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Revista Moçambicana de Estudos Internacionais – RMEI

ISSN: 2616-2105, Volume 2, nº 01, 2020

Diplomacia dos Movimentos


de Libertação em Moçambique
Rufino Sitoé1

RESUMO: O processo de Luta de Libertação Nacional, em Moçambique foi sinuoso,


marcadamente desgastante e de alguma forma tem tido, nos últimos tempos, os
contornos de dificuldades dilacerados por uma tentativa de atribuir inevitabilidade
ao processo de independência. Este discurso é alimentado por um historicismo vago
que toma em consideração as ondas de independência em África dos anos 1960
como condição suficiente para a garantia da libertação de Moçambique. No entanto,
esta luta foi difícil e para o seu êxito foram criadas várias frentes, com destaque para
a frente diplomática. Este artigo documenta como se estabeleceu a diplomacia
nacionalista moçambicana e como conseguiu amealhar apoio moral, político,
financeiro e militar, bem como, conseguiu expor, negociar e representar a causa da
luta de libertação de Moçambique de modo a ultrapassar as barreiras do
colonialismo num contexto internacional, e até regional, hostil. Para este fim, parte-
se primeiro por analisar os movimentos que constituíram a Frente de Libertação de
Moçambique – FRELIMO para, em seguida, analisar-se de que forma se desenvolveu
a Diplomacia deste último movimento até ao alcance da independência em
Moçambique, aos 25 de Junho de 1975.

Palavras-Chave: Diplomacia, Movimentos de Libertação, Moçambique.

ABSTRACT: The process of the National Liberation Struggle in Mozambique was


tortuous, markedly exhausting and, in recent times, its contours of difficulty have
been torn apart by an attempt to attribute inevitability to the independence process.
This discourse is fueled by a vague historicism that takes into account the waves of
independence in Africa in the 1960s as a sufficient condition to guarantee the
liberation of Mozambique. However, this struggle was difficult and for its success
several fronts were created, with emphasis on the diplomatic front. This article
documents how the Mozambican nationalist diplomacy was established and how it

1 Graduado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo Instituto Superior de


Relações Internacionais – ISRI, Mestre em Gestão e Políticas Públicas pela USACH-
CL do Chile e Docente na Universidade Joaquim Chissano – UJC. Email:
rufinositoe@gmail.com.

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managed to garner moral, political, financial and military support, as well as how it
managed to expose, negotiate and represent the cause of the Mozambican liberation
struggle in order to overcome the barriers of colonialism in a context international,
and even regional, hostile. To this end, it starts by analyzing the movements that
constituted the Front for the Liberation of Mozambique – FRELIMO, and then
analyzing how the diplomacy of the latter movement developed until the
achievement of independence in Mozambique, at 25 of June 1975.

Keywords: Diplomacy, Liberation Movements, Mozambique.

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INTRODUÇÃO

O processo de Luta de Libertação Nacional, em Moçambique foi


sinuoso, marcadamente desgastante e de alguma forma tem tido, nos
últimos tempos, os contornos de dificuldades dilacerados por uma
tentativa de atribuir inevitabilidade ao processo de independência.
Este discurso é alimentado por um historicismo vago que toma em
consideração as ondas de independência, em África, nos anos 1960
como condição suficiente para a garantia da libertação de
Moçambique. Porém, ainda que depois da II Guerra Mundial o mundo
estivesse progressivamente a registar tais independências, não era
vontade de Portugal, nas rédeas do regime fascista de Salazar,
conceder o direito à auto-determinação às colónias sob seu domínio.
O jogo de interesses ao nível internacional, alimentado pela
bipolaridade dominante entre a Organização do Tratado do Atlântico
Norte – OTAN e o Pacto de Varsóvia, representados pelos Estados
Unidos da América – EUA e pela União Soviética, respectivamente,
garantiu que Portugal tivesse apoio financeiro e militar da NATO e,
particularmente, dos EUA, para perpetuar o seu domínio sobre as
colónias africanas.
Nestas circunstâncias, era impensável que a maior aliança
militar de então pudesse ter um dos seus membros derrotado por
pequenos grupos de guerrilha com organização e recursos deficientes.
Com efeito, é a partir daí importante documentar como uma das
frentes de luta em Moçambique, a diplomática, conseguiu amealhar
apoio moral, político, financeiro e militar, bem como, conseguiu
expor, negociar e representar a causa da luta de libertação de
Moçambique de modo a ultrapassar as barreiras do colonialismo num
contexto internacional, e até regional, hostil. Para este fim, parte-se
primeiro por analisar as bases em que se constituiu a Diplomacia
Nacionalista de Moçambique, de forma específica por analisar os
movimentos que constituíram a Frente de Libertação de Moçambique

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– FRELIMO para, em seguida, analisar-se de que forma se desenvolveu


a Diplomacia deste último movimento até ao alcance da
independência em Moçambique, aos 25 de Junho de 1975. Mas antes,
porque na dialéctica de algumas abordagens ortodoxas da diplomacia
esta não cabe fora dos limites do Estado soberano, é preciso fazer uma
acomodação da conceptualização que envolve a noção de diplomacia
de modo a ultrapassar qualquer aparente dissonância de ordem
operacional ou hermenêutica, entre o conceito tradicional de
diplomacia e o conceito aplicado aos movimentos de libertação
nacional.

A DIPLOMACIA NUM PLANO “ERRÁTICO”

Quando se aborda sobre a questão da diplomacia facilmente somos


induzidos a ver esta como actividade exclusiva do Estado, sobretudo
tomando em conta que a génese da diplomacia está no Estado unitário
quando, ainda no período da Grécia e da Roma, se recebiam missões
de outras regiões, ainda que de carácter não-permanente, para
negociar várias questões, dentre as quais a guerra, já numa base
normativa. Porém, este não é simplesmente um problema perceptivo,
como também é um problema teórico-conceptual. Teórico porque
mesmo os modelos analíticos prevalecentes quase todos incidem sobre
a estrutura estatal, aceitando as vezes o intervencionismo de actores
não-governamentais no processo, mas tudo dentro do marco analítico
do Estado soberano. E conceptual porque a diplomacia é muitas vezes
tida como instrumento de política externa dos Estados e, portanto,
definida como “um processo de negociação para promover o interesse
nacional, que é quase sempre identificado com um Estado soberano”,
ou como “a arte da negociação ou conjunto de técnicas e processos de
conduzir as relações entre os Estados” (Thussu, 19902; Moreira,
2011: 85).
A proliferação dos actores e a sua crescente relevância no
Sistema Internacional gerou uma ruptura nas bases conceptuais em
que se vinha estruturando a definição da diplomacia. Devin e
Toernquist-Chesnier (2010: 60) entendem que tal ruptura se deu no
final do séc. XVIII com o crescimento das companhias de negócios,

2http://shodhganga.inflibnet.ac.in/bitstream/10603/15117/4/04_introduction.p

df

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piratas e entidades religiosas, e bifurcou a diplomacia em antiga


diplomacia – bilateral, secreta e residente – e nova diplomacia –
multilateral, pública e itinerante. Neste mesmo contexto, pode-se
igualmente constatar que os povos colonizados na Ásia e África
recorriam a este instrumento para conduzir as suas lutas contra a
colonização em sua função de colecta de informação no exterior,
análise desta informação, desenvolvimento de políticas ou estratégias
com base na informação analisada e, finalmente, a comunicação de
tais políticas ou posições ao exterior. Ademais, se assumimos a
diplomacia como a arte de negociar os interesses de um grupo
(soberano ou não) ou agir em sua representação, pode-se constatar
que as diligências feitas pelos movimentos de libertação nacional e
que desembocaram na conquista das suas independências já se
podiam considerar uma forma de diplomacia, que era a Diplomacia
dos Movimentos de Libertação Nacional ou Diplomacia Nacionalista.
Para Thussu (1990) a Diplomacia Nacionalista está assente
numa estratégia de destacar ou chamar atenção à luta dos povos
colonizados, bem como, denunciar as barbaridades cometidas contra
os povos nativos pelos regimes opressores, através da propaganda nos
outros Estados ou em fóruns internacionais de modo a granjear apoio
moral, económico e político para a causa da libertação. A
Organização para a Libertação da Palestina (OLP) é um expoente
actual e vivo deste tipo de diplomacia no propósito de tentar afirmar a
soberania da Palestina no contexto do seu conflito com Israel sobre a
ocupação de territórios árabes através de diligências nos outros
Estados e pressão política, muitas vezes apadrinhada por outros países,
nas assembleias-gerais da Organização das Nações Unidas (ONU).
Mas num passado recente podemos igualmente encontrar exemplos
parecidos na África do Sul, quando o Congresso Nacional Africano
(CNA) fazia as suas diligências, também junto de Organizações
Internacionais e nalguns países, sobretudo da região Austral de África,
de modo a amassar simpatias e vários tipos de apoio para a sua causa
de luta contra o regime do Apartheid; no Botswana, quando sob
liderança de Seretse Khama os batsuana conquistaram a sua
independência através de uma forte pressão diplomática ao Reino
Unido sem ter inclusive recorrido ao uso da força militar; na Algéria,
quando sob liderança de Ben Bella, a Frente Nacional de Libertação
(FNL), ainda que num tom beligerante, conseguiu amealhar simpatias

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e apoio militar dos Estados vizinhos para conduzir a sua luta de


libertação nacional; dentre outros exemplos.
A Diplomacia Nacionalista não se desdobrou em passos
solitários no desiderato de libertação. Esta encontrou na Diplomacia
das Organizações da Sociedade Civil (OSC’s) um aliado muito
estratégico, principalmente na componente de denúncia das
atrocidades do poder opressor nos demais Estados e Organizações
Internacionais. Este foi o caso específico da luta anti-apartheid na
África do Sul em que se constituiu um movimento anti-segregação
racial com um alto nível de dispersão global – mais de 100 países
desenvolvendo actividades anti-apartheid – e com uma influência
determinante no resultado da luta sul-africana (Thörn, 2010). Deste
modo, entender a Diplomacia dos Movimentos de Libertação Nacional
parte por entender a diplomacia desenvolvida pelos actores directa e
abertamente envolvidos na luta contra os regimes coloniais,
concretamente dos movimentos de resistência à ocupação ou
dominação colonial para, em seguida, entender a diplomacia de apoio
que foi desenvolvida por vários actores sociais e internacionais no
processo de luta.
Nas circunstâncias em que os factos são acima arrolados, se
exige da diplomacia uma nova definição que evidencie toda a sorte de
elementos estruturantes para entender esta num contexto mais
alargado que o das fronteiras conceptuais do Estado soberano. Tal
servirá como um farol para entender os contornos e peculiaridades da
diplomacia dos movimentos de libertação no geral, e de forma
particular, em Moçambique. Com efeito, os conceitos anteriormente
apresentados correspondem à definição da diplomacia no sentido
estrito ou formal, que é essencialmente entendê-la como um sistema
regularizado de comunicação oficial entre Estados, que consiste na
troca de embaixadores, a manutenção das embaixadas em capitais
estrangeiras, o envio de mensagens através de oficiais acreditados,
participação em conferências e outras negociações directas (Griffiths,
O'Callaghan e Roach, 2002: 81).
Num sentido mais amplo, pode-se depreender que a
diplomacia refere-se a uma comunicação multi-nível que pode
ocorrer tanto na esfera pública, como na privada, com a finalidade de
representar, negociar e promover interesses de diversos tipos de
actores, sejam entidades privadas como Organizações Não-
governamentais – ONG’s, Organizações Internacionais, Corporações

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internacionais e outras, como é o caso dos poderes considerados


erráticos, ou entidades públicas, como a presidência, ministérios,
municípios, universidades, etc. Assim, podemos encontrar na nova
conceptualização variáveis da diplomacia formal ou
tradicional,conduzida pelos actores estatais,e também da diplomacia
privada, conduzida pelas entidades independentes dos interesses dos
Estados, mas que actuam dentro das fronteiras destes.
Em Moçambique, o processo de luta de libertação colonial e a
sua Diplomacia Nacionalista foram conduzidos por estes poderes
independentes das estruturas governativas formalizadas, isto é, foi
conduzida pela Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO, bem
como, pelos movimentos constitutivos do mesmo numa fase anterior, e
não se distancia da luta dos demais movimentos de independência em
sua forma e método diplomático. Contudo, a narrativa histórica não
tem logrado demonstrar a confluência dos distintos actores, esforços e
mecanismos diplomáticos de apoio – tanto os conseguidos localmente,
como regional e internacionalmente - para o propósito de libertação
do país. Portanto, é relevante entender e documentar como foram
desenvolvidos os esforços diplomáticos para a luta de libertação de
Moçambique com base no entendimento de que a diplomacia é um
recurso que, mais do que servir aos Estados soberanos e reconhecidos
pelos seus pares no Sistema Internacional, foi e continua sendo um
recurso privado para a promoção dos interesses de diversos tipos de
actores.

A DIPLOMACIA DOS MOVIMENTOS


FUNDADORES DA FRELIMO

A Luta de Libertação de Moçambique tem seus antecedentes na


emergência de grupos ou organizações políticas nacionalistas no final
dos anos 50. Estes grupos foram influenciados pela intensificação dos
actos colonialistas portugueses no território nacional, pelo incremento
de movimentos de libertação nos demais países africanos e pela
conquista de independência por parte de alguns países, como o Gana
em 1957. Praticamente, todas as organizações de libertação ou
reivindicação da autonomia de Moçambique foram formadas no
exterior, nos países vizinhos, devido à força dos actos de repressão
política no interior do país pelo regime português. São os casos de:
Convenção do Povo Moçambicano, formada em Durban por Diniz

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Menjane, Tomás Nhantumbo e Dr. Agostinho Ilunga que reclamava a


independência para Moçambique; a Associação Moçambicana da
África Oriental, formada na Rodésia do Sul sob liderança do
Reverendo Urias Simango, Philipe Foya e outros.
A União dos Estudantes Moçambicanos – UNEMO foi fundada
por Joaquim Chissano e Pascoal Mocumbe, na França, e tinha sua
visão sobre a independência de Moçambique, jogou um papel
fundamental, na fundação da FRELIMO, através da união entre os
principais movimentos de luta existentes; a União dos Makondes e
Makuas de Zanzibar foi formada, em 1958, por Makondes do Sul de
Tanganhica e Moçambique com actividades políticas iniciadas em
Cabo Delgado (Hedges et al., 1993). Porém, dentre todas estas
organizações importa destacar a União Democrática Nacional de
Moçambique – UDENAMO, a União Nacional Africana de
Moçambique Independente – UNAMI e a Mozambique African
National Union3 – MANU. Com efeito, é preciso analisar de que forma
a confluência das diplomacias destes movimentos logrou forjar um
movimento de luta anti-colonial sólido, que foi a FRELIMO.

Diplomacia da UDENAMO

A UDENAMO foi fundada na Rodésia do Sul nos finais dos anos 1960
por um grupo de 3 trabalhadores em Bulawayo chefiado por Adelino
Gwambe, e um outro grupo de 7 trabalhadores em Salisbúria
(Harare) chefiado por Lopes Tembe. Este grupo de nacionalistas, que
esteve sob liderança de Adelino Gwambe, foi herança dos processos
migratórios de moçambicanos do Centro e Sul do país fugidos do
Chibalo, maus tratos e em busca de oportunidades no Zimbabwe a
partir dos finais do séc. XIX (Tembe & Gaspar, 2014).
Este movimento conseguiu reunir muitos nacionalistas através
de contactos com figuras como Urias Simango e Marcelino dos Santos
e, para o efeito, Gwambe contou com o apoio da Zimbabwe African
People’s Union – ZAPU, então liderada por Joshua Nkomo, e da
organização zambiana United National Independence Party – UNIP,
liderada por Keneth Kaunda. A UDENAMO foi o primeiro movimento
a estabelecer vínculos com a Conferência das Organizações

3 União nacional Africana de Moçambique, em português.

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Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP)4,que agrupava a


maior parte dos movimentos de libertação dos países sob dominação
portuguesa, através da representação de Marcelino dos Santos em
1961, que exerceu no período de fundação da organização o cargo de
Secretário-Geral (Hedges et al., 1993: 245; Tembe & Gaspar, 2014).
É complicado determinar de forma sistematizada que a
UDENAMO, como movimento nacionalista, teve uma diplomacia e,
por via disso, identificar as acções encentadas por tal mecanismo.
Contribui muito para esta dificuldade o facto deste movimento ter tido
pouco tempo de vida e quase de forma imediata ter-se fundido com os
outros para formar a FRELIMO. Contudo, é inegável a herança do
sucesso que as diplomacias individuais de Adelino Gwambe e de
Marcelino dos Santos deixaram para a FRELIMO. Este sucesso pode ser
medido pela rede de contactos que estes tinham com outros
movimentos nacionalistas no interior do país – MANU e UNAMI, na
região – ZAPU, TANU, UNIP e em outras colónias portuguesas –
PAIGC, MPLA, CONCP, etc., bem como, ao nível dos países que
apoiaram nos primeiros esforços de treinamento de guerrilheiros
moçambicanos – Argélia e Egipto – e nos cursos políticos no
Ideological Institute organizados por Kwame Nkrumah em Gana.
Chissano (2010) em suas memórias deixa a entender que as boas
relações mantidas com o Gana facilitaram inclusive na emissão de
documentos de viagem – com mesma função que os passaportes – de
nacionalistas moçambicanos, pelo menos na França, bem como,
também custearam algumas passagens aéreas de nacionalistas
moçambicanos para importantes actividades de coordenação dos
esforços de luta, como participação em conferências.
Ademais, este movimento conseguiu, através dos seus
contactos e actuações na CONCP e na petição submetida à ONU em
1961, denunciar os actos de intimidação, brutalidade e atrocidades
que Portugal infligia aos povos africanos, de forma particular à
Moçambique. O resultado desta pressão diplomática foi a

4 Esta organização foi fundada em 1961 e era uma plataforma que proporcionava
meios de discussão e cooperação entre os partidos membros, desenvolvendo
actividades nos campos da pesquisa, diplomacia e informação. Ademais, publicava
relatórios periódicos sobre as colónias portuguesas e sobre os progressos de luta
em cada uma delas. Coordenava igualmente os esforços diplomáticos dos partidos,
facultando aos representantes de cada um a possibilidade de falar em nome de
todo o movimento em conferências e organizações internacionais (Gaspar, 2014:
112).

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promulgação de reformas jurídicas e administrativas no mesmo ano


pelo regime de Salazar, como foi o exemplo da abolição da cultura
obrigatória de algodão, a revogação do estatuto do indigenato, a
regulação de concessões de terrenos, o fim do trabalho forçado e a
criação de juntas Provinciais de Povoamento (em Angola e
Moçambique) (Tembe & Gaspar, 2014). Importa referir que estas
reformas foram superficiais e não geraram transformações
satisfatórias ao panorama político-social moçambicano, pois
continuavam as coerções aos trabalhadores e as restrições políticas
pela PIDE, contudo, já demonstravam o papel e a força diplomática
destes movimentos junto da ONU e de outros Estados, para o
reconhecimento, ainda que tácito, da existência da questão colonial
na África portuguesa, bem como, para modificar a postura do Regime
Colonial Português face às suas colónias.

Diplomacia da MANU

A MANU foi fundada no Tanganhica, em Fevereiro de 1961 sob a


liderança de Mateus Mmole e Lourenço Milinga com forte influência
da Tanganhica African Nation Union – TANU e Kenya African
National Union – KANU (Hedges et al., 1993: 245). A relação do
MANU com os demais movimentos nacionalistas africanos, patente
inclusive na sua denominação ou acrónimo, denuncia uma
diplomacia que se forjou num contexto de luta contra o colonialismo
alimentada por ideais Panafricanistas entre movimentos de libertação
em África de modo a apoiar iniciativas de libertação dos demais
Estados ainda sob jugo colonial, o que se pode denominar Diplomacia
de Exportação da Revolução. Esta forma de diplomacia tinha como
ícones figuras como Kwame Nkrumah e Julius Nyerere.
Pelas mesmas razões que a UDENAMO, é difícil estabelecer de
forma sólida as vias pelas quais a MANU desenvolveu a sua
diplomacia. Sabe-se, entretanto, que este movimento foi participante
nas conferências da Pan African Freedom Movement for East Central
and Southern Africa (PAFMECSA)5e a herança das suas relações com
os povos livres de África, Tanzania e Gana, foram determinantes na

5 Uma organização pan-africana fundada em 1958 em Tanganyika à qual se havia


atribuido o objectivo de coordenar as actividades de luta pela libertação nos
territórios, inicialmente, da África Central e Oriental, e posteriormente, na África
Austral.

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definição da estratégia de luta contra o regime colonial em


Moçambique – a Tanzania acomodou os primeiros esforços de
organização da luta de libertação de Moçambique como um santuário
da revolução, o que acabou determinando inclusive que a luta tivesse
início a partir de Cabo Delgado – e nos esforços diplomáticos que os
nacionalistas moçambicanos encetavam para conseguir apoio
internacional. Inclusive, as correspondências e as missivas
diplomáticas foram, durante uma boa parte do período de luta anti-
colonial, todas feitas a partir de Dar-Es-Salaam, aonde estava baseada
a FRELIMO.

Diplomacia da UNAMI

A UNAMI foi criada na vila de Moatize, em Tete, em 1960 por


moçambicanos residentes e funcionários em diversos sectores da
administração, educação e saúde sob liderança de José Baltazar da
Costa Chagonga e Evaristo Gadaga. Esta organização, inicialmente
criada com a capa de Clube Africano de Tete, sofreu influência dos
processos políticos no Malawi, Zimbabwe e Zâmbia, mas sobretudo do
ANC da Zâmbia de Harry Nkumbula e do UNIP, mas foi resultado de
uma acção repressiva do administrador colonial Nazi Pereira contra
os críticos ao processo colonial. Este movimento manteve contactos
com Eduardo Mondlane a partir de Malawi a tentar persuadí-lo a
juntar-se ao mesmo (Tembe & Gaspar, 2014).
Se nos casos anteriores já era difícil arrolar situações
operacionais de diplomacia, neste é ainda mais. Os poucos registos
existentes e o peso ligeiro da sua acção conduzem a concluir que a
UNAMI teve uma diplomacia menos sonante que a da UDENAMO e
da MANU. Porém, o movimento mantinha contactos internacionais a
partir do Malawi, país no qual tinha a sua sede e mantinha boas
relações com o movimento Malawi Congress Party – MCP de Hastings
Kamuzu Banda. Na sua diplomacia, enviava cartas de protestos contra
a situação política vigente em Moçambique às autoridades
portuguesas e à ONU na forte crença de que era possível acabar com
o colonialismo através da denúncia das atrocidades coloniais e
negociação com Portugal. Acrescido à isso, o líder, Baltazar Chagonga,
chegou a participar em conferências internacionais em Fevereiro de
1962, em Adis Abeba, na Etiópia, em representação dos nacionalistas
moçambicanos (Tembe & Gaspar, 2014; Vieira, 2010: 195).

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Diplomacia da Frente de Libertação


de Moçambique

A FRELIMO foi fundada aos 25 de Junho de 1962, como resultado da


fusão de três organizações nacionalistas existentes, a UDENAMO –
União Democrática Nacional, UNAMI – União Nacional para
Moçambique Independente e MANU – União Africana Nacional de
Moçambique).Com efeito, o processo de constituição da FRELIMO foi
o culminar de diplomacias individuais e colectivas de agremiações
nacionais e internacionais que viam na insustentabilidade do processo
colonial e na necessidade de auto-afirmação do povo africano, uma
razão para dar fim ao domínio português sobre Moçambique.
As evidências destas diplomacias estão patentes em várias
circunstâncias da formação da FRELIMO. Por exemplo, os conflitos
existentes na constituição ou união dos movimentos em FRELIMO
foram ultrapassados pela pressão à necessidade de união através das
Diplomacias de Kwame Nkrumah e Julius Nyerere. Ademais, a história
cita os esforços diplomáticos de Marcelino dos Santos na pressão à
UDENAMO e à MANU através do Conselho da CONCP a juntarem-se
numa única frente de luta. Assim, os delegados das duas organizações
e da UNAMI juntaram-se em Março de 1962 e dispuseram os planos
que culminariam com a formação da FRELIMO. Os membros
anteriores da UDENAMO ocuparam postos estratégicos como: Lázaro
Mabunda que tornou-se Secretário-geral; Gumane tornou-se o Vice
Secretário-geral; e Simango tornou-se Vice-presidente; Marcelino dos
Santos assumiu a posição de Secretário das Relações Exteriores, muito
em resultado do seu histórico de militância em exilo na Europa e suas
relações com os intelectuais e outros líderes de resistência nas colónias
portuguesas através da CONCP. Ainda no âmbito da organização da
Diplomacia da FRELIMO, foram definidos alguns altos representantes
do movimento em países estratégicos aos propósitos de luta – foi o
caso de Shaffrudin Khan, que foi eleito para representar o movimento
em Cairo e depois nos Estados Unidos da América. Fundada a
FRELIMO, a Organização da Unidade Africana – OUA reconheceu este

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movimento como o único e legítimo receptor da ajuda para os grupos


moçambicanos (Henriksen, 1978).
O Primeiro Congresso da FRELIMO foi realizado, em Dar-Es-
Salaam, de 23 a 28 de Setembro de 1962. Este congresso definiu os
estatutos internos do movimento e os vectores da sua Diplomacia
Nacionalista através de linhas de orientação patentes nas resoluções
tomadas neste Congresso, nomeadamente: a necessidade de cooperar
com organizações nacionalistas de outras colónias portuguesas e, de
forma mais genérica, com os movimentos nacionalistas de todos os
países; a obtenção de fundos de organizações que simpatizavam com a
causa do povo moçambicano; a organização de uma propaganda
permanente por todos os meios e métodos no sentido de mobilizar a
opinião pública mundial a favor do Povo Moçambicano; enviar
delegações para todos os países no sentido de fazer campanhas e
demonstrações públicas de protesto contra as atrocidades cometidas
pela administração colonial portuguesa e também fazer pressão para a
libertação imediata de todos os nacionalistas detidos nas prisões
colonialistas portuguesas; obter apoio material, moral e diplomático
para a causa do Povo Moçambicano dos países africanos e de todos
aqueles que amam a paz e liberdade (Muiuane, 2006).
Findo o Congresso, já se cumpria a VXª Resolução, ao emitir-se
uma Mensagem ao Povo Português que denunciava a negação de
independência do Regime de Salazar aos moçambicanos, bem como, a
predisposição ao uso da força, se necessário para matar portugueses e
destruir propriedades dos mesmos pelo propósito da independência.
Na mesma mensagem já se expunha o cenário de multiplicação das
mesmas acções e efeitos nas demais colónias portuguesas em África
(Ibid.). Em consequência desta diplomacia coerciva, dinamizada pela
propaganda de luta, é inegável o impacto que a mensagem teve sobre
o povo português e as demandas que o mesmo teria ao seu governo6,
sobretudo quando em 1964 iniciou a luta em Cabo Delgado e o aviso
converteu-se numa situação real em que portugueses estavam a ser
mortos no decurso das lutas de libertação, tanto em Moçambique
como noutras colónias portuguesas.
6 Portugal era um dos países mais pobres da Europa, gastava metade do seu
rendimento para manter a guerra, já tinha cerca de 150 000 soldados no
ultramar e aumentava o número de soldados enviados para fora como orçamento
de defesa. Ademais, prorrogava-se o tempo de serviço militar obrigatório e
aumentavam os impostos, que atingiam sobretudo as classes mais desfavorecidas
(Mondlane, 1969).

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UMA DIPLOMACIA FORJADA


NO CONTEXTO DE BIPOLARIDADE

Um dos principais desafios na formação da diplomacia da FRELIMO


diz respeito ao contexto político internacional em que esta foi fundida.
Pois, ainda que o sentimento político global estivesse
progressivamente favorável ao fim do colonialismo (aprovação da
Resolução 1514 de 14 de Dezembro de 1960 da ONU, que é a
Declaração Universal contra o Colonialismo ou para a
Descolonização7 e, posteriormente, a aprovação de várias resoluções
contra Portugal, com destaque para a Resolução 2107 de 21 de
Dezembro de 19658), naquele período o mundo experimentava um
extremar de posições políticas e militares em que, por um lado,
tínhamos os EUA representando o mundo Ocidental e a OTAN e, por
outro lado, tínhamos a União Soviética a representar o bloco do Leste
ou o Pacto de Varsóvia.
Esta bipolarização definiu o sistema de alianças da FRELIMO
vis-à-vis suas necessidades de luta, tanto sob ponto de vista de
logística militar, quanto do ponto de vista de logística de apoio às
zonas libertadas em serviços sociais como saúde e educação.
Sobretudo porque a via armada se mostrava a única direcção de
independência possível face à negação sistemática de Portugal em
dialogar com os movimentos de libertação nas suas colónias em
África, preferindo qualificar estes como “bando de terroristas,
inimigos da pátria portuguesa [...] ao serviço dos interesses

7 Esta declaração é histórica porque antes só se reconhecia o princípio de auto-


determinação, e ao converter-se este princípio num direito, todos os povos
passavam a gozar de uma prerrogativa fundamental, que é o direito à liberdade,
ao exercício da sua soberania e à integridade territorial. Com efeito, proclama-se
a necessidade rápida e incondicional de pôr fim ao colonialismo sob todas as suas
formas (Gaspar, 2014).
8 Esta declaração confirmava haver provas de que Portugal estava a utilizar, contra
os povos das suas colónias, Angola, Moçambique e Guiné, a ajuda em armas
cedidas por alguns dos seus aliados militares e, portanto, qualificava a atitude de
Portugal como uma ameaça à paz e segurança internacionais, bem como,
reafirmava o direito inalienável dos povos das colónias portuguesas à liberdade e
independência (Ibid.).

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estratégicos da União Soviética” (Gaspar, 2014: 135, citando


Carvalho & Pina Cabral, 2004: 959).
Devido à herança de contactos iniciais de apoio de luta
estabelecidos por parte da UDENAMO, através de Marcelino dos
Santos em várias plataformas internacionais, incluindo a da CONCP, a
diplomacia nacionalista moçambicana foi fortemente inclinada para o
plano do Leste10. A contar concretamente com o apoio de países como
Argélia, Egipto, Rússia e China para o treinamento das tropas e
provisão de equipamento militar. Pesou igualmente para esta linha de
apoio o facto do colono, Portugal, ser um país membro da OTAN e
estar a receber apoio dos membros desta organização, e que parte
destes membros igualmente mantinham colónias em África,
nomeadamente a França e a Inglaterra.
A liderança de Eduardo Mondlane na FRELIMO conferiu uma
outra tónica e diversidade à diplomacia de libertação nacional da
FRELIMO. Estas foram influenciadas pela ideia de que a ajuda e o
apoio diplomático dos países do Ocidente eram tão importantes
quanto a dos países do Leste e de que era possível uma independência
em base negocial com Portugal. Gaspar (2014: 106) defende que esta
visão foi influenciada pelo passado académico e profissional de
Mondlane. Do lado académico, pesou o facto de Mondlane ter
estudado nos EUA, onde teve o seu Doutorado em Sociologia. Do lado
profissional, a visão de diversificação da diplomacia de libertação
nacional da FRELIMO, introduzida por Mondlane, deveu-se ao seu
trabalho como funcionário da ONU, aonde preparava documentos e
estudos nas áreas económica, política e social relativos aos territórios
sob tutela do Sudoeste africano, dos Camarões e do Tanganyika.
Ademais, Mondlane mantinha contacto com figuras influentes nas
relações internacionais da época, como Hans Morgenthau, Julius
Nyerere e Adriano Moreira, o que o fazia perceber o processo numa
perspectiva mais abrangente.
Outro ponto de relevância nesta lógica de diversidade da
diplomacia da FRELIMO foram as dinâmicas políticas do Sistema
Internacional, que demonstravam que uma negação de auto-
9CARVALHO, Clara e PINA CABRAL, João (2004). A Persistência da História:
Passado e Contemporaneidade em África. Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa.
10 Joaquim Chissano no seu livro “ Vidas, Lugares e Tempos” narra deslocamentos

frequentes de Marcelino dos Santos entre Paris, aonde era considerado personna
non grata, Rabat e Dar-Es-Salaam, angariando fundos que inclusive foram úteis à
UDENAMO (Chissano, 2010).

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determinação ao Povo moçambicano era uma actuação contra-


corrente e de racionalidade questionável por parte de Portugal. Tanto
que a Diplomacia Pública de Mondlane consistiu na criação da maior
coalização possível de países que estivesse contra Portugal através da
construção de uma propaganda contra o colonialismo português e
garantia de apoio nas diversas frentes. Deste modo, reconhecendo a
hegemonia e influência dos EUA sobre Portugal, Mondlane fez uma
das primeiras investidas junto deste país, aonde apresentou a
Estratégia de Luta Diplomática para a Independência de Moçambique
ao Departamento de Estado Americano, em Maio de 1961 (Gaspar,
2014: 106-107, citando De Jesus, 200911). Esta estratégia defendia
que:
 Os EUA encorajassem Portugal a aceitar a
autodeterminação dos povos sob o seu controlo;
 Portugal aceitasse as fases de auto-governação até
1965;
 Essas medidas/políticas fossem acompanhadas por uma
forte ajuda financeira de desenvolvimento económico,
político e educacional para os povos sob domínio
colonial português criando universidades de língua
portuguesa em África;
 Devia-se promover uma diplomacia mais pró-activa, a
favor dos povos das colónias portuguesas, não só nos
EUA, mas também através do envio de diplomatas da
mais alta craveira para falar com Salazar.

Como resposta, a administração Kennedy enviou 3 emissários


de peso para interagir com Salazar, Dean Rusk em 1962, a Missão
Ball em 1963, a Missão Razwill-Patrick e a tentativa no Conselho da
OTAN em 1967. Esta resposta atendia ao objectivo estratégico dos
EUA, de conter a expansão soviética para África (Gaspar, 2014: 106-

11 DE JESUS, José Manuel (2009). Uma Estratégia para África. Paper apresentado no
Simpósio Internacional sobre “Vida e Obra de Eduardo Mondlane” Realizado em
Maputo entre 18 e 19 de Junho de 2009

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107, citando De Jesus, 200912). Foi neste âmbito que a Fundação Ford
financiou o Instituto Moçambicano – uma escola de formação de
enfermeiros e professores primários em Dar-Es-Salaam. Ainda,
algumas organizações anónimas privadas, muitas delas amigas de
Mondlane, financiaram e garantiram apoio para a FRELIMO nas áreas
da Saúde, publicidade e educação (Henriksen, 1978: 173).
Contudo, as simpatias de Mondlane com os EUA foram
fortemente fragilizadas pela crise dos mísseis de Cuba de 1962 e pelo
assassinato do Presidente John F. Kennedy em 1963 e, consequente
mudança na administração dos EUA, liderada por Lyndon B. Johnson.
A crise dos mísseis de Cuba em 1962 relevou a importância do Acordo
Secreto luso-americano de 1951 no plano geoestratégico americano
através da Base Aérea dos Açores que constituía uma boa projecção
dos EUA no Vietname, principalmente porque os países do Leste
Europeu haviam fechado os seus aeroportos aos americanos e Portugal
era o único parceiro na região. Por outro lado, o assassinato do
Presidente John F. Kennedy, em 1963, que na sua administração tinha
como pilar da sua Política Externa o apoio às independências dos
territórios coloniais, e o advento de uma nova administração nos EUA,
a administração do Presidente Lyndon B. Johnson, com outra
prioridade de Política Externa mais voltada para o anti-comunismo e
aos interesses dos EUA no Vietname, reduziram os efeitos da
diplomacia da FRELIMO com os EUA. Henriksen (1983) agrega à estes
factores o facto de que as colónias portuguesas eram inclinadamente
marxistas, o que com as independências permitiria uma expansão do
poder sino-soviético em África. Este factor foi aproveitado pela
propaganda portuguesa para manter as linhas de apoio dos EUA, tanto
que Mondlane (1969: 245) cita o discurso do Ministro dos Negócios
Estrangeiros Português, Alberto Franco, em 1968 que diz que:

“A penetração naval russa no Oceano Índico ocupará


grande parte das zonas abandonadas pela Grã-Bretanha,
e muitas bases e portos serão negados ao Ocidente.
Estamos em África porque é nosso direito, o nosso dever
e nosso interesse. Mas estamos em África porque isso é
tambem o interesse geral do mundo livre. Se as bases e

12 DE JESUS, José Manuel (2009). Uma Estratégia para África. Paper apresentado no
Simpósio Internacional sobre “Vida e Obra de Eduardo Mondlane” Realizado em
Maputo entre 18 e 19 de Junho de 2009

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ilhas e portos e aeroportos e as linhas costeiras não


estivessem em mãos portuguesas firmes, pode-se
perguntar: em que mãos estariam? Mas em qualquer
caso, esses novos ocupantes não ofereciam o que nós, se
quisermos, estaremos em condições de oferecer”

Na tónica deste discurso está reflectido o sentido de


oportunidade que Portugal tinha dos eventos internacionais daquele
período e o apelo feito ia de encontro com a satisfação de uma
necessidade estratégica vital para os EUA, que era a contenção da
expansão soviética na Ásia e na África. Como forma de conter tal
crescimento e manter os interesses americanos salvaguardados através
da Base Aérea dos Açores, os EUA ofereceram apoio militar a Portugal
em armas, oportunidades de treinamento em táticas contraguerrilha,
camiões, aeronaves e outros tipos de recursos contra a FRELIMO.
O fracasso parcial da Diplomacia junto dos EUA não conteve
os esforços e nem o rationale da Diplomacia de Construção da
Coalizão Internacional anti-Portugal de Mondlane. Principalmente
porque no mesmo contexto se verificava um crescimento da corrente
pró-marxista na Europa. Com efeito, Mondlane foi o primeiro líder
dos movimentos de libertação da África Austral a expor e buscar
apoio diante da Suécia – quando em Setembro de 1964 visitou este
país, terminando por estabelecer uma base de apoio, sobretudo nos
diferentes movimentos sociais de esquerda daquele país. O resultado
foi a inclusão do Instituto Moçambicano, no momento dirigido pela
esposa Janet Mondlane, na lista de organizações que beneficiaram do
primeiro Orçamento para Assistência Humanitária na África Austral
em 1965, o chamado refugee million e que se estendeu para apoiar
acções sociais nas zonas libertadas (Sellström, 2002).
Estas interacções que se mantiveram fortalecidas,
particularmente pelos movimentos de solidariedade, como o Partido
Trabalhista de Olof Palme, também se mantiveram através da
cobertura da imprensa sueca do contexto de luta, gravação de
documentários de luta e transmissão desta realidade através dos meios
suecos. Este tipo de esforços teve um forte poder sobre a formação da
opinião pública internacional e consequente expansão e solidificação
das bases de apoio para a causa de libertação em Moçambique, nas
colónias portuguesas e em toda a África Austral dominada. Foi nesse
âmbito que se documentou o Massacre de Wiriyamu e a sua difusão

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chegou a ser feita pela Revista Times, aos 10 de Julho de 1973 no


Reino Unido, resultando em acções políticas concretas contra Portugal
na ONU através da constituição de uma comissão de inquérito pelo
Comité de Descolonização do mesmo organismo (Sellström, 2002).
Para além da Suécia, Mondlane visitou a Noruega em
Setembro de 1965 e 1966 como parte do Tour pela Escandinava
financiado pela Assembleia Mundial da Juventude. Durante a sua
estadia, Mondlane foi recebido pelo ministro das Relações Exteriores,
concedeu entrevistas à rádios e televisões, bem como encontrou-se
com representantes de Organizações Juvenis, o Conselho Norueguês
para Refugiados, o Fundo de Crise para o Sudeste Africano e o
Conselho Ecuménico para Relações Internacionais da Igreja
Norueguesa. Na primeira estadia o resultado não foi satisfatório
devido ao facto da Noruega ser parte da OTAN, desconhecer
Mondlane e a posição na qual se dirigia à Noruega. Contudo,
conseguiu chamar atenção através da sua diplomacia pública para a
questão da colonização, a posição e o dever da Noruega para com os
povos colonizados. A consequência disto foi que na segunda visita a
atenção à presença de Mondlane foi maior e o debate sobre o apoio
aos povos colonizados fervoroso, de tal modo que nos anos seguintes
foi aprovado um pacote de apoio ao Instituto Moçambicano (Eriksen,
2000).
A natureza de apoio recebido destes dois países, também foi
houve ajudas de países como Finlândia e Dinamarca. Estas narrativas
procuram destacar os esforços de Mondlane no propósito da
libertação nacional assente numa base negocial e de diversificação das
linhas de apoio contra Portugal. Com isso, a diplomacia de Mondlane
revelou dois aspectos importantes da Diplomacia Nacionalista da
FRELIMO. O primeiro, foi que ainda que o mundo estivesse
progressivamente a descolonizar-se e, por via disso, anacrónico, senão
irracional, manter colónias, os interesses geoestratégicos dos Estados
que poderiam determinar o fim do ciclo de colonização em
Moçambique, particularmente dos EUA, foram mais determinantes no
fechamento da possibilidade de uma independência negociada com
Portugal. E segundo, que era necessária uma Diplomacia Pública
consistente e insistente de modo a conseguir gerar consciência na
opinião pública dos demais países (quebrar a cortina de silêncio
prevalecente em relação à situação colonial), chamar à sua
responsabilidade moral para com os povos colonizados e, deste modo,

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garantir apoio financeiro e diplomático para a causa da luta em


Moçambique. Ainda em relação a este aspecto, Henriksen (1973)
refere que nalguns países da Europa Ocidental começaram a ser
criados Comités Anti-coloniais que faziam propaganda da causa dos
movimentos revolucionários na África portuguesa, imprimiam
panfletos em crítica à Portugal e ao seu apoio da OTAN, bem como,
faziam pressão às empresas que faziam negócios com Portugal de
modo a prejudicar a restringir os seus negócios com o regime de
Salazar.
É importante destacar que naquele período não faltou pressão
para a FRELIMO definir a sua linha de orientação ideológica, quer
fosse marxista-leninista ou capitalista, o que poderia provocar um
cataclismo na sua abordagem de diplomacia de diversificação de
apoios. No entanto, a sua posição de Não-alinhamento, com maior
exposição das demandas e necessidades supremas do povo
moçambicano, do que propriamente de uma linha ideológica,
permitiu a continuidade da sua linha de orientação diplomática.

DIPLOMACIA NO CONTEXTO DE LUTA

A Diplomacia, no contexto de luta, foi marcada por uma transição de


uma diplomacia individual e fragmentada para uma diplomacia
institucionalizada aonde o instrumento nascido no primeiro congresso
já estabelecia as linhas de orientação do partido e os mecanismos a
serem adoptados para o desiderato de alcance à independência,
sobretudo havendo já fracassado o intento de negociar uma
independência pacífica e progressiva para Moçambique. De
Schneidman (1978) e Gaspar (2014) depreende-se que uma das
maiores virtudes da Diplomacia da FRELIMO, quase única entre os
movimentos nacionalistas daquela época, foi a capacidade de
convergir apoios de dois mundos em profundo antagonismo, o mundo
Ocidental e o mundo do Leste. Tal foi conseguido, por um lado, pelo
envio constante de delegações para Pequim e Moscovo, e por outro
lado, eram encetadas missivas para a Europa, sobretudo a do Leste, e
Nações Unidas. A consequência disso foi que enquanto o mundo
Ocidental garantia apoio social em educação e saúde, sobretudo nas
zonas libertadas, o mundo do Leste foi garantindo apoio na sua frente
militar de luta. Deste modo, destacam-se como os principais parceiros
da FRELIMO:

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 República Popular da China: as relações com este país


asiático foram facilitadas pela Tanzania, que já gozava
de boas relações com a China, e iniciaram-se um ano
após a fundação da FRELIMO, em 1963, através do
envio de cerca de 5 delegações no mesmo ano para
China – uma delasliderada por Mondlane. Este país
asiático deu o maior apoio à luta da FRELIMO,
especialmente nos anos 60, através de dinheiro, armas,
transporte e comunicações, bem como, através da
provisão de instrutores e treinamento em técnicas de
Guerrilha (manuseio de pequenas armas, e explosivos),
a principal estratégia de luta armada da FRELIMO. Os
chineses chegaram a enviar cerca de 100 conselheiros
que trabalhavam como instrutores e garantes de
suprimentos no santuários do Sul da Tanzania.

 União Soviética: o principal apoio da União Soviética à


FRELIMO foi político e diplomático. Principalmente
porque a China não era membro das Nações Unidas,
até ao ano de 1971. Com efeito, a União Soviética era o
único membro permanente do Conselho de Segurança
a votar consistentemente com o bloco Afro-asiático na
condenação de Portugal. De destacar que a União
Soviética foi a proponente, em 1960, na ONU, da
Resolução sobre a necessidade de adopção de uma
“Declaração Universal contra o Colonialismo” e que
viria a ser aprovada por unanimidade histórica e sem
precedentes. Ademais, a União Soviética também
financiava muitas organizações no Terceiro Mundo, a
destacar: o Afro-Asian People’s Solidarity Organization
(AAPSO) e o Conselho Mundial de Paz (CMP). Não
obstante todo o apoio diplomático prestado, igualmente
concederam apoio em material e treinamento. Para o
efeito, Moscovo abriu seus centros de treinamento a
centenas de moçambicanos – foi o caso do Central
Komsol School em Moscovo, da Escola de Treinamento
em Guerra de Guerrilha em Simferopol na Ucrânia e da
Escola de Demolição e Sabotagem na Crimeia.

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 Países Africanos: é pretensioso afirmar de forma


peremptória que a luta de Moçambique não poderia ter
sido conseguida sem o apoio dos países africanos, mas é
passível de comprovação, pois, se por um lado, foram
estratégicos para acomodar as bases da FRELIMO como
santuários e bastiões da revolução através da facilitação
da livre circulação dos guerrilheiros e concessão de
plataformas e redes de apoio diplomático para a causa
da erradicação do colonialismo, sobretudo, os países
fronteiriços como a Zâmbia e Tanzânia, por outro lado,
seu apoio militar foi uma variável de validade
inquestionável para o propósito de libertação de
Moçambique. Este foi o contexto no qual os primeiros
guerrilheiros foram enviados à Argélia e ao Egipto, em
programas de treinamento que duravam de três a seis
meses. A Argélia, de forma especial, acabou se
definindo como Ponto de Solidariedade Natural e Sede
da Acção Diplomática, onde a FRELIMO tinha a sua
representação desde os momentos iniciais de luta em
1964. O Egipto, produtor de pequenas armas, serviu
como um ponto de contacto da FRELIMO com o Mundo
Árabe e a União Soviética, vital para o decurso da
história de luta. Países como Gana, Somália e Guiné
apoiaram também política e militarmente a FRELIMO
animados pelo ideal de Unidade Africana e da
consciência do entrave que o colonialismo constituía
para a sua prossecução.

 Europa do Leste: o apoio prestado por estes países


seguiu-se nos moldes do apoio da União Soviética, mas
em menores quantidades. Este apoio concentrou-se no
treinamento militar, educacional e instalações médicas
– foi o caso dos médicos búlgaros no Hospital da
FRELIMO em Mtwara, na Tanzania, e das quantidades
significativas de armas vindas da Checoslováquia e da
Alemanha do Leste.

 Apoio Ocidental – neste grupo de apoio podemos


destacar o apoio sueco ao Instituto Moçambicano na

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categoria humanitária em instalações educacionais,


suprimentos médicos e em dinheiro que era distribuído
pelo Swedish International Development Association
(SIDA). Na mesma senda, os países Escandinavos, como
a Dinamarca, Holanda e Noruega também concederam
apoio humanitário à FRELIMO. Concomitante e quase
em dimensão inestimável, foi o apoio em propaganda
concedido por estes países para reproduzir ao mundo
as atrocidades do colonialismo português em
Moçambique, o que mudou a opinião pública mundial,
no momento em estágio adormecido, a respeito da
questão colonial em Moçambique.

 Organizações Internacionais: das principais


organizações internacionais que deram apoio à
FRELIMO foi a OUA e a ONU. Uma questão existencial
da OUA era a sua forte dedicação à erradicação do
colonialismo ou qualquer forma de exploração
minoritária em África. Com efeito, este organismo criou
o Comité de Libertação Africana – CLA para conduzir o
apoio moral, militar e territorial aos nacionalistas que
conduziam lutas de libertação em seus países. Quando
o Comité foi criado em 1964 definiu o apoio em 1% do
Produto Interno Bruto (PIB) de cada membro. Ainda
que não tenha conseguido que os membros
cumprissem com tal propósito, os movimentos de
libertação receberam parte dos valores adquiridos deste
compromisso. Por sua vez, a ONU funcionou
principalmente como um fórum internacional onde a
FRELIMO pudesse condenar Portugal, chegando
inclusive a passar muitas Resoluções contra Portugal e
a criação de Comités, como o Comité dos 24, que tinha
a missão específica de acompanhar a evolução da
situação das colónias portuguesas, no âmbito do sub-
comité de descolonização. Ainda que não fossem de
vinculação obrigatória, as Resoluções aprovadas
criaram as bases políticas e legais a favor dos povos
oprimidos, condenando e encorajando as potências
coloniais para embarcarem no processo de

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descolonização dos povos e territórios sem governo.


Com efeito, legitimaram a FRELIMO face à poderes
Estatais e organizações de apoio, o que concedeu uma
forte base moral e tornou menos difícil a busca de
apoio para a libertação. Para além da ONU e OUA, a
FRELIMO foi membro da CONCP, AAPSO e CMP.

 Outras Organizações e Grupos de Apoio: A causa da


libertação conseguiu sensibilizar em vários níveis
organizações que, dentre muitas coisas, faziam
advocacia da causa de libertação, não só de
Moçambique, mas de vários grupos mantidos sob
alguma outra forma de colonização e opressão, junto
de seus governos e organizações internacionais. Dentre
estes grupos podemos destacar: o Comité Americano
para a África, que servia de grupo de pressão junto do
Governo americano, mobilizava fundos e disseminava
informação sobre a luta da FRELIMO; no Canadá teve o
Movimento de Apoio à Libertação e o Comité de
Toronto para a Libertação da África Austral que
tiveram praticamente o mesmo papel que o Comité
Americano para África; Na Europa emergiram
organizações como o Fundo Joseph Rowntree de
Londres que concedeu à FRELIMO $60,000 para
educação, apoio médico e bem-estar no trabalho e a
Federação do Mundo Luterano que concedeu apoio em
mantas, comida, bens agrícolas e equipamento médico
à gente ainda sob jugo colonial em África, incluindo a
FRELIMO.

Esta diversidade de apoios foi consequência de vários tipos de


diplomacia empregues em várias fases da constituição da FRELIMO e
durante o período de luta; o que também denota a qualidade destas
diplomacias. Nesta senda, a luta inicia enquanto a FRELIMO já tinha
estabelecido em alguns países escritórios equiparáveis a
representações diplomáticas que eram denominados Representações
Permanentes da FRELIMO em países como Argélia, Tanzania, Egipto e
Zâmbia – onde figuras como Joaquim Chissano, Óscar Monteiro,
Pascoal Mocumbe e Jacinto Veloso se encontravam a trabalhar – bem

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como a existência de Delegacias no Tanganyika, em Zanzibar, no


Kenya, em Nyassalândia, na Zâmbia e na Swazilândia, para acolher
refugiados (Gaspar, 2014).
As Representações Permanentes tinham, de forma genérica,
como funções: manter contactos directos com as instituições dos
Estados aonde estão localizadas, incluindo a Presidência, Ministérios e
Gabinetes especiais; manter contacto com os Partidos no poder e suas
organizações sociais; informar sobre o andamento da luta, apresentar,
explicar e defender os pedidos de ajuda material e financeira;
participar nas delegações da FRELIMO às reuniões deste comité
quando se reunia ao nível ministerial e embaixadoral; iv) Manter
contacto permanente com todas as embaixadas acreditadas no país
aonde está sediada a Representação Permanente de modo que
compreendessem com maior profundidade a Política da FRELIMO, os
objectivos da sua luta, as necessidades de apoio na frente armada,
diplomática e de formação dos quadros; v) Fazer propaganda da
natureza e actuação do colonialismo português em Moçambique, bem
como, manter contactos com outros movimentos de libertação; vi) Nas
datas importantes da FRELIMO, 16 de Junho, 25 de Junho, 25 de
Setembro e, mais tarde, 3 de Fevereiro, organizar reuniões com as
várias organizações da Sociedade Civil, de modo a granjear apoios a
todos os níveis; vii) Recolher informação estratégica sobre o inimigo.
Enquanto se multiplicavam os apoios à FRELIMO, a imagem e o
prestígio de Portugal se deterioravam mais e mais (Gaspar, 2014).

DIPLOMACIA NA FASE DERRADEIRA


DA LUTA ARMADA

Uma mudança essencial na abordagem diplomática de luta se deu


após a morte de Eduardo Mondlane aos 3 de Fevereiro de 1969 e
ascensão de Samora Machel para Presidente da FRELIMO. A morte
trágica de Mondlane, através de uma carta armadilhada tornou
inevitável que a acção diplomática conhecesse novos
desenvolvimentos. Não só por se tratar de líderes diferentes, mas
sobretudo por se tratar de líderes com antecedentes, visões e
personalidades diferentes. Enquanto por um lado Mondlane, forjado
em meios diplomáticos do mundo Ocidental, era mais crédulo da
racionalidade de uma acção negocial para a independência, ainda que

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depois tenha tido as suas expectativas frustradas pelas mudanças no


curso dos fenómenos, Machel era, por outro lado, um líder forjado no
campo de batalha, com fortes crenças socialistas mas que reconhecia a
importância da diversidade dos aliados conquistados.
Com efeito, após a morte de Mondlane decidiu-se pela
continuidade da lógica diplomática até então prevalecente, que era a
de não permitir a criação de novos inimigos ou a perda de amigos.
Porém, ganham maior expressão as acções diplomáticas junto dos
países do Leste. Gaspar (2014: 152) citando Vieira (199013) destaca
que os primeiros encontros que a FRELIMO realiza ao mais alto nível
ocorrem em 1971 com os Secretariados-gerais dos Partidos
Comunistas da Bulgária, da Roménia e do Partido do Trabalho da
Coreia. E no mesmo período, mantém encontros com os Primeiros-
ministros da República Popular da China e da República do Vietname.
Machel chegou a receber nestas incursões a Medalha Centenária de
Lenin em 1971 em Moscovo.
É igualmente importante destacar que o momentum exigia o
fortalecimento da frente armada e intensificação dos processos de
luta, por isso a recomendação era a concentração de esforços no
interior do país de modo a definir a sua acção exterior de acordo com
as necessidades e contingências da ordem interna. Deste modo, eram
recebidas visitas de delegações ao interior de Moçambique, nas zonas
de luta e nas zonas libertadas, bem como foram definidos
representantes permanentes destacados no exterior e seus enviados
especiais à eventos internacionais como simpósios e conferências
(Gaspar, 2014).
O sucesso da luta armada no interior do país, sustentado por
uma forte frente diplomática que ia, cada vez mais, estreitando o
campo de acção do Governo Português no plano internacional, bem
como as mudanças internas ocorridas em Portugal, concretamente o
Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 que produziu a derrocada do
regime de Salazar, ditaram que no mesmo ano começassem as
negociações para um acordo de estabelecimento de independência em
Moçambique. A princípio, como relata Veloso (2007), a vontade da
conjuntura política em Portugal, defendida por democratas e até
comunistas portugueses, era que a independência fosse a médio

13 VIEIRA, Sérgio (1990). Vectores da Política Externa da Frente de Libertação de


Moçambique (1962-1975). Revista Estudos Moçambicanos, nº 7, CEA-UEM, p.
29-56.

