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Direitos Humanos

e Cidadania
A Internacionalização dos Direitos Humanos

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª M.ª Marize Oliveira dos Reis

Revisão Textual:
Caique Oliveira dos Santos
A Internacionalização
dos Direitos Humanos

• Introdução;
• Direito Internacional dos Direitos Humanos;
• Sistema Global de Direitos Humanos;
• Declaração Universal dos Direitos Humanos;
• Pactos Internacionais de Direitos Humanos.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Conhecer o processo de internacionalização dos direitos humanos;
• Demonstrar capacidade argumentativa;
• Compreender o sistema global de proteção aos direitos humanos.
UNIDADE A Internacionalização dos Direitos Humanos

Introdução
A primeira metade do século XX foi marcada pela ocorrência de duas grandes guer-
ras, promotoras de crueldades jamais testemunhadas no mundo moderno, culminando
com a indispensável criação de instrumentos de respeito aos direitos humanos e de garantia
de paz entre as nações.

Figura 1 – Campo de concentração


Fonte: Wikimedia Commons

Durante o governo nazista de Adolf Hitler, foram construídos vários campos de con-
centração para prisão e extermínio dos judeus, onde aqueles que não eram executados
em câmaras de gás tinham suas vidas ceifadas por doenças infecciosas, trabalhos força-
dos, execuções individuais, fome ou resultado de experiências médicas.

Os horrores praticados durante o período alcançado pelas guerras, especialmente a


Segunda Grande Guerra (1939-1945), com tantas modalidades de desprezo e desrespei-
to pelo direitos humanos, a aplicação de teorias de prevalência racial, a irrelevância da
vida humana, a evolução e a utilização de bombas nucleares, bem como a potencialidade
de destruição da vida humana, provocaram a necessidade de elaboração de normas que
estivessem acima das decisões internas das nações, protegendo todos os seres humanos,
independentemente da nacionalidade ou do país que viola seus direitos.

No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartá-


veis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente
se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução
dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica
do razoável. A barbárie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma
dos direitos humanos, por meio da negação do valor da pessoa humana
como valor fonte do direito. Diante dessa ruptura, emerge a necessidade
de reconstruir os direitos humanos, como referencial e paradigma que
aproxime o direito da moral. (PIOVESAN, 2018, p. 191)

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O movimento de comunhão e assistência entre as nações, iniciado com o fim da Pri-
meira Grande Guerra e consolidado após a Segunda Grande Guerra, convergiu para a
elaboração de tratados internacionais que reconhecessem direitos e criassem regras de
proteção à pessoa humana, formando um sistema de proteção aos direitos humanos.

Direito Internacional dos Direitos Humanos


O processo de internacionalização da proteção aos direitos humanos iniciou-se por
meio de três importantes eventos:
• Liga das Nações: também conhecida como Sociedade das Nações, foi organizada
quando da celebração do acordo de paz firmado pelas nações vitoriosas na Primeira
Guerra Mundial, em Versalhes, em 1919. Além das nações europeias vencedoras,
fundadoras da liga, outros países foram convidados e aderiram à sua composição.
O objetivo da sociedade era a garantia da paz e o distanciamento de conflitos arma-
dos entre os seus componentes que, para tal, se comprometiam à redução de ar-
mamentos ao mínimo necessário para a segurança nacional e com o cumprimento
de obrigações internacionais comuns.
Obviamente, a Liga das Nações não foi bem-sucedida em seu intento, visto que as
atrocidades de uma nova guerra mundial tomaram proporções inconcebíveis às
piores expectativas. Seu foco consistia na promoção da paz e na cooperação para
segurança internacional, defendendo a independência política das nações que a
compunham e retaliando o desrespeito à integridade de seus territórios. A sobera-
nia interna das nações era colocada em primeiro lugar, concentrando-se em con-
denar as agressões aos direitos humanos que alcançassem a esfera internacional.

A Liga das Nações teve um papel importante na proteção aos direitos hu-
manos. Há de se destacar o trabalho do Comitê para os Refugiados, sob
responsabilidade do cientista e político norueguês Fridtjof Nansen, que se
preocupou com o contingente de refugiados pós-Primeira Guerra Mun-
dial e da Revolução Russa e adotou uma série de procedimentos protetivos,
entre eles o Passaporte Nansen, com a identificação e documentação das
pessoas consideradas apátridas. (OLIVEIRA, 2016, p. 54)

Você Sabia?
Apátrida é o termo utilizado para designar aquele que perdeu, oficialmente, sua na-
cionalidade, sem adquirir outra, não sendo considerado nacional por qualquer Estado.

• Organização Internacional do Trabalho (OIT): surgiu em 1919, mediante a ela-


boração do Tratado de Versalhes, com o objetivo de estabelecer direitos comuns a
todos os trabalhadores, promovendo medidas para que homens e mulheres tenham
acesso ao trabalho em condições de igualdade, equidade, segurança e dignidade, de
forma apropriada e lucrativa. Consubstancia-se na cooperação internacional com

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a finalidade de impulsionar a justiça social, por meio do trabalho e da previdência


social, a fim de alcançar melhores condições de vida aos trabalhadores.
Posteriormente, com a criação das Nações Unidas, a OIT se tornou a sua primeira
agência especializada, sendo composta por representantes de governo, de empre-
gados e de empregadores, o que se denomina estrutura tripartite;
• Direito Internacional Humanitário: conhecido pela sigla DIH, Direito dos Conflitos
Armados ou Direitos de Guerra, é manifestado pelo conjunto de documentos inter-
nacionais chamado de Direitos de Haia ou Convenções de Genebra, local onde
foram firmadas em 1949, com o objetivo de limitar os métodos aplicados diante de
guerras e conflitos e preservar indivíduos direta ou indiretamente envolvidos em tais
eventos. As convenções, também denominadas Direito de Genebra, são:
» Convenção de Genebra para melhorar a Situação dos Feridos e Doentes das For-
ças Armadas em Campanha;
» Convenção de Genebra para melhorar a Situação dos Feridos, Doentes e Náufra-
gos das Forças Armadas no Mar;
» Convenção de Genebra Relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra;
» Convenção de Genebra Relativa à Proteção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra.
É importante frisar que o conteúdo das Convenções de Genebra alcança os confli-
tos e desrespeitos aos direitos humanos ocorridos internamente, sem que necessa-
riamente alcance a esfera internacional.

Atualmente, o DIH vem expandindo seu campo de atuação para outros


casos de violações dos direitos humanos, quando, por exemplo, um país
não consegue lidar com determinados problemas internos, de modo a
atingir a população e a dignidade dos cidadãos. Nesses casos, há uma mo-
bilização internacional: um país (ou países) passam a integrar um sistema
de cooperação, com o escopo de propiciar ajuda humanitária para que
a nação em conflito possa retornar à normalidade. É o que ocorreu, re-
centemente, com o Haiti, em que o Brasil está atuando de acordo com os
objetivos do DIH. (LEITE, 2014, p. 35)

Figura 2 – Direito internacional dos direitos humanos


Fonte: Getty Images

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O Comitê Internacional da Cruz Vermelha é a organização humanitária que, com
base nas Convenções de Genebra, atua como guardião do Direito Internacional Hu-
manitário e tem o objetivo de proteger e conceder assistência às vítimas não apenas de
guerra mas também de outras situações de violência.

Figura 3 – Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV)


Fonte: Wikimedia Commons

A criação da ONU – Organização das Nações Unidas, em 1945, mostra-se como


o grande marco organizacional do movimento de internacionalização dos direitos huma-
nos, com a elaboração de uma estrutura de leis e instituições para a proteção aos direitos
humanos no mundo e a criação de sistemas regionalizados de proteção a tais direitos.

