorrido
tanto na história interna da Europa como entre a Europa e suas colônias”
(MIGNOLO, 2017, p. 05).

Para Mignolo (2017, p. 06) o avanço epistemológico dará se os pensadores atuais


permanecerem fieis e próximos aos movimentos sociais emergentes em temas como
natureza, por exemplo. A atuação do pesquisador deve ser dentro da própria academia,
conforme Mignolo (2017, p. 06), não explicando aos indígenas uma noção exterior de
“natureza” e “pachamama”, mas instruindo os próprios estudiosos a respeito dessa noção
que vem de fora e é constituinte dos saberes originários, portanto diferente dos saberes
europeus importados e bem consolidados por meio da violência e da guerra – seja bélica,
institucional ou ideológica. O autor fornece dois exemplos desse uso da natureza e como ela
se tornou um conceito estabelecido conforme a episteme europeia, incorporada aos saberes
originários e atravessadoras dos saberes próprios dos indígenas em terras americanas. Com
a construção ideológica histórica, a natureza “tornou-se repositório para a materialidade
objetivada, neutralizada e basicamente inerte que existia para a realização das metas
econômicas dos mestres dos materiais” e, logo, desconectada da estrutura orgânica da
sociedade dos povos originários, com sua temporalidade e espaço específicos.
Sergio Adorno, por sua vez, apresenta uma proposição mais realista da ação das
pessoas para pensar a situação global atual. O autor (ADORNO, p. 281) apresenta uma
crença fortalecida nas agências públicas capazes de implementar a lei. Para um melhor
funcionamento das forças policiais – fundamentais para o exercício pleno das trocas globais
e coloniais – é necessário o concurso da comunidade. Adorno (p. 281) explica como as
pessoas são co-responsáveis pelo exercício da vigilância local e da coleta de informações.
Esse argumento de Sergio Adorno parece similar à proposta de Mognolo (2017) quando ele
diz que os traços europeus são espalhados por todo mundo, mesmo que existam
particularidades identitárias em cada estado nação. Sergio Adorno indica (p. 282) que o
policiamento comunitário enfrenta idiossincrasias e rotas de fuga. Isso acontece em especial
em comunidades paupérrimas. A visão de Sergio Adorno é apropriada para o
questionamento que lançamos ao texto de Mignolo (2017): quais são as forças em operação
quando identificamos grupos humanos periféricos? Como lançar um olhar para essas
comunidades sem utilizar a episteme europeia mais consolidada e, portanto, enviesada em
termos metodológicos e, quiçá, com vieses nas próprias respostas?
Mignolo (2017, p. 08), após breve exposição da apropriação da natureza pelo
colonialismo europeu entre os séculos XVI e XVIII, indica as bases para a “lógica da
colonialidade” e como essa lógica passou por sucessivas alterações e transformações,
atualizando temas como “salvação, progresso, desenvolvimento, modernização e
democracia”. No primeiro momento, o colonialismo salva vidas pela conversão ao
cristianismo. No segundo momento, o movimento civilizatório salva vidas por meio da
administração dos corpos. No terceiro momento, vigente ainda hoje, é a lógica do
consumidor-empresário “da sua própria saúde, pelos usos da biotecnologia conivente com a
farmacologia” (MIGNOLO, 2017, p. 08). Essa transformação da colonialidade gera o que
Mignolo (2017, p. 09) denomina de geopolítica. A tecnologia tem papel importante neste
processo, pois cria um novo tio de sujeito.
Essa ideia de que há um progresso quando há a aceitação do colonialismo europeu
pode ser melhor pensada com a tendência de desenvolvimento da segurança privada,
explicada por Sergio Adorno (p. 283). Não podemos realizar inferências da história que não
aconteceu. Entretanto, é interessante notar um crescimento do mercado privado de
segurança – como Sergio Adorno explica. A vigilância e policiamento preventivos são
também maneiras de espalhamento da força militar europeia, distribuída na comunidade
e/ou consequentes da má organização do contato entre os povos e suas diferenças?
Sergio Adorno indica que a privatização atual das forças policiais é sinal de uma falta
de controle do crime e da violência. Neste ponto, o texto de Sérgio Adorno difere da análise
histórica progressiva de Mignolo (2017). Embora Mignolo (2017) indique uma história mais
egopolítica, com o cuidado dos corpos mediado pela tecnologia, o propósito do exame do
autor não alcança uma reflexão a respeito da erosão da unidade político e militar dos estados
contemporâneos. Acreditamos que a reflexão de Sérgio Adorno está muito vinculada à
sociologia de Norbert Elias, com a breve explanação a respeito da evolução da noção de
