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O “Afropolitanismo” e os “afropolitanos”

Ruggero Dell’Orfanello

Nós somos “afropolitanos”: as gerações em construção

«[We] are Afropolitans - the newest generation of African emigrants, coming soon or
collected already at a law firm/chem lab/jazz lounge near you. [...] Some of us are ethnic
mixes, e.g. Ghanaian and Canadian, Nigerian and Swiss; others merely cultural mutts:
American accent, European affect, African ethos. [...] There is at least one place on The
African Continent to which we tie our sense of self: be it a nation-state, a city, or an
auntie’s kitchen. We are Afropolitans: not citizens, but Africans of the world.»

T. Selasi, Bye Bye Babar, 2005

Quando se fala em “Afropolitanismo” e na literatura associada a este


conceito, fazemos referência a um campo semântico ainda não delimitado. As
significações e os atributos que no âmbito lusófono ficam assinados aos termos são
entre os mais vários e diferente, mesmo que, para individuar um ponto de partida
de comum compreensão, sejam em todos os casos relacionado à experiência pós-
Revolução dos cravos, revolução acontecida em 1974, dos autores africanos de
língua portuguesa translada para o meio da escrita narrativa e/ou poética, cujas
obras foram e ainda hoje são publicadas a partir dos últimos anos do século XX, e
mais geralmente a cultura toda que deriva de eventos como a propriamente dita
"diáspora africana”.

A construção conceitual dos termos datada 2005 1 foi feita pelo ajuntamento
de África, palavra para nós percebermos no sentido de “povo africano” e de
“identidade africana”, mais do que como nação e território geopoliticamente
marcado, e o conceito da antiga Grécia de polis assim com os afixos dele derivados
ita. -polita, ing. -politan, ing. -pean, referidos ao contexto urbano em que a
definição de “afropolitano” toma forma. Apesar de o termo polis parecer “fixado”
e “radicado”, uma das características centrais do Afropolitanismo é a mobilidade
que é ínsita nele: isto é fortemente conexo à ligação da mobilidade cosmopolita
africana com a questão da diáspora africana em todas as suas acepções, seja a da
escravatura ou da migração. África, entendida como destino de todos tipos de
movimentos e fluxos culturais de gente do mundo inteiro, foi há muito tempo, de
acordo com o filósofo camaronês Achille Mbembe, «uma zona de partida rumo a

1 Em Bye Bye Babar de Taiye Selasi.

1
numerosas regiões do mundo»2; Mbembe explica num seu artigo que esse
«processo de dispersão, multissecular, desenvolveu-se na esteira daquilo que se
designa geralmente como os Tempos modernos» 3, afirmando que «a formação de
diásporas negras no Novo-Mundo, por exemplo, é o resultado dessa dispersão» 4.
Portanto, o Afropolitanismo que existe hoje assim como o de antes é fortemente
caracterizado por um “espalhamento” ao longo do tempo e para a largura da
Europa e, mais geralmente, do globo inteiro, e assim se torna um conceito marcado
por um "cosmopolitismo". A implicação da existência a partir do
“Afropolitanismo” do seu povo de “afropolitanos” deixa a questão de quem é que
faz parte desse povo.
Resulta inevitável definir os afropolitanos enquanto “cosmopolitas” por
causa do mesmo princípio que vale para Afropolitanismo, mas Inocência Mata
exibe um atributo importante no seu ensaio Estranhos em permanência: a
negociação da identidade portuguesa na pós-colonialidade, ou seja o
multiculturalismo intrínseco ao Afropolitanismo e aos afropolitanos no contexto
“portugalizado” e “portuguesizado”: «Seja como for, de há algum tempo a esta
parte, sobretudo a partir dos inícios da década de 90, Portugal começa a olhar-se
com ‘olhos multiculturais’, contrariando a tendência da homogeneização herdada
da ideologia colonial forjada no Estado Novo» 5. O texto de Inocência Mata traz a
ideia de estranhos “permanentes” (os “afropolitanos”), que não são
necessariamente de passagem por uma terra; mais precisamente são pessoas que
não são identificáveis com os nacionais por questões de cor mas que são
portugueses do ponto de vista identitário, um problema da Europa pós-colonial -
indivíduos num “entre lugar” sem limites ou fronteiras bem circunscritos. O texto
tenta ir além dos limites do próprio termo “multiculturalismo”, e vai na direção de
uma sociedade de pluralidade cultural, onde são as culturas que dialogam, que se
confrontam e se interceptam. Uma outra ideia bem importante no contexto de
Afropolitanismo e afropolitanos, ligada ao que fica dito até aqui, é a da circulação
constante relacionada ao conotado de movimento incessante que atravessa África
e, consequentemente, os seus habitantes, assim como as resultantes dispersão e
diáspora africana.
Esta é uma ideia que foi desenvolvida quer por Mbembe, que amplia o
discurso até o domínio da Europa («A história cultural do continente praticamente
não pode ser compreendida fora do paradigma da itinerância, da mobilidade e do

2 A. Mbembe, «Afropolitanismo», Le Messager de Douala, Camarões, 20 dez. 2005.


3 ibid.
4 ibid.
5 I. Mata, «Estranhos em permanência: a negociação da identidade portuguesa na pós-
colonialidade», Portugal não é um país pequeno, 2006.

2
deslocamento»6), quer pelo economista e filósofo senegalês Felwine Sarr na sua
Afrotopia (2018), que nesse livro elabora também sobre África pós-colonial e os
afropolitanos “em viagem” ao longo do globo enquanto entidade e indivíduos
capazes de produzir modelos de desenvolvimento “modernos”, da Modernidade,
que são criativos, diferentes dos que que foram aplicados pelo colonialismo, dos
quais os afropolitanos se destacam fortemente. Numa entrevista com Carlo Mazza
Galanti para a revista Il Tascabile, em relação ao achar que os "países do Sul do
mundo” sejam aptos de enfrentar a crise da Modernidade, Sarr afirma que «este é o
grande desafio, fazer as pessoas compreenderem que não devemos seguir a mímica
e repetir a história ocidental, mas aprender com ela [...] É um trabalho sobre o
imaginário: desenvolver formas mais eco-responsáveis significa trabalhar um
imaginário que não é uma simples réplica» 7.
Em última análise, o Afropolitanismo e os afropolitanos enquanto conceitos
têm inevitavelmente a ver com o tema da assim chamada "Pós-memória”. O termo
Pós-memória foi cunhado pela estudiosa, professora e pesquisadora americana
Marianne Hirsch, a qual deu uma definição da "pós-memória” no seu Family
Pictures: Maus, Mourning and Post-Memory (1992), em primeiro lugar em relação
à experiência do Holocausto: «o que eu gostaria de chamar pós-memória [...]
aquela da criança do supérstite cuja existência é dominada pelas memórias que
antecederam a sua nascença [...] A pós-memória deve refletir de volta na memória,
revelando-a como igualmente construída, igualmente mediada pelos processos de
narração e imaginação» («what I would like to call post-memory [...] that of the
child of the survivor whose life is dominated by memories of what preceded
his/her birth [...] Post-memory should reflect back on memory, revealing it as
equally constructed, equally mediated by the processes of narration and
imagination»)8. Por isso, a Pós-memória é, para simplificar, transferência dumas
experiências do passado para o presente por um indivíduo ou um grupo que as não
viveram e que foram vividas por pessoas como avoengos, familiares desse mesmo
indivíduo ou grupo. De acordo com Marianne Hirsch, a Pós-memória pode ser
vista como uma “salvação da memória que está em risco”, um conceito que se
aplica a herança do passado que ser afropolitanos traz em si mesmo: é uma
mediação entre o nível físico e o simbólico para enfrentar os fantasmas do passado,
para preencher um vazio com uma história que ainda é a construir. Na consciência
“afropolitana” podemos reconhecer duas tipologias de histórias a construir:

6 A. Mbembe, «Afropolitanismo».
7 Entrevista com F. Sarr, C. Mazza Galanti, «Il Tascabile», 25 ottobre 2018,
<https://www.iltascabile.com/societa/afrotopia-sarr/>
8 M. Hirsch, «Family Pictures: Maus, Mourning, and Post-Memory», Discourse, Inverno 1992-93,
Vol. 15, N. 2

3
● a história de um passado não escrito e as dores dele e dos afropolitanos não
serem representados - o que já aconteceu é uma base sobre a qual ainda vale
a pena de interrogar-se;
● a história de um futuro, no sentido que se tem que assegurar a existência da
proteção do futuro cultural e identitário de África de antes e do presente.
Essas duas histórias são tomadas pela assim chamada “segunda geração" de
afropolitanos e desenvolvidas na ação criativa, geratriz e maiêutica das artes em
geral, principalmente a literatura como narrativa e poesia.

