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UNIDADE 4
Fonte: 123rf.
O surgimento da ONU, entretanto, é marcado por uma série de eventos históricos im-
portantes, os quais são denominados de precedentes históricos, com destaque para a
Liga das Nações, que foi uma tentativa frustrada de criar um organismo internacional
capaz de manter a paz e segurança.
Assim, antes de estudarmos propriamente ONU, vamos dar atenção a esses aspectos
precedentes, que nos situarão na matéria.
1.1. INTRODUÇÃO
Como já mencionamos na unidade anterior, os Direitos Humanos decorrem de uma
construção histórica, repleta de situações fáticas que os constituem e os localizam no
tempo. No cenário mundial, houve um processo de internacionalização e universalização
dos Direitos Humanos. Nessa linha de pensamento, Piovesan (2012, p. 73) leciona que:
O Direito Internacional dos Direitos Humanos constitui um movimento extrema-
mente recente na história, surgindo, a partir do pós-guerra, como resposta às
atrocidades cometidas pelo nazismo. É neste cenário que se desenha o esforço
1
de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a
orientar a ordem internacional contemporânea.
Precedentes Históricos
A constituição dos Direitos Humanos no âmbito internacional ressignificou alguns concei-
tos, como o de soberania estatal e o de indivíduo, de modo a legitimá-los universalmente.
Nesse contexto, vejamos os precedentes históricos que levaram à criação da ONU.
A Liga das Nações, criada na Conferência de Paris em 1919, logo após o término da
Primeira Guerra Mundial, trazia a ideia da relativização da soberania dos Estados e
promovia a segurança, a cooperação e a paz internacionais. Além disso, condenava
agressões territoriais e a independência política de seus membros.
A Convenção da Liga das Nações pugnou pela criação de condições justas e humanas
de trabalho para homens, mulheres e crianças, prevendo a criação de um organismo
internacional, que resultou na criação Organização Internacional do Trabalho (OIT) e
contribuiu de forma significativa para a melhoria das condições de trabalho.
A Organização Internacional do Trabalho, por sua vez, também criada após a Pri-
meira Guerra Mundial, tinha por objetivo a uniformização de padrões internacionais
voltados para as relações de trabalho. A OIT foi feita para ser um mecanismo institucio-
nalizado para o combate à exploração e precarização das relações trabalhistas.
Internacionalização pós-guerra
O movimento de internacionalização dos Direitos Humanos se deu especialmente após
a Segunda Guerra Mundial, portanto, trata-se de algo relativamente recente, em franca
contraposição aos horrores da guerra e às violações aos Direitos Humanos empreendi-
dos1 pelo movimento nazista. A guerra propagou a ideia de uma raça superior, pautando
seu discurso na destruição e desvalorização da pessoa humana pela via do totalitarismo.
1
Executados, realizados.
Direitos Humanos 2
Direitos Humanos no Âmbito Internacional: Sistema de Proteção Global dos Direitos Humanos
Assim, diante desse quadro histórico, Piovesan (2018, p. 210) defende que se desenhou:
[...] o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e refe-
rencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Se a Segunda
Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria sig-
4 nificar sua reconstrução.
A Carta das Nações Unidas de 1945 está diretamente relacionada à criação da Orga-
nização das Nações Unidas (ONU), assunto que trataremos mais adiante. O referido
documento é considerado o mais importante do Organismo e, por essa razão, trazemos
abaixo algumas informações cronológicas sobre as suas origens (NAÇÕES UNIDAS
BRASIL, 2018a).
• Ano de 1943 – Os países aliados estavam confiantes com a vitória na guerra e com
a ideia de estabelecer a paz no âmbito internacional. Foram eventos importantes nes-
te ano as conferências de Moscou, na União Soviética, e de Teerã, no Irã.
• 26 de junho de 1945 – Assinatura da Carta das Nações Unidas por 50 países por
ocasião da Conferência sobre Organização Internacional.
3
Convém mencionar que a Carta das Nações Unidas sofreu algumas emendas2 nos
anos seguintes à sua assinatura. A versão acabada possui um preâmbulo3 com 111
artigos e o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que a integra. O preâmbulo traz o
espírito da norma à medida em que indica as razões pelas quais ela foi criada. Vejamos:
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS 4
Preâmbulo
E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros,
como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a seguran-
ça internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos
métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a
empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico
e social de todos os povos.
