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Discurso de Poder e o
Conhecimento da Alteridade
a grande tragédia histórica de África tem sido não tanto o facto de ter entrado em con·
tacto com o resto do mundo tardiamente como a forma como esse contacto se proces-
sou; a Europa começou a propagar-se num momento em que já tinha caldo nas mãos
dos financeiros e capitães da indústria mais inconscienciosos. (Césaire, l 972, p.23)
As jovens nações receiam, com razão, ver o seu mundo original ser engolido nos turbilhões
da sociedade Industrial e desaparecer para sempre, um pouco como as espécies
Seja como for, este espaço intermédio poderia ser visto como a
principal expressão do subdesenvolvimento, revelando a forte tensão
entre uma modernidade que é frequentemente uma ilusão de desen-
volvimento e uma tradição que por vezes reflecte uma imagem fraca
de um passado mítico. Também revela a evidência empírica desta ten-
são ao mostrar os exemplos concretos de fracassos de desenvolvimen-
to, como o desequilíbrio demográfico, taxas de natalidades extrema-
mente elevadas, desintegração progressiva da estrutura familiar
clássica, iliteracia, disparidades sociais e económicas graves, regimes
ditatoriais que funcionam sob o nome catártico de democracia, o
declínio das tradições religiosas, a constituição de igrejas sincréticas,
etc. (Bairoch, 1971; Biga, 197 4).
Normalmente, perturbados com tal confusão, os sociólogos preferem
apelar a uma reavaliação dos programas de modernização. Não há
dúvida de que ainda existem muitas teorias a propor e muitos planos a
fazer. Contudo, podemos perceber já que este espaço marginal tem-se
revelado um grande problema desde o início da experiência coloniza-
dora; mais do que um passo no "processo evolutivo" imaginado, tem
sido o local dos paradoxos que pôs em causa as modalidades e impli-
cações da modernização em África.
O nu africano retratado por trás estd em conformidade com a regra clássica de contra·
posto expresso no equilfbrío compensatório das partes simétricas do corpo em movi·
mento: um ombro, inclinando-se sobre uma perna e o outro, erguido acima da perna
livre. Podemos supar que este homem nu foi copiado de um modelo clássico, ao qual o
artista atribuiu características, jdias e espadas, de um povo exótico ainda profunda-
mente ligado à natureza. (Kunst, 1967, pp.19-ZO)
É curioso que as pessoas que produziram tão bons artistas não tenham produzido
uma cultura no nosso sentido da palavra. Isto mostra que sãCJ necessários dois fartares
para produzir as culturas que distinguem as pessoas civilizadas. É necessário, claro. o
artista criativo, mas também o poder da apreciação critica consciente e da compara-
ção. (Fry, 190, pp.90-91).
Embora o conceito de sistema de arte para turistas enfatize a forma como os artistas e
as suas audiéncias compreendem as imagens e as convertem em bens económicos, não
negligencia os componentes expressivos da interacção. No sistema, ambas as Imagens
e objectos constituem fontes de permuta entre produtores e consumidores. Embora os
artistas tenham uma percepção clara da audiência turística, os consumidores por vezes
tém um contacto directo multo limitado com os artistas. (Jules-Rosette. 1984, p.10)
/Os Dogons] afirmam que {Sirius] possui uma estrela companheira invis(vel que
descreve uma órbita em torno de Sirius... a cada cinquenta anos. Eles afirmam que
a estrela companheira é muito pequena e muito pesada, constitufda por um metal
especial chamado 'Saga/a' e que não se encontra na Terra. Ofacto espantoso é que a
estrela visfvel possui uma extraordinária companheira escura. Sirius 8, que descreve
uma órbita elfptica em torno daquela a cada 50,04 ± 0,09 anos. Sirius 8 é o primeiro
exemplo de uma estrela anã descoberta por astrof(sicos modernos cuja matéria se en-
contra num estado denominado "degeneração relativista- que não existe na Terra e
uma vez que os e/ectrões não estão vinculados ao núcleo nessa matéria degenerada,
pode ser precisamente descrita como metálica. (Sagan. 1983, p.83)
A etnologia tem as suas raízes, na verdade, numa possibilidade que pertence concre·
tamente ó história da cultura europeia, ainda mais no que diz respeito ó sua relação
fundamental com toda a história... 'Hd uma cerca posição do rácio ocidental que se
constituiu na sua história e proporciona uma base para a relação que pode ter com
todas as outras sociedades: .. Obviamente, isso não significa que a colonização é
indispensdvel para a etnologia: nem a hipnose, nem a alienação do paciente dentro da
personagem fantasmdtica do médico, integra a psicandlise; mas tal como esta última
pode ser implantada apenas na violência calma de uma relação especifica e na trans-
ferência que produz, também a 'etnologia pode assumir as suas dimensões adequadas
apenas dentro da soberania histórica - sempre reprimida, mas sempre presente - do
pensamento europeu e da relação que pode Jazi-la enfrentar todas as outras culturas,
bem como a própria: (Foucault, 1973, p.377)
Génese Africana
Gostaria de usar a expressão African genesis (1937) de Frobenius
para formular hipóteses sobre o local epistemológico da invenção de
África e o seu significado nos discursos sobre África.
A génese da ciência antropológica ocorreu no contexto da ideologia
mercantilista. Sabemos que durante o século XVIII, conforme refere
G. Williams, "as colónias eram ... de valor apenas por trazerem vantagens
materiais para a pátria" (1967, pp.17-30). Por outro lado, é durante
este mesmo século que, paradoxalmente, as Interpretações iniciais so-
bre os "selvagens" são propostas pelos cientistas sociais do Iluminismo
(Duchet, 1971). E eu concordo com R. L. Meek quando refere que se
observarmos os seus trabalhos, "o que se destaca são as suas virtudes,
Buffon pensa,•a que a mosca não deveria ocupar um lugar mais importante nas preo·
cupações do naturalista do que aquele que ocupa na natureza; por outro lado, manteve
uma relação importante com o cavalo e o cisne... Mas a Zoologia mudou bastante
desde então e. depois de Lamarck ter defendido a causa dos animais inferiores, cada
organismo tornou-se de interesse para a ciência.
Weber estava indignado por a história dos Bantus poder ser estudada tanto como a dos
gregos. Não respondamos que os tempos mudaram, que o Terceiro Mundo e seu patrio·
tismo nascente... que o despertar do povo africano que se interessa pelo passado... sena
um momento adequado para ver que a consideração patriótica deve ser o critério do
interesse intelectual e que os africanos têm mais razões para desprezar a antiguidade
grega do que os europeus para desprezar a antiguidade Bantu. (V~vne, 1984, p.62)
1 ODiuursodoPodl!reoConhec,mentodlA.llrr1dade n
É evidente, por exemplo, que Schuchardt lida extensivamente com a
comparação multidimensional, enquanto Boas a evita. Simplificando,
pretendo com isto dizer que a antropologia e a filologia e todas as
ciências sociais podem ser efectivamente compreendidas apenas no
contexto da alternativa epistemológica. As histórias destas ciências
bem como das suas tendências, as suas verdades bem como as suas
experiências, derivando de um dado espaço, falam daí e, sobretudo,
sobre esse mesmo espaço. Assim, também poderíamos concordar que
desde a antropologia de Buffon, Voltaire e Rousseau e Diderot aos
estudos mais modernos, tais como o estudo de J. Favret-Saada sobre
a feitiçaria em França (1977), a preocupação básica da antropologia
não é tanto a descrição de sociedades "primitivas" e das suas realiza-
ções, mas sim a questão dos seus próprios motivos e a história do
campo epistemológico que a toma possível e na qual floresceu como
discurso filosófico retrospectivo ou perspectivista (ver Sebag, 1964;
Diamond, 1974). Assim, o etnocentrismo é tanto a sua virtude como a
sua fraqueza. Não é, como alguns académicos referem, um lamentável
acidente nem um acidente estúpido, mas um dos sinais mais impor-
tantes da alternativa da antropologia.
Alguns pensadores, como Lévi-Strauss, defendiam que o estudo da
diversidade de culturas reduzia o peso da ideologia e possibilitava aos
antropólogos lutar contra falsidades como as relacionadas com a supe-
rioridade natural de algumas raças e tradições relativamente a outras.
Deste ponto de vista ético, alguns académicos questionaram-se se seria
possível pensar numa ciência antropológica livre do etnocentrismo
(por exemplo, Leclerc, 1972). É decerto possível, conforme provaram
o funcionalismo e o estruturalismo, ter trabalhos que parecem respeitar
as tradições indígenas. E poderíamos esperar mudanças ainda mais
profundas na antropologia, conforme propõe R. Wagner (1981). Con-
tudo, muitas vezes, continua a parecer impossível imaginar qualquer
antropologia sem uma ligação epistemológica ocidental. Por um lado,
não pode ser completamente eliminada do campo da sua origem epis-
temológica e das suas raízes; e, por outro lado, como ciência, depende
de uma estrutura precisa sem a qual uma ciência não existe, nem a
antropologia.
Distingo dois tipos de "etnocentrismo": uma filiação epistemológica
e uma ligação ideológica. De facto, estas são com frequência comple-
mentares e inseparáveis. A primeira é uma ligação à episteme, ou seja,
uma atmosfera intelectual que confere à antropologia o seu estatuto
como discurso, o seu significado como disciplina e a sua credibilidade
como ciência no campo da experiência humana. A segunda é uma ati-
tude intelectual e comportamental que varia de indivíduo para indi-
O facto de a civilização universal ter tido origem durante muita tempo no centro
europeu conservou a ilusão de que a cultura europeia foi, de facto e por direito, uma
cultura universal. A sua superioridade sabre outros civilizações parecia proporcionar
uma verificação experimental desta suposição. Além disso, o encontro com outras
culturas foi em si o resultado do avanço e mais gero/mente o resultado da própria
cilncia ocidental. Não foi a Europa que Inventou a história, a geografia, a etnografia e
a sociologia nas suas formas cient(ficas explfcitas? (Ricoeur, 1965, p.177).
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relatório de Richard e John Lander (1838), abordam essencialmente
as mesmas questões que R. E. Burton, V. L. Cameron, H. M. Stanley e
E. D. Lugard apontaram por outras palavras, e na qual a Antropologia
do século XX se concentra. Esta é a discrepância entre "civilização" e
"cristianismo", por um lado, "primitivismo" e "paganismo", por outro,
e os meios de "evolução" ou "conversão" da primeira fase para a se-
gunda. Deste ponto de vista, pode dizer-se que, por exemplo, a teoria
programática das etapas da colonização, de J. Chaillet-Bert, (agricul-
tura, comércio, indústria) tem o mesmo significado que as opiniões
de Lugard sobre a presença europeia em África. O que propõem é uma
explicação ideológica para forçar os africanos a uma nova dimensão
histórica. Afinal, ambos os tipos de discurso são, essencialmente,
reducionistas. Eles não falam de África nem dos africanos, mas antes
justificam o processo de inventar e conquistar um continente designando
o seu "primitivismo" ou "desordem", bem como os meios subsequentes
da sua exploração e métodos para a sua "regeneração".
De facto, a questão poderá ser mais complicada, e também dramáti-
ca, para o poder imperial do Mesmo, se tomarmos em consideração,
por exemplo, a meditação de Ricoeur sobre a irrupção do Outro na
consciência europeia: