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Unidade II

Unidade II
5 O PERÍODO ENTREGUERRAS (1919-1939)

O Período Entreguerras descreve os vinte anos que se seguiram ao fim da Primeira Guerra Mundial
pelo Tratado de Versalhes, em 1919, até o momento que teve início a Segunda Guerra Mundial, em 1939.
Esse lapso de tempo tem sido descrito na história das relações internacionais como um período sombrio
e instável, pois foram anos em que a humanidade vivenciou a depreciação da política internacional
da Liga das Nações e ainda conviveu com o cataclismo da crise capitalista de 1929, viu a ascensão de
regimes totalitários e, por fim, chegou aos horrores de uma nova guerra mundial.

Por isso, as duas décadas que são objetos de estudo aqui são descritas geralmente de forma negativa:
para Jean-Baptiste Duroselle, foi um período de “paz frustrada” ou “paz ilusória”; para René Girault e
Robert Frank, uma época de “turbulência”; Amado Cervo utiliza a expressão “instabilidade internacional”
e Hobsbawm descreve todo o período de 1914 a 1945 como “era da catástrofe” (apud CERVO, 2007b,
p. 131). E. H. Carr, precursor da área de relações internacionais, escreveu um livro voltado exclusivamente
para esse momento histórico, com o título Vinte anos de crise: 1919-1939. No livro, Carr caracteriza o
Período Entreguerras com as seguintes palavras (2001, p. 287):

O aspecto característico dos vinte anos de crise, entre 1919 e 1939, foi a
queda súbita das esperanças visionárias da primeira década para o sombrio
desespero da segunda, da utopia que não se prendia à realidade para uma
realidade da qual a utopia fora rigorosamente excluída. A miragem da década
de vinte, como agora sabemos, era o reflexo tardio de um século anterior
que não se poderia ressuscitar: a idade de ouro de territórios e mercados em
contínua expansão; de um mundo policiado pela hegemonia britânica auto-
afirmada e não muito onerosa; de uma civilização “ocidental” coerente, cujos
conflitos se poderiam harmonizar por um alargamento progressivo da área
de desenvolvimento e exploração comum; dos pressupostos fáceis de que
o que era bom para um era bom para todos, e o que era economicamente
correto não podia ser moralmente errado. A realidade, que certa vez tinha
dado conteúdo a essa utopia, já estava em decadência antes do final do
século dezenove. A utopia de 1919 era vazia e sem substância. Não exerceu
influência alguma no futuro porque não mais possuía raízes no presente.

Como observa Carr, os vinte anos de crise descrevem um momento histórico no qual o sistema
internacional se encontrava em transição. A primeira década embalou as esperanças daqueles que
esperavam que a Primeira Guerra Mundial fosse apenas uma nuvem escura passageira na história
europeia que ficara para trás, possibilitando o retorno da belle époque (expressão que descreve as
décadas de paz e prosperidade do final do século XIX).
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HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Os Estados europeus, reunidos na Liga das Nações, não obtiveram sucesso em retomar a hegemonia
e o consenso que possibilitaram o equilíbrio de poder no longo século XIX. O mundo mudara
substancialmente na virada do século XX. As relações internacionais, antes centradas na Europa,
tomaram amplitude mundial. O capitalismo expandiu-se para os quatros cantos do mapa. Os interesses
políticos tornaram-se globais. Surgiram novas potências de fora do âmbito europeu. Por todos
esses fatores, a Ordem de Viena não era mais suficiente para lidar com tão grandes transformações.

Algo novo, mais moderno e eficiente, deveria entrar em cena para regulamentar a sociedade
internacional, porém a Liga das Nações ainda não dispunha dos mecanismos necessários para isso.
Nem mesmo o capitalismo conseguiria lidar com os novos desafios da era imperial, desembocando
em uma crise sem precedentes em 1929. À década da esperança seguiu-se a década do desespero.
A desilusão foi enorme e deixou claro que não mais seria possível retomar os anos áureos
da belle époque.

No que diz respeito às relações internacionais, Amado Cervo (2007b, p. 135) explica que a
regulamentação da paz na Conferência de Paris em 1919 destruiu o sistema de equilíbrio anterior e
inaugurou um período de instabilidades, marcado “pela reviravolta nas relações entre as potências
e pelo crescimento dos egoísmos nacionais”. Em resumo, a Tratado de Versalhes pôs fim ao Concerto
Europeu, mas foi falho em desenvolver outro mecanismo capaz de superar as crises que estariam por vir
na década de 1930. Ao tentar retomar os parâmetros da Ordem de Viena, Versalhes não se deu conta de
que a sociedade internacional europeia se tornara global.

5.1 A Liga das Nações

Diante da crise do Concerto Europeu na Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes, sob
o patrocínio do presidente norte-americano, criou um novo mecanismo para a administração do
sistema de Estados: a Liga das Nações. O pacto que deu origem à Liga das Nações passou a vigorar
a partir de 10 de janeiro de 1920, sendo que a primeira reunião do Conselho aconteceu no dia
16 do mesmo mês. A Liga das Nações foi a primeira organização internacional universal, composta
inicialmente por 55 membros, abarcando todos os Estados soberanos que decidiram compor seus
quadros. Três potências, contudo, não participaram: os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão (HERZ;
HOFFMANN, 2004).

Observação

Organizações Internacionais governamentais são instituições


compostas por Estados soberanos como a forma mais institucionalizada
de realizar a cooperação internacional. Caracterizam-se por serem
permanentes, com sede e orçamento próprios, possuem aparato
burocrático e funcionários e são dotadas de personalidade jurídica
internacional (HERZ; HOFFMANN, 2004).

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Com sede em Genebra, na Suíça, a Liga das Nações tinha como objetivo promover a paz, o
desarmamento e a segurança de seus membros, por meio da segurança coletiva. Conforme Mônica
Herz e Andrea Hoffmann (2004, p. 75), o conceito de segurança coletiva pode ser entendido da
seguinte maneira:

Um mecanismo internacional que conjuga compromissos de Estados


nacionais para evitar, ou até suprimir, a agressão de um Estado contra o
outro. Ao engendrar uma ameaça crível de que uma reação coletiva, através
de boicotes, de pressões econômicas e de intervenção militar, seria produzida
em qualquer hipótese de agressão, o sistema deveria deter atores dispostos
a iniciar uma empreitada militar. A imensa agregação de recursos de poder
levaria atores racionais a evitar uma derrota já prevista.

A lógica da segurança coletiva, portanto, fundamenta-se na ideia de que todos os membros da


Liga das Nações em conjunto agiriam de forma coletiva para punir aquele que desrespeitasse as regras
e realizasse um ato de agressão bélica contra os outros. A capacidade de reação de todo o sistema
contra o possível agressor faria com que este desistisse de tentar qualquer aventura bélica, temendo a
reação dos demais.

Observe que, para o bom funcionamento do sistema de segurança coletiva, faz-se necessário que
todas as grandes potências, isto é, aqueles Estados capazes de iniciar uma guerra de amplas proporções,
como foi o caso da Primeira Guerra Mundial, devem estar de acordo e participar da organização da
segurança coletiva. Entretanto, na Liga das Nações, como já foi dito, não participaram a Alemanha, os
Estados Unidos e a União Soviética, possibilitando o surgimento de dúvidas quanto à sua eficácia.

Além disso, o sistema de segurança coletiva também se baseia no pressuposto de que é possível
mudar as escolhas e o comportamento dos Estados. Dessa forma, o sistema funciona associado a
arranjos para facilitar o diálogo e possibilitar um espaço para resolução de disputas. O uso da força
fica controlado pela organização, no caso, a Liga das Nações, sendo permitido somente em caso de
legítima defesa. Enfim, o sistema de segurança coletiva tomaria o lugar do equilíbrio de poder, então em
descrédito (HERZ; HOFFMAN, 2004).

A estrutura da Liga das Nações, seguindo a tradição liberal, contemplou a ideia da divisão do poder
entre legislativo, executivo e judiciário, além do secretariado, composto dos funcionários internacionais
responsáveis pelas funções administrativas dos trabalhos na sede do organismo. Dessa forma, a Liga das
Nações compunha-se de um Conselho Executivo, da Assembleia Geral e da Corte Permanente de Justiça,
com sede em Haia, e do Secretariado, conforme figura a seguir.

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HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Quatro membros
Totalidade das nações permanentes e
representadas: quatro eletivos.
55 Estados.

Conselho
Assembleia Executivo

Corte
Secretariado Permanente
de Justiça

Assessoramento Sede em Haia,


aos trabalhos, sede 11 juízes.
em Genebra.

Figura 16 – A estrutura da Liga das Nações

O Conselho Executivo da Liga da Nações era um órgão responsável pelo processo de tomada
de decisões, sendo composto por quatro membros permanentes, as grandes potências França,
Grã-Bretanha, Itália e Japão, e quatro membros eletivos. Posteriormente, a Alemanha e a União Soviética
foram incorporadas como membros permanentes, e os membros eletivos passaram de quatro para
nove. Já na Assembleia, todos os Estados estavam representados, sendo que as reuniões aconteciam
anualmente. Em ambos os órgãos, as decisões eram tomadas por consenso (HERZ; HOFFMANN, 2004).

A Corte Permanente de Justiça começou a funcionar somente em 1922, sendo composta por 11 juízes,
selecionados pelo Conselho e pela Assembleia. Suas atribuições previam o julgamento de casos e
disputas entre os Estados e a missão de opiniões. Contudo, cabia aos Estados a decisão de declarar se
aceitavam ou não a jurisdição da Corte em determinadas disputas, respeitando o princípio da soberania
dos Estados (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Saiba mais

Para conhecer com mais profundidade a Liga das Nações, sugere-se a


leitura do livro:

ALMEIDA, R. A Liga das nações: constituição, estrutura e funcionamento.


Rio de Janeiro: A Noite, 1938.

De forma geral, a Liga das Nações tinha como atribuição promover a diplomacia aberta, mediar
conflitos, o desarmamento e, sobretudo, evitar o dilema da segurança. Porém, o pacto da Liga era
ambíguo no que dizia respeito à segurança do sistema, uma vez que as sanções ao agressor eram

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obrigatórias somente se fossem econômicas. Caso as sanções fossem militares, eram apenas facultativas.
Os meios de coerção não foram definidos, e o arbitramento obrigatório não deu certo. Por isso, a Liga
das Nações não foi capaz de evitar os conflitos da década de 1920, obtendo algum sucesso apenas em
administrar alguns conflitos territoriais (CERVO, 2007b).

Algumas participações da Liga das Nações em alguns conflitos durante o período em que esteve
ativa demonstram, ao menos, a disposição em dar credibilidade a um sistema inovador, com alta
potencialidade. Entre esses conflitos, destacam-se a imposição de sanções econômicas contra a Itália na
ocasião da invasão da Etiópia (1935); a mediação na disputa territorial entre Grécia e Bulgária (1925); a
mediação na disputa territorial entre Iugoslávia e Albânia e fronteira demarcada; a mediação da disputa
entre Suécia e Finlândia pela ilha Asland (1920); e a mediação em disputa territorial entre Bolívia e
Paraguai (1933) (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Após a criação da Liga, em 1920, os anos iniciais foram pouco frutíferos, predominando os
conflitos e a força nas disputas territoriais europeias, até 1925. Entre 1925 e 1929, a organização
vivenciou seus melhores anos. A economia internacional se recuperava rapidamente, os Estados
europeus mostravam-se mais dispostos ao diálogo, resultando em um momento de euforia que deu
origem a uma série de tratados de desarmamento em âmbito da Liga das Nações. O Tratado de
Locarno de 1925 visava garantir a fronteira da Alemanha, inseri-la no Conselho da Liga, e também
impôs a evacuação militar de seu território. Esse tratado foi visto como uma tentativa de conciliação
da Europa com a Alemanha.

Outro acordo ainda mais ambicioso foi o Pacto de Briand-Kellog, de 1928. Esse pacto teve como
propósito banir o recurso à guerra como instrumento da política internacional. Tal proposta, contudo,
não obteve êxito, uma vez que não foi posta em prática. Esses acordos mostram a boa vontade dos
líderes da época pela negociação para a paz, mas também apontam o idealismo em torno de um possível
retorno aos tempos de paz da belle époque, que já não era mais possível.

A maioria das negociações ocorridas na década de 1920 foi realizada em fóruns multilaterais como o
Conselho Supremo da Conferência de Paris e a Conferência de Embaixadores. A Liga das Nações, porém,
beneficiou-se desses acordos como complementos do Pacto e mecanismos de complementação do
sistema de segurança coletiva (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Entretanto, o gerenciamento da segurança coletiva, principal motivo para a existência da Liga


das Nações, foi um total fracasso, como bem mostra os diversos conflitos da década de 1930, que,
gradualmente, lançaram todos em uma segunda guerra mundial. Entre esses conflitos, podem ser
lembrados os seguintes exemplos: as invasões de Corfu e da Etiópia pela Itália, em 1935; a invasão da
Manchúria pelo Japão, em 1931; a absorção da Albânia pela Alemanha, em 1939; e a expansão alemã
na Áustria e na Tchecoslováquia, em 1939 (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Antes desses eventos, porém, já era possível observar a dificuldade de administração da política
internacional pela Liga das Nações. Após o início da crise econômica de 1929, o nacionalismo voltou à
tona, só que agora sob a forma do totalitarismo nazifascista, e as dificuldades do momento entravaram
o diálogo internacional, resultando em projetos expansionistas e belicosos. Nessa década, vários Estados,
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HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

especialmente grandes potências, começaram a abandonar a Liga das Nações e a investir no rearmamento.
O principal exemplo foi a Alemanha, que, sob a liderança de Adolf Hitler, retirou-se da Liga em 1933 e
deu início a um agressivo projeto expansionista na Europa Central. O Japão também se retirou em 1933,
e a Itália em 1937, seguida da maioria dos países latino-americanos (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Por isso, a Liga das Nações não conseguiu organizar a segurança coletiva nem desarmar e evitar
a Segunda Guerra Mundial. A crise da Etiópia, em 1935, quando a Itália invadiu o país africano,
foi o estopim para o total descrédito da Liga. Diante da explícita agressão italiana, a França e a
Grã-Bretanha hesitaram em condenar o agressor e em impor sanções, embora a Etiópia fosse um membro
da organização. A única medida tomada pela Liga das Nações foi a imposição de sanções econômicas,
que, devido à ausência dos Estados Unidos, não surtiram efeito. Nenhuma outra atitude mais dura foi
tomada, e a Liga das Nações acabou aceitando a anexação da Etiópia pela Itália (CERVO, 2007b).

A incapacidade da Liga das Nações de impor medidas coercitivas mais efetivas sobre a Itália abriu
precedente para outras ações do tipo que seriam levadas a cabo pela Alemanha. O episódio da Etiópia
apontava para o fato de que as regras do direito internacional não valiam para as grandes potências.
Por conseguinte, Hitler aproveitou a inércia da Liga das Nações para intervir na Guerra Civil Espanhola,
em 1936, e, em seguida, anexar a Áustria, em 1938, violando acordos internacionais. Apesar dos
protestos e sanções, a Liga das Nações não conseguiu impor medidas que pudessem abalar as ambições
italianas e alemãs.

Críticos apontaram as falhas da Liga das Nações, sua “ingenuidade” frente ao desarmamento e
à insistência no desarmamento, enquanto a Itália empregava a força para incorporar a Etiópia, e a
Alemanha perseguia uma política de investimentos no rearmamento.

Várias são os argumentos levantados para explicar o fracasso da Liga das Nações no gerenciamento
da paz e da segurança coletiva no Período Entreguerras. A ausência da grande potência norte-americana,
cujo próprio presidente havia insistido na criação da Liga, e de outras potências como Alemanha e
União Soviética no início dos trabalhos da organização coloca em questão a universalidade do sistema,
característica necessária para o bom funcionamento da segurança coletiva.

Outro fator que contribuiu sobremaneira para a ineficácia da Liga diz respeito ao seu processo
decisório, isto é, à exigência de unanimidade tanto na Assembleia quanto no Conselho Executivo,
entravando as decisões. Ademais, as resoluções desses órgãos não eram obrigatórias, ficando a critério de
cada Estado a decisão de implementação ou não das determinações da Liga (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Quanto aos mecanismos coercitivos militares, não havia referências claras em relação à definição
de situações em que o sistema deveria ser acionado. Conforme explica Mônica Herz e Andrea Hoffman
(2004, p. 87), a fraqueza da Liga consistia na dificuldade de lidar com situações em que se fazia necessária
a ação militar coletiva caso falhassem as sanções:

O Conselho podia recomendar que as partes contratantes contribuíssem


com forças terrestres, navais e aéreas, para o combate à agressão, mas era
deixada aos Estados, individualmente, a decisão sobre o uso da força. Assim,
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embora o sistema da Liga previsse a possibilidade de autorização de recurso


à força militar coletiva, caso falhassem as sanções políticas comerciais e
financeiras do artigo 16, essa decisão nunca foi tomada.

