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A África Independente e o Contexto Mundial

Conteudista: Prof. Me. Avelar Cezar Imamura


Revisão Textual: Prof.ª Dra. Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
Revisão Conteúdo: Prof.ª Dra. Patrícia Teixeira Santos | Prof. Me. Thiago Henrique
Sampaio

Contextualização

Material Teórico

Material Complementar

Referências
1/4

Contextualização

 Objetivo da Unidade

Compreender os processos de construção da nação e de relações na


globalidade econômica que os países africanos enfrentam nos contextos
local e global.

Para iniciar esta Unidade, assista ao vídeo da posse de Nelson Mandela, em 1998, que, além da
mudança presidencial, trouxe o m do sistema de apartheid (separação), que segregava e
limitava os direitos civis das populações africanas, com o racismo de estado. Perceba os temas
que Mandela apresenta e observe as questões que ele enuncia em diálogo com as explicações
que serão realizadas aqui.

Saiba Mais
Discurso de posse de Nelson Mandela. Chegou o momento de construir

Discurso de posse de Nelson Mandela. Chegou o momento de co…


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Material Teórico

Introdução
A luta pelo m dos mandatos coloniais na África não termina com a independência política
dos países desse continente. Torna-se determinante que esses novos países consigam agora
suas autonomias econômicas, sociais e políticas, além de se inserirem no mapa mundial.

É preciso descobrir qual foi o efeito gerado e produzido pela África sobre os países e potências
do Ocidente, em um movimento contrário – uma vez que são conhecidos os resultados da
in uência europeia na África entre os séculos XVI e XIX.

Ao combater pela conquista de sua própria independência, a África contribuiu também para
modi car o curso da história europeia e mundial. Evidentemente, desde 1935, e especialmente
no período pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a África foi incorporada e participou
mais estreitamente do que nunca do sistema mundial, sendo importante ressaltar que ela não
era simplesmente um continente passivo submetido às ações dos demais.

As próprias ações da África igualmente contribuíram para transformar os destinos de outros.


Se é verdade que a África foi, como continente, submetida pela Europa, pelo con ito que a
forçou a reconhecer a si própria; por sua vez, a Europa foi forçada, em certa medida, a
assimilar a lição de responsabilidade internacional e de humildade democrática que o desa o
africano lhe impunha. A história da África, desde 1935, deve ser recolocada no contexto
dessas contradições maiores (MAZRUI, 2010, p. 10).

Con itos e Tensões


Na história das antigas áreas em África que passavam pelo controle colonial e interferência
portuguesa, o ano de 1961 foi marcante porque começaram as guerras coloniais. Durante
esses con itos, ganhou repercussão mundial as resistências de diversos povos africanos, os
partidos e associações que organizavam essas lutas, e percebeu-se que o colonialismo se
tratava de mais uma forma extorsiva de exploração capitalista.

A construção das novas nações africanas que emergem a partir de 1975 lidam com o grande
desa o da construção do estado e, ao mesmo tempo, da sociedade. Sofrendo in uências do
próprio processo de pressão da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética por um
lado e, por outro, a existência de governos de minoria branca neocoloniais e segregacionistas,
como na antiga Rodésia (atual Zimbábue), Namíbia e África do Sul – Angola e Moçambique
tiveram seus con itos internos de construção de representatividade política, partilha de
poder, ampliação de direitos e constituição de sociedade civil atravessados por essas
interferências internacionais. No caso moçambicano, o partido político que catalizava as
aspirações e a organização da luta anticolonial, a Frelimo (Frente de Libertação de
Moçambique) segue a orientação marxista leninista dos anos 1970 até o início dos anos 1990.
Nesse processo e também em função das próprias di culdades de ampliação do debate
nacional a respeito da representatividade política, surge a Renamo (Resistência Nacional
Moçambicana), apoiada pela África do Sul como forma de desestabilizar a Frelimo. Contudo, o
movimento oponente trazia também questões de populações não incluídas na rede de
governabilidade desse partido à frente do governo da nação. Assim como em Moçambique, a
guerra civil que vai se suceder lá, em Angola também e diversos outros países africanos, não
eram “con itos tribais” e sim disputas pelo poder, pela representatividade, pela redistribuição
da terra, pela garantia de diretos, pela hegemonia política e para a distribuição da renda, fato
que faz distanciar de qualquer ideia de tribalismo.

No caso de Angola, o MPLA (Movimento pela Libertação de Angola) teve um papel


fundamental na luta contra o controle português, mas a Unita surge também como expressão
de insatisfação, de questionamento, de disputa de poder e também de reivindicação de
participação política, além de receber apoio dos governos contrários a interferência soviética e
cubana que apoiavam o MPLA.

A pluralidade de povos e experiências marcam a história da criação dos estados africanos


independentes e por si nunca foram fonte de con ito. O grande ponto de discordância e
ruptura advém justamente da construção do Estado e da forma que este lida com essa
diversidade de culturas, pessoas e histórias. Mesmo que em alguns lugares, como em Ruanda,
em 1994, tenha se reivindicado uma oposição Tutsi e Hutu, o que se evidencia é a disputa de
poder e de ampliação de direitos em relação ao Estado.

Essa observação é fundamental porque, por conta dessa avaliação de que os problemas
africanos advêm do tribalismo, que a interferência diplomática e militar francesa no con ito
de Ruanda foi desastrosa, aumentando ainda mais o genocídio que ocorreu naquele país.

No caso de Moçambique, a guerra dos 16 anos, que é o termo com o qual designam o con ito
civil dentro do país, levou à construção de uma nova ordem política que garantiu eleições, a
transformação da Renamo em partido político e a um processo de construção de
representatividade, governabilidade e de gestão da economia e dos direitos sociais que
atravessam por muitos desa os, mas que constitui o estado moçambicano e suas relações
com a comunidade internacional.

No caso de Angola, a guerra civil terminou em 2002, e foram introduzidas as eleições, com a
transformação da Unita em partido politico, surgimento de outros partidos, como também
ocorreu em Moçambique, e com a observância, como no caso moçambicano, da longa
permanência do MPLA no poder central.

No próximo item, iremos abordar sobre as transformações na África do Sul, cuja importância
reverbera em toda África meridional e história atravessa a globalidade do mundo
contemporâneo.

A Nova África do Sul


A possível dissolução da aliança entre racismo e capitalismo na África do Sul apresenta‑se
como a característica central do período atual. Capitalismo e apartheid: estariam eles em vias
de tornarem‑se incompatíveis? Embora o apartheid possa não derivar da ruptura da sua
aliança, o capitalismo na África do Sul é perfeitamente capaz, por sua vez, de manter‑se
intacto, uma vez terminada a luta. O reino político provavelmente não conheceria o
socialismo.
Glossário
Apartheid: termo empregado para designar a separação racial imposta
aos negros pela maioria branca na África do Sul

Pode-se observar que, em 1980, na África do Sul, surgiram os primeiros sinais dessa evolução
do nascimento de um novo país. Os otimistas não hesitarão em destacar semelhanças com a
revolução etíope de 1974 ou com a revolução iraniana de 1979, ambas iniciadas por meio de
manifestações de rua e desenvolvidas até o sucesso total. O Irã e a Etiópia pré‑revolucionários
viviam, um à imagem do outro, sob a égide de uma aliança entre um regime interno feudal e o
capitalismo internacional. Embora os dois regimes vigentes no Irã e na Etiópia estivessem
estabelecidos há séculos e mais séculos, eles foram, todavia, derrubados após poucos meses
de manifestações (MAZRUI, 2006, p. 145).

Sanções econômicas internacionais poderiam provocar a mudança decisiva? Falta‑nos


distinguir as sanções ou o boicote de natureza expressiva e as sanções ou o boicote de caráter
instrumental. O boicote expressivo é um julgamento moral; o boicote instrumental
pretende‑se uma ferramenta política. As sanções internacionais não se desdobrariam,
isoladamente, no estabelecimento de um sistema ancorado no sufrágio universal. Os boicotes
expressivos tendem a elevar o moral dos oprimidos, os boicotes instrumentais do Ocidente
podem incitar o regime a liberalizar‑se, mas não a ponto de instaurar um sistema realmente
democrático. Conduzida internamente, a luta armada é, portanto, convocada a compor o
núcleo da revolução (MAZRUI, 2006, p. 146).

Outra questão paira sobre as armas nucleares da África do Sul, que poderiam ser usadas para
manter o apartheid. Há um quarto de século, Kwame Nkrumah advertia a África sobre duas
espadas de Damoclès, suspensas sobre a sua cabeça: o racismo, por um lado, e a arma nuclear
em mãos hostis, por outro. À época, os franceses testavam as suas armas nucleares no Saara.
O norte da África sofria, portanto, uma profanação nuclear e o sul, uma violação racial.

Posteriormente, a França ajudou Israel a dominar os seus próprios meios nucleares, em


Demona, e Israel, por sua vez colaborou para dotar a África do Sul da arma nuclear. Mas o
armamento nuclear disponível ao regime poderia mudar algo quanto ao futuro reservado ao
apartheid? A resposta é: “Não” ou, mais precisamente: “Não, ao menos, com relevância.”
(MAZRUI, 2006, p. 146).

A África do Sul pode utilizar seu estatuto de potência nuclear para intimidar Estados vizinhos
ou dissuadir países como a Nigéria, mas ela não pode empregar as suas armas nucleares nas
ruas de Soweto.

No momento em que o racismo desfavorece em demasia o funcionamento das leis da oferta e


da procura e quando o racismo econômico perde a sua e cácia, o capitalismo tende a se sentir
traído. Foi o que aconteceu na época do trá co dos escravos. Durante certo tempo, o
capitalismo assentou a sua prosperidade sobre a escravatura, em seguida, concomitantemente
ao aumento da e cácia das técnicas, o recurso a uma mão de obra servil justi cou‑se de
menos em menos em relação ao trabalho assalariado (MAZRUI, 2006, p. 147).

A Grã‑Bretanha, de principal potência escravista no século XVIII, tornou‑se a principal


potência abolicionista do século XIX. Outrossim, a aliança entre o capitalismo e o apartheid
justi cara‑se – embora de forma míope – no plano econômico, inclusive, atualmente. Se hoje
ela se encontra comprometida, é porque o capitalismo poderia tirar proveito da abolição do
apartheid:

1 O poder de compra da população africana poderia doravante elevar‑se em


proporções espetaculares, caso o sistema se tornasse, por pouco que fosse, mais
equitativo;

2 O nível de competência dos africanos melhorou, permitindo, dessa forma, o


emprego das forças produtivas com mais e cácia que outrora;
3 Uma melhoria do sistema de educação e de formação dos negros poderia
transformar, em pouco tempo, a África do Sul num país rico e fortemente
industrializado;

4 A oposição ao apartheid cria atualmente uma atmosfera de instabilidade malsã e


inapropriada para o capitalismo;

5 Finalmente, a instabilidade, por sua vez, engendra a incerteza; assim, o


investimento capitalista exige uma relativa previsibilidade do porvir.

Ademais, a escalada da repressão na África do Sul escandaliza importantes frações da opinião


pública ocidental, desencadeando a pressão desses grupos sobre as empresas comerciais e as
redes de lojas. Entre as grandes sociedades ocidentais que retiraram os seus investimentos,
guram notadamente: a IBM, a General Motors, o Barclays Bank, a Coca‑Cola e a Kodak.
Anteriormente a elas, numerosas instituições haviam fechado as suas contas no Barclays Bank
seguindo, nesta ocorrência, o exemplo oferecido pela Nigéria há alguns anos.

En m, os meios empresariais receiam que uma luta prolongada contra o racismo degenere
em um combate contra o capitalismo, em consequência de uma radicalização do movimento
ativista (à imagem do ocorrido em Angola, em Moçambique e, em certa medida, no
Zimbábue).

Cedo ou tarde, o capitalismo deverá reduzir as suas perdas – e romper os seus elos com o
apartheid. Em situação de plena evolução, ele deve proteger os seus interesses (MAZRUI,
2006, p. 147).

Em nenhum outro lugar da África, o reino político pode receber tanto em troca quanto na
África do Sul. A potente industrialização criada pela mão de obra negra e pela técnica
ocidental, as enormes reservas minerais reservadas ao país pela natureza, a disciplina forjada
na longa luta dos africanos pela justiça e as novas vantagens que lhe conferem o estatuto de
potência nuclear constituem, com efeito, fatores que reforçam consideravelmente o
signi cado de um reino político sul‑africano, cujo futuro estaria em mãos da maioria antes do
nal deste século.
O dia em que toda a riqueza da África estiver efetivamente sob a autoridade soberana da África
– da Cidade do Cabo ao Cairo, de Dar es‑Salaam a Dakar – poder‑se‑á, en m, julgar com todo
rigor a exortação imperecível de Kwame Nkrumah: “Procurai primeiramente o reino político e
todo o restante vos será dado em suplemento.” (MAZRUI, 2006, p. 149).

