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Universidade Estadual do Piauí-UESPI

Núcleo de Pós-Graduação - NPG


Mestrado Acadêmico em Letras
Disciplina: Metodologia da Pesquisa em Literatura
Prof. Dr. Diógenes Buenos Aires de Carvalho
Discente: Ana Claudia Oliveira Neri Alves

RESENHA

CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo, Florianópolis: Letras


Contemporâneas, 2010

Nascido em Basse-Pointe na Martinica em 1913, Aimé Fernand Cesairé


foi um dos mais importantes e expressivos pensadores negros do mundo. Produziu uma
vasta obra como dramaturgo, poeta, ensaísta e político. Foi um dos grandes combatentes
do colonialismo, especialmente o francês, do qual a Martinica era colônia. Foi o autor
da proposta (em 1946) que elevou as colônias francesas a condição de departamentos
ultramarinos – com direito a eleger representantes para a Assembleia francesa. Fundou
diversas revistas e jornais que deram visibilidade ao pensamento negro no século XX.
Faleceu em Fort-de-France na Martinica em 17 de abril de 2008

Apesar de ter sido publicado em 1955 (primeira década posterior à


Segunda Guerra Mundial) quando se intensificava a luta pela emancipação das colonias
europeias que gerariam importantes e vitoriosas lutas de libertação nacional, o ensaio
de Aimé Cesaire “Discurso sobre o Colonialismo” permanece válido e atual em seu
conteúdo e em seus questionamentos.

Com o tempo, o colonialismo e a opressão imperialista assumiram novos


contornos e e outros confrontos e apartir das últimas décadas do século XX, tem
reforçado formas dissimuladas de domínio indireto, sob a forma da dependência
econômica e financeira, das pressões diplomáticas e militares, da invasão cultural e
tecnológica e da aliança com facções das classes dominantes locais.

Com a tansição do colonialismo para o neo-colonialismo, a força retórica


e o apelo indignado de Aimé Césaire contribui para a construção de uma consciência
coletiva sobre tragédias recentes. A argumentação de Aimé Césaire já nos primeiros
parágrafos de seu ensaio afirma:

Uma civilização que se mostra incapaz de resolver


os problemas que suscita seu funcionamento é uma civilização
decadente. (…) O fato é que a civilização chamada ‘europeia’, a
civilização ‘ocidental’, é incapaz de resolver os dois principais
problemas que sua existência originou: o problema do proletariado e o
problema colonial. (p. 15)

Em seu discurso, Césaire recordar os métodos violentos, a espoliação


material e a devastação cultural das grandes potências coloniais europeias, a que se
seguiria no século XX gradativamente, a expansão neo-colonial e concorrente dos
Estados Unidos. Também resgata citações de lideres políticos e militares, de
missionários cristãos e de cientistas e escritores ocidentais, que tentaram justificar a
colonização pela suposta existência de raças superiores e inferiores e por uma
imaginária missão civilizadora atribuída pela história à raça branca superior.

O autor desconstroi esses argumentos tendenciosos e expõe seu ponto de


vista sobre colonização, que, segundo ele, tem “descivilizado” as potências capitalistas
dominantes, com os mesmos métodos violentos e a insensibilidade moral empregados
na conquista e na administração dos territórios e povos subjugados. Assim afirma: “A
Europa Colonizadora enxertou o abuso moderno na antiga injustiça; o odioso racismo
na velha desigualdade.” (p. 24) Nesse trecho do texto, Casaire demosntra as relações
entre as práticas europeias nas “atrasadas” colónias e as práticas de Hitler na
“civilizada” Europa.

Césaire procura através da sua arte poética utilizar a linguagem e a


retorica expressando sua indignação e consequente ação política. A Europa, moldada
por dois séculos de regime burguês, é apresentada como civilização decadente, para
acentuar a caracetrização negativa em algumas passagens o autor utiliza imagens
relacionadas a doenças: a gangrena, o foco infeccioso, entre outras metáforas.

O Discurso sobre o colonialismo é uma aula de escrita combativa. Sendo


o “entender atrevidamente” um método que visa minar as “equações desonestas” –
estratégia colonial de manipulação pela qual os problemas são apresentados de forma
distorcida o que conduz a uma compreensão equivocada e legitima “soluções odiosas”,
algumas das quais Aimé expões em seu texto.

Dessa forma, podemos perceber que esse ensaio não se trata de debater
impactos positivos e negativos de um eventual contacto entre colonizadores e
colonizados, mas sim do veemente questionamento da própria existência da
colonização, já que para Cesairé o estrutura do contexto colonial só permitem relações
de dominação e submissão, nunca o contato entre homens/semelhantes.

Césaire nega o estatuto de civilizada à Europa colonialista e expõe o


processo pelo qual a Europa se torna selvagem: o nazismo, o evento que assinala o que
seria o grau máximo de violência – o imponderável por definição – e ousa compará-lo,
não no sentido de minimizar o nazismo, mas de revelar outras situações de barbárie que
foram ocultadas enquanto este era amplamente denunciado (p. 18-21).

Ao buscar raízes do nazismo em eventos históricos relacionados ao


colonialismo, Césaire busca igualar as matérias dos dois fatos históricos que guardam
profundas especificidades, como representações de brutalidade máxima e alerta:
Auschwitz já se prenunciava, antes mesmo de acontecer. Se observamos que a Europa
se choca com a barbárie e contra Hitler, mas não contra as brutalidades do colonialismo
(ou seja, contra si próprio), qual seria a razão? (p. 31-32).

Concluí essa leitura entendendo que Aimé Césaire expõe um desejo de


criar uma sociedade nova através do “despertar da África”, bem como da América, por
extensão, e, também de um necessário despertar da Europa (à qual o texto agrega os
Estados Unidos, como um agente de uma nova forma de colonialismo). Por isso aponta
já no início os dois principais problemas engendrados pelo regime burguês: o problema
do proletariado e o problema colonial. A verdadeira revolução sustituirá a tirania
burguesa por uma sociedade sem classes pela preponderancia de uma missão humana
universal.

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