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Espaço e Economia

Revista brasileira de geografia econômica 


23 | 2022
Ano XI, número 23

Subdesenvolvimento em África: Dilemas, Debates,


Realidades e Perspectivas de Políticas Continentais
Coordenadas
Underdevelopment in Africa: Dilemmas, Debates, Realities and Perspectives for
Coordinated Continental Policies
Subdesarrollo en África: dilemas, debates, realidades y perspectivas para
políticas continentales coordinadas
Sous-développement en Afrique : dilemmes, débats, réalités et perspectives de
politiques continentales coordonnées

Nelson Mabucanhane

Edição electrónica
URL: https://journals.openedition.org/espacoeconomia/22069
DOI: 10.4000/espacoeconomia.22069
ISSN: 2317-7837

Editora
Núcleo de Pesquisa Espaço & Economia
 

Refêrencia eletrónica
Nelson Mabucanhane, «Subdesenvolvimento em África: Dilemas, Debates, Realidades e Perspectivas
de Políticas Continentais Coordenadas », Espaço e Economia [Online], 23 | 2022, posto online no dia 07
agosto 2022, consultado o 06 fevereiro 2023. URL: http://journals.openedition.org/espacoeconomia/
22069 ; DOI: https://doi.org/10.4000/espacoeconomia.22069

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Subdesenvolvimento em África: Dilemas, Debates, Realidades e Perspectivas de ... 1

Subdesenvolvimento em África:
Dilemas, Debates, Realidades e
Perspectivas de Políticas
Continentais Coordenadas
Underdevelopment in Africa: Dilemmas, Debates, Realities and Perspectives for
Coordinated Continental Policies
Subdesarrollo en África: dilemas, debates, realidades y perspectivas para
políticas continentales coordinadas
Sous-développement en Afrique : dilemmes, débats, réalités et perspectives de
politiques continentales coordonnées

Nelson Mabucanhane

Introdução

1 A análise dos problemas que há mais de meio século vem adiando o sonho de
autodeterminação de África como consequência da emancipação política tem dividido
especialistas interessados no estudo do fenómeno. Enquanto uns, na sua maioria da
linha ocidental e neoliberal invocam factores endógenos para explicar a pobreza em
África, outros de caris nacionalista, marxista e socialista analisam o problema a partir
de factores exógenos. Neste sentido o debate é orientado, por exemplo, pelos estudos da
linha ocidental no seu casamento com o pensamento dominante neoliberal numa
abordagem que tende a culpabilizar os africanos e seus “amigos de cooperação Sul-Sul”
pela pobreza, chegando mesmo a afirmar que África ao diversificar as estratégias de
cooperação com o oriente está a reeditar o modelo imperialista colonial, o que irá
desvirtuar todo o esforço rumo ao desenvolvimento criado junto ao ocidente. Por seu
turno, os nacionalistas e revolucionários políticos conservadores e alguns académicos
de caris marxistas partidários da teoria da dependência e neo-institucionalismo

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histórico mostram que o argumento que se orienta a partir de factores endógenos é


uma desculpa descabida para perpetuar a hegemonