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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE DIREITO
CURSO DE DIREITO

TIAGO TOCCHETTO

O DIREITO AO ESQUECIMENTO EM CONFLITO COM A MANTENÇA


INFORMATIVA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

LONDRINA
2018
2

TIAGO TOCCHETTO

O DIREITO AO ESQUECIMENTO EM CONFLITO COM A MANTENÇA


INFORMATIVA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

Artigo de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Mestre Junio Mangonaro

LONDRINA
2018
3

TIAGO TOCCHETTO

O DIREITO AO ESQUECIMENTO EM CONFLITO COM A MANTENÇA


INFORMATIVA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

Artigo de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________
Prof. Mestre Junio Mangonaro
Pontifícia Universidade Católica – Câmpus Londrina

_____________________________________
Prof. Mestre Patricia Eliane da Rosa Sardeto
Pontifícia Universidade Católica – Câmpus Londrina

_____________________________________
Prof. Mestre Marcos Horita
Pontifícia Universidade Católica – Câmpus Londrina

Londrina, __ de _______de 2018.


4

O DIREITO AO ESQUECIMENTO EM CONFLITO COM A MANTENÇA


INFORMATIVA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

THE RIGHT TO BE FORGOTTEN IN CONFLICT WITH THE MAINTENANCE OF


INFORMATION IN POSTMODERN SOCIETY

Autor: Tiago Tocchetto1


Orientador: Junio Mangonaro2

RESUMO

Ante a revolução socio-cultural advinda com o processo de globalização, a


incontrolada incidência tecnológica inserta na sociedade pós-moderna, desatrelada
dos limites concernentes a liberdade de informação trouxe a necessidade da
aplicabilidade de um novel instituto jurídico denominado por direito ao esquecimento,
capaz de garantir os direitos da personalidade. O enfoque do estudo esta centrado
em ilustrar os métodos de ponderação frente ao embate principiológico (direito à
privacidade versus direito à informação), bem como os critérios necessários para
incidência do objeto de estudo. Para concretização de tal resultado utilizar-se-á do
método dedutivo de pesquisa, partindo da análise de dois acórdãos proferidos pelo
STJ que circundam o tema selecionado, que, todavia, marcham em sentidos diversos,
ilustrando a necessária excepcionalidade no uso do direito ao esquecimento, evitando
assim a insegurança jurídica.

Palavras-chave: Esquecimento. Informação. Princípio. Colisão.

ABSTRACT

In face of the sociocultural revolution deriving of the globalization process, the


uncontrolled technology incidence inserted in the postmodern society, unbound of the
free information principle, brought the need to apply a new institute named as the right
to be forgotten, capable of guarantee the personality rights. The central focus in this
study is to show the balancing methods used to solve conflicts of principles (privacy
right versus right to information), and also the necessary criteria for the incidence of
the object of the study. To achieve these results the deductive search method will be
used, starting from the analysis of two judgements given by STJ, about the selected

_______________
1
Graduando do Curso Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
2
Professor Mestre de Direito Empresarial na Pontifícia Universidade Católica – Câmpus Londrina.
5

theme, however each one follows a different way. That’s why the right to be forgotten
needs be used excepcionally, avoiding legal uncertainty.

Key-words: Forgotten. Information. Principle. Collision.

1 INTRODUÇÃO

O direito ao esquecimento em frente à incessável veiculação de informações,


imanente a sociedade pós-moderna, ilustra a relevância do tema tendo em vista a
gigantesca revolução sócio-cultural trazida pela globalização que vem proporcionando
um evidente encurtamento, frise-se quase que sumiço, da distância espaço-temporal
entre ação e publicidade.
Neste prisma, diante do hodierno desprezo e reiterado rompimento para com
as fronteiras atinentes a liberdade de informação, perpetradas pela esfera midiática,
adjunto a hipervalorização do superficial e instantâneo, condicionado pela vultuosa
incidência tecnológica, ascendem inúmeros fatores que serão cautelosamente
analisados, por conta de versarem sobre direitos fundamentais atrelados a
privacidade e a dignidade da pessoa humana, os quais em caso de desacato pela
atividade midiática e pelos espaços cibernéticos, viabilizarão o emprego pelos
indivíduos prejudicados, deste novel instituto – assegurador dos direitos da
personalidade.
Entretanto, a ausência de especificidade legislativa no tocante a esta temática,
torna a condução do estudo dotada de maior grau de complexidade, exigindo desta
forma uma condução analítica que transpasse pelos seguintes pontos nevrálgicos: (I)
inafastabilidade da segurança jurídica ante a aplicação do direito ao esquecimento;
(II) critérios limítrofes para utilização do instituto; (III) técnica de ponderação a ser
utilizada pelo julgador encarregado dos casos singulares; (IV) impossibilidade de
vedação abusiva à liberdade de imprensa e informação; (V) delimitação conceitual de
interesse público e historicidade no campo de atuação do instituto garantidor
estudado.
Para congruente perpetuação do presente artigo científico, tomar-se-á por
partida uma análise criteriosa de dois julgados em que houve a avaliação da incidência
do direito ao esquecimento pelo Superior Tribunal de Justiça, contudo, tendo tais
decisões direções divergentes.
6

Primeiramente, voltar-se-ão os olhares para o REsp n° 1.334.097, em que um


dos coautores no episódio da chacina da candelária, muito tempo após sua absolvição
pelo Tribunal do Júri, deparou-se com a revelação de seu nome e imagem em
documentário veiculado pelo programa Linha Direta – Justiça, da emissora Globo
Comunicações e Participações Ltda, sem o consentimento do mesmo, de modo a
prejudicar sua vida profissional, familiar e privacidade.
Por seu turno, o segundo exame ocorre sobre o REsp n° 1.316.921, que
envolve a disponibilização, por parte do provedor de buscas GOOGLE Brasil Internet
Ltda, de antigas imagens ofensivas de Maria da Graça Xuxa Meneguel, encontradas
através do direcionamento a páginas da web específicas, que este motor de busca
permite, trazendo a pretensão da apresentadora na remoção das mesmas.

2 A SOCIEDADE PÓS-MODERNA E A ASCENSÃO DO DIREITO AO


ESQUECIMENTO

O Direito ao esquecimento é um instituto jurídico que emerge como


consequência direta das inovações concernentes à segunda metade do século
passado, logo se faz imprescindível conceituar e desbravar no que consiste a
denominada idade pós-moderna, a qual compreende o período posterior a Segunda
Guerra Mundial que até então continua a perdurar. Para tanto, tomar-se-á supedâneo
na definição de Zygmunt Bauman, que se remete a este lapso temporal sob análise
como “modernidade líquida”.
Vislumbra-se que tal momento histórico tem sua estruturação advinda em
grande parte do processo de globalização, onde há o encurtamento dos espaços por
conta da incidência dos avanços tecnológicos, segundo Bauman 3: “relação cambiante
entre espaço e tempo”. O que acabou por desencadear na hegemonia e massificação
da internet assim como na supervalorização informativa.
Há que se ressaltar que surgem outros desdobramentos oriundos desse inflado
progresso informático, que conforme Bauman afigura-se numa sociedade marcada
intensamente pela volatilidade, superficialidade, imediatismo, fluidez e consumismo.

_______________
3
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Jorge Zahar, 2001. p.173.
7

Impende traçar a reversão no binômio memória-esquecimento, que vem


ocorrendo nesta “era da instantaneidade”4, para tanto, nada melhor do que buscar
arrimo nas palavras de Consalter para esmiuçar este novel cenário caracterizado pela
memória estar se denotando a regra, ao passo que o esquecer tornou-se a exceção,
advindo da influência contundente das tecnologias de informações e espaços de
busca virtual, abordando esta inversão com as seguintes palavras:5

O fato é que a busca pelo não esquecimento sempre ocorreu. O homem


sempre tentou eternizar suas façanhas, os acontecimentos, enfim, o que lhe
convém. Desenhos, as pinturas, os livros, jornais, a fotografia... São todos
elementos que formam uma verdadeira memória externa. E as novas
tecnologias têm acentuado totalmente o panorama. Em razão delas,
ampliaram-se as informações que podem ser armazenadas, facilitou-se como
são lembradas e barateou-se seu custo.

Destarte, frente a este quase universal uso da esfera digital, sintetizado em um


massificado bombardeio de informações, se verifica um contínuo desrespeito, frise-
se: próximo de uma cegueira, para com os limites correlatos à liberdade de informação
por parte das plataformas midiáticas, que por inúmeras vezes acabam por entrar em
rota de conflito com direitos fundamentais atrelados a privacidade e a dignidade da
pessoa humana, art. 1°, inciso III da CF/886, situação na qual, preenchidos certos
requisitos, a seguir abordados, darão ensejo a recorribilidade, pelos indivíduos
lesados, para este instituto - objeto de estudo - garantidor dos direitos da
personalidade.
Logo, em consonância com o magistério de Boaventura de Sousa Santos,
inerradável se torna a flexibilização dos institutos jurídicos para que se adequem em
concordância com a constante mobilidade cultural, econômica e política da sociedade
em que estão vigendo7:

Ao longo dos últimos duzentos anos, os direitos humanos foram sendo


incorporados nas constituições e nas práticas jurídico-política de muitos
países e foram reconceptualizados como direitos de cidadania, diretamente
garantidos pelo Estado e aplicados coercitivamente pelos tribunais: direitos
cívicos, políticos, sociais, econômicos e culturais.
_______________
4
BAUMAN, Zygmunt. Op.cit., 2002, p.24.
5
CONSALTER, Zilda Mara. Direito ao Esquecimento: Proteção da Intimidade e Ambiente Virtual.
Curitiba: Jurua, 2017. p.175.
6
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vade mecum. São Paulo: Saraiva,
2018.
7
SANTOS, Boaventura de Sousa. Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento. Cortez,
2013. p.50.
8

Sob tal órbita, insta esclarecer que o direito de ser deixado em paz, que, repise-
se: envolve um nítido embate entre dois princípios de calibre constitucional, quais
sejam: o direito a intimidade, a honra e a imagem, consagrado no art. 5°, inciso X da
CF/888; e o direito de informação e liberdade de imprensa, previsto no art. 220 e nos
incisos IV, IX e XIV do art. 5° também entabulados no texto constitucional pátrio 9,
possui escassa previsão na legislação nacional, tendo como principal referencial o
Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do CJF/STJ10, que contém a seguinte
redação e consequente justificativa:

Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da


informação inclui o direito ao esquecimento.
Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação
vêm se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua
origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela
importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém
o direito de apagar fatos e reescrever a própria história, mas apenas assegura
a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais
especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

Portanto, como é cediço que os enunciados não detêm força cogente, cabe ao
magistrado utilizar-se da técnica de ponderação para solucionar a colisão entre os
princípios constitucionais alhures apontados e, por conseguinte, o litígio instaurado.
Dessa maneira, para melhor interpretação da temática ora abordada, deve ser
realizada uma pormenorizada análise caso a caso, o que far-se-á por meio do exame
de dois julgamentos em que há a apreciação do direito ao esquecimento pelo Superior
Tribunal de Justiça, porém, cada qual com decisões finais em sentidos diversos (REsp
n° 1.334.097 e REsp n° 1.316.921).
No que pese o instituto em comento ser uma solução bastante viável num
hodierno cenário de raríssimas saídas para aquele que deseja se furtar de voltar ao
passado constantemente, em razão da inexistência de pertinência ou pelo vexame e
angústia que determinados fatos pretéritos causam, aglutinado do fato da vida ser um
perdurável recomeçar que necessita por isto que várias de suas passagens terminem
para que outras comecem, deve, contudo, o direito ao esquecimento ter sua
_______________
8
BRASIL. op.cit., 2018.
9
Id.
10
BRASIL. Enunciados Aprovados na VI Jornada de Direito Civil, de 12 de mar. de 2015. VI Jornada
de Direito Civil. Brasília, DF, mar. 2013. Disponível em: <http:∕∕www.cjf.jus.br∕cjf∕CEJ-Coedi∕jornadas-
cej∕enunciados-vi-jornada∕view>.
9

aplicabilidade restrita em acordo com o preenchimento de certos critérios a seguir


aduzidos e delineados, com o fito de que se evite a insegurança jurídica.
Tomando das palavras de Sérgio Branco, que sumariamente conceitua o direito
de ser esquecido do seguinte modo11: “violação à privacidade por meio da publicação
de dados verídicos após lapso temporal capaz de causar dano a seu titular sem que
haja interesse público”, se torna viável, em conjuntura com a visão doutrinária e
jurisprudencial na seara ora debatida, traçar alguns critérios objetivos, que servem
como diretrizes ao magistrado encarregado da atividade de ponderação a ser dirimida
caso a caso.
Nesta esteira, impera principiar pelo elemento mais controverso, denominado
por interesse público, o qual para fins de incidência do direito de ser deixado em paz
deve estar ausente. Este pressuposto inerradável está atrelado à imprescindível
relevância das informações veiculadas pelos provedores de buscas e plataformas da
internet, ademais como bem preceitua Viviane Nóbrega Maldonado 12:

Neste ponto, é de relevo reafirmar que o interesse público não se confunde


com o interesse do público, este, no mais das vezes, entendido como aquele
que se exaure em aspectos de mera satisfação pessoal em termos de
curiosidade.

Neste diapasão, se faz mister comentar que o transcurso do tempo influi


contundentemente no interesse público, haja vista ser a contemporaneidade pedra de
toque nesta temática, na medida em que, certos fatos, através do passar do tempo
perdem sua importância para com a sociedade em seu direito de obter informações,
com exceção da existência de historicidade ou singularidade do fato, como também
da notoriedade do individuo envolvido.
No que tange ao critério da historicidade, que está intimamente atrelado ao
critério esboçado acima, importa suscitar que o mesmo deve inexistir para que se
possa recorrer ao instituto aqui destrinchado, em razão de que se evite uma
reescrituração da história. De maneira exemplificativa, remetendo ao afamado pedido
do último presidente da ditadura militar no Brasil, João Baptista de Oliveira
Figueiredo13: “Eu quero que a nação me esqueça”, se vislumbra que tal solicitação

_______________
11
BRANCO, Sérgio. Memória e Esquecimento na Internet. Arquipélago, 2017. p.179-180.
12
MALDONADO, Viviane Nóbrega. Direito ao Esquecimento. Barueri: Novo Século, 2017. p.115.
13
QUEM DISSE. Quem Disse. Disponível em: <https:∕∕www.quemdisse.com.br∕frase∕eu-quero-que-a-
nacao-me-esqueca∕57358∕>. Acesso em: 2 out. 2018.
10

não poderia ser atendida, pois faz parte da história do Brasil, diante disto o direito ao
esquecimento nesta situação cederia ante o prevalecimento do interesse público
correlato ao direito à informação.
Por fim, cumpre apontar a indispensabilidade das informações ou fatos
divulgados serem verídicos e pretéritos, posto que caso se esteja diante de uma
inveracidade, prontamente poderá o lesado, sem a necessidade de preenchimento de
qualquer outro requisito, requerer a retirada do conteúdo e reparação do dano se
porventura este existir. Sendo ainda pertinente, repisar que os dados, fatos ou
informações pessoais propagadas pelos meios midiáticos devem trazer prejuízos,
tristeza ou constrangimento ao seu titular.

3 TÉCNICA DE SOPESAMENTO ENTRE PRINCÍPIOS

Como já translucidado em linhas anteriores, o direito ao esquecimento pode ou


não ser aplicado nas situações concretas a partir de uma análise pormenorizada da
presença dos requisitos exigidos para sua utilidade, sendo esta tarefa de incumbência
do juiz, que deverá realizar um balanceamento no que atine a liberdade de informação
e o direito à intimidade, designando qual destes princípios de calibre constitucional,
que entram em rota de colisão deverá prevalecer em cada caso de acordo com suas
particularidades.
Todavia, antes de mergulhar no exame do funcionamento das técnicas de
ponderação, urge a primordialidade de tracejar a conceituação de princípio e
concomitantemente o distinguir das regras. Para tal escopo embasar-se-á na definição
dada por José Joaquim Gomes Canotilho, que assim aduz 14:

Para distinguir entre regras e princípios, há diversos critérios a serem


utilizados. Quanto ao grau de abstração, os princípios são normas com um
grau de abstração mais elevado, enquanto as regras têm sua abstração
reduzida. De maneira que, em razão dos princípios serem vagos e
indeterminados, necessitam de intervenções que os concretizem, já as
regras, diante de sua precisão, podem ser aplicadas diretamente. Os
princípios estabelecem padrões juridicamente vinculantes, estabelecidos em

_______________
14
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ed. São
Paulo: Almedina, 1998. p.1124.
11

função da justiça ou da própria ideia de direito; as regras podem ser normas


vinculativas com conteúdo apenas formal.

Nesta tríade, insta pontuar, de maneira amparada por Robert Alexy 15, a título
de estudo analítico de Ronald Dworkin, que tanto as regras quanto os princípios são
normas, contudo, estes possuem um grau de generalidade maior que aquelas.
Ainda neste sentido, se tem que os princípios, em contrariedade as regras, que
se enquadram na ideia do “all-or-nothing-fashion”16, mesmo tendo aplicabilidade ao
caso, não necessariamente determinam a decisão, mas, em verdade, apenas
proporcionam razões que marcham em favor de uma ou outra decisão. De outro giro,
no sistema tudo-ou-nada, aplicável às regras, ou a regra possui validade e, portanto
devem sobressair as consequências jurídicas, ou não é válida e logo não tem valia
alguma na decisão.
Isto posto, ao adentrar nos métodos de sopesamento entre princípios, verifica-
se que seguindo a teoria de Ronald Dworkin17, nominada por modelo de princípios,
que, assim como as regras, crucial se faz que os princípios determinem uma única
resposta correta ou verdadeira, sendo a que melhor se coadune com a constituição,
precedentes e regras de direito.
No entanto, clarividentemente, esta função a ser realizada pelo magistrado,
distancia-se, e muito, da trivialidade. Em vista disto, Dworkin, em semelhança com o
pensamento Weberiano18, no tocante aos tipos ideias, que consistem em parâmetros
utópicos que orientam a investigação e a ação do ator, traz à tona a concepção de um
juiz ideal, que nomeia por “Hércules”19.
Diante do engendramento acima, cabe ao juiz real aproximar-se ao máximo
das características inerentes a este ideal, quais sejam: agudeza, paciência, sabedoria
e habilidades sobre-humanas; para que desta forma possa efetuar com maestria a
atividade de balanceamento, indicando por derradeiro qual princípio prevalecerá,
consoante as peculiaridades de cada caso.

_______________
15
ALEXY, Robert. Sistema Jurídico, Princípios Jurídicos y Razón Práctica. San Sebastian. 1998.
p.140-141.
16
DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes. 2017.
17
ALEXY, Robert. Sistema Jurídico, Princípios Jurídicos y Razón Práctica. San Sebastian. 1998.
p.139.
18
WEBER, Max. A Objetividade do Conhecimento nas Ciências Sociais. São Paulo: Ática. 1999.
p.79-80.
19
ALEXY, Robert. op.cit., 1998, p.139-140.
12

Neste ponto, cumpre destacar que a dimensão de peso, assim intitulada por
Dworkin20, tem seu enfoque direcionado para colisão entre princípios, nesta
perspectiva, o valor decisório será concedido para o princípio que possua
relativamente maior peso, sem que para tanto o princípio que possua menor peso seja
invalidado por conta da prevalência do outro princípio constituinte do confronto.
Por seu turno, depreende-se como ponto nodal dentro da teoria alexiana 21,
alusiva ao embate de princípios ora examinado, a ordem débil, divergentemente da
ordem estrita, que se denota inconsistente, em virtude de ser impossível estabelecer
uma escala numérica e calculável para com os valores dos princípios a ponto de
conduzir precisamente em cada caso a um resultado.
Em contrapartida a primeira ordem alhures citada contém três elementos
norteadores que corroboram para com o juiz na atividade de ponderação, são eles:
um sistema de condições de prioridades, um sistema de estruturas de ponderação e
um sistema de prioridades “prima face”.
O primeiro elemento apresenta certa equivalência com o funcionamento de um
precedente jurisprudencial, tendo em vista que em conformidade com o magistério de
Alexy22: “No que pese o dever das colisões entre princípios serem resolvidas mediante
ponderação no caso concreto, não significa que a solução da colisão seja somente
significativa para este caso concreto”.
De outra banda, o segundo elemento versa sobre a Lei da Ponderação, a qual
sinteticamente se traduz na ideia de que quanto maior o grau de descabimento de
determinado princípio, maior deve ser a relevância do cabimento do outro. Nesse
contexto, insta salientar que o elemento em tela retrata nada mais que a
proporcionalidade em sentido estrito.
Como última pilastra fundante da ordem débil dos princípios, se encontram as
prioridades prima face, que, apesar de não conterem uma determinação definitiva,
criam certa ordem no campo principiológico. Em caráter exemplificativo, enquadrando-
se perfeitamente na órbita do direito ao esquecimento, Alexy faz alusão ao “caso
Lebach”23, pertinente a um julgamento do Tribunal Constitucional Federal Alemão, no
qual frente a um embate entre o princípio da proteção à personalidade e a liberdade

_______________
20
ALEXY, Robert. op.cit., 1998, p.141.
21
Ibid., p. 145-146.
22
Id.
23
Ibid., p.146-147.
13

de informação, prima face se prioriza a prevalência deste último princípio, contudo,


em virtude da ausência de interesse público no caso debruçado, maior peso se
conferiu ao princípio da proteção à personalidade.
Destrinchando melhor o “caso Lebach”, depreende-se que o termo se remete a
um vilarejo a oeste da República Federal da Alemanha, onde no ano de 1969
perpetrou-se o assassinato atroz de quatro soldados que protegiam um depósito de
munições. Dois dos envolvidos foram condenados a prisão perpétua, ao passo que
um terceiro, que auxiliou no preparo do ato criminoso, foi condenado a seis anos de
reclusão.
Passados quatro anos do episódio acima descrito, um canal alemão – ZDF
(Zweites Deutsches Fernsehen)24 – produziu um documentário que detalhava em
minúcias o acontecimento por completo, inclusive contendo os nomes e fotos de todos
os acusados. Todavia, a veiculação deste documentário ocorreria pouco tempo antes
da soltura do terceiro acusado, motivo pelo qual o levou a buscar uma medida liminar
no judiciário visando impedir a transmissão do mesmo, pois acarretaria em evidente
prejuízo a seu processo de ressocialização.
Diante desta demanda judicial objetivada, as instâncias ordinárias não a
deferiram, restando ao acusado uma reclamação constitucional interposta no Tribunal
Constitucional Federal Alemão. O TCF, ante esta colisão de princípios que de um lado
tem a proteção da personalidade e, de outro, o direito à informação, ponderou no
sentido de que, levando em consideração a dignidade humana, como centro do
sistema axiológico da Constituição e, tendo em vista a inexistência de interesse
público, que aliás não é mais atual, o direito de reintegração a sociedade do acusado,
inerente aos direitos da personalidade, deve prevalecer frente o direito à informação.
Destarte, o TCF ao harmonizar os direitos em conflito, tendo como norte o
princípio da proporcionalidade e da concordância prática, decidiu de modo que seria
possível a transmissão do documentário, com a condição de que não se divulgasse o
nome ou a imagem do acusado, haja vista os nítidos reflexos malevolentes que tal
conduta desmedida traria para com a ressocialização do autor da reclamação
constitucional.

_______________
24
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais: Do caso Lebach ao caso Google VS. Agencia
Espanhola de Proteção de Dados. 1°. 2015. Disponível em: <https:∕∕www.conjur.com.br∕2015-jun-
05∕direitos-fundamentais-lebach-google-vs-agencia-espanhola-protecao-dados-mario-gonzales>.
Acesso em: 7 out. 2018.
14

4 DIREITO AO RESGUARDO VERSUS LIBERDADE DE INFORMAÇÃO

Partindo da premissa de que a temática em voga inafasta-se de uma colisão


principiológica, substancial se faz dissecar os princípios colidentes em apreço. Diante
disso, principiando pelo direito de reserva esculpido no inciso X, do art. 5° da CF∕8825,
se constata que dentre os eventos históricos corroborantes com a evolução dos
direitos vinculados à privacidade são marcantes a elaboração da “Petition of Rights”26
em 1628 na Inglaterra, bem como o “Bill of Rights”27, também formulado pelo
parlamento britânico, que determinou ao príncipe Guilherme de Orange o acato a
diversos direitos civis, inclusive a privacidade dos indivíduos.
Em seguimento, impende mencionar os ganhos concernentes a inviolabilidade
de domicílio, advindos com a Quarta Emenda à Constituição Norte-americana28
datada de 1787, de modo quase que concomitante com o advento da Revolução
Francesa, que obteve inúmeras consecuções na seara privada.
Nesta trilha, não há que se olvidar da categorização do direito à privacidade na
Declaração Universal dos Direitos Humanos29 de 1948, mais especificamente em seu
artigo XII, que assim dispõe:

Artigo XII. Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua
família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e
reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências
ou ataques.

_______________
25
BRASIL. op.cit., 2018.
26
LAW. The Petition of Right 1628. Disponível
em:<https:∕∕www.law.gmu.edu∕assets∕files∕academics∕founders∕petitionofright.pdf >. Acesso em: 3 out.
2018.
27
BILL OF RIGHTS INSTITUTE. Educating Young People about Constitution. Disponível
em:<https:∕∕billofrightsinstitute.org∕wp-content∕uploads∕2011∕12∕BillofRights.pdf>. Acesso em: 3 out.
2018.
28
CONSALTER, Zilda Mara. op.cit., 2017. p.104.
29
ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. 217 [III] A, de 10 de dez. de 1948. Declaração Universal de
Direitos Humanos. Paris, dez. 1948. Disponível em:
<https:∕∕www.unicef.org∕brazil∕pt∕resources_10133.htm>.
15

No período entre guerras, vislumbra-se um hipotético ataque à privacidade de


Benito Mussolini e Claretta Pettaci, ocorrido por meio de um seriado (“Il Grande
Amore”), que revela a vida ín∕tima e os relacionamentos amorosos ocultos do ditador.
Perante tais fatos, a pretensão do líder italiano em vias judiciais, exibiu-se
contrastante nas decisões, que circundam a ideia do direito ao esquecimento,
concedidas pelos Tribunais de Roma e Milão, na medida em que o primeiro
fundamenta não haver afronta a sua intimidade devido à existência de interesse
público face as singularidades de pessoas públicas, ao passo que o segundo entende
que a despeito de se tratar de pessoa pública e haver historicidade, devem estes
sucumbir ante o direito ao resguardo.
Outros documentos de suma importância, dos quais se remetem ao direito à
privacidade e que o Brasil é signatário são o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos30, firmado em 1966, que abrange no artigo 17.1, o resguardo a ofensas no
âmbito da intimidade: “Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou
ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua
correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação”. Em termos
análogos infere-se a salvaguarda da intimidade no art. 11 do Pacto de São José da
Costa Rica31 de 1969.
Superada esta breve cronologia histórica, imperioso evocar a denominada
Teoria alemã das esferas32, também conhecida como Teoria dos Três Graus,
arquitetada por Henrich Henkel e regularmente utilizada pelo Tribunal Constitucional
Alemão e pelo Superior Tribunal Europeu de Direitos Humanos, constituída em três
vertentes.
A esfera mais ampla corresponde à vida privada, posicionada entre a vida
pública e a privacidade e, guarda relação com a convivência social em grupos
reservados, envolvendo costumes, religião, hobby, passíveis de delineamento pelo
próprio indivíduo. Importa ainda salientar que possui um caráter teleológico voltado
para proteção da privacidade e intimidade.
_______________
30
BRASIL. Decreto n° 592, de 06 de jul. de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Brasília, DF, jul. 1992. Disponível em:
<http:∕∕www.planalto.gov.br∕ccivil_03∕decreto∕1990-1994∕d0592.htm>.
31
BRASIL. Decreto n° 678, de 06 de nov. de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre
Direitos Humano (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília, DF,
nov. 1992. Disponível em:
<http:∕∕www.pge.sp.gov.br∕centrodeestudos∕bibliotecavirtual∕instrumentos∕sanjose.htm>.
32
CONSALTER, Zilda Mara. op.cit., 2017, p.127-133.
16

