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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE DIREITO
CURSO DE DIREITO

TIAGO TOCCHETTO

O DIREITO AO ESQUECIMENTO EM CONFLITO COM A MANTENÇA


INFORMATIVA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

LONDRINA
2018
2

TIAGO TOCCHETTO

O DIREITO AO ESQUECIMENTO EM CONFLITO COM A MANTENÇA


INFORMATIVA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

Artigo de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Direito da
Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, como requisito parcial à obtenção
do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Mestre Junio Mangonaro

LONDRINA
2018
3

TIAGO TOCCHETTO

O DIREITO AO ESQUECIMENTO EM CONFLITO COM A MANTENÇA


INFORMATIVA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

Artigo de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Direito da
Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, como requisito parcial à obtenção
do título de Bacharel em Direito.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________
Prof. Mestre Junio Mangonaro
Pontifícia Universidade Católica – Câmpus Londrina

_____________________________________
Prof. Mestre Patricia Eliane da Rosa Sardeto
Pontifícia Universidade Católica – Câmpus Londrina

_____________________________________
Prof. Mestre Marcos Horita
Pontifícia Universidade Católica – Câmpus Londrina

Londrina, __ de _______de 2018.


4

O DIREITO AO ESQUECIMENTO EM CONFLITO COM A MANTENÇA


INFORMATIVA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

THE RIGHT TO BE FORGOTTEN IN CONFLICT WITH THE MAINTENANCE OF


INFORMATION IN POSTMODERN SOCIETY

Autor: Tiago Tocchetto1


Orientador: Junio Mangonaro2

RESUMO

Ante a revolução socio-cultural advinda com o processo de globalização, a


incontrolada incidência tecnológica inserta na sociedade pós-moderna, desatrelada
dos limites concernentes a liberdade de informação trouxe a necessidade da
aplicabilidade de um novel instituto jurídico denominado por direito ao esquecimento,
capaz de garantir os direitos da personalidade. O enfoque do estudo esta centrado
em ilustrar os métodos de ponderação frente ao embate principiológico (direito à
privacidade versus direito à informação), bem como os critérios necessários para
incidência do objeto de estudo. Para concretização de tal resultado utilizar-se-á do
método dedutivo de pesquisa, partindo da análise de dois acórdãos proferidos pelo
STJ que circundam o tema selecionado, que, todavia, marcham em sentidos
diversos, ilustrando a necessária excepcionalidade no uso do direito ao
esquecimento, evitando assim a insegurança jurídica.

Palavras-chave: Esquecimento. Informação. Princípio. Colisão.

ABSTRACT

In face of the sociocultural revolution deriving of the globalization process, the


uncontrolled technology incidence inserted in the postmodern society, unbound of
the free information principle, brought the need to apply a new institute named as the
right to be forgotten, capable of guarantee the personality rights. The central focus in
this study is to show the balancing methods used to solve conflicts of principles
(privacy right versus right to information), and also the necessary criteria for the
incidence of the object of the study. To achieve these results the deductive search
method will be used, starting from the analysis of two judgements given by STJ,
about the selected theme, however each one follows a different way. That’s why the
right to be forgotten needs be used excepcionally, avoiding legal uncertainty.

1
Graduando do Curso Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
2
Professor Mestre de Direito Empresarial na Pontifícia Universidade Católica – Câmpus Londrina.
5

Key-words: Forgotten. Information. Principle. Collision.

1 INTRODUÇÃO

O direito ao esquecimento em frente à incessável veiculação de informações,


imanente a sociedade pós-moderna, ilustra a relevância do tema tendo em vista a
gigantesca revolução sócio-cultural trazida pela globalização que vem
proporcionando um evidente encurtamento, frise-se quase que sumiço, da distância
espaço-temporal entre ação e publicidade.
Neste prisma, diante do hodierno desprezo e reiterado rompimento para com
as fronteiras atinentes a liberdade de informação, perpetradas pela esfera midiática,
adjunto a hipervalorização do superficial e instantâneo, condicionado pela vultuosa
incidência tecnológica, ascendem inúmeros fatores que serão cautelosamente
analisados, por conta de versarem sobre direitos fundamentais atrelados a
privacidade e a dignidade da pessoa humana, os quais em caso de desacato pela
atividade midiática e pelos espaços cibernéticos, viabilizarão o emprego pelos
indivíduos prejudicados, deste novel instituto – assegurador dos direitos da
personalidade.
Entretanto, a ausência de especificidade legislativa no tocante a esta
temática, torna a condução do estudo dotada de maior grau de complexidade,
exigindo desta forma uma condução analítica que transpasse pelos seguintes pontos
nevrálgicos: (I) inafastabilidade da segurança jurídica ante a aplicação do direito ao
esquecimento; (II) critérios limítrofes para utilização do instituto; (III) técnica de
ponderação a ser utilizada pelo julgador encarregado dos casos singulares; (IV)
impossibilidade de vedação abusiva à liberdade de imprensa e informação; (V)
delimitação conceitual de interesse público e historicidade no campo de atuação do
instituto garantidor estudado.
Para congruente perpetuação do presente artigo científico, tomar-se-á por
partida uma análise criteriosa de dois julgados em que houve a avaliação da
incidência do direito ao esquecimento pelo Superior Tribunal de Justiça, contudo,
tendo tais decisões direções divergentes.
Primeiramente, voltar-se-ão os olhares para o REsp n° 1.334.097, em que um
dos coautores no episódio da chacina da candelária, muito tempo após sua
absolvição pelo Tribunal do Júri, deparou-se com a revelação de seu nome e
6

imagem em documentário veiculado pelo programa Linha Direta – Justiça, da


emissora Globo Comunicações e Participações Ltda, sem o consentimento do
mesmo, de modo a prejudicar sua vida profissional, familiar e privacidade.
Por seu turno, o segundo exame ocorre sobre o REsp n° 1.316.921, que
envolve a disponibilização, por parte do provedor de buscas GOOGLE Brasil Internet
Ltda, de antigas imagens ofensivas de Maria da Graça Xuxa Meneguel, encontradas
através do direcionamento a páginas da web específicas, que este motor de busca
permite, trazendo a pretensão da apresentadora na remoção das mesmas.

2 A SOCIEDADE PÓS-MODERNA E A ASCENSÃO DO DIREITO AO


ESQUECIMENTO

O Direito ao esquecimento é um instituto jurídico que emerge como


consequência direta das inovações concernentes à segunda metade do século
passado, logo se faz imprescindível conceituar e desbravar no que consiste a
denominada idade pós-moderna, a qual compreende o período posterior a Segunda
Guerra Mundial que até então continua a perdurar. Para tanto, tomar-se-á
supedâneo na definição de Zygmunt Bauman, que se remete a este lapso temporal
sob análise como “modernidade líquida”.
Vislumbra-se que tal momento histórico tem sua estruturação advinda em
grande parte do processo de globalização, onde há o encurtamento dos espaços por
conta da incidência dos avanços tecnológicos, segundo Bauman 3: “relação
cambiante entre espaço e tempo”. O que acabou por desencadear na hegemonia e
massificação da internet assim como na supervalorização informativa.
Há que se ressaltar que surgem outros desdobramentos oriundos desse
inflado progresso informático, que conforme Bauman afigura-se numa sociedade
marcada intensamente pela volatilidade, superficialidade, imediatismo, fluidez e
consumismo.
Impende traçar a reversão no binômio memória-esquecimento, que vem
ocorrendo nesta “era da instantaneidade”4, para tanto, nada melhor do que buscar
arrimo nas palavras de Consalter para esmiuçar este novel cenário caracterizado
pela memória estar se denotando a regra, ao passo que o esquecer tornou-se a

3
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Jorge Zahar, 2001. p.173.
4
BAUMAN, Zygmunt. Op.cit., 2002, p.24.
7

exceção, advindo da influência contundente das tecnologias de informações e


espaços de busca virtual, abordando esta inversão com as seguintes palavras:5

O fato é que a busca pelo não esquecimento sempre ocorreu. O homem


sempre tentou eternizar suas façanhas, os acontecimentos, enfim, o que lhe
convém. Desenhos, as pinturas, os livros, jornais, a fotografia... São todos
elementos que formam uma verdadeira memória externa. E as novas
tecnologias têm acentuado totalmente o panorama. Em razão delas,
ampliaram-se as informações que podem ser armazenadas, facilitou-se
como são lembradas e barateou-se seu custo.

Destarte, frente a este quase universal uso da esfera digital, sintetizado em


um massificado bombardeio de informações, se verifica um contínuo desrespeito,
frise-se: próximo de uma cegueira, para com os limites correlatos à liberdade de
informação por parte das plataformas midiáticas, que por inúmeras vezes acabam
por entrar em rota de conflito com direitos fundamentais atrelados a privacidade e a
dignidade da pessoa humana, art. 1°, inciso III da CF/88 6, situação na qual,
preenchidos certos requisitos, a seguir abordados, darão ensejo a recorribilidade,
pelos indivíduos lesados, para este instituto - objeto de estudo - garantidor dos
direitos da personalidade.
Logo, em consonância com o magistério de Boaventura de Sousa Santos,
inerradável se torna a flexibilização dos institutos jurídicos para que se adequem em
concordância com a constante mobilidade cultural, econômica e política da
sociedade em que estão vigendo7:

Ao longo dos últimos duzentos anos, os direitos humanos foram sendo


incorporados nas constituições e nas práticas jurídico-política de muitos
países e foram reconceptualizados como direitos de cidadania, diretamente
garantidos pelo Estado e aplicados coercitivamente pelos tribunais: direitos
cívicos, políticos, sociais, econômicos e culturais.

Sob tal órbita, insta esclarecer que o direito de ser deixado em paz, que,
repise-se: envolve um nítido embate entre dois princípios de calibre constitucional,
quais sejam: o direito a intimidade, a honra e a imagem, consagrado no art. 5°,
inciso X da CF/888; e o direito de informação e liberdade de imprensa, previsto no

5
CONSALTER, Zilda Mara. Direito ao Esquecimento: Proteção da Intimidade e Ambiente Virtual.
Curitiba: Jurua, 2017. p.175.
6
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vade mecum. São Paulo:
Saraiva, 2018.
7
SANTOS, Boaventura de Sousa. Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento. Cortez,
2013. p.50.
8
BRASIL. op.cit., 2018.
8

art. 220 e nos incisos IV, IX e XIV do art. 5° também entabulados no texto
constitucional pátrio9, possui escassa previsão na legislação nacional, tendo como
principal referencial o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do CJF/STJ 10,
que contém a seguinte redação e consequente justificativa:

Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da


informação inclui o direito ao esquecimento.
Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação
vêm se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua
origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela
importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém
o direito de apagar fatos e reescrever a própria história, mas apenas
assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos,
mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

Portanto, como é cediço que os enunciados não detêm força cogente, cabe
ao magistrado utilizar-se da técnica de ponderação para solucionar a colisão entre
os princípios constitucionais alhures apontados e, por conseguinte, o litígio
instaurado. Dessa maneira, para melhor interpretação da temática ora abordada,
deve ser realizada uma pormenorizada análise caso a caso, o que far-se-á por meio
do exame de dois julgamentos em que há a apreciação do direito ao esquecimento
pelo Superior Tribunal de Justiça, porém, cada qual com decisões finais em sentidos
diversos (REsp n° 1.334.097 e REsp n° 1.316.921).
No que pese o instituto em comento ser uma solução bastante viável num
hodierno cenário de raríssimas saídas para aquele que deseja se furtar de voltar ao
passado constantemente, em razão da inexistência de pertinência ou pelo vexame e
angústia que determinados fatos pretéritos causam, aglutinado do fato da vida ser
um perdurável recomeçar que necessita por isto que várias de suas passagens
terminem para que outras comecem, deve, contudo, o direito ao esquecimento ter
sua aplicabilidade restrita em acordo com o preenchimento de certos critérios a
seguir aduzidos e delineados, com o fito de que se evite a insegurança jurídica.
Tomando das palavras de Sérgio Branco, que sumariamente conceitua o
direito de ser esquecido do seguinte modo11: “violação à privacidade por meio da
publicação de dados verídicos após lapso temporal capaz de causar dano a seu
titular sem que haja interesse público”, se torna viável, em conjuntura com a visão
9
Id.
10
BRASIL. Enunciados Aprovados na VI Jornada de Direito Civil, de 12 de mar. de 2015. VI Jornada
de Direito Civil. Brasília, DF, mar. 2013. Disponível em: <http:∕∕www.cjf.jus.br∕cjf∕CEJ-
Coedi∕jornadas-cej∕enunciados-vi-jornada∕view>.
11
BRANCO, Sérgio. Memória e Esquecimento na Internet. Arquipélago, 2017. p.179-180.
9

doutrinária e jurisprudencial na seara ora debatida, traçar alguns critérios objetivos,


que servem como diretrizes ao magistrado encarregado da atividade de ponderação
a ser dirimida caso a caso.
Nesta esteira, impera principiar pelo elemento mais controverso, denominado
por interesse público, o qual para fins de incidência do direito de ser deixado em paz
deve estar ausente. Este pressuposto inerradável está atrelado à imprescindível
relevância das informações veiculadas pelos provedores de buscas e plataformas da
internet, ademais como bem preceitua Viviane Nóbrega Maldonado12:

Neste ponto, é de relevo reafirmar que o interesse público não se confunde


com o interesse do público, este, no mais das vezes, entendido como
aquele que se exaure em aspectos de mera satisfação pessoal em termos
de curiosidade.

