Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
AFRICANISMO E PÓS-COLONIALISMO.
1
“[...]la société africaine traditionnelle [...] est par nature collectiviste; le socialisme est donc déjá présent
dans la société africaine, où le capitalisme est l´élément étranger apporté par la colonisiation.”
“[...]Senghor, que também é membro da Sociedade Africana de
Cultura e que trabalhou conosco na questão da cultura africana, não
receou, tampouco, dar ordem à sua delegação de apoiar as teses
francesas sobre a Argélia. A adesão à cultura negro-africana, à
unidade cultural da África, passa primeiramente pelo apoio
incondicional à luta de libertação dos povos. Não se pode querer o
esplendor da cultura africana se não se contribui concretamente para a
existência das condições dessa cultura, isto é, para a libertação do
continente.
O tunisiano Albert Memmi era de origem judaica. Judeu de língua árabe que
estudou em escolas francesas, vivenciou a situação do intelectual fendido culturalmente.
“Albert Memmi vivenciava três culturas diferentes, como judeu que fala árabe e que foi
educado pelos franceses.” (LIPPOLD, 2005, p.10). Escritor e professor na Carnot High
School em Tunis, absorveu esta condição de intelectual fendido: “[...]judeu criado no
modo ocidental no interior de uma cultura magrebina, postulou um modo de ser que
permitisse uma negação do aniquilamento sócio-econômico e cultural do colonizado.”
(LIPPOLD, 2005, p.10)
Antes de partir para a análise dos estudos pós-coloniais vamos adentrar em
alguns aspectos da teoria de Fanon. Em Pele Negra, Máscaras Brancas(FANON, 1967)
é analisado o mundo da alienação cultural em que se encontra o colonizado, que
negando sua própria identidade, absorve os ideais europeus de cultura, vivendo um
2
“Senghor has, indeed, given an account of the nature of the return to Africa. His account is highlighted
by statements using some of his own words: that the African is “a field of pure sensation”; that he does
not measure or observe, but “lives” a situation; and that this way of acquiring “knowledge” by
confrontation and intuition is “negro-African”; the acquisition of knowledge by reason, “Hellenic”.[...] It
is clear that socialism cannot be founded on this kind of metaphysics of knowledge.”
verdadeiro processo de embranquecimento. O colonizado é obrigado a aprender a língua
do opressor e desse modo, segundo Fanon, nasce um verdadeiro complexo de
inferioridade cultural, já que “falar uma língua é apropriar-se de um mundo, uma
cultura. O negro antilhano que deseja ser branco vai ser mais branco quanto mais ele
ganha maestria no instrumento cultural que a língua é3” (FANON, 1967, p.38, tradução
minha). O negro colonizado ao assumir o francês como língua internaliza também parte
da consciência coletiva do francês que relaciona o negro com o mal e o sujo. Memmi
(1977, p.96-97) está em concordância com o pensamento de Fanon quanto à questão
língua, quando afirma que:
O colonizado não se salva do analfabetismo para cair no dualismo
lingüístico.[...]Munido apenas de sua língua o colonizado é um
estrangeiro dentro de seu próprio país.[...] A posse de duas línguas não
é apenas a de dois instrumentos, é a participação em dois reinos
psíquicos e culturais. Ora aqui, os dois universos simbolizados,
carregados pelas duas línguas, estão em conflito: são os do
colonizador e do colonizado.
3
“To speak a language is to take on a world, a culture. The Antilles Negro who wants to be white will be
the whiter as he gains mastery of the cultural tool that language is.”
4
Every colonized people – in other words, every people in whose soul an inferiority complex has been
created by the death and burial of its local cultural originality – find itself face to face with the language
of the civilizing nation; that is, with the culture of the mother country. The colonized is elevated above his
jungle status in proportion to his adoption of the mother country´s cultural standards. He becomes whiter
as he renounces his blackness[...]
eu[...] abri a porta. Nesta segunda sala haviam homens brancos, e eu
achei que também era branco5. (tradução minha)
Para Fanon este sonho representa um desejo inconsciente, que por sua vez é
produto de um complexo de inferioridade sofrido pelo negro e que perigosamente pode
desintegrar a sua estrutura psíquica. Se ele tem o desejo de ser branco é porque ele vive
numa sociedade que faz seu complexo de inferioridade possível, “numa sociedade que
deriva sua estabilidade da perpetuação de seu complexo, numa sociedade que proclama
a superioridade de uma raça6[...]”(FANON, 1967, p.100, tradução minha). Neste terreno
de imagens é que Fanon se detém com maior profundidade, ele busca o inconsciente
coletivo europeu, que em grande parte é absorvido pelo negro, e que desde épocas
medievais faz a analogia da cor preta com o pecado, o mal e o feio. (MACEDO, 2001)
Ele continua sua exposição explicitando também sua visão de que o inconsciente
coletivo não é fruto do biológico, mas sim da cultura. Assim o pensador explica o
mecanismo que impõe a visão eurocêntrica e racista no próprio colonizado:
5
“I had been walking for a long time, I was extremely exhausted, I had the impression that something
was waiting for me, I climbed barricades and walls, I came into an empty hall, and from nehind a door I
heard noise. I hesitated before I went in, but finally I[...]opened teh door. In this second room there were
white man, and I found that I too was white”.
6
“[...]in a society that makes his inferiority complex possible, in a society that derives its stability from
the perpetuation of his complex, in a society that proclaims the superiority of one race[...]”.
7
“Blackness, darkness, shadow, shades, night, the labyrinths of the earth, abysmal depths, blacken
someone´s reputation; and, on the other side, the bright look of innocence, the white dove of peace,
magical, heavenly light. A magnificent blond child –how much peace there is in that phrase, how much
joy, and above all how much hope! There is no comparison with a magnificient black child[...]In Europe,
that is to say, in every civilized and civilizing country, the Negro is the symbol of sin. The archetype of
the lowest values is represented by the Negro.”
Negro “azul” – um preto-carvão – vem visitar, alguém reage no
momento: ‘Que má sorte ele está trazendo?’ O inconsciente coletivo
não é dependente da hereditariedade cerebral; ele é resultado do que
eu chamarei de imposição irrefletida da cultura8.(FANON, 1967,
p.190-191, tradução minha)
Eis que deste emaranhado de imagens que ligam o negro ao mal, à feiúra e a
preguiça, surge no próprio negro a vontade de fugir desta analogia imposta pelo
racismo. A ideologia do colonizador acaba por penetrar na consciência do colonizado
que, alienado, identifica-se com as imagens míticas criadas:
“Não terá um pouco de razão? – murmura ele. Não somos, de certo
modo, um pouco culpados? Preguiçosos, já que temos tantos ociosos?
Medrosos, já que nos deixamos oprimir?” Desejado, divulgado pelo
colonizador, este retrato mítico e degradante acaba, em certa medida,
por ser aceito e vivido pelo colonizado. (MEMMI, 1977, p.83)
8
In the collective unconscious of homo occidentalis, the Negro – or, if one prefers, the color black –
symbolizes evil, sin, wretchedness, death, war, famine. All birds of prey are black. In Martinique, whose
collective unconscious makes it a European country, when a ‘blue’ Negro – a coal-black one –comes to
visit, one reacts at once: ‘Waht bad luck is he bringing?’ the collective unconscious is not dependent on
cerebral heredity; it is the result of what Ishall call the unreflected imposition of a culture”.
um ‘eu’ coerente.[...]A identidade plenamente unificada, completa,
segura e coerente é uma fantasia.” (HALL, 1999, p.12-13)
8
qual todos os variados interesses e todas as variadas identidades das
pessoas possam ser reconciliadas e representadas” (HALL,1999, p.20-
21)
9
da inscrição e da identificação coloniais. o estado de emergência a
partir do qual ele fala demanda respostas insurgentes, identificações
mais imediatas. Fanon freqüentemente tenta estabelecer uma
correspondência próxima entre a mise-em-scènce da fantasia
inconsciente e os fantasmas do medo e ódio racistas que rondam a
cena colonial; ele parte das ambivalências da identificação para as
identidades antagônicas da alienação política e da discriminação
cultural. (BHABHA, 1998, p.98)
Said cita muito a obra de Fanon em seu livro Cultura e Imperialismo, onde ele
desenvolve o seu conceito de orientalismo (SAID, 1990), ou seja, este discurso
ocidental criado para representar o oriente médio, para o restante da Ásia e para África.
Este pensador tenta compreender o discurso imperialista na literatura metropolitana,
como são construídas pelos europeus as visões mistificadas dos não-ocidentais.
Referências Bibliográficas:
BÉNOT, Yves. Idéologies des indépendances africaines. Cahiers Libres 139-140. Paris:
François Maspero, 1969.
FANON, Frantz. Black Skin, White Masks. New York: Grove Press, 1967.