A segunda camada, localizada no nível intermediário das esferas, diz respeito


à privacidade, cumprindo aqui informar acerca da imprecisão corriqueira no uso
equivocado de expressões “sinônimas” ao direito de privacidade, como: direito a
intimidade, a vida privada, ao resguardo, que ocorre em virtude da fonética oriunda da
linguagem norte-americana “privacy” que na realidade se remete única e
exclusivamente a intimidade, que como se analisará a seguir, é muito mais restrita.
Retornando ao aclaramento atinente a segundo esfera, abstrai-se que esta
possui um aspecto mais reservado, que compreende o convívio doméstico e
particular, tendo por própria escolha do indivíduo a exclusão do conhecimento público,
envolvendo como exemplo: domicílio, correspondência, escritos pessoais, condição
patrimonial e salarial, estado de saúde e defeitos físicos.
A última esfera, sendo a camada mais profunda e marcada por caracterizar o
cerne e a essência de cada ser humano, designa-se por intimidade e configura-se por
ilustrar a vontade de estar apenas consigo mesmo, distante dos olhares ávidos dos
demais, caracterizando o direito de ser deixado só.
Contudo, deve ser dado destaque a certos fatores que ocasionam alterações
na Teoria elaborada por Henkel33, em especial a flexibilidade advinda do tratamento
ante o homem público – atores, esportistas, políticos, músicos- recaindo assim no
prevalecimento do interesse público frente à intimidade doméstica.
Destarte, visualiza-se a necessidade de redução no diâmetro da esfera da vida
privada destas celebridades, de tal forma que o espaço radial privado diminui de
maneira inversamente proporcional com o aumento do grau de sucesso e importância
no meio social e midiático. Evidenciando nesses casos a sobreposição do interesse
público em face à privacidade destes indivíduos célebres.
Do outro lado da balança, está estampada a liberdade de imprensa e
informação, lapidada no art. 220 da CF∕8834, assim como nos incisos IV, IX e XIV do
art. 5° deste mesmo diploma legiferante35. Nesta senda, se encontram nos dizeres de
Eurípedes36 (480-406 a.C), uma das primeiras manifestações históricas envolvendo
este princípio ora arrazoado: “A verdadeira liberdade ocorre quando homens nascidos
livres, tendo de aconselhar o público, podem falar livremente”.

_______________
33
CONSALTER, Zilda Mara. op.cit., 2017, p.132-133.
34
BRASIL. op.cit., 2018.
35
Id.
36
MALDONADO, Viviane Nóbrega. Direito ao Esquecimento. Barueri: Novo Século, 2017. p.41-42.
17

Ulteriormente, no ano de 1450, ocorre o principal marco tangente ao surgimento


da imprensa, através da Fábrica de Livros de Johannes Gutenberg37, por via da
impressão da Bíblia com cerca de 300 exemplares.
Desde já, faz se de relevo pontuar que a liberdade de imprensa constitui o
núcleo do direito de informação, posta como condição imprescindível para a
disseminação de uma diversidade de ideias e opiniões, tendo seu pleno exercício
concretizado mediante conduta negativa do Estado, abstendo-se de aplicar restrições
à mídia.
Entretanto, deve ficar translucidado o caráter exclusivo inerente a este
princípio, que segundo Viviane Nóbrega Maldonado38, consubstancia-se na seguinte
ideia: “a liberdade de imprensa constitui prerrogativa cometida unicamente aos meios
de comunicação, os quais, portanto, detêm, com exclusividade, a sua titularidade”.
Volvendo a trajetória histórica da liberdade de imprensa, não há como se
esquivar do notório retrocesso que a Lei n° 5.250 ∕ 67 (Lei de Imprensa) 39 trouxe
consigo ao ser editada no ano de 1967, período ditatorial, em que, o então presidente,
Castelo Branco, escopando combater a oposição ao regime vigente, restringiu
abruptamente a liberdade de expressão.
Somente em abril de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 40 n° 130, retirou este
supracitado óbice ao pleno exercício da liberdade de imprensa, declarando que a Lei
de Imprensa não se compatibiliza com a hodierna ordem constitucional. Grosso modo,
permite-se afirmar que no atual cenário legal nacional, o direito de imprensa se figura
expressamente garantido, resguardado da censura, com exceção de sua perpetração
por via do anonimato, a qual é vedada.
Abrangência muito maior possui a liberdade de informar, que vale reiterar, é
gênero do qual a liberdade de imprensa é espécie, como facilmente se extrai da
conceituação empregada por Maldonado41, que sustenta ser assegurado à
coletividade em geral o direito de informação, que se apresenta na liberdade de
informar e de ser informada quanto a tudo aquilo que lhe seja relevante.

_______________
37
MALDONADO, Viviane Nóbrega. op.cit., 2017, p.41
38
Ibid., p.46.
39
Ibid., p.48.
40
Ibid., p.49.
41
Ibid., p.66.
18

Esta última garantia posta acima, se correlaciona com a imprensa, que detém
o poder-dever no tocante as informações em geral, tendo em vista que a coletividade
possui o direito de ter e buscar informações.
No que cinge aos diplomas historicamente notáveis na esfera do direito de
informação, há que se sublinhar, coincidentemente, o décimo nono artigo tanto da
Declaração Universal dos Direitos Humanos42 (1948), quanto do Pacto Internacional
dos Direitos Políticos e Civis43 (1992), ambos assinados e ratificados pelo Brasil.
Levando em consideração a proximidade do texto contido nos dispositivos
supramencionados, opta-se por transcrever apenas o art. 19 da DUDH44:

Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui
a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e
transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de
fronteiras.

A aprovação pelo Congresso Nacional da Lei n° 12.527 ∕ 1145, Lei do Acesso à


Informação, irrefutavelmente é de igual modo um triunfo de ampla magnitude no
campo da liberdade de informação, tendo em conta que seus mecanismos
proporcionam a qualquer pessoa o acesso a informações públicas que estejam sob o
domínio dos órgãos de qualquer dos entes federativos, desnecessitando motivação
por parte do requerente.
Ademais, como já detalhado anteriormente, o direito ao esquecimento localiza-
se no extremo oposto ao direito à informação. Logo, ao realizar a atividade de
sopesamento, deve o juiz averiguar a existência de interesse público para que o
princípio em comento não ceda perante o instituto objeto deste artigo.