Neste diapasão, se faz mister comentar que o transcurso do tempo influi


contundentemente no interesse público, haja vista ser a contemporaneidade pedra
de toque nesta temática, na medida em que, certos fatos, através do passar do
tempo perdem sua importância para com a sociedade em seu direito de obter
informações, com exceção da existência de historicidade ou singularidade do fato,
como também da notoriedade do individuo envolvido.
No que tange ao critério da historicidade, que está intimamente atrelado ao
critério esboçado acima, importa suscitar que o mesmo deve inexistir para que se
possa recorrer ao instituto aqui destrinchado, em razão de que se evite uma
reescrituração da história. De maneira exemplificativa, remetendo ao afamado
pedido do último presidente da ditadura militar no Brasil, João Baptista de Oliveira
Figueiredo13: “Eu quero que a nação me esqueça”, se vislumbra que tal solicitação
não poderia ser atendida, pois faz parte da história do Brasil, diante disto o direito ao
esquecimento nesta situação cederia ante o prevalecimento do interesse público
correlato ao direito à informação.
Por fim, cumpre apontar a indispensabilidade das informações ou fatos
divulgados serem verídicos e pretéritos, posto que caso se esteja diante de uma
inveracidade, prontamente poderá o lesado, sem a necessidade de preenchimento
de qualquer outro requisito, requerer a retirada do conteúdo e reparação do dano se
porventura este existir. Sendo ainda pertinente, repisar que os dados, fatos ou
12
MALDONADO, Viviane Nóbrega. Direito ao Esquecimento. Barueri: Novo Século, 2017. p.115.
13
QUEM DISSE. Quem Disse. Disponível em: <https:∕∕www.quemdisse.com.br∕frase∕eu-quero-que-a-
nacao-me-esqueca∕57358∕>. Acesso em: 2 out. 2018.
10

informações pessoais propagadas pelos meios midiáticos devem trazer prejuízos,


tristeza ou constrangimento ao seu titular.

3 TÉCNICA DE SOPESAMENTO ENTRE PRINCÍPIOS

Como já translucidado em linhas anteriores, o direito ao esquecimento pode


ou não ser aplicado nas situações concretas a partir de uma análise pormenorizada
da presença dos requisitos exigidos para sua utilidade, sendo esta tarefa de
incumbência do juiz, que deverá realizar um balanceamento no que atine a liberdade
de informação e o direito à intimidade, designando qual destes princípios de calibre
constitucional, que entram em rota de colisão deverá prevalecer em cada caso de
acordo com suas particularidades.
Todavia, antes de mergulhar no exame do funcionamento das técnicas de
ponderação, urge a primordialidade de tracejar a conceituação de princípio e
concomitantemente o distinguir das regras. Para tal escopo embasar-se-á na
definição dada por José Joaquim Gomes Canotilho, que assim aduz14:

Para distinguir entre regras e princípios, há diversos critérios a serem


utilizados. Quanto ao grau de abstração, os princípios são normas com um
grau de abstração mais elevado, enquanto as regras têm sua abstração
reduzida. De maneira que, em razão dos princípios serem vagos e
indeterminados, necessitam de intervenções que os concretizem, já as
regras, diante de sua precisão, podem ser aplicadas diretamente. Os
princípios estabelecem padrões juridicamente vinculantes, estabelecidos em
função da justiça ou da própria ideia de direito; as regras podem ser normas
vinculativas com conteúdo apenas formal.

Nesta tríade, insta pontuar, de maneira amparada por Robert Alexy 15, a título
de estudo analítico de Ronald Dworkin, que tanto as regras quanto os princípios são
normas, contudo, estes possuem um grau de generalidade maior que aquelas.
Ainda neste sentido, se tem que os princípios, em contrariedade as regras,
que se enquadram na ideia do “all-or-nothing-fashion”16, mesmo tendo aplicabilidade
ao caso, não necessariamente determinam a decisão, mas, em verdade, apenas

14
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ed. São
Paulo: Almedina, 1998. p.1124.
15
ALEXY, Robert. Sistema Jurídico, Princípios Jurídicos y Razón Práctica. San Sebastian. 1998.
p.140-141.
16
DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes. 2017.
11

proporcionam razões que marcham em favor de uma ou outra decisão. De outro


giro, no sistema tudo-ou-nada, aplicável às regras, ou a regra possui validade e,
portanto devem sobressair as consequências jurídicas, ou não é válida e logo não
tem valia alguma na decisão.
Isto posto, ao adentrar nos métodos de sopesamento entre princípios,
verifica-se que seguindo a teoria de Ronald Dworkin 17, nominada por modelo de
princípios, que, assim como as regras, crucial se faz que os princípios determinem
uma única resposta correta ou verdadeira, sendo a que melhor se coadune com a
constituição, precedentes e regras de direito.
No entanto, clarividentemente, esta função a ser realizada pelo magistrado,
distancia-se, e muito, da trivialidade. Em vista disto, Dworkin, em semelhança com o
pensamento Weberiano18, no tocante aos tipos ideias, que consistem em parâmetros
utópicos que orientam a investigação e a ação do ator, traz à tona a concepção de
um juiz ideal, que nomeia por “Hércules”19.
Diante do engendramento acima, cabe ao juiz real aproximar-se ao máximo
das características inerentes a este ideal, quais sejam: agudeza, paciência,
sabedoria e habilidades sobre-humanas; para que desta forma possa efetuar com
maestria a atividade de balanceamento, indicando por derradeiro qual princípio
prevalecerá, consoante as peculiaridades de cada caso.
Neste ponto, cumpre destacar que a dimensão de peso, assim intitulada por
Dworkin20, tem seu enfoque direcionado para colisão entre princípios, nesta
perspectiva, o valor decisório será concedido para o princípio que possua
relativamente maior peso, sem que para tanto o princípio que possua menor peso
seja invalidado por conta da prevalência do outro princípio constituinte do confronto.
Por seu turno, depreende-se como ponto nodal dentro da teoria alexiana 21,
alusiva ao embate de princípios ora examinado, a ordem débil, divergentemente da
ordem estrita, que se denota inconsistente, em virtude de ser impossível estabelecer
uma escala numérica e calculável para com os valores dos princípios a ponto de
conduzir precisamente em cada caso a um resultado.

17
ALEXY, Robert. Sistema Jurídico, Princípios Jurídicos y Razón Práctica. San Sebastian. 1998.
p.139.
18
WEBER, Max. A Objetividade do Conhecimento nas Ciências Sociais. São Paulo: Ática. 1999.
p.79-80.
19
ALEXY, Robert. op.cit., 1998, p.139-140.
20
ALEXY, Robert. op.cit., 1998, p.141.
21
Ibid., p. 145-146.
12

Em contrapartida a primeira ordem alhures citada contém três elementos


norteadores que corroboram para com o juiz na atividade de ponderação, são eles:
um sistema de condições de prioridades, um sistema de estruturas de ponderação e
um sistema de prioridades “prima face”.
O primeiro elemento apresenta certa equivalência com o funcionamento de
um precedente jurisprudencial, tendo em vista que em conformidade com o
magistério de Alexy22: “No que pese o dever das colisões entre princípios serem
resolvidas mediante ponderação no caso concreto, não significa que a solução da
colisão seja somente significativa para este caso concreto”.
De outra banda, o segundo elemento versa sobre a Lei da Ponderação, a qual
sinteticamente se traduz na ideia de que quanto maior o grau de descabimento de
determinado princípio, maior deve ser a relevância do cabimento do outro. Nesse
contexto, insta salientar que o elemento em tela retrata nada mais que a
proporcionalidade em sentido estrito.
Como última pilastra fundante da ordem débil dos princípios, se encontram as
prioridades prima face, que, apesar de não conterem uma determinação definitiva,
criam certa ordem no campo principiológico. Em caráter exemplificativo,
enquadrando-se perfeitamente na órbita do direito ao esquecimento, Alexy faz
alusão ao “caso Lebach”23, pertinente a um julgamento do Tribunal Constitucional
Federal Alemão, no qual frente a um embate entre o princípio da proteção à
personalidade e a liberdade de informação, prima face se prioriza a prevalência
deste último princípio, contudo, em virtude da ausência de interesse público no caso
debruçado, maior peso se conferiu ao princípio da proteção à personalidade.
Destrinchando melhor o “caso Lebach”, depreende-se que o termo se remete
a um vilarejo a oeste da República Federal da Alemanha, onde no ano de 1969
perpetrou-se o assassinato atroz de quatro soldados que protegiam um depósito de
munições. Dois dos envolvidos foram condenados a prisão perpétua, ao passo que
um terceiro, que auxiliou no preparo do ato criminoso, foi condenado a seis anos de
reclusão.
Passados quatro anos do episódio acima descrito, um canal alemão – ZDF
(Zweites Deutsches Fernsehen)24 – produziu um documentário que detalhava em
22
Id.
23
Ibid., p.146-147.
24
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais: Do caso Lebach ao caso Google VS. Agencia
Espanhola de Proteção de Dados. 1°. 2015. Disponível em: <https:∕∕www.conjur.com.br∕2015-jun-
05∕direitos-fundamentais-lebach-google-vs-agencia-espanhola-protecao-dados-mario-gonzales>.
13

minúcias o acontecimento por completo, inclusive contendo os nomes e fotos de


todos os acusados. Todavia, a veiculação deste documentário ocorreria pouco
tempo antes da soltura do terceiro acusado, motivo pelo qual o levou a buscar uma
medida liminar no judiciário visando impedir a transmissão do mesmo, pois
acarretaria em evidente prejuízo a seu processo de ressocialização.
Diante desta demanda judicial objetivada, as instâncias ordinárias não a
deferiram, restando ao acusado uma reclamação constitucional interposta no
Tribunal Constitucional Federal Alemão. O TCF, ante esta colisão de princípios que
de um lado tem a proteção da personalidade e, de outro, o direito à informação,
ponderou no sentido de que, levando em consideração a dignidade humana, como
centro do sistema axiológico da Constituição e, tendo em vista a inexistência de
interesse público, que aliás não é mais atual, o direito de reintegração a sociedade
do acusado, inerente aos direitos da personalidade, deve prevalecer frente o direito
à informação.
Destarte, o TCF ao harmonizar os direitos em conflito, tendo como norte o
princípio da proporcionalidade e da concordância prática, decidiu de modo que seria
possível a transmissão do documentário, com a condição de que não se divulgasse
o nome ou a imagem do acusado, haja vista os nítidos reflexos malevolentes que tal
conduta desmedida traria para com a ressocialização do autor da reclamação
constitucional.

4 DIREITO AO RESGUARDO VERSUS LIBERDADE DE INFORMAÇÃO

Partindo da premissa de que a temática em voga inafasta-se de uma colisão


principiológica, substancial se faz dissecar os princípios colidentes em apreço.
Diante disso, principiando pelo direito de reserva esculpido no inciso X, do art. 5° da
CF∕8825, se constata que dentre os eventos históricos corroborantes com a evolução
dos direitos vinculados à privacidade são marcantes a elaboração da “Petition of

Acesso em: 7 out. 2018.


25
BRASIL. op.cit., 2018.
14

Rights”26 em 1628 na Inglaterra, bem como o “Bill of Rights” 27, também formulado
pelo parlamento britânico, que determinou ao príncipe Guilherme de Orange o acato
a diversos direitos civis, inclusive a privacidade dos indivíduos.
Em seguimento, impende mencionar os ganhos concernentes a
inviolabilidade de domicílio, advindos com a Quarta Emenda à Constituição Norte-
americana28 datada de 1787, de modo quase que concomitante com o advento da
Revolução Francesa, que obteve inúmeras consecuções na seara privada.
Nesta trilha, não há que se olvidar da categorização do direito à privacidade
na Declaração Universal dos Direitos Humanos 29 de 1948, mais especificamente em
seu artigo XII, que assim dispõe:

Artigo XII. Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua
família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e
reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais
interferências ou ataques.

No período entre guerras, vislumbra-se um hipotético ataque à privacidade de


Benito Mussolini e Claretta Pettaci, ocorrido por meio de um seriado (“Il Grande
Amore”), que revela a vida ín∕tima e os relacionamentos amorosos ocultos do
ditador.
Perante tais fatos, a pretensão do líder italiano em vias judiciais, exibiu-se
contrastante nas decisões, que circundam a ideia do direito ao esquecimento,
concedidas pelos Tribunais de Roma e Milão, na medida em que o primeiro
fundamenta não haver afronta a sua intimidade devido à existência de interesse
público face as singularidades de pessoas públicas, ao passo que o segundo
entende que a despeito de se tratar de pessoa pública e haver historicidade, devem
estes sucumbir ante o direito ao resguardo.
Outros documentos de suma importância, dos quais se remetem ao direito à
privacidade e que o Brasil é signatário são o Pacto Internacional dos Direitos Civis e

26
LAW. The Petition of Right 1628. Disponível
em:<https:∕∕www.law.gmu.edu∕assets∕files∕academics∕founders∕petitionofright.pdf >. Acesso em: 3 out.
2018.
27
BILL OF RIGHTS INSTITUTE. Educating Young People about Constitution. Disponível
em:<https:∕∕billofrightsinstitute.org∕wp-content∕uploads∕2011∕12∕BillofRights.pdf>. Acesso em: 3 out.
2018.
28
CONSALTER, Zilda Mara. op.cit., 2017. p.104.
29
ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. 217 [III] A, de 10 de dez. de 1948. Declaração Universal de
Direitos Humanos. Paris, dez. 1948. Disponível em:
<https:∕∕www.unicef.org∕brazil∕pt∕resources_10133.htm>.
15

Políticos30, firmado em 1966, que abrange no artigo 17.1, o resguardo a ofensas no


âmbito da intimidade: “Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou
ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua
correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação”. Em termos
análogos infere-se a salvaguarda da intimidade no art. 11 do Pacto de São José da
Costa Rica31 de 1969.
Superada esta breve cronologia histórica, imperioso evocar a denominada
Teoria alemã das esferas32, também conhecida como Teoria dos Três Graus,
arquitetada por Henrich Henkel e regularmente utilizada pelo Tribunal Constitucional
Alemão e pelo Superior Tribunal Europeu de Direitos Humanos, constituída em três
vertentes.
A esfera mais ampla corresponde à vida privada, posicionada entre a vida
pública e a privacidade e, guarda relação com a convivência social em grupos
reservados, envolvendo costumes, religião, hobby, passíveis de delineamento pelo
próprio indivíduo. Importa ainda salientar que possui um caráter teleológico voltado
para proteção da privacidade e intimidade.
A segunda camada, localizada no nível intermediário das esferas, diz respeito
à privacidade, cumprindo aqui informar acerca da imprecisão corriqueira no uso
equivocado de expressões “sinônimas” ao direito de privacidade, como: direito a
intimidade, a vida privada, ao resguardo, que ocorre em virtude da fonética oriunda
da linguagem norte-americana “privacy” que na realidade se remete única e
exclusivamente a intimidade, que como se analisará a seguir, é muito mais restrita.
Retornando ao aclaramento atinente a segundo esfera, abstrai-se que esta
possui um aspecto mais reservado, que compreende o convívio doméstico e
particular, tendo por própria escolha do indivíduo a exclusão do conhecimento
público, envolvendo como exemplo: domicílio, correspondência, escritos pessoais,
condição patrimonial e salarial, estado de saúde e defeitos físicos.
A última esfera, sendo a camada mais profunda e marcada por caracterizar o
cerne e a essência de cada ser humano, designa-se por intimidade e configura-se
30
BRASIL. Decreto n° 592, de 06 de jul. de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Brasília, DF, jul. 1992. Disponível em:
<http:∕∕www.planalto.gov.br∕ccivil_03∕decreto∕1990-1994∕d0592.htm>.
31
BRASIL. Decreto n° 678, de 06 de nov. de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre
Direitos Humano (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília, DF,
nov. 1992. Disponível em:
<http:∕∕www.pge.sp.gov.br∕centrodeestudos∕bibliotecavirtual∕instrumentos∕sanjose.htm>.
32
CONSALTER, Zilda Mara. op.cit., 2017, p.127-133.
16

por ilustrar a vontade de estar apenas consigo mesmo, distante dos olhares ávidos
dos demais, caracterizando o direito de ser deixado só.
Contudo, deve ser dado destaque a certos fatores que ocasionam alterações
na Teoria elaborada por Henkel33, em especial a flexibilidade advinda do tratamento
ante o homem público – atores, esportistas, políticos, músicos- recaindo assim no
prevalecimento do interesse público frente à intimidade doméstica.
Destarte, visualiza-se a necessidade de redução no diâmetro da esfera da
vida privada destas celebridades, de tal forma que o espaço radial privado diminui
de maneira inversamente proporcional com o aumento do grau de sucesso e
importância no meio social e midiático. Evidenciando nesses casos a sobreposição
do interesse público em face à privacidade destes indivíduos célebres.
Do outro lado da balança, está estampada a liberdade de imprensa e
informação, lapidada no art. 220 da CF∕8834, assim como nos incisos IV, IX e XIV do
art. 5° deste mesmo diploma legiferante35. Nesta senda, se encontram nos dizeres
de Eurípedes36 (480-406 a.C), uma das primeiras manifestações históricas
envolvendo este princípio ora arrazoado: “A verdadeira liberdade ocorre quando
homens nascidos livres, tendo de aconselhar o público, podem falar livremente”.
Ulteriormente, no ano de 1450, ocorre o principal marco tangente ao
surgimento da imprensa, através da Fábrica de Livros de Johannes Gutenberg 37, por
via da impressão da Bíblia com cerca de 300 exemplares.
Desde já, faz se de relevo pontuar que a liberdade de imprensa constitui o
núcleo do direito de informação, posta como condição imprescindível para a
disseminação de uma diversidade de ideias e opiniões, tendo seu pleno exercício
concretizado mediante conduta negativa do Estado, abstendo-se de aplicar
restrições à mídia.
Entretanto, deve ficar translucidado o caráter exclusivo inerente a este
princípio, que segundo Viviane Nóbrega Maldonado38, consubstancia-se na seguinte
ideia: “a liberdade de imprensa constitui prerrogativa cometida unicamente aos
meios de comunicação, os quais, portanto, detêm, com exclusividade, a sua
titularidade”.

33
CONSALTER, Zilda Mara. op.cit., 2017, p.132-133.
34
BRASIL. op.cit., 2018.
35
Id.
36
MALDONADO, Viviane Nóbrega. Direito ao Esquecimento. Barueri: Novo Século, 2017. p.41-42.
37
MALDONADO, Viviane Nóbrega. op.cit., 2017, p.41
38
Ibid., p.46.
17

Volvendo a trajetória histórica da liberdade de imprensa, não há como se


esquivar do notório retrocesso que a Lei n° 5.250 ∕ 67 (Lei de Imprensa) 39 trouxe
consigo ao ser editada no ano de 1967, período ditatorial, em que, o então
presidente, Castelo Branco, escopando combater a oposição ao regime vigente,
restringiu abruptamente a liberdade de expressão.
Somente em abril de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)40 n° 130, retirou este
supracitado óbice ao pleno exercício da liberdade de imprensa, declarando que a Lei
de Imprensa não se compatibiliza com a hodierna ordem constitucional. Grosso
modo, permite-se afirmar que no atual cenário legal nacional, o direito de imprensa
se figura expressamente garantido, resguardado da censura, com exceção de sua
perpetração por via do anonimato, a qual é vedada.
Abrangência muito maior possui a liberdade de informar, que vale reiterar, é
gênero do qual a liberdade de imprensa é espécie, como facilmente se extrai da
conceituação empregada por Maldonado41, que sustenta ser assegurado à
coletividade em geral o direito de informação, que se apresenta na liberdade de
informar e de ser informada quanto a tudo aquilo que lhe seja relevante.
Esta última garantia posta acima, se correlaciona com a imprensa, que detém
o poder-dever no tocante as informações em geral, tendo em vista que a
coletividade possui o direito de ter e buscar informações.
No que cinge aos diplomas historicamente notáveis na esfera do direito de
informação, há que se sublinhar, coincidentemente, o décimo nono artigo tanto da
Declaração Universal dos Direitos Humanos42 (1948), quanto do Pacto Internacional
dos Direitos Políticos e Civis43 (1992), ambos assinados e ratificados pelo Brasil.
Levando em consideração a proximidade do texto contido nos dispositivos
supramencionados, opta-se por transcrever apenas o art. 19 da DUDH44:

Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito


inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e
transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras.

39
Ibid., p.48.
40
Ibid., p.49.
41
Ibid., p.66.
42
ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. 217 [III] A, de 10 de dez. de 1948. op.cit., 1948.
43
BRASIL. Decreto n° 592, de 06 de jul. de 1992. op.cit., 1992.
44
ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. 217 [III] A, de 10 de dez. de 1948. op.cit., 1948.
18

A aprovação pelo Congresso Nacional da Lei n° 12.527 ∕ 11 45, Lei do Acesso à


Informação, irrefutavelmente é de igual modo um triunfo de ampla magnitude no
campo da liberdade de informação, tendo em conta que seus mecanismos
proporcionam a qualquer pessoa o acesso a informações públicas que estejam sob
o domínio dos órgãos de qualquer dos entes federativos, desnecessitando
motivação por parte do requerente.
Ademais, como já detalhado anteriormente, o direito ao esquecimento
localiza-se no extremo oposto ao direito à informação. Logo, ao realizar a atividade
de sopesamento, deve o juiz averiguar a existência de interesse público para que o
princípio em comento não ceda perante o instituto objeto deste artigo.

45
BRASIL, Lei n° 12.527, de 18 de nov. de 2011. Regula o acesso a informações no inciso XXXIII
do art. 5°, no inciso II do §3° do art. 37 e no §2° do art. 216 da Constituiçao Federal; altera a
Lei n° 8.112, de dezembro de 1990; revoga a Lei n° 11.111, de 5 de maio de 2005, e
dispositivos da Lei n° 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF,
nov. 2011. Disponível em: <http:∕∕www.www.planalto.gob.br∕ccivil_03∕_Ato2011-
2014∕2011∕Lei∕L12527.htm>.
19

5 RESP N° 1.334.097 – CHACINA DA CANDELÁRIA46

Com o propósito de melhor elucidar as tratativas em sede judiciária nacional


acerca da aplicabilidade do direito ao esquecimento, segue uma pormenorizada
análise de um dos poucos acórdãos proferidos pelo STJ nesta seara, mais
especificamente o Recurso Especial n° 1.334.097 – RJ (2012/0144910-7), interposto
pela Globo Comunicações e Participações S/A, tendo como recorrido Jurandir
Gomes da França, julgado pela 4° Turma do STJ em data de 28 de maio de 2013,
com relatoria do ministro Luis Felipe Salomão.
Absorve-se do relatório que o recorrido ajuizou ação de reparação de danos
morais contra recorrente, apontando em sua peça ovo que foi indiciado como
coautor do episódio que ficou conhecido como “Chacina da Candelária”, onde na
data de 23∕07∕1993, na cidade do Rio de Janeiro – RJ foram perpetrados vários
homicídios, porém, no frigir dos ovos, submetido a júri, foi absolvido por
unanimidade de votos em razão de negativa de autoria.
Perante tais fatos, se depreende que tal situação, já superada pelo recorrido,
foi trazida a tona desnecessariamente, provocando consequências negativas à vida
do mesmo. Ressurgindo assim a imagem de chacinador e o ódio social da
comunidade em que reside de tal forma a ferir seu direito à privacidade.
Nesta toada, alega ainda que tal situação afetou diretamente sua vida
profissional, visto a dificuldade em encontrar emprego, havendo reflexo também em
seus familiares. Fatores todos que o levaram a abandonar as pressas sua
comunidade, para evitar sua morte por “justiceiros” e garantir a segurança de seus
familiares.
Distribuída a ação de indenização na 3 ° Vara Cível da Comarca da Capital –
RJ, este Juízo, ao ponderar o conflito existente entre o interesse público da notícia e
o direito ao esquecimento do então autor, optou por mitigar este último, julgando
improcedente o pedido indenizatório.

46
STJ, RECURSO ESPECIAL: REsp 1334097∕RJ. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. DJ:
28∕05∕2013. STJ, 2013. Disponível em: <https:∕∕www.conjur.com.br∕dl∕direito-esquecimento-acordao-
stj.pdf>. Acesso em: 11 jul.2018.
20

Em sede de apelação, a sentença restou reformada, com supedâneo no


princípio da dignidade da pessoa humana, art. 1°, inciso III, da CF∕88 47, de modo que
diante de uma aparente colisão de princípios fundamentais (informação versus
intimidade), voltaram-se as atenções para a proteção da intimidade de pessoa não-
pública, haja vista a dispensabilidade dos dados divulgados pela recorrente à boa
qualidade jornalística de reportagem.
Os desembargadores, acrescentaram ainda que este retorno a fatos
defasados acabaram por atingir negativamente o âmbito da vida privada do
recorrido, tendo em vista não ser imprescindível para o interesse público a revelação
do nome completo e a imagem de pessoa neste trágico episódio. Podendo a
recorrente ter se utilizado de pseudônimo do recorrido sem que houvesse grande
prejuízo à liberdade de expressão.
Em linhas finais, pautando-se na ideia de que se o direito ao esquecimento se
aplica àqueles que já cumpriram a sanção de crime que de fato cometeram, não há
justificativa plausível para não incidência do mesmo em favor de inocentes. Desta
feita, em contrariedade a decisão da primeira instancia, negaram provimento ao
recurso, e reconheceram a existência de indenização para com Jurandir Gomes da
França.
Não contente com o teor do acórdão acima, a Globo Ltda interpôs recurso
especial, alegando para tanto, que em verdade, o direito de informar prevalece sobre
o direito ao esquecimento, por conta de que a menção ao recorrido é de enorme
importância para um traçado lógico da estória veiculada, pois os fatos noticiados já
eram públicos e bastante discutidos em meio social, já englobados pelo acervo
histórico do povo.
Ademais, sublinha acerca da incontestável presença de interesse público e,
enfatiza que a emissora se restringiu a narrar os fatos tais como ocorridos, em
momento algum tendo ofendido a pessoa do recorrido, além de ter esclarecido que
este foi inocentado, assim inexistindo invasão a privacidade do mesmo.
Quanto ao voto do ministro relator, este inicia sua fundamentação fazendo
alusão ao embate de valores antagônicos extraídos do caso, quais sejam: o
interesse de “querer ocultar-se” e o interesse de se “fazer revelar”. Sob tal prisma,
assinala que a Quarta Turma do STJ possui entendimento consolidado de que as

47
BRASIL. op.cit., 2018.
21

publicações jornalísticas devem observar as seguintes limitações para que não


esbarrem em ilicitudes:

(I) O compromisso ético com a informação verossímel; (II) a preservação


dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os
direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de
veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a
pessoa.

Demonstrando o viés transnacional da matéria avaliada, o ministro relator Luis


Felipe Salomão, respaldado em diretrizes europeias, traz a baila os dizeres da vice-
presidente da comissão de justiça da União Européia, Viviane Reding que remete
para a necessidade das pessoas terem direito e não somente a possibilidade de
retirar seu consentimento ao processamento de dados, principalmente quando
atinentes a informações defasadas que podem atordoá-las para sempre,
ocasionando entraves até mesmo na vida profissional.
Por outro lado, se vislumbra como argumentos adversos a incidência do
direito ao esquecimento, a afirmação de que este afronta à liberdade de expressão e
imprensa e, que sua aplicação viabilizaria o desaparecimento de registros sobre
crimes e criminosos perversos, que entraram para a história social, política e
judiciária, portanto informações de incontestável interesse público.
No tocante ao cenário da liberdade de imprensa e da atividade jornalística,
vale frisar que após muitos anos de reprimenda de suas funções em território
brasileiro, felizmente neste século conquistou seu encontro à democracia como um
direito fundamental a ser assegurado, com fulcro no art. 5°, inciso IX da CF∕8848.
Contudo, esta mesma diretriz constitucional não pode ultrapassar, em sua
atuação, certos limites e princípios, estando estes últimos também entabulados no
texto máximo49, em seus arts. 220, §1° e 221, IV, que remetem respectivamente a
inviolabilidade da vida privada, honra e imagem das pessoas e ao respeito aos
valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Sem esquivar-se do princípio da dignidade da pessoa humana, o relator
reitera sua prevalência sobre a liberdade de informação neste contexto, exibindo o
albergue daquele também na legislação infraconstitucional, nos arts. 20 e 21 do
CC∕0250:
48
BRASIL. op.cit., 2018.
49
Id.
50
BRASIL. Código Civil de 2002. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2018.
22

Art. 20: Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça


ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão
da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais
Art. 21: A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a
requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para
impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Em atenção deste tipo de exploração populista feita pela mídia, mesmo que
tardio, o direito ao esquecimento mostra-se como um corretivo, que ao menos
atenua as vicissitudes do passado. Somado a isto, não se pode olvidar que muitas
vezes o prevalecimento do interesse público sobre a privacidade dos envolvidos
acaba por confrontar diretamente o texto constitucional, como se transparece no art.
5°, LX da CF∕8851: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais
quando a defesa da intimidade ou interesse social exigirem”.
Em mais uma lição exemplificativa da incidência do direito de ser deixado em
paz, desta vez na esfera consumerista, o ministro relator Luis Felipe Salomão faz
referência ao art. 43, §1° do CDC52 que tem lapidado o prazo máximo de cinco anos
para que constem em bancos de dados, informações negativas acerca de
inadimplência, que conforme arrazoa o relator:

(...) paga ou não a dívida que ensejou a negativação, escoado esse prazo, a
opção legislativa pendeu para a proteção da pessoa do consumidor – que
deve ser esquecida – em detrimento dos interesses do mercado, quanto da
ciência de que determinada pessoa, um dia, foi um mau pagador.

