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A DE-COLONIALIDADE DA POLITICA NUCLEAR NA AMÉRICA LATINA

RESUMO

O presente artigo busca discutir aspectos da de-colonialidade na política nuclear dos estados latinos
americanos, com foco na analise da integração regional entre Brasil e Argentina, desde 1991, que
culminou no acordo bilateral para criação da ABACC - Agencia Brasileira-Argentina de Contabilidade
e Controle de Materiais Nucleares. A governança nuclear global, cuja autoridade máxima é
representada pelo Conselho de Segurança da ONU – Organização das Nações Unidas, ao estabelecer
uma série de restrições para produção do conhecimento em matéria de armamento nuclear, contribuiu
para a subalternização de saberes, negando direitos e relevando sujeitos historicamente subordinados,
imbricado da relação colonial. Segundo autores como Dussel, Mingolo e Wallerstein, o fundamento da
modernidade/colonialidade está no descobrimento e na invenção da América e, portanto, representa o
lugar onde originou e se mundializou os elementos constitutivos do padrão existente das estruturas de
poder no sistema-mundo capitalista. Para Mignolo, essa relação entre modernidade/colonialidade
pressupõe uma lógica de desconfiança e descontentamento, que se traduz em projetos de de-
colonialidade em âmbito regional, revelando o problema da colonialidade do saber. No contexto da
politica nuclear na América Latina, os estados deveriam se adequar as regras internacionais e aderir ao
TNP- Tratado de não-proliferação, no entanto, a pressão internacional resultou em 2006/2007, na
assinatura do Acordo quadripartite entre Brasil, Argentina, ABACC e AIEA – Agencia Internacional
de Energia Atômica, na qual a cooperação visava garantir o uso pacifico através da transferência de
tecnologias de enriquecimento e reprocessamento do combustível nuclear. Desta perspectiva da de-
colonialidade, a narrativa universalizante se sobrepõe ao sujeito historicamente subalternizado, para
manter os estados atrelados à colonialidade do saber, reverberando no campo da politica, economia,
cultura e desenvolvimento tecnológico da região. Todavia, a de-colonialidade nuclear se torna um
tema em voga, sobretudo, por tornar evidente a experiência de subalternização dos estados sul-
americanos, ampliando a analise, como considera Castro-Gomez, para tratar da “geopolítica do
conhecimento”.

PALAVRAS-CHAVE: De-colonialidade, Governança Nuclear Global, Colonialidade do saber


nuclear.

INTRODUÇÃO

Os estudos pós-coloniais aparecem como uma abordagem dentro das ciências sociais que
propõe uma mudança epistemológica, polemizando o debate acerta do conceito de modernidade, da
relação Ocidente/Oriente, e do papel da Europa na construção de uma ordem mundial capitalista
através de um projeto de mundo moderno que almeja ofuscar o processo do colonialismo. Como
mostra Luciana Ballerstrin (2013), os estudos pós-coloniais nascem na França, na década de 1960, a
partir do olhar de três colonizados, Franz Fanon, Albert Memmi e Césaire, e surge com o intuito de
interceder a favor do colonizado, apresentando os antagonismos e binarismo presente na relação
colonizador e colonizado. O pensamento ganha força com a formação dos programas acadêmicos, do
Grupo Sul Asiático de Estudos Subalternos, no qual através de Gayatri Chakrabarty Spivak, Jacques
Derrida, em 1985, ajuda a difundir nos EUA, e contribui para as teorias pós-coloniais dentro do campo
das Relações Internacionais; como também a formação do Grupo Latino Americano de Estudos
Subalternos. Estes grupos serviram de base para a construção da teoria Modernidade/Colonialidade, no
qual Enrique Dussel, Walter Mingnolo e Ramon Grosfóguel são as principais referencias.

O conceito de colonialismo, para a corrente pós-colonial, se difere do conceito de


colonialidade, estabelecendo uma mudança epistemológica, e como bem descreve Bruna Callarari
(2014), Ramon Grosfóguel compreende como sendo as formas colônias de dominação criadas pela
estrutura do sistema-mundo capitalista moderno/colonial. Desta perspectiva, existiria a Colonialidade
do poder (político econômico), do saber (conhecimento) e do ser (sujeito pós-colonial). Abino Quijano
descreve essa “colonialidade global” como a continuação da estrutura do sistema mundo
moderno/colonial, trazendo o debate sobre o fim do colonialismo para a atualidade. Para Walter
Mingnolo, Enrique Dussel, o marco da História Mundial se inicia com as descobertas da América
Latina por portugueses e espanhóis, no século XVI, e a modernidade se aprofunda com a expansão
imperialista, no século XVIII, pelos franceses e britânicos.

O PARADIGMA DA MODERNIDADE/COLONIALIDADE

O grupo Modernidade/Colonialidade surge na década de 1990, trazendo a noção do “giro


decolonial” para propor mudanças epistemológicas, teóricas e políticas, e estabelecer o conceito da
“colonialidade global” junto às bases do pensamento pós-colonial. Segundo Ballerstrin (2013), os
estudos pós-coloniais deslocaram a narrativa do sujeito moderno para o sujeito pós-colonial,
denotando a violência e opressão desencadeada com o processo de desenvolvimento do capitalismo, e
ao mesmo tempo, dando ênfase a “diferença colonial”, às identidades, etnias e culturas. A construção
da ideia de subalternidade, como explica Ballerstrin (2013), foi emprestada de Antônio Gramsci, em
seu conceito de subalterno, no qual descreve um sujeito historicamente condicionado por uma relação
hierárquica no sistema-mundo capitalista, sob a qual a voz do “sujeito subalterno” não pode ser
ouvida, senão através da sua representação presente no discurso do poder hegemônico. Este sujeito
pós-colonial é in-visibilizado, e se torna dependente da Colonialidade do poder, do saber e do ser, cujo
aspecto da diferença se encontra ausente na noção eurocêntrica de modernidade, o que ocasiona no
hibridismo desse sujeito colonial.

No entanto, mesmo as teorias pós-colonias, devido aos grupos de estudos subalternos, tendiam
a conduzir a analise para o imperialismo britânico, e colonialidade indiana, perdendo o foco da
América Latina. Walter Mingnolo tem grande importância por direcionar o estudo da subalternidade
para o contexto latino-americano, e com isso estabelece uma relação entre o império estadunidense e a
2
América. Todavia, Grosfoguel (2008 apud Ballerstrin, 2013, p. 97), aprofunda o debate ao criticar a
corrente pós-estruturalista, pós-moderna, de autores europeus, como Foucault, Derrida e Gramsci, por
apresentarem abordagens críticas eurocêntricas do euro-centrismo. Para tanto, era necessário haver a
construção de uma crítica descolonial, a partir do olhar de autores do Sul, e dos saberes silenciados e
subalternizados, fomentado pelo mundo pós-colonial, nascendo assim, nos anos 1970, a linha de
pensamento da teoria da Modernidade/Colonialidade, através da contribuição da Filosofia da
Libertação de Dussel, a Teoria da Dependência de Quijano, e a Teoria do Sistema-mundo de
Wallerstein.