_______________
42
ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. 217 [III] A, de 10 de dez. de 1948. op.cit., 1948.
43
BRASIL. Decreto n° 592, de 06 de jul. de 1992. op.cit., 1992.
44
ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. 217 [III] A, de 10 de dez. de 1948. op.cit., 1948.
45
BRASIL, Lei n° 12.527, de 18 de nov. de 2011. Regula o acesso a informações no inciso XXXIII
do art. 5°, no inciso II do §3° do art. 37 e no §2° do art. 216 da Constituiçao Federal; altera a Lei
n° 8.112, de dezembro de 1990; revoga a Lei n° 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da
Lei n° 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF, nov. 2011. Disponível
em: <http:∕∕www.www.planalto.gob.br∕ccivil_03∕_Ato2011-2014∕2011∕Lei∕L12527.htm>.
19

5 RESP N° 1.334.097 – CHACINA DA CANDELÁRIA46

Com o propósito de melhor elucidar as tratativas em sede judiciária nacional


acerca da aplicabilidade do direito ao esquecimento, segue uma pormenorizada
análise de um dos poucos acórdãos proferidos pelo STJ nesta seara, mais
especificamente o Recurso Especial n° 1.334.097 – RJ (2012/0144910-7), interposto
pela Globo Comunicações e Participações S/A, tendo como recorrido Jurandir Gomes
da França, julgado pela 4° Turma do STJ em data de 28 de maio de 2013, com
relatoria do ministro Luis Felipe Salomão.
Absorve-se do relatório que o recorrido ajuizou ação de reparação de danos
morais contra recorrente, apontando em sua peça ovo que foi indiciado como coautor
do episódio que ficou conhecido como “Chacina da Candelária”, onde na data de
23∕07∕1993, na cidade do Rio de Janeiro – RJ foram perpetrados vários homicídios,
porém, no frigir dos ovos, submetido a júri, foi absolvido por unanimidade de votos em
razão de negativa de autoria.
Perante tais fatos, se depreende que tal situação, já superada pelo recorrido,
foi trazida a tona desnecessariamente, provocando consequências negativas à vida
do mesmo. Ressurgindo assim a imagem de chacinador e o ódio social da
comunidade em que reside de tal forma a ferir seu direito à privacidade.
Nesta toada, alega ainda que tal situação afetou diretamente sua vida
profissional, visto a dificuldade em encontrar emprego, havendo reflexo também em
seus familiares. Fatores todos que o levaram a abandonar as pressas sua
comunidade, para evitar sua morte por “justiceiros” e garantir a segurança de seus
familiares.
Distribuída a ação de indenização na 3 ° Vara Cível da Comarca da Capital –
RJ, este Juízo, ao ponderar o conflito existente entre o interesse público da notícia e
o direito ao esquecimento do então autor, optou por mitigar este último, julgando
improcedente o pedido indenizatório.

_______________
46
STJ, RECURSO ESPECIAL: REsp 1334097∕RJ. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. DJ:
28∕05∕2013. STJ, 2013. Disponível em: <https:∕∕www.conjur.com.br∕dl∕direito-esquecimento-acordao-
stj.pdf>. Acesso em: 11 jul.2018.
20

Em sede de apelação, a sentença restou reformada, com supedâneo no


princípio da dignidade da pessoa humana, art. 1°, inciso III, da CF∕8847, de modo que
diante de uma aparente colisão de princípios fundamentais (informação versus
intimidade), voltaram-se as atenções para a proteção da intimidade de pessoa não-
pública, haja vista a dispensabilidade dos dados divulgados pela recorrente à boa
qualidade jornalística de reportagem.
Os desembargadores, acrescentaram ainda que este retorno a fatos defasados
acabaram por atingir negativamente o âmbito da vida privada do recorrido, tendo em
vista não ser imprescindível para o interesse público a revelação do nome completo e
a imagem de pessoa neste trágico episódio. Podendo a recorrente ter se utilizado de
pseudônimo do recorrido sem que houvesse grande prejuízo à liberdade de
expressão.
Em linhas finais, pautando-se na ideia de que se o direito ao esquecimento se
aplica àqueles que já cumpriram a sanção de crime que de fato cometeram, não há
justificativa plausível para não incidência do mesmo em favor de inocentes. Desta
feita, em contrariedade a decisão da primeira instancia, negaram provimento ao
recurso, e reconheceram a existência de indenização para com Jurandir Gomes da
França.
Não contente com o teor do acórdão acima, a Globo Ltda interpôs recurso
especial, alegando para tanto, que em verdade, o direito de informar prevalece sobre
o direito ao esquecimento, por conta de que a menção ao recorrido é de enorme
importância para um traçado lógico da estória veiculada, pois os fatos noticiados já
eram públicos e bastante discutidos em meio social, já englobados pelo acervo
histórico do povo.
Ademais, sublinha acerca da incontestável presença de interesse público e,
enfatiza que a emissora se restringiu a narrar os fatos tais como ocorridos, em
momento algum tendo ofendido a pessoa do recorrido, além de ter esclarecido que
este foi inocentado, assim inexistindo invasão a privacidade do mesmo.
Quanto ao voto do ministro relator, este inicia sua fundamentação fazendo
alusão ao embate de valores antagônicos extraídos do caso, quais sejam: o interesse
de “querer ocultar-se” e o interesse de se “fazer revelar”. Sob tal prisma, assinala que

_______________
47
BRASIL. op.cit., 2018.
21

a Quarta Turma do STJ possui entendimento consolidado de que as publicações


jornalísticas devem observar as seguintes limitações para que não esbarrem em
ilicitudes:

(I) O compromisso ético com a informação verossímel; (II) a preservação dos


chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à
honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação
de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa.

Demonstrando o viés transnacional da matéria avaliada, o ministro relator Luis


Felipe Salomão, respaldado em diretrizes europeias, traz a baila os dizeres da vice-
presidente da comissão de justiça da União Européia, Viviane Reding que remete para
a necessidade das pessoas terem direito e não somente a possibilidade de retirar seu
consentimento ao processamento de dados, principalmente quando atinentes a
informações defasadas que podem atordoá-las para sempre, ocasionando entraves
até mesmo na vida profissional.
Por outro lado, se vislumbra como argumentos adversos a incidência do direito
ao esquecimento, a afirmação de que este afronta à liberdade de expressão e
imprensa e, que sua aplicação viabilizaria o desaparecimento de registros sobre
crimes e criminosos perversos, que entraram para a história social, política e judiciária,
portanto informações de incontestável interesse público.
No tocante ao cenário da liberdade de imprensa e da atividade jornalística, vale
frisar que após muitos anos de reprimenda de suas funções em território brasileiro,
felizmente neste século conquistou seu encontro à democracia como um direito
fundamental a ser assegurado, com fulcro no art. 5°, inciso IX da CF∕8848.
Contudo, esta mesma diretriz constitucional não pode ultrapassar, em sua
atuação, certos limites e princípios, estando estes últimos também entabulados no
texto máximo49, em seus arts. 220, §1° e 221, IV, que remetem respectivamente a
inviolabilidade da vida privada, honra e imagem das pessoas e ao respeito aos valores
éticos e sociais da pessoa e da família.

_______________
48
BRASIL. op.cit., 2018.
49
Id.
22

Sem esquivar-se do princípio da dignidade da pessoa humana, o relator reitera


sua prevalência sobre a liberdade de informação neste contexto, exibindo o albergue
daquele também na legislação infraconstitucional, nos arts. 20 e 21 do CC∕0250:

Art. 20: Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça


ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão
da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais
Art. 21: A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento
do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer
cessar ato contrário a esta norma.