2
Em termos jurídicos, emenda é o ato de fazer alterações em algum texto normativo, corrigi-lo, acrescentar
ou suprimir algo.
3
Preâmbulo é o texto que antecede o conteúdo de outro texto, principal. É parte preliminar de um texto. Introdução.
4
Vindouro é aquilo que se refere ao futuro, aquilo que está por vir.
5
Flagelo é uma espécie de tortura.
6
Indizível é algo que as palavras não são capazes de descrever.
7
Conjugar esforços no sentido do texto refere-se a somar esforços.
8
Consecução refere-se à realização.
9
Representação gráfica da estrutura de uma organização.
Direitos Humanos 4
Direitos Humanos no Âmbito Internacional: Sistema de Proteção Global dos Direitos Humanos
Figura 02. Estrutura e funcionamento do Sistema Global de proteção aos direitos humanos a partir da Carta
das Nações Unidas.
Preâmbulo
Propósito e
Capítulo 1 Artigos 1-2
princípios
Composição Artigo 9
Funções
Artigos 10-17
Assembleia atribuições
Capítulo 4
geral
Votação Artigos 18-19
Composição Artigo 23
Conselho de
Capítulo 5 Funções
segurança Artigos 24-26
atribuições
Votação Artigo 27
Solução pacífica
Capítulo 6 Artigos 33-38
de controvérsias
Ação relativa a
ameaças à paz,
Capítulo 7 ruptura da paz e atos
Artigos 30-51
de agressão
Acordos
Capítulo 8 Artigos 52-54
regionais
Funções
Conselho Artigos 62-66
atribuições
Capítulo 10 econômico e
social
Votações Artigo 67
Declaração relativa
Capítulo 11 a territórios sem Artigos 73-74
governo próprio
Sistema
Capítulo 12 internacional Artigos 75-85
de tutela
Composição Artigo 86
Funções
Artigos 87-88
Conselho de atribuições
Capítulo 13
tutela
Votação Artigo 89
Corte internacional
Capítulo 14 da justiça
Artigos 92-96
Disposições
Capítulo 16 Artigos 102-105
diversas
Disposições
Capítulo 17 transitórias sobre Artigos 106-107
segurança
Ratificação
Capítulo 19 Artigos 110-111
e assinatura
Para fins didáticos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, documento 4
histórico indicado como precedente da internacionalização dos Direitos Humanos, será tra-
tada em um tópico separado para que possamos compreender melhor os seus detalhes.
10
A Declaração de Viena foi o documento oficial da Conferência Internacional de Direitos Humanos, ocorrida
de 14 a 25 de junho de 1993, na cidade de Viena, capital da Áustria. O evento congregou delegações de 171
Estados e reuniu mais de 2.000 organizações não-governamentais (ONGs). “Com um preâmbulo de 17 pará-
grafos, uma parte operativa conceitual de 39 artigos e um programa de ação com 100 parágrafos recomen-
datórios a Declaração de Viena é o documento mais abrangente adotado consensualmente pela comunidade
internacional sobre o tema.” (ALVES, 1994, p. 169-170, 172).
11
Indivisível é tudo aquilo que não pode ser dividido, fracionado.
Interdependente é uma qualidade entre duas ou mais coisas ou pessoas que dependem uma da outra
12
mutuamente.
13
Interrelacionado se refere a algo que está intimamente relacionado a outra coisa ou pessoa.
14
Equânime vem da expressão equidade, que significada algo justo, igualitário.
Direitos Humanos 6
Direitos Humanos no Âmbito Internacional: Sistema de Proteção Global dos Direitos Humanos
Vê-se que os universalistas adotaram uma abordagem bastante diferente da dos relativis-
tas, pois compreendem que os Direitos Humanos não estão restritos a uma ou outra cultu-
ra, contudo, são comuns a todas as culturas. Um traço marcante desse pensamento está
materializado na Declaração de Viena, documento importante mencionado anteriormente.
4 Grandes Guerras Mundiais e dignidade da pessoa humana
A moderna sistemática de proteção aos Direitos Humanos no âmbito Internacional teve
também, como precedentes históricos motivadores, as duas grandes guerras mundiais,
que ocorreram na primeira metade do século XX. Estes eventos foram marcos de im-
portância singular para que se compreendesse a necessidade da criação de políticas
internacionais em defesa da segurança, da paz e dos Direitos Humanos.
