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Direitos Humanos no Âmbito Internacional: Sistema de Proteção Global dos Direitos Humanos

UNIDADE 4

DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO


4 INTERNACIONAL: SISTEMA DE PROTEÇÃO
GLOBAL DOS DIREITOS HUMANOS

1. SISTEMA DE PROTEÇÃO GLOBAL DOS DIREITOS HUMANOS


Sabemos da existência de um Sistema Global e sistemas regionais de Direitos Huma-
nos. O Sistema Global, objeto de estudo do capítulo 1, é capitaneado pela Organização
das Nações Unidas.
Figura 01. Proteção aos direitos humanos.

Fonte: 123rf.

O surgimento da ONU, entretanto, é marcado por uma série de eventos históricos im-
portantes, os quais são denominados de precedentes históricos, com destaque para a
Liga das Nações, que foi uma tentativa frustrada de criar um organismo internacional
capaz de manter a paz e segurança.

Assim, antes de estudarmos propriamente ONU, vamos dar atenção a esses aspectos
precedentes, que nos situarão na matéria.

1.1. INTRODUÇÃO
Como já mencionamos na unidade anterior, os Direitos Humanos decorrem de uma
construção histórica, repleta de situações fáticas que os constituem e os localizam no
tempo. No cenário mundial, houve um processo de internacionalização e universalização
dos Direitos Humanos. Nessa linha de pensamento, Piovesan (2012, p. 73) leciona que:
O Direito Internacional dos Direitos Humanos constitui um movimento extrema-
mente recente na história, surgindo, a partir do pós-guerra, como resposta às
atrocidades cometidas pelo nazismo. É neste cenário que se desenha o esforço

1
de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a
orientar a ordem internacional contemporânea.

A partir dessas considerações, trouxemos alguns precedentes históricos para ilustrar o


percurso dos Direitos Humanos no plano internacional. Para tanto, utilizaremos a clas-
sificação elaborada por Piovesan (2018, p. 201-250) e complementos de outras fontes. 4

Precedentes Históricos
A constituição dos Direitos Humanos no âmbito internacional ressignificou alguns concei-
tos, como o de soberania estatal e o de indivíduo, de modo a legitimá-los universalmente.
Nesse contexto, vejamos os precedentes históricos que levaram à criação da ONU.

O Direito Humanitário foi concebido como um instrumento de proteção aos direitos


fundamentais no caso específico de uma situação de guerra. Essa proteção era desti-
nada tanto a militares como a civis e servia como meio de limitar a atuação dos Estados
envolvidos no conflito.

A Cruz Vermelha, movimento humanitário organizado por Henry Dunant, se consolidou


com a 1º Convenção de Genebra de 1864. Nessa Convenção, foi fixado um conjunto de
leis para amenizar o sofrimento de soldados prisioneiro, doentes e feridos em guerra,
bem como para considerar as populações atingidas por conflitos bélicos.

O segundo acontecimento relevante é a luta contra a escravidão, que se intensificou no sé-


culo XIX, cujo documento de destaque é o Ato Geral da Conferência de Bruxelas de 1890.

A Liga das Nações, criada na Conferência de Paris em 1919, logo após o término da
Primeira Guerra Mundial, trazia a ideia da relativização da soberania dos Estados e
promovia a segurança, a cooperação e a paz internacionais. Além disso, condenava
agressões territoriais e a independência política de seus membros.

A Convenção da Liga das Nações pugnou pela criação de condições justas e humanas
de trabalho para homens, mulheres e crianças, prevendo a criação de um organismo
internacional, que resultou na criação Organização Internacional do Trabalho (OIT) e
contribuiu de forma significativa para a melhoria das condições de trabalho.

A Organização Internacional do Trabalho, por sua vez, também criada após a Pri-
meira Guerra Mundial, tinha por objetivo a uniformização de padrões internacionais
voltados para as relações de trabalho. A OIT foi feita para ser um mecanismo institucio-
nalizado para o combate à exploração e precarização das relações trabalhistas.

Internacionalização pós-guerra
O movimento de internacionalização dos Direitos Humanos se deu especialmente após
a Segunda Guerra Mundial, portanto, trata-se de algo relativamente recente, em franca
contraposição aos horrores da guerra e às violações aos Direitos Humanos empreendi-
dos1 pelo movimento nazista. A guerra propagou a ideia de uma raça superior, pautando
seu discurso na destruição e desvalorização da pessoa humana pela via do totalitarismo.

1
Executados, realizados.

Direitos Humanos 2
Direitos Humanos no Âmbito Internacional: Sistema de Proteção Global dos Direitos Humanos

Assim, diante desse quadro histórico, Piovesan (2018, p. 210) defende que se desenhou:
[...] o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e refe-
rencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Se a Segunda
Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria sig-
4 nificar sua reconstrução.

Os Estados, a partir do pós-guerra, entenderam que a temática dos Direitos Humanos


não deveria restringir-se apenas ao âmbito interno de cada um, mas que deveria ser
adotada como preceitos internacionais. A partir desse pensamento foram criadas nor-
mativas que responsabilizavam os Estados, no âmbito internacional, por violações aos
Direitos Humanos. Nos deteremos aos detalhes desse tema mais adiante.

A Carta das Nações Unidas de 1945, a Declaração Universal dos Direitos


Humanos de 1948 e o universalismo e relativismo cultural
Como parte dos precedentes históricos relatados por Piovesan (2018, p. 201-250), des-
tacam-se ainda a Carta das Nações Unidas de 1945, a Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos de 1948 e a questão do universalismo e relativismo cultural.

A Carta das Nações Unidas de 1945 está diretamente relacionada à criação da Orga-
nização das Nações Unidas (ONU), assunto que trataremos mais adiante. O referido
documento é considerado o mais importante do Organismo e, por essa razão, trazemos
abaixo algumas informações cronológicas sobre as suas origens (NAÇÕES UNIDAS
BRASIL, 2018a).

• 12 de junho de 1941 – Foi assinada a Declaração do Palácio de Saint James, em


Londres – local de exílio de nove governos em razão da Segunda Grande Guerra. Os
signatários confirmavam o propósito de estabelecer a paz.

• 14 agosto de 1941 – A Carta do Atlântico foi publicada, representando um avanço


no sentido de se constituir uma organização no âmbito mundial.

• 1 de janeiro de 1942 – Um grupo de 26 nações que lutavam contra o Eixo Roma-


-Berlim-Tóquio decidiu apoiar a Declaração das Nações Unidas.

• Ano de 1943 – Os países aliados estavam confiantes com a vitória na guerra e com
a ideia de estabelecer a paz no âmbito internacional. Foram eventos importantes nes-
te ano as conferências de Moscou, na União Soviética, e de Teerã, no Irã.

• Anos de 1944 e 1945 – Foram formuladas propostas nas conferências de Dumbar-


ton Oaks, em Washignton, Estados Unidos, e Ialta, península da Crimeia.

• 26 de junho de 1945 – Assinatura da Carta das Nações Unidas por 50 países por
ocasião da Conferência sobre Organização Internacional.

• 24 de outubro de 1945 – Data da existência oficial das Nações Unidas após a


ratificação da Carta por alguns países (China, Estados Unidos, França, Reino Unido
e ex-União Soviética). O 24 de outubro é comemorado em todo o mundo como o Dia
das Nações Unidas.

3
Convém mencionar que a Carta das Nações Unidas sofreu algumas emendas2 nos
anos seguintes à sua assinatura. A versão acabada possui um preâmbulo3 com 111
artigos e o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que a integra. O preâmbulo traz o
espírito da norma à medida em que indica as razões pelas quais ela foi criada. Vejamos:
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS 4

Preâmbulo

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS

a preservar as gerações vindouras4 do flagelo5 da guerra, que por duas vezes,


no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis6 à humanidade, e a rea-
firmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser
humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das
nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça
e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito
internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores
condições de vida dentro de uma liberdade ampla.

E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros,
como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a seguran-
ça internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos
métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a
empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico
e social de todos os povos.

RESOLVEMOS CONJUGAR7 NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECU-


ÇÃO8 DESSES OBJETIVOS. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por
intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de
exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, con-
cordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio
dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações
Unidas. (NAÇÕES UNIDAS, 2017, p. 3-4).

No mais, vejamos no organograma9 a seguir a estrutura da Organização:

2
Em termos jurídicos, emenda é o ato de fazer alterações em algum texto normativo, corrigi-lo, acrescentar
ou suprimir algo.
3
Preâmbulo é o texto que antecede o conteúdo de outro texto, principal. É parte preliminar de um texto. Introdução.
4
Vindouro é aquilo que se refere ao futuro, aquilo que está por vir.
5
Flagelo é uma espécie de tortura.
6
Indizível é algo que as palavras não são capazes de descrever.
7
Conjugar esforços no sentido do texto refere-se a somar esforços.
8
Consecução refere-se à realização.
9
Representação gráfica da estrutura de uma organização.

Direitos Humanos 4
Direitos Humanos no Âmbito Internacional: Sistema de Proteção Global dos Direitos Humanos

Figura 02. Estrutura e funcionamento do Sistema Global de proteção aos direitos humanos a partir da Carta
das Nações Unidas.
Preâmbulo

Propósito e
Capítulo 1 Artigos 1-2
princípios

4 Capítulo 2 Dos membros Artigos 3-6

Capítulo 3 Órgãos Artigos 7-8

Composição Artigo 9

Funções
Artigos 10-17
Assembleia atribuições
Capítulo 4
geral
Votação Artigos 18-19

Procedimento Artigos 20-22

Composição Artigo 23

Conselho de
Capítulo 5 Funções
segurança Artigos 24-26
atribuições

Votação Artigo 27

Procedimento Artigos 28-32

Solução pacífica
Capítulo 6 Artigos 33-38
de controvérsias

Ação relativa a
ameaças à paz,
Capítulo 7 ruptura da paz e atos
Artigos 30-51
de agressão

Acordos
Capítulo 8 Artigos 52-54
regionais

Carta das Cooperação


Capítulo 9 internacional Artigos 55-60
Nações Unidas
econômica e
social
Composição Artigo 61

Funções
Conselho Artigos 62-66
atribuições
Capítulo 10 econômico e
social
Votações Artigo 67

Procedimento Artigos 68-72

Declaração relativa
Capítulo 11 a territórios sem Artigos 73-74
governo próprio
Sistema
Capítulo 12 internacional Artigos 75-85
de tutela

Composição Artigo 86

Funções
Artigos 87-88
Conselho de atribuições
Capítulo 13
tutela
Votação Artigo 89

Procedimento Artigos 90-91

Corte internacional
Capítulo 14 da justiça
Artigos 92-96

Capítulo 15 O secretariado Artigos 97-101

Disposições
Capítulo 16 Artigos 102-105
diversas
Disposições
Capítulo 17 transitórias sobre Artigos 106-107
segurança

Capítulo 18 Emendas Artigos 108-109

Ratificação
Capítulo 19 Artigos 110-111
e assinatura

Fonte: elaborado pelo autor.


5
Diante das informações trazidas, é possível observar a grande e complexa estrutu-
ra que se formou a partir da Declaração das Nações Unidas. Tal estrutura, sobretudo
normativa, criou um verdadeiro sistema internacional que vincula os países signatários
preservando, do modo mais sólido possível, a segurança e a paz no mundo.

Para fins didáticos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, documento 4
histórico indicado como precedente da internacionalização dos Direitos Humanos, será tra-
tada em um tópico separado para que possamos compreender melhor os seus detalhes.