indivíduo nas sociedades do século XX. Como sabemos, essa teoria serve para explicar mais
e melhor os princípios de biopolítica de Michel Foucault e outros autores citados por Sérgio
Adorno. Este fornece muitos exemplos de controle da violência em meios privados, a
exemplo das sanções aplicadas por consumidores que cometem pequenos furtos.
Nas páginas seguintes, Mignolo (2017, p. 09) dedica um tempo a examinar exemplos
a respeito da lógica da colonialidade. Os primeiros exemplos são históricos, os posteriores
são econômicos – por meio do exame das classes e hierarquias nas sociedades – e os terceiros
são a respeito da classificação racial e a subjetividade. O pensamento de Mignolo (2017, p.
09) ampara-se em percepções da evolução histórica dos quinhentos anos mais recentes da
história da humanidade, após as grandes navegações, principalmente. Em termos de longa
duração, as proposições são demasiado gerais e pouco aprofundadas, mesmo que com caráter
lúcido de exame e análise da situação da contemporaneidade do século XXI. O texto é
devedor de um recorte mais específico para explicar as colonialidades atuais, embora realize
um bom esforço intelectual e cognitivo para explicar em linhas gerais a marcha europeia para
a construção de identidades idênticas, salvaguarda o trocadilho com as palavras.
Há pontos de especial interesse ao leitor, a exemplo da estrutura didática de
apresentação dos nós histórico-estruturais heterogêneos (MIGNOLO, 2017, p. 10). Ao
especificas os nós para a formação global heterogênea, frisando os pontos de raça, trabalho
e subjetividades, Mignolo (2017, p. 10) possibilita frentes de reflexão importantes para pensar
as bordas do conhecimento e como as intersubjetividades enfrentam as fronteiras – muitas
vezes, vencendo – as – quando estas intersubjetividades estejam localizadas em territórios às
margens dos faróis europeus. O que queremos dizer com isso? Queremos dizer que, embora
Mignolo (2017) enfrente o desafio de explicar as colonialidade europeias, ele falha ao partir
do próprio espectro dominador. Será que, se a análise fosse realizada por meio de um olhar
indígena, africano, indiano ou chinês, com a vasta produção intelectual as proposições teriam
um vigor metodológico mais renovado? É certo que o domínio europeu molda um tanto da
globalização atual, forma uma visão racial global; constrói uma classe global com a
coexistência de formas de trabalho; divide internacionalmente o trabalho; organiza um
sistema interestatal de organizações político-militares; estabelece uma hierarquia
racial/étnica, de gênero, espiritual/religiosa e estética globais; fortalece uma hierarquia
epistêmica, linguística e uma ideia de homem.
Perguntamos ao texto: se a proposta inicial é fortalecer os enunciados dos povos
historicamente colonializados e se estes povos apresentam propostas inovadoras para os
tempos atuais, por que manter a análise por meio do olhar europeu, já exaustivamente dito
nos espaços acadêmicos por longos cinco séculos?
O autor se defende dizendo que o “eurocentrismo é facilmente encontrado na
Colômbia, no Chile ou na Argentina, na China ou na Índia” (MIGNOLO, 2017, p. 12).
Concordamos com isso, mas, com o mesmo Mignolo (2017), perguntamos: qual é a força,
então, que faz com que as vozes dos povos originários estejam presentes nos estados
nacionais atuais? Mignolo (2017, p. 12), para isso, diz: “será difícil convencer alguém de que
a China é um país eurocentrado, embora ninguém contestará que traços do eurocentrismo
estão bem vivos na China”. Sim, é inegável a presença da Europa no mundo. Ainda assim, é
possível manter apenas essa força na construção das histórias nacionais e suas relações com
uma comunidade global?
O pensamento de Mignolo (2017) inicia com uma proposição de prosperidade e
diversidade enunciativa e, ao correr do texto, o impulso inicial se perde por conta da força
da história contada por meio dos livros e bastante documentada nos arquivos acadêmicos.
Para as histórias futuras, Mignolo (2017, p. 13) indica cinco projetos: a reocidentalização, a
reorientação da esquerda, a desocidentalização, a descolonialidade e a espiritualidade. Como
argumento teórico (MIGNOLO, 2017, p. 14), o autor parece acreditar em sua proposição de
uma descolonialidade fluida e mais valorizadora dos saberes particulares a cada território.

Referências
ADORNO, Sérgio. Monopólio Estatal da violência na sociedade brasileira
contemporânea.
MIGNOLO, Walter D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. RBCS,
Volume 32, número 94, junho, 2017.

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