A Primeira Guerra Mundial, ocorrida de 1914 a 1918, foi o período em que aconteceu o
primeiro evento genocida do século XX. Entre 1915 e 1917, durante a guerra, o exército
do Império Otomano levou à morte mais de 600 mil armênios por crer que estes eram
aliados dos russos. Este genocídio foi tão brutal quanto ao ocorrido anos depois, por
ocasião da Segunda Guerra Mundial.
No entanto, foi no período posterior à Primeira Guerra que surgiu a primeira organiza-
ção de índole internacional com o objetivo de preservar a paz: a Liga das Nações, que
já foi mencionada no início desta unidade. (CASADO FILHO, 2012).
Tal organização, embora não tenha tido êxito, lançou reflexões sobre a necessidade da
preservação dos direitos humanos e da limitação da soberania estatal.
Vale consignar que a Primeira Guerra teve fim com a assinatura do Tratado de Versa-
lhes. Na oportunidade, definiu-se a criação da Organização Internacional do Trabalho,
algo importante para alçar as questões trabalhistas em âmbito internacional. No mais,
estabeleceu-se condições para realização da paz entre Aliados e a Alemanha, que teve
de arcar com as dívidas relacionadas à guerra dos países vencedores, a perda de terri-
tórios coloniais e a limitação do tamanho de seu exército.
O referido partido, em 1923, preparou um golpe de Estado, que restou frustrado, opor-
tunidade na qual Hitler foi preso durante um período de oito meses. Após sair da prisão,
momento em que escreve seu livro “Mein Kampf” (Minha luta), o líder do partido nazista
ganha apoio popular com o discurso de que o país precisaria se reerguer frente a humilha-
ção decorrente do Tratado de Versalhes, recuperando sua autonomia econômica, territorial
e racial (aqui culpando os “estrangeiros”, como judeus e ciganos, pela decadência alemã).
7
A Segunda Guerra Mundial começou formalmente em 1º de setembro de 1939, com a
invasão da da Polônia e da Tchecoslováquia pelo exército alemão, liderado por Hitler,
e terminou em 2 de setembro de 1945, com a rendição do Japão.
Esse conflito de dimensões mundiais que matou milhões de pessoas teve como pano
de fundo a Primeira Guerra Mundial. Os alemães derrotados no conflito foram conside- 4
rados como responsáveis e tiveram de dispor de parte de seu patrimônio como forma de
indenizar os países prejudicados. Isso se deu formalmente com o Tratado de Versalhes,
que foi uma espécie de acordo de paz.
Por conta dessa situação, nos anos seguintes à assinatura do Tratado, a Alemanha
passou por uma grande recessão econômica, que gerou desemprego e fome. A queda
da bolsa de Nova Iorque, no ano de 1929, agravou ainda mais o cenário político e so-
cial daquele país. Os alemães, vencidos na Primeira Guerra, sentiam-se humilhados e
desejosos de resolver a situação em que estavam submetidos.
Esse clima imperava não só na Alemanha, mas em outros países da Europa. Isso fez
com que surgissem novas tensões entre os países, abrindo espaço para ascensão de
regimes totalitários, como o nazista, na Alemanha, e o fascista, na Itália. Esses dois mo-
vimentos políticos, oportunamente, fariam uma aliança no contexto da Segunda Guerra.
A Segunda Guerra caminha para o seu fim sob dois fatores: A entrada dos Estados Uni-
dos após o ataque realizado pelos japoneses em Pearl Harbor em 1941 e a tentativa de
Hitler em invadir a URSS quebrando o acordo com Stálin. Os países Aliados avançam
sobre os países do Eixo retomando os territórios conquistados por Hitler. A guerra chega
ao fim em 1945 após o suicídio de Adolf Hitler, com uma Berlim, capital alemã, tomada
em grande parte pelo Exército Vermelho Soviético.
Foi com o fim da Segunda Guerra que muitos países, representados por seus líderes,
pensaram na criação de instrumentos para evitar um novo holocausto. Desse modo
surgiu a Organização das Nações Unidas em substituição a então Liga das Nações.
Direitos Humanos 8
Direitos Humanos no Âmbito Internacional: Sistema de Proteção Global dos Direitos Humanos
Essas questões não precisam ser respondidas, mas refletidas à luz da razão,
para que possamos reafirmar os ideais de paz e cooperação que surgiram após
os terríveis eventos do século passado.
9
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