Dessa forma, a credibilidade da Liga das Nações foi comprometida desde a sua fundação, e a
segurança coletiva não conseguiu substituir o equilíbrio de poder e o dilema da segurança que, nos
vinte anos de crise que se seguiram desde 1919, resultaram na Segunda Guerra Mundial. No entanto,
a Liga das Nações cumpriu um importante papel de aprendizado coletivo que contribuiria para a
fundação da ONU em 1945.

5.2 A Europa

A Europa no Período Entreguerras continuou sendo o centro das relações internacionais, uma
vez que os Estados Unidos haviam se recusado a participar da Liga das Nações. Continuava a Europa
também sendo o foco das maiores instabilidades mundiais na época, marcada por inúmeras disputas
e confrontos territoriais. Contudo, o fato mais marcante no continente europeu nos vinte anos que se
seguiram à Primeira Guerra Mundial foi a rápida mudança política na maioria dos países da Europa,
passando de impérios para democracias e, depois, para regimes totalitários e ditatoriais de extrema
direita ou de esquerda. Como observou Hobsbawm (1995, p. 30), de forma geral, “nenhum dos velhos
governos ficou de pé entre as fronteiras da França e Mar do Japão”.

A Revolução Russa, ocorrida em 1917, teve influência significativa na orientação política dos regimes
europeus do Entreguerras. A ascensão vitoriosa dos revolucionários comunistas contra a fraca tentativa de
instituição da primeira democracia russa causou admiração entre alguns e horrores em outros. Na Hungria,
por exemplo, houve uma tentativa frustrada de seguir o exemplo russo em 1919. Outros movimentos
semelhantes pairavam sobre a Europa; greves em fábricas e mobilizações sociais amedrontavam as elites.
Dessa forma, esses movimentos foram apresentados como justificativas para golpes de todos os tipos pela
direita, colocando fim às democracias (BERMEO, 1998).

Os dados são impressionantes. Em 1920, 28 Estados europeus eram democracias, porém, em 1938,
13 dessas democracias haviam se tornado ditaduras (BERMEO, 1998). O aparecimento do fascismo e do
nazismo foi um acontecimento europeu que levou ao colapso das instituições liberais e democráticas,
não apenas em grande parte da Europa, mas também em outras regiões do mundo. A crise do capitalismo
e recessão econômica que seguiu na década de 1930 fortaleceram ainda mais os regimes totalitários e
levaram ao poder, na Alemanha e no Japão, as forças políticas do militarismo e da extrema direita
(HOBSBAWM, 1995).

No que diz respeito à análise das relações entre os Estados europeus, Amado Cervo (2007b)
observa que o Entreguerras pode ser dividido em três fases: a profusão de problemas e disputas entre
1920 a 1924, atestando que o Tratado de Versalhes não seria suficiente para apaziguar os ânimos; o
entendimento entre França e Alemanha entre 1925 a 1929, que possibilitou a crença de que a Liga das
Nações seria suficiente para orientar a conduta dos Estados no pós-guerra por meio do princípio de
segurança coletiva; e os anos após a crise de 1929, que trouxeram novamente à mesa de discussões os
problemas europeus da primeira fase e ainda a recessão econômica.
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HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Na primeira fase, observa-se a incapacidade do Tratado de Versalhes em resolver os problemas que


surgiram no pós-guerra. A desintegração dos impérios centrais, isto é, o Império Alemão, o Império
Austro-húngaro e o Império Otomano, criou diversos Estados menores, porém com fronteiras indefinidas,
e, por conseguinte, suscitou novos conflitos no Leste Europeu. A Polônia, insatisfeita com o Tratado
de Versalhes, atacou a Rússia em 1920, sendo que a Guerra terminou com a definição de fronteiras
conforme previsto em Versalhes e ainda impôs a independência de Lituânia, Letônia e Finlândia. Da
mesma forma, a Itália entrou em conflito com a Iugoslávia pela afirmação definitiva de fronteiras. Além
desses episódios, é importante mencionar a guerra entre Turquia e Grécia, ocorrida entre 1919 e 1922,
também por questões de partilha territorial (CERVO, 2007b).

Ainda nessa fase, destaca-se a situação da Alemanha, financeiramente arrasada com as indenizações
de guerra em um momento ruim para a economia europeia. O maior problema foi que o Tratado de
Versalhes não havia fixado o valor exato do total da reparação financeira a ser paga aos vencedores.
Inicialmente, até 1921, a Alemanha pagaria 20 bilhões de marcos-ouro; no entanto, após tensas
negociações, o valor definitivo foi acordado em 132 bilhões a serem pagos em anuidades calculadas
conforme os valores das exportações alemãs (CERVO, 2007b).

Apesar de acompanhar a evolução dos recursos do comércio exterior alemão, o valor total era
extremamente alto para um país que carregava sozinho todo o prejuízo da guerra e ainda tinha que lidar
com uma economia agonizante por conta do esforço de guerra. O contexto da Alemanha era sufocante
diante das reparações de guerra. Não sem razão, a Alemanha mostrou-se indignada com as reparações
e, diante das divergências em relação ao Tratado de Versalhes, iniciou negociações em separado com a
União Soviética (antigo Império Russo) para respaldar a paz entre ambos os países. No acordo assinado
entre soviéticos e alemães, estabeleceram-se relações diplomáticas, dívidas mútuas foram perdoadas e
houve a desistência de reparações de guerra.

Diante disso, a França, alegando atrasos nos pagamentos das reparações, invadiu a região alemã
do Ruhr em 1923, rica em minas de carvão, como garantia de pagamento. Tal ação gerou uma pronta
resposta dos operários alemães do local, que resistiram por meio de greves. O desgaste resultou em
nova abertura para negociações em relação à forma como a Alemanha iria realizar o pagamento das
reparações de guerra exigidas no Tratado de Versalhes. Após a análise por uma comissão de peritos, um
novo plano foi fixado para os próximos cinco anos, que previa o pagamento progressivo das reparações
e, ao mesmo tempo, previa a capacidade de recuperação da economia da Alemanha (CERVO, 2007b).

O novo acordo a respeito das reparações possibilitou a desocupação da região do Ruhr pela
França e inaugurou a possibilidade de reconciliação entre os Estados europeus. A partir de 1925, teve
início uma fase em que predominaram o entendimento e a prosperidade econômica, facilitando a
aproximação entre os antigos inimigos na Europa. Nessa fase, como já vimos, a Liga das Nações foi
prestigiada e vários acordos para a manutenção da paz foram firmados. Todavia, a crise econômica
generalizada a partir da quebra da bolsa de Nova York em 1929 pôs fim às esperanças de paz mundial
e inaugurou uma fase complicada para as relações internacionais. Sobre essa época, Hobsbawm
(1995, p. 35) observa que:

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Talvez a guerra seguinte pudesse ter sido evitada, ou pelo menos adiada,
se houvesse restaurado a economia pré-guerra como um sistema global de
próspero crescimento e expansão econômica. Contudo, após uns poucos
anos, em meados da década de 1920, nos quais pareceu ter se deixado para
trás a guerra e a perturbação pós-guerra, a economia mundial mergulhou
na maior e mais dramática crise que conhecera desde a Revolução Industrial.
E isso levou ao poder, na Alemanha e no Japão, as forças políticas do
militarismo e da extrema direita, empenhadas num rompimento deliberado
com o status quo mais pelo confronto, se necessário militar, do que pela
mudança negociada aos poucos. Daí em diante, uma nova guerra mundial
era não apenas previsível, mas rotineiramente prevista.

A crise econômica e financeira que se instaurou a partir de 1930 levou à total descrença do capitalismo
liberal, ao acirramento das tensões e lutas partidárias e à busca de alternativas para encontrar uma
saída da situação de desespero que se alastrou pelo mundo. Amado Cervo (2007b) explica que afetou
as relações internacionais de duas formas: indiferença e hostilidade pela cooperação e pela prática
generalizada de adotar soluções nacionais para problemas internacionais, como a fortificação de
barreiras alfandegárias a fim de estimular a produção nacional, dificultando o comércio internacional e
apelando ao nacionalismo.

O agravamento da situação mundial foi piorando conforme algumas mobilizações internas


possibilitavam a mudança da política externa de três países em específico: a ascensão do nazismo
na Alemanha, por meio da escolha de Hitler para chanceler; o abandono do pacifismo pelo Japão; e
a escolha de Mussolini por uma política externa italiana de força. Assim, a partir de 1933, as tensões
em âmbito interno da Europa tomaram proporções mundiais tanto na esfera dos interesses políticos e
econômicos quanto na esfera militar (CERVO, 2007b).

5.3 União Soviética, Japão e Estados Unidos

O Tratado de Versalhes criou um grupo de nações insatisfeitas que, com o agravamento da crise
econômica internacional na década de 1930, se afastariam definitivamente da concertação com
as potências vigentes, tais como a Itália e a Alemanha. Por outro lado, por motivos diversos, novas
grandes potências não europeias tiveram dificuldades para se inserirem na política internacional
do Período Entreguerras, conduzindo suas políticas externas de forma paralela, ou até mesmo
concorrente, em relação àquela praticada no cerne da Liga das Nações. São elas: União Soviética,
Japão e Estados Unidos. Analisaremos como a conduta dessas novas grandes potências contribuiu
para aumentar o clima de tensão que precedeu a Segunda Guerra Mundial.

Uma vez vitoriosa a revolução comunista após a Revolução Russa em 1917, a União Soviética tinha
como principal objetivo de política externa garantir a sobrevivência dos princípios revolucionários em
suas fronteiras contra o temor de um cerco capitalista.

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HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Observação

A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ou simplesmente


União Soviética, existiu formalmente entre 1922 e 1991. Sua origem se
deu após a Revolução Russa de 1917, à qual se seguiu uma sangrenta
guerra civil em que os partidários do socialismo saíram vitoriosos. Durante
sua existência, a União Soviética era composta por várias repúblicas
centralizadas pelo Partido Comunista na capital, Moscou. Após a queda do
socialismo em 1991, a União Soviética desintegrou-se em quinze Estados
independentes: Rússia, Ucrânia, Estônia, Lituânia, Letônia, Moldávia,
Turcomenistão, Tajiquistão, Cazaquistão, Uzbequistão, Armênia, Geórgia,
Azerbaijão, Quirguistão e Bielorrússia.

Porém, a Revolução Russa, na cabeça de seus formuladores, não era apenas uma revolução nacional,
mas sim uma revolução mundial, em que, na Rússia, somente o primeiro passo tinha sido dado. Ademais,
os revolucionários russos conquistaram a simpatia de outros movimentos socialistas na Europa, fato
que amedrontou as elites ocidentais. A mensagem do novo governo soviético que se instalara na Rússia
era direcionada não aos demais governos nacionais, mas aos movimentos socialistas em todo o mundo
(HOBSBAWM, 1995).

A resposta imediata dos governos ocidentais foi uma brusca tentativa de isolar a União Soviética para
conter qualquer possibilidade de revolução mundial. Além disso, muitos países europeus começaram
a apoiar a guerra dos contrarrevolucionários para desestabilizar o governo soviético. A dificuldade e
os obstáculos encontrados para exportação da revolução fizeram com que os líderes da Revolução
Russa, sobretudo, Lenin, deixassem de lado essa política externa e se voltassem para a consolidação da
revolução apenas nas fronteiras russas.

Entre 1921 e 1922, Lenin deu início à nova política econômica, que, em termos de política externa,
significou, na reconstrução pacífica da Rússia, a fixação de fronteiras por meio da negociação e o
fim dos bloqueios econômicos. O novo país, doravante denominado União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS), começou a participar ativamente das conferências e reuniões internacionais, bem
como procurar parcerias comerciais. Como resultado, Alemanha e Grã-Bretanha formalizaram acordos
de cooperação comercial com a União Soviética entre 1921 e 1924. Era de grande interesse da política
externa soviética o reconhecimento internacional no novo país, e, por isso, seus líderes investiram em
acordos comerciais e alianças para obter o reconhecimento estrangeiro. No entanto, a União Soviética
não participava da Liga das Nações, considerando-a um instrumento do capitalismo (CERVO, 2007b).

Após a morte de Lenin, em 1924, Yosef Stalin assumiu o controle da União Soviética, dando
continuidade à política externa formulada por seu antecessor. Na prática, a construção e o fortalecimento
do Estado soviético eram seu objetivo principal, deixando de lado a possibilidade de levar a revolução
além das fronteiras soviéticas. A esse respeito, Hobsbawm (1995, p. 62) observa que:

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No fim, os interesses de Estado da União Soviética prevaleceram sobre


os interesses revolucionários mundiais da Internacional Comunista, que
Stalin reduziu a um instrumento da política de Estado soviético, sob o
estrito controle do Partido Comunista soviético, expurgando, dissolvendo e
reformando seus componentes à vontade. A revolução mundial pertencia à
retórica do passado, e na verdade qualquer revolução só era tolerada se a)
não conflitasse com o interesse de Estado soviético; e b) pudesse ser posta
sob controle soviético direto.

Desse modo, até a Segunda Guerra Mundial, a política externa da União Soviética seria retraída,
porém ativa no que se refere a manter a segurança externa e a paz interna por meio da manutenção de
relações diplomáticas com as demais potências (CERVO, 2007b).

O esforço para consolidação dos princípios revolucionários e de uma economia planejada e guiada
pelo governo central possibilitou que a crise econômica dos anos de 1930 não afetasse a União Soviética
da mesma forma que o mundo capitalista. Enquanto o mundo todo se debatia na estagnação e no
desemprego, na União Soviética, não só não havia desemprego como também se industrializava e crescia a
taxas impressionantes. A produção industrial triplicou e subiu de 5% a participação soviética dos produtos
manufaturados no mundo em 1929 para 18% em 1938 (HOBSBAWM, 1995).

Dessa forma, no início da Segunda Guerra Mundial, a União Soviética, que antes era um país agrário
e uma potência menor entre os grandes, derrotada pela Alemanha em 1917, havia se transformado em
uma potência industrial de primeira grandeza e polo de poder econômico, porém com uma ideologia de
organização do Estado e da sociedade completamente diversa da dos aliados ocidentais. Causa mesmo
estranheza pensar que durante a Segunda Guerra Mundial os soviéticos seriam aliados dos capitalistas
franceses, britânicos e norte-americanos.

O Japão saiu como um dos vitoriosos na Primeira Guerra Mundial, tornando-se uma potência
hegemônica no extremo oriente. Pelo Tratado de Versalhes, o Japão obteve as colônias alemãs no
oriente e ainda não foi criticado a respeito de seu expansionismo na China. Entretanto, os interesses
japoneses no Pacífico, em pouco tempo, começaram a se chocar com uma nova grande potência que
se movimentava na mesma direção: os Estados Unidos. A rivalidade entre ambos seria um fator de
contribuição para aproximação entre Japão e Alemanha.

Essa aliança com os alemães nada tinha a ver com as ideologias vigentes na época. O Japão da
década de 1930, apesar de ser sustentado por um governo imperial nacionalista de direita, não era
fascista, como os governos da Itália e da Alemanha. Porém, a estratégia expansionista japonesa facilitou
o entendimento com as potências europeias, na medida em que se acirravam os problemas com os
Estados Unidos no Pacífico.

Além disso, o grande número populacional, a insuficiência de recursos naturais e a baixa possibilidade
de dinamizar o comércio exterior devido ao protecionismo generalizado instaurado nos anos de crise
causaram impactos negativos sobre o Japão em sua política externa. Diante dessas condições, Amado
Cervo (2007b) explica que o Japão possuía apenas três alternativas de política externa: conciliar-se
80
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

com os ocidentais, caso não pudesse enfrentá-los; investir na afirmação da hegemonia regional sem,
contudo, confrontar os ocidentais; e confrontar a ordem internacional imposta a partir do Tratado de
Versalhes para superar o isolamento.

Na década de 1930, o Japão gradualmente optou pela terceira opção, dando continuidade à
construção do Império Japonês na Ásia. A Manchúria, desde a guerra russo-japonesa de 1904-1905, já
era economicamente dominada pelo Japão, apesar de integrar o território da China. A partir de 1930,
o Japão investiu definitivamente na região da Manchúria, enfrentando a resistência chinesa, que, no
entanto, só fez empurrar os japoneses em direção à Manchúria do Sul, invadida em 1931.

Uma vez estabelecidos no local, os japoneses instalaram um novo governo, colocando lá o último
imperador da dinastia Manchu. Em seguida, em 1932, forjaram a independência da Manchúria em
relação à China e criaram o Estado fantoche de Manchuko, subordinado ao Japão. Militarmente incapaz
de expulsar os japoneses, a China tentou apelar à Liga das Nações, não somente devido à situação da
Manchúria, mas também por causa da incursão do Japão em outras áreas de seu território (CERVO, 2007b).

