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IDENTIDADE E COMUNIDADE
AFRICANA NO BRASIL
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Rompendo com o olhar externo que paulatinamente moldou nossa
concepção em relação ao continente africano, temos atualmente autores africanos
que sinalizam perspectivas teóricas/epistemológicas tomando como base a África,
isto é, de dentro. Trata-se de uma tentativa de contrabalancear, de nivelar o peso
do eurocentrismo em nossa compreensão histórica, evidenciando outras
possibilidades de perceber a história dos povos africanos, invisibilizada ou
contada de maneira equivocada/desqualificada; portanto, ampliando nossa
própria consciência histórica.
Nesse sentido, intelectuais africanos elaboram a Teoria da
Afrocentricidade. Cabe destacar entre os intelectuais o senegalês Cheik Anta
Diop, o congolês Théophile Obenga e o ganês Malefi Kete Asante. A Teoria da
Afrocentricidade busca inverter a lógica naturalizada da superioridade europeia,
mostrando fatores e situações históricas que atestam a centralidade do continente
africano.
Conforme Asante (2009, p. 93), a Teoria da Afrocentricidade se constitui
numa proposta epistêmica que incorpora quaisquer fenômenos por meio de uma
devida localização, e com isso promove o protagonismo dos povos africanos em
prol da emancipação humana. Para o autor a “afrocentricidade é um tipo de
pensamento, prática e perspectiva que percebe os africanos como sujeitos e
agentes de fenômenos atuando sobre sua própria imagem cultural e de acordo
com seus próprios interesses humanos”.
De acordo com Reiland Rabaka (2009, p. 130), foi com Asante que a
afrocentricidade “recebeu seu primeiro tratamento teórico sistemático”. Assim,
Asante (2009, p. 93) concebe que toda produção intelectual que não atende aos
interesses eurocêntricos é desvalorizada, marginalizada; por isso, ele concebe a
afrocentricidade como “uma questão de localização, porque os africanos vêm
atuando na margem da experiência eurocêntrica”.
Em consonância com os escritos dos autores da Teoria da
Afrocentricidade, destaca-se que a perspectiva de afrocentricidade não é
sinônimo da afirmação de costumes e tradições africanas, praticar os usos e
costumes africanos não significa ser afrocêntrico. O que de fato importa é a
localização, a posição central que as experiências e perspectivas epistêmicas
assumem na tomada da cultura e história africana como referencial das
atividades.
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É válido evidenciar a explicação de Asante (1987) sobre afrocentrismo e
eurocentrismo, na qual o autor diz que afrocentricidade não é uma versão negra
do eurocentrismo, sendo este baseado na superioridade dos traços fenotípicos
(cor da pele branca) que serviu para justificar e proteger privilégios e vantagens
da população branca nas várias dimensões sociais.
Sabemos que no eurocentrismo os “os autores eurocêntricos sempre
colocaram a África em um lugar inferior em relação a qualquer campo de pesquisa,
numa deliberada falsificação do registro histórico” (Asante, 2009, p. 99). Assim, a
afrocentricidade é produzida como um conceito em trânsito, em movimento, que
contemplaria todos os sujeitos africanos considerando sua própria
conscientização.
Para tanto, desenvolver uma atitude e um olhar afrocentrado diante da vida,
da técnica, da crítica e da arte dependeria da noção de sua própria condição como
sujeito; do contrário, se os indivíduos e os grupos não se reconhecem como
agentes de sua própria história, a consequência é a marginalização. A África
sofreu/sofre essa marginalização na medida em que os indivíduos
negros/africanos foram relegados como sujeitos de sua própria história (Asante,
2009).
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negros que ali vivem quanto daqueles que foram sequestrados de sua pátria, os
negros africanos da diáspora. O movimento também fortalecia o desejo de retorno
às raízes, aos antepassados.
Com o fim da escravização nas Américas, principalmente na América do
Norte, o sentimento de retorno ao continente africano se intensifica e com isso a
organização de movimentos negros com essa pauta. Com o passar o tempo, o
pan-africanismo configura-se num elo marcado pelo reconhecimento e
solidariedade mútua entre indivíduos negros da diáspora e do continente africano.
Em 1900, foi realizada em Londres a primeira Conferência Pan-africanista;
dentre os organizadores intelectuais destaca-se William E.B. Du Bois, Marcus
Garvey, Aimé Cesaire e Frantz Fanon. Conforme Nascimento (2009, p. 53), com
Du Bois e o apoio de outros intelectuais e ativistas “o pensamento pan-africano
evoluiu ao longo do século com a realização de quatro Congressos Pan-
Africanos”.
No período entre guerras, o movimento pan-africano assume novos
desafios e características, sendo a luta anticolonial o principal objetivo, deixando
de ser um movimento exclusivamente intelectual e passando a incorporar as
camadas populares da sociedade. Para Asante e Chanaiwa, (2010, p. 873), o
movimento pan-africano passou a se caracterizar “na qualidade de força de
integração visando a unidade ou a cooperação política, cultural e econômica na
África”.
Na década de 1940, a luta que impele o movimento é contra o colonialismo
e pela libertação econômica africana. Já em 1945 ocorreu o quinto congresso Pan-
africano, e a pauta central foi a independência de países africanos até então
colônias europeias. Ficava evidente a unificação e cooperação dos povos
africanos contra as amarras do colonialismo.
Na década de 1960, a tônica do Congresso foi a libertação política dos
Estados africanos que ainda estavam sob a supremacia colonial. Com a conquista
da independência, outros e não menos preocupantes problemas emergiram,
desde os conflitos territoriais e étnicos até carência de produtos básicos, entre
outros.
Os ideais do pan-africanismo ainda são nutridos por alguns intelectuais
negros africanos contemporâneos, como Ki-Zerbo (2009, p. 16), que diz o seguinte
sobre o Pan-africanismo:
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Há uma questão da unidade e da fragmentação da África. Minha ideia
[…] é que a África deve constituir-se através da integração, que não
existe verdadeiramente hoje. É pelo seu ‘ser’ que a África poderá
realmente vir a tê-la; mas é preciso um ter autêntico, não um ter de
esmola, de mendicidade. Trata-se do problema da identidade e do papel
a desempenhar no mundo. Sem identidade, somos um objeto da história,
um instrumento utilizado pelos outros, um utensílio.
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devida a sua diversidade e às constantes transformações, não podem ser
resumidas em poucas linhas sem que caia em generalizações que remetam às
crenças de um lugar comum para toda a África” (Lopes; Arnaut, 2008, p. 31).
Conforme Hampaté Bâ (2010), podemos elucidar alguns elementos
comuns que estão presentes na religiosidade de todos os povos africanos:
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integralidade confere unicidade ao cosmos. A diversidade tonifica a expressão das
diferenças e a ancestralidade. A ancestralidade mantém a ligação dos vivos com
os antepassados. Segundo Hampaté Bâ (2010, p. 74) “o que a África tradicional
mais preza é a herança ancestral”. O apego religioso é transmitido de geração a
geração.
Assim, a religião africana é marcada pela integração dos elementos e
concebe o funcionamento do universo tal qual uma teia de aranha, na qual tudo
se relaciona com tudo e a harmonia das partes depende da harmonia do todo.
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Os djelis concebem a palavra como reflexo do que seus antepassados
viveram, carregada de vitalidade divina, sendo utilizada na criação humana. E
essa vitalidade irá estruturar a linguagem, que sairá do interior de cada pessoa
por meio da voz e poderá desencadear de energias vitais. A fala e a palavra nas
sociedades de tradição oral têm valor sagrado, sendo sua origem considerada
divina. Nesse sentido, Bâ (2010) explica o poder da fala como o vai e vem do
tecelão, dizendo que:
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TEMA 5 – AFRICANOS: DESCOLONIZAÇÃO OU INDEPENDÊNCIA
Assim, a década de 1960 ficou conhecida como “ano africano”, pois vários
países haviam conquistado a independência política. A partir de 1960 a conquista
pela independência caracteriza-se pela luta armada, pelo conflito entre metrópole
e colônia.
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Conforme Visentini (2007), os problemas africanos pós-independência
eram grandes, a começar pela delimitação das fronteiras, muitas feitas por uma
linha traçada à régua no mapa. Não havia um idioma único que favorecesse a
unificação da língua; mediante essa ausência foi adotado como idioma oficial o do
ex-colonizador. Grupos étnicos-linguísticos rivais foram reunidos em um mesmo
espaço, destacando que essas rivalidades foram aguçadas pelos colonizadores
como instrumento de manutenção da dominação, além da hierarquia daqueles
indivíduos que assimilaram a cultura europeia e aqueles que não assimilaram.
Outro desafio aos países independentes foi a ausência de médicos,
engenheiros, administradores e professores, o que se somava a uma estrutura de
classes fragmentada, com uma economia controlada de fora (exceto as extensas
áreas ainda na fase da subsistência). A precaríssima rede de transportes ligava
apenas os enclaves exportadores aos portos, inexistindo qualquer integração
nacional (Visentini, 2007, p. 125).
Nessa perspectiva, o professor e pesquisador Kabengele Mununga, em
entrevista publicada no portal Geledés em 2009, quando interrogado acerca da
importância do saber e do conhecimento africano na época dos movimentos de
independência, responde o seguinte:
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REFERÊNCIAS
LEITE, F. A questão ancestral: África negra. São Paulo: Palas Athena/Casa das
Áfricas, 2008.
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NASCIMENTO, E. L. Pan-africanismo na América do Sul: emergência de uma
rebelião negra. Petrópolis: Vozes, 2009
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