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Nos primeiros decênios do século XIX o arcadismo vinha se tornando cada vez menos

adequado para transmitir os desejos de autonomia da inteligência brasileira que já começava a


se manifestar na região da colônia.
O período que avança pelas três primeiras décadas do século XIX não viu a construção
de um estilo forte e duradouro propriamente dito. O que poderia explicar este fenômeno é o
hibridismo cultural e ideológico da época. Quando se olha para o processo de independência
(1808-1831), é possível notar que esse ocorreu devido à intervenção de classes dominantes
que herdaram uma série de ambiguidades: ilustração-reação, pombalismo-jesuitismo, deísmo-
beatice, pensamento-retórica. As elites brasileiras, ainda que tomassem conhecimento das
novidades europeias (frutos da revolução francesa e da revolução industrial), não se sentiam
maduras para recusar os mitos autoritários encarnados na Restauração e no Congresso de
Viena. Dado que a divisão entre conservadores e liberais, próprio do contexto europeu da
época, veio se refletir aqui num processo de independência conduzido de cima, por uma elite
política intelectual recém-egressa do sistema colonial, não é de se estranhar que as atitudes
ideológicas, a priori, incompatíveis viessem a compor uma só rede mental. A vida espiritual do
país não sentiu os mesmos abalos da Europa devido ao fato de que os grupos de pressão não
haviam aqui ainda amadurecidos, resultando num ecletismo visível em gêneros públicos e na
poesia retórica.
Os versos que buscavam ensinar, persuadir, moralizar, visando incutir um complexo de
ideias e sentimentos, foram uma expressão característica do período. O hibridismo ilustrado
religioso do começo do século XIX fez do poema sacro, moralizante ou patriótico, o substituto
das tiradas em prol das luzes do século anterior. Nomes como Sousa Caldas, José Bonifácio e
Domingos Borges de Barros são representantes da época.
Gêneros nascidos da aberta inserção na vida pública também se fizeram notar, tais
quais o sermão, o artigo, o discurso e o ensaio de jornal. Foi sobretudo nos gêneros públicos,
com contato maior com a cultura europeia do tempo, que se articularam as letras
anterromâticas e se definiram as linhas ideológicas nucleares do Primeiro Império e da
Regência. Nomes como Cayru, D. José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, Monte Alverne,
Frei Caneca, Hipólito da Costa e Evaristo da Veiga assumiram função histórica de solidificar a
ideia força da burguesia ocidental: liberdade. Visões de mundo desses autores gravitavam em
torno da liberdade das nações como fruto do ensino da razão e da vontade divina; da exigência
de um clima de tolerância, liberdade de expressão, informação e crítica; o fim dos entraves
coloniais junto a defesa do livre comércio; a nova pedagogia voltada para a natureza e para a
formação cidadão brasileiro; a fusão do amor ao progresso com a crença religiosa; repulsa às
feições despóticas do Primeiro Reinado; até mesmo, de um vago e retórico amor à pátria como
primeira inflexão espiritualista da Europa romântica a traçar os contornos da resistência
religiosa ao ceticismo burguês (Frei Francisco Monte Alverne, mestre e oráculo de românticos
passadistas como Gonçalves Dias e Alencar).
As crônicas políticas de Evaristo da Veiga e o ensaísmo ilustrado de Hipólito da Costa
são exemplares da importância na formação desse período para gestação de um público leitor
em um país recém saído do jugo colonial e que acabara de nascer para a vida política. Um
legado de brasilidade foi deixado à primeira geração romântica por mais que não tenho
chegado a influenciar fortemente a consciência literária por vir - muito em razão da natureza
de seus escritos conectados a práxis. Dos últimos árcades até a introdução do Romantismo
como programa, já por volta de meados da década de 1830 e na década de 1840, as letras
brasileiras não se consolidaram em torno de autênticos poetas a marcá-las rótulo de uma arte
madura. A tópica do século anterior acabou por, em linhas gerais, se repetir até o
esgotamento, com o acréscimo de um dado nativista ou religioso, mas sem uma clara tensão
clássico/romântico que prevalecia na Europa. A passagem do fechado sistema colonial para
uma integração mais franca na cultura ocidental abriu espaço para a emergência de teses
liberais a dominar a prosa de ideias. Seriam as jovens gerações do Segundo Império a
consolidar a ideologia do patriotismo liberal, tingindo-a das cores dos supremos valores
românticos: indivíduo e a tradição.

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