Os ocidentais, contudo, pouco fizeram para paralisar o avanço japonês sobre a China e ainda
desmoralizaram a Liga das Nações devido à recusa de impor sanções mais efetivas ou militares ao Japão.
Para britânicos e franceses, a China não suscitava nenhum interesse naquele momento, além de ser
considerada uma potência menor entre o concerto de nações. Dessa forma, Amado Cervo (2007b, p. 150)
observa que “a Manchúria permaneceu como Estado criado à força contra as regras da segurança
coletiva, como primeiro golpe mortal contra a autoridade da Sociedade das Nações”.

Já para os Estados Unidos, a expansão japonesa no continente asiático não representava uma ameaça
aos seus interesses na região, visto que sua política externa limitava-se ao local das ilhas oceânicas no
Pacífico. Além disso, os norte-americanos preferiam empregar exclusivamente a diplomacia nos assuntos
referentes à Ásia. Após esses sucessos, o Japão finalmente retirou-se da Liga das Nações em 1933.

Os Estados Unidos, ao fim da Primeira Guerra Mundial, tornaram-se a maior potência econômica
no sistema internacional. Distantes das instabilidades políticas e dos problemas territoriais europeus, os
norte-americanos se encontravam em uma posição privilegiada de segurança internacional e de
estabilidade interna. Apesar de o presidente norte-americano ter sido um dos entusiastas da Liga das
Nações, o senado, empregando o discurso de tradição não intervencionista dos Estados Unidos em
assuntos europeus, rejeitou o Tratado de Versalhes, que impediu os Estados Unidos de participarem da
recém-criada organização. Dessa forma, foi assinado um acordo em separado com a Alemanha que
possibilitou a retirada das forças militares norte-americanas da Europa (CERVO, 2007b).

No entanto, o peso da economia norte-americana e a posição de potência que ocupava no cenário


internacional do pós-guerra possibilitaram aos Estados Unidos ter grande prestígio na participação
de conferências diplomáticas e financeiras internacionais. Além disso, empréstimos e investimentos
financeiros norte-americanos foram essenciais para a reconstrução da economia europeia
na década de 1920.

81
Unidade II

Havia, portanto, amplas possibilidades para a elaboração da política externa dos Estados Unidos;
porém, sua ação concentrou-se na plataforma regional como estratégia para consolidação da base
continental de segurança. Desse modo, os norte-americanos privilegiaram as relações com a América
Latina, que, durante a guerra, havia substituído a Europa pelos Estados Unidos como destino de suas
exportações e como fonte de importações. As conferências pan-americanas foram o foco nesse período,
parte de uma estratégia para alimentar a solidariedade continental e desfazer a imagem agressiva e
interventora dos Estados Unidos na região do passado recente.

Na década de 1930, devido à crescente influência alemã no comércio latino-americano, os Estados


Unidos renovaram suas ações e investiram na chamada política da boa vizinhança no continente, que
consistia na construção de uma imagem positiva e amistosa entre Estados Unidos e latino-americanos por
meio da cooperação econômica, militar e, especialmente, cultural. Nesse período, foram características as
produções da Walt Disney de personagens latinos em interação com personagens símbolos da produtora
norte-americana.

Saiba mais

Para ter uma ideia mais elaborada da política da boa vizinhança


norte-americana, assista à animação:

ALÔ, amigos. Direção: Wilfred Jackson; Bill Roberts; Hamilton Luske;


Jack Kinney. Estados Unidos: Walt Disney, 1942. 45 min.

A prosperidade e bonança que os norte-americanos vivenciaram nos 1920, contudo, viriam a


desmoronar na Grande Depressão em que o mundo capitalista mergulhou após a quebra da bolsa de
valores de Nova York em 1929. A crise teve seu epicentro nos Estados Unidos, porém seus efeitos se
propagaram pela Europa e, em seguida, para todo o globo.

Em menos de dois anos, todos os dados econômicos, antes em franca ascensão, tornaram-se
negativos. Entre todos os indicadores, o mais assombroso foram os níveis de emprego. Sobre o tema,
Hobsbawm (1995) observa que, no pior período da Depressão (1932-1933), 22% a 23% da força de
trabalho britânica e belga, 24% da sueca, 27% da americana, 29% da austríaca, 31% da norueguesa,
32% da dinamarquesa e nada menos que 44% da alemã não tinham emprego.

Para compreensão dos motivos que levaram a uma crise tão profunda no sistema capitalista após
uma rápida expansão, não basta apenas apontar para os quatro anos da guerra mundial. Os Estados
Unidos haviam participado do conflito somente em seus últimos meses e, mesmo assim, o polo de seu
poder econômico esteve distante dos principais campos de batalha e não foi afetado pela destruição
da guerra. Ao contrário, os Estados Unidos foram o país que mais se beneficiou dos anos de conflito,
pois a guerra não apenas reforçou sua posição como maior produtor industrial do mundo, como os
transformou no maior credor do mundo. Tudo isso, contudo, não foi suficiente para impedir que
os norte-americanos sofressem duramente com os efeitos da depressão capitalista da década de 1930.

82
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A pior crise capitalista do século XX não pode ser explicada sem se analisar a posição central que os
Estados Unidos, enquanto nova grande potência industrial e econômica mundial, ocupavam no cenário
global, bem como as atitudes tomadas pelos norte-americanos a esse respeito. Hobsbawm (1995,
p. 82) cita dois fatores para a explicação da crise, sendo que um deles diz respeito exclusivamente
aos Estados Unidos:

Em suma, não há explicação para a crise econômica mundial sem os EUA. Eles
eram, afinal, tanto o primeiro país exportador do mundo na década de 1920
quanto, depois da Grã-Bretanha, o primeiro país importador. Importavam
quase 40% de todas as exportações de matérias-primas e alimentos dos
quinze países mais comerciais, um fato que ajuda muito a explicar o
desastroso impacto da Depressão nos produtores de trigo, algodão, açúcar,
borracha, seda, cobre, estanho e café. Pelo mesmo motivo, tornaram-se a
principal vítima da Depressão. Se suas importações caíram em 70% entre
1929 e 1932, suas exportações caíram na mesma taxa. O comércio mundial
teve uma queda de quase um terço entre 1929 e 1939, mas as exportações
americanas despencaram para quase a metade.

Nesse sentido, o primeiro fator de suma relevância para compreensão da Grande Depressão era o
crescente desequilíbrio na economia internacional devido à assimetria de desenvolvimento entre os
Estados Unidos e o resto do mundo, isto é, o sistema mundial não funcionou porque, ao contrário
da Grã-Bretanha, que fora o centro antes de 1914, os Estados Unidos não precisavam muito do resto
do mundo e, portanto, diferentemente da Grã-Bretanha, que cuidava para que seu sistema financeiro
permanecesse estável, os Estados Unidos não se preocuparam em agir como estabilizador global.
Os norte-americanos não dependiam tanto do resto do mundo porque sua história foi marcada pela
busca da autossuficiência da produção interna. Porém, o aprendizado dos anos de crise influenciou
os Estados Unidos para assumir a responsabilidade pela estabilidade da economia mundial após 1945
(HOBSBAWM, 1995).

O segundo fator observado por Hobsbawm (1995) para o entendimento da Grande Depressão diz
respeito à incapacidade da economia mundial de gerar demanda suficiente para sustentar uma expansão
em longo prazo. As desigualdades resultantes do capitalismo liberal estagnaram o crescimento dos
salários das classes menos favorecidas, ao passo que os mais ricos desfrutavam dos altos lucros para
investir na produção. Com os salários ficando para trás, a demanda não cresceu o bastante para expandir
o consumo, gerando uma crise de superprodução.

Um desafogo para a economia norte-americana viria apenas com a eleição de Franklin D. Roosevelt,
em 1933, que elaborou um conjunto de medidas com o objetivo de superar ou ao menos amenizar os
efeitos da crise. Esse programa político-econômico ficou conhecido como New Deal, em português, Novo
Acordo, cujas principais ações previstas eram: desvalorização do dólar para dinamizar as exportações;
criação de um sistema de seguridade social para amparar os trabalhadores; controle estatal sobre os preços
e a produção; empréstimos a bancos para evitar a falência do sistema financeiro; investimento maciço
em uma grande quantidade obras públicas para gerar empregos e renda. Este último item era de suma
importância, dado o grande número de desempregados, e, por isso, foi o principal objetivo do New Deal.
83
Unidade II

As medidas do New Deal, de forma geral, foram bem-sucedidas, uma vez que, dez anos após sua
implementação, a economia norte-americana já conseguia recuperar-se razoavelmente da Grande
Depressão. Porém, os efeitos da crise econômica somente seriam completamente superados com o
esforço dos investimentos governamentais na Segunda Guerra Mundial.

5.4 América Latina, África e Ásia

Uma característica de extrema importância que marcou o período entre as duas grandes guerras
mundiais foi a constante pluralização da sociedade internacional. Até a Primeira Guerra Mundial, a
Europa, a partir do moderno sistema de Estados soberanos, havia sido o centro das relações internacionais,
e foi a partir do continente europeu que esse sistema, com suas regras e padrões, expandiu-se para o
mundo durante o século XIX.

Entretanto, no Período Entreguerras, era evidente a decadência europeia por dois motivos
substanciais: primeiro, os quatro anos de guerra haviam não apenas enfraquecido as potências europeias,
como também destruído o Concerto Europeu, mecanismo de equilíbrio de poder pelo qual as relações
internacionais eram regulamentadas até então; e, segundo, o número de novos membros integrantes
dessa sociedade ampliou consideravelmente, ampliando também os interesses em pauta.

Foi visto que novas potências não europeias tornaram-se atores importantes e com peso considerável
na dinâmica internacional. Porém, outros Estados, ainda que com menor capacidade que as grandes
potências, também contribuíram para a universalização da sociedade internacional no período analisado,
impondo novas necessidades de organização sistêmica.

Entre esses novos atores, a América Latina, desde o início do século XIX, cumpria um papel fundamental,
uma vez que representava a extensão da sociedade internacional europeia tanto no compartilhamento
de ideais e valores quanto na formação de uma rede de contatos e fluxos entre o continente europeu
e a sub-região americana. Até a Primeira Guerra Mundial, o comércio exterior da América Latina era
realizado quase em sua totalidade com a Europa, além de receber grande parte dos migrantes europeus
que vinham em massa para a América.

O contexto geopolítico latino-americano, contudo, mudaria radicalmente durante os anos de guerra.


A centralidade dos Estados Unidos na substituição dos europeus no comércio exterior da América Latina
já era crescente mesmo antes da guerra, porém foram nos anos de conflito que os norte-americanos
suplantaram os europeus nas relações comerciais com a América Latina. Essa mudança no eixo econômico
também seria resultante de um esforço político e militar dos Estados Unidos que, na América Central e
no Caribe, as intervenções norte-americanas já se faziam sentir desde o início do século XX.

No Período Entreguerras, portanto, as relações latino-americanas estavam centradas nos Estados


Unidos, que, enquanto grande potência continental, tomaram definitivamente o lugar dos europeus.
As conferências continentais lideradas pelos Estados Unidos, chamadas de Conferências Pan-americanas,
começaram a ocorrer anualmente com crescente presença dos países latino-americanos. Desse modo,
no decorrer dos anos de 1920, as orientações de política externa da América Latina foram se alterando

84
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

aos poucos, possibilitando a realização da política de boa vizinhança pelos Estados Unidos nos anos que
se seguiram (CERVO, 2007b).

Na Liga das Nações, a presença latino-americana era forte; no entanto, uma vez que o organismo
era monopolizado pelos problemas europeus, os países da América Latina se retiraram e focavam seus
esforços diplomáticos nas conferências pan-americanas, em que os princípios de não intervenção e
autodeterminação eram amplamente debatidos. Além disso, as comissões de arbitragem organizadas a
partir da solidariedade continental tiveram papel importante na resolução de disputas fronteiriças que
surgiram nesse período, envolvendo Peru e Colômbia, Peru e Chile e Paraguai e Bolívia (CERVO, 2007b).

Assim, durante as duas guerras mundiais, a América Latina, região distante dos focos de tensão
internacional, preocupava-se com suas próprias demandas em âmbito apenas continental, devido à falta
de abertura para discussão da pauta latino-americana nos organismos multilaterais mundiais. A relativa
tranquilidade latina na década de 1930, porém, foi fortemente afetada pela crise econômica internacional.
A Grande Depressão, em um primeiro momento, teve impactos diretos sobre o sistema financeiro e a
política econômica dos países latino-americanos. Em um segundo momento, houve aprofundamento da
crise, afetando também a própria estrutura política e social das sociedades em questão.

No que diz respeito à orientação econômica, o impacto negativo ocorreu tanto sobre as exportações
de alimentos e outros produtos primários quanto sobre a importação de bens manufaturados. Devido
à dificuldade de equilibrar a balança de pagamentos, a solução encontrada pelos latino-americanos foi
investir na industrialização como forma de substituir as importações, de modo a produzir internamente
aquilo que já não havia recursos para comprar de fora (CERVO, 2007b).

Já no que diz respeito à estrutura política, os governos locais, geralmente oligarquias sustentadas
pela agroexportação, caíram com o impacto da crise. No entanto, como observa Hobsbawm
(1995), não caíram todos na mesma direção. Na Colômbia, no Chile e no Peru, chegaram ao poder
governos de orientação social, ao passo que na Argentina e no Brasil ascenderam políticos de cunho
populista-nacionalista, com orientação mais conservadora, porém de amplo apelo popular. Em resumo,
apesar das diferenças ideológicas, o fato é que novas elites, ligadas aos setores urbanos e industriais,
chegaram ao poder nos governos de vários países latino-americanos, fortalecendo a centralidade do
Estado como condutor das políticas econômicas.

Essas mudanças na estrutura econômica e política latino-americana ampliaram a busca por


autonomia e maior participação na política internacional, acirrando as tensões pela disputa de influência
na América Latina entre as potências em ascensão, especialmente os Estados Unidos e a Alemanha
nazista. A influência fascista na América Latina foi acentuada e abertamente reconhecida por políticos
individuais, como Juan Domingo Perón na Argentina, e por regimes, como o Estado Novo de Getúlio
Vargas no Brasil. De qualquer forma, os efeitos da influência fascista nos governos latino-americanos
ficaram, em grande parte, restritos ao âmbito interno, visto que, à exceção da Argentina, os demais
países da América Latina apoiaram os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.

Para além da América Latina, a dinamização da sociedade internacional no período entre as


grandes guerras contou também com uma mudança significativa do Império Britânico, que evoluiu
85
Unidade II

para Commonwealth, isto é, uma comunidade de nações originárias da colonização britânica.


O reconhecimento da igualdade entre a Grã-Bretanha e grande parte de suas colônias ampliou a
participação de novas nações que passaram a integrar o sistema internacional de Estados, tornando-o
cada vez mais global e diversificado.

A formação da Commonwealth teve início nas conferências imperiais realizadas pela Grã-Bretanha
com suas colônias a partir de 1887 com o objetivo de viabilizar um canal de diálogo que possibilitasse
mais autonomia aos domínios. Durante a Primeira Guerra Mundial, as colônias destacaram soldados para
lutar pela causa britânica e, por conseguinte, exigiram participar da Conferência de Paris com delegados
próprios. Ao fim, assinaram o Tratado de Paz e ingressaram na Liga das Nações (CERVO, 2007b).

Na Conferência Imperial de 1926, foi finalmente decidido que a Grã-Bretanha e seus domínios
reconheciam-se como iguais e soberanos em termos de autodeterminação e política externa, sendo
que permaneciam unidos ao reconhecer a família real britânica como representante da unidade e se
associavam livremente em uma Comunidade Britânica de Nações. Assim, em 1931, pelo Estatuto de
Westminster, foi formalizada a independência de Austrália, Canadá, Nova Zelândia e África do Sul.

Saiba mais

Conheça a página web da Commonwealth:

https://thecommonwealth.org/

A estrutura política desses novos países segue as características do parlamentarismo britânico. Cada
nação tem seu próprio parlamento, que elege o primeiro-ministro, o chefe de governo, responsável pela
execução de um plano de governo internamente. No plano externo, o chefe de Estado é representante
da monarquia britânica, atualmente, a rainha Elizabeth II. Na prática, os interesses de cada Estado são
representados pelo seu parlamento, sendo a monarquia apenas representação simbólica de valores e da
solidariedade entre as nações de herança cultural e colonial britânica.

