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A LUTA PELA SOBERANIA POLÍTICA,

DE 1945 ÁS INDEPENDÊNCIAS
“PROCURAI PRIMEIRAMENTE O REINO POLÍTICO...”

• Kwame Nkrumah foi o primeiro presidente de Gana, defendeu


que a soberania era a chave para melhorar as condições dos
países Africanos, e que a África poderia escrever sua história.
• disse: “Procurai primeiramente o reino político e todo o
restante vos será dado em suplemento” quando pronunciou
essas palavras estava persuadido que a independência política
era a chave de todas as melhorias projetadas para a condição
africana.
• Nkrumah deixava obscura uma simples distinção que a
lógica nos ensina − aquela existente entre condição
suficiente e condição necessária:
• A soberania política (“o reino político”) era realmente
uma condição necessária para que a África pudesse
realizar ou satisfazer qualquer uma das suas aspirações
essenciais. Mas, a soberania política por si só não era
suficiente. E, simplesmente, não consiste em algo
verdadeiro a afirmação “todo o restante vos será dado
em suplemento.
• A situação de gana em 1980 parecia desmentir a opinião de
Nkrumah
• “Procurai primeiramente o reino político e todo o restante vos
será retirado.” A economia estava em piores condições que
aquelas vividas na época da chegada à soberania política; o
sistema educativo se deteriorara; as estradas se degradavam,
as vias férreas enferrujavam, os telefones não mais tocavam,
as infraestruturas em geral tombavam em decrepitude. Uma
diáspora ganense se constituíra, privando o país de numerosos
homens de valor, doravante espalhados pelos quatro cantos do
mundo
• Qual seria o saldo da busca do reino político? Quais seriam os
prováveis desdobramentos da luta para que “todo o restante”
fosse concedido à África?
O R E N A S C I M E N TO D O N A C I O N A L I S M O

• A luta pelo reino político − ou pela soberania política − na África


colonial se desdobrou em quatro etapas

• Antes da Segunda Guerra Mundial, produziu­se‑ primeiramente uma fase


de agitação das elites em favor de uma maior autonomia. A ela seguiu­se

um período caracterizado pela participação das massas na luta contra o
nazismo e o fascismo. Adveio, em seguida, após a Segunda Guerra
Mundial, a luta não violenta das massas por uma total independência.
Finalmente, sobreveio o combate armado pelo reino político: a guerrilha
contra os governos de minoria branca, sobretudo a partir dos anos 1960.
• Na realidade, as opiniões estavam muito divididas na África durante a
Segunda Guerra Mundial. Mas, em seu conjunto, os espíritos eram
mais favoráveis aos “demônios” que os africanos já conheciam (em
particular a Grã- ‑Bretanha e a França livre) em comparação com os
novos demônios do nazismo e do fascismo. ”.
• O seu engajamento não foi um processo de colaboração com o
imperialismo mas, uma luta contra uma forma de hegemonia ainda
mais perigosa. Paradoxalmente, o engajamento da África na guerra
representou uma parte integrante da luta do continente contra a
exploração estrangeira e da busca pela dignidade humana. A própria
razão de ser da guerra, a luta contra a tirania e a conquista, parecia
condenar o colonialismo que, finalmente, não era senão uma forma de
tirania e de conquista.
• No transcorrer deste período, a resistência africana obedece a muitas
tradições: a tradição guerreira, a tradição da jihad, a tradição da revolta
cristã, a tradição da mobilização não violenta e a tradição da guerrilha
A TRADIÇÃO GUERREIRA DE RESISTÊNCIA

•Esta tradição está ligada ao conceito da “resistência primária”, colocado em evidência


pela escola de história africana de Dar es­Salaam.
‑ Esta escola emprega o termo
“primária” em seu sentido cronológico, para designar a resistência que se manifesta no
momento da invasão e da conquista europeias.
•O termo “primária” aplicado à resistência tem igualmente um outro sentido: ele não
foca exclusivamente o que acontece em uma época anterior mas também aquilo que se
enraíza muito profundamente na tradição guerreira autóctone. O significado de
“primária” aqui presente é mais cultural e muito menos cronológico.
•Quando a luta armada começou a ganhar amplitude, algumas zonas de combate
receberam os nomes de médiuns influentes, alguns deles atuando inclusive nos campos
da guerrilha. O elo entre o guerreiro e o profeta persistiu durante a luta pela
emancipação da África Austral no decorrer da qual os valores guerreiros ancestrais
encontraram, em um contexto de combate moderno, novas formas de expressão.
A TRADIÇÃO DA JIHAD NA RESISTÊNCIA AFRICANA

• A tradição da jihad (que significa “luta na via de Deus”) foi mobilizada na


resistência contra a invasão imperial pelo sultanato de Sokoto na Nigéria, pela
Mahdiyya no Sudão oriental e pelo nacionalismo sacralizado de Sayyid
Muhammad ‘Abdallah. O espírito da Mahdiyya persistiu no Sudão, opondo­se ‑
tanto ao imperialismo britânico quanto ao expansionismo egípcio.
• Na Argélia, a propensão a qualificar a população autóctone como “muçulmana”
teve como efeito o fortalecimento dos laços entre o islã e o nacionalismo. As
leis racistas editadas pelo regime de Vichy durante o verão de 1942 criaram
uma nova forma de apartheid da qual a Argélia francesa não poderia jamais se
livrar por completo. Interditou­se
‑ de fato aos “muçulmanos” o acesso aos
mercados, aos cinemas e às praias na presença de europeus. Em suas piores
ocorrências este apartheid à francesa chegou ao ponto de proibir os
“muçulmanos” de se sentarem ao lado de europeus
• A revolução egípcia de 1952 estabeleceu um outro tipo de relação com o islã o
Egito se situava no centro de três círculos: o círculo do islã, o círculo do mundo
árabe e o círculo da África. A luta contra o imperialismo inscrevia­‑se, portanto,
aos seus olhos, no contexto de três forças: a resistência islâmica, o
nacionalismo árabe e o pan­‑africanismo.
• Embora seu pan­‑arabismo possuísse um braço armado dirigido contra Israel, a
revolução egípcia estava baseada em uma mobilização não violenta das
massas. Se al­‑Nasser recusou­‑se em 1952 a autorizar a execução do rei Faruq e
do seus colaboradores, isto ocorreu porque ele pensava que “uma revolução
nascida no sangue está fadada a perecer no sangue”.
• Outros nacionalistas africanos foram muito mais diretamente influenciados por
Mahatma Mohandas Gandhi, o dirigente político indiano. Eles desenvolviam
uma estratégia de mobilização política não violenta, distinta das forças
mobilizadas pela tradição guerreira e pela herança da jihad mas, reforçando a
ação desta última.
A T R ADI Ç ÃO DO “R A DI C AL I SM O C R I STÃO ”

• Observou- ‑se também o nascimento de uma revolta contra o


imperialismo ocidental nos meios cristãos, Esta associação entre o
imperialismo europeu e as missões cristãs marcou profundamente a
política educativa colonial. Em cada colônia de forma específica, “a
educação dos indígenas” criou uma divisão particular das tarefas entre
a Igreja e o Estado mas, não há dúvida que eles colaboravam em um
mesmo projeto político.
• Que papel desempenharam as principais Igrejas cristãs na luta contra o
imperialismo?
• As grandes Igrejas ocidentais foram certamente lentas em sua
associação na luta contra o racismo e o imperialismo na África.
Todavia alguns de seus membros muito prontamente
levantaram­se
‑ contra a opressão e, posteriormente, os
primeiros africanos laureados com o prêmio Nobel seriam
fervorosos cristãos revoltados contra o racismo: o chefe Albert
Luthuli e o bispo (agora arcebispo) Desmond Tutu, ambos
sul­africanos.

• A contribuição do cristianismo para a descolonização
revestiu­se
‑ essencialmente de três formas: primeiramente da
formação dos laicos oriundos das escolas das missões (a
tradição de Nkrumah); também daquela do separatismo cristão
(a tradição de Kimbangu); e, finalmente, da “radicalização”
dos dirigentes das Igrejas cristãs (a tradição do arcebispo
Desmond Tutu).
A ESTR AT ÉGI A DA M O B I L I ZAÇ ÃO P O L Í T I C A N ÃO V I OL EN TA

• Foi entre 1906 e 1908 que Mahatma Mohandas Gandhi conduziu a primeira
campanha de desobediência civil lançada na África do Sul; ela dirigia- ‑se em
sentido contrário às medidas discriminatórias do Transvaal contra os indianos.
• Em seu conjunto, as estratégias gandhistas de libertação tiveram sua aplicação
suspensa na África no fim dos anos 1950. Quando a Argélia se tornou
independente, em 1962, ficou muito evidente que as colônias portuguesas e
os territórios onde o poder estava nas mãos das minorias brancas dificilmente
seriam libertados de forma pacífica. Tanto no primeiro quanto no segundo
casos, os métodos de desobediência civil de Gandhi não teriam possibilidade
alguma de sucesso. Eles teriam como consequência, ao contrário, somente o
desencadeamento de impiedosas repressões inclusive com massacres de civis
desarmados, situações que haviam ficado bem claras desde o elucidativo
massacre de Sharpeville, em março de 1960.
A ESTRATÉGIA DA LUTA ARMADA DE LIBERTAÇÃO

• As lutas armadas mais modernas − nas colônias


portuguesas, na África Austral e na Argélia −
foram conflitos fortemente internacionalizados.
Numerosos países intrometeram­se‑ nesses
confrontos de diferentes maneiras, desde suporte
financeiro ao fornecimento de armas, incluindo até
uma efetiva participação com o envio de tropas
A REVOLUÇÃO E O REINO POLÍTICO

• Em nenhum outro lugar da África, o reino político pode receber tanto em troca
quanto na África do Sul. A potente industrialização criada pela mão de obra
negra e pela técnica ocidental, as enormes reservas minerais reservadas ao país
pela natureza, a disciplina forjada na longa luta dos africanos pela justiça e as
novas vantagens que lhe conferem o estatuto de potência nuclear constituem,
com efeito, fatores que reforçam consideravelmente o significado de um reino
político sul­africano
‑ cujo futuro estaria em mãos da maioria antes do final deste
século.
• O dia em que toda a riqueza da África estiver efetivamente sob a autoridade
soberana da África − da Cidade do Cabo ao Cairo, de Dar es­Salaam
‑ a Dakar −
poder­se­á
‑ ‑ enfim julgar com todo rigor a exortação imperecível de Kwame
Nkrumah: “Procurai primeiramente o reino político e todo o restante vos será
dado em suplemento.”

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