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Contextualização
Objetivo da Unidade
Para iniciar esta Unidade, assista ao vídeo da posse de Nelson Mandela, em 1998, que, além da
mudança presidencial, trouxe o m do sistema de apartheid (separação), que segregava e
limitava os direitos civis das populações africanas, com o racismo de estado. Perceba os temas
que Mandela apresenta e observe as questões que ele enuncia em diálogo com as explicações
que serão realizadas aqui.
Saiba Mais
Discurso de posse de Nelson Mandela. Chegou o momento de construir
Material Teórico
Introdução
A luta pelo m dos mandatos coloniais na África não termina com a independência política
dos países desse continente. Torna-se determinante que esses novos países consigam agora
suas autonomias econômicas, sociais e políticas, além de se inserirem no mapa mundial.
É preciso descobrir qual foi o efeito gerado e produzido pela África sobre os países e potências
do Ocidente, em um movimento contrário – uma vez que são conhecidos os resultados da
in uência europeia na África entre os séculos XVI e XIX.
Ao combater pela conquista de sua própria independência, a África contribuiu também para
modi car o curso da história europeia e mundial. Evidentemente, desde 1935, e especialmente
no período pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a África foi incorporada e participou
mais estreitamente do que nunca do sistema mundial, sendo importante ressaltar que ela não
era simplesmente um continente passivo submetido às ações dos demais.
A construção das novas nações africanas que emergem a partir de 1975 lidam com o grande
desa o da construção do estado e, ao mesmo tempo, da sociedade. Sofrendo in uências do
próprio processo de pressão da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética por um
lado e, por outro, a existência de governos de minoria branca neocoloniais e segregacionistas,
como na antiga Rodésia (atual Zimbábue), Namíbia e África do Sul – Angola e Moçambique
tiveram seus con itos internos de construção de representatividade política, partilha de
poder, ampliação de direitos e constituição de sociedade civil atravessados por essas
interferências internacionais. No caso moçambicano, o partido político que catalizava as
aspirações e a organização da luta anticolonial, a Frelimo (Frente de Libertação de
Moçambique) segue a orientação marxista leninista dos anos 1970 até o início dos anos 1990.
Nesse processo e também em função das próprias di culdades de ampliação do debate
nacional a respeito da representatividade política, surge a Renamo (Resistência Nacional
Moçambicana), apoiada pela África do Sul como forma de desestabilizar a Frelimo. Contudo, o
movimento oponente trazia também questões de populações não incluídas na rede de
governabilidade desse partido à frente do governo da nação. Assim como em Moçambique, a
guerra civil que vai se suceder lá, em Angola também e diversos outros países africanos, não
eram “con itos tribais” e sim disputas pelo poder, pela representatividade, pela redistribuição
da terra, pela garantia de diretos, pela hegemonia política e para a distribuição da renda, fato
que faz distanciar de qualquer ideia de tribalismo.
Essa observação é fundamental porque, por conta dessa avaliação de que os problemas
africanos advêm do tribalismo, que a interferência diplomática e militar francesa no con ito
de Ruanda foi desastrosa, aumentando ainda mais o genocídio que ocorreu naquele país.
No caso de Moçambique, a guerra dos 16 anos, que é o termo com o qual designam o con ito
civil dentro do país, levou à construção de uma nova ordem política que garantiu eleições, a
transformação da Renamo em partido político e a um processo de construção de
representatividade, governabilidade e de gestão da economia e dos direitos sociais que
atravessam por muitos desa os, mas que constitui o estado moçambicano e suas relações
com a comunidade internacional.
No caso de Angola, a guerra civil terminou em 2002, e foram introduzidas as eleições, com a
transformação da Unita em partido politico, surgimento de outros partidos, como também
ocorreu em Moçambique, e com a observância, como no caso moçambicano, da longa
permanência do MPLA no poder central.
No próximo item, iremos abordar sobre as transformações na África do Sul, cuja importância
reverbera em toda África meridional e história atravessa a globalidade do mundo
contemporâneo.
Pode-se observar que, em 1980, na África do Sul, surgiram os primeiros sinais dessa evolução
do nascimento de um novo país. Os otimistas não hesitarão em destacar semelhanças com a
revolução etíope de 1974 ou com a revolução iraniana de 1979, ambas iniciadas por meio de
manifestações de rua e desenvolvidas até o sucesso total. O Irã e a Etiópia pré‑revolucionários
viviam, um à imagem do outro, sob a égide de uma aliança entre um regime interno feudal e o
capitalismo internacional. Embora os dois regimes vigentes no Irã e na Etiópia estivessem
estabelecidos há séculos e mais séculos, eles foram, todavia, derrubados após poucos meses
de manifestações (MAZRUI, 2006, p. 145).
Outra questão paira sobre as armas nucleares da África do Sul, que poderiam ser usadas para
manter o apartheid. Há um quarto de século, Kwame Nkrumah advertia a África sobre duas
espadas de Damoclès, suspensas sobre a sua cabeça: o racismo, por um lado, e a arma nuclear
em mãos hostis, por outro. À época, os franceses testavam as suas armas nucleares no Saara.
O norte da África sofria, portanto, uma profanação nuclear e o sul, uma violação racial.
A África do Sul pode utilizar seu estatuto de potência nuclear para intimidar Estados vizinhos
ou dissuadir países como a Nigéria, mas ela não pode empregar as suas armas nucleares nas
ruas de Soweto.
En m, os meios empresariais receiam que uma luta prolongada contra o racismo degenere
em um combate contra o capitalismo, em consequência de uma radicalização do movimento
ativista (à imagem do ocorrido em Angola, em Moçambique e, em certa medida, no
Zimbábue).
Cedo ou tarde, o capitalismo deverá reduzir as suas perdas – e romper os seus elos com o
apartheid. Em situação de plena evolução, ele deve proteger os seus interesses (MAZRUI,
2006, p. 147).
Em nenhum outro lugar da África, o reino político pode receber tanto em troca quanto na
África do Sul. A potente industrialização criada pela mão de obra negra e pela técnica
ocidental, as enormes reservas minerais reservadas ao país pela natureza, a disciplina forjada
na longa luta dos africanos pela justiça e as novas vantagens que lhe conferem o estatuto de
potência nuclear constituem, com efeito, fatores que reforçam consideravelmente o
signi cado de um reino político sul‑africano, cujo futuro estaria em mãos da maioria antes do
nal deste século.
O dia em que toda a riqueza da África estiver efetivamente sob a autoridade soberana da África
– da Cidade do Cabo ao Cairo, de Dar es‑Salaam a Dakar – poder‑se‑á, en m, julgar com todo
rigor a exortação imperecível de Kwame Nkrumah: “Procurai primeiramente o reino político e
todo o restante vos será dado em suplemento.” (MAZRUI, 2006, p. 149).
Nesse contexto, a aspiração das elites em verem reconhecidos os seus direitos e a sua vocação
em desempenhar um papel político-econômico apoiar-se-á sobre um profundo movimento
popular, no qual as reivindicações econômicas estão estreitamente associadas às
reivindicações anticoloniais, tais como a abolição do trabalho forçado e da discriminação
racial e a concessão de direitos políticos.
Essa unanimidade esconde divergências que aparecem desde o m dos anos 1940 e,
sobretudo, apos as independências. No que diz respeito a certos setores burgueses, o objetivo
limita-se a ocupar o lugar dos europeus; quanto às massas, a aspiração pela libertação
nacional está indissociavelmente ligada a um projeto de libertação social.
Certos líderes originários da elite (dentre os quais uma minoria de formação escolar baseada
no tipo europeu) transformam-se em porta-vozes desses anseios populares; prosseguir este
caminho até as últimas consequências supõe a aceitação, por parte dessas camadas sociais, do
“seu suicídio como classe”, para retomar uma célebre fórmula de Amilcar Cabral, esse
itinerário não foi o mais frequente (MAZRUI, 2006, p. 193).
No quadro dessa economia de trá co, até o m dos anos 1950, as produções agrícolas para
exportação se desenvolvem, mas também as indústrias de extração, praticamente ausentes no
domínio francês antes de 1949-1951, alcançam certo ímpeto. As indústrias de transformação
começam a ganhar força, essencialmente nas capitais-porto, sob a forma de indústria de
“substituição das importações” ou da primeira transformação, bene ciamento, de produtos
exportáveis (MAZRUI, 2006, p. 194).
No plano social, esse período proporciona a criação de novas escolas primárias, enquanto
colégios universitários são abertos em Ibardan, na Nigéria, e em Legon, na Costa do Ouro
(atual Gana). Após a guerra, a urbanização também apresenta um grande impulso, pois os
jovens desempregados, tendo deixado a escola, abandonam em número cada vez mais elevado
os campos, para buscar nas cidades emprego e distração.
Além disso e, ao mesmo tempo, africanos ocidentais, tendo recebido no estrangeiro uma
educação e uma formação de advogados, médicos ou engenheiros (sobretudo, advogados)
começam a retornar ao país, em número cada vez maior, principalmente na África Ocidental
Britânica (MAZRUI, 2006, p. 194).
Todas essas transformações provocam um constante aumento, por um lado, no número dos
membros da burguesia no conjunto das pro ssões liberais, – advogados, médicos,
universitários, funcionários públicos, bem como nos meios pequeno-burgueses africanos dos
homens de negócio – e, por outro lado, no peso social da classe laboral formada por
professores, mecânicos, motoristas, mineiros, ferroviários, comerciários e pequenos
comerciantes africanos.
Não se pode deixar de notar as mudanças ocorridas na África Ocidental durante a década
posterior à Segunda Guerra Mundial. Se foi necessário às potências imperialistas europeias,
cerca de vinte anos, a partir de 1880, dividirem e ocuparem a África, a maioria dos Estados
africanos, por sua vez, foi necessário, aproximadamente, o mesmo tempo para alcançarem a
sua independência e soberania política após a guerra (MAZRUI, 2006, p. 195).