A partir de 1949, a estrutura da Commonwealth foi ampliada para possibilitar o ingresso de novos
Estados originários do antigo Império Britânico, que, todavia, optaram pela forma de governo republicana
e, por isso, não reconheciam a família real britânica como chefe de Estado, mas tinham a intenção de
compartilhar os valores e participar da cooperação com as demais antigas colônias britânicas. Atualmente,
a Commonwealth conta com 53 membros, sendo a maioria antigas colônias britânicas, porém já não é
mais necessário ter sido parte do Império Colonial Britânico para ingressar na Comunidade.

Observa-se, portanto, que a Primeira Guerra Mundial foi o primeiro conjunto de acontecimentos que
abalou seriamente a estrutura do colonialismo mundial. Além de destruir o Império Alemão, o Império
Austro-húngaro e o Império Otomano, gerou tensões nas regiões dependentes do Império Britânico
devido aos recursos que a Grã-Bretanha precisou mobilizar (HOBSBAWM, 1995).

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HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A Primeira Guerra Mundial abalou principalmente o Império Britânico, porém, a Grande Depressão
atingiu todo o mundo colonial. No final da década de 1930, a crise do colonialismo espalhava-se por
outros impérios, e apenas permaneciam em expansão os Impérios Italiano e Japonês. No Império Francês,
vários movimentos políticos pela independência surgiram no norte da África, especialmente na Argélia e
na Tunísia. Na Indonésia, colônia holandesa, Achmed Sukarno dava início a um movimento pacífico pela
autonomia, da mesma forma que Mahatma Gandhi na Índia, ainda uma colônia britânica (CERVO, 2007b).

Contudo, esses movimentos ainda eram frágeis, o perigo do anticolonialismo ainda parecia remoto
aos olhos dos colonizadores europeus. A maior parte da região central da África continuava calma,
pois os nacionalismos locais eram raros e pouco articulados, visto que a economia e sociedade colonial
consistiam basicamente no universo rural.

Foi somente após a Segunda Guerra Mundial que houve uma transformação significativa nos
movimentos pela independência nos Impérios Coloniais. De acordo com Hobsbawm (1995), o fato de
que a França e a Grã-Bretanha eram facilmente acuadas pelas potências do eixo, isto é, a Alemanha
nazista, Japão e Itália, na maior parte da Segunda Guerra Mundial, mostrou aos povos colonizados que
as metrópoles colonizadoras não eram invencíveis. Além disso, as potências coloniais já se encontravam
fracas demais, mesmo após a vitória com auxílio dos Estados Unidos e da União Soviética, para manterem
suas possessões imperiais.

5.5 A retomada das hostilidades

Diferentemente da Primeira Guerra Mundial, que gerou vários debates sobre sua causa, a Segunda
Guerra Mundial, segundo Eric Hobsbawm (1995), pode ser resumida em duas palavras: Adolf Hitler. Não
houve dúvidas de que as agressões resultantes na nova guerra mundial foram causadas pela Alemanha
nazista e seus aliados. Os Estados arrastados para a guerra contra os três (Alemanha, Itália e Japão) não
queriam a guerra e fizeram de tudo para evitá-la. A ascensão de Hitler ao poder na Alemanha em 1933,
portanto, foi o ponto de partida para a retomada das hostilidades na Europa.

Claro que a complexidade e instabilidade do sistema internacional durante os vinte anos entre as
duas guerras mundiais não permitem que a resposta à pergunta sobre a causa da Segunda Guerra
Mundial seja assim tão simples. Tanto que o mesmo Hobsbawm observa que, na “era da catástrofe”, a
Segunda Guerra nada mais é do que a continuação da Primeira. De fato, a paz imposta pelo Tratado de
Versalhes não poderia ser duradoura, pois os termos do tratado não possibilitaram a reintegração dos
vencidos. Pelo contrário, tentaram esmagar a Alemanha de tal forma que tornasse impossível um novo
conflito, mas falharam:

As potências vitoriosas buscaram desesperadamente o tipo de acordo de


paz que tornasse impossível outra guerra como a que acabara de devastar
o mundo e cujos efeitos retardados estavam em toda parte. Fracassaram
da forma mais espetacular. Vinte anos depois, o mundo estava de novo em
guerra (HOBSBAWM, 1995, p. 32).

87
Unidade II

A situação imposta por Versalhes na Europa, seguida do fracasso da Liga das Nações em regulamentar
a ordem do pós-guerra, era muito instável. Esse contexto foi ainda agravado pelos efeitos da Grande
Depressão gerada pela crise econômica de 1929. A insatisfação alemã quanto às cláusulas da paz,
principalmente no que se refere às reparações de guerra, tornou-se insustentável com a instauração
da crise econômica dos anos 1930. Por isso, todos os partidos na Alemanha, independentemente de
ideologias, combinavam no que diz respeito à condenação do Tratado de Versalhes.

Porém, não apenas a Alemanha saiu insatisfeita com o acordo de paz do pós-guerra; a Itália e o
Japão, mesmo do lado dos vencedores, também não ficaram satisfeitos. Os italianos obtiveram algumas
possessões territoriais pretendidas em troca da participação na Primeira Guerra ao lado da Tríplice
Entente, contudo, somente uma parcela foi atendida, ficando distante daquilo que havia sido prometido
previamente. O Japão, por sua vez, ansiava tornar-se uma potência colonial nos moldes do colonialismo
ocidental, visto que suas metas de crescimento econômico e a pressão demográfica faziam com que a
necessidade de recursos naturais fosse cada vez maior. Essa pretensão, porém, foi ignorada em Versalhes
(HOBSBAWM, 1995).

Na Alemanha, além das reparações, várias questões deixavam a análise mais complexa. A ascensão
de Hitler no momento que o fascismo se expandia na Itália de Mussolini representava o declínio
da sociedade liberal e início de uma política de reformulação tanto da sociedade alemã e europeia
quanto de toda a ordem internacional. Para tanto, o plano formulado por Hitler previa a reformulação
das relações internacionais a partir da formação do III Império Alemão sob sua liderança. Essa nova
Alemanha incluía o rearmamento, a anexação de todos os territórios onde houvesse alemães, o
extermínio de povos considerados inferiores e a expansão do Império Alemão na Europa oriental.
Uma vez alcançados esses objetivos, o próximo passo seria o domínio de toda a Europa e mundial da
Alemanha (CERVO, 2007b).

Observação

O fascismo descreve um regime político no qual o Estado orgânico, isto é,


total, é o centro da organização política, suprimindo as liberdades individuais
por meio de um discurso legitimador do líder. Enfatizam-se o nacionalismo
e os valores de raça e nação sobre os valores individuais; reforçam-se valores
tradicionais, como o papel feminino na família; e é representado por um
governo autoritário e centralizado sob a liderança de um ditador. Sua primeira
manifestação foi na Itália, em 1892, por meio de Benedito Mussolini. Na
Alemanha, ficou conhecido como nazismo, sob a figura de Adolf Hitler.

O movimento fascista do qual derivou o nazismo alemão através do partido nacional-socialista era
de extrema direita, inconformado com os valores iluministas do século XVIII propagados pela Revolução
Francesa, quais sejam, democracia, liberalismo e, especialmente, comunismo. Autoritário e hostil às
instituições liberais, favorecia os militares e o poder da polícia como instrumentos de coerção contra
a subversão, além de promover o nacionalismo, em parte, por causa do ressentimento contra Estados

88
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

estrangeiros e as guerras perdidas, e, em parte, porque o lema da bandeira nacional era um caminho
para agradar as massas e conseguir apoio e legitimidade (HOBSBAWM, 1995).

Nesse processo, a promoção de uma suposta “raça superior” resultou na perseguição e extermínio
em massa de todos os outros povos considerados inferiores, especialmente os judeus, mas não somente,
pois ciganos, negros, homossexuais e dissidentes políticos também foram perseguidos e mortos pelo
regime nazista. Somente nos campos de concentração, foram mortos cerca de seis milhões de judeus,
episódio que entrou para a história como Holocausto.

Saiba mais

Para conhecer mais detalhes sobre os campos de concentração


concebidos pelo nazismo, assista ao documentário:

UM DIA em Auschwitz. Direção: Steve Purcell. Mundial: USC Shoah


Foundation, 2015. 47 min.

O sentimento de ódio aos judeus teve início no final do século XIX em vários países, porém era
mais forte na Europa central e oriental, onde a quantidade de judeus era maior. Esse sentimento tinha
origem no ressentimento da sociedade em ampla crise social e econômica, que pressionava as pessoas
comuns nos movimentos trabalhistas ou no trabalho de grandes empresas capitalistas. Tinha origem
também no ressentimento pela perda de posição social que havia ocupado no passado, ou no status
que era almejado, mas não possível na atual estrutura social.

Conforme explica Hobsbawm (1995, p. 99), os judeus representavam não apenas as funções sociais
almejadas que por eles eram ocupadas em sua maioria, mas também as liberdades possibilitadas pelas
revoluções sociais do século XVIII:

Os judeus estavam presentes em quase todo lugar e podiam simbolizar com


facilidade tudo o que havia de mais odioso num mundo injusto, inclusive
seu compromisso com as ideias do Iluminismo e da Revolução Francesa que
os tinham emancipado e, ao fazê-lo, os haviam tornado mais visíveis. Eles
podiam servir como símbolos do odiado capitalista/financista; do agitador
revolucionário; da corrosiva influência dos “intelectuais sem raízes” e dos
novos meios de comunicação; da competição – como poderia ela ser outra
coisa que não “injusta”? – que lhes dava uma fatia desproporcional dos
empregos em certas profissões que exigiam educação; e do estrangeiro e
forasteiro como tal.

Os movimentos fascistas, autoritários e conservadores, não possuíam um programa ideológico em


particular, somente empregavam o discurso do nacionalismo e do anticomunismo, representando,
em suma, um movimento de negação às inspirações liberais progressistas. Regimes autoritários de

89
Unidade II

cunho fascista dominaram a maior parte da Europa após 1933 e organizavam sua política externa, as
negociações de paz ou guerra, em termos de suas aspirações internas que perseguiam como necessidade
de vida ou morte. Dessa forma, a Europa foi empurrada para a guerra quando Hitler começou a pôr em
prática sua política de expansão territorial alemã para leste à custa de outros Estados enquanto uma
questão de necessidade, o espaço vital, para a Alemanha.

A formação do III Império Alemão ocorreu em etapas com pouca resistência por parte das democracias
europeias que ainda existiam. O primeiro passo foi a anexação da Áustria no início de 1938 por meio
de uma intervenção seguida da realização de um referendo para aprovar as leis que possibilitariam a
união entre as duas nações. Nesse referendo, 99% dos votos foram favoráveis à junção. Após a anexação
da Áustria, Hitler avançou sobre a Tchecoslováquia, onde viviam cerca de três milhões de alemães na
região de Sudetos.

A ameaça de guerra para a anexação de Sudetos mobilizou a França e a Grã-Bretanha para


amenizarem a situação. Após negociações com a Alemanha, na Conferência de Monique, as democracias
ocidentais concordaram com a anexação e deram um ultimato à Tchecoslováquia para ceder a região
de Sudetos à Alemanha em nome da paz. Amado Cervo (2007b) observa que a fraqueza de franceses
e britânicos diante das ambições de Hitler significou o triunfo do nazismo sobre a política europeia e,
além disso, provocou o endurecimento da ditadura interna na Alemanha.

Assim, em março de 1939, diante da estupefação da Europa e do mundo, Hitler invadiu a


Tchecoslováquia e não apenas anexou a região de Sudetos, mas também a Boêmia e a Morávia, e cedeu
outras partes à Polônia e à Hungria. Em seguida, no mês de abril, foi a vez de a Itália atacar e anexar a
Albânia, resultando na formalização de uma aliança de entendimentos mútuos entre ambos os países,
chamado Pacto do Aço, que formou o Eixo Roma-Berlim, ao qual viria se juntar o Japão.

Após o desmantelamento da Tchecoslováquia, o líder alemão fez exigências à Polônia e à Lituânia,


ato que gerou protestos por parte da Grã-Bretanha e da França, que, em resposta, deram garantias
militares à Polônia, à Romênia e à Grécia. Por sua vez, a União Soviética, sentindo-se insegura com as
ações alemãs no Leste Europeu e isolada sem o apoio de franceses e britânicos, optou por negociações
diretas com a Alemanha.

Assim, em 23 de agosto, em uma convenção secreta, os ministros alemão e soviético firmaram um


tratado de não agressão que previa não somente garantias mútuas de respeito às fronteiras soviéticas,
como também a divisão do Leste Europeu entre ambas as potências. Conforme o acordo, a Alemanha
ficaria com a Lituânia, e a União Soviética com a Estônia, a Letônia, a Bessarábia e a Finlândia. Já a
Polônia seria repartida entre ambas, gerando duas esferas de influência na região. Por esse pacto,
a União Soviética estava formalmente também ligada ao Eixo e foi considerada aliada dos alemães, até
que, em 1941, foi invadida por Hitler.

A charge de Belmonte, de 1939, a seguir satiriza o pacto de não agressão firmado entre os líderes
alemão, Hitler, e soviético, Stalin, deixando entender que esse pacto era secreto não apenas para o
restante do mundo, mas também havia intenções ocultas de cada um dos líderes em relação ao outro.

90
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Figura 17 – O pacto de não agressão alemão-soviético

Em fins de agosto de 1939, Hitler já se preparava para atacar a Polônia, ignorando as ameaças de
França e Grã-Bretanha. O líder alemão achava as democracias ocidentais fracas e dependentes da opinião
pública, que, no Período Entreguerras, estava toda mobilizada em favor da paz devido aos horrores
vivenciados durante a Primeira Guerra Mundial. A invasão da Polônia ocorreu em 1º de setembro de
1939, seguida dias depois pela mobilização da União Soviética, e colocou em prática o plano de divisão
do território polonês (CERVO, 2007b).

Entretanto, para a surpresa de Hitler, no dia 3 de setembro, Grã-Bretanha e França declararam guerra
à Alemanha. Na opinião de Amado Cervo (2007b), não era intenção da Alemanha iniciar uma
guerra geral, porém as garantias dadas ao governo polonês por franceses e britânicos diante das
ambições de Hitler tornaram o conflito inevitável quando o líder alemão procedeu com a invasão da
Polônia. Por outro lado, a economia alemã estava em franca expansão e recuperação após as crises e
reparações exigidas no Tratado de Versalhes e dependia de volumes consideráveis de matérias-primas
insuficientes no território alemão.

A mobilização da França e da Grã-Bretanha após a declaração de guerra à Alemanha, contudo,


foi lenta e sem nenhum entusiasmo e não foi em socorro da Polônia. Nenhuma das potências estava
preparada para enfrentar uma nova guerra em tão curto período de tempo depois da Primeira Guerra
Mundial. Hitler tampouco mobilizou as forças alemãs para as fronteiras ocidentais e continuou com seu
projeto inicial de formação do Império Alemão no Leste Europeu. Porém, em termos práticos, a Segunda
Guerra Mundial teve início com a invasão da Polônia na Europa, enquanto o Japão conduzia a invasão
da China no leste da Ásia (CERVO, 2007b).

Eric Hobsbawm (1995, p. 36) observa que não houve um esforço significativo por parte das
democracias ocidentais, notadamente, França e Grã-Bretanha, para evitar a guerra quando ainda era
91
Unidade II

possível, especialmente por meio da Liga das Nações, muito embora nenhuma das duas potências
desejasse um novo conflito bélico e as potências do Eixo sinalizassem claramente que buscavam a guerra:

Os marcos miliários na estrada para a guerra foram a invasão da Manchúria


pelo Japão em 1931; a invasão da Etiópia pelos italianos em 1935; a
intervenção alemã e italiana na Guerra Civil Espanhola em 1936-9; a
invasão alemã da Áustria no início de 1938; o estropiamento posterior da
Tchecoslováquia pela Alemanha no mesmo ano; a ocupação alemã do que
restava da Tchecoslováquia em março de 1939 (seguida pela ocupação
italiana da Albânia); e as exigências alemãs à Polônia que levaram de fato ao
início da guerra. Alternativamente, podemos contar esses marcos miliários
de um modo negativo: a não ação da Liga contra o Japão; a não tomada de
medidas efetivas contra a Itália em 1935; a não reação de Grã-Bretanha e
França à denúncia unilateral alemã do Tratado de Versalhes, e notadamente
à reocupação alemã da Renânia em 1936; a recusa de Grã-Bretanha e
França a intervir na Guerra Civil Espanhola (“não intervenção”); a não reação
destas à ocupação da Áustria; o recuo delas diante da chantagem alemã
sobre a Tchecoslováquia (o “Acordo de Munique” de 1938); e a recusa da
URSS a continuar opondo-se a Hitler em 1939 (o pacto Hitler-Stalin de
agosto de 1939).

A dificuldade de evitar a Segunda Guerra Mundial só pode ser compreendida a partir da perspectiva
da instabilidade geral que se instaurou abertamente no sistema internacional ao longo de todos os
vinte anos do Entreguerras. As mudanças decorrentes da expansão do sistema europeu para todo o
globo no final do século XIX resultaram na insuficiência dos mecanismos de administração da política
internacional para dar conta da complexidade do mundo que surgiu no despertar do século XX.

Apesar da tentativa de reorganizar a ordem mundial pelo Tratado de Versalhes, que resultou em total
fracasso, e pela proposta de Segurança Coletiva na Liga das Nações, esse novo mecanismo, contudo,
ainda não havia sido amadurecido coletivamente o suficiente para dispor da força necessária para
o bom funcionamento. O Período do Entreguerras, portanto, pode ser descrito como um período de
transição, ou seja, um momento de gestação de uma nova ordem mundial que surgiria somente após a
Segunda Guerra Mundial.

Na figura a seguir é possível acompanhar a evolução do sistema internacional, bem como algumas de
suas principais características desde a formação do sistema de Estados e da sociedade europeia no século
XVII até o período estudado. Observe que, no decorrer da evolução do sistema de Estados, o mecanismo
da razão de Estado, do sistema de Vestfália, foi substituído pelo equilíbrio de poder no sistema europeu,
que, por sua vez, foi substituído pela Segurança Coletiva na Liga das Nações no processo de transição
para um sistema mundial.

92
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Sistema europeu

Equilíbrio de poder Liga das Nações


Múltiplas interdependências
Concerto Europeu Paz dos Vitoriosos
Hegemonias
Conferências Segurança Coletiva sem força
Razão de Estado
Alianças para administrá-la
Sistema de Gestação de um
Vestfália sistema mundial

Figura 18 – Evolução do sistema internacional até o Entreguerras

6 A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)

A Segunda Guerra Mundial foi uma guerra total, sem precedentes na história mundial. Isso significa
que, em termos econômicos, todos os recursos disponíveis foram empregados no esforço de guerra,
seja a mão de obra, sejam os recursos materiais. Mulheres operárias, escravos judeus em campos de
trabalhos forçados, produção industrial em massa, tudo foi mobilizado em razão da guerra (TOTA, 2011).
Além disso, diferentemente da Primeira Guerra, que na maior parte do tempo foi travada na Europa, a
Segunda Guerra, efetivamente, alcançou todos os povos do globo, consolidando a mundialização das
relações internacionais (SARAIVA, 2007a).

Foi total também pela proporção de crueldade e destruição. Estima-se que o número de mortos tenha
chegado a 85 milhões de pessoas, sendo que, desse total, 50 milhões eram civis. Os nazistas procederam
a maior perseguição e aniquilação em massa de judeus, outras minorias e dissidentes políticos. Nos
meses finais do conflito, os Estados Unidos utilizaram duas bombas atômicas para derrotar o Japão, uma
na cidade de Hiroshima e outra em Nagasaki, fazendo milhares de vítimas civis e ameaçando o mundo
com uma nova arma de destruição em massa. A guerra já não fazia distinção entre civis e militares.

Os objetivos militares, de igual forma, também eram ilimitados, isto é, previam a submissão absoluta
do inimigo, diferentemente de outras guerras em que o objetivo era impor a condição de paz. Por um
lado, Hitler planejava subverter a sociedade liberal e impor uma nova ordem social baseada no nazismo
em todo o ocidente. Por outro, aos Aliados, isto é, União Soviética, Grã-Bretanha e Estados Unidos,
só interessava a rendição incondicional da Alemanha e extirpação total do nazismo; não tinham a
pretensão de negociar qualquer outra condição de paz (TOTA, 2011).

A esse respeito, explica Hobsbawm (1995, p. 40):

Mais ainda que a Grande Guerra, a Segunda Guerra Mundial foi portanto
travada até o fim, sem ideias sérias de acordo em nenhum dos lados, com
exceção da Itália, que trocou de lado e regime político em 1943 e não foi
inteiramente tratada como território ocupado, mas como um país derrotado
com um governo reconhecido. [...] Ao contrário da Primeira Guerra Mundial,
essa mútua intransigência não exige explicação especial. Era, de ambos os

93
Unidade II

lados, uma guerra de religião, ou, em termos modernos, de ideologias. Foi


também, e demonstravelmente, uma luta de vida ou morte para a maioria
dos países envolvidos. O preço da derrota frente ao regime nacional-socialista
alemão, como foi demonstrado na Polônia e nas partes ocupadas da URSS,
e pelo destino dos judeus, cujo extermínio sistemático foi se tornando aos
poucos conhecido de um mundo incrédulo, era a escravização e a morte.
Daí a guerra ser travada sem limites. A Segunda Guerra Mundial ampliou a
guerra maciça em guerra total.

As causas pelas quais se matava e morria na Segunda Guerra Mundial eram muito mais amplas
que os interesses reconhecidamente nacionais, tanto que promoveram a união temporária entre duas
ideologias iluministas que seriam rivais nos anos da Guerra Fria: o capitalismo liberal, representado pelos
Estados Unidos, e o socialismo real, representado pela União Soviética. Tal aliança só foi possível porque
ambos viam em Hitler um perigo maior do que cada um ao outro.

Conforme explica Hobsbawm (1995), o que acabou possibilitando a união contra a Alemanha foi
o fato de que não se tratava apenas de um Estado-nação descontente com a situação, mas de uma
ideologia que dominava as ambições de uma nação. Em suma, a Segunda Guerra Mundial foi total
porque foi uma guerra civil ideológica internacional: de um lado, comunistas e capitalistas descendentes
do Iluminismo e das grandes revoluções, incluindo a Revolução Russa; e, do outro, seus adversários,
forças reacionárias.

A Segunda Guerra Mundial desenrolou-se entre 1939, com a invasão da Polônia pelos alemães em
1º setembro, e encerrou-se com a total rendição do Japão em 2 de setembro de 1945. Durante os seis
anos de conflitos, é possível observar duas fases, que caracterizam a mudança das forças da política
internacional. A primeira fase se desdobra entre o início das hostilidades e vai até junho de 1941,
quando a Alemanha ataca a União Soviética. Essa fase se caracteriza pela centralidade da Europa nas
operações de guerra, apontando para um período de continuidade do conflito de 1914. O Japão seguia
isolado em suas ações militares no leste da Ásia.

No ano de 1941, dois fatos mudaram os rumos da guerra: a já mencionada invasão da União
Soviética pelas forças do Eixo e o ataque japonês à base norte-americana de Pearl Harbor em 7 de
dezembro de 1941. Nessas ações, foram unidas as duas guerras, na Europa e na Ásia, que antes ocorriam
paralelamente, resultando na mundialização geográfica do conflito bélico. Ambas as ações também
provocaram as hostilidades contra o Eixo das duas maiores potências mundiais fora do círculo europeu,
os Estados Unidos e a União Soviética, que imporiam as novas regras do jogo geopolítico no cenário
internacional diante da agonia europeia. Entre 1941 e 1945, portanto, desenvolveu-se a segunda fase
da guerra, período em que se tornou efetivamente mundial.

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, surgiu uma nova ordem internacional que não só colocou fim
à supremacia da Europa dos séculos anteriores, mas também elevou dois Estados de fora das fronteiras
europeias à condição de superpotências. Esse curto período, que se estende de 1945 a 1947, também
integra os estudos aqui mencionados, uma vez que um novo ordenamento internacional nasceu das
negociações para a regulamentação da paz ao final do conflito. Porém, antes mesmo de encerrar as
94
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

hostilidades definitivamente, ainda nas conferências prévias, já existiam divergências entre os três
grandes vitoriosos (Grã-Bretanha, Estados Unidos e União Soviética), marcadamente, entre russos
soviéticos e norte-americanos, que convergiriam para a Guerra Fria em 1947.

6.1 A guerra civil europeia

A guerra europeia teve início em 1º de setembro de 1939 com a invasão da Polônia pela Alemanha,
seguida da invasão da União Soviética. Até então, França e Grã-Bretanha haviam sido condescendentes
com os planos de Hitler de unir em uma só pátria todos os povos de origem alemã, porém a invasão da
Polônia, aliada das potências ocidentais, resultou na imediata declaração de guerra à Alemanha nazista
por parte da França e Grã-Bretanha.

Entretanto, apesar da declaração formal de guerra, os líderes franceses e britânicos nada fizeram
para ir em socorro da Polônia, dando plena liberdade para Hitler agir como queria no Leste Europeu.
Isso porque britânicos e franceses não estavam preparados para uma guerra contra a Alemanha, uma
verdadeira máquina de combate sob o comando de Hitler. Por isso, França e Grã-Bretanha retardaram
o máximo possível o enfrentamento, de forma a conseguir tempo para se equipar (SARAIVA, 2007a).
Também a Itália, aliada da Alemanha no Eixo, retardou sua entrada na guerra devido a sua baixa
capacidade bélica.

Já Hitler, ignorando as ameaças de franceses e britânicos e aproveitando o momento de hesitação


destes últimos, resolveu levar adiante seu ambicioso plano, que incluía os seguintes objetivos:

• reduzir os espaços de influência da França na Europa;

• buscar uma aliança com a Grã-Bretanha, ou ao menos sua neutralidade;

• construir um Império Colonial na África;

• enfrentar os Estados Unidos;

• partilhar o mundo com os japoneses.

Para atingir tais objetivos, a estratégia militar de Hitler consistia em realizar uma rápida guerra
ofensiva, conhecida por Blitzkrieg ou guerra-relâmpago. Com movimentos velozes do Exército Alemão,
Hitler planeja dominar rapidamente a frente ocidental para então voltar-se contra a União Soviética
e concluir a formação do Império Alemão no centro da Europa, tarefa que já havia começado com a
ocupação da Polônia.

Após a união dos alemães sob um único governo, a Polônia passava a ser central na estratégia de
Hitler, porque, à época, esse país dividia o território da Alemanha. A Prússia oriental estava a leste
da Polônia, e, diante disso, Hitler reivindicava o direito de livre passagem ao restante do território
alemão. A invasão da Polônia procedeu-se de forma rápida, conforme a tática da guerra-relâmpago.
Os poloneses foram pegos de surpresa e estavam despreparados, ao passo que as forças alemãs eram
95
Unidade II

muito superiores. Em apenas vinte dias após a invasão, a Polônia foi derrotada e anexada ao território
alemão (TOTA, 2011).

Despreparadas, França e Grã-Bretanha declararam guerra à Alemanha, mas não foram em socorro
da Polônia. Franceses tomaram posição na fronteira franco-germânica, porém praticamente não havia
atividades militares. Enquanto isso, o alto escalão militar de ambos os Estados traçava uma estratégia
para bloquear ou ao menos retardar o avanço de Hitler na Europa. Como os britânicos tinham indiscutível
supremacia nos mares, conseguiram bloquear o acesso alemão ao Mar do Norte, por onde vinha o
minério de ferro comprado pela Alemanha da Suécia, que alimentava as indústrias de guerra alemãs.
Desse modo, a ideia era vencer a Alemanha pela ruína econômica criada pelo isolamento imposto de
fora para dentro (SARAIVA, 2007a).

Hitler, contudo, não se intimidou diante da estratégia econômica e defensiva dos franceses e
britânicos, que juntos formaram o Conselho Aliado, e, em abril de 1940, iniciou a invasão da Dinamarca
e da Noruega de forma a manter os suprimentos oriundos da Suécia. Após alguma resistência dos
noruegueses, em maio, as operações bélicas já estavam concluídas e ambos os países submetidos à
Alemanha. O próximo passo de Hitler era a invasão da França, cuja estratégia era repetir os movimentos
da Primeira Guerra Mundial e chegar ao território francês por meio da Holanda e da Bélgica.

Lembrete

A Bélgica e a Holanda estão localizadas em terreno que possibilita o


acesso mais rápido ao centro do governo francês, a cidade de Paris. Por
isso, tal como visto no Plano Schlieffen durante a Primeira Guerra Mundial,
Hitler planejou a invasão da França por meio dessa mesma estratégia.

Entre 10 e 14 de maio, desrespeitando completamente a neutralidade belga e holandesa, a força


aérea alemã iniciou um bombardeio em cidades da Holanda, sem nenhum aviso, com o único objetivo
de causar terror e forçar uma rendição incondicional a fim de possibilitar a passagem das tropas alemãs
em direção à França. Os franceses não esperavam uma invasão através da Bélgica e da Holanda, às
quais Hitler havia garantido o respeito à neutralidade publicamente. As linhas de defesa da França
concentravam-se, portanto, ao longo da fronteira com a Alemanha até a Bélgica. A partir daí, não havia
fortificações, facilitando a invasão alemã. A Alemanha também empregou paraquedistas que foram
despejados em territórios francês por trás das linhas de defesa entrincheiradas ao longo da fronteira
franco-germânica. Foi uma verdadeira avalanche alemã (TOTA, 2011).

Com o auxílio dos britânicos, a França realizou um enorme esforço para resistir à invasão, porém,
o despreparo francês diante da determinação alemã resultou em uma desorganização generalizada.
As forças francesas e britânicas foram encurraladas nas praias de Dunquerque nas proximidades com a
Bélgica. A Marinha Britânica teve de realizar um esforço enorme para retirar cerca de 350 mil soldados
franceses e britânicos do local em direção à Grã-Bretanha. A operação contou também com o auxílio de
navios e barcos de voluntários (TOTA, 2011).

96
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

No princípio de junho, os alemães já estavam nas proximidades de Paris. Diante da derrota das
forças aliadas em Dunquerque, os civis franceses partiram em fuga desesperada. Em 4 de junho de
1940, as tropas alemãs marcharam sobre a capital francesa, e a bandeira nazista foi hasteada na Torre
Eiffel, simbolizando a derrota da França. Diante disso, o governo francês assinou um armistício com a
Alemanha em 22 de junho e com a Itália no dia 24 do mesmo mês. A França tornou-se assim o primeiro
país derrotado a concluir um armistício com os nazistas (SARAIVA, 2007a).

Saiba mais

A produção cinematográfica engloba diversos filmes que ilustram os


momentos decisivos da história da Segunda Guerra Mundial. Entre tantos,
sugerimos como complementação aos seus estudos os filmes listados a seguir.

Sobre a Batalha de Dunquerque:

DUNKIRK. Direção: Christopher Nolan. Estados Unidos: Syncopy,


2017. 106 min.

Sobre a fuga dos parisienses:

O ÚLTIMO metrô. Direção: François Truffaut. França: Les Films du


Carrosse, 1980. 131 min.

Sobre a invasão alemã à União Soviética:

STALINGRADO – A Batalha Final. Direção: Joseph Vilsmaier. Alemanha:


B. A. Produktion, 1993. 134 min.

Sobre a entrada dos Estados Unidos na guerra:

PEARL Harbor. Direção: Michael Bay. Estados Unidos: Touchstone


Pictures, 2001. 183 min. :

Sobre o dia D:

O MAIS longo dos dias. Direção: Ken Annakin. Estados Unidos: Darryl F.
Zanuck Productions, 1962. 178 min.

Sobre a derrota de Hitler:

A QUEDA! As últimas horas de Hitler. Direção: Oliver Hirschbiegel.


Alemanha: Constantin Film, 2004. 156 min.

97
Unidade II

Pelo acordo firmado no armistício, a França foi dividida: o norte da França e toda a costa atlântica
ficaram sob ocupação da Alemanha; uma pequena região a leste, sob a ocupação italiana; o sul
constituía-se em uma república livre, porém que deveria colaborar com o Eixo. A cidade de Vichy
tornou-se a capital da França livre, para onde foi transferido o parlamento, e o governo foi entregue ao
marechal Philippe Pétain e Pierre de Laval, que instauraram um regime semifascista (SARAIVA, 2007a;
TOTA, 2011). O mapa da figura a seguir ilustra a ocupação da França e a divisão do território francês após
a invasão dos alemães em meados de 1940.

Figura 19 – França ocupada

Só restou em guerra com a Alemanha a Grã-Bretanha, chefiada pelo primeiro-ministro Winston


Churchill e baseada na total recusa a qualquer tipo de acordo com Hitler. Foi nesse momento que a
Itália fascista decidiu sair da neutralidade para o lado alemão e iniciou uma guerra paralela, disputando
espaço no Mediterrâneo e norte da África. Já a resistência francesa, liderada por Charles de Gaulle,

98
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

refugiou-se na Grã-Bretanha, de onde passaram a organizar operações militares que, mais tarde,
resultariam na libertação da França das mãos dos nazistas alemães (HOBSBAWM, 1995).

Com a derrota da França, o primeiro-ministro britânico sabia que o próximo alvo da máquina de
guerra alemã era a Grã-Bretanha. Hitler, no entanto, aguardava, na esperança de que Churchill capitulasse
e solicitasse condições de paz. Diante da recusa dos britânicos em assumir qualquer tipo de aliança com
a Alemanha nazista, a força aérea alemã iniciou os preparativos para bombardear o sul da ilha britânica
em setembro de 1940. Chamada de operação Leão-Marinho, Hitler comandou pessoalmente o ataque
aéreo à Grã-Bretanha a partir das bases instaladas no norte da França e na Holanda. O bombardeio
alemão iniciou-se nas regiões portuárias britânicas e seguiu até a capital (TOTA, 2011).

No dia 13 de outubro, teve início a chamada Batalha da Inglaterra, com um intenso bombardeio sobre
Londres. O objetivo de Hitler era acabar com a capacidade militar da Força Aérea britânica e espalhar o
terror entre os civis para, em seguida, invadir a ilha, obrigando o governo britânico à cooperação. Isso,
contudo, não aconteceu. Sob liderança de Churchill, que todos os dias saía em público para levantar os
ânimos dos londrinos e incitá-los à resistência, os britânicos, sob maciço ataque aéreo, não se renderam.

Diante da teimosia dos britânicos e da perda constante de aeronaves nas batalhas aéreas, Hitler adiou
seus planos de invasão à ilha a fim de poupar forças para conquistar a União Soviética. De qualquer
forma, a resistência britânica não mudava a situação do continente europeu, completamente dominado
pelos nazistas, seja por meio da ocupação territorial, seja por meio dos governos aliados ou simpatizantes
de Hitler. Isso significa que, à exceção da Suíça, cuja neutralidade foi respeitada, e da Grã-Bretanha, a
expansão nazista sobre a Europa era completa. Conforme aponta Hobsbawm (1995, p. 37):

Para fins práticos, a guerra na Europa acabara. Mesmo que a Alemanha


não pudesse invadir a Grã-Bretanha, devido ao duplo obstáculo do mar
e da Real Força Aérea, não havia possibilidade de uma guerra em que os
britânicos pudessem retornar ao continente europeu, quanto mais derrotar
a Alemanha. Os meses de 1940-1, quando a Grã-Bretanha ficou sozinha,
são um momento maravilhoso na história do povo britânico, ou pelo menos
dos que tiveram a sorte de vivê-lo, mas as possibilidades do país eram
exíguas. O programa de rearmamento “Defesa do Hemisfério”, dos Estados
Unidos, de junho de 1940, praticamente assumia que mais armas para a
Grã-Bretanha seriam inúteis e, mesmo depois de aceita a sobrevivência
britânica, o Reino Unido ainda era visto sobretudo como uma base de defesa
distante para a América.

Na Europa, a Grã-Bretanha resistiu bravamente e permaneceu como último baluarte da defesa


ocidental. Sua sobrevivência, além da bravura dos britânicos, da superioridade naval e da circunstância
geográfica, foi também possibilitada pela supremacia econômica no Atlântico graças a um sistema
de compras de suprimentos junto aos Estados Unidos. Os norte-americanos, ainda que não fossem
beligerantes, relativizaram sua neutralidade para facilitar o acesso de franceses e britânicos a armas e
outros recursos.

99
Unidade II

Desse modo, observa-se que os Aliados, ainda que estivessem militarmente despreparados quando
se procedeu à invasão dos nazistas, podiam se apoiar em forças econômicas e demais recursos além
das fronteiras europeias, que não se limitavam às colônias imperiais. Os Estados Unidos eram já
uma potência global, com grande capacidade humana, industrial, militar e econômica, ou seja, os
Aliados tinham a vantagem de poder contar com forças globais, enquanto Hitler estava limitado
exclusivamente às próprias potencialidades alemãs e, no máximo, continentais. Disto resultou a
estratégia nazista de invadir a União Soviética, rica em recursos minerais e alimentícios que poderiam
alimentar a estrutura de guerra alemã. O ataque alemão à União Soviética, seguido do ataque japonês
aos Estados Unidos, colocaria no centro do conflito duas grandes potências, cujos resultados foram a
mundialização da guerra civil europeia e a derrota incondicional da Alemanha nazista e seus aliados
do Eixo (SARAIVA, 2007a).

6.2 Mundialização da Segunda Guerra Mundial

Em 1941, as guerras paralelas que ocorriam na Europa e no leste da Ásia tornaram-se uma única
guerra de proporção mundial. Ademais, a derrota da França e a imobilização temporária da Grã-Bretanha
pela Alemanha nazista destruíram completamente qualquer possibilidade de reformulação do equilíbrio
de poder europeu, que desde o século XIX governara as relações internacionais. Conforme explica
José Flávio de Sombra Saraiva (2007a), em 1941, terminou o longo período de transição no sistema
internacional europeu iniciado na Primeira Guerra Mundial. O vazio de poder mundial finalmente seria
preenchido por duas novas grandes potências.

Na Europa, Hitler dava início à operação militar para invasão da Rússia soviética, nomeada de
Operação Barbarossa em homenagem ao imperador germânico Frederico I, conhecido como Barbarossa,
que havia reinado no antigo Sacro Império Romano-Germânico no século XII. Direcionando novamente
o grosso das forças alemãs a leste em 1941, Hitler invadiu e tomou a Iugoslávia, completando o
controle alemão sobre todo o Leste Europeu. Em seguida, em junho, ordenou a concentração de forças
ao longo da fronteira com a União Soviética, e, na madrugada de 22 de junho, teve início a Operação
Barbarossa em três linhas de frente: uma em direção a Moscou; outra em direção a Leningrado, ao
norte; e outra em direção ao Cáucaso, ao sul, região rica em campos de petróleo (TOTA, 2011).

Stalin já tinha ciência de que mais cedo ou mais tarde a guerra com os alemães seria inevitável
devido aos conflitos de interesse na busca por espaços vitais na mesma região, porém, não tinha ideia
de que seria tão iminente. Diante das evidências de um choque bélico com a Alemanha nazista, Stalin
tentou adiar ao máximo o embate, de forma a ganhar tempo para se preparar para o conflito. Além
disso, a estratégia soviética contemplava também diminuir as chances de uma guerra em duas frentes
simultâneas, isto é, com a Alemanha no Ocidente e com o Japão no Oriente. Por isso, Stalin aproveitou
a visita do ministro das relações exteriores japonês, em abril de 1941, para assinar um pacto de não
agressão (SARAIVA, 2007a).

O ataque alemão, ainda assim, pegou os russos soviéticos despreparados, e, em menos de um mês, as
tropas nazistas já estavam cerca de 800 km adentro do território soviético. Apressadamente, os britânicos
se solidarizaram e firmaram com Stalin, em 13 de julho. Da mesma forma, os norte-americanos endossaram

100
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

a aliança e apoiaram a resistência russa diante da agressão alemã. A União Soviética, portanto, foi incluída
na aliança ocidental contra o nazifascismo representado pelos países integrantes do Eixo.

A fronteira oriental da guerra no continente europeu foi a mais sangrenta e extremamente violenta.
Muitos soldados soviéticos morreram ou caíram prisioneiros logo nos primeiros dias. Os aviões da Força
Área da União Soviética, em grande parte, foram destruídos antes mesmo de saírem de suas bases.
Em novembro, um vasto território que concentrava cerca de 40% da população e a maior parte das
riquezas naturais soviéticas já haviam sido conquistadas pelos alemães e seus aliados, e a capital Moscou
encontrava-se ameaçada (TOTA, 2011).

Sob liderança de Stalin, a população moscovita iniciou um movimento de resistência, colocando


barricadas ao longo das fronteiras da cidade, que atrasaram o avanço alemão. No início de dezembro,
o rigoroso inverno russo auxiliou na defesa da cidade, paralisou o Exército nazista e, logo em seguida,
obrigou-os a recuar. Foi a primeira grande derrota de Hitler, que jogou por terra o mito da invencibilidade
e superioridade dos alemães, ao passo que motivou as forças da resistência e a movimentação dos
Aliados contra o nazifascismo.

Na frente ocidental, os Estados Unidos preparavam-se para o engajamento na guerra. Ainda que não
houvesse uma declaração de guerra formal contra a Alemanha nazista, o apoio que os norte-americanos
demonstravam aos Aliados, bem como a mobilização industrial para rearmamento, davam claros sinais de
que os Estados Unidos já viviam uma economia de guerra. A princípio, o esforço norte-americano tinha
como objetivo o auxílio à exaurida Grã-Bretanha, porém, à medida que a situação britânica se deteriorava,
os Estados Unidos ficavam mais apreensivos. Afinal, em 1941, a Grã-Bretanha era a última resistência
democrática europeia frente às ambições nazistas de Hitler (SARAIVA, 2007a).

A formalização do apoio norte-americano à Grã-Bretanha ocorreu entre 9 e 12 de outubro de 1941,


quando o primeiro-ministro britânico Churchill encontrou-se com o presidente dos Estados Unidos Franklin
D. Roosevelt para conversações a bordo do navio Príncipe de Gales e do cruzador Augusta, cujo resultado
foi a publicação da Carta do Atlântico. Por esse documento, ambos os dirigentes se comprometeram com
a manutenção da paz e da segurança, além da destruição do nazifascismo, colocando definitivamente os
Estados Unidos no conflito ao lado dos aliados britânicos (SARAIVA, 2007a).

A boa vontade de Roosevelt para com os britânicos, contudo, não era o bastante para mover a
opinião pública, assim como o congresso norte-americano, aferrados no discurso do isolacionismo,
a uma declaração de guerra contra o Eixo. Para tanto, fazia-se necessário um pretexto mais claro, de
forma a justificar a entrada dos Estados Unidos diretamente no turbilhão da guerra. A justificativa
perfeita surgiu quando os japoneses realizaram o ataque à base naval norte-americana de Pearl Harbor,
localizada no Havaí, em represália à suspensão de exportações de petróleo para o Japão em protesto à
ocupação japonesa da Península da Indochina.

Como resultado do ataque, realizado em 7 de dezembro de 1941, os Estados Unidos declararam


guerra ao Japão. Poucos dias depois, a Itália e Alemanha declaravam guerra aos Estados Unidos em
solidariedade ao Japão, arrastando os norte-americanos, assim como fizeram com a União Soviética, para

101
Unidade II

o epicentro do conflito. Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, formou-se a Grande Aliança, que
unia norte-americanos, britânicos e soviéticos contra o inimigo comum: os países do Eixo (TOTA, 2011).

Hobsbawm (1995, p. 39) defende que “o ataque japonês a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941
tornou a guerra mundial”. Da mesma forma, Saraiva (2007a, p. 182) concorda que, em dezembro
de 1941, “os Estados Unidos uniram as duas guerras paralelas”, “transformavam-se, assim, no centro do
mundo”. Diante da derrocada das potências europeias na era da catástrofe, os Estados Unidos pairavam
como única potência ocidental com capacidade econômica, militar e política para ocupar o vácuo
deixado pelo Concerto Europeu e gerir a ordem internacional. Não só isso, mas a superioridade
norte‑americana tornava qualquer outra força irrelevante, sendo possível, a partir de então, falar do
conceito de “superpotência”. Conforme explica Saraiva (2007a, p. 181):

Em 1941 emergia um novo conceito: o de superpotência. Os Estados Unidos


gestavam uma nova condição da inserção internacional dos Estados na era
contemporânea das relações internacionais. A superioridade econômica,
associada à capacidade e à vontade de sobrepujar as potências europeias
tradicionais, elevava os Estados Unidos ao cerne das decisões internacionais
de uma forma diferente da ideia de hegemonia coletiva que presidira até
então o ordenamento internacional.

Algum tempo depois, já no final da Segunda Guerra Mundial, veríamos que os Estados Unidos
não seriam os únicos a se apropriarem do conceito de superpotência. A resistência e vitória soviética
sobre as forças alemãs e, mais ainda, o esforço para contrapor-se em igualdade de capacidades aos
norte-americanos fariam da União Soviética uma grande superpotência que competiria por espaço e
influência no cenário internacional.

No curso da guerra, a completa derrota do Eixo após a entrada dos Estados Unidos e da União
Soviética seria apenas uma questão de tempo. Ainda assim, Alemanha, Japão e Itália resistiriam por seus
interesses e ideais com todos os recursos de que dispunham. Como afirma Hobsbawm (1995), prevalecer
no maior conflito bélico da história da humanidade era uma questão de “vida ou morte para a maioria
dos países envolvidos” (1995, p. 40). Além disso, a possibilidade da derrota frente ao regime nazista,
como foi observado na Polônia e pelo extermínio aos judeus, significava a escravização e a morte. Disto
resultou no fato de a Segunda Guerra Mundial ser, sem dúvidas, uma guerra total, travada até o limite.
Saraiva (2007a, p. 183) assim descreve os anos finais da guerra:

O compassa da guerra total, de 1942 a 1945, envolveu quase todo o planeta


e implicou na mobilização das mais diversas forças. Da economia de guerra
à mobilização dos espíritos, todos os expedientes foram utilizados pela
obsessão de vitória. O cinema, a propaganda e a literatura estiveram juntos
na animação da opinião pública e da população civil submetida à carestia.

E mesmo após o engajamento total de soviéticos e norte-americanos ainda levou cerca de três
anos e meio para a completa derrota do Eixo. Portanto, no início de 1942, ainda não estava claro para
todos os envolvidos que a vitória penderia para o lado da Grande Aliança. Embora tivessem perdido
102
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

a Batalha de Moscou, os nazistas e seus aliados haviam conseguido importantes vitórias no norte da
África, que incentivaram Hitler a retomar os planos de invasão à União Soviética por meio da região
do Cáucaso no verão de 1942.

Observação

O Cáucaso é uma região europeia na divisa com a Ásia, entre o Mar


Negro e o Mar Cáspio, que contempla uma paisagem geográfica composta
por montanhas que levam esse nome. Os Estados que compõem a região
são Armênia, Geórgia, Azerbaijão e parte da Rússia e da Turquia.

Animado com esse novo plano, com uma grande força, o Exército Alemão dominou o Mar Negro e
seguiu para Stalingrado, cidade ao sul da Rússia e alvo de Hitler. Entre setembro e outubro, as tropas
nazistas já se acercavam da cidade com pouca ou nenhuma resistência, quando forças soviéticas
fecharam o cerco sobre os alemães ao norte e ao sul, impedindo o envio de recursos e reforços. A batalha
se prolongou ao longo do rigoroso inverno da região e se converteu em uma das piores derrotas sofridas
pela Alemanha desde o início das hostilidades (TOTA, 2011).

Simultaneamente, o Exército Britânico, auxiliado por forças norte-americanas, começou a impor


reveses à expansão italiana no Norte da África, e, mesmo após o envio de reforços alemães, a derrota
dos nazistas era inevitável. A partir desses momentos, a guerra encaminhava-se para o desfecho final.
A Itália foi invadida por forças aliadas em julho de 1943, e Mussolini deposto. Imediatamente o novo
governo italiano iniciou as negociações de paz com os Aliados.

Na fronteira oriental, a luta continuava acirrada entre soviéticos e alemães, tanto que, em conferência
entre os líderes Aliados em Teerã, em 1943, Stalin solicitou a Churchill e Roosevelt a formação de uma
nova frente de batalha na Europa ocidental o mais rápido possível, de forma a aliviar a pressão nazista
sobre as forças soviéticas. O líder soviético entendia que somente a frente italiana era insuficiente para
combater os nazistas, e, além disso, Stalin acusou abertamente o primeiro-ministro britânico de postergar
a ação na frente ocidental propositalmente para que a União Soviética se exaurisse completamente
numa ferrenha luta sozinha com a Alemanha (TOTA, 2011).

Diante disso, o presidente Roosevelt concordou em realizar o desembarque de tropas na França,


fazendo com que Churchill não tivesse escolha a não ser concordar também. Assim, no dia 6 de
junho de 1944, chamado Dia D, ocorreu o desembarque de uma gigantesca força anglo-americana
nas praias da Normandia, região litorânea ao norte da França. O ataque pegou os alemães de
surpresa, visto que a Normandia era considerada um local de difícil acesso para se proceder a uma
invasão. Ademais, os nazistas haviam montado um complexo sistema de fortificações nessa região,
com canhões e minas. Por isso, os alemães estavam confiantes de que uma possível invasão aliada
nessa área não ocorreria tão cedo (TOTA, 2011).

Apesar das dificuldades, as tropas anglo-americanas conseguiram tomar a Normandia, a partir da


qual se desenrolou a retomada da França das mãos dos nazistas. Auxiliados por forças da resistência
103
Unidade II

francesa, os Aliados chegaram a Paris em 26 de agosto. Na frente oriental, os soviéticos forçaram o


recuo das tropas alemãs, procedendo à desocupação dos territórios dos países da Europa oriental
(SARAIVA, 2007a).

Em 16 de abril de 1945, as forças soviéticas iniciaram a tomada de Berlim, a capital da Alemanha, porém,
enfrentaram dura resistência por parte dos alemães que, instigados por Hitler, ainda acreditavam poder
reverter a situação. Contudo, os Aliados deram início ao bombardeio da cidade, com vistas a matar o ditador
alemão, gerando pânico total. Sem recursos, armamentos e combustíveis, qualquer resistência alemã seria
inútil. Em 30 de abril, Hitler matou-se com um tiro. A luta com os soviéticos ainda se estendeu até 2 de maio,
quando o general alemão Weidling aceitou os termos soviéticos e se rendeu incondicionalmente, encerrando
definitivamente a guerra na Europa (TOTA, 2011).

Na Ásia, o Japão, desde a ocupação alemã da França no ano de 1940, realizava um processo de
ocupação indireta dos antigos espaços coloniais europeus. Entre dezembro de 1941 e os primeiros meses
de 1942, os japoneses obtiveram várias vitórias no leste da Ásia, assumindo a responsabilidade de controle
e desenvolvimento da região em substituição dos europeus. O Japão praticava administração indireta,
sem realização de colonização, mantendo os governos locais, mas subordinando-os ao controle de
Tóquio. Assim, o objetivo do Japão era controlar todo o leste asiático, expulsando as potências europeias.
Dessa forma, Saraiva (2007a, p. 184-185) explica as motivações japonesas para o ataque a Pearl Harbor:

O ataque a Pearl Harbor, portanto, deve ser visto não só como a porta de
entrada do Japão na guerra europeia e o capítulo decisivo na mundialização
do conflito, mas um ato articulado da estratégia japonesa de ampliação
dos espaços na Ásia. Na perspectiva japonesa, a grande Ásia se completaria
depois do ataque japonês à base americana, em 7 de dezembro de 1941, pela
anexação de outras partes da região, como as Filipinas, a Malásia e Hong Kong.

Em pouco tempo, as conquistas japonesas formavam um vasto Império de grande potencial de


recursos naturais, que possibilitou colocar o Japão no centro da política internacional. O ataque à base
norte-americana no Havaí não resultou em um enfrentamento imediato entre Japão e Estados Unidos,
uma vez que Roosevelt, de maneira acertada, entendia que Hitler era um inimigo mais perigoso e decidiu
concentrar forças primeiramente na Europa para depois voltar-se para a Ásia e o Pacífico (HOBSBAWM,
1995). Ainda assim, os norte-americanos mantiveram submarinos no Pacífico e, até o final de 1944, já
tinham afundando boa parte da Marinha Japonesa.

Uma vez derrotada a Alemanha, em maio de 1945, os estrategistas norte-americanos começaram a


elaborar uma forma de derrotar o Japão. Havia a possibilidade de bombardeios aéreos, porém, o desgaste do
conflito europeu e a perspectiva de um longo conflito até que os japoneses se rendessem levaram os Aliados
a cogitarem outro tipo de ação. Na Conferência de Potsdam, Harry Truman, novo presidente dos Estados
Unidos, anunciou o desenvolvimento de uma nova arma de destruição em massa que poderia acabar com a
resistência do Japão com um só golpe. Era o início da era nuclear.

Com a anuência de Stalin e Churchill, os Estados Unidos lançaram duas bombas atômicas sobre o
Japão: uma na cidade de Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945; e outra sobre a cidade de Nagasaki, no
104
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

dia 9 de agosto, causando destruição geral de ambas as cidades e espalhando horror em todo o mundo.
Por fim, em 14 de agosto de 1945, o Japão rendeu-se incondicionalmente, encerrando um dos capítulos
mais sangrentos da humanidade.

Saiba mais

Sobre o ataque nuclear ao Japão, sugere-se o seguinte documentário


como complementação aos seus estudos:

HIROSHIMA – o dia seguinte. Direção: Pamela Caragoll Wells. Estados


Unidos: National Geographic, 2011. 45 min.

Ao final da guerra, algumas questões foram levantadas a respeito da real necessidade de empregar
duas bombas atômicas para derrotar o Japão. Acredita-se que o propósito dos Estados Unidos não era
apenas render o Japão, mas também impressionar a União Soviética, de forma que Stalin compreendesse
a nova posição geopolítica da superpotência norte-americana no cenário global, bem como seu poder
de destruição. Nesse episódio, ficou claro que as duas novas superpotências globais iriam rivalizar no
controle da política internacional das próximas décadas (TOTA, 2011).

6.3 Surgimento de uma nova ordem internacional

O estabelecimento das diretrizes da paz e da nova ordem internacional diante do colapso completo
da sociedade internacional europeia foi a grande questão na pauta da agenda dos Aliados após a guerra.
Antes mesmo de terminar o conflito, o tema já era tratado nas conferências para encaminhamento das
ações de guerra, gerando acaloradas discussões e explicitando diversos pontos divergentes entre os
Aliados. Uma coisa, contudo, era certa: o gerenciamento da paz e da ordem internacional não cabia mais
exclusivamente às antigas potências europeias. A realidade dos novos tempos exigia a participação de
duas novas superpotências: Estados Unidos e União Soviética.

Conforme aponta Hobsbawm (1995), não houve qualquer negociação de condições de paz entre as
forças aliadas e os países derrotados, pois nenhuma autoridade formal era reconhecida, especialmente
na Alemanha. Só interessava aos vencedores, como já visto, a derrota incondicional. Nesse sentido,
as condições de paz e da nova ordem internacional seriam determinadas pelos vencedores e apenas
entre eles, sendo que algumas diretrizes já estavam sendo traçadas nas conferências realizadas
ainda durante a Segunda Guerra Mundial. O principal resultado dessas negociações, sem dúvida,
foi a ONU, em 1945:

Não se fez qualquer paz formal, pois não se reconhecia nenhuma autoridade
independente das forças de ocupação, pelo menos na Alemanha e no
Japão. O mais próximo de negociações de paz foi a série de conferências
entre 1943 e 1945, em que as principais potências aliadas — EUA, URSS e
Grã-Bretanha — decidiram a divisão dos despojes da vitória e (sem muito

105
Unidade II

sucesso) tentaram determinar suas relações umas com as outras depois


da guerra: em Teerã, em 1943; em Moscou, no outono de 1944; em Yalta,
Crimeia, no início de 1945; e em Potsdam, na Alemanha ocupada, em agosto
de 1945. Mais bem-sucedida, uma série de negociações interaliados entre
1943 e 1945 estabeleceu um esquema mais geral para as relações políticas e
econômicas entre Estados, incluindo o estabelecimento das Nações Unidas
(HOBSBAWN, 1995, p. 40).

A ideia de retomar o antigo projeto de Wilson para formação de um sistema de segurança coletiva
gerenciado por uma instituição multilateral global demandou um esforço para sobrepor-se à agenda
do pós-guerra, sendo amadurecida ao longo das diversas conferências ocorridas entre 1943 e 1945,
entre outras possibilidades acerca do futuro das relações internacionais. Não foi fruto de consenso entre
os Aliados, porém as divergências apontavam que esse mecanismo era a única maneira de manter os
diálogos para as negociações dos interesses individuais e coletivos.

Lembrete

O projeto de formação de uma organização internacional para


gerenciamento da segurança e da paz mundial foi inicialmente proposto
na Paz dos 14 Pontos, em 1917/1918, ao final da Primeira Guerra Mundial,
pelo então presidente norte-americano Woodrow Wilson, e resultou na
tentativa de criar a Sociedade ou Liga das Nações.

Várias questões geravam dificuldades de alinhamento entre as três grandes potências aliadas.
A União Soviética, desde que ingressara na Aliança formada pela Carta do Atlântico, tinha suas ressalvas
quanto a algumas linhas gerais desse documento, pois havia percebido o vazio de poder na Europa
Central e planejava lançar sua influência na região. Por conseguinte, a principal demanda dos soviéticos
nas conferências de paz era o reconhecimento do território ocupado pelo pacto anteriormente firmado
com a Alemanha nazista. Para Stalin, importava também evitar a formação de governos antissoviéticos
na Europa oriental, de forma a isolar a potência oriental (SARAIVA, 2007a).

Dessa forma, os interesses soviéticos recaíam sobre a fixação das fronteiras da Alemanha e dos
países da Europa central, bem como a formação de governos subordinados a Moscou nos territórios
ocupados pelas tropas soviéticas: Polônia, Bulgária, Romênia e Finlândia. Stalin também pressionava
pela participação nas imposições das fronteiras da Itália devido à proximidade com os países da região
dos Bálcãs, aos quais o líder soviético já projetava sua influência. Havia ainda a questão das indenizações;
a União Soviética estimava-as em 20 bilhões de dólares, dos quais lhe caberiam metade desse valor.

Os Estados Unidos, inicialmente representados por Roosevelt e, após a morte deste, por Truman,
colocaram diversas objeções aos planos soviéticos. Se para Stalin a questão das fronteiras na Europa
Central era fundamental, para os norte-americanos a questão mais importante era o gerenciamento
da ordem internacional no pós-guerra a partir da visão de mundo imposta pelos Estados Unidos:
liberal e democrática.
106
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Desse modo, no encontro entre os líderes norte-americano e britânico ocorrido em Washington


em março de 1943, Roosevelt propôs a formação de um diretório semelhante ao Concerto Europeu do
século XIX, composto por quatro grandes potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial: Estados
Unidos, União Soviética, Grã-Bretanha e China.

A formação desse diretório, contudo, seria parte integrante de uma organização internacional de
segurança coletiva, tal como a Liga das Nações. Tal como sua antecessora, a nova organização contaria
com um conselho executivo, a assembleia geral e o secretariado, porém, existiria ainda o diretório com
as quatro grandes potências, que agiriam como agentes estabilizadores da paz e da ordem internacional,
atuando como interventores em crises sistêmicas sempre que necessário.

De forma geral, a conciliação dos interesses soviéticos e norte-americanos dependeria do apoio


mútuo às diretrizes impostas em plano regional pela União Soviética no que diz respeito à definição de
sua área de influência sobre a Europa Oriental, ao passo que os Estados Unidos fariam prevalecer sua
visão de mundo em plano global, com a sustentação de uma nova organização mundial, pautada não
apenas no consenso, mas também no equilíbrio de poder das grandes potências.

A Grã-Bretanha, por sua vez, tinha sua própria tese quanto à reestruturação das relações internacionais,
assim como da remodelação das fronteiras europeias no pós-guerra. Primeiramente, importava a Churchill
afastar o máximo possível a União Soviética da dinâmica política da Europa. Por isso, o líder britânico
defendia que a única forma de evitar novas conflagrações entre os europeus seria por meio da formação
de uma federação de Estados na Europa central, ideia rechaçada pelos soviéticos, que viam nessa iniciativa
uma tentativa de isolamento da União Soviética por meio do confinamento no centro da Eurásia.

Observação

Nas teses geopolíticas, destaca-se a contribuição do inglês Halford


Mackinder, que elaborou a teoria do Heartland, ou Coração do Mundo,
entre 1904 e 1940. Heartland refere-se à massa central de terras localizada
na região entre a Europa e a Ásia (juntos, os dois continentes formam
uma única massa continental chamada de Eurásia), onde atualmente
corresponde ao território da Rússia.

Segundo o autor, o Heartland seria uma área pivô da qual poderia se


controlar toda a dinâmica das relações internacionais, caso a potência
localizada nessa área tivesse acesso a saídas para os mares quentes,
especialmente o Mediterrâneo. Daí a importância de uma política
elaborada pelas potências marítimas, isto é, a Grã-Bretanha e os Estados
Unidos, para manter a União Soviética à época confinada em seus limites
continentais, dificultando qualquer aliança com as potências europeias,
sobretudo a Alemanha, de forma a impedir qualquer avanço em direção
ao Mediterrâneo. Somente dessa forma estaria mantida a hegemonia das
potências marítimas sobre as relações internacionais.
107
Unidade II

Já no que diz respeito ao reordenamento da política internacional no pós-guerra, diferentemente


dos norte-americanos, os britânicos desejavam um sistema de segurança descentralizado e ordenado
segundo critérios continentais. Tal tese alimentava certa pretensão da Grã-Bretanha de reafirmar a
decadente hegemonia europeia ao menos sobre a política continental e influenciar de forma indireta
a política global (SARAIVA, 2007a).

Contudo, as ideias britânicas se viram esmagadas entre os interesses das duas grandes superpotências,
que tendiam a prevalecer sobre as decisões de como seria o mundo após a Segunda Guerra Mundial. Não
restava dúvida de que a era da hegemonia europeia havia passado, restando à Grã-Bretanha unicamente
o alinhamento com os Estados Unidos para manter-se enquanto uma potência global.

Também a França se via nessa mesma situação. Pior ainda, nem sequer era convidada a participar das
conferências entre os Aliados, gerando protestos por parte do general de Gaulle. O líder da resistência
francesa também criticou o fato de a França não ter sido mencionada como membro integrante do
diretório proposto pelos Estados Unidos. Além disso, Stalin era contra a participação dos franceses no
processo de reformulação da ordem internacional do pós-guerra, uma vez que considerava a França
uma nação fraca e que deveria ser tratada como aliada da Alemanha nazista, pois havia se rendido e
assinado um acordo com Hitler (SARAIVA, 2007a).

Havia ainda as demandas da China, cujos interesses eram defendidos pelos Estados Unidos, excluindo
o Japão. Nas conferências de Moscou, e depois no encontro do Cairo, ocorridas no segundo semestre de
1943, os Aliados acertaram alguns detalhes prévios que seriam abordados e ratificados na Conferência
de Teerã. Entre esses acordos, a declaração contemplava a devolução de todas as conquistas japonesas
no leste da Ásia, especialmente os territórios chineses, como a Manchúria e Taiwan (SARAIVA, 2007a).

Considerando os diversos interesses em jogo, várias foram as conferências necessárias para o


alinhamento de todas as questões em pauta, principalmente quando os Aliados tiveram consciência
de que a derrota de Hitler seria apenas uma questão de tempo. Desse modo, as conferências em que
as três grandes potências estabeleceram a nova ordem mundial foram a de Teerã, em 1943; a de Yalta,
em 1945; e a de Potsdam, também em 1945. Essas três conferências encerravam um conjunto geral de
encontros promovidos entre os líderes Aliados desde o início ao combate da Alemanha nazista.

Na Conferência Teerã, entre 28 de novembro e 1 de dezembro de 1943, a principal pauta de discussão


foi a questão do futuro da Alemanha, que, por conseguinte, implicava as fronteiras dos países da Europa
oriental. Também foi apresentada a ideia norte-americana de formulação de uma nova organização
internacional global para gerenciamento da segurança coletiva. Stalin, temendo a união dos dois
líderes ocidentais, Roosevelt e Churchill, contra os interesses soviéticos, concordou prontamente com a
proposta do presidente norte-americano, ao passo que o britânico preferia organizações regionais na
América, Europa e Ásia. Assim, Stalin e Roosevelt entenderam-se bem inicialmente, deixando o líder
britânico atônito (WAACK, 2012).

Somente a questão das fronteiras europeias não ficou bem definida em Teerã. Todos concordavam
que a Alemanha deveria ser dividida e controlada pelos Aliados, porém Stalin insistia que as
demarcações das fronteiras polonesas deveriam ser aquelas estabelecidas pela conquista soviética,
108
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

com compensações à Polônia por meio de concessões de territórios alemães. Churchill contestava,
temendo a sovietização da Europa, enquanto Roosevelt adotava uma postura cautelosa e conciliadora.

Em 1944, o Exército Soviético avançava sobre o Leste Europeu, consolidando a influência da União
Soviética sobre a região. Preocupado, o primeiro-ministro britânico tratou de encontrar uma maneira
de promover conversações bilaterais com Stalin. Dessa forma, em outubro de 1944, Churchill dirigiu-se
a Moscou com o objetivo de chegar a um entendimento com Stalin a respeito das áreas ocupadas pelos
Aliados no continente europeu. Após discutir o percentual da presença soviética e ocidental no Leste
Europeu, ficou acertado que a Grécia seria resguardada na esfera de influência ocidental, ao passo que
Bulgária e Romênia ficariam sobre a influência soviética. Também foi aceita a solução soviética para a
Iugoslávia, sob o governo de Tito (SARAIVA, 2007a).

Na Conferência de Yalta, cidade litorânea da Crimeia, os três líderes das grandes potências se
reencontrariam novamente, porém, diferentemente de Teerã, o clima de tensão tomaria conta do encontro,
ocorrido em fevereiro de 1945. Stalin mostrou-se intransigente quanto à situação do governo provisório
polonês sob auspício soviético, bem como os demais países do Leste Europeu. A solução unilateral da
União Soviética nas regiões ocupadas pelo Exército Soviético causou dissensão e ruptura entre Churchill
e Stalin. Roosevelt, contudo, estava empenhado em conseguir o apoio soviético para a formação das
Nações Unidas e, portanto, mostrou-se condescendente em relação aos interesses soviéticos.