Em atenção deste tipo de exploração populista feita pela mídia, mesmo que
tardio, o direito ao esquecimento mostra-se como um corretivo, que ao menos atenua
as vicissitudes do passado. Somado a isto, não se pode olvidar que muitas vezes o
prevalecimento do interesse público sobre a privacidade dos envolvidos acaba por
confrontar diretamente o texto constitucional, como se transparece no art. 5°, LX da
CF∕8851: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa
da intimidade ou interesse social exigirem”.
Em mais uma lição exemplificativa da incidência do direito de ser deixado em
paz, desta vez na esfera consumerista, o ministro relator Luis Felipe Salomão faz
referência ao art. 43, §1° do CDC52 que tem lapidado o prazo máximo de cinco anos
para que constem em bancos de dados, informações negativas acerca de
inadimplência, que conforme arrazoa o relator:

(...) paga ou não a dívida que ensejou a negativação, escoado esse prazo, a
opção legislativa pendeu para a proteção da pessoa do consumidor – que
deve ser esquecida – em detrimento dos interesses do mercado, quanto da
ciência de que determinada pessoa, um dia, foi um mau pagador.

Por derradeiro, se opondo a eternização de informações obsoletas e,


confirmando no caso sob análise a prevalência do direito ao esquecimento, tendo em
vista a prescindibilidade da veiculação do nome e informações do recorrido para com
o interesse público, busca-se a restauração da convivência pacífica do recorrido com

_______________
50
BRASIL. Código Civil de 2002. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2018.
51
BRASIL. op.cit., 2018.
52
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor de 1990. Vade mecum. São Paulo. Saraiva, 2018.
23

a sociedade, que foi interrompida por extrapolados atos da recorrente no que tange
aos limites da liberdade de imprensa inobservados pela mesma.
Neste ponto, cumpre ainda informar que o recorrido não teve reforçada sua
imagem de inocentado, mas sim de indiciado. Destarte, decidiu-se pela manutenção
do acórdão hostilizado, merecendo destaque, por fim, parcela da fundamentação do
Desembargador Marcos Alcino de Azevedo, que assim pontuou:

(...) se houvesse sido atendido o clamor do ora embargado, também nessa


hipótese o distinto público não estaria menos bem informado sobre a Chacina
da Candelária, apenas e tão somente por ignorar o nome completo e a
imagem de alguém que, acusado há mais de década da prática de crime
hediondo, foi absolvido à unanimidade pelo Tribunal do Júri. Não seria leviano
supor que o nome e a imagem do autor só foram memorizadas por pessoas
de seu círculo de convivência, pois a enorme maioria dos telespectadores,
minutos depois da exibição do programa, sequer lembrariam seu primeiro
nome. Daí que, num juízo de ponderação, nos pareça forçoso concluir que a
omissão do nome e imagem do autor em nada comprometeria a qualidade
jornalística; mas, por outro lado, a sua publicação repercutiu, severamente,
no âmbito da vida privada do ora embargado.

De igual modo, seguiram o voto do ministro relator Luis Felipe Salomão, os


ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Galotti, Antonio Carlos Ferreira e Marcos
Buzzi, negando provimento ao Recurso Especial em tela e mantendo a condenação
imposta nas instâncias ordinárias.

6 RESP N° 1.316.921 – XUXA MENEGUEL53 X CASO MARIO COSTEJA


GONZALES54

O segundo julgado a ser apreciado no presente artigo, se trata de Recurso


Especial, com data do julgamento em 26 de julho de 2012, no qual tem como
recorrente a GOOGLE Brasil Internet Ltda e recorrida Maria da Graça Xuxa Meneguel.

_______________
53
STJ, RECURSO ESPECIAL: REsp1316921∕RJ. Relator: Ministra Nancy Andrigui. DJ: 26∕07∕2012.
STJ, 2012. Disponível em: <https:∕∕stj.jusbrasil.com.br∕jurisprudencia∕22026857∕recurso-especial-resp-
1316921-rj-2011-0307909-6-stj∕inteiro-teor-22026859?ref=juris-tabs>. Acesso em: 16 jul.2018.
54
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA, C-13∕12. DJ: 13∕05∕2014. TJUE, 2014. Disponível
em: <https:∕∕www.conjur.com.br∕dl∕tj-ue-google-direito-esquecimento.pdf>. Acesso em: 16 jul.2018.
24

Iniciando o relatório, a eminente ministra relatora Nancy Andrigui faz alusão a


Ação Ordinária Inominada ajuizada pela recorrida, movida contra a recorrente, tendo
o intuito de compelir a remoção do site de pesquisas – GOOGLE SEARCH – os
resultados advindos da busca pela expressão “Xuxa Pedófila”, ou a exclusão de todo
conteúdo que associe o nome da então autora a alguma prática que possua tipificação
penal.
Através de decisão interlocutória o juiz da primeira instância deferiu o pedido
supracitado em caráter liminar, determinando a parte adversa a não disponibilização
no provedor de buscas GOOGLE, de quaisquer resultados que contenham os
seguintes critérios de pesquisa: “Xuxa Meneguel”, “Xuxa”, “Xuxa Pedófila”, ou
qualquer grafia similar a estas, no prazo de 48 horas, com previsão de multa
cominatória de R$ 20.0000,00 em virtude de cada resultado positivo disponibilizado
pela plataforma.
Diante da decisão acima, sobreveio agravo de instrumento, no qual o TJ ∕ RJ
concedeu parcial provimento, em sentido da restrição da liminar antes proferida,
entendendo não haver responsabilização jurídica da agravante, por conta da
veiculação das imagens da agravada, entretanto conclui que pode ser passível de
determinação judicial cautelar visando sua cessação. Em seguimento processual,
adveio a interposição de Recurso Especial pela GOOGLE, o qual o acórdão se passa
a analisar.
Em contrapartida da decisão supracitada, a GOOGLE fundamenta a
impossibilidade da realização da obrigação de fazer imposta, que deve ser revogada,
pois: “Não é possível exigir que a GOOGLE realize o monitoramento de todo o
conteúdo indiciado como resultado em sua ferramenta de busca a fim de se verificar
se as imagens ali indicadas são ou não referentes e ofensivas à recorrida”.
Não restam dúvidas acerca da atualidade do embate em questão ante o relevo
dos sites de pesquisa virtual, que assim como facilitam os usuários a encontrarem
páginas específicas, também abrem margem para a localização de páginas que
contenham conteúdos ilícitos diante do anonimato possibilitado pelo ambiente virtual.
Dentro do campo da responsabilização, seguindo os dizeres de Rui Stocco, a
ministra relatora, tendo em vista a dificuldade na definição de critérios que viabilizem
o veto ou descarte de certa página, por parte dos motores de busca, sem que isto
desencadeie numa insegurança jurídica oriunda desta discricionariedade cedida aos
25