Literatura afropolitana em Portugal de hoje

A literatura
afropolitana em língua
portuguesa é produzida por
os autores que a Inocência
Mata descreve como
“estranhos em
permanência"9, ou seja
aqueles africanos, que por
causa da diáspora viajam e
viajaram pelos continentes,
que dos seus escritos
aparecem como indivíduos
que não Ângela Ferreira, Kanimambo, 1998,
https://www.jf-parquedasnacoes.pt/p/arte_urbana_angela_ferreira
sentem uma conexão
consolidada nem com Portugal como terra hospital nem com os portugueses que os
(não) acolheram no momento da sua chegada; só seria preciso reparar que, desde o
início da diáspora africana, se reconheceu que Portugal só se tornou consciente do
fenômeno do Afropolitanismo a partir de 1998, data da Exposição Internacional
em Lisboa, ocasião em que a artista moçambicana Ângela Ferreira apresentou a
sua obra Kanimambo, geralmente assumida como marco do começo do movimento
afropolitano em Portugal. Kanimambo, palavra do crioulo moçambicano que
significa “Obrigado” em língua portuguesa, é uma obra construída como uma
calçada típica que se encontra em Lisboa, Rio de Janeiro e Maputo, e constitui uma
homenagem a todos os trabalhadores que participaram na construção da Exposição
em '98, portugueses também mas predominantemente africanos.

9 I. Mata, «Estranhos em permanência: a negociação da identidade portuguesa na pós-


colonialidade».

4
A reflexão dos artistas e autores afropolitanos de língua portuguesa sobre
Portugal como "país próprio" é de ordem existencial - ou seja, em que medida
Portugal existe na literatura afropolitana? Na literatura afropolitana, considerado
que as fronteiras territoriais são mais abstratos e limitantes no dito contexto, é
controverso aplicar o conceito de nação: as fronteiras estão mudando sempre mais
e, sendo que a narrativa tem como objetivo abrir os olhos, mais do que antes, sobre
a diversidade que a sociedade portuguesa apresenta e mudar o sentido de "espaço-
nação", a literatura afropolitana resulta um tipo de produção escrita que vai além
do conceito de “literatura nacional”. Essa literatura, também, quer questionar as
memórias deixadas pelo colonialismo e o seu fim. Central torna-se a luta contra as
consequências dele assim como contra a “amnésia” dessas consequências, e abre
um debate entre pares onde é importante entender quais foram as causas e as
consequências que estão presentes em Portugal. Contudo, não se fala de uma black
literature que quer sintetizar e apresentar-se como vítima do sistema histórico e
social: como já mencionado antes, é uma literatura que quer incluir-se no discurso
português e que se propõe de criar um debate, uma discussão, um diálogo entre o
passado e o presente, neste caso, de Portugal depois da época colonialista e
imperialista - num sentido, é uma literatura que “africaniza”: África fez, ainda hoje
faz e sempre vai fazer parte da história de Portugal.