As Transformações Econômicas e Sociais


Ao longo dos anos 1945-1948, a aspiração por uma vida melhor e distinta manifestou-se de
modo por vezes explosivo, em razão do regime político-econômico imposto durante a guerra.
Os excessos do “esforço de guerra” – trabalhos forçados e con sco de produtos –, a penúria
e as vertiginosas altas nos preços criaram um mercado negro e, em combinação com
bloqueios salariais e métodos autoritários da chefaria e das autoridades coloniais, produziram,
em conjunto, uma situação que se tornou insuportável quando a paz foi restabelecida.

Nesse contexto, a aspiração das elites em verem reconhecidos os seus direitos e a sua vocação
em desempenhar um papel político-econômico apoiar-se-á sobre um profundo movimento
popular, no qual as reivindicações econômicas estão estreitamente associadas às
reivindicações anticoloniais, tais como a abolição do trabalho forçado e da discriminação
racial e a concessão de direitos políticos.

Essa unanimidade esconde divergências que aparecem desde o m dos anos 1940 e,
sobretudo, apos as independências. No que diz respeito a certos setores burgueses, o objetivo
limita-se a ocupar o lugar dos europeus; quanto às massas, a aspiração pela libertação
nacional está indissociavelmente ligada a um projeto de libertação social.

Certos líderes originários da elite (dentre os quais uma minoria de formação escolar baseada
no tipo europeu) transformam-se em porta-vozes desses anseios populares; prosseguir este
caminho até as últimas consequências supõe a aceitação, por parte dessas camadas sociais, do
“seu suicídio como classe”, para retomar uma célebre fórmula de Amilcar Cabral, esse
itinerário não foi o mais frequente (MAZRUI, 2006, p. 193).

Nos anos após a Segunda Guerra, a penúria se manteve e os primeiros “planos”


implementados nas colônias visavam reforçar o papel dessas últimas como fornecedoras de
matérias-primas. Posteriormente, esses objetivos seriam um pouco modi cados, guardando,
contudo, o seu foco no desenvolvimento de produções primárias e nos investimentos
orientados essencialmente para equipamentos indispensáveis, como portos, aeroportos,
estradas e centrais elétricas.

As necessidades de otimizar o emprego na economia de mão de obra su cientemente


quali cada e em boas condições de saúde, conjugadas com as aspirações da população,
tiveram como efeito incitar as autoridades coloniais em fazer um esforço nos setores da
saúde, da educação, entre outros (MAZRUI, 2010, p. 193).

Já o atraso econômico da África Ocidental – onde persiste a “economia de trá co” –,


agravado pelos anos de guerra, tornou indispensável uma participação dos Estados coloniais
nos investimentos de além-mar, o que fora geralmente excluído no pré-guerra. O vocábulo e
o mito da “ajuda” terão o seu surgimento.

No quadro dessa economia de trá co, até o m dos anos 1950, as produções agrícolas para
exportação se desenvolvem, mas também as indústrias de extração, praticamente ausentes no
domínio francês antes de 1949-1951, alcançam certo ímpeto. As indústrias de transformação
começam a ganhar força, essencialmente nas capitais-porto, sob a forma de indústria de
“substituição das importações” ou da primeira transformação, bene ciamento, de produtos
exportáveis (MAZRUI, 2006, p. 194).

No plano social, esse período proporciona a criação de novas escolas primárias, enquanto
colégios universitários são abertos em Ibardan, na Nigéria, e em Legon, na Costa do Ouro
(atual Gana). Após a guerra, a urbanização também apresenta um grande impulso, pois os
jovens desempregados, tendo deixado a escola, abandonam em número cada vez mais elevado
os campos, para buscar nas cidades emprego e distração.

Além disso e, ao mesmo tempo, africanos ocidentais, tendo recebido no estrangeiro uma
educação e uma formação de advogados, médicos ou engenheiros (sobretudo, advogados)
começam a retornar ao país, em número cada vez maior, principalmente na África Ocidental
Britânica (MAZRUI, 2006, p. 194).
Todas essas transformações provocam um constante aumento, por um lado, no número dos
membros da burguesia no conjunto das pro ssões liberais, – advogados, médicos,
universitários, funcionários públicos, bem como nos meios pequeno-burgueses africanos dos
homens de negócio – e, por outro lado, no peso social da classe laboral formada por
professores, mecânicos, motoristas, mineiros, ferroviários, comerciários e pequenos
comerciantes africanos.

Tais transformações desembocam, sobretudo, em uma cada vez maior concentração de


desempregados, tendo abandonado a escola em algumas cidades, ora capitais, ora centros
administrativos ou mineiros. Nas zonas rurais, onde continua a viver grande parte da
população africana, assiste-se também a um crescimento regular no número de cultivadores
de cacau, de plantadores de amendoim, de produtores de café e de trabalhadores rurais,
sobretudo na Costa do Ouro, na Nigéria e na Costa do Mar m.

As quatro colônias britânicas são sensivelmente desenvolvidas, comparativamente aos


limítrofes e circundantes territórios francês e português. No plano econômico, elas têm uma
rede ferroviária mais rami cada e a sua produção agrícola e mineral é muito maior. No plano
sociocultural, a Nigéria, cuja população supera em número o total de habitantes das colônias
francesas, pode se gabar da existência, já secular, de uma elite anglicizada (advogados,
pastores, professores) e de uma imprensa africana também quase secular (MAZRUI, 2006, p.
194).

Não se pode deixar de notar as mudanças ocorridas na África Ocidental durante a década
posterior à Segunda Guerra Mundial. Se foi necessário às potências imperialistas europeias,
cerca de vinte anos, a partir de 1880, dividirem e ocuparem a África, a maioria dos Estados
africanos, por sua vez, foi necessário, aproximadamente, o mesmo tempo para alcançarem a
sua independência e soberania política após a guerra (MAZRUI, 2006, p. 195).

Nas quinze colônias da África Ocidental, onze haviam reconquistado sua soberania política
desde 1960, o seu número não atingira menos de nove somente no ano de 1960; houve, ainda,
nessa região a ocorrência de duas outras reconquistas de soberania, entre 1961 e 1965; e,
nalmente, ainda duas últimas conquistaram a sua independência, em 1973 e 1974. Quatro
dessas colônias eram britânicas – a Nigéria, a Costa do Ouro (atual Gana), a Serra Leoa e a
Gâmbia – e nove francesas – o Daomé (atual Benin), a Guiné, a Costa do Mar m, o Sudão
(atual Mali), a Mauritânia, o Níger, o Senegal, o Togo e o Alto Volta (atual Burkina Faso); as
outras eram portuguesas: o Cabo Verde e a Guiné Bissau.

A Costa do Ouro foi a primeira, dentre as colônias britânicas, a ganhar a sua batalha pela
derrubada do colonialismo; a ela, seguiu-se a Nigéria, em seguida a Serra Leoa e, en m, a
Gâmbia. Entre as colônias francesas, a Guiné foi a primeira a emancipar-se, em 1958, seguida
pelas outras que, em sua totalidade, reconquistaram a sua soberania no desenrolar do único
ano de 1960. As últimas colônias da África Ocidental a rejeitar o colonialismo foram as
colônias portuguesas do Cabo Verde e da Guiné Bissau.

A África e os Desa os na Construção da Sociedade Civil


Diante da Globalização Econômica
Nesse contexto, pode-se perceber que, nas vitrines reais ou nas das lojas virtuais da internet,
os produtos mais procurados e expostos são os que levam algum tipo de tecnologia eletrônica.
São verdadeiros objetos de desejo de milhares e milhões de pessoas (diga-se, consumidores)
espalhadas pelo mundo. E que, a cada dia, ganham mais divulgação nas diversas mídias
existentes na atualidade. No entanto, por trás de muitos desses produtos há muito mais que
tecnologia: há uma história que leva ao continente africano. Uma cadeia de negócios que
envolvem as guerras e os con itos internos daquela região (CAMPOS, CLARO, DOLHNIKOFF,
2012, p. 343).