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prazo. Porém a imposição da FRELIMO era de uma independência


imediata e uma transição que não durasse mais de 12 meses (com
limite para o dia 25 de Junho de 1975). Com efeito, entre 5-7 de
Setembro de 1974 as delegações da FRELIMO e do Estado Português
chefiadas por Samora Machel e Mário Soares, então Ministro dos
Negócios Estrangeiros de Portugal, reuniram-se em Lusaka, capital da
Zâmbia sob os bons ofícios do UNIP para negociar os termos em que
seria administrada a independência.
No processo, o Governo Português reconheceu o direito do
Povo de Moçambique à Independência e aceitou por acordo com a
FRELIMO a transferência progressiva dos poderes que detinha sobre o
território moçambicano através da criação de uma estrutura
governativa, que seria constituída por um Alto-comissário de
nomeação do Presidente da República Portuguesa, um Governo de
Transição nomeado por acordo entre a FRELIMO e o Estado Português
e a criação de uma Comissão Militar Mista nomeada por acordo entre
o Estado Português e a FRELIMO. Nesta estrutura estavam
estabelecidas como competências que:
i. Ao Alto-comissário cabia, sobretudo, representar a
soberania portuguesa e dinamizar o processo de
descolonização em Moçambique através do
asseguramento do cumprimento dos acordos
celebrados entre o Estado Português e a FRELIMO, bem
como, pelo respeito das garantias mutuamente dadas;
ii. Ao Governo de Transição cabia, de forma genérica,
promover a transferência progressiva de poderes a
todos os níveis e a preparação da independência de
Moçambique através do exercício das funções
legislativa e executiva relativas ao território de
Moçambique, administração geral do território até a
proclamação da Independência e a reestruturação dos
respectivos quadros, bem como, através da defesa e
salvaguarda da ordem pública e da segurança das
pessoas e bens;
iii. A Comissão Militar Mista seria constituída por igual
número de representantes das Forçadas Armadas do
Estado Português e da FRELIMO e teria como missão

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principal o controle da execução do acordo de cessar-


fogo.

Constituíram-se como compromissos, ainda no âmbito deste


acordo, uma acção conjunta entre o Estado Português e a FRELIMO
em defesa da integridade do território de Moçambique contra
qualquer agressão; o estabelecimento e o desenvolvimento de laços de
amizade e cooperação construtiva entre os respectivos povos nos
vários domínios da vida dos dois povos numa base de independência,
igualdade, comunhão de interesses e respeito da personalidade de
cada povo; uma acção concertada para eliminar todas as sequelas do
colonialismo e criar uma verdadeira harmonia racial; e, finalmente,
por forma a assegurar ao Governo de Transição meios de realizar uma
política financeira independente, seria criado em Moçambique um
Banco Central que teria também funções debanco emissor através da
transferência para aquele Banco, pelo Governo Português, das
atribuições, do activo e do passivo do departamento de Moçambique
do Banco Nacional Ultramarino. Assim, na mesma ocasião, foi
determinado o cessar-fogo entre os beligerantes para 8 de Setembro
de 1974.
É de destacar que mesmo recebendo apoio de diversos países,
muitos deles vitais para o processo de luta de libertação
moçambicana, a FRELIMO não se absteve de deixar o seu
posicionamento de forma honesta em relação às questões pontuais do
Sistema Internacional, sobretudo as que diziam respeito às contendas
de soberania e solidariedade com os povos ainda sob alguma forma de
dominação ou exploração. Isto foi visto, por exemplo, aquando da
invasão soviética e americana ao Vietname, em 1975, em que a
FRELIMO condenou abertamente a acção mesmo sofrendo pressões, as
vezes, através do retardamento ou diminuição na entrega de
fornecimentos pela União Soviética, e corte de fundos para a educação
através da Fundação Ford durante o mandato do Presidente Johnson,
tal como refere Vieira (2010). A mesma situação é relatada por
Henriksen (1983) em relação à ajuda que Moçambique recebeu de
Israel através de instrução em procedimentos de rádio e primeiros
socorros na fase inicial da luta, e que mesmo assim a FRELIMO
manteve o seu apoio aos árabes na defesa da causa palestiniana da
auto-determinação.

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Estas situações reflectem um papel claro que a diplomacia da


FRELIMO concebeu para si no plano internacional em relação aos
problemas evidentes de agressão e negação de direitos vitais a certos
povos, e este papel era de Protector da Fé. Destaque-se que na sua
concepção e assumpção deveria haver uma correspondência directa
entre o papel e a sua execução que tinha como base as reivindicações
da FRELIMO pela independência do Povo moçambicano, doutro modo,
haveria uma dissonância e inconsistência que poderiam comprometer
todas as conquistas da diplomacia pública que este movimento vinha
tendo nos últimos tempos através da conotação da FRELIMO como um
movimento nacionalista que apoia a dominação de outros povos e isto,
em última instância, poderia custar certos tipos de apoio à causa da
luta, entre os morais e diplomáticos à financeiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Diplomacia nacionalista da FRELIMO foi forjada como herança das


diplomacias dos movimentos fundadores do mesmo, a UDENAMO, a
MANU e a UNAMI, e de algumas individualidades, como Eduardo
Mondlane e Marcelino dos Santos, pois estes permitiram que fundado
o movimento, já tivesse as linhas de orientação pré-estabelecidas e os
vectores claramente definidos. Esta diplomacia teve três momentos
essenciais, a destacar: o primeiro conduzido por Eduardo Mondlane e
que foi caracterizado pelas tentativas de negociação da independência
por via pacífica junto do governo português, liderado por Salazar; o
segundo, caracterizado pela Diplomacia de luta, como consequência
da negação da via pacifica de independência; e o terceiro,
caracterizado pela imposição da independência, em resultado dos
acontecimentos no plano militar de luta, culminando com a
assinatura dos Acordos de Lusaka aos 7 de Setembro de 1974, através
dos quais se viria a definir o governo de transição e a data da
independência do Estado moçambicano.
A Diplomacia de Libertação de Moçambique foi formada e
exercida em circunstâncias condicionadas pela geopolítica regional e,
sobretudo, pelas dinâmicas da Guerra-fria entre os EUA e a União
Soviética. O seu primeiro maior sucesso foi a diplomacia pública junto
dos povos ocidentais, o que permitiu a causação do awareness ante a
situação colonial em África, sobretudo a África colonial portuguesa,
algo que era conhecido mas não na dimensão suficiente para gerar

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linhas de apoio financeiro, militar e diplomático, aos movimentos de


libertação, tanto no contexto interno das lutas, quanto nos fóruns
multilaterais. E o seu segundo maior sucesso foi a capacidade de
convergir apoios de países que se constituíam em dois blocos
antagónicos em plena decorrência da Guerra-fria, o que poucos
movimentos nacionalistas conseguiram.
Ainda que a diplomacia da FRELIMO consistisse em preservar
amigos e não permitir a criação de novos inimigos, ela sempre teve
posicionamentos próprios em relação às grandes questões
internacionais da época, sobretudo os ligados ao direito à auto-
determinação dos povos. Mesmo que tal fosse contra os interesses dos
grandes poderes internacionais que concediam um forte apoio
financeiro, militar e diplomático a Moçambique, como foi, por
exemplo, o caso da invasão do Vietname pelos EUA e pela União
Soviética.
Uma componente estratégia da diplomacia da FRELIMO era a
coerção, ou seja, o uso da Diplomacia Coerciva através da ameaça de
destruição de propriedades portuguesas e da perda de vidas de
portugueses caso fosse prolongado o processo de colonização. Esta
estratégia foi condicionada pela negação da independência pacífica, e
o seu sucesso foi a capacidade de contribuir fortemente na geração
convulsões internas em Portugal que culminaram com a deposição de
Salazar através de um golpe de Estado aos 25 de Abril de 1974.

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RECEBIDO: Fevereiro de 2019


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