Na literatura afropolitana de língua portuguesa, ou que, pelo menos, tem


ligações com Portugal, encontram-se elementos que são comuns a quase totalidade.
Primeiramente, a ironia percebida como distanciamento por contraste e conflito
com o passado representa um caráter ubíquo nas obras de autores afropolitanos:
neste caso, refere-se a ideia que a reconstrução do passado é sempre promovida
através de uma clivagem irônica mas não satírica, enquanto não se tem uma
ridicularização dos temas tratados na narrativa e na poesia de matriz afropolitana,
mas sim o que resulta das palavras utilizadas nos textos é uma “viragem” total da
situação que o autor ou a autora contam. A ironia é parte fundamental, por
exemplo, em Um preto muito português (2017) de Tvon, pseudônimo artístico da
cantora angolana Telma Marlise Escórcio da Silva. O livro, paródico a partir do
uso da técnica do estranhamento literário, nasceu originalmente como uma letra
musical, e trata da história de um rapaz, João/Budjurra, com descendências
caboverdianas mas crescido em Portugal; nesta apresentação por a cantora Tvon de
um Portugal como “Pretugal”, João/Budjurra luta no contexto social do país para
ser reconhecido português, enquanto ele representa o paradigma afropolitano de ser
um “estranho em permanência", cujas origens não podem ser fixadas num território
material: «Perguntam-me várias vezes donde sou. Sou filho de caboverdianos que
há muito residem em Portugal. Sou neto de caboverdianos que nunca conheceram

5
Portugal. [...] Sou bisneto de africanas que muito ouviram falar de Portugal. E onde
sou eu? Eu até sou nascido em Lisboa mas sou tão tido como estrangeiro. Não por
minha opção, no princípio mas depois com o tempo, com as pessoas, apercebi-me
que era um dos inúmeros lisboetas não considerados alfacinhas.» 10.
Em segundo lugar, característica saldamente ligada ao forte utilizo da ironia
(e que também se mostra na escrita da Tvon), é a predominância da literariedade
sobre a literalidade: na busca e na exploração do passado antecedente à Revolução
dos Cravos, a memória não é nesses textos a componente dominante; contudo,
acontece que a memória da África é fixada pela literatura e os meios de contar que
ela pressupõe. Isto não significa contar o falso, enquanto as histórias que
constituem os livros originam-se sempre da realidade do passado, mas o paradigma
literário vai sempre ser totalizante, tornando-se praticamente um “filtro”. A
literatura é predominante sobretudo também no sentido de “quantidade” de fontes
graças às quais se produzem as obras: os arquivos históricos são problemáticos, e
neste sentido é a literatura que constitui o verdadeiro arquivo sobre cujo basear-se
(por ex. as histórias dos retornados, que são contadas historicamente através da
literatura).
Depois disso, a autoficção é um outro elemento que se deve mencionar em
relação à literatura afropolitana. Ainda se deve reconhecer que se fala de uma
categoria com amplas sobreposições com a da autobiografia, enquanto ambas, de
qualquer maneira, são representações do passado, mas é verdade que a autoficção
tem uma autonomia que não faz parte da autobiografia: esta última produz, talvez
inconscientemente, a ilusão de ser um documento histórico, mas não é enquanto
surge da experiência pessoal do autor, e portanto é ficção também sob o nível
narrativo de ocultamento próprio de ser ficção. A autoficção, contudo, constitui-se
de um pato entre o narrador, o autor, a personagem e um “modelo” (uma projeção
de um “eu” por causa de um desajuste do tempo): este pato concorre ao objetivo de
trazer o leitor e o autor mesmo para uma revelação de um outro eu encaixado num
passado que é essencialmente um “simulacro” que permite um acesso ao passado, e
consequentemente uma certa salvação, seja das memórias como do autor ou da
autora. É o caso do livro Essa dama bate bué! (2018) da poetisa angolana Yara
Monteiro. Numa entrevista, a autora deu uma definição de si mesma: “Sou trineta
da escravatura, bisneta da mestiçagem, neta da independência e filha da diáspora”.
Esta definição, mais do que descrever a condição típica do afropolitano,
exemplifica também a existência de “ser constantemente em busca” da personagem
principal de Essa dama bate bué!, o qual fala da viagem de regresso, uma viagem
de retorno pós-colonial para África de Vitória, uma rapariga lésbica que nasceu em
Angola mas morou com os avós em Portugal até antes da independência. Quando
10 Tvon, Um preto muito português, Chiado Editora, Lisboa, 2017.