O continente africano responde por 80% das reservas de coltan (columbita-tantalita, ou


apenas “coltan”, essencial para as indústrias de eletrônicos), que estão localizadas na
República Democrática do Congo. Computadores, telefones celulares, aparelhos de DVD,
videogames e câmeras digitais usam essa liga metálica em suas linhas de produção. No
entanto, para sair dessas minas e até chegar aos celulares, por exemplo, percorrem um
caminho marcado por guerras e mortes.

“Sua exploração é apontada como um dos principais combustíveis que alimenta a guerra civil
no país. Mas há outros: reservas de diamantes, cobaltos e cobre. Uma rede que envolve
governo, grupos armados, empresas multinacionais, indústria armamentista e exploração do
trabalho infantil. Um comércio que já deixou um saldo de mais de 3 milhões de mortos.”

- CAMPOS, CLARO, DOLHNIKOFF, 2012, p. 343

Outra importante fonte de cobiça para os mercadores consumidores de todo o mundo são as
pedras preciosas, em especial, o diamante, considerado a “pedra rei”, símbolo de poder e
riqueza. Porém, por ser o mineral mais resistente, tem importância para a indústria, uma vez
que é usado para cortar, tornear, polir e furar outros materiais. A África é o continente em que
as jazidas de diamante estão presentes em 17 dos seus 53 países. O continente o responsável
pela produção de 60% das pedras consumidas no mundo, um mercado que movimenta
bilhões de dólares por ano.

Países como Angola e Serra Leoa têm o controle de seus recursos naturais disputados pelo
Estado e grupos armados. As mineradoras e seus intermediários são responsáveis pelo
estímulo à guerra, fornecendo armas e soldados, realidade bem retratada no lme “Diamante
de Sangue” (ZWICK, 2006).
Figura 1 – Capa do livro do jornalista e antropólogo Rafael
Marques, “Diamantes de Sangue”
Fonte: Divulgação

Glossário
Diamante de Sangue: O título do lme refere-se a diamantes extraídos
em zonas de guerra e vendidos para nanciar con itos e, assim, gera
o lucro dos senhores da guerra e empresas de diamantes em todo o
mundo. Ambientado durante a Guerra Civil de Serra Leoa, em 1996-
2001, o lme retrata um país dilacerado pela luta entre partidários do
governo e forças insurgentes, além de retratar atrocidades dessa
guerra, incluindo amputação pelos rebeldes de mãos de pessoas para
desencorajá-los de votar nas próximas eleições.

Já em Angola, país rico em diamante e petróleo, o con ito envolve duas organizações
armadas, que disputam o poder desde a independência do país, em 1975: o MPLA (Movimento
Para a Libertação de Angola), atualmente no governo e que controla as reservas petrolíferas; e
a Unita (União para a Independência Total de Angola), controladora do mercado de diamantes,
que são vendidos e trocados por armamentos usados no enfrentamento ao governo. Mesmo
com o m do confronto, em 2002, essa guerra deixou um rastro mortal: cerca de 10 milhões
de minas terrestres ainda estão espalhadas pelo país, colocando em risco grande parte da
população, que já possui milhares de mutilados (CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2012, p. 344).
Figura 02 – Continente Africano: Guerrilha – Guerra Civil
– Con itos Internacionais – 2003
Fonte: Adaptada de FRANCE, 2003

A Atuação da China no Cenário Africano


O forte crescimento econômico da China é um dos motivos do interesse pelo continente
africano, uma vez que existe grande demanda por matéria-prima. Os chineses estão na África
em busca de petróleo, já que possuem di culdades de acesso à produção do Oriente Médio –
controlado, em sua grande parte, pelos Estados Unidos e países europeus, concorrentes
diretos da produção chinesa. Sudão, Nigéria, Guiné-Bissau, Congo-Brazaville e Gabão são os
principais fornecedores de petróleo para a China.

Além do petróleo, as importações da China incluem algodão do Congo, minério de ferro e


platina da Zâmbia e madeira do Gabão, Camarões e Congo-Brazzaville (CAMPOS; CLARO;
DOLHNIKOFF, 2012, p. 345).

