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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DE MOÇAMBIQUE

(ISCTEM)
ESCOLA DE DIREITO

TRABALHO DE LICENCIATURA EM DIREITO

A PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS COM VALOR MEDICINAL EM


MOÇAMBIQUE

Supervisor: Dr. Acácio Fóia


Licenciando: Leonardo Jorge Macôo Nhavoto
A PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS COM VALOR MEDICINAL EM MOÇAMBIQUE

Dedicatória

Aos meus pais


Erasmo Nhavoto e
Judite Macôo (memória póstuma)
Pela inspiração indelével dos seus exemplos de vida,

Aos meus padrinhos


Carlos Macôo e Josefa Marrato
Pelo apoio incondicional e
por me terem alargado o horizonte.

Leonardo Jorge Macôo Nhavoto – TRABALHO DE LICENCIATURA EM DIREITO


A PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS COM VALOR MEDICINAL EM MOÇAMBIQUE

Agradecimentos
Neste dia em que apresento a dissertação para a obtenção do grau de Licenciatura em Direito, pelo

ISCTEM, julgo ser oportuno deixar uma palavra de gratidão a todos aqueles que, directa ou

indirectamente, me apoiaram na concepção e elaboração desta monografia.

Em primeiro lugar expresso o meu profundo agradecimento ao Dr. Acácio Fóia, primeiro, por

partilhar uma grande paixão pelo mundo da Propriedade Intelectual e, segundo, pelo apoio

incondicional dispensado durante todo o processo que culminou com a apresentação deste trabalho.

Aos Drs. Carlos Macôo, Henriques Henriques, Mia Couto, Carlos Serra, Drª Nacivia Machavana e a

Srª Sofia Magaia, pela disponibilidade e atenção dispensada em todos os momentos da construção da

presente tese.

Expresso também a minha gratidão à Drª Angelina Dias, Eng. Hélio Soares e a Srª Rosemary White,

pelo incentivo e encorajamento nas horas difíceis desta jornada académica.

Por fim, mas não menos importante, o meu khanimambo aos meus irmãos, familiares, colegas de

jornada académica e amigos pela força que o seu companheirismo abnegado e sincero durante estes

quatro anos.

Leonardo Jorge Macôo Nhavoto – TRABALHO DE LICENCIATURA EM DIREITO


A PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS COM VALOR MEDICINAL EM MOÇAMBIQUE

DECLARAÇÃO DE AUTENTICIDADE

Declaro que este Trabalho, na sua essência, constitui minha investigação pessoal, estando indicadas
no texto e na bibliografia as fontes que utilizei.

____________________________________________
Leonardo Jorge Macôo Nhavoto

Leonardo Jorge Macôo Nhavoto – TRABALHO DE LICENCIATURA EM DIREITO


A PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS COM VALOR MEDICINAL EM MOÇAMBIQUE

ÍNDICE

I. Introdução .................................................................................................................. 2

II. Justificativa da escolha do Tema ............................................................................... 2

III. Identificação do Problema ......................................................................................... 3

IV. Objectivos ................................................................................................................... 6

a) Objectivos Gerais ................................................................................................ 6

b) Objectivos Específicos ..........................................................................................6

Capítulo I – PROPRIEDADE INTELECTUAL E PROTECÇÃO DOS RECURSOS

VEGETAIS .............................................................................................................................7

Capítulo II – PROTECÇÃO DAS ESPÉCIES VEGETAIS À LUZ DA LEGISLAÇÃO

INTERNACIONAL ............................................................................................................... 9

I. Convenção sobre a diversidade biológica .................................................................. 9

II. TRIPS/ADPIC (Acordo Sobre os Aspectos do Direito de Propriedade Intelectual). 11

III. Protocolo de Cartagena sobre a Bio – Segurança .....................................................13

Capítulo III - PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS À LUZ DA LEGISLAÇÃO

NACIONAL ............................................................................................................................15

Criticas ................................................................................................................................... 18

Capítulo IV – SUBSÍDIOS DO DIREITO COMPARADO .................................................. 20

I. O Caso do Brasil ......................................................................................................... 20

II. O Caso de Portugal ..................................................................................................... 22

Capítulo V – CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ..........................................................24


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A PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS COM VALOR MEDICINAL EM MOÇAMBIQUE

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 27

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CC — Código Civil;

CDB — Convenção da Diversidade Biológica;

CRM – Constituição da República de Moçambique;

COTERGAPA — Conselho Técnico do Ministério da Agricultura, do


Desenvolvimento Rural e das Pescas para os Recursos Genéticos Agrários, das Pescas
e Aquicultura;

CPI – Código da Propriedade Industrial;

PVD — Países em Vias de Desenvolvimento;

TRIPS — Acordo sobre os Aspectos do Direito de Propriedade Intelectual;

GATT — Acordo geral sobre pautas aduaneiras e comércio;

OMC – Organização Mundial do Comércio;

OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual

RRGV — Registo de Recursos Genéticos Vegetais;

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1. Introdução

Moçambique é um país com uma vasta gama de recursos naturais — muitos deles ainda
insuficientemente explorados. Num contexto de acelerada globalização, em que instituições
supranacionais cada vez mais facilmente acessam e exploram os recursos naturais de vários países, a
salvaguarda do interesse nacional de cada Estado passa pelo desenvolvimento de um dispositivo
legislativo nesse sentido.
Na presente pesquisa procuramos lançar um olhar técnico-jurídico para a situação
moçambicana relativamente à protecção dos recursos genéticos, tendo em atenção os dispositivos
internacionais ratificados por Moçambique em matéria de propriedade intelectual e a regulamentação
interna existente no nosso ordenamento jurídico.
O trabalho divide-se em cinco partes, que correspondem aos capítulos da pesquisa: no
primeiro capítulo enquadramos a questão da protecção de recursos vegetais a nível da propriedade
intelectual; no segundo capítulo analisamos os dispositivos legais internacionais a que o nosso país
se encontra vinculado; o terceiro capítulo é dedicado à análise da legislação interna no concernente à
protecção de espécies vegetais com propriedades medicinais. No quarto capítulo desenvolvemos um
exercício de análise de Direito Comparado, olhando para os casos do Brasil e Portugal. Dedicamos o
quinto e último capítulo para as conclusões e pertinentes recomendações.

2. Justificativa da escolha do Tema

O presente tema mereceu a nossa atenção por termos constatado que, apesar de trazer muitas
vantagens para o nosso país, no que toca a oportunidades de desenvolvimento em diversas áreas
socioeconómicas, o fenómeno da globalização1 trouxe também um grande perigo do Estado
moçambicano se tornar palco de exploração por parte de instituições que se encontram num estágio
mais avançado de desenvolvimento científico e económico.

1
A globalização pode, segundo Giddens, ser definida como a intensificação das relações sociais à escala mundial, que
ligam localidades distantes de tal maneira que os acontecimentos locais são enformados por acontecimentos que se dão a
muitas milhas de distância e vice-versa. Giddens, A (1990) – The Consequences of Modernity. Polity Press, UK
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A existência de grandes lacunas legais no nosso ordenamento jurídico, aliado ao atraso na


investigação científica e exploração de recursos genéticos2 existentes internamente, constituem a
preocupação que serviu de catalisador no nosso interesse por este tema.
Motivou-nos igualmente a necessidade de contribuir para a protecção dos recursos genéticos
existentes na variedade de espécies vegetais que Moçambique possui, recursos estes que nos
permitiriam imprimir uma nova dinâmica no desenvolvimento da nossa economia, captando os
benefícios monetários que podem resultar de uma gestão eficaz do potencial destes recursos
genéticos, como a concessão de patentes e a gestão de royalties resultantes de uma produção
comercial, e, acima de tudo, permitir que consigamos resolver ou mitigar problemas de saúde da
população com recurso ao potencial interno para a criação de fontes de assistência medicamentosa de
baixo custo, diminuindo os gastos do erário público com a importação de medicamentos.

3. Identificação do Problema

O estágio actual da ciência no mundo reflecte também um desnível de forças entre as nações
do ―Primeiro Mundo‖ e as do ―Terceiro Mundo‖. A maior parte das nações em desenvolvimento,
grupo em que Moçambique se enquadra, ainda não possui recursos económicos e científicos para
explorar o potencial que a sua biodiversidade apresenta. Recursos económicos e científicos que se
encontram em peso nas nações mais desenvolvidas, e que, no caso vertente, são hábil e eficazmente
utilizados pelas suas indústrias farmacêuticas.
Com os avanços da globalização, que têm diminuído as barreiras espaciais e de tempo no
relacionamento entre os Estados, aumentando o fluxo de comunicação. Com a tecnologia e os meios
de transporte modernos a reduzirem as dimensões do mapa mundial do ponto de vista prático, temos
assistido a um fenómeno que se consubstancia na exploração, por instituições supranacionais, de
recursos genéticos com potencial medicinal, localizados em territórios de países que, por não terem
capacidade para a exploração científica, não tiram proveito dos ganhos desta exploração.

2
Recurso genético: a informação de origem genética, contida em amostras do todo ou de parte de espécime vegetal,
fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas ou substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e
de extractos obtidos destes organismos vivos ou mortos, encontrados em condições in-situ, inclusive domesticados, ou
mantidos em colecções ex-situ, desde que colectados em condições in-situ no território nacional, na plataforma
continental ou na zona económica exclusiva;

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No mercado mundial de medicamentos (cerca de US$ 320 biliões anuais), 40% dos remédios
são oriundos directa ou indirectamente de fontes naturais (30% de origem vegetal e 10% de animal).
Estima-se que 25 mil espécies de plantas sejam usadas para a produção de medicamentos. 3
A legislação internacional relativa à propriedade intelectual permite que plantas milenares e
com propriedades medicinais conhecidas e exploradas pelas comunidades locais4 sejam patenteadas
como novas descobertas por companhias farmacêuticas, o que resulta na criação de compostos
farmacêuticos que são vendidos no mercado internacional com um reduzido ou nulo benefício dos
países de origem e de suas comunidades locais inicialmente detentoras do conhecimento que deu
origem à exploração.
O patenteamento dos recursos genéticos de Países em Vias de Desenvolvimento (PVD), por
parte de companhias farmacêuticas estrangeiras, é um bloqueio ao potencial económico que o
desenvolvimento das indústrias farmacêuticas destes países representa. No momento em que o
desenvolvimento científico e a conjuntura socioeconómica permitir a exploração deste potencial por
parte dos PVD, tal não poderá acontecer ou pelo menos acontecerá com limitações, em virtude de os
tais recursos terem sido patenteados por companhias farmacêuticas estrangeiras.
Moçambique é um país situado na região intertropical do continente africano e integra no seu
território diversas zonas climáticas, possuindo uma vasta e rica gama de recursos vegetais com certo
potencial farmacêutico. A comprovar este potencial, um estudo recente da organização WWF5, em
parceria com a Universidade Eduardo Mondlane, tendo como área de incidência somente a zona do
Parque Nacional das Quirimbas, na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique e envolve
uma área de aproximadamente 7.506 km2, revelou a existência de 132 especies vegetais com
potencial medicinal. De um total de 53 enfermidades alistadas como podendo ser combatidas pelas
espécies medicinais encontradas nas Quirimbas, constam a diarreia, complicações respiratórias,
doenças oportunistas relacionadas com o HIV/SIDA, a malária, hérnia entre outras doenças6.
No geral e de acordo com os resultados do estudo realizado pela Universidade Eduardo Mondlane, o

3
Cfr. COSTA, Wanderley Messias da, BECKER, Bertha k. e ALVES, Diogenes Salas Dimensões humanas da biosfera-
atmosfera na Amazônia, Editora da Universidade de São Paulo, 2007 Pag 96
4
Comunidade local: o agrupamento de famílias e indivíduos vivendo numa circunscrição territorial de nível de
localidade ou inferior, que visa a salvaguarda de interesses comuns através da protecção de áreas habitacionais, áreas
agrícolas, sejam cultivadas ou em pousio, florestas, sítios de importância cultural, pastagens, fontes de água e áreas de
expansão;
5
World Wide Fund for Nature é uma das mais conhecidas ONGs ambientalistas do planeta, tendo iniciado suas
atividades em 1961, por iniciativa de um grupo de cientistas da Suíça preocupados com a devastação da natureza.
6
Cfr.Terrestrial Vegetation Assessment of theQuirimbas National Park (Final report submitted to the Quirimbas National
Park ), Pag. 104
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Parque Nacional das Quirimbas apresenta uma diversidade de plantas raras e para várias aplicações,
daí que o mesmo estudo recomenda ao governo moçambicano no sentido de promover acções de
exploração sustentável dos mesmos. A nosso ver, estudos como este vêm realçar a necessidade de
um aproveitamento mais profundo dos benefícios que podem advir de uma gestão eficaz dos nossos
recursos vegetais.
Num universo de um milhão de patentes no mundo em cada ano, menos de 300 são
concedidas e registadas em Moçambique7, patentes estas que são concedidas através de 3 sistemas: i)
sistema internacional com base no Tratado de Cooperação em matéria de Patentes (PCT); ii) sistema
regional através do Protocolo de Harare; e iii) com base no sistema nacional, através do Código de
Propriedade Intelectual. Destas 300 patentes concedidas em Moçambique, não encontrámos, desde a
criação do Instituto de Propriedade Industrial, uma única que tenha sido concedida a uma entidade
nacional e que tivesse como objecto um produto ou processo da área da biodiversidade8, sendo de
realçar que a primeira patente a nível mundial concedida nesta matéria já tem mais de duas décadas,
tendo sido atribuída em 1985 ao americano Kenneth Hibbert9. Entendemos que a inexistência de
patentes na área da biodiversidade, contrastando com a riqueza de recursos existentes nesta área, é
sintomática do actual sistema de patentes em vigor no nosso pais, que não se mostra eficaz no
aproveitamento dos nossos recursos e na inclusão dos cidadãos no geral e das comunidades locais,
em particular, no processo de aproveitamento deste potencial.

4.Objectivos

4.1 Objectivos Gerais

Tendo em conta que o conhecimento sobre as potencialidades medicinais da maior parte das
variedades vegetais encontra-se no domínio da população rural, iletrada e com recursos financeiros
limitadíssimos, pretende-se com o trabalho fazer uma reflexão sobre os mecanismos e critérios de

7
Dados colhidos na apresentação do Dr. Fernando Santos, Director do Instituto de Propriedade Industrial de
Moçambique, ―Legislação sobre Patentes em Moçambique e implementação do TRIPs na área de medicamentos‖ a 3 de
Dezembro de 2008 no Ministério da Saúde.
8
Vide Boletim da Propriedade Industrial n°41 de Dezembro de 2008
9
Crf. FARIA, Rachel S. M. Patentes Biologicas in
http://www.senado.gov.br/conleg/artigos/politicasocial/Patentesbiologicas.pdf

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protecção dos conhecimentos tradicionais, aproveitamento e a partilha dos rendimentos advenientes


de uma possível exploração exógena dos recursos vegetais.

4.2 Objectivos Específicos

Pretendemos com esta reflexão:


i) Analisar o papel do Estado na regulamentação dos procedimentos para a exploração dos recursos
vegetais, por um lado;
ii) Por outro, a responsabilidade do Estado na intermediação da comercialização dos mesmos entre as
comunidades e as instituições extrangeiras interessadas.

CAPÍTULO I

PROPRIEDADE INTELECTUAL E PROTECÇÃO DOS RECURSOS


VEGETAIS

A matéria referente à protecção dos recursos genéticos insere-se no âmbito da propriedade


intelectual, que é uma área do saber que se dedica à protecção das criações do ser humano, fruto do
seu intelecto. A propriedade intelectual desdobra-se em dois grandes domínios, a saber:
— Propriedade Industrial, o conjunto de direitos que compreende as marcas de fábrica, de
comércio e de serviço, as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos industriais, os

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nomes comerciais e as insígnias de estabelecimentos, os logótipos, as indicações geográficas, as


denominações de origem e as recompensas10.
— Direitos do autor e conexos, o conjunto de direitos exclusivos do criador de uma obra literária,
artística ou cientifica, de dispor, fruir e utilizar em exclusivo ou autorizar a sua fruição, no todo ou
em parte. Este direito compreende direitos patrimoniais e direitos não patrimoniais.11
O domínio da Propriedade Intelectual em que podemos encontrar acolhimento para a
matéria discutida no presente trabalho é a Propriedade Industrial. É através do uso dos mecanismos
presentes na área da Propriedade Industrial que a nosso ver é possível encontrar soluções que nos
permitem enquadrar e regulamentar o acesso aos recursos vegetais.
Através da Patente12é possível encontrar protecção para os processos e produtos resultantes
da inovação humana na área dos recursos vegetais genéticos, o que, pela definição constante do
decreto nº 4/2006 de 12 de Abril, que aprovou o Código da Propriedade Industrial (CPI),
enquadramos no domínio da invenção ou seja, a ideia que permite encontrar na prática a solução de
um problema particular no domínio da técnica. A invenção pode ser um produto ou um processo, ou
pode ainda consistir, simultaneamente, num produto e num processo;13
Considera-se assim que através das patentes de invenção é possível patentear produtos e
também processos. Segundo o artigo 24 do CPI, uma invenção é patenteável se for nova, se implicar
uma actividade inventiva e se for susceptível de aplicação industrial, no caso em apreço pela
natureza do tema e tendo em conta os requisitos da patenteabilidade seria difícil abordarmos a
concessão de patente de invenção em virtude de os recursos genéticos das espécies vegetais não
satisfazerem um requisito incontornável, o da novidade. Porém, tendo em conta que a patente
também pode ser concedida a processos, consideramos que é através do patenteamento dos processos
utilizados pelas comunidades que podemos proteger os seus conhecimentos sobre os recursos
vegetais e assegurar que qualquer exploração tendo como objecto os mesmos recursos integre as
comunidades locais na partilha dos benefícios.
De salientar que com o presente trabalho não se pretende fazer uma abordagem da
Medicina Tradicional, no sentido de ciência oculta mas sim do aproveitamento de potencialidades
que determinados recursos vegetais oferecem por abundarem numa determinada zona e por estarem

10
Vide alínea a) do artigo n˚1 do Código de Propriedade Industrial.
11
Vide Glossário em anexo na lei nº 4/2001 de 27 de Fevereiro (Lei dos direitos de autor)
12
O título concedido para a protecção de uma invenção, segundo a alínea b) do artigo n˚1 do Código de Propriedade
Intelectual.
13
Definição constante no CPI, alínea c) do artigo nº˚1

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ligados ao aspecto cultural das populações. Embora ocorram numa região restrita, uma vez
aproveitados racionalmente o processo pode ser replicado para outras regiões do país.

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CAPÍTULO II

PROTECÇÃO DAS ESPÉCIES VEGETAIS À LUZ DA


LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL

1. Convenção sobre a diversidade biológica

A Convenção da Diversidade Biológica foi primeiro instrumento legal criado para assegurar
a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais. Este instrumento tem como principais
objectivos a conservação da diversidade do património genético e biológico, em seus habitats
naturais ou fora deles, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa
dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante o acesso adequado aos
recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os
direitos sobre tais recursos e tecnologias e mediante financiamento adequado.
Mais de 160 países assinaram o acordo, que entrou em vigor em Dezembro de 1993. O
impulso inicial para a criação da Convenção ocorreu em Junho de 1992, quando o Brasil organizou e
sediou uma Conferência das Nações Unidas, a Rio-9214, como ficou conhecida a conferência, que se
propunha a atingir os seguintes objectivos: elaborar 2 convenções, uma sobre a mudança climática e
outra sobre biodiversidade, promover um plano de acção, a agenda XXI, que incidisse sobre vastas
áreas desde a reciclagem de resíduos industriais ao tratamento de resíduos nucleares e, por último,
aprovar uma Declaração sobre os princípios, direitos e obrigações em matéria de ambiente e
desenvolvimento, posteriormente chamada Declaração do Rio.
À luz do artigo 8 alínea j) relativo à conservação in situ15, a CDB16 orienta os países parte a
“em conformidade com a sua legislação nacional, preservar, respeitar e manter o conhecimento,
inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais
relevantes à conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais
ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e
práticas; e encorajar a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse
conhecimento, inovações e práticas”. É uma das disposições que pode ser impulsionadora, a nível
14
Cfr. CONDESSO, Fernando dos Reis Direito do Ambiente, Coimbra, Livraria Almedina, Junho 2001, pág.226;
15
A conservação dos ecossistemas e dos habitates naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de
espécies no seu meio natural e, no caso das espécies domesticadas ou cultivadas, em meios onde tenham desenvolvido as
suas propriedades específicas
16
Convenção da Diversidade Biológica
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nacional, de uma mais ampla inclusão das comunidades locais na tomada de decisões sobre a gestão
dos recursos vegetais.
No nº1 do artigo 15 da convenção sobre a diversidade biológica, relativo ao acesso a
recursos genéticos, a CBD estatui que: “Em reconhecimento dos direitos soberanos dos estados
sobre seus recursos naturais, a autoridade para determinar o acesso a recursos genéticos pertence
aos governos nacionais e esta sujeita à legislação nacional”, num incentivo claro, a nosso ver, à
criação de legislação interna relativa à matéria de regulamentação do acesso aos recursos genéticos.
Apesar de ter ratificado este dispositivo em 24 de Agosto de 1994, Moçambique continua
até aos dias de hoje a ter resposta negativa aos quesitos relativos ao desenvolvimento de programas
de capacitação que envolvam as comunidades locais e outros intervenientes relevantes a participarem
efectivamente nos processos de regulamentação dos recursos genéticos. Tem igualmente tido um
desempenho negativo e quase nulo no apoio às comunidades locais na realização de estudos de
campo que determinem o estado, tendências e ameaças relacionadas com o conhecimento, inovações
e práticas das comunidades locais, como urge o artigo 8 da CDB.17
No tocante ao cumprimento das directrizes da CDB previstas no número 1 do artigo 19,
que estabelecem a necessidade de cada parte contratante adoptar medidas legislativas, admnistrativas
ou políticas, conforme o apropriado, para assegurar a participação efectiva nas actividades de
investigação em Biotecnologias das Partes contratantes, em especial os PVDs que forneçam os
recursos genéticos para tais investigações, Moçambique continua com um desempenho aquém do
previsto. Por um lado não tomou ainda medidas para promover a participação efectiva em
actividades de pesquisa biotecnológica e, por outro, não tomou medidas práticas para promover e
avançar com o acesso prioritário pelas partes na base justa e quitativa, aos resultados e benefícios
resultantes da biotecnologia baseados nos recursos genéticos fornecidos pelas partes, como prevê o
número 2 artigo supracitado.18Não tendo desde 1994 até aos dias actuais implementado tais medidas
práticas, o Estado moçambicano continua a alhear-se aos benefícios que podem advir de um
cumprimento dos planos traçados no cumprimento da CBD.

17
Terceiro Relatório Nacional sobre a Convenção Sobre Diversidade Biológica - pág 80
18
Ibidem - pág 106
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2. TRIPS/ADPIC (Acordo sobre os Aspectos do Direito de Propriedade


Intelectual)

Na legislação internacional o dispositivo responsável pela regulamentação desta matéria é o


19
TRIPS , ou seja, o Acordo sobre os aspectos do Direito de Propriedade Intelectual relacionados com
o comércio criado na Ronda de Uruguai em 1994 como um anexo do GATT20, o acordo geral sobre
pautas aduaneiras e comércio, dispositivo criado pela Organização Mundial de Comércio21, tendo
como fim principal o acréscimo da produção e troca de produtos nas relações comerciais entre os
estados membros.
É no anexo relativo aos acordos sobre propriedade intelectual que encontramos os articulados
que se debruçam sobre a matéria em análise neste trabalho. No relativo à patenteabilidade,
encontramos no artigo 27 do acordo sobre os aspectos do Direito de Propriedade Intelectual22 a
definição dos objectos patenteáveis, enquadrando-se os recursos genéticos constantes nas espécies
vegetais pela disposição “…podem ser obtidas patentes para quaisquer invenções, quer se trate de
produtos ou processos, em todos os domínios da tecnologia, desde que essas invenções sejam novas,
envolvam uma actividade inventiva e sejam susceptíveis de aplicação industrial.”
É esta disposição que torna possível o registo de patentes de recursos genéticos vegetais na
legislação internacional.
Na alínea b) do número 3 do artigo 27 é aberta a possibilidade de os países membros
excluírem da patenteabilidade as plantas mas é remetido este processo de exclusão ao uso de patentes
ou de um sistema sui generis eficaz por parte dos estados membros.
Esta disposição do artigo 27 faz com que o TRIPS não esteja em harmonia com as várias convenções
que versam sobre a matéria de Biodiversidade. Existe um conflito entre o Acordo sobre os aspectos
do Direito de Propriedade Intelectual (TRIPS) e a Convenção sobre a diversidade biológica (CBD):
O TRIPS ao requerer que certos materiais genéticos sejam patenteados ou protegidos por
direitos sui generis de espécies vegetais e não protegendo o patenteamento de outro material
genético, abre uma brecha para que entidades privadas se apropriem desses recursos genéticos de um

19
TRIPS Agreement on Trade Related Aspects on Intellectual Property Rights
20
GATT General Agreement on Tariffs and Trade, ou seja Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
21
Cfr. FRAGOSO, João Henrique da Rocha, Direito Autoral, Da Antiguidade à internet, Quarter Latin, São Paulo, 2009
pag. 108 –“ Este acordo, embora da OMC foi instituído como resultado do esforço de cooperação estabelecido entre a
OMPI e OMC...”
22
A que abreviadamente nos referiremos como TRIPS
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modo que não se coaduna com os direitos soberanos dos países sobre os recursos genéticos existentes
em seus territórios, como prevê a CBD.
O TRIPS abre a possibilidade de patenteamento e outras formas de protecção da propriedade
intelectual, que permitem uma exploração económica que não tem harmonização com as disposições
da CBD, que indicam a necessidade do respeito, manutenção e preservação do conhecimento
tradicional23 e a repartição equitativa dos benefícios resultantes da utilização desses conhecimentos,
como tivemos oportunidade de analisar no capítulo anterior.
É nosso entendimento que com esta disposição em vigor a nível do comércio mundial, os
interesses dos PVD`s encontram-se precariamente protegidos, visto que os estados com maiores
recursos económicos e científicos, através das suas empresas farmacêuticas, têm neste artigo 27
campo de actuação para materializar o seu interesse em recursos vegetais de outros países, e a
coberto da protecção do sistema de patenteamento em vigor podem se apoderar dos componentes
activos destes recursos vegetais. Esta será mais uma razão porque o Estado moçambicano deve
alinhar no grupo de países24 que contestam esta disposição e clamam para que a mesma seja revista,
de modo a proteger também os interesses dos PVD`s, que são actualmente os que detêm grande parte
das plantas medicinais.

3. O Protocolo de Cartagena Sobre a Bio-segurança

O Protocolo de Cartagena sobre Bio-segurança é o primeiro acordo firmado no âmbito da


25
Convenção Sobre a Diversidade Biológica e da Agenda 21 . Este protocolo foi ratificado por
Moçambique através da Resolução n°11/2001 de 20 de Dezembro.

23
São considerados conhecimentos tradicionais todos os elementos intangíveis associados à utilização comercial ou
industrial das variedades locais e restante material autóctone desenvolvido pelas populações locais, em colectividade ou
individualmente, de maneira não sistemática e que se insiram nas tradições culturais e espirituais dessas populações,
compreendendo, mas não se limitando a conhecimentos relativos a métodos, processos, produtos e denominações com
aplicação na agricultura, alimentação e actividades industriais em geral, incluindo o artesanato, o comércio e os serviços,
informalmente associados à utilização e preservação das variedades locais
24
Cfr. World Trade Organizationnational workshop on the TRIPS Agreement (Basic Documentation), Prepared by the
WTO Secretariat, Maputo, 5 August 2005 Pag. 11 capitulo IV, que enumera os paises que ja submeteram comunicaçoes a
Organização Mundial do Comercio propondo a revisão da alínea b) do artigo 27 do TRIPS, nesta lista encontramos, o
Brasil, Austrália, India, entre outros.
25
A Agenda 21 foi um dos principais resultados da conferência Eco-92, ocorrida no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992. É
um documento que estabeleceu a importância de cada país a se comprometer a refletir, global e localmente, sobre a forma
pela qual governos, empresas, organizações não-governamentais e todos os setores da sociedade poderiam cooperar no
estudo de soluções para os problemas sócio-ambientais. Cada país desenvolve a sua Agenda 21.
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O presente protocolo nasce das prerrogativas criadas pelos artigos 8 na sua alínea g), 17, 19 nos seus
números 3 e 4 da Convenção sobre a Biodiversidade, bem como da Decisão II/5 de 5 e 17 de
Novembro de 1995, da conferência das partes, a qual determina a elaboração de um protocolo sobre
Bio-seguranca, com enfoque especial para o movimento transfronteiriço de quaisquer organismos
vivos modificados resultantes da biotecnologia.
Este protocolo visa assegurar um nível adequado de protecção no campo da transferência, da
manipulação e do uso seguros dos organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia
moderna e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde
humana, decorrentes do movimento transfronteiriço.
Entendemos que o Protocolo de Cartagena, mesmo tendo um objecto diferente do
directamente tratado no nosso trabalho, ou seja incidindo sobre organismos geneticamente
modificados e não sobre material genético na sua forma original ainda sem a interferência da
biotecnologia, é relevante para o nosso estudo por demonstrar uma crescente influência da
biotecnologia como um factor de cooperação entre os países no mundo actualmente. Esta relevância
estende-se ainda pelo facto de muitas das prerrogativas criadas para regulamentar o movimento
transfronteiriço dos organismos vivos geneticamente modificados serem aplicáveis também para o
caso dos organismos vivos na sua forma natural.
Assim sendo, é nosso entendimento que, com as devidas adaptações, a situação da
movimentação dos organismos vivos não modificados, são relevantes também os princípios
estabelecidos por este protocolo no tocante à comunicação prévia entre as partes (importador e
exportador) que deveria anteceder qualquer movimento transfronteiriço de material genético vegetal,
como regulamentam os artigos: 6 relativo ao trânsito e uso em contenção; 7 aplicação do
procedimento de acordo prévio; 8 notificação e 9 acusação do recebimento de notificação. Estes
artigos estabelecem uma plataforma de comunicação entre as partes envolvidas neste processo de
movimento transfronteiriço, que torna possível o controlo sobre os organismos vivos modificados.
Fica, entretanto, a parte exportadora obrigada a notificar ou assegurar que o exportador notifique por
escrito a parte importadora do movimento transfronteiriço antes desta ter início. É também relevante
para o nosso estudo a abertura criada pelo artigo 14 no sentido do incetivo ao estebelecimento de
acordos bilaterais ou regionais entre os estados desde que não resultem num nível de segurança
inferior ao pretendido pelo presente protocolo.
Como afirmamos inicialmente, apesar do objecto do presente protocolo não incidir
directamente no objecto do nosso estudo, acreditamos que estas medidas que regulamentam os
Estados em matéria de movimento transfronteiriço podem ser aproveitadas, para que, com as devidas
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A PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS COM VALOR MEDICINAL EM MOÇAMBIQUE

ressalvas, dêem origem a plataformas de entendimento que podem resultar em legislação que poderá
orientar a relação entre Moçambique e outros Estados no tocante à divulgação de informação sobre
as intenções de importação de material genético vegetal nacional.

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CAPÍTULO III

PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS À LUZ DA LEGISLAÇÃO


NACIONAL

A Constituição da República de Moçambique de 2004 e actualmente em vigor, no Capítulo


V, relativo aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais faz menção à protecção estatal aos
direitos inerentes à propriedade intelectual nos termos do nº2 do artigo 94: “O estado protege os
direitos inerentes à propriedade intelectual, incluindo os direitos de autor, e promove a prática e a
difusão de letras e das artes.”
No contexto da legislação ordinária o Código Civil no artigo 1303 refere-se à propriedade
intelectual e estabelece um regime remissivo para a legislação especial, que no nosso ordenamento
jurídico é regulado pelo Código da Propriedade Industrial (CPI), aprovado pelo Decreto n° 4/2006 de
12 de Abril, que trata exclusivamente da matéria da propriedade industrial, e a lei nº 4/2001, de 27 de
Fevereiro, que regula os direitos de autor e direitos conexos.
A matéria da protecção dos recursos genéticos em Moçambique não está regulada no CPI,
não somente pela sua novidade mas, sobretudo, pela complexidade com que é tratada por
instrumentos jurídicos internacionais, que remetem para a protecção através de mecanismos sui
generis criados a nível interno.

Na Lei do Ambiente26 de 1 de Outubro encontramos um desenvolvimento na promoção da


necessidade de criação de legislação atinente à protecção do acesso a espécies vegetais com potencial
económico, no capítulo reservado às medidas especiais de protecção do ambiente, no artigo 12 da Lei
do Ambiente, encontramos a estatuição que expressa a necessidade por parte do governo da tomada
de medidas adequadas tendo em vista a protecção de exemplares botânicos que pelo seu potencial
genético ou valor científico o exijam. Esta disposição, a nosso ver, é mais uma indicação ao
legislador nacional da existência de uma lacuna que deve ser suprida na regulamentação do acesso
aos recursos genéticos que a nossa rica biodiversidade nos oferece.

26
Lei do ambiente nº˚ 20/97 de 1 de Outubro.

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O Governo moçambicano aprovou o Regulamento sobre o Acesso e Partilha de Benefícios


provenientes de Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado, em cumprimento das
disposições constantes nos artigos 11 (que versa sobre a protecção do património ambiental)27 e 12
(que se dedica à protecção da biodiversidade)28 da lei nº 20/97 de 1 de Outubro.
A criação deste Regulamento foi também a continuação natural das directrizes adoptadas
aquando da ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, através da
Resolução nº 2/94, de 24 de Agosto, que estabelece que o acesso e utilização de recursos genéticos e
conhecimento tradicional associado a estes, deve ser efectuado por forma a salvaguardar uma
partilha justa dos benefícios derivados deste processo.
Neste regulamento encontramos a definição do Ministro para a Coordenação da Acção
Ambiental como sendo a autoridade nacional em matéria de acesso e partilha de benefícios
provenientes de recursos genéticos. E na qualidade de autoridade nacional é também presidente do
grupo interinstitucional de Gestão de Recursos Genéticos, que é composto por representantes das
seguintes instituições:

a) Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental;


b) Ministério da Ciência e Tecnologia;
c) Ministério da Agricultura;
d) Ministério das Pescas;
e) Ministério da Saúde;
f) Ministério da Educação e Cultura;
g) Ministério do Turismo;
h) Ministério dos Recursos Minerais;
i) Ministério da Indústria e Comércio.

Encontramos neste regulamento a definição do seu objecto no nº1 do artigo 2, onde se


enuncia com o presente regulamento o estabelecimento de normas que visam regrar o acesso e
protecção de recursos genéticos, bem como a protecção do conhecimento tradicional associado aos
recursos genéticos. Nas alíneas b) e c) do nº2 do Artigo 2 enuncia ainda a pretensão de, através deste
27
O governo deve assegurar que o património ambiental, especialmente o histórico e cultural, seja objecto de medidas
permanentes de defesa e valorização, com o envolvimento adequado das comunidades, em particular as associações de
defesa do ambiente.
28
Mais especificamente na alínea b) do seu número 2: O governo deve assegurar que sejam tomadas medidas adequadas
com vista a: protecção especial de espécies vegetais ameaçadas de extinção ou de exemplares botânicos, isolados ou em
grupo que, pelo seu potencial genético, porte, idade, raridade, valor científico e cultural, o exijam.
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regulamento, regular o acesso ao conhecimento tradicional associado a recursos genéticos, que seja
relevante para a conservação da diversidade biológica, à integridade dos recursos naturais, a
utilização dos seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da
exploração de componentes dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional associado.
No seu papel como autoridade nacional em matéria de Acesso e Partilha de Benefícios
Provenientes de Recursos Genéticos, o Ministro para a Coordenação da Acção Ambiental tem, dentre
as suas funções, as tarefas descritas no número 1 do artigo 5, sendo de sublinhar:

a) Conceder autorização de acesso à amostra de componente de recursos genéticos existentes em


condições in-situ, no território nacional, na plataforma continental, no mar territorial ou na zona
económica exclusiva, e ao conhecimento tradicional associado;
b) Conceder autorização para remessa de amostras de componente de recursos genéticos e de
conhecimento tradicional associado para instituição nacional, pública ou privada, ou para instituição
sediada no exterior
c) Celebrar ou homologar os contratos de utilização dos recursos genéticos e de repartição de
benefícios, bem como dos termos de transferência de material;

No mesmo documento também encontramos as atribuições conferidas à autoridade


nacional de competência para criação, manutenção e divulgação de bases de dados para o registo de
informações sobre o conhecimento tradicional associado, conforme disposto na alínea b) número 2
do mesmo artigo 5.

O diploma em referência estabelece ainda no artigo 6 as competências do Grupo


Interinstitucional de Gestão de Recursos Genéticos, sendo de destacar:

a) Assessorar a autoridade nacional na tomada de decisões nos termos do presente regulamento;


b) Acompanhar a implementação dos termos de transferência de material e dos contratos de
utilização dos recursos genéticos e de repartição de benefícios celebrados ou homologados pela
autoridade nacional
c) Promover programas de divulgação e consciencialização pública sobre as questões relacionadas
ao acesso e partilha de benefícios sobre recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados a
nível nacional;

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d) Propor normas técnicas, critérios para as autorizações de acesso e de remessa, bem como
sobre as directrizes para elaboração do contrato de utilização dos recursos genéticos e de repartição
de benefícios e dos termos de transferência de material.
De salientar que no capítulo IV, que incide sobre a protecção do conhecimento tradicional
associado, encontramos medidas protectoras, sendo de destacar:

1. A proibição da utilização ou exploração ilícita e outras acções lesivas ou não autorizadas pela
autoridade nacional, do conhecimento tradicional das comunidades locais, associado aos recursos
genéticos.
2. O conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos de que trata este regulamento
integra o património histórico-cultural moçambicano e poderá ser objecto de cadastro.
3. A protecção, ora instituída, não deve afectar, prejudicar ou limitar direitos relativos à propriedade
intelectual.

1. Críticas

Na interpretação por nós feita ao dispositivo legal criado para regulamentar o acesso e
partilha de benefícios provenientes de Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado,
não encontramos indícios de que o legislador tenha avançado na definição dos mecanismos ao dispor
das comunidades locais para legitimar o seu conhecimento legalmente, o que faz com que o mesmo
se torne ineficaz, como comprova o facto de até hoje não haver nenhum registo da sua utilização por
parte das comunidades moçambicanas.
No capítulo IV encontramos as medidas protectoras ao conhecimento tradicional, e no
número 5 do artigo 14 a declaração de que a protecção, ora instituída, não deve afectar, prejudicar ou
limitar direitos relativos à propriedade intelectual. Esta declaração, a nosso ver, não define
claramente até que ponto as comunidades locais têm direitos e podem protegé-los legalmente sem
limitar os direitos relativos à propriedade intelectual de terceiros interessados.
Nos termos do n°1 do artigo 15 do Regulamento sobre o Acesso e Partilha de Benefícios
provenientes de Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado, que passamos a citar
―qualquer conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos poderá ser de titularidade da
comunidade, ainda que apenas um indivíduo, membro dessa comunidade, detenha esse
conhecimento.‖ Em nosso entender esta enunciação não faz a pormenorização dos mecanismos

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através aos quais a comunidade pode aceder a titularidade do conhecimento tradicional em termos
práticos, ou seja, é difícil apurar tal titularidade pese embora o regulamento disponha nesse sentido.
Outro problema identificado na análise do artigo 15 é o facto de a possibilidade de o conhecimento
de um indivíduo poder ser apropriado pela comunidade em que esta inserido pode significar uma
lesão do direito de propriedade do indivíduo inicialmente em posse do conhecimento, esta agressão
aos direitos individuais em beneficio comunitário pode, a nosso ver, configurar uma violação à
protecção constitucional nos termos do nº2 do artigo 94 da CRM29.
O capítulo VI do mesmo diploma legal estabelece as disposições relativas aos mecanismos
de partilha dos benefícios resultantes da exploração dos recursos genéticos, e em nenhum momento é
indicado o mecanismo que vai permitir à comunidade local provar que o seu conhecimento sobre o
aproveitamento de um dado recurso genético é anterior à exploração que deu início aos benefícios
em questão.

29
Cfr. Número 2 do Artigo 94 da CRM, que estatui, ―O estado protege os direitos inerentes à propriedade intelectual,
incluindo os direitos de autor, e promove a prática e a difusão de letras e das artes‖.

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CAPÍTULO IV

SUBSÍDIOS DO DIREITO COMPARADO

1. O caso do Brasil
Nos estudos do Direito Comparado a experiência brasileira no campo da protecção de
recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais é das mais relevantes, não só devido à riqueza
da diversidade biológica30, como também à similaridade deste ordenamento jurídico com o
moçambicano31 e do seu sucesso na criação de legislação específica para o acesso e exploração dos
recursos vegetais com potencial medicinal.
O Brasil possui a maior área contínua de floresta tropical do mundo, a Amazónia, entre 10% e 20%
das 1,5 milhões de espécies de seres vivos catalogadas, cerca de 55 mil espécies de plantas com
sementes, a maior diversidade de primatas, anfíbios, peixes de água doce e insectos e a terceira maior
de aves.
A implementação no Brasil da Convenção sobre a Diversidade Biológica, especialmente
da alínea j) do artigo 8 e no artigo 15, artigos que tratam respectivamente do conhecimento
tradicional e do acesso aos recursos genéticos e da repartição dos benefícios provenientes da sua
utilização, resultou na criação da Medida Provisória 2.186-16/01 que instituiu as regras para o acesso
e a remessa de componentes do património genético e o acesso a conhecimentos tradicionais
associados. Nesta norma o legislador brasileiro previu a criação de uma autoridade competente, o
Conselho de Gestão do Património Genético32 no âmbito do Ministério do Meio Ambiente que
iniciou as suas actividades em Abril de 2002.

30
O Instituto de Pesquisa Económica Aplicada estima o valor da biodiversidade brasileira em US$ 2 trilhões (quatro
PIBs nacionais brasileiros).
31
Tanto o Brasil como Moçambique pertencem à família Romano Germánica do Direito.
32
Vide competências no Anexo I
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A PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS COM VALOR MEDICINAL EM MOÇAMBIQUE

Ao entregar a gestão de todas estas questões a um órgão especializado, o Brasil mostra a


preocupação que a gestão das questões conexas ao aproveitamento, exploração e protecção das
espécies vegetais e dos seus recursos genéticos merece por parte do seu governo.
Devido à sua grande extensão territorial o Brasil possui no seu território estados federais,
todos subordinando-se à constituição e leis nacionais possuem alguma autonomia legislativa, e
dentro desta autonomia encontramos algumas iniciativas de realçar neste processo de protecção das
espécies vegetais, como o caso do Amapa. O Estado do Amapa, fazendo uso da sua prerrogativa
legislativa, criou a Lei nº 0388/97 que dispõe sobre os instrumentos de controlo do acesso à
biodiversidade do Estado e dá outras providências. Ao analisar as inovações desta lei que podem
servir a o nosso interesse, encontramos uma definição melhor enquadrada dos procedimentos legais
que devem regulamentar a actuação das possíveis partes interessadas em acessar o território nacional
para uma exploração. No terceiro capítulo desta lei, que se debruça sobre a matéria do acesso aos
recursos genéticos, encontramos no artigo sexto a definição clara do procedimento que deve orientar
o mesmo, obrigando a lei que os interessados cumpram os seguintes requisitos:
1. A apresentação de um requerimento em que estejam expressos a informação detalhada e
especificada para a pesquisa dos recursos a que deseja ter acesso, incluindo seus usos actuais e
potenciais, sua sustentabilidade e os riscos que possam decorrer do acesso;
2. A descrição circunstanciada dos métodos, técnicas, sistemas de coleta e instrumentos a serem
utilizados;
3. A localização precisa das áreeas de acesso ao recurso;
4. A indicação do destino do material colectado e seu provável uso posterior.
No artigo 7 encontramos a indicação da obrigatoriedade da indicação por entidade
competente de uma instituição moçambicana de reconhecido mérito técnico-cientifico na área em
questão e no paragrafo único do mesmo artigo a estatuição: – ―A instituição designada responde
solidariamente pelo cumprimento das obrigações assumidadas pela pessoa física ou jurídica
autorizada ao desenvolvimento dos trabalhos.‖
É nosso entender que nesta lei federal brasileira encontramos uma melhor definição de
questões relacionadas com o regulamento da actividade das instituições que podem vir a obter
permissões para acessar o nosso território para investigação de espécies vegetais com potencial
medicinal.

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A PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS COM VALOR MEDICINAL EM MOÇAMBIQUE

1.2. O caso de Portugal


O governo português, fazendo uso da prerrogativa de regulamentar o acesso aos seus
recursos genéticos e de promover a justa e equitativa partilha dos benefícios da sua utilização, como
incentiva a Convenção para a Diversidade Biológica e agindo de acordo com o Plano Global de
acção para a conservação e utilização sustentável dos recursos genéticos para a alimentação e
agricultura, adoptado pela Conferência Técnica Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais33,
através do Decreto-Lei nº 118/2002, estabeleceu o regime jurídico do registo, conservação,
salvaguarda legal e transferência de material vegetal autóctone.
Através deste diploma legislativo o legislador português protegeu a reprodução e utilização
comercial e industrial dos conhecimentos tradicionais no seu artigo nº 3, em que prevê esta protecção
desde que cumpram os seguintes requisitos:

a) Os conhecimentos tradicionais deverão ser identificados, descritos e registados no Registo de


Recursos Genéticos Vegetais (RRGV);

b) A descrição a que se refere a alínea anterior deverá ser feita de forma que terceiros possam
reproduzir ou utilizar os conhecimentos tradicionais e obter resultados idênticos aos obtidos pelo
titular dos conhecimentos.

Esta protecção conferida pelos conhecimentos tradicionais outorga aos respectivos titulares o direito
a, de acordo com o nº 4 do artigo 3:

a) Oporem-se à sua reprodução, imitação e ou utilização, directa ou indirecta, por terceiros não
autorizados, para fins comerciais;

b) Cederem, transferirem ou licenciarem os direitos sobre os conhecimentos tradicionais, incluindo a


sua transmissão por via sucessória;

33
Conferência realizada em Leipzig, em 1996, no âmbito da FAO, se refere, na alínea e) do seu parágrafo 203, que os
governos devem considerar medidas legislativas que permitam a distribuição e comercialização de variedades locais.

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Este diploma legislativo revela-se um mecanismo eficaz quanto ao acesso e partilha dos
benefícios de uma eventual exploração, pois a utilização destas plantas, partes destas pertencentes ao
seu material vegetal directamente ou através dos princípios activos nelas contidos, para fins
industriais ou biotecnológicos, é também sujeita a autorização prévia do CoTerGAPA34 e, se
necessário, do organismo competente do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território,
sempre com a audição do titular do registo, estando o acesso condicionado a uma partilha justa dos
benefícios resultantes dessa utilização, por acordo prévio com o titular do registo35.
Entendemos que a solução legislativa portuguesa para proteger os conhecimentos
tradicionais é eficaz por indicar especificamente os direitos que assistem às comunidades locais ou
aos detentores legítimos dos conhecimentos tradicionais após o registo dos mesmos, criando
vantagens específicas e claras que servem de incentivo à colaboração das comunidades no processo
de levantamento, discrição e registo dos conhecimentos tradicionais.

34
Conselho Técnico do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas para os Recursos Genéticos
Agrários, das Pescas e Aquicultura
35
Como prevê o nº˚4 do artigo 7 do Decreto-Lei nº 118/2002

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CAPÍTULO V

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Este exercício de análise e valoração da situação moçambicana no tocante à protecção de


espécies vegetais com valor medicinal permitiu-nos concluir que o Estado moçambicano está no bom
caminho para alcançar uma situação jurídica estável no que toca à protecção de espécies vegetais
com potencial medicinal, sendo de assinalar nesse sentido os esforços realizados a nível internacional
de modo a fazer parte das convenções e protocolos pertinentes, destacando-se a ratificação da
Convenção sobre a Diversidade Biológica e o Protocolo de Cartagena.
A nível interno concluímos haver indícios do início de uma produção legislativa que esperamos e
acreditamos venha colmatar as actuais lacunas existentes no nosso ordenamento jurídico,
destacando-se a iniciativa legislativa que culminou com a aprovação do Regulamento sobre o Acesso
e Partilha de Benefícios Provenientes de Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado.
Acreditamos, igualmente, ser nosso dever, nesta fase, fazer algumas recomendações ao legislador
moçambicano:
1. O legislador moçambicano tem neste momento o dever de tomar medidas tendo em vista
regulamentar melhor o acesso aos recursos genéticos que a sua biodiversidade oferece, dever este
que além de advir do seu papel de garante da soberania advêm também das obrigações que
resultaram da adesão à convenção sobre a biodiversidade. Existe um potencial económico enorme
que se encontra adormecido na biodiversidade do Estado moçambicano e só poderá ser aproveitado
com uma legislação criada tendo em vista protecção de invasão estrangeira.

2. Existe a necessidade de aperfeiçoar, através de uma revisão, o Regulamento sobre o Acesso e


Partilha de Benefícios Provenientes de Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado,
pois este, nos actuais moldes, revela-se ineficaz uma vez que a maior parte das comunidades locais

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detentoras do conhecimento sobre a potencialidade da nossa biodiversidade ainda não se encontra em


altura de fazer uso das aberturas criadas por este regulamento.

3. A inclusão no Regulamento sobre o Acesso e Partilha de Benefícios Provenientes de Recursos


Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado ou a criação de um outro regulamento que
possibilite, de uma forma prática, a concessão de patentes para proteger o conhecimento tradicional
em matéria de plantas medicinais, visto que os procedimentos para tornar elegíveis estes
conhecimentos à protecção pelo nosso código de propriedade industrial excluem a população das
zonas rurais, que não têm recursos e é em sua grande parte iletrada.

4. A incorporação no dispositivo legal criado para regulamentar o acesso e Partilha de Benefícios


Provenientes de Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado, da definição dos
mecanismos ao dispor das comunidades locais para legitimar o seu conhecimento legalmente,
abrindo espaço para que as comunidades possam ter um papel activo na protecção dos seus
conhecimentos tradicionais.

5. Para uma implementação mais eficaz dos dispositivos legais ja criados, deve haver uma maior
coordenação inter-institucional.

6. De modo a fazer crescer o nível de consciência ambiental no seio da população, consideramos


também pertinente a realização de seminários e a divulgação de informação relevante nos media.

No que diz respeito ao cenário internacional, achamos pertinente indicar algumas


recomendações, em função da análise aos principais dispositivos legais internacionais a que
Moçambique se encontra vinculado:

1. Moçambique tem que se posicionar no grupo de países em vias de desenvolvimento que têm
feito chegar aos órgãos pertinentes a nível internacional reclamações e propostas de revisões
no tocante à legislação internacional que regula o acesso ao material genético vegetal.

2. Moçambique deve fazer chegar o seu parecer à Organização Mundial de Comércio, para que
seja elaborada uma revisão do artigo 27 n.º 3 b) do TRIPS, de modo a obrigar a todos os
membros a tornarem as espécies vegetais e animais não patenteáveis.
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2.1 Excluir dos objectos patenteáveis invenções baseadas em conhecimentos tradicionais ou


indígenas.

2.2 Sejam incorporadas no TRIPS directrizes que orientem a não concessão de patentes que não
sejam harmoniosas com o disposto no artigo 15 da CBD.

2.3. De modo a facilitar o processo de monitorização e oposição/revogação de patentes por parte


dos países em vias de desenvolvimento e que não possuem os recursos necessários para
enfrentar esta dispendiosa empresa, sugerimos que Moçambique participe nos fóruns
internacionais manifestando a necessidade de obrigar aos proponentes das patentes que
revelem:

a) A origem de qualquer recurso genético usado em suas invenções;

b) Qualquer conhecimento tradicional usado em suas invenções;

c) Evidência de consentimento prévio da autoridade competente no país de origem do material


genético usado;

d) Evidência de justa e equitativa divisão dos benefícios obtidos.

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BIBLIOGRAFIA

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— Código de Propriedade Industrial, Decreto nº 4/2006 de 12 de Abril;

— Lei dos direitos do autor, nº 4/2001 de 27 de Fevereiro;

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— Decreto 19/2007 Regulamento sobre o Acesso e Partilha de Benefícios Provenientes de

Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado;

— Resolução nº 2/94, de 24 de Agosto. Ratifica a Convenção das Nações Unidas sobre a

Diversidade Biológica.

— Resolução nº 11/2001, de 17 de Dezembro. Ratifica o Protocolo de Cartagena sobre a

Bio-Segurança.

Legislação Internacional

— GATT, Secção III — Anexo 1C-Acordos Sobre Propriedade Intelectual (TRIPS)

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— Protocolo de Cartagena sobre Bio-seguranca da Convenção sobre Diversidade Biológica

— LEI Nº 0388/97 Dispõe sobre os instrumentos de controlo do acesso à biodiversidade do


Estado do Amapá, Brasil.

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conservação, salvaguarda legal e transferência do material vegetal autóctone de Portugal

— Medida provisória No 2.186-16, de 23 de Agosto de 2001, Brasil

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— http://www.wwf.org.mz/( 20/07/09)

ANEXOS

Anexo I – Competências do Conselho de Gestão do Património Genético

Este órgão, criado especialmente para gerir as questões conexas ao acesso a material genético com

potencial relevante científico e económico, tem como principais atribuições:

I — coordenar a implementação de políticas para a gestão do património genético;

II — estabelecer:

a) Normas técnicas;

b) Critérios para as autorizações de acesso e de remessa;

c) Directrizes para elaboração do Contrato de Utilização do Património Genético e de Repartição de

Benefícios;

d) Critérios para a criação de base de dados para o registo de informação sobre conhecimento

tradicional associado;

III — acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou mediante convénio com outras

instituições, as actividades de acesso e de remessa de amostra de componente do património genético

e de acesso a conhecimento tradicional associado;

IV — deliberar sobre:

a) Autorização de acesso e de remessa de amostra de componente do património genético, mediante

anuência prévia de seu titular;

b) Autorização de acesso a conhecimento tradicional associado, mediante anuência prévia de seu

titular;

c) Autorização especial de acesso e de remessa de amostra de componente do património genético à

instituição nacional, pública ou privada, que exerça actividade de pesquisa e desenvolvimento nas

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A PROTECÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS COM VALOR MEDICINAL EM MOÇAMBIQUE

áreas biológicas e afins, e à universidade nacional, pública ou privada, com prazo de duração de até

dois anos, renovável por iguais períodos, nos termos do regulamento;

d) Autorização especial de acesso a conhecimento tradicional associado à instituição nacional,

pública ou privada, que exerça actividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e

afins, e à universidade nacional, pública ou privada, com prazo de duração de até dois anos,

renovável por iguais períodos, nos termos do regulamento;

e) Credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento ou de instituição

pública federal de gestão para autorizar outra instituição nacional, pública ou privada, que exerça

actividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins:

1. Acessar amostra de componente do património genético e de conhecimento tradicional associado;

2. A remeter amostra de componente do património genético para instituição nacional, pública ou

privada, ou para instituição sedeada no exterior;

f) Credenciamento de instituição pública nacional para ser fiel depositária de amostra de componente

do património genético;

V — Dar anuência aos Contratos de Utilização do Património Genético e de Repartição de

Benefícios quanto ao atendimento dos requisitos previstos nesta Medida Provisória e no seu

regulamento;

VI — Promover debates e consultas públicas sobre os temas de que trata esta Medida Provisória;

VII — funcionar como instância superior de recurso em relação à decisão de instituição credenciada

e dos actos decorrentes da aplicação desta Medida Provisória;

Anexo II - Terrestrial Vegetation Assessment of the Quirimbas National Park pag. 105

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