6
Vitória consegue a fotografia da sua mãe, desconhecida por ela, escolhe voltar para
Angola à procura da mãe, da qual foi separada por causa da guerra. O livro se
coloca entre colonialismo e busca da identidade, embora a busca do e no passado
não seja conotada por um deslize saudosista em relação ao mesmo passado. Vitória
quer entender quem ela é e qual é o seu lugar próprio: é uma procura de
identificação clássica, apesar das condições de identificação de partida serem
impossíveis - não há origem nem memória, e a procura da memória aparece
impossível porque é construída num “vazio”.
Um último elemento central na produção literária afropolitana é o da
autotopografia, que marca a obra de autores como a da já mencionada Yara
Monteiro ou a da escritora angolana Djaimilia Pereira de Almeida. A
autotopografia cai literariamente no campo da procura de uma autoidentificação,
talvez impossível (confirmando por isso o aspetto do do que é um sujeito
diaspórico), e no texto próprio constitui-se de mapeamentos que decorrem do
passado a partir de nomes, coisas, objetos que existiam uma vez e que são
reconstruídas não simplesmente para salvar essas coisas na memória comum mas
para identificar o que (não) é no presente. Essa autoidentificação fica em alguns
casos impossível enquanto a identidade reduz, ou até suprime, as possibilidades de
construir o reconhecimento de elementos que adquirem características tão
heterogêneas e diversificadas pela caneta do escritor que as reproduz no texto. Por
isso, a síntese identitária acaba por resultar mais exclusiva do que inclusiva, e mais
seletiva do que re-compositiva. Portanto, identidades flutuantes que pertencem a
diferentes mundos impedem qualquer solução imediata do problema da identidade.
Nesta configuração surge a diáspora, uma diáspora sem viagem, por dentro, íntima,
encapsulada na metrópole, marcada pela experiência da estranheza - uma diáspora
"estática", que toma forma no mesmo lugar em que se origina.
Este aspecto da autotopografia é comboiado pelo romance da Djaimilia
Pereira de Almeida de 2018 Luanda, Lisboa, Paraíso, que conta a história ficcional
do avô da autora chamado Cartola, um entre os assimilados (figuras novas na
literatura pós-colonial, os assimilados são os indivíduos que ganharam
reconhecimento jurídico porque conseguiram demonstrar à administração colonial
portuguesa que tinham alcançado um nível de evolução e civilização suficiente) de
Luanda que tinha o sonho de ascensão social, para ele realizável em Lisboa, mas
que no fim torna-se a destruição própria desse mesmo sonho criado pela força
imaginativa do Império português:

«Para além da mesinha do quarto, que Cartola mantinha impecável e à qual se sentava
para preencher o Totoloto, seu único momento contemplativo, o quarto da Pensão
Covilhã cheirava a mofo, a suor, a desodorizante, aroma cortado pela acidez de

7
medicamentos fora de prazo. Não havia onde pôr os pés no chão, mas mesmo assim
recebiam-se conhecidos que se sentavam no lençóis da cama puxados à pressa para
cima, nunca reparando na desarrumação em que as coisas de Luanda se misturavam
com coisas de Lisboa, calendários, uma outra peça de roupa, uma garrafa de vinho
vazia, um cachecol do Belenenses, uma telefonia. Nas rodilhas de roupa do quarto
111 e nos rostos de pai e filho, um império permanecia intacto. A roupa de Verão
encardida vestia-se debaixo de casa-cões de Inverno emborbotados, uma lâmina velha
comprada no Mercado de São Paulo em Luanda aparava a barba que a Europa fizera
despontar ou encanecera.»11

BIBLIOGRAFIA E FONTES INFORMÁTICAS

11 D. Pereira de Almeida, Luanda, Lisboa, Paraíso. Companhia das Letras, 2018.

8
Taiye Selasi, «Bye-Bye Babar», em The LIP Magazine, 03.03.2005.

Achille Mbembe, «Afropolitanismo», em Le Messager de Douala, Camarões,


20.12.2005.

Inocência Mata, «Estranhos em permanência: a negociação da identidade


portuguesa na pós-colonialidade», em Portugal não é um país pequeno, Cotovia,
2006.

Carlo Mazza Galanti, Entrevista com Felwine Sarr, «Il Tascabile», 25.10.2018.

Marianne Hirsch, «Family Pictures: Maus, Mourning, and Post-Memory», em


Discourse, Inverno 1992-93, Vol. 15, N. 2.

Tvon, Um preto muito português, Chiado Editora, Lisboa, 2017.

Djaimilia Pereira de Almeida, Luanda, Lisboa, Paraíso. Companhia das Letras,


2018.

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