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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

PÓS-GRADUAÇÃO EM ÁFRICA E SUAS DIÁSPORAS

DISCIPLINA: ÁFRICA CONTEMPORANEA: QUESTÕES E


DEBATES

ALUNO: CARLOS NÉRI

SÃO PAULO – 2021


1. descolonização africana: problemas e questões

O século XIX pode ser considerado o palco onde o cenário para as duas
guerras mundiais começou a se construir com ele, o imperialismo colonial crescia
sobre a África e a Ásia. Munanga (s.d) nos afirma que a colonização do
continente africano foi se empobrecendo devido a exploração. Somente após a II
guerra mundial iniciou-se os movimentos de independência e descolonização do
continente africano, que se tornou possível devido a formação de uma nova
conjuntura política e social, seja do ponto de vista Europeu, seja do ponto de vista
africano.
Linhares (1981), afirma que desenvolve seu raciocínio, a descolonização da
África ocorreu em um longo processo histórico, que envolveu a confluência de
diversas ações políticas e revolucionarias, em primeiro lugar a Carta do Atlântico
que define a autodeterminação de todos os povos e a ascensão do comunismo
durante a Revolução Russa de 1917. O socialismo para Linhares seria o
“sinônimo de instrumento de luta pela libertação dos povos e das classes
historicamente oprimidas” (LINHARES, 1981, p. 13.).
Os movimento nacionais que se desenvolveram no chamado terceiro mundo,
foram relevantes para o processo de criação de uma África livre, porém, Linhares
sublinha que houve transformações no interior das metrópoles no pós-guerra que
enfraqueceram essas nações, principalmente, Inglaterra, França, Alemanha e
Bélgica, tornando inviável a manutenção financeira das colônias. Durante o a
segunda metade do século XX, principalmente no pós-guerra, e a polarização
entre o capitalismo e o comunismo, as confluências políticas, principalmente, a
partir da ideologia comunista da justiça social, diversos movimentos que
enfatizam a negritude, a identidade negra e uma África Livre começam a se
fortalecer.

Na década de 1950 com o avanço dos movimentos nacionalistas e o


acirramento dos conflitos, além da necessidade de orientar os gastos para
a reconstrução europeia, os dirigentes metropolitanos perceberam que não
mais havia vantagem em ignorar as pretensões à independência,
principalmente levando em consideração o fato de que os objetivos iniciais
que levaram a construção dos impérios coloniais haviam sido plenamente
atingidos. De fato, depois de décadas de colonialismo, as empresas
europeias já detinham o pleno controle dos mercados e dos recursos
africanos, podendo deles se aproveitar em benefício próprio e de seus
aliados (MENDONÇA, 2008, p.171).
Mendonça e Linhares esboçam essa característica do esvaziamento do
sentido de império europeu e o fortalecimento de ideologias nacionais em direção
a independência, porém Mendonça, nos traz informações importantes, pois
segundo a autora, aproximação de missionários protestantes negros e norte
norte-americanos, principalmente na Libéria, cujos discursos e ensinos se
direcionavam para o fortalecimento da identidade negra, deram corpo, a
organização de movimentos e a difusão de ideias que culminaram no pan-
africanismo que proporcionou o intercâmbio cultural entre alunos de universidades
britânicas na África e universidades americanas, o intercambio cultural e o acesso
a formação acadêmica transformou muitos desses jovens em lideranças que
aderiram ao movimento de independência do continente africano.

Dessa forma, pouco a pouco, ocorreria um movimento de


reafirmação da cultura negra, tanto na Europa, como nas Antilhas e na
própria África Ocidental, o que levaria ao conceito de negritude. Essa ideia
tomaria impulso principalmente a partir de ações de africanos e antilhanos
francófonos e anglófonos. Os líderes da negritude passariam, então a
desenvolver a noção de que existe um movimento histórico e cultural, a
partir de uma solidariedade racial entre os negros e que, portanto, todos os
africanos e os povos de origem africana tem um patrimônio cultural
comum, motivo pelo qual deveriam se reforçar entre os integrantes do
mundo negro (MENDONÇA, 2008, p. 164).

O movimento de negritude, que reuniu diversos autores, acadêmicos e


poetas, foram relevantes para a reconstrução da identidade negra e a valorização
do continente africano, como historicamente terra dos negros, com seus costumes
tradicionais. Elevar a consciência do africano e lhes proporcionar o capital cultural
para o desenvolvimento e maturidade da consciência africana dos povos. Essa
consciência da identidade não é meramente social, mas abrange um movimento
histórico-cultural, de resgate a originalidade negra sem a mistura e interferência
do estrangeiro.
De fato, o movimento intelectual da negritude e o africanismo, de caráter
mais políticos, foram forças correlatas que incentivavam a reconstrução da
identidade negra a partir do território africano, dessa forma uma cultura
acadêmica eminentemente negra, esboça-se no horizonte da academia, ou seja,
a distinção entre africanistas e africanos legítimos na condução das elaborações
teorias acerca do continente africano. Olhando para o aspecto político da
independência, uma série de dificuldades serão encontradas e analisadas, no que
se refere a criação de uma África para os negros que possa, do ponto de vista da
realidade sócio-histórica e não utópica progredir em direção a democracia e ao
desenvolvimento econômico dos países da África.
Partindo desse princípio da reconstrução da identidade negra a partir do
território africano, Munanga (s.d) discorre sobre algumas problemas que
impediam a união do território em torno de uma ideologia afrocentrista, seja pelo
viés político, seja, pela diversidade instalada no vasto território africano. Do ponto
de vista político, percebe-se que a elite africana que se une em torno do tema da
independência, na verdade, busca a manutenção de determinados privilégios,
advindos dos colonizadores, principalmente a “contar da independência do Gana
em 1957 até a Namíbia em 1990” (MUNANGA, s.d.p.103.)
As elites coloniais, as semelhanças dos criollos, na América espanhola, não
tinha por preocupação o desenvolvimento econômico do pais, dessa forma, o
“status quo” se mantém e o mercado internacional dita as regras, principalmente
no que tange a exportação barata e desvalorizada de produtos agrícolas e
matérias primas e importação de bens de consumo industrializados e
superfaturados.
Durante as campanhas anticolonialistas e os anos de luta, a
independência soava para as grandes massas com uma palavra mágica:
poder, riqueza, conforto, vida fácil e de melhor qualidade, outrora
reservados aos únicos colonizadores, mudariam automaticamente de
mãos após a Proclamação da Independência (MUNANGA, s.d.,p.103).

A militarização dos diversos países africanos, não pode ser considerado


apenas um detalhe, mas a regra, Munanga (s.d.) afirma que toda a África se
militarizou, com o apoio das potenciais europeias. Hoje no continente africano, o
conflito entre democracia e regime militar tem sido intenso. Em diversos países
africanos existem mobilizações pró – democracia, que em todo e qualquer regime
centralizador é combatido com violência.
Dessa forma a construção de um Estado-Nação africano, necessariamente
perpassa por uma base popular forte que eleve o sentimento afrocentrico para as
esferas políticas (executivo e legislativo), a fim de não permitir a elitização de uma
minoria, que utiliza o processo de descolonização para se manter no poder. Por
outro lado, a ideia da formação de países africanos, autônomos e independentes,
precisam de organização social em torno de uma identidade cultural, que se
tornou um problema, principalmente durante a colonização.
Alcançamos, então o segundo grande problema que serve como impeditivo
para a construção de uma nacionalidade africana, seja a nível continental, seja a
nível nacional. Sabemos que os europeus ao adentrarem o continente africano
desde o século XIV, encontraram diversas tribos ou etnias que se
correlacionavam ou se conflituavam, devido a questões que envolvem a
identidade e cultura desses povos. Em muitos países africanos, a questão da
identidade local, acaba por interver no processo de construção de uma identidade
nacional e várias situações, os grupos étnicos estão sujeitos a manipulação
ideológicas, partindo das elites que desejam se manter no poder, mantendo o
status quo europeu.
A questão crucial que se coloca aos dirigentes dessas nações em
construção é como criar uma identidade nacional que se sobrepõe as
identidades étnicas existentes e capaz de conter e canalizar essas últimas
no sentido de favorecer a unidade e a formação da consciência nacional.
De outro modo, como criar uma identidade nacional sem prejudicar as
identidades étnicas e regionais que são fontes de diversidades e, portanto,
de riqueza cultural e no mesmo tempo ameaçadoras da unidade nacional
[...] (MUNANGA, s.d., p. 108).

Portanto o processo de descolonização do continente africano ainda continua


em andamento, conforme se administra os variados problemas políticos, sociais,
econômicos e culturais. O movimento intelectual dos afrocentristas e guerreiros
da negritude, possui barreiras gigantescas para derrubar. Na esteira de Munanga,
Mendonça, também enfatiza os problemas políticos (envolvendo uma elite
subdesenvolvida e enviesada, voltada aos lucros), a militarização de praticamente
todo o continente, impedindo o avanço da democracia, a questão da diversidade
de etnias que impedem a consagração de uma identidade nacional e as diversas
problematizações econômicas que torna o continente africano dependente do
capital estrangeiro.
A complexidade é montanhosa e não enxergamos soluções a curto ou a
médio prazo, até mesmo, porque, devemos inserir nesse interim, a questão
religiosa que envolve facções islâmicas no norte da África, algumas delas
totalitárias e extremistas, principalmente com grupos minoritários. Por outro lado,
a luta pela democracia e pelo fim dos regimes militares tem aumentado em
diversos países, assim como denuncias de corrupção, principalmente pelas
mídias digitais. Ademais em meio aos conflitos, a população africana, os jovens
principalmente, estão mais conscientes de seu papel social para a completa
descolonização do continente africano.
BIBLIOGRAFIA

LINHARES, Maria Yedda. A luta contra a metrópole. São Paulo:


Brasiliense, 1981.
MENDONÇA, Marina Gusmão de. Um caso particular: os dilemas da
África do Sul contemporânea. In: Histórias da África . São Paulo: LCTE, 2008.
MUNANGA, Kabengele. África: trinta anos de processo de
independência. Revista USP . São Paulo, jun-ago/1993, no 18.

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