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As Lutas Anticoloniais e as Guerras de

Libertação

Conteudista: Prof. Me. Avelar Cezar Imamura


Revisão Textual: Prof.ª Dra. Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
Revisão de Conteúdo: Prof.ª Dra. Patrícia Teixeira Santos
Prof. Me. Thiago Henrique Sampaio

Contextualização

Material Teórico

Material Complementar

Referências
1/4

Contextualização

 Objetivo

Entender como os povos africanos lutaram pela sua


independência, quem foram os dirigentes dessas lutas,
as ideologias e estratégias utilizadas.

Caro(a) aluno(a),

Observe este mapa que apresenta as demarcações das formas de presença administrativa
colonial na África. Perceba que, ao mesmo tempo em que se quer evidenciar controle, este
mapa traz também questões importantes sobre os reais limites das diferentes formas de
controle e a importância da exploração do continente, sobretudo nos anos 1930 e 40. Observe
os traçados das fronteiras. Acreditava-se que esses traçados revelam o grau de intervenção e
exploração europeia, mas, nos últimos vinte anos, a historiogra a tem ressaltado que tais
limites tão angulosos não revelavam as reais di culdades de controle e submissão desses
diferentes territórios. Nesta unidade, iremos aprofundar mais essa discussão.
Figura 1
Fonte: Reprodução

Oriente sua re exão pelas seguintes questões:

De qual contexto histórico essa ilustração trata?

Qual mensagem a ilustração pretende transmitir?


Bom trabalho!
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Material Teórico

A Luta pela Soberania Política

“Tu não és um país, África,

Tu és uma ideia.

Conformada em nossos espíritos, cada qual com o seu.

Para esconder nossos medos, cada qual com os seus.

Para alimentar nossos sonhos, cada qual com os seus.”

- Davidson Abioseh Nicol, poeta e diplomata de Serra Leoa

A Primeira Grande Guerra (1914-1918) foi o primeiro grande momento em que contingentes
de soldados advindos das colônias africanas sob controle francês e britânico tiveram
participação. O nal desse con ito trouxe, além de avassalador aumento da pobreza que foi
agudizada pela pandemia conhecida como “Gripe Espanhola”, a constatação de que a situação
dos trabalhadores no mundo se tornava emergencial. Um ano antes do m da guerra, havia
eclodido na Rússia a Revolução de 1917, que levou o partido Bolchevique ao poder e tornou
concreta a implantação de uma forma de governo que advinha da violência revolucionária e
que invertia a relação entre capital e trabalho, levando operários e camponeses russos para o
centro do cenário político internacional.

A ameaça de uma possível transformação mais globalizada levou à busca de se recomendar


expansão de direitos sociais, especialmente por conta das terríveis consequências de perdas
de territórios por parte de muitos países, número elevado de mortos por causa da guerra e da
pandemia e também revoltas e questionamentos dos soldados que participaram do con ito,
vindos dos diferentes espaços africanos, que questionavam a relação de exploração colonial,
os limites da extensão de direitos sociais nas colônias e o aumento do recrutamento para o
trabalho forçado no período.

O período entre guerras, 1929 a 1939, foi marcado por crise econômica devido à quebra da
bolsa de valores de Nova York, aumento maior da pobreza que atinge diretamente os
trabalhadores e as classes médias europeias e, no mundo colonial, leva ainda mais a um
processo de expropriação de territórios, ao aumento do contingente de trabalhadores
recrutados para os trabalhos forçados e ao crescimento do número dos movimentos de
contestação política e econômica nos diferentes espaços africanos e também asiáticos sob
regime colonial.

No caso das áreas sob administração colonial francesa direta e indireta, por meio das elites
regionais, vinha um forte questionamento sobre o sentido da primeira guerra mundial e do
aumento da exploração agrícola interna. Essa guerra, de acordo com Amadou Hampate Bã,
historiador e linguista que estudou profundamente a produção de Histórias das Sociedades da
África do Oeste, analisando quais as causas e lógicas internas que poderiam vir a causar
guerras para os antigos guerreiros africanos.

Num belo trecho da sua obra Amkoullel, o menino fula, Hampaté Bã nos traz a queixa de um
antigo guerreiro. É uma narrativa bela em que se percebem, nitidamente, os limites da
participação e o lugar onde se colocam as colônias e suas populações:
“Os territórios franceses do ultramar haviam sido convocados a participar ativamente do
esforço empreendido pela metrópole para ganhar a guerra ( a Primeira Guerra Mundial),
fornecendo homens e matérias-primas. Foi anunciado o recrutamento dos homens e o início
da requisição de milhete, arroz, e animais de corte. Felizmente, as chuvas abundantes do mês
de agosto e as primeiras colheitas de milho e milhete temporão tinham feito recuar o espectro
da fome e foram levados em consideração os recursos próprios de cada região.

Um antigo chefe de guerra do exército tucolor, o velho Youkoullé Diwarra, reduzido à pobreza
pela conquista francesa a ponto de ser obrigado a mendigar seu alimento e nozes-de-cola
cotidianos, soube que a guerra pairava no ar. Muito feliz, voltou para casa correndo, tirou
velhos baús do seu antigo arsenal e apresentou-se a Alfa Maki Tall, pondo-se à disposição.

Alfa Maki Tall explicou-lhe que não se tratava de uma guerra africana, mas de uma guerra
puramente européia entre os “peles de fogo”. O velho Youkoullé Diawarra, que só contava com
uma nova oportunidade de guerrear e recolher o saque para remediar sua pobreza, cou por
demais desapontado. No passado, sobrevivera graças às guerras que sempre lhe tinham
rendido alguma coisa, mas cara sem nada depois da ocupação francesa. Quando chegava ao
mercado de Bandiagara, as mãos e os bolsos vazios, ouviram-no exclamar com tristeza
“Wallaye! (Por Deus!). A coisa mais triste para mim é a paz, porque me priva até dos meios de
pagar uma noz-de-cola.”

Frustrado em suas esperanças , furioso, pôs-se a maldizer todos os europeus de todas as


raças e a ‘civilização’deles. Arriscando-se a ser preso por declarações sediciosas, perambulava
pelas ruas clamando sua fúria: “Que os ‘pele de fogo’, estes malditos comedores de ovos, se
mantém até que não reste nenhum sobre a face da terra!” Enquanto todos exclamavam
tristemente “Wanaa djam! Allâh doom!” (isto não é a paz, que Deus nos proteja!), Youkoullé
vociferava: “Ó Deus! Mate todos os ‘pele de fogo’! Torne estéreis as entranhas de suas
mulheres e que elas nunca mais dêem frutos!”. Ele incluía em sua Riva a totalidade dos
europeus que, ara ele, tinham sido a causa de sua decadência social e material e que agora lhe
frustavam a oportunidade de reencontrar sua grandeza de outrora.”

- Amadou Hampatê Bã - Amkoullel, o menino fula, pp. 258-259


Essa história se passa na atual República do Mali, na África Ocidental e nos traz diversos
elementos para re etirmos aqui: o primeiro é a percepção de que num mundo mais
globalizado a África estava num local de subalternidade, não tendo suas histórias de poder e
prestígio se quer reconhecidos. Junto com isso, a lógica econômica colonial é assentada na
exploração de terras, produtos e populações, mas elas não participam dos benefícios e das
histórias de triunfo do mundo ocidental. E o discurso civilizatório que era usado para justi car
o colonialismo se revela moralmente falso e descortina a real exploração capitalista
acumulativa a favor das empresas e administrações coloniais europeias em detrimento de
benefícios reais da expansão dos chamados bens civilizatórios (circulação e distribuição de
riquezas) com as elites e populações africanas.

Esse trecho revela um momento histórico especí co que marca diversos espaços africanos e
que veremos nesta unidade, dos movimentos de contestação ainda baseados no princípio de
que, se fazem parte dos impérios coloniais, como súditos e principais responsáveis pela
produção da terra e geração de riquezas, buscavam mais autonomia na gestão regional e
redistribuição de direitos e privilégios.

Isso será mais intenso a partir da consolidação das diferentes áreas de in uência, colônias e
protetorados que se estabelecem no continente, a partir de 1935, como poderemos ver nesta
unidade.

O Renascimento do Nacionalismo

A luta pela soberania política na África colonial pode ser contada em quatro etapas:

Antes da Segunda Guerra Mundial, produziu-se uma fase de agitação das elites em favor
de uma maior autonomia;

seguiu-se um período de participação das massas na luta contra o nazismo e o fascismo;

em seguida, após a Segunda Guerra Mundial, adveio a luta não violenta das massas por
uma total independência;
nalmente, sobreveio o combate armado na esfera política: a guerrilha contra os
governos de minoria branca, sobretudo, a partir dos anos 1960 (MAZRUI, 2010b, p. 126).

Já no período denominado entreguerras surgiram, em algumas colônias, vários tipos de


associações, fundamentadas na etnia ou no parentesco, nascidas ou da solidariedade existente
no seio da mão de obra migrante urbanizada; ou, ainda, sob o efeito do ressentimento dos
africanos ao sistema de exploração colonial.

As organizações que surgiram formavam um leque abrangendo desde a Associação Central


dos Kikuyu, na África Oriental, até a Convenção pelo Renascimento Urhobo, na África
Ocidental. Na África muçulmana, as organizações culturais estavam, por vezes, muito mais,
ligadas à religião que à etnia. Dessa forma, em 1935, o sheik Abdal HamidBadis criou, na
Argélia, a Associação dos “ulama” especialmente dedicada à defesa do islã em uma situação
colonial (MAZRUI, 2010b, p. 126).

A agitação também tomou outras formas durante os anos do entreguerras. Em maio de 1935,
por exemplo, greves e motins de mineiros africanos eclodiram na Copper Belt, da Rodésia do
Norte. Na Nigéria, diversos grupos de interesse começaram a se organizar.

Na cidade de Lagos, essa febre de organização levou a criação das seguintes associações:
Sindicato dos Leiloeiros de Lagos, em 1932; Associação dos Pescadores de Lagos, em 1937;
Associação dos Motoristas de Táxi, em 1938; Sindicato dos Abatedores de Lagos, em 1938;
Sindicato dos Jangadeiros de Lagos, em 1939; Sindicato das Mercadoras de Farinhas, em 1940;
Associação dos Mercadores de Vinho de Palma, em 1942; Sindicato dos Fosseiros de Lagos,
em 1942 (MAZRUI, 2010b, p. 127).

Muitos desses movimentos do entreguerras eram formados por elites e alguns grupos de
interesse possuíam um caráter urbano, mas já se percebia a entrada das massas na vida
política desses Estados africanos que buscavam suas independências políticas.

Os métodos empregados contra o imperialismo durante essa fase tinham essencialmente um


caráter não violento e fundavam-se na agitação; houve, entretanto, exceções, como a luta dos
etíopes contra a ocupação italiana (1936-1941).
A Segunda Grande Guerra (1939-1945) levou a um recrutamento ainda maior de soldados
africanos dos diferentes espaços administrativos coloniais em África. E teve também alguns
duros con itos que ocorreram no norte do continente, a partir da interferência alemã. Albert
Memmi narra a dura situação pela qual passaram as comunidades judaicas na Tunísia, com a
presença militar alemã e os confrontos truculentos que ocorreram com os mesmos, na
conhecida “Campanha Norte Africana” (1940-1943).

Os soldados africanos lutaram com os vindos das colônias asiáticas e se depararam com a
decadência dos países da Europa Ocidental, no caso da França, da Inglaterra e da Alemanha,
antigas metrópoles, que mostravam o limite do racismo atroz ao se descobrir os campos de
extermínio que atingiram duramente a população judaica europeia, os comunistas, os povos
ciganos e todos os que eram considerados inimigos políticos.

Aimé Cesaire, importante intelectual e escritor e Franz Fanon que era psiquiatra, ambos da
Martinica, lutaram na Segunda Guerra e estavam, assim como muito dos outros soldados,
convencidos da decadência do Ocidente e do ideal civilizador associado ao colonialismo, e
tiveram papéis importantíssimos nas lutas anticoloniais que vão surgir com grande força a
partir da década de 50 do século XX.

Tal guerra desempenhou um papel ao enfraquecer as potências imperiais. A França foi


humilhada pelos alemães e a sua derrota contribuiu para a destruição do mito da sua
invencibilidade imperial. A Grã-Bretanha saiu empobrecida e esgotada da guerra durante a
qual perdeu a vontade de conservar o domínio sobre um império muito grande. Cerca de
pouco mais de dois anos após o m do con ito mundial, a monarquia encabeçada pela rainha
Elizabeth II (1926) foi obrigada a separar da “joia da Coroa britânica”, o império das Índias
(MAZRUI, 2010b, p. 133).

Ainda sobre a Segunda Guerra, pode-se a rmar que ela contribuiu para reforçar o papel
mundial dos Estados Unidos e da União Soviética. Cada qual à sua maneira, as novas
superpotências iniciaram uma pressão aos europeus, com o objetivo de fazê-los desmantelar
os seus impérios, pois as superpotências possuíam seus próprios objetivos imperialistas para
o pós-guerra.
O nascimento da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, também contribuiu para o
processo de descolonização no mundo todo. À medida que a ONU se tornava mais
representativa, o colonialismo perdia pouco a pouco a sua legitimidade. Praticamente cada um
dos Estados que se tornaram membros das Nações Unidas protestavam contra os velhos
sistemas imperiais (MAZRUI, 2010b, p. 133).

Entretanto, a mais potente força de oposição ao colonialismo na África era formada pelos
próprios africanos que começavam a se organizar melhor, a formular mais claramente suas
exigências e a se armar melhor para a luta.

No transcorrer desse período, a resistência africana obedece a muitas tradições: a tradição


guerreira, a tradição da jihad, a tradição da revolta cristã, a tradição da mobilização não
violenta e a tradição da guerrilha (MAZRUI, 2010b, p. 134).

A Luta pela Soberania Política na África

Até a primeira metade do século XX, a África vivia sob o domínio colonial de diversos países
europeus, especialmente Inglaterra e França. Cenário que passou a se modi car após o nal
da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando os países africanos foram conquistando
suas independências, sendo a maioria no período entre 1956 e 1966.

Além de casos tardios como os de Moçambique, Cabo Verde, Ilhas Comores, São Tomé e
Príncipe e Angola, todos em 1975 e até então sob domínio de Portugal. Djibuti (1977) e
Zimbábue (1980), respectivamente, subjugados por França e Inglaterra.

Ressalta-se que, ao mesmo tempo, a opinião pública da Europa desenvolveu uma consciência
anticolonialista: acreditava ser uma contradição os governos inimigos de a opressão
nazifacista manter oprimidos os povos colonizados. Depois da Segunda Guerra, essa situação
tornou-se constrangedora. A descolonização também foi bandeira das duas grandes potências
do pós-guerra: Estados Unidos e a então União Soviética. Outro aliado para se conseguir essa
soberania política e territorial foi a ONU (Organização das Nações Unidas), fórum
internacional contra o colonialismo, fundamentada na autodeterminação dos povos.
Desdobramentos Pós-coloniais na África

Com o m da Segunda Guerra Mundial, a crise dos antigos impérios coloniais começou a se
agudizar. A guerra da Argélia iniciada em 1952, tornou-se um símbolo de movimento de
libertação nacional, de luta anticolonial e de derrocada de uma ordem internacional que havia
dado origem às duas grandes guerras. A partir da luta argelina, o panafricanismo e o
panarabismo se aproximam, visto que eram ideologias que promoviam a luta pelo m do
colonialismo e da construção de estados nações que buscavam nas próprias histórias culturais
e religiosas anteriores aos mandatos coloniais elementos comuns para se construir um
passado para as novas nações que se construíam superando os sistemas coloniais.

A Conferência de Bandung, ocorrida na Indonésia em 1956, é um marco na história das novas


nações afroasiáticas que emergiam. Lideranças como Motilal Nehru da India, Sukarno da
Indonésia, Kwame Nkrumah de Gana, Jules Nyerere da Tanzania e outros traziam a proposta
do não alinhamento aos blocos capitalista, por meio dos Estados Unidos, e socialista, por
meio da União Soviética. Já no m da década de 1950, houve também as orientações Cubana e
Chinesa do Socialismo que exerceram forte fascínio nas novas nações que surgiam.

Após a Conferência de Bandung, 18 países africanos conquistaram sua independência já em


1960. E, entre 1961 a 1980, outros 22 países também alcançaram sua emancipação política.

Por outro lado, a casa imperial da Etiópia foi relativamente lenta em reconhecer seu país como
país africano. Por muito tempo, os soberanos etíopes preferiram se considerar integrantes do
Oriente Médio e não da África. No entanto, em 1935, aconteceu a humilhante ocupação da
Etiópia pela Itália. O restante da África e todo o mundo negro sofreram com os
acontecimentos. Contudo, a partir de então, a Etiópia descobriu-se participante da condição
africana. O triste episódio tornou-se um estímulo suplementar para a consolidação de uma
identidade pan-africana.

Em outro front, o imperador Haile Selassie mergulhou em uma experiência similar àquela que
havia sido imposta a outros soberanos africanos, trinta ou cinquenta anos antes, a ocupação
direta de seu território e a submissão de seu povo pelos europeus. Assim, nasceu uma nova
consciência da casa real da Etiópia, sob o efeito do choque produzido pela descoberta de si
mesma, enquanto dinastia africana reinando sobre um povo africano.

Nesse sentido, Haile Selassie se tornaria um dos pais fundadores do pan-africanismo pós-
colonial e, sob muitos aspectos, seu mais eminente representante. Assim, uma vez mais, os
excessos da Europa imperial prepararam o caminho a algo diferentemente positivo, o
esplendor de uma nova identidade pan-africana cresceu sobre a sórdida miséria do racismo
europeu (MAZRUI, 2010, p. 10).

O imperador Haile Selassie eleva-se contra a agressão da Etiópia pela Itália.

Figura 2
Fonte: Reprodução
A história da Etiópia inspira também o Movimento que surge na Jamaica e se expande para o
mundo, que foi o Rastafarianismo. Na perspectiva Rasta, Haile Salassie teria sido o governante
não submetido a um poder estrangeiro e teria, portanto, uma liberdade e uma espiritualidade
que poderia ajudar a todos os negros a encontrarem a sua integridade, sendo líder de uma
religião de pessoas livres.

Podemos ver isso na bela canção Creation, de Peter Tosh, cuja letra
traduzida, destacamos. Disponível em:

VAGALUME

Peter Tosh - Creation (tradução)


(Senhor dos Senhores, aleluia) (Senhor dos Senhores, aleluia) No início Jah
criou o Céu ea Terra Ele então criou o homem de sua própria imagem e
semelhança Ele deu ao homem a sabedoria, conhecimento e overstanding Jah
é a minha saúde e minha força Ele é um escudo no meu
LEIA MAIS VAGALUME 
As canções Rastafari imortalizaram essa busca espiritual referenciada no Negus (o título da
realeza etíope), possibilitando a imaginação de um novo mundo, que seria desde a sua criação,
completamente livre.

Junto com as canções, ocorreram as transformações estéticas em busca da comunhão com a


natureza, a liberdade e o culto espiritual ao Negus. Os dread looks são criados a partir dessa
perspectiva e alcançaram o mundo, atravessando fronteiras e sendo um poderoso elemento
estético criador de vínculos com ideias de ancestralidade, autenticidade, integridade e
liberdade.
Figura 3
Fonte: Reprodução
Os dread looks são um símbolo do poder jovem dos anos 1960 que reivindicavam para si,
mundialmente, a autenticidade e a busca criativa das próprias raízes. E é belo perceber que,
ainda contemporaneamente, jovens, assim como essa que está na foto, identi cam-se com o
símbolo e querem expressar seus caminhos e anseios por meio da estética do dread.

No contato com a administração italiana de Mussolini, a Etiópia passou por duros reveses que
se traduziram na guerra contra esse país que pretendia ter controle colonial. No entanto, na
parte da espiritualidade, as imagens cristãs ocidentais de Jesus e Maria são integradas às
representações etíopes dessas mesmas personalidades consideradas sagradas, trazendo com
isso uma bela perspectiva ecumênica no mundo contemporâneo.

Figura 4 – Tabernáculo da Catedral Ortodoxa de


Cristo Ressuscitado.
Fonte: Adis Abeba (Etiópia), 2019

O encontro das diferentes tradições cristãs nesse Tabernáculo para adoração e contemplação
traz uma informação muito importante sobre os cristianismos etíopes, dos quais muitos
elementos inspiraram o movimento Rastafari: o encontro com o Sagrado e consigo mesmo se
dá pela devoção e contemplação. Esse aspecto somado às buscas Rastafari em demais campos
culturais e estéticos fez desse movimento uma experiência vigorosa de autoa rmação e de luta
antirracista.

Exemplos de Luta Anticolonial e de Cidadania

Nesta parte, serão feitas algumas considerações de transformações de alguns espaços


coloniais na África que estavam sob administrações francesa e inglesa. Nossa proposta é, a
partir desses dois exemplos, podermos fazer uma re exão sobre a complexidade dos
processos de luta anticolonial e de busca de cidadania.

O governo francês procurou negociar pela via reformista, o m do mandato colonial com
suas diversas colônias, como foram os casos de Camarões, Senegal, Madagascar, Costa do
Mar m e Mauritânia. Tanto que, em 1960, quase todo o império colonial francês na África
havia sido desfeito.

No entanto, a Guerra da Argélia liderada pela FLN (Frente de Libertação Nacional) trouxe um
duro limite as ações neocoloniais francesas, e tornou-se para o mundo o exemplo da grande
sublevação popular e de transformação da ordem política, na perspectiva de ruptura com
qualquer ação de conciliação com a antiga administração colonial.

Os 10% da população de origem francesa que moravam na Argélia e que controlavam a vida
política e econômica do país não queriam a separação da França. Por isso, resistiram à FLN
(Frente de Libertação Nacional), organizada em 1954, dando início à luta armada contra a
dominação francesa.

A ruptura pela luta armada foi um aspecto que Franz Fanon, importante intelectual da
Martinica que era psiquiatra e apoiador da causa argelina enfatizou na sua obra mais
conhecida mundialmente, “Os Condenados da Terra”, quando faz as observações sobre a
violência:
“O povo colonizado não está só. A despeito dos esforços do colonialismo, suas fronteiras
permanecem permeáveis às novidades, aos ecos. Ele descobre que a violência é atmosférica,
escala aqui e ali, e aqui e ali, derrota o regime colonial. Essa violência triunfante desempenha
um papel não somente informador como também operativo para o colonizado.”

- FANON, pp.53-54

Nesse trecho, Fanon unia os diversos povos sob experiência colonial sob o termo mais
genérico “povo colonizado”. Essa possibilidade de união pela “luta” embasou diversas ações
internacionais, como a Conferência de Bandung, já citada aqui nesta unidade e uma série de
apoios internacionais aos movimentos de libertação nacional em África e na Ásia.

A assinatura do Acordo de Evian, em 1962, que determinou o m do mandato francês na


Argélia foi resultado da grande resistência do povo argelino que comoveu o mundo e
mobilizou um apoio internacional de grande proporção. O saldo desse con ito foi a morte de
aproximadamente 25 mil soldados franceses e de 1 milhão de pessoas da Frente de Libertação
Nacional. Sem contar que perto de 1 milhão de franceses deixaram a Argélia, retornando à
França. Naquele mesmo ano de 1962, a Argélia passou a ser governada por Ahmed Bem Bella,
representante da FLN, até então, único partido do país. O multipartidarismo na Argélia só
passou a ser adotado e aceito em 1989, e a primeira eleição presidencial se deu em 1991.

África do Sul e o Apartheid

Desde o século XIX, a minoria branca de origem europeia (19% da população) dominou a
África do Sul e promoveu a independência política do país. No entanto, esse governo de
minoria rompeu com a dominação colonial inglesa e impôs à maioria da população negra o
regime segregacionista racial denominado apartheid.
Esse regime racista da África do Sul foi o cializado desde 1948 (também no período pós-
Segunda Guerra Mundial), evidentemente, provocou a indignação de grande parcela da opinião
pública internacional e gerou inúmeras revoltas dos grupos negros. Muitas dessas revoltas e
manifestações foram lideradas por Nelson Mandela (que cou preso durante 27 anos e faleceu
logo após a Copa do Mundo da África do Sul, em 2010).

Apenas em junho de 1991, o governo da África do Sul cedeu às pressões antirracistas e


revogou o apartheid. As mudanças foram decididas no governo do presidente Frederik de Klerk
que representava os interesses da minoria branca, que implementou reformas democráticas, a
partir de forte pressão dos movimentos sociais Sul Africanos. Dentre eles, destacaram-se as
ações dos estudantes de Soweto, dos trabalhadores das zonas rurais, dos grandes centros
urbanos e as pressões do Congresso Nacional Africano e as de Nelson Mandela, liderança
desse partido que havia conquistado a liberdade, após um período de 27 anos na prisão. E, em
22 de dezembro de 1993, o Parlamento (até então dominado por brancos) aprovou o projeto
de Constituição, que estabelecia a democracia plena na África do Sul e o m do apartheid.

Em 25 de maio de 1994, após a primeira eleição com votação multirraciais, o ex-preso e


ativista político Nelson Mandela foi eleito o primeiro presidente negro da África do Sul,
abrindo o país para o multipartidarismo e para a busca da construção de uma nação
multiétnica e representativa.

Era preciso construir uma ordem pública e formas de solidariedade que pudessem ser
partilhadas coletivamente para a reconstrução de uma ordem pública não segregacionista.
Essas ações ainda seguem em curso na África do Sul, mas se destacam, aqui, os Tribunais de
Reconciliação e os códigos públicos de conduta nos espaços construídos pelas lideranças
religiosas sul africanas, que tiveram como uma das mais importantes lideranças, o bispo
anglicano Desmond Tutu.

Um Continente, Diversas Nações

Pode-se a rmar que a África é, ao mesmo tempo, mais que um país e menos que um país.
Mais de cinquenta entidades territoriais, com fronteiras arti cialmente criadas pela Europa
passaram a levar o nome de “nação”. Todas, salvo a República Sul Africana e a Namíbia,
tinham nos anos 1980 aderido a uma organização internacional denominada Organização pela
Unidade Africana (OUA). Sim, a África é uma ideia, fecundada pelos sonhos de milhões de
seres humanos (MAZRUI, 2010, p. 10)

Ressalte-se, ainda, que o maior serviço que a Europa prestou aos povos da África não foi
trazer-lhes a civilização ocidental, atualmente encurralada; nem mesmo o Cristianismo,
atualmente na defensiva. A contribuição suprema feita pela Europa diz respeito à identidade
africana, dom concedido sem amenidades nem intenção, o que não a torna menos real. E isso
é particularmente verdadeiro já no século XX (MAZRUI, 2010, p. 11).

Mas como, então, a Europa pan-africanizou a África? De que modo pode-se dizer que o
sentimento de identidade africana, experimentado pelos africanos de hoje, nasceu da
interação produzida na história entre eles e os europeus?

De fato, certo número de processos, ligados uns aos outros, operaram-se simultaneamente.
Primeiramente e antes de tudo, há o triunfo da cartogra a europeia na história cientí ca e
intelectual mundial. Foram os europeus que deram nome à maioria dos continentes e
oceanos, a muitos grandes rios e lagos, bem como à maioria dos países. A Europa xou a
posição do mundo de tal maneira que se chega a pensar o continente europeu como situado
acima da África. Foi a Europa a determinadora da xação do tempo no mundo: a hora
universal se determina a partir do meridiano de Greenwich. A denominação dos trópicos de
Câncer e Capricórnio também foram nomes vindos da Europa (MAZRUI, 2010, p.11).

Também, de maneira geral, foram os europeus os responsáveis por decidirem um continente


do planeta e onde tinha início outro. Em relação à África, decidiram que o continente acabava
no mar Vermelho e não no Golfo Pérsico. Os europeus talvez não tenham inventado a palavra
“África”, mas desempenharam um papel decisivo na aplicação desse termo à massa terrestre
continental por hoje reconhecida sob essa denominação (MAZRUI, 2010, p.11).

O segundo processo por meio do qual a Europa contribuiu para a africanização da África
aquele relativo ao racismo. O racismo manifestou-se de modo particularmente marcante na
maneira pela qual as populações negras do continente foram tratadas. A humilhação e o
rebaixamento de que os africanos negros foram vítimas, por razões raciais, no curso dos
séculos, contribuíram a levá-los a se reconhecerem mutuamente como “irmãos africanos”
(MAZRUI, 2010, p.12).

O racismo estava ligado ao imperialismo e à colonização. Foram eles os responsáveis pelo


surgimento de uma identidade africana comum e forte para organizarem-se durante esse
período de luta e busca pela soberania política, do movimento conhecido como pan-
africanismo. Trata-se do que expressava o Tanzaniano JuliusK. Nyerere quando declarava:
“Sobre todo o continente, sem que uma palavra sequer tenha sido trocada de indivíduo a outro
ou de país a outro, os africanos olhavam a Europa, observavam‑se uns aos outros e sabiam
que, face ao europeu, eles eram apenas um” (MAZRUI, 2010, p. 10).

A consciência negra, ao sul do Saara, constitui um aspecto da identidade africana – mas essa
mesma consciência negra surgiu como uma reação à arrogância racial dos europeus. Ela
atingiu a dimensão continental após a invasão da Etiópia, conforme já dissemos, em 1935. A
negritude, movimento intelectual e literário, nasceu da arrogância cultural especí ca do
imperialismo francês. Eis o pano de fundo do processo pelo qual a Europa “pan-africanizou”
a África. (MAZRUI, 2010, p. 12).

Cronologia da Independência da África:

1954
Fim do mandato colonial no Sudão

1957
Independência de Gana

1958
Independência da Guiné

1960
Independência do Congo
Independência da Costa do Mar m
Independência do Gabão
Independência do Mali
Independência do Niger
Independência da Nigéria
Independência do Senegal
Independência da Somália
Independência do Zaire
1961
Independência de Serra Leoa
Independência de Serra Leoa

1962
Independência da Argélia
Independência de Burundi

1963
Independência do Quênia

1973
Independência da Guiné-Bissau

1975
Independência de Angola
Independência do Benin
Independência de Cabo Verde
Independência da Etiópia
Independência de Moçambique
Independência de São Tomé e Príncipe

1980
Independência do Zimbábue

1990
Independência da Namíbia

Glossário
Apartheid: termo empregado para designar a separação racial imposta
aos negros pela maioria branca na África do Sul.

Conferência Afro-Asiática de Bandung: o nome com o qual cou


conhecido encontro ocorrido nessa cidade da Indonésia, entre 18 e 24
de abril de 1955 e que reuniu os líderes de 29 estados asiáticos e
africanos, responsáveis pelos destinos de 1,3 bilhão de pessoas. O
objetivo era promover cooperação econômica e cultural de per l afro-
asiático, buscando fazer frente ao que na época se percebia como
atitude neocolonialista das duas grandes potências, Estados Unidos e
a então União Soviética, bem como de outras nações in uentes que
também exerciam o que consideravam imperialismo, ou seja,
promoção indiscriminada de seus próprios valores em detrimento dos
valores cultivados pelos povos em desenvolvimento.

Direito de Autodeterminação Política: direito que possui um


povo/nação para se auto-organizar, estabelecendo suas normas de
convivência e organização política, social, econômica e cultural de
modo autônomo sem a interferência de qualquer outro ente de poder.
Pode-se comparar à soberania.

Jihad: termo de origem árabe que signi ca “luta”, “esforço” ou


empenho.

Pan-Africanismo: é um movimento de caráter social, losó co e


político, que busca defender os direitos do povo africano por meio da
construção de um único Estado soberano.

Referendo Popular: uma forma de consulta popular sobre um assunto


de grande relevância, na qual o povo manifesta-se sobre uma lei após
esta estar constituída. Dessa forma, o cidadão apenas rati ca ou
rejeita o que lhe é submetido em votação.
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Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados


nesta Unidade:

Leitura

História Geral da África, VIII: África desde 1935. Disponível em?

ACESSE

ABADIA, Danúbia Mendes. A rejeição revolucionária do colonialismo: Amílcar Cabral e a luta


de libertação na Guiné-Bissau e em Cabo-Verde. Revista Espaço Acadêmico, v. 16, p. 113-125,
2016. Disponível em:

ACESSE

DURÃO, GUSTAVO DE ANDRADE. Intelectuais africanos e pan-africanismo: uma narrativa


pós-colonial. Tempo e Argumento, v. 10, p. 212-242, 2018. Disponível em:

ACESSE
Vídeo
YOUTUBE. História da África - Drª. Mônica Lima e Souza, da UFRJ. Disponível em:

YOUTUBE

História da África - Drª. Mônica Lima e Souza, da UFRJ

História da África - Drª. Mônica Lima e Souza, da


UFRJ
Esta é a 1ª aula do Curso ERER, uma especialização à distância em estudos
afros do Programa de Educação Sobre o Negro na Sociedade Brasileira da
Universidade...
VEJA EM YOUTUBE 

Ambos enriquecerão sua compreensão sobre os aspectos da descolonização e os processos de


independência da África.

Boa leitura!
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Referências

BÂ, A. H. Amkoulell: o menino fula. São Paulo: Casa das Áfricas, Palas
Athena, 2003.

BOAHEN, A. História Geral da África. Vol. VII. África, sob dominação


colonial. Brasília UNESCO, 2010.

FANON, F. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1993.

GOMES, V. Os minerais de “con ito” do Congo. Revista Fórum Semanal,


165. ed., 6 de junho de 2014.

HERNANDES, L. L. A África na sala de aula: visita à História


Contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005.

MAZRUI, A. A. Introdução. In: MAZRUI, A. A.; WONDI, C. História geral


da África, VIII: África desde 1935. Brasília: Unesco, 2010.

MAZRUI, A. A. “Procurai primeiramente o reino político...”. In:


MAZRUI, Ali A.; WONDI, Christophe. História geral da África, VIII:
África desde 1935. Brasília: Unesco, 2010b.
SANTOS, P. T. A Vitória dos Cristianismos Africanos. In: SAMPAIO, T. H.;
SANTOS, P. T.; SILVA, L. H. O. (orgs.). Olhar sobre a História das
Áfricas: religião, educação e sociedade. Curitiba, Appris, 2019. pp. 135-
147.

SANTOS, P. T. (org). Os africanos dentro e fora da África. Curitiba:


Positivo, 2015. (Coleção África e Brasil, vol. 2)

_______. Fé, Guerra e Escravidão: uma história da conquista colonial


do Sudão. São Paulo: UNIFESP, 2013.

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