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GUERRA, Sidney Cesar Silva.

Para uma nova governança global em matéria


ambiental: A Organização Internacional do meio ambiente. Revista de Direito
da Unigranrio, v. 3, p. 1-30, 2010.

GUERRA, Sidney. PARA UMA NOVA G0VERNANÇA GLOBAL EM


MATÉRIA AMBIENTAL: A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
MEIO AMBIENTE.

Os problemas ambientais ultrapassam as fronteiras nacionais e,


portanto, formular ações conjuntas no âmbito da sociedade
internacional se faz necessário para o desenvolvimento
sustentável dos recursos naturais e manter o ambiente
ecologicamente equilibrado a nível planetário. A falta de uma
estrutura no plano internacional que controle as ações antrópicas
que coloquem em risco um ambiente equilibrado acaba por
repercutir na esfera nacional/local como na planetária/global.
Neste sentido, o autor vem tratar do estudo no qual apresenta
ideias para a construção de uma Organização Internacional do
Meio Ambiente.

FORMAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: BREVE


NOTÍCIA HISTÓRICA

A primeira organização internacional que congregou Estados-


Nação através de uma diplomacia multilateral e foi reunida após a
Primeira Grande Guerra, em 1919, ficou conhecida como o
Congresso de Viena.

Liszt (1929 apud GUERRA), afirma que:

[...] El Congreso de Viena dió a


Europa una nueva división política,
que en lo esencial se há conservado
hasta los tratados de París, que
pusieron término a la guerra mundial
(1919), prescindiendo de las
naturales
modificaciones debidas a los
movimientos de la unidad italiana y
alemana. Entre los acuerdos políticos
del Congreso de Viena merecen
destacarse: la creación del reino de
los Países Bajos, el reconocimiento
de la neutralidad
permanente Suiza y la aceptación de
la Federación alemana independiente
del 8 de junio de 1815. La habilidad
de Inglaterra logró impedir la nueva
reglamentación del Derecho de
guerra marítimo. El Derecho
internacional adquirió nuevo
impulso: a) reglamentando la
jerarquía de los embajadores; b)
condenando enérgicamente la trata
de negros; c) reconociendo en
principio la libertad de navegación
por todas las vías internacionales y
aplicando este principio fundamental
al Rin.” 1

A partir dos encontros organizados para discutir a política


internacional, estas organizações foram sendo criadas, e
destas, destaca-se a Liga das Nações como a de maior
expoente. Segundo Guerra,

“A Liga das Nações tratava-se de uma


organização intergovernamental de natureza
permanente, baseada nos princípios da

1
LISZT, Franz Von. Derecho internacional público. Barcelona: Gráfica Moderna, 1929, p. 28
segurança coletiva e da igualdade entre os
Estados e suas atribuições essenciais estavam
assentadas em três grandes pilares: a
segurança internacional; a cooperação
econômica, social e humanitária; e a
execução do Tratado de Versalhes que pôs
termo à Primeira Guerra Mundial”.

Esta organização internacional avança na discussão de forma


estruturante com a formação de um conselho deliberativo
(órgão constituinte) cujos representantes foram liderados por
grandes potências político-econômicas da época. Porém,
somente após 1945 (fim da Segunda Guerra), se fundou a
ONU – Organização das Nações Unidas, que também nas
primeiras missões diplomáticas do Conselho de Segurança,
liderada pelo Conde Folke Bernadote, obteve resultados
drásticos com o assassinato da equipe em Jerusalém, no ano
de 1948. Todavia, conforme explica Guerra (2009)2:

[...] a Organização é um organismo político,


encarregado de tarefas políticas importantes
que abrangem um vasto campo,
concretamente, a manutenção da paz e
segurança internacionais, o desenvolvimento
de relações amigáveis entre as nações e a
realização de uma cooperação internacional
para a resolução de problemas de natureza
econômica, social, cultural ou humanitária e
que recorre a meios políticos para lidar com
os seus membros. A Convenção sobre os
privilégios e imunidades das Nações Unidas,
de 1946, cria direitos e deveres entre cada um
dos signatários e a Organização. É difícil
conceber como é que uma convenção pode
atuar a não ser no plano internacional e entre
partes possuidoras de personalidade jurídica
internacional (GUERRA, 2009 apud
GUERRA, 2010, p.4).
2
GUERRA, Sidney. Curso de direito internacional público. 4. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 215/216
Ou seja, ao se fundar um tratado internacional entre
Estados-nações, desde então, se afirmou a criação de uma
personalidade jurídica internacional, e apesar de sua ação ser
direcionada supostamente para intermediar a política entre os
estados-membros, “é preciso considerar que as outras
entidades estão sujeitas ao Direito Internacional
contemporâneo, e em particular às Organizações
Internacionais intergovernamentais”3 (SALCEDO, 1991 apud
GUERRA, 2010, p.7). Sobretudo, como afirma Alejandro
Carrión (2006)4,

[...] porque constituem num elemento


indissociável para a compreensão e
funcionamento da sociedade internacional
atual, na medida em que as suas
competências e poderes são diferentes
daquelas dos Estados-membros, tornando-se
sujeito cuja vontade não é apenas a soma das
vontades individuais dos Estados, [...] os
Estados eles podem individualmente acionar
as competências anteriormente atribuídas às
organizações internacionais através de seus
tratados fundadores (CARRIÓN, 2006 apud
GUERRA, 2010, p.6).

Para José Ridruejo (2006)5, o sistema internacional atual se


configura como heterogêneo, visto que apesar de
desempenhar um papel importante junto aos Estados-
membros, as organizações internacionais possuem “relativa
independência e se encontram em condições de tomar

3
SALCEDO, Juan Antonio Carrillo. Curso de derecho internacional. Madrid:
Tecnos, 1991.
4
CARRIÓN, Alejandro J. Rodriguez. Leciones de derecho internacional público. 6. ed.
Madrid: Tecnos, 2006, p. 56
5
RIDRUEJO, José A. Pastor. Curso de derecho internacional público. 10. ed. Madrid: Tecnos,
2006, p.649
decisões autônomas e desempenhar funções específicas”
(RIDRUEJO, 2006 apud GUERRA, 2010, p.6). Os
problemas que insurgem a nível nacional, extrapolam as
fronteiras territoriais e necessitam da intervenção da
sociedade internacional. Portanto, enquanto sujeitos de
direito internacional as organizações internacionais “têm
produzido transformações importantes no campo das relações
internacionais” ao longo do tempo.

Dessas etapas históricas, podemos dimensionar três


momentos consecutivos: do Congresso de Viena (1814-1815)
ao fim da Primeira Guerra Mundial (1918); de 1918 até ao
final da Segunda Guerra (1945); e de 1945 até os dias atuais.
Para Manuel Velasco (2007)6, a origem das OIs estão
associadas ao período de “paz relativa” após a Revolução
Francesa, e progresso científico e técnico da humanidade ao
longo do século XIX, e se moderniza no decorrer do século
XX, com o estabelecimento de estruturas institucionais
permanentes e a realização de encontros de repercussão
internacional (Conferencias, Fórum, etc.). Notavelmente,
como define Guerra (2010, p.8), com a modernização das
organizações internacionais, se buscava constituir “no campo
das relações internacionais um sistema que pudesse garantir a
paz e a segurança internacional, culminando com a criação da
Liga das Nações”.

A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL COMO SUJEITO


DE DIREITO INTERNACIONAL

A teoria clássica da doutrina internacional define o conceito


de Organização Internacional como:

6
VELASCO, Manuel Diez de. Las organizaciones internacionales. 14. ed.
Madrid: Tecnos, 2007.
[...] uma associação voluntária de sujeitos de
direito internacional, constituída mediante
atos internacionais e regulamentada nas
relações entre as partes por normas de direito
internacional e se concretiza em uma
entidade de caráter estável, dotada de um
ordenamento jurídico interno e de órgão e
instituições (REUTER7, 1997 apud
GUERRA, 2010, p.9).

Salcedo (1991 apud GUERRA, 2010, p.9) e Esther Barbé8


(2006 apud GUERRA, 2010, p.10) vão considera-las
enquanto entidades criadas mediante tratados internacionais,
dotadas de vontade própria, com o fim de gerir a cooperação
entre os Estados-nação através de órgãos permanentes. E,
Margarida Martins (1996)9, ressalva a condição de estarem
“sob a égide do Direito Internacional, constituídas por
acordos de vontade de diversos sujeitos jurídicos
internacionais”, de modo a prosseguir na Comunidade
Internacional. Autônoma e continuamente.

Ridruejo (2006), todavia, aborda uma teoria mais ampla para


definição das OIs, em três aspectos distintos de análise. Sob o
aspecto técnico-jurídico, enquanto estruturada na sociedade
internacional, refere-se ao: caráter inter-estatal; base
voluntaria; órgãos permanentes; vontade autônoma;
competência própria; e, cooperação entre os estados-
membros. O aspecto histórico-sociológico, diz respeito à
segurança internacional em si, através das tentativas para
alcançar a paz e progredir nas relações pacíficas. E, por fim,
o aspecto político, no qual impulsionou os Estados soberanos
7
REUTER, apud MELLO, Celso. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro:
Renovar, 1997, p. 551.
8
BARBÉ, Esther. Relaciones internacionales. 2.ed. Madrid: Tecnos, 2006, p. 169.
9
MARTINS, Margarida Salema d’ Oliveira; MARTINS, Afonso d’ Oliveira. Direito das organizações
internacionais. Vol. I. 2. ed. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1996.
para modificação substancial das estruturas da sociedade
internacional.

Em suma, Guerra (2010:11) define OIs como “os entes


formados por um acordo concluído entre Estados e que são
dotados de personalidade própria para realizar atividades”,
formuladas e definidas pelos estados-membros. E, “na
qualidade de sujeito derivado, a OI só existe por força de um
tratado multilateral”. Ao longo do século XX, o fenômeno da
proliferação das OIs, ou seja, do associativismo internacional,
contribuiu para o avanço tecnológico e evoluiu na facilidade
de mobilidade por meio dos transportes interfronteiriços.

PARA A CRIAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO


INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Segundo Guerra (2010, p.12), o “desabrochar do movimento


ambiental no plano global decorre das grandes Conferências
Internacionais sobre Meio Ambiente”, realizadas pela ONU,
destacando-se a de Estocolmo (1972) e a do Rio de Janeiro
(1992). A problemática ambiental envolve os prejuízos para o
desenvolvimento humano, da natureza, e está subjacente à
própria evolução da matéria enquanto recursos últimos e não
renováveis, também colocando em risco a espécie humana a
nível global.

Portanto, segundo a própria convicção de Guerra (2010), a


proteção ambiental do meio ambiente é “um dos grandes
temas da globalidade, ensejando uma grande transformação
no âmbito das relações internacionais e a consequente
emergência de uma nova ordem internacional ambiental”.
Nesse sentido,

[...] o Direito Internacional tem-se mostrado


uma importante ferramenta para o
fortalecimento e implementação dos direitos
humanos e vem ganhando terreno nesta seara,
pois a proteção desses direitos passou a
constituir lídimo interesse da sociedade
internacional. Em se tratando de matéria
ambiental evidencia-se que os Estados não
podem isoladamente resolver os problemas.
Em muitos casos, as lesões ao meio ambiente
são transnacionais, impossibilitando as ações
dos Estados numa possível intervenção, como
por exemplo, na emissão de gases poluentes
que produzem efeitos nefastos na atmosfera,
nos rios, lagos, mares; na produção de
energia nuclear e produção do lixo atômico;
na devastação das florestas e preservação da
biodiversidade (GUERRA, 2010, p.13).

Para tanto, o intuito de se refletir a necessidade de uma governança global


ambiental segue na intenção de conceber uma Organização Internacional
do Meio Ambiente. As OIs desempenham vários papeis na sociedade
internacional, com matérias ligadas ao comercio, saúde, economia,
segurança e defesa militar, alimentar, cultural, porém, em matéria
ambiental ainda existe essa estrutura por construir. Esse órgão
internacional permanente desempenharia, todavia, funções ligadas à
monitoração e implementação de acordos internacionais, execução da
política ambiental dos Países-Membros, negociação do acesso a novos
membros, acompanhamento do processo decisório, em busca de solução
de controvérsias. Enfim,

[...] Essa Organização Internacional poderia


ainda apreciar sobre vários assuntos
relacionados, naturalmente, ao meio
ambiente, como por exemplo, atmosfera e
clima; rios transfronteiriços, lagos e bacias;
mares e oceanos; fauna e flora etc (GUERRA,
2010, p.14).

A alteração climática causada pela emissão de gases


poluentes na atmosfera suscita nos debates sobre meio
ambiente os conceitos a se referenciar. No artigo 1º da
Convenção de Genova (1979), a “poluição atmosférica”
representa a emissão de substancias poluente na atmosfera
por meio da ação antrópica, colocando em risco a saúde
humana e danificando os recursos biológicos e os
ecossistemas. Assim, o conceito de “poluição atmosférica
transfronteiriça a longa distância”, designa a ocorrência da
emissão “na zona submetida à jurisdição nacional”, porém,
que “exerce os seus efeitos nocivos numa zona submetida à
jurisdição de um outro Estado” (GUERRA, 2010, p.14).
Segundo Guerra (2010), a poluição a longas distâncias pode
produzir resultados significativos, que vão desde o
desmatamento de florestas, rarefação da camada de ozônio,
produção de chuvas ácidas e, alteração do clima global.
Dentre os princípios adotados na Convenção de Helsinque
(1992) sobre a Proteção e Utilização dos cursos de água
transfronteiriças e dos Lagos Internacionais, estão
destacados: a prevenção; o combate e a redução da poluição
das águas suscetíveis de produzir efeitos nefastos noutros
países; gestão das águas transfronteiriças de maneira racional;
e restauração dos ecossistemas aquáticos. Guerra (2010:16),
no entanto, reitera a falta uma “regulamentação internacional,
no plano global, para contemplar a proteção dos rios
transfronteiriços, lagos e bacias”. Em relação à poluição
ambiental de mares e oceanos, as organizações internacionais
têm discutido a fim de elaborar mecanismos para combater os
impactos causados por impactos como o derramamento de
petróleo pelos navios, os bolsões de resíduos sólidos
acumulados pelas correntes marítimas e matando tartarugas, e
outras espécies marítimas e terrestres, além da caça ilegal,
enfim, uma série de fenômenos nefastos causados devido à
ação antrópica errônea no ambiente.
Para a proteção da fauna e da flora, desde o século XIX
foram observadas medidas para defender os animais (o caso
das Focas para extração de peles no mar Berhing -1983), ou
as próprias Convenções de Paris, com a de 1902, sobre a
proteção das aves úteis à agricultura, e em 1950, a
Convenção Internacional para a Proteção dos Pássaros.
Todavia, a ideia para a construção de um Direito
Internacional Ambiental só veio à tona na década de 60/70, e
uma matéria sobre a fauna e flora a se manifestar no plano
internacional, somente com a Conferência de Estocolmo, em
1972. Todavia, com a atuação da ONU,
[...] a realização das referidas
conferências internacionais,
evidenciou-se também a inter-relação
dos estudos do ambiente com os
direitos humanos na medida em que
ficou consagrada a ideia do ambiente
humano e a necessidade de
compatibilizar o desenvolvimento
econômico com o ambiente
equilibrado (GUERRA, 2010, p.19).

Em suma, para Guerra, os problemas ambientais são


evidentemente transnacionais e, portanto, as ações devem ser
conduzidas pelos atores no plano global, representado por
uma Organização Internacional do Meio Ambiente, na qual
submeta a soberania dos Estados a uma regulamentação
internacional, a fim de proteger o gênero humano na era
nuclear.

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