Trans-Modernidade do Sistema-Mundo Capitalista


O mito da modernidade eurocêntrica, abordado pelo pensamento pós-colonial, desloca a
Europa como o centro do mundo moderno/ocidental, principalmente quando se atribui a expansão do
sistema-mundo capitalista ao colonialismo, e descobrimento da América latina. Segundo Enrique
Dussel (2005) até mesmo o conceito de Europa precisa ser melhor discutido, sobretudo, por se referir à
mitologia dos fenícios, e por isso, traz uma semântica do Oriente, não estabelecendo uma relação com
a definição da Europa moderna. O Ocidente se formará pelo Império Romano, a Europa latina
medieval e se oporá ao Oriente, o império helenista, formado pela Grécia e a Ásia. No Oriente
predomina o mundo árabe-mulçumano, em uma região muito extensa, e com isto gerou guerras
regionais, conhecidas como as Cruzadas, ou os ataques da Europa latina medieval para se impor ao
Mediterrâneo Oriental. Para Dussel (2005, p.25), as inúmeras tentativas frustradas de conquistar o
Oriente, tornou a Europa latina uma “cultura periférica, secundária e isolada pelo mundo turco
mulçumano, que dominou politicamente do Marrocos até o Egito, a Mesopotâmia, o Império Mongol
no norte da Índia, e ilhas Filipinas no século XIII”. Desde o império helênico, o “Mar Vermelho ou
Antioquia representa o limite ocidental do mercado euro-afro-asiático, demarcando a fronteira entre o
mundo árabe-mulçumano do Oriente”, de um lado, e o Ocidente do outro.
Segundo Imannuel Wallerstein (1996), o modelo do sistema-mundo moderno foi o primeiro a
consolidar a si mesmo como a economia-mundo capitalista. Este modelo partiu da logica interna da
Europa para expandir para fora de suas fronteiras, tendo no final do século XIX, alcançado partes do
mundo inteiro. A economia-mundo capitalista, portanto, é um sistema social estruturado por uma
“divisão do eixo integrado do trabalho”, guiado pelo princípio da acumulação do capital, cujo
mecanismo adotado é a produção de bens primários nas múltiplas fronteiras políticas. Na formação de
“cadeias de produção”, estas operações são conceitualmente e historicamente formadas por nos entre
produtores e entre países, e em alguns casos a força de trabalho é paga por meio de salários (wages). O
lucro obtido desta cadeia advêm em grande parte da monopolização de um nó em particular. Esses nós
são concentrados em pequenas áreas, quando mais rentáveis são chamadas de “zonas centrais”, e
quando a rentabilidade é menor se encontra dispersa geograficamente nas “zonas periféricas”.

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Nesse caso, os termos usados por Wallerstein (1996), são relacionais e não espaciais, ou seja,
centro-periferia tem haver com a monopolização dos setores de produção e maior competitividade, e
alto-salario e baixo-lucro das atividades de produção (ou alto lucro e baixo salário). Essa relação entre
capital mundial e trabalho mundial é também a relação entre capitalistas fortes e fracos, e a
consequência disto é a transferência do valor excedente do setor periférico para o setor central, dos
trabalhadores para os proprietários (controladores) da periferia para os controladores das atividades de
produção do centro – os Grandes capitalistas. A relação nesse sentido entre centro-periferia não
necessariamente é geográfica, mas existe uma tendência para existir a segregação espacial e
concentração pesada das atividades econômicas nas periferias, entre atividades padrão
“transformacional” (agricultura, indústria) ou de “serviços” (publicidade, informática, transporte,
financeiro).

Para Charles Taylor1 (apud Dussel, 2005, p.26) é possível se definir dois conceitos de
Modernidade. Existe aquele que foi concebido sob a perspectiva do mundo “eurocêntrico, provinciano,
regional”, no qual os processos de modernização representaram a “emancipação” dos fenômenos intra-
europeus e o desenvolvimento da Europa. Dessa linha, temos Hegel, Habermas (1988) e Max Weber
como teóricos contemporâneos abarcando noções, tais como, da racionalização, modernidade e
desencantamento do mundo; e Galileu (1616), Bacon (1620) e Descartes (1636) como os precursores
do mundo moderno no século XVII. A subjetividade se apresentou como principio para essa
modernidade eurocêntrica, atribuída a Revolução Francesa, Reforma Protestante, o Iluminismo e
outros tantos eventos históricos dos estados da Europa, que acabaram desencadeando nos processos
para a modernização/civilização do mundo.
A outra perspectiva trazida por Taylor remonta a noção de modernidade associada a mudanças
na História Mundial e, dessa forma, estabelece um centro na historia, que começa a ser reconhecido no
século XV, com o descobrimento da América, e se aprofunda e se amplia com a Revolução Industrial
no século XVIII. Desse modo, somente a partir de 1492, com as conquistas do descobrimento da
América a riqueza do Mediterrâneo contribuem para suplantar o Oriente, e Portugal e Espanha abrem
para o mercantilismo mundial com a entrada de metais preciosos no comércio europeu, estabelecendo
relações com Inglaterra e Holanda, marcando assim a primeira fase da modernidade. Com base na
descrição de Dussel (2005),

[...] a Europa moderna, desde 1492, usará a conquista da América Latina (já que a
América do Norte só entra no jogo no século XVII) como trampolim para tirar uma
vantagem comparativa determinante com relação a suas antigas culturas antagônicas
(turco-muçulmana, etc.). Sua superioridade será, em grande medida, fruto da
acumulação de riqueza, conhecimentos, experiência, etc., que acumulará desde a
conquista da América Latina (Dussel, 2005, p.28).

A Revolução Industrial no século XVIII aprofunda os processos de modernização, e a


Inglaterra passa a comandar no lugar da Espanha, e neste contexto, a Europa Moderna passa ser o
1
Taylor, Charles 1989 Sources of the Self. The Making of Modern Identity (Cambridge: Harvard University Press).
4
centro da História Mundial, no qual a Inglaterra será a potência hegemônica até a Segunda Guerra
Mundial. Dussel (2005) defende essa visão da Modernidade, e reinterpreta a noção da racionalidade
moderna proposta por Habermas.

Assim como Dussel, Aníbal Quijano (1992, p.11) explica que a formação de uma ordem
mundial se iniciou há 500 anos e atualmente toma todo o planeta, concentrando os recursos do mundo,
através de estruturas de classe, sob as quais os dominantes controlam e se beneficiam e, a outra parte,
de dominados, se inserem no sistema do colonialismo, presos em todas suas formas de dominação
política, econômica, social, cultural. Para o autor, o colonialismo na América Latina, no século XVI, e
o neocolonialismo, pós-II Guerra, fornecem elementos para compreender a importância do
imperialismo na construção das “estruturas de poder” constituídas por classes sociais e estamentos.
Para Quijano (1992), apesar da política de colonialismo haver “acabado”, ainda permanece uma
relação de dominação colonial da cultura Europeia, Ocidental, com o resto do mundo.

Todavia, Wallerstein (1996, p.92) enfatiza que no inicio da historia do sistema-mundo moderno
(século XVI-XVIII), e mesmo antes da Revolução industrial, a “geocultura” existente sustentava os
valores dominantes da estrutura da economia-mundo capitalista. Mesmo na Revolução Francesa (e
Tocqueville abarca sobre a continuação no império de Napoleão após a política de Richelieu e
Colbert), pouco se mudou a estrutura econômica e politica do sistema-mundo ou no sistema inter-
estatal (Congresso de Viena vinha para ampliar as estruturas do Tratado de Vestifália – ancorada no
principio de soberania do Estado Moderno). Todavia, dois conceitos antes não autorizados vinham à
tona e eram debatidos mais abertamente pela opinião pública: “a normalidade da mudança politica”
(ou a legitimidade da mudança mesmo que pequena); e, “soberania popular” na qual destituía o
representante do estado absolutista para outro tipo de representação politica.

A geocultura deste sistema-mundo passou a aceitar essa mudança política e esta soberania
popular ainda mantendo um receio quanto à uma democratização da política para desestabilizar a
economia mundo capitalismo no sistema inter-estatal. Assim, como Wallertein (p.93) mostra, foram
perseguidos três domínios institucionais: “a invenção das ideologias”; “a reconstrução do sistema de
conhecimento e triunfo do cientificismo”; e “a domesticação dos movimentos anti-sistêmicos”. Para
isto, era necessário forjar uma “geocultura construída em torno de uma antinomia simbiótica”, cujas
ideias perpassavam a noção de “universalismo” e “racismo/sexismo”.

Dussel (2005) também parte da premissa que se há uma centralidade na História Mundial, esta
constitui consigo uma periferia de mundo, sendo este “etnocentrismo europeu” uma pretensão de
universalidade-mundialidade. Segundo o autor, “o eurocentrismo da Modernidade é exatamente a
confusão entre a universalidade abstrata com a mundialidade concreta hegemonizada pela Europa
como centro (Dussel. 2005, p.28). A Conquista da América Latina e a “justificativa de uma práxis
irracional de violência” expõe o “mito da modernidade” ao inconteste da noção de emancipação de
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povos ao etapa da civilização (Dussel. 2005, p.29). Nesse viés, o autor propõe um novo paradigma da
modernidade pelo qual contesta a ideia de civilização moderna, baseada em uma perspectiva
eurocêntrica, construída sob a ideia de “superioridade” e “exigência moral”. Através da “falácia
desenvolvimentista”, em nome do sacrifício, a Europa moderna aderiu a “guerra justa colonial”,
exercendo violência contra o índio, o africano, a mulher, a natureza, contribuindo, inclusive, para a
destruição ecológica”.

Como reitera Quijano (1992), os europeus utilizaram uma política de repressão contra os povos
étnicos, adotando medidas sistemáticas, e de controle social e cultural, impondo outros conhecimentos
e símbolos míticos, religião. Os colonizadores conseguiam converter e cooptar os dominados,
sobretudo, por meio de jogos de sedução para atrair para um mundo civilizado, definido por Quijano
(1992) pela noção de “colonialidade cultural”. Todavia, o autor enfatiza o caráter violento da
dominação pelo qual os colonizadores extermínio de milhões de índios na América Latina, e na Ásia e
África através do genocídio, perpetuando uma estrutura de sujeitos atrelados em uma relação de
subalternidade.

O mito da modernidade, para Dussel (2005), deste modo, se torna essencial para transpor o
paradigma da modernidade sob um viés eurocêntrico. A violência em nome do sacrifício, e a negação
da “Alteridade do Outro”, “espoliando o mundo periférico por atos irracionais”, contradiz o próprio
ideal de modernidade do mundo europeu civilizado. A “razão emancipadora” presente no mito
civilizatório expõe os limites do conceito de modernidade sob o viés eurocêntrico, por sua vez
hegemônico, sobretudo, por não respeitar os direitos e identidades étnicas, as culturas diversas,
negando mesmo a modernidade na alteridade do outro.
A “razão eurocêntrica” deve ser transcendida para uma ideia de modernidade que realize com
profundida a relação com o outro. Dussel (2005) acredita que o reconhecimento da alteridade revela
um projeto trans-moderno, no qual:

[...] a razão moderna é transcendida (mas não como negação da razão enquanto tal, e
sim da razão eurocêntrica, violenta, desenvolvimentista, hegemônica). Trata-se de
uma Trans-Modernidade como projeto mundial de libertação em que a Alteridade, que
era coessencial à Modernidade, igualmente se realize. A realização não se efetua na
passagem da potência da Modernidade à atualidade dessa Modernidade européia. A
realização seria agora a passagem transcendente, na qual a Modernidade e sua
Alteridade negada (as vítimas) se co-realizariam por mútua fecundidade criadora. O
projeto transmoderno é uma co-realização do impossível para a Modernidade; ou seja,
é co-realização de solidariedade, que chamamos de analéptica, de: Centro/Periferia,
Mulher/Homem, diversas raças, diversas etnias, diversas classes, Humanidade/Terra,
Cultura Ocidental/Culturas do mundo periférico ex-colonial, etc.; não por pura
negação, mas por incorporação partindo da Alteridade (Dussel, 2005, p. ).

Desse modo, Dussel (2005) propõe o paradigma da “Trans-modernidade” como projeto que
incorpora os aspectos da mundialização da Europa, sendo o processo da colonização, a “razão

6
emancipadora” da ideia de Modernidade, iniciada a partir de 1492, e cujos fins se coadunam com a
proposta de “libertação da Alteridade negada”, seja na esfera política, econômica, social e ecológica.

O projeto trans-moderno e o sujeito decolonial


Quando contrastamos os paradigmas, eurocêntrico da Modernidade com o da
Modernidade/Alteridade ou Trans-modernidade, se justifica os dados apresentados pela ONU 2 no qual
mostra que a maior parcela da riqueza mundial se concentra no centro do sistema-mundo 3, enquanto a
periferia continua a padecer da injustiça estrutural produzida pela modernidade e pelo sistema-mundo
criado pela Europa Ocidental (Dussel, 2005).

Como explica Ballerstrin (2013, p.100), o conceito de “colonialidade do poder” é introduzido


por Quijano (1989) para denunciar as formas de dominação presentes nas estruturas do sistema-mundo
moderno/colonial, e Grosfoguel (2008) evidencia o “regime da colonialidade global imposto pelos
EUA, por meio do FMI, Banco Mundial, do Pentágono e da OTAN”. Sendo assim, a colonialidade do
poder descreve como “as zonas periféricas mantêm-se numa situação colonial, ainda que já estejam
sujeitas a uma administração colonial”. A partir daí a ideia de raça ganha o centro do debate sobre a
diferença, e para autores como Quijano (2000 apud Ballerstrin, 2013, p.101), os conceitos de raça,
gênero e trabalho se mundializam a partir da América, como principais elementos para entender a
formação do mundo capitalista moderno/colonial, inserido dentro de um contexto de
“exploração/dominação/conflito”. Enquanto para Mignolo (2003), a diferença colonial serve para
elucidar a colonialidade do saber, seja na “dimensão epistêmica e epistemológica” (Ballerstrin, 2013,
p.103).

Segundo Ballerstrin (2013, p.106), a colonialidade do saber está associada ao que Mignolo
(2002) considerou ser a “diferença colonial e a geopolítica do conhecimento”, ou como descreve
Castro-Gómez (2005), é uma critica a pretensão da linguagem cientifica do Iluminismo se apresentar
como a estrutura universal da razão, estabelecida sob seis línguas imperiais. O grupo propunha um
novo paradigma da modernidade/colonialidade com o aspecto da descolonização central dentro do
debate do mundo moderno. Todavia, o conceito de decolonialidade é inserido no debate como terceiro
elemento da modernidade/colonialidade, sendo para Mingnolo (2003), o “lugar do pensamento
fronteiriço”, do qual se pode perceber a existência da “subalternidade colonial”, resistindo a “cinco
ideologias: cristianismo; liberalismo, marxismo, conservadorismo e colonialismo”.

O “projeto des-colonial” representava a proposta do grupo Modernidade/Colonialidade (M/C)


para se posicionar vis-a-vis ao projeto pós-colonial, em que criticava a discussão centrada na teoria
crítica da Europa (Foucault e Derrida). Os “estudos decoloniais”, desta forma, foram constituídos

2
UNDP-United Nations Development Programe 1992 Human Development Report 1992 (Nova Iorque: Oxford
University Press).
3
Wallerstein, Immanuel 1974 The Modern World-System (San Diego/Nova Iorque: Academic Press) Tomo I.
7
como o diferencial do pensamento produzido pelo grupo M/C, sobre o qual propõem a
“descolonização epistemológica” e contribuem para renovar as criticas as ciências sociais latino
americanas, trazendo inclusive o elemento colonial nas narrativas que consideram “a América Latina
como continente fundacional do colonialismo e, portanto, da modernidade” (Ballerstrin, 2013, p.110).

O reconhecimento da diferença colonial, neste sentido, será crucial para a abordagem da


Modernidade/Colonialidade, sobre a qual se estabelece o marco histórico da colonização da América
Latina, para observar a colonialidade do poder, do saber e do ser, ou “a continuação da colonização e
do imperialismo”, trazendo a “perspectiva decolonial” para o cerne da discussão sobre a modernidade
e expansão do sistema-mundo capitalista.

A DECOLONIALIDADE DA POLÍTICA NUCLEAR

A DE-COLONIALIDADE NA AMÉRICA LATINA

COLONIALIDADE DO SABER NA POLÍTICA NUCLEAR

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERENCIAS

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MINGNOLO, Walter. Historias locales/disenos globales: colonialidad, conocimientos subalternos y


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Cambridge University Press, 1996, pp. 87-107.

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