Nas quinze colônias da África Ocidental, onze haviam reconquistado sua soberania política
desde 1960, o seu número não atingira menos de nove somente no ano de 1960; houve, ainda,
nessa região a ocorrência de duas outras reconquistas de soberania, entre 1961 e 1965; e,
nalmente, ainda duas últimas conquistaram a sua independência, em 1973 e 1974. Quatro
dessas colônias eram britânicas – a Nigéria, a Costa do Ouro (atual Gana), a Serra Leoa e a
Gâmbia – e nove francesas – o Daomé (atual Benin), a Guiné, a Costa do Mar m, o Sudão
(atual Mali), a Mauritânia, o Níger, o Senegal, o Togo e o Alto Volta (atual Burkina Faso); as
outras eram portuguesas: o Cabo Verde e a Guiné Bissau.
A Costa do Ouro foi a primeira, dentre as colônias britânicas, a ganhar a sua batalha pela
derrubada do colonialismo; a ela, seguiu-se a Nigéria, em seguida a Serra Leoa e, en m, a
Gâmbia. Entre as colônias francesas, a Guiné foi a primeira a emancipar-se, em 1958, seguida
pelas outras que, em sua totalidade, reconquistaram a sua soberania no desenrolar do único
ano de 1960. As últimas colônias da África Ocidental a rejeitar o colonialismo foram as
colônias portuguesas do Cabo Verde e da Guiné Bissau.
“Sua exploração é apontada como um dos principais combustíveis que alimenta a guerra civil
no país. Mas há outros: reservas de diamantes, cobaltos e cobre. Uma rede que envolve
governo, grupos armados, empresas multinacionais, indústria armamentista e exploração do
trabalho infantil. Um comércio que já deixou um saldo de mais de 3 milhões de mortos.”
Outra importante fonte de cobiça para os mercadores consumidores de todo o mundo são as
pedras preciosas, em especial, o diamante, considerado a “pedra rei”, símbolo de poder e
riqueza. Porém, por ser o mineral mais resistente, tem importância para a indústria, uma vez
que é usado para cortar, tornear, polir e furar outros materiais. A África é o continente em que
as jazidas de diamante estão presentes em 17 dos seus 53 países. O continente o responsável
pela produção de 60% das pedras consumidas no mundo, um mercado que movimenta
bilhões de dólares por ano.
Países como Angola e Serra Leoa têm o controle de seus recursos naturais disputados pelo
Estado e grupos armados. As mineradoras e seus intermediários são responsáveis pelo
estímulo à guerra, fornecendo armas e soldados, realidade bem retratada no lme “Diamante
de Sangue” (ZWICK, 2006).
Figura 1 – Capa do livro do jornalista e antropólogo Rafael
Marques, “Diamantes de Sangue”
Fonte: Divulgação
Glossário
Diamante de Sangue: O título do lme refere-se a diamantes extraídos
em zonas de guerra e vendidos para nanciar con itos e, assim, gera
o lucro dos senhores da guerra e empresas de diamantes em todo o
mundo. Ambientado durante a Guerra Civil de Serra Leoa, em 1996-
2001, o lme retrata um país dilacerado pela luta entre partidários do
governo e forças insurgentes, além de retratar atrocidades dessa
guerra, incluindo amputação pelos rebeldes de mãos de pessoas para
desencorajá-los de votar nas próximas eleições.
Já em Angola, país rico em diamante e petróleo, o con ito envolve duas organizações
armadas, que disputam o poder desde a independência do país, em 1975: o MPLA (Movimento
Para a Libertação de Angola), atualmente no governo e que controla as reservas petrolíferas; e
a Unita (União para a Independência Total de Angola), controladora do mercado de diamantes,
que são vendidos e trocados por armamentos usados no enfrentamento ao governo. Mesmo
com o m do confronto, em 2002, essa guerra deixou um rastro mortal: cerca de 10 milhões
de minas terrestres ainda estão espalhadas pelo país, colocando em risco grande parte da
população, que já possui milhares de mutilados (CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2012, p. 344).
Figura 02 – Continente Africano: Guerrilha – Guerra Civil
– Con itos Internacionais – 2003
Fonte: Adaptada de FRANCE, 2003
Diante disso, é importantíssimo apontar a importância dos movimentos e ativismo social das
sociedades africanas contemporâneas. Entidades, como o Fórum Mulher em Moçambique,
vêm unindo militantes do sul do continente, bem como antigas associações como os
movimentos estudantis, o dos trabalhadores rurais e os sindicatos vêm atuando nas
denúncias dessas formas danosas de interferência externa, trazendo poderosos limites para
essas ações exploratórias, além de redes internacionais de solidariedade por meio das redes
sociais (Facebook, Whatsapp, Instagram, Twitter, Tik Tok, entre outras).
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Material Complementar
Sites
ACESSE
Livros
A África na sala de aula. Uma visita a história contemporânea
LEITE, L. H. A África na sala de aula. Uma visita a história contemporânea. São Paulo: Selo
Negro, 2005.
Fela Kuti
SILVA, R. A. do C. Fela Kuti. Contracultura e (con)tradição na música popular africana. São
Paulo: Alameda, 2017.
Referências