provedores, decidiu pelo afastamento do § único do art. 927 do CC∕02 55, delimitando
o ideário de risco inserto nestas atividades, com os seguintes dizeres: “Transpondo a
regra para o universo virtual, não se pode considerar o dano moral um risco inerente
à atividade dos provedores de pesquisa”.
No que atine a responsabilização da GOOGLE, em decorrência da cessação
de veiculação das imagens da recorrida em cada página da web, Andrigui também
afasta esta decisão contida no acórdão do TJ∕RJ, assinalando que não obstante o
avançado estágio da inteligência artificial, é incogitável delegar aos computadores a
capacidade de desenvolver raciocínio subjetivo – equivalentes ao do ser pensante –
que possibilitem delinear a caracterização ou não de conteúdo ilícito ou nocivo a
determinados indivíduos.
Somado a isto, a preclara relatora traz como principais motivos da inviabilidade
da imposição de restrições aos provedores de busca: a ineficácia da designação de
termos específicos a serem impedidos de viabilizar o acesso a página que tenha o
conteúdo objeto do litígio, haja vista ser possível alcançar esta mesma página da web
através do uso de termos semelhantes; a ineficiência desta restrição acerca de
provedores de pesquisa de outros países e; o entrave ao direito de informação, por
conta de inviabilizar o acesso a notícias e reportagens ligadas ao termos em que recai
a restrição, trazendo óbice ao interesse público.
Com arrimo nos argumentos acima pontuados, a relatora, ante o sopesamento
dos princípios em confronto (direito de informação e direito à privacidade), rumou sua
decisão para o prevalecimento do princípio do direito de informação, consagrado no §
1° do art. 220 da CF∕8856, inclusive apontando ser desnecessária a exclusão das
imagens disponibilizadas nas páginas do provedor de pesquisa, que, frise-se: sua
grande maioria possui baixo potencial ofensivo.
Neste vértice, a eminente ministra, com sustentáculo no ideário de Newton de
Lucca, que trata da imprescindível excepcionalidade na aplicação de medidas
rigorosas no controle de conteúdos na rede mundial de computadores, explicita que,
via de regra, os provedores de pesquisa:

(I) Não respondem pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por
seus usuários; (II) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do
_______________
55
BRASIL. Código Civil de 2002. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2018.
56
BRASIL. op.cit., 2018.
26

conteúdo dos resultados das buscas feitas por cada usuário; e (III) não podem
ser obrigados a abandonar do seu sistema os resultados derivados da busca
de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem
para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL
da página onde este estiver inserido.

Por fim, diante deste conjunto motivacional jurídico aduzido, a relatora Nancy
Andrigui, em sentido oposto ao seguido pelo TJ∕RJ, concedeu provimento ao recurso
especial sob exame, cassando deste modo a decisão que antecipou os efeitos da
tutela. Seguindo os termos do voto da relatora, os demais ministros componentes da
Terceira Turma do STJ, por unanimidade deram provimento ao recurso especial
interposto.
Todavia, de maneira adversa a decisão trazida no acórdão do REsp n°
1.316.921, recém esmiuçado, posicionou-se o Tribunal de Justiça da União Européia,
em um caso de extrema similaridade com este exposto. Nesta situação, se está
defronte de informações defasadas, relativas a um aviso de leilão de propriedade de
um advogado espanhol por motivos de débitos com a Seguridade Social, neste
momento já adimplidos, que datam de 1998, disponibilizadas pela GOOGLE Spain
SL.
Após uma série de tentativas infrutíferas de conciliação extrajudiciais e até
mesmo judiciais, em razão do inconformismo de Mario Costeja Gonzales para com
estas antigas informações dispostas pela GOOGLE espanhola, em sua plataforma de
busca, a desavença chegou ao crivo do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Em data de 13 de maio de 2014, seguindo fielmente a Diretiva 95∕46∕CE 57 do
Parlamento Europeu, atinente à proteção das pessoas singulares no que diz respeito
ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação destes dados, o TJ da União
Européia adotou postura condizente com o direito ao esquecimento, isto é, efetuado
o balanceamento principiológico, se definiu pelo prevalecimento do direito a
privacidade, implicando na determinação da GOOGLE Spain remover de suas
páginas a obsoleta informação do interessado, por não possuir a faculdade de publicar
informações inexatas e descomedidas.

_______________
57
WIPO, European Union (EU) Directiva 95∕46∕CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24
de Outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao
tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados. Disponível em:
<http:∕∕www.wipo.int∕wipolex∕en∕text.jsp?file_id=474189>. Acesso em: 20 mai.2018.
27

O grande entrave que esse paradigmático caso traz, como bem pontua Sérgio
Branco58, gira em torno da insegurança jurídica desencadeada frente à dificuldade,
quiçá impossibilidade, em exigir das empresas privadas, habilitação para distinguir,
face a bilhões de solicitações e requerimentos de usuários, quais transgridem ou não
direitos inerentes a personalidade, inobstante o evoluído estágio tecnológico
vivenciado no presente momento.
De modo a simplificar a assimilação que a descuidada aplicação do direito ao
esquecimento pode ocasionar, basta deitar os olhos sobre o relatório de transparência
da GOOGLE59, publicado em 28 de fevereiro do ano corrente, onde se verifica a
exorbitante quantidade de 2,4 bilhões de pedidos, respaldados no direito de ser
deixado em paz, visando à exclusão de conteúdos de suas páginas.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante todo o exposto, se torna possível concluir que: (I) As agigantadas


alterações no seio socio-cultural oriundas da globalização acabam por tracejar um
novo cenário no que cinge ao binômio memória-esquecimento, isto, muito por conta
da contundente incidência dos veículos de mídia, corroboradas pelo atuar dos
cidadãos como difusores e emissores da informação, onde o lembrar tornou-se agora
a regra, haja vista a facilidade e o barateamento da mantença informativa, fomentada
pela superficialidade que a sociedade da exposição traz a tona.
(II) Este clarividente desprezo pelos limites tangentes a liberdade de
informação, em conjuntura com o constante rompimento das fronteiras estabelecidas
pelo direito à privacidade, intrínseco a dignidade da pessoa humana, torna
inescapável a recorribilidade a um instituto que tutele os direitos da personalidade,
neste contexto nominado por direito ao esquecimento.

_______________
58
CONJUR, Liberdade de Expressão, “Direito ao esquecimento deve ser aplicado de maneira
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(III) Entretanto, sua utilização não pode ocorrer de maneira ampla, tendo em
vista os riscos que seu uso desmedido e descuidado traz à liberdade de expressão,
assim como a ameaça da história ser reescrita.
(IV) Exemplificativamente se pode averiguar essa drástica insegurança jurídica
emergir do precedente mundial perpetrado através da condenação da GOOGLE Spain
para remoção de dados obsoletos de um cidadão espanhol nas páginas da web que
esse motor de busca direcionava, pois com uma simples consulta à página de relatório
de transparência da GOOGLE, defrontar-se-á com um colossal número de 2,4 bilhões
de solicitações de usuários visando a remoção de conteúdos de suas páginas,
consubstanciados no emblemático caso paradigma acima citado.
(IV) O direito ao esquecimento deve ser usado de maneira excepcional, sendo
imprescindível o preenchimento dos seguintes critérios ensejadores de sua incidência:
violação à privacidade, oriunda da publicação de dados verídicos e defasados,
capazes de trazer prejuízos a seu titular, ante a ausência de interesse público.
(V) Importa salientar que os critérios supracitados devem ser verificados pelo
magistrado caso a caso, sem que se distancie da atividade de sopesamento para que
conclua ou não pela prevalência do direito à privacidade e, por conseguinte a
aplicabilidade do direito ao esquecimento, frente ao direito à informação.
29

REFERÊNCIAS

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