Diante dos flagelos terríveis sobre a pessoa humana provocados pela Primeira e pela
Segunda Grande Guerra, foi necessária uma resposta mundial com o objetivo de preser-
var, genericamente, os direitos do homem. Dessa forma, é elaborada a Carta das Nações
Unidas, criando a organização intergovernamental, por ocasião da Conferência de São
Francisco, cidade norte-americana onde seu conteúdo foi discutido, aprovado e assinado
por todos os membros presentes na ocasião, totalizando 50 países.

A ONU tem como principais objetivos em relação aos direitos humanos no mundo
a manutenção da paz e da segurança internacional, a cooperação internacional
tanto social como economicamente e a promoção dos direitos humanos em
âmbito internacional.

A Carta das Nações Unidas compromete-se na deliberação, por meio do Conselho


de Segurança, a respeito de eventuais conflitos entre as nações, com a finalidade de al-
cançar um acordo acerca de decisões a serem tomadas, e também firma o compromisso
de defender os direitos humanos concebendo um extenso rol de princípios objetivando a
melhoria da qualidade de vida para todo indivíduo, sem qualquer forma de discriminação.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, reportada por alguns pela sigla
DUDH, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 1948, sobres-
sai como poderosa ferramenta de defesa dos direitos humanos no plano internacional.

Os direitos humanos, a partir da Declaração Universal, passam efetivamente à necessi-


dade do reconhecimento como direitos fundamentais, positivados nas normas jurídicas de

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cada nação, sendo o princípio da dignidade humana posto como fundamento da liberdade,
da justiça e da paz mundial. Tendo em vista sua importância, abordaremos adiante a DUDH.

O direito internacional passa a ocupar a posição de cooperação e solidariedade, com o


reconhecimento de direitos humanos que não mais se restringem à soberania das nações,
sendo observados e tratados diante dos princípios da universalidade e da indivisibilidade.

Assim, concluímos que o direito internacional dos direitos humanos tem como prima-
zia a proteção dos direitos humanos por meio de dois fundamentos:
• Uma percepção diferenciada da visão tradicional a respeito da soberania absoluta
dos Estados, que passam a ser monitorados e sofrer responsabilização internacional;
• Ascensão dos indivíduos à posição de sujeitos de direito não somente em âmbito na-
cional mas também internacional, podendo, inclusive, acionar tribunais internacionais.

Nesse sentido, foram elaborados diversos tratados de direitos humanos, com alcance
em vários campos de proteção, ensejando a criação de um sistema regionalizado de pro-
teção aos direitos humanos, composto de tribunais capazes de garantir sua efetividade.

Conclui-se que o direito internacional dos direitos humanos tem como objeto a prote-
ção ao indivíduo, independentemente da existência ou inexistência de vínculo com uma
nação, observando-o como parte suscetível diante do desrespeito aos direitos essenciais
ao homem, para tanto estabelecendo obrigações e compromisso das nações para a pro-
teção aos direitos da pessoa humana.

Sistema Global de Direitos Humanos


Denomina-se sistema global de direitos humanos, ou sistema universal, aquele
alcançado pela Organização das Nações Unidas, por meio do estabelecimento de docu-
mentos e mecanismos de proteção aos direitos humanos.

Figura 4 – Sessão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, Paris, França, 1948
Fonte: licra.org

A ONU, com a finalidade de proteger os direitos humanos, elaborou um conjunto de


órgãos, normas e procedimentos para controle e responsabilização a ser aplicado em
todo o mundo, diante de violações ou ameaças aos direitos humanos.

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São órgãos componentes da ONU:
• Assembleia Geral: órgão superior, composto por todos os países-membros, que têm
o mesmo poder de voto e representação;
• Conselho de Segurança: órgão responsável pela segurança e paz internacional,
composto por 15 países-membros, sendo 5 deles membros permanentes (China,
Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia). Os demais membros são escolhidos pela
Assembleia Geral, observando a distribuição geográfica equânime e a colaboração
para a conservação da paz e da segurança internacional;
• Conselho Econômico e Social: órgão composto por 54 membros, eleitos para
mandatos de três anos, observando a representação geográfica que determina 14
vagas para a África, 10 vagas para a América Latina e Caribe, 11 vagas para a
Ásia, 13 vagas para a Europa Ocidental e 6 vagas para a Europa Oriental. É res-
ponsável pela promoção de discussões sobre desenvolvimento sustentável em seus
aspectos econômico, social e ambiental, recomendando diretrizes e apresentando
projetos à Assembleia Geral;
• Conselho de Tutela: órgão com a função de auxiliar os territórios sob a proteção
da ONU a se organizarem como Estados independentes. Suas atividades foram sus-
pensas em 1997, três anos após a independência de Palau, último território tutelado
pela ONU. O Conselho de Tutela apenas se reúne a pedido da Assembleia Geral e
deve ser composto por membros do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral;
• Corte Internacional de Justiça: principal órgão jurídico da ONU, sediado em Haia,
tem como função solucionar, conforme regras de direito internacional, as conten-
das legais apresentadas por Estados e oferecer pareceres consultivos a respeito de
questões jurídicas apresentadas por órgãos ou agências especializadas da ONU. Sua
composição é de 15 juízes, eleitos para mandatos de nove anos, tendo um terço dos
seus membros renovado a cada três anos, com o objetivo de manutenção de conti-
nuidade. Os juízes devem ser pessoas de idoneidade moral, dotados de qualificações
para ocupar os mais altos cargos no Judiciário de seu país de origem e ser juristas
com competência reconhecida em matéria de direito internacional público;
• Secretariado: órgão formado por um Secretário-Geral que dirige funcionários inter-
nacionais que respondem unicamente à ONU, escolhidos dentro de um amplo crité-
rio geográfico, e estão a serviço dos principais órgãos da instituição, administrando
políticas e programas por ela estabelecidos.

Em 2006, a Assembleia Geral criou o Conselho de Direitos Humanos, substituindo


a Comissão de Direitos Humanos existente até então e subordinada ao Conselho Eco-
nômico e Social. O objetivo da mudança era tornar o órgão mais forte e atuante na sua
função de auxiliar da Assembleia Geral, tendo como finalidade reforçar a promoção e a
proteção dos direitos humanos no mundo.

Os membros do Conselho de Direitos Humanos exercem mandatos de três anos,


compondo uma representação geográfica equânime, em número total de 47 membros,
distribuídos da seguinte forma para mandato de 2021 a 2023: 13 membros de nações
da África; 13 membros de nações da Ásia; 6 membros de nações da Europa Oriental; 8
membros de nações da América Latina e do Caribe; e 7 membros de nações da Europa
Ocidental e outros.

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As normas que compõem o sistema global de proteção aos direitos humanos podem,
quanto ao seu alcance, ser classificadas em:
• Normas de alcance geral: aquelas destinadas a todos os indivíduos, abstrata e ge-
nericamente. São os pactos internacionais de direitos civis e políticos e os de direitos
econômicos, sociais e culturais;
• Normas de alcance especial: aquelas destinadas a indivíduos ou grupos específi-
cos, tais como: crianças, mulheres, refugiados e outros. Como exemplo citamos a
Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção para a Eliminação da Dis-
criminação contra a Mulher, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial;

Os procedimentos adotados pelo sistema global, por sua vez, são classificados como:
• Convencionais: são aqueles que necessitam de previsão expressa em tratados, pac-
tos e convenções internacionais, bem como são supervisionados pelos órgãos in-
ternacionais de supervisão denominados de Comitês. Apenas os países-membros
da ONU e signatários dos correspondentes tratados se submetem à atuação dos comi­
tês específicos;