Em contrapartida, os investidores chineses investem em infraestrutura, como a reconstrução


de linhas de trem em Angola e projetos de barragens no Sudão, Etiópia e Zâmbia. Sem contar
que os produtos chineses chegam aos mercados de toda a África. Ressalte-se que, apenas na
Etiópia, 90% dos produtos comercializados são de origem chinesa. Atualmente, cerca de 80
mil chineses trabalham e vivem na África, fato que barateia ainda mais a produção dos
equipamentos vendidos em todo o mundo (CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2012, p. 345).

Os Desa os Humanitários e a Globalização


Se os recursos naturais do continente africano são cobiçados por nações da própria região e
de países da Europa e América, pode-se dizer que os próprios africanos também são desejados
por outro tipo de empresários: os donos das empresas farmacêuticas. Escravizados durante
quatro séculos, agora os africanos servem de cobaias para teste de novos medicamentos feitos
pelos laboratórios farmacêuticos. Uma das desculpas para “ocupar” a África com as indústrias
de medicamentos está na Aids, onde a epidemia da doença fez suas maiores vítimas.

Na África subsaariana, o número de portadores do vírus HIV superou a marca de 25 milhões


infectados pela doença. De posse desses números, e do conhecimento da instabilidade política
e falência econômica de muitos países africanos, a indústria farmacêutica tem feito da região o
cenário perfeito para os testes de novos medicamentos, uma vez que o custo deles é até cinco
vezes menos que nos países da Comunidade Europeia, Estados Unidos e Canadá.

Diante disso, é importantíssimo apontar a importância dos movimentos e ativismo social das
sociedades africanas contemporâneas. Entidades, como o Fórum Mulher em Moçambique,
vêm unindo militantes do sul do continente, bem como antigas associações como os
movimentos estudantis, o dos trabalhadores rurais e os sindicatos vêm atuando nas
denúncias dessas formas danosas de interferência externa, trazendo poderosos limites para
essas ações exploratórias, além de redes internacionais de solidariedade por meio das redes
sociais (Facebook, Whatsapp, Instagram, Twitter, Tik Tok, entre outras).
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Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados


nesta Unidade:

Sites

Fórum Mulher em Moçambique


Exemplo dos movimentos e ativismos sociais africanos contemporâneos

ACESSE

Livros
A África na sala de aula. Uma visita a história contemporânea
LEITE, L. H. A África na sala de aula. Uma visita a história contemporânea. São Paulo: Selo
Negro, 2005.

A razão africana: breve história do pensamento africano contemporâneo


BARBOSA, M. A razão africana: breve história do pensamento africano contemporâneo. São
Paulo: Todavia, 2020.

Fela Kuti
SILVA, R. A. do C. Fela Kuti. Contracultura e (con)tradição na música popular africana. São
Paulo: Alameda, 2017.

Intelectuais das Áfricas


CARVALHO FILHO, S. de A.; NASCIMENTO, W. S. Intelectuais das Áfricas. Campinas: Pontes
Editores, 2019.

História da África Contemporânea


PARADA, M.; MEIHY, M. S. B.; MATTOS, P. de O. História da África Contemporânea. Rio de
Janeiro: Ed. PUC-Rio/Pallas, 2013.
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Referências

ANJOS, R. S. A. Estrutura Espacial do Imperialismo, a independência


política no século XX e o contexto geopolítico contemporâneo. In:
Educação, Africanidades, Brasil. Brasília: UnB, 2006.

BIITENCOURT, M. Fissuras na luta de libertação angolana. In: Métis:


História e Cultura. Volume 10, número 19, 2011. Disponível em:
<http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/metis/article/view/1747>.
Acesso em 14/10/2021.

CAMPOS, F; CLARO, R; DOLHNIKOFF, M. História nos dias de hoje. São


Paulo: Leya, 2012.

HERNANDEZ, L. M. G. L. A África na sala de aula. Visita à história


contemporânea. São Paulo: Summus, 2005.

MACAGNO, L. Fragmentos de uma construção nacional. Revista


Brasileira de Ciências Sociais, 2009. Disponível em:
<https://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v24n70/a02v2470.pdf>. Acesso em:
14/10/2021.
MAZRUI, A. A.; WONDI, C. História geral da África VIII: África desde
1935. Brasília: Unesco, 2010.

SANTOS, P. T. Fé, Guerra e Escravidão: uma história da conquista


colonial do Sudão (1881-1898). São Paulo: Unifesp, 2013.

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