Conforme coloca o professor Vizentini (1997), em Yalta, observa-se, ainda que implicitamente, certa
parceria entre Estados Unidos e União Soviética no ordenamento do mundo pós-guerra, colaborando
com a tese de declínio do poderio da influência da Europa, representada pela Grã-Bretanha, na política
internacional. Além disso, foi ainda consolidada em Yalta a ideia de divisão de esferas de influência entre
ocidentais e soviéticos:

A Conferência de Yalta foi o ponto alto de colaboração entre EUA e


URSS, e demonstrou o declínio da Grã-Bretanha como potência mundial.
O significado maior, implícito na Conferência, foi a chamada divisão de
esferas de influência. (...) O que houve, concretamente, foi um acordo
segundo o qual os países limítrofes com a URSS na Europa não deveriam
possuir governos anti-soviéticos, como forma de garantir suas fronteiras
ocidentais (foi através destes países, e com apoio de alguns deles, que os
nazistas a invadiram) (VIZENTINI, 1997, p. 7).

O pessimismo e as tensões de Yalta não impossibilitaram o projeto norte-americano de criação da


ONU, cuja implementação ocorreu em São Francisco, entre abril e junho de 1945. Estiveram presentes
representantes de 50 países, sendo que a Alemanha, a Itália, o Japão e a Espanha tiveram a participação
impossibilitada. A Carta das Nações Unidas foi examinada e debatida pelos presentes, sendo ratificada em
24 de outubro do mesmo ano, dando origem oficialmente à ONU. Apesar de contar com mecanismos de
cooperação social e econômica, o tema principal para a existência das Nações Unidas é a administração
da segurança coletiva, pela qual o uso da força como instrumento de política externa foi proscrito
(HERZ; HOFFMANN, 2004).

109
Unidade II

Com sede em Nova York, a ONU é composta por seis órgãos principais: o Conselho de Segurança,
ao qual têm assento permanente e poder de veto as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial,
União Soviética (atualmente Rússia), Estados Unidos, Grã-Bretanha, China e França, que, por fim,
conseguiu ser incluída; a Assembleia Geral, em que todos os Estados-membros estão representados com
igualdade de participação; o Conselho Econômico e Social; o Conselho de Tutela; a Corte Internacional
de Justiça e o Secretariado (HERZ; HOFFMANN, 2004).

A administração da Segurança Coletiva coube principalmente ao Conselho de Segurança, que,


diferentemente da Liga das Nações, pôs fim ao princípio da unanimidade e instituiu o sistema de veto
às grandes potências, atestando a emergência de um novo equilíbrio de poder mundial. A sociedade
europeia perdia proeminência definitivamente frente à ascensão das superpotências e à emergência
de novos sistemas de dominação mundial, marcados pela divisão das esferas de influência direta
(SARAIVA, 2007a).

Além disso, Saraiva (2007a) afirma que a grande presença das nações do continente americano, bem como
a proeminência dos Estados Unidos na formulação da nova organização, apontava que a ordem internacional
do pós-guerra seria tributária do ideário pan-americano de pacifismo e cooperação entre os Estados, sem
ignorar, contudo, a desigualdade de capacidade das grandes potências. Nesse sentido, o sistema de veto do
Conselho de Segurança garantia o controle da segurança internacional, ao mesmo tempo que congelava o
poder mundial, privilegiando a concertação entre as grandes potências.

Uma vez definida a arquitetura da ordem mundial após a Segunda Guerra, ficavam ainda algumas
pendências sobre o futuro da Europa, que deveriam ser solucionadas na última conferência entre os
líderes das três grandes potências. Foi sob os escombros de uma Alemanha destruída, na cidade de
Potsdam, próxima a Berlim, que seria traçado definitivamente o destino daquela que havia sido a grande
potência da Europa central.

O encontro ocorreu em clima de alta tensão entra as superpotências, uma vez que os Estados Unidos,
agora sob a presidência de Truman após a morte de Roosevelt, haviam testado com sucesso a bomba nuclear.
Assim, a Conferência de Potsdam sinalizou o início de divergências explícitas entre os Estados Unidos e a
União Soviética e a afirmação de ambos como as novas superpotências mundiais, ainda que os soviéticos
só viessem a conseguir o controle de armamentos nucleares alguns anos depois (VIZENTINI, 1997).

A Conferência de Potsdam teve início em 17 de julho e contou finalmente com a participação dos
franceses. Diante das divergências em relação às reparações de guerra cobradas pelos soviéticos e às fronteiras
polonesas, entre outras questões, os representantes das três grandes potências resolveram que negociariam
em bloco, de forma a chegar a uma solução mais rápida. Assim, os norte-americanos cederam no concernente
às fronteiras da Polônia e da Alemanha em troca do reconhecimento por parte dos soviéticos das fronteiras
italianas. Quanto às reparações exigidas pela União Soviética, os ocidentais adotaram uma postura inflexível,
fazendo com que Stalin desistisse do assunto.

Quanto à Alemanha, os acordos de Potsdam dividiram o território alemão e também a capital, Berlim,
em quatro zonas de influência, cada uma controlada por uma das potências vencedoras da Segunda
Guerra Mundial, conforme pode ser observado na figura a seguir. O propósito de tal política para um
110
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

país já bastante castigado pela guerra era a subjugação total da Alemanha, de forma a impedir qualquer
possibilidade, em curto ou médio prazo, do ressurgimento da potência alemã que viesse novamente a
ameaçar a estabilidade europeia.

Figura 20 – Alemanha após a Conferência de Potsdam

Entretanto, a motivação para a divisão do território alemão em um momento que a Europa estava
em decadência na política mundial tinha a ver mais com a lógica de afirmação das esferas de influência
das duas superpotências e a tomada de posições do continente europeu do que necessariamente com
o futuro da Alemanha. Tanto que a construção do Muro de Berlim pouco tempo depois se tornaria o
símbolo da Guerra Fria no decorrer das próximas décadas.

Um acordo que colocava fim às hostilidades de anos de conflito foi, por fim, elaborado em fevereiro
de 1947. O Tratado de Paz de Paris foi assinado por 21 países, vencedores da Segunda Guerra Mundial.
A partir de então, a paz e a ordem internacional seriam gerenciadas pelas superpotências (SARAIVA,
2007a). O mais importante resultado da “era da catástrofe”, como Hobsbawm descreveu o período entre
a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, foi a emergência de um novo sistema de gerenciamento da
sociedade, que, desde a virada do século XX, era mundial e não mais limitada às diretrizes europeias.
111
Unidade II

O Sistema Internacional de Estados, que surgira dos escombros da Europa feudal, tornava-se mundial
e, portanto, demandava mecanismos de gerenciamento mais amplos do que aqueles manejados somente
pelos europeus. E foi dos flancos da Europa que se levantaram as duas superpotências com capacidade e
vontade para impor as linhas gerais da sociedade internacional na segunda metade do século XX.

Exemplo de aplicação

Exemplo 1

Sobre as causas para o fracasso da Liga das Nações, todas as afirmativas a seguir estão corretas, exceto:

A) O veto do Senado norte-americano para a participação dos Estados Unidos na Liga das Nações
prejudicou sua funcionalidade, assim como levantou questionamentos sobre a legitimidade e
importância de sua eficácia.

B) A incapacidade da Liga das Nações de impor medidas coercitivas mais efetivas sobre a Itália abriu
precedente para outras ações do tipo, que seriam levadas a cabo pela Alemanha.

C) O processo decisório da Liga das Nações exigia unanimidade tanto na Assembleia quanto no
Conselho Executivo, entravando as decisões.

D) Na formação da Liga das Nações, não havia referências claras quanto à definição de situações em
que os mecanismos coercitivos militares deveriam ser empregados, apontando a dificuldade para
lidar com situações em que falhassem as sanções.

E) A inclusão da Alemanha no Conselho Executivo da Liga das Nações em 1926 causou desavenças
entre as potências europeias e mostrou-se um erro, pois possibilitou a formação do Eixo entre
Alemanha, Itália e Japão.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: a ausência dos Estados Unidos, assim como de outras potências, como a Alemanha e a
União Soviética, foi um fator negativo sobre a legitimidade das resoluções do organismo, enfraquecendo
a Liga das Nações.

B) Alternativa correta.

Justificativa: a Liga das Nações de fato não conseguiu implementar uma medida coercitiva que
condenasse a ação militar da Itália sobre a Etiópia, encorajando Hitler a não apenas retirar a Alemanha
do organismo, mas também usar a força para realizar seus objetivos de política externa.
112
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

C) Alternativa correta.

Justificativa: de fato, o processo decisório no Conselho da Liga das Nações exigia a concordância
de todos os seus membros, 15 no total. A discordância de um membro paralisava qualquer negociação.

D) Alternativa correta.

Justificativa: quando falhavam as sanções econômicas, a Liga das Nações não possuía mecanismos
claros para empregar meios coercitivos sobre um possível agressor.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: a entrada da Alemanha na Liga em 1926 foi possibilitada pelo consenso entre as
potências europeias, França e Grã-Bretanha, e, além disso, o Eixo foi formado pelo Acordo Tripartite
entre Alemanha, Itália e Japão em 1940 na cidade de Berlim.

Exemplo 2

Considerando a nova ordem internacional que surgiu ao fim da Segunda Guerra Mundial, assinale
a alternativa correta:

A) A paz e a ordem internacional no pós-guerra foram impostas de forma unilateral pelos Estados Unidos.
B) A União Soviética mostrou-se contrária à formação da Organização das Nações Unidas e, por isso,
não aderiu ao novo organismo que implementaria a nova ordem mundial no pós-guerra.
C) A nova ordem mundial foi estabelecida por meio de acordos entre as duas superpotências sobre
as respectivas áreas de influência, bem como pela criação das Nações Unidas para gerenciamento
da segurança coletiva.
D) A França foi impedida de participar como país vencedor das conferências de paz e tampouco foi
incluída na versão final da lista de países que seriam membros permanentes do Conselho de Segurança
das Nações Unidas devido ao fato de ter se rendido à Alemanha durante a invasão nazista.
E) Nas conferências que deram origem à nova ordem mundial, foi permitida a participação de
representantes dos países derrotados.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: a paz e a ordem do pós-guerra foram estabelecidas por meio de negociações entre
todos os países vencedores, incluindo os Estados Unidos, e não apenas pelos norte-americanos.

113
Unidade II

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: a União Soviética, desde o início das negociações para construção da nova ordem
internacional, mostrou-se favorável à criação das Nações Unidas, como forma de angariar o
reconhecimento dos Estados Unidos sobre a área de influência soviética na Europa oriental.

C) Alternativa correta.

Justificativa: as negociações nas conferências entre as potências aliadas resultaram no reconhecimento


das áreas de influência soviética e ocidental sobre a Europa e na formulação de um novo organismo
internacional global para gerenciamento da segurança coletiva por meio do Conselho de Segurança.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a França participou da conferência de Potsdam e foi inclusa como membro permanente
e com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: nas conferências de paz, participaram apenas os países vencedores, pois a autoridade
instituída nos países derrotadas ou eram forças de ocupação dos aliados ou não era reconhecida por ser
de cunho nazista.

Resumo

Foi abordada a longa e completa decadência da sociedade europeia, bem


como o processo pelo qual uma nova ordem foi construída para substituir
o Concerto Europeu. Vimos que esse processo foi condicionado pelas
falhas do gerenciamento do sistema internacional após a Primeira Guerra
Mundial, ou seja, pelas duras condições impostas à Alemanha no Tratado
de Versalhes, pela ausência dos Estados Unidos na Liga das Nações e ainda
pela depressão capitalista gerada pela crise de 1929. Todos esses fatores
resultaram na Segunda Guerra Mundial, mergulhando a humanidade no
mais sangrento conflito bélico da história.

Vimos as incongruências dos vinte anos de crise que marcam o período


entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Nesse curto período, houve
a tentativa frustrada de implementação da Paz de Versalhes, que, após a
finalização de guerras europeias, foi substituída por uma política de
conciliação na Liga das Nações. Seguiu-se um período de estabilidade
na segunda metade da década de 1920, após a inclusão da Alemanha no
Conselho Executivo do Organismo. Entretanto, o esforço da Liga das

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HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Nações não foi suficiente para lidar com dificuldades impostas pela
depressão econômica, cuja principal resultante foi a ascensão dos regimes
nazifascistas na Europa.

Nos anos de 1930, uma série de crises resultou na deflagração da


Segunda Guerra Mundial. A princípio, a guerra restringiu-se ao continente
europeu e às ações japonesas no leste da Ásia, situação que perdurou até
1941, quando a invasão alemã à União Soviética e o ataque japonês a Pearl
Harbor tornaram o conflito mundial. A partir de 1941, o consenso europeu
para gerenciamento da ordem internacional estaria completamente
destruído, dando lugar à emergência das superpotências, Estados Unidos
e União Soviética.

Ao término da guerra, as superpotências determinariam suas esferas de


influência, impondo as diretrizes da dinâmica das relações internacionais.
Para tanto, vimos que os debates acalorados para organização do mundo do
pós-guerra foram travados em três conferências, em Teerã em 1943, e Yalta
e Potsdam em 1945, com a presença dos líderes das três grandes potências
vitoriosas da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos, União Soviética e
Grã-Bretanha, às quais se juntou a França na última conferência. Além disso,
o mundo teria um novo mecanismo de manutenção da paz e da segurança, as
Nações Unidas, um organismo multilateral pautado na visão norte‑americana
de cooperação e pacifismo, porém, diferentemente da Liga das Nações, seria
fundamentado no equilíbrio de poder das grandes potências.

Exercícios

Questão 1. Observe a charge:

Figura 21

Disponível em: https://incrivelhistoria.com.br/charges-segunda-guerra-mundial/. Acesso em: 1º abr. 2020.

115
Unidade II

Com base na leitura e nos seus conhecimentos, analise as afirmativas:

I – A charge faz referência, no primeiro quadrinho, ao pacto de não agressão, firmado entre Alemanha
e União Soviética em 1939.

II – Nos dois quadrinhos, ambos os líderes seguram, em uma mão, um símbolo da paz e, na outra, um
símbolo de guerra, sugerindo que a escolha por um ou por outro dependia do jogo de forças políticas
em dado momento.

III – O segundo quadrinho faz referência ao conflito entre Stalin e Hitler após o final da Segunda
Guerra Mundial, quando o mundo se tornou bipolar.

É correto o que se afirma em:

A) I, II e III.

B) I e II, apenas.

C) I e III, apenas.

D) II e III, apenas.

E) II, apenas.

Resposta correta: alternativa B.

Análise da questão

Justificativa: os quadrinhos mostram Hitler e Stalin com flores e facas. A escolha pelo símbolo da
paz ou pelo da guerra dependeu do momento. No primeiro quadrinho, há a referência ao acordo de não
agressão entre os dois países no início do conflito. No segundo quadrinho, mostra-se outro momento
da guerra, em que a União Soviética atuou ao lado dos Aliados contra o Eixo.

Questão 2. Leia a letra da música, de autoria de Vinicius de Moraes, e observe a fotografia.

A rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças


Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
116
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Como rosas cálidas


Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada

Disponível em: http://www.vagalume.com.br/vinicius-de-moraes/


rosa-de-hiroshima.html#ixzz3HeRcOqzC. Acesso em: 1º abr. 2020.

Figura 22

Disponível em: https://www.culturagenial.com/rosa-de-hiroshima/. Acesso em: 2 abr. 2020.

Com base na leitura e nos seus conhecimentos, analise as afirmativas:

I – Os versos de Vinicius de Moraes fazem referência aos efeitos radioativos da bomba atômica
na população da cidade de Hiroshima, e a metáfora da rosa remete à imagem formada pela explosão
da arma nuclear.
117
Unidade II

II – O lançamento da bomba atômica nas cidades japonesas ocorreu no final da Segunda Guerra e
é visto, por estudiosos, como uma forma de os Estados Unidos ostentarem seu poder na ordem bipolar
que estava se formando.

III – Após o lançamento da bomba atômica, o Japão revidou com o ataque à base norte-americana
de Pearl Harbor, o que alterou o rumo do conflito.

É correto o que se afirma em:

A) I, II e III.

B) I e II, apenas.

C) II e III, apenas.

D) I e III, apenas.

E) I, apenas.

Resposta correta: alternativa B.

Análise da questão

Justificativa: observam-se os efeitos nefastos da bomba na população já nos primeiros versos do


poeta brasileiro. A imagem mostra um formato que se assemelha a uma rosa, que inspira o poeta a usar
a metáfora, mesmo que ela seja uma rosa do mal. O lançamento ocorreu quando a guerra estava quase
acabada e, para os historiadores, foi uma forma de vingança por Pearl Harbor (1941) e um modo de
demonstração do poder norte-americano perante a União Soviética.

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