Por derradeiro, se opondo a eternização de informações obsoletas e,


confirmando no caso sob análise a prevalência do direito ao esquecimento, tendo
em vista a prescindibilidade da veiculação do nome e informações do recorrido para
com o interesse público, busca-se a restauração da convivência pacífica do recorrido
com a sociedade, que foi interrompida por extrapolados atos da recorrente no que
tange aos limites da liberdade de imprensa inobservados pela mesma.
Neste ponto, cumpre ainda informar que o recorrido não teve reforçada sua
imagem de inocentado, mas sim de indiciado. Destarte, decidiu-se pela manutenção

51
BRASIL. op.cit., 2018.
52
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor de 1990. Vade mecum. São Paulo. Saraiva, 2018.
23

do acórdão hostilizado, merecendo destaque, por fim, parcela da fundamentação do


Desembargador Marcos Alcino de Azevedo, que assim pontuou:

(...) se houvesse sido atendido o clamor do ora embargado, também nessa


hipótese o distinto público não estaria menos bem informado sobre a
Chacina da Candelária, apenas e tão somente por ignorar o nome completo
e a imagem de alguém que, acusado há mais de década da prática de crime
hediondo, foi absolvido à unanimidade pelo Tribunal do Júri. Não seria
leviano supor que o nome e a imagem do autor só foram memorizadas por
pessoas de seu círculo de convivência, pois a enorme maioria dos
telespectadores, minutos depois da exibição do programa, sequer
lembrariam seu primeiro nome. Daí que, num juízo de ponderação, nos
pareça forçoso concluir que a omissão do nome e imagem do autor em
nada comprometeria a qualidade jornalística; mas, por outro lado, a sua
publicação repercutiu, severamente, no âmbito da vida privada do ora
embargado.

De igual modo, seguiram o voto do ministro relator Luis Felipe Salomão, os


ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Galotti, Antonio Carlos Ferreira e Marcos
Buzzi, negando provimento ao Recurso Especial em tela e mantendo a condenação
imposta nas instâncias ordinárias.

6 RESP N° 1.316.921 – XUXA MENEGUEL53 X CASO MARIO COSTEJA


GONZALES54

O segundo julgado a ser apreciado no presente artigo, se trata de Recurso


Especial, com data do julgamento em 26 de julho de 2012, no qual tem como
recorrente a GOOGLE Brasil Internet Ltda e recorrida Maria da Graça Xuxa
Meneguel.
Iniciando o relatório, a eminente ministra relatora Nancy Andrigui faz alusão a
Ação Ordinária Inominada ajuizada pela recorrida, movida contra a recorrente, tendo
o intuito de compelir a remoção do site de pesquisas – GOOGLE SEARCH – os
resultados advindos da busca pela expressão “Xuxa Pedófila”, ou a exclusão de todo

53
STJ, RECURSO ESPECIAL: REsp1316921∕RJ. Relator: Ministra Nancy Andrigui. DJ: 26∕07∕2012.
STJ, 2012. Disponível em: <https:∕∕stj.jusbrasil.com.br∕jurisprudencia∕22026857∕recurso-especial-
resp-1316921-rj-2011-0307909-6-stj∕inteiro-teor-22026859?ref=juris-tabs>. Acesso em: 16 jul.2018.
54
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA, C-13∕12. DJ: 13∕05∕2014. TJUE, 2014. Disponível
em: <https:∕∕www.conjur.com.br∕dl∕tj-ue-google-direito-esquecimento.pdf>. Acesso em: 16 jul.2018.
24

conteúdo que associe o nome da então autora a alguma prática que possua
tipificação penal.
Através de decisão interlocutória o juiz da primeira instância deferiu o pedido
supracitado em caráter liminar, determinando a parte adversa a não disponibilização
no provedor de buscas GOOGLE, de quaisquer resultados que contenham os
seguintes critérios de pesquisa: “Xuxa Meneguel”, “Xuxa”, “Xuxa Pedófila”, ou
qualquer grafia similar a estas, no prazo de 48 horas, com previsão de multa
cominatória de R$ 20.0000,00 em virtude de cada resultado positivo disponibilizado
pela plataforma.
Diante da decisão acima, sobreveio agravo de instrumento, no qual o TJ ∕ RJ
concedeu parcial provimento, em sentido da restrição da liminar antes proferida,
entendendo não haver responsabilização jurídica da agravante, por conta da
veiculação das imagens da agravada, entretanto conclui que pode ser passível de
determinação judicial cautelar visando sua cessação. Em seguimento processual,
adveio a interposição de Recurso Especial pela GOOGLE, o qual o acórdão se
passa a analisar.
Em contrapartida da decisão supracitada, a GOOGLE fundamenta a
impossibilidade da realização da obrigação de fazer imposta, que deve ser
revogada, pois: “Não é possível exigir que a GOOGLE realize o monitoramento de
todo o conteúdo indiciado como resultado em sua ferramenta de busca a fim de se
verificar se as imagens ali indicadas são ou não referentes e ofensivas à recorrida”.
Não restam dúvidas acerca da atualidade do embate em questão ante o
relevo dos sites de pesquisa virtual, que assim como facilitam os usuários a
encontrarem páginas específicas, também abrem margem para a localização de
páginas que contenham conteúdos ilícitos diante do anonimato possibilitado pelo
ambiente virtual.
Dentro do campo da responsabilização, seguindo os dizeres de Rui Stocco, a
ministra relatora, tendo em vista a dificuldade na definição de critérios que viabilizem
o veto ou descarte de certa página, por parte dos motores de busca, sem que isto
desencadeie numa insegurança jurídica oriunda desta discricionariedade cedida aos
provedores, decidiu pelo afastamento do § único do art. 927 do CC∕02 55, delimitando
o ideário de risco inserto nestas atividades, com os seguintes dizeres: “Transpondo

55
BRASIL. Código Civil de 2002. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2018.
25

a regra para o universo virtual, não se pode considerar o dano moral um risco
inerente à atividade dos provedores de pesquisa”.
No que atine a responsabilização da GOOGLE, em decorrência da cessação
de veiculação das imagens da recorrida em cada página da web, Andrigui também
afasta esta decisão contida no acórdão do TJ∕RJ, assinalando que não obstante o
avançado estágio da inteligência artificial, é incogitável delegar aos computadores a
capacidade de desenvolver raciocínio subjetivo – equivalentes ao do ser pensante –
que possibilitem delinear a caracterização ou não de conteúdo ilícito ou nocivo a
determinados indivíduos.
Somado a isto, a preclara relatora traz como principais motivos da
inviabilidade da imposição de restrições aos provedores de busca: a ineficácia da
designação de termos específicos a serem impedidos de viabilizar o acesso a
página que tenha o conteúdo objeto do litígio, haja vista ser possível alcançar esta
mesma página da web através do uso de termos semelhantes; a ineficiência desta
restrição acerca de provedores de pesquisa de outros países e; o entrave ao direito
de informação, por conta de inviabilizar o acesso a notícias e reportagens ligadas ao
termos em que recai a restrição, trazendo óbice ao interesse público.
Com arrimo nos argumentos acima pontuados, a relatora, ante o
sopesamento dos princípios em confronto (direito de informação e direito à
privacidade), rumou sua decisão para o prevalecimento do princípio do direito de
informação, consagrado no § 1° do art. 220 da CF∕88 56, inclusive apontando ser
desnecessária a exclusão das imagens disponibilizadas nas páginas do provedor de
pesquisa, que, frise-se: sua grande maioria possui baixo potencial ofensivo.
Neste vértice, a eminente ministra, com sustentáculo no ideário de Newton de
Lucca, que trata da imprescindível excepcionalidade na aplicação de medidas
rigorosas no controle de conteúdos na rede mundial de computadores, explicita que,
via de regra, os provedores de pesquisa:

(I) Não respondem pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por
seus usuários; (II) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do
conteúdo dos resultados das buscas feitas por cada usuário; e (III) não
podem ser obrigados a abandonar do seu sistema os resultados derivados
da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que
apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da
indicação do URL da página onde este estiver inserido.

56
BRASIL. op.cit., 2018.
26

Por fim, diante deste conjunto motivacional jurídico aduzido, a relatora Nancy
Andrigui, em sentido oposto ao seguido pelo TJ∕RJ, concedeu provimento ao recurso
especial sob exame, cassando deste modo a decisão que antecipou os efeitos da
tutela. Seguindo os termos do voto da relatora, os demais ministros componentes da
Terceira Turma do STJ, por unanimidade deram provimento ao recurso especial
interposto.
Todavia, de maneira adversa a decisão trazida no acórdão do REsp n°
1.316.921, recém esmiuçado, posicionou-se o Tribunal de Justiça da União
Européia, em um caso de extrema similaridade com este exposto. Nesta situação,
se está defronte de informações defasadas, relativas a um aviso de leilão de
propriedade de um advogado espanhol por motivos de débitos com a Seguridade
Social, neste momento já adimplidos, que datam de 1998, disponibilizadas pela
GOOGLE Spain SL.
Após uma série de tentativas infrutíferas de conciliação extrajudiciais e até
mesmo judiciais, em razão do inconformismo de Mario Costeja Gonzales para com
estas antigas informações dispostas pela GOOGLE espanhola, em sua plataforma
de busca, a desavença chegou ao crivo do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Em data de 13 de maio de 2014, seguindo fielmente a Diretiva 95∕46∕CE 57 do
Parlamento Europeu, atinente à proteção das pessoas singulares no que diz respeito
ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação destes dados, o TJ da União
Européia adotou postura condizente com o direito ao esquecimento, isto é, efetuado
o balanceamento principiológico, se definiu pelo prevalecimento do direito a
privacidade, implicando na determinação da GOOGLE Spain remover de suas
páginas a obsoleta informação do interessado, por não possuir a faculdade de
publicar informações inexatas e descomedidas.
O grande entrave que esse paradigmático caso traz, como bem pontua Sérgio
Branco58, gira em torno da insegurança jurídica desencadeada frente à dificuldade,
quiçá impossibilidade, em exigir das empresas privadas, habilitação para distinguir,
face a bilhões de solicitações e requerimentos de usuários, quais transgridem ou

57
WIPO, European Union (EU) Directiva 95∕46∕CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24
de Outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao
tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados. Disponível em:
<http:∕∕www.wipo.int∕wipolex∕en∕text.jsp?file_id=474189>. Acesso em: 20 mai.2018.
58
CONJUR, Liberdade de Expressão, “Direito ao esquecimento deve ser aplicado de maneira
excepcionalíssima”. Disponível em: <https:∕∕www.conjur.com.br∕2018-mar-04∕entrevista-segio-
branco-advogado-especialista-direitos-autorais>. Acesso em: 20 mai.2018.
27

não direitos inerentes a personalidade, inobstante o evoluído estágio tecnológico


vivenciado no presente momento.
De modo a simplificar a assimilação que a descuidada aplicação do direito ao
esquecimento pode ocasionar, basta deitar os olhos sobre o relatório de
transparência da GOOGLE59, publicado em 28 de fevereiro do ano corrente, onde se
verifica a exorbitante quantidade de 2,4 bilhões de pedidos, respaldados no direito
de ser deixado em paz, visando à exclusão de conteúdos de suas páginas.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante todo o exposto, se torna possível concluir que: (I) As agigantadas


alterações no seio socio-cultural oriundas da globalização acabam por tracejar um
novo cenário no que cinge ao binômio memória-esquecimento, isto, muito por conta
da contundente incidência dos veículos de mídia, corroboradas pelo atuar dos
cidadãos como difusores e emissores da informação, onde o lembrar tornou-se
agora a regra, haja vista a facilidade e o barateamento da mantença informativa,
fomentada pela superficialidade que a sociedade da exposição traz a tona.
(II) Este clarividente desprezo pelos limites tangentes a liberdade de
informação, em conjuntura com o constante rompimento das fronteiras estabelecidas
pelo direito à privacidade, intrínseco a dignidade da pessoa humana, torna
inescapável a recorribilidade a um instituto que tutele os direitos da personalidade,
neste contexto nominado por direito ao esquecimento.
(III) Entretanto, sua utilização não pode ocorrer de maneira ampla, tendo em
vista os riscos que seu uso desmedido e descuidado traz à liberdade de expressão,
assim como a ameaça da história ser reescrita.
(IV) Exemplificativamente se pode averiguar essa drástica insegurança
jurídica emergir do precedente mundial perpetrado através da condenação da
GOOGLE Spain para remoção de dados obsoletos de um cidadão espanhol nas
páginas da web que esse motor de busca direcionava, pois com uma simples
consulta à página de relatório de transparência da GOOGLE, defrontar-se-á com um

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UPDATING our “right to be forgotten” Transparency Report. 1°. 2018. Disponível em
<https:∕∕blog.google∕around-the-globe∕google-europe∕updating-our-right-be-gorgotten-transparency-
report∕>. Acesso em: 8 out.2018.
28

colossal número de 2,4 bilhões de solicitações de usuários visando a remoção de


conteúdos de suas páginas, consubstanciados no emblemático caso paradigma
acima citado.
(IV) O direito ao esquecimento deve ser usado de maneira excepcional, sendo
imprescindível o preenchimento dos seguintes critérios ensejadores de sua
incidência: violação à privacidade, oriunda da publicação de dados verídicos e
defasados, capazes de trazer prejuízos a seu titular, ante a ausência de interesse
público.
(V) Importa salientar que os critérios supracitados devem ser verificados pelo
magistrado caso a caso, sem que se distancie da atividade de sopesamento para
que conclua ou não pela prevalência do direito à privacidade e, por conseguinte a
aplicabilidade do direito ao esquecimento, frente ao direito à informação.

REFERÊNCIAS

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n° 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei n° 8.159, de 8 de janeiro
de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF, nov. 2011. Disponível em:
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