Quanto a questão do Universalismo e Relativismo Cultural, é importante considerar


que, mesmo com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, exis-
tiu divergência entre aqueles que consideravam que as normas relativas aos Direitos
Humanos teriam alcance universal, ou seja, entre todos os países envolvidos e aqueles
que a entendiam apenas dentro de um contexto cultural de determinada sociedade.

Os relativistas entendiam que os direitos fundamentais seriam compreendidos de di-


ferentes formas, segundo a cultura de cada povo. Assim, não seria possível a criação
de preceitos normativos de caráter universal, eis que preceitos considerados direitos
fundamentais para um determinado povo não seriam para outro. Um exemplo marcante
dessa distinção são as culturas de povos do Oriente em relação às culturas dos povos
do Ocidente, materializadas em práticas diversas.

Por outro lado, os universalistas pensavam de modo diferente. Entendiam a neces-


sidade de se promover uma defesa dos direitos e garantias fundamentais de modo
universal, atingindo todas as culturas. Nesse sentido:
A Declaração de Viena10, adotada em 25 de junho de 1993, buscou responder
a esse debate quando estabeleceu, em seu § 5º: “Todos os direitos humanos
são universais, indivisíveis11, interdependentes12 e interrelacionados13. A comu-
nidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de maneira
justa e equânime14, com os mesmos parâmetros e com a mesma ênfase. As
particularidades nacionais e regionais e bases históricas, culturais e religiosas
devem ser consideradas, mas é obrigação dos Estados, independentemente de
seu sistema político, econômico e cultural, promover e proteger todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais” (PIOVESAN, 2018, p. 245-246).

10
A Declaração de Viena foi o documento oficial da Conferência Internacional de Direitos Humanos, ocorrida
de 14 a 25 de junho de 1993, na cidade de Viena, capital da Áustria. O evento congregou delegações de 171
Estados e reuniu mais de 2.000 organizações não-governamentais (ONGs). “Com um preâmbulo de 17 pará-
grafos, uma parte operativa conceitual de 39 artigos e um programa de ação com 100 parágrafos recomen-
datórios a Declaração de Viena é o documento mais abrangente adotado consensualmente pela comunidade
internacional sobre o tema.” (ALVES, 1994, p. 169-170, 172).
11
Indivisível é tudo aquilo que não pode ser dividido, fracionado.
Interdependente é uma qualidade entre duas ou mais coisas ou pessoas que dependem uma da outra
12

mutuamente.
13
Interrelacionado se refere a algo que está intimamente relacionado a outra coisa ou pessoa.
14
Equânime vem da expressão equidade, que significada algo justo, igualitário.

Direitos Humanos 6
Direitos Humanos no Âmbito Internacional: Sistema de Proteção Global dos Direitos Humanos

Vê-se que os universalistas adotaram uma abordagem bastante diferente da dos relativis-
tas, pois compreendem que os Direitos Humanos não estão restritos a uma ou outra cultu-
ra, contudo, são comuns a todas as culturas. Um traço marcante desse pensamento está
materializado na Declaração de Viena, documento importante mencionado anteriormente.
4 Grandes Guerras Mundiais e dignidade da pessoa humana
A moderna sistemática de proteção aos Direitos Humanos no âmbito Internacional teve
também, como precedentes históricos motivadores, as duas grandes guerras mundiais,
que ocorreram na primeira metade do século XX. Estes eventos foram marcos de im-
portância singular para que se compreendesse a necessidade da criação de políticas
internacionais em defesa da segurança, da paz e dos Direitos Humanos.

A Primeira Guerra Mundial, ocorrida de 1914 a 1918, foi o período em que aconteceu o
primeiro evento genocida do século XX. Entre 1915 e 1917, durante a guerra, o exército
do Império Otomano levou à morte mais de 600 mil armênios por crer que estes eram
aliados dos russos. Este genocídio foi tão brutal quanto ao ocorrido anos depois, por
ocasião da Segunda Guerra Mundial.

No entanto, foi no período posterior à Primeira Guerra que surgiu a primeira organiza-
ção de índole internacional com o objetivo de preservar a paz: a Liga das Nações, que
já foi mencionada no início desta unidade. (CASADO FILHO, 2012).

Tal organização, embora não tenha tido êxito, lançou reflexões sobre a necessidade da
preservação dos direitos humanos e da limitação da soberania estatal.

Vale consignar que a Primeira Guerra teve fim com a assinatura do Tratado de Versa-
lhes. Na oportunidade, definiu-se a criação da Organização Internacional do Trabalho,
algo importante para alçar as questões trabalhistas em âmbito internacional. No mais,
estabeleceu-se condições para realização da paz entre Aliados e a Alemanha, que teve
de arcar com as dívidas relacionadas à guerra dos países vencedores, a perda de terri-
tórios coloniais e a limitação do tamanho de seu exército.

Com o fim da Primeira Guerra, a Alemanha vivia um clima de instabilidade generaliza-


da. Assim, em 1919, promulgou-se a Constituição republicana alemã (Constituição de
Weimar) preconizando diversos direitos sociais que inspirariam muitas outras cartas ao
redor do mundo (CASADO FILHO, 2012, p. 36).

Um mês depois da promulgação da Constituição de Weimar, foi fundado em Munique,


na Alemanha, o Partido Operário Alemão que, em 1920, passaria a se chamar Partido
Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Entre as figuras presentes na cerveja-
ria onde se deu a reunião para criação do partido, estava o militar austríaco Adolf Hitler
(MALHEIRO, 2016, p. 10).

O referido partido, em 1923, preparou um golpe de Estado, que restou frustrado, opor-
tunidade na qual Hitler foi preso durante um período de oito meses. Após sair da prisão,
momento em que escreve seu livro “Mein Kampf” (Minha luta), o líder do partido nazista
ganha apoio popular com o discurso de que o país precisaria se reerguer frente a humilha-
ção decorrente do Tratado de Versalhes, recuperando sua autonomia econômica, territorial
e racial (aqui culpando os “estrangeiros”, como judeus e ciganos, pela decadência alemã).

7
A Segunda Guerra Mundial começou formalmente em 1º de setembro de 1939, com a
invasão da da Polônia e da Tchecoslováquia pelo exército alemão, liderado por Hitler,
e terminou em 2 de setembro de 1945, com a rendição do Japão.

Esse conflito de dimensões mundiais que matou milhões de pessoas teve como pano
de fundo a Primeira Guerra Mundial. Os alemães derrotados no conflito foram conside- 4
rados como responsáveis e tiveram de dispor de parte de seu patrimônio como forma de
indenizar os países prejudicados. Isso se deu formalmente com o Tratado de Versalhes,
que foi uma espécie de acordo de paz.

Por conta dessa situação, nos anos seguintes à assinatura do Tratado, a Alemanha
passou por uma grande recessão econômica, que gerou desemprego e fome. A queda
da bolsa de Nova Iorque, no ano de 1929, agravou ainda mais o cenário político e so-
cial daquele país. Os alemães, vencidos na Primeira Guerra, sentiam-se humilhados e
desejosos de resolver a situação em que estavam submetidos.

Esse clima imperava não só na Alemanha, mas em outros países da Europa. Isso fez
com que surgissem novas tensões entre os países, abrindo espaço para ascensão de
regimes totalitários, como o nazista, na Alemanha, e o fascista, na Itália. Esses dois mo-
vimentos políticos, oportunamente, fariam uma aliança no contexto da Segunda Guerra.

Aproveitando-se desse ambiente, Hitler implementou na Alemanha, por meio do discur-


so populista, um ideal racista e ultranacionalista que o levou ao poder. Sob seu governo,
baseado na Teoria do Espaço Vital, pretendia-se reparar a perda de terras alemãs em
razão do Tratado de Versalhes conquistando novos territórios.

No curso da guerra, a Alemanha preocupava-se também em eliminar minorias opos-


tas aos ideais racistas do movimento nazista. E foi nesse contexto que ocorreram as
maiores violações contra a dignidade da pessoa humana com a prisão, tortura e morte,
principalmente de judeus nos campos de concentração.

A Segunda Guerra caminha para o seu fim sob dois fatores: A entrada dos Estados Uni-
dos após o ataque realizado pelos japoneses em Pearl Harbor em 1941 e a tentativa de
Hitler em invadir a URSS quebrando o acordo com Stálin. Os países Aliados avançam
sobre os países do Eixo retomando os territórios conquistados por Hitler. A guerra chega
ao fim em 1945 após o suicídio de Adolf Hitler, com uma Berlim, capital alemã, tomada
em grande parte pelo Exército Vermelho Soviético.

Foi com o fim da Segunda Guerra que muitos países, representados por seus líderes,
pensaram na criação de instrumentos para evitar um novo holocausto. Desse modo
surgiu a Organização das Nações Unidas em substituição a então Liga das Nações.

A partir da ONU, a temática da dignidade da pessoa humana passou a ser priorizada


como valor essencial para as relações entre os Estados, criando limites e estabelecen-
do princípios gerais que foram sendo ajustados pelos países por meio de tratados e
convenções internacionais.

Direitos Humanos 8
Direitos Humanos no Âmbito Internacional: Sistema de Proteção Global dos Direitos Humanos

O século XX foi marcado profundamente por duas grandes guerras que


mudaram a história da humanidade. A Primeira Guerra Mundial foi palco de
uma transição política radical na qual monarquias e reinos foram substituídos
por novas formas de governo.
4 No contexto da Segunda Guerra, Hitler conseguiu, através da propaganda e do
clima de instabilidade político-econômico-social de sua época, convencer o povo
alemão de seus ideais racistas, que resultaram na morte de milhões de pessoas,
especialmente judeus, crianças, mulheres e homossexuais.
Após esses eventos chocantes, o homem que estava preocupado com um novo
holocausto, se empenhou de modo efetivo no sentido de se estabelecer direitos
capazes de atingir todos os seres humanos.
Em 2018, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que
estudamos na unidade 1, completou 70 anos de existência.
Vejamos agora alguns trechos de uma notícia publicada na internet
(KONCHINSKI, 2020):
Nazismo e xenofobia “surfam” na pandemia e
denúncias triplicam na internet [...]
Grupos [...], incluindo neonazistas, têm aproveitado
a pandemia do coronavírus para intensificar sua
atuação no Brasil. Pesquisadores que monitoram
fóruns extremistas na internet já identificaram
postagens de conteúdo preconceituoso e xenófobo
relacionado à covid-19. [...]
É o que aponta a Safernet Brasil, associação sem
fins lucrativos que monitora crimes e violações de
direitos humanos na web. A quantidade de alertas
feitos à entidade sobre atividade neonazista na
internet aumentou 253% na comparação entre abril
deste ano, já durante a pandemia, ante o mesmo
mês do ano passado. [...]
Considerando nossos conhecimentos pessoais, as informações aqui trazidas, os
trechos da notícia acima e que o Brasil considera penalmente ilícita a prática de
divulgação do Nazismo por meio de símbolos do movimento (art. 20, § 1º, da Lei
n.º 7.716, de 5 de janeiro de 1989), emergem algumas questões para reflexão:
• Por que será que movimentos neonazistas ainda existem e se manifestam
apesar de proibições legais em muitos países?

• É possível que as conquistas relacionadas aos Direitos Humanos após a Se-


gunda Guerra Mundial estejam em risco por conta de grupos extremistas?

• Quais políticas podem ser adotadas no sentido de minimizar a propagação de


ideias totalitárias e promover o respeito e tolerância?

• Enquanto cidadãos e estudantes, qual o nosso papel pessoal, social e profis-


sional frente a situações discriminatórias?

Essas questões não precisam ser respondidas, mas refletidas à luz da razão,
para que possamos reafirmar os ideais de paz e cooperação que surgiram após
os terríveis eventos do século passado.

9
REFERÊNCIAS
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