Atualmente verifica-se a existência de comitês para as seguintes conven-


ções do sistema global de direitos humanos, a saber:
• Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos: Comitê de
Direitos Humanos (art. 28 e seguintes);
• Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Cultu-
rais: Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (criado
pelo Conselho Econômico e Social da ONU);
• Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial: Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial (art. 8
e seguintes);
• Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Comitê
sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (art. 34 e seguintes);
• Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrimi-
nação contra a Mulher: Comitê sobre a Eliminação da Discriminação
contra a Mulher (art. 17 e seguintes);
• Convenção sobre os Direitos das Crianças: Comitê para os Direitos
das Crianças (art. 43 e seguintes);
• Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanas ou Degradantes: Comitê contra a Tortura (art. 17 e seguintes);
• Convenção sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhado-
res migrantes e membros de suas famílias (ainda não ratificada
pelo Brasil): Comitê para a Proteção de Todos os Trabalhadores Mi-
grantes e Membros de suas Famílias (art. 72 e seguintes);
• Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra
o Desaparecimento Forçado (ainda não ratificada pelo Brasil): Comitê
contra os Desaparecimentos Forçados (art. 26 e seguintes). (OLIVERIA,
2016, p. 77)

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• Não convencionais: são aqueles que, apesar de não previstos em tratados, con-
tribuem para eficácia do sistema internacional de proteção, sendo acionados em
situações em que o país violador dos direitos humanos não assinou tratado inter-
nacional. Um exemplo é o sistema de ações urgentes, por meio do qual a ONU
investigará violações observando algumas condições para a tomada de decisão in-
terventiva com foco na concretização da proteção.

Declaração Universal dos Direitos Humanos


Já vimos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um marco histórico
na proteção e promoção dos direitos humanos em âmbito internacional, estabelecendo
normas a serem alcançadas por todas as nações e povos.

Figura 5 – Declaração Universal dos Direitos Humanos


Fonte: cameleon-association.org

O processo de proteção universal foi alavancado pela DUDH, que colocou o direito
humano na conjuntura global, reconhecendo a todos os homens o direito a ter direitos,
como uma questão inata à humanidade, e o alcance da tutela dos direitos humanos a toda
a comunidade internacional, não ficando mais restrito ao espaço limitado pelo Estado.

O reconhecimento do interesse internacional aos direitos humanos e sua proteção além


do interesse estatal deu novo viés à concepção de soberania estatal. É certo que, usando
a soberania como argumento, nações editavam regras em total desrespeito aos direitos
humanos. O grande exemplo foi observado diante do fascismo e do nazismo, em que,
legitimados pelas normas existentes em seus países, governantes deram ordens cruéis.

Os resultados perversos e destruidores empreenderam a consciência de que o des-


respeito aos direitos humanos ocorrido em qualquer Estado não deve ser ignorado e
que todo ser humano merece ser protegido em sua dignidade, sendo imprescindível a
existência de um sistema internacional de proteção.

A DUDH foi a primeira parte de um conjunto de normas internacionais de proteção,


que teve a aprovação unânime dos membros, mas contou com a abstenção de oito
nações, sendo elas: a África do Sul, que vivia um regime de segregação racial; a Arábia
Saudita, por questões religiosas, com destaque para o inaceitável reconhecimento

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da igualdade de gênero; a Bielo-Rússia, a Checoslováquia, a Iugoslávia, a Polônia, a


Ucrânia e a União Soviética, conjunto de nações denominado bloco comunista, que já
se posicionava com críticas ao conteúdo de direitos civis e políticos e às poucas regras
referentes aos direitos econômicos, sociais e culturais.

O conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos é distribuído em 30 ar-


tigos, que abordam tanto direitos civis e políticos quanto direitos econômicos, sociais e
culturais e consagram a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos direi-
tos humanos, proclamando os seguintes direitos:
• dignidade da pessoa humana, art. 1º;
• igualdade, arts. 2º;
• direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, art. 3º;
• proibição da escravidão ou servidão, art. 4º;
• proibição à tortura, art. 5º;
• reconhecimento como pessoa perante a lei, art. 6º;
• proibição de discriminação, art. 7º;
• direito de recurso aos tribunais nacionais competentes, art. 8º;
• garantia contra atos arbitrários, art. 9º;
• direito a uma justiça independente e imparcial, art. 10;
• direito à presunção de inocência e à não retroatividade da lei, art. 11;
• direito à vida privada, art. 12;
• direito de ir e vir e de escolher livremente o local de sua residência, art. 13;
• direito de asilo, art. 14;
• direito à nacionalidade, art. 15;
• direito à família e ao casamento, art. 16;
• direito à propriedade, art. 17;
• liberdade de pensamento, de consciência e de religião, art. 18;
• direito à liberdade de opinião e expressão, art. 19;
• direito de reunião e de associação, art. 20;
• direitos políticos, art. 21;
• direito à segurança social, art. 22;
• direito ao trabalho, art. 23;
• direito ao lazer e ao descanso, art. 24;
• direitos à saúde, ao bem-estar social e ao tratamento especial à maternidade e às
crianças, art. 25;
• direito à educação, art. 26;
• direitos culturais, art. 27;
• direito a uma ordem social e internacional, art. 28;
• deveres com a comunidade e respeito aos direitos do outro, art. 29.

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Pactos Internacionais de Direitos Humanos
Com o objetivo de conceder uma aplicabilidade jurídica plena às resoluções contidas
na Declaração Universal dos Direitos Humanos, foram elaborados, em 1966, dois
pactos internacionais.

A elaboração desses pactos foi a solução encontrada pela ONU diante da divisão
ocorrida no mundo, após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em dois blocos,
sendo um capitalista e o outro socialista. Tal divisão também refletiu em duas concep-
ções de proteção aos direitos humanos, sendo o primeiro grupo voltado para os direitos
liberais, ligados aos direitos civis e políticos, enquanto o outro, do bloco socialista, ligado
aos direitos sociais, econômicos e culturais.

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos


O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos produziu efeitos internacionais
apenas em 1976, muito embora tenha sido aprovado dez anos antes, em 1966.

O Brasil apenas enviou a carta de adesão ao pacto e a promulgou em 1992, após a


aprovação do Congresso Nacional ocorrida em dezembro do ano anterior. A demora para
tal se deu como resultado do regime militar, instalado em 1964, que fechou o Congresso
Nacional e suspendeu liberdades fundamentais, especialmente, defendidas no pacto.

O texto do pacto determina que os países devem consagrar, assegurar e proteger o


exercício dos direitos civis e políticos daqueles que se encontrem em seu território e sob
sua jurisdição, promovendo o acesso à justiça, o direito a recursos às autoridades com-
petentes e o cumprimento efetivo das decisões proferidas em todas as esferas jurídicas.

O pacto consagrou um rol extenso de direitos humanos, determinando, inclusive,


uma série de direitos que, devido a sua essencialidade, não estão sujeitos a qualquer
hipótese de suspensão. São chamados de direitos inderrogáveis

Alguns direitos, contudo, não estão sujeitos à suspensão, mesmo em situações ex-
cepcionais. Constituem o núcleo inderrogável de direitos do pacto internacional, isto
é, são direitos que em nenhuma hipótese ou circunstância podem ser suspensos pelo
Estado-parte, pela essencialidade no contexto de proteção aos direitos civis e políticos.

São direitos inderrogáveis os relacionados nos seguintes artigos:

• Art. 6: direito à vida;


• Art. 7: tortura, penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes;
• Art. 8.1 e art. 8.2: escravidão e servidão;
• Art. 11: ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com
uma obrigação contratual;
• Art. 15: ninguém poderá ser condenado por atos omissões que não
constituam delito de acordo com o direito nacional ou internacional, no
momento em que foram cometidos. Tampouco poder-se-á impor pena
mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito;

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• Art. 16: reconhecimento de sua personalidade jurídica;


• Art. 18: direito à liberdade de pensamento, de consciência e de reli-
gião. (OLIVERIA, 2016, p. 120)

Aqueles direitos que, atendidas as regras de direito internacional possam sofrer sus-
pensão de sua aplicabilidade, devem acatar algumas condições importantes, tais como:
• Compatibilidade com as obrigações impostas pelo direito internacional, não promo-
vendo qualquer discriminação;
• Proibição de suspensão dos direitos que compõem o núcleo inderrogável de direitos;
• Ocorrência de situação anormal que coloque em risco a integridade da nação e seja
reconhecida por órgão oficial e competente;
• Aplicação apenas durante o período exigido pela situação excepcional.

Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais


Apesar das fortes objeções dos países capitalistas, esse pacto foi adotado pela Assem-
bleia Geral da ONU e consolidou, internacionalmente, uma sequência de direitos, des-
tacando: o direito ao trabalho, à liberdade de associação sindical, à previdência social,
à alimentação, à moradia, ao mais elevado nível de saúde física e mental, à educação, à
participação na vida cultural e no progresso científico.

O pacto impõe às nações o compromisso de efetivar, gradualmente, a efetivação


dos direitos nele previstos, seja mediante esforços próprios, seja mediante cooperação
internacional. Tal imposição recebe o nome de cláusula de progressiva realização ou
de progressividade.

As nações ficam comprometidas à apresentação de relatórios informando as medidas


que adotaram e os progressos realizados com a finalidade de assegurar o cumprimento
do acordo firmado no pacto.

Em 2013, entrou em vigor o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Di-


reitos Econômicos, Sociais e Culturais, que estabeleceu o Comitê de Direitos Econô-
micos, Sociais e Culturais como órgão competente para receber e apreciar comunica-
ções de violações dos direitos previstos no referido pacto.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Filmes
A lista de Schindler
Conta a história de um empresário alemão que salvou centenas de refugiados ju-
deus durante a Segunda Guerra Mundial, empregando-os em suas fábricas.
https://youtu.be/gG22XNhtnoY
A informante
Após o período da Guerra da Bósnia, uma policial americana descobre uma rede de
corrupção que causa um dos maiores escândalos envolvendo a ONU, com ativida-
des diplomáticas de duplo sentido abrangendo membros das forças de paz da ONU.
https://youtu.be/UORzwLPJg80
Decisão de risco
Mostra o debate militar e político a respeito dos danos colaterais mínimos em ação
coordenada da Inglaterra com o objetivo de capturar três perigosos terroristas em
Nairobi, no Quênia.
https://youtu.be/Y_utqwncwQU
The Post: a guerra secreta
Durante a Guerra do Vietnã, dois jornais americanos se deparam com documentos si-
gilosos a respeito de ações do Estado norte-americano e lutam para garantir a liberdade
de expressão contra um governo que busca encobrir todos os fracassos da operação.
https://youtu.be/k-tiJlEm76A

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Referências
BONAVIDES, P. Do Estado liberal ao Estado social. 8. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2007.

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LEITE, C. H. B. Manual de direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. (e-book)

MALHEIRO, E. Curso de direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016. (e-book)

MAZZUOLI, V. de O. Curso de direitos humanos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense,


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MONDAINI, M. Direitos humanos: breve história de uma grande utopia. São Paulo:
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OLIVEIRA, F. M. G. de. Direitos humanos. Rio de Janeiro: Forense, 2016. (e-book)

PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 18. ed.


rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. (e-book)

________. Temas de direitos humanos. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2018. (e-book)

________. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos


sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 9. ed. São Paulo: Saraiva
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RAMOS, A. de C. Curso de direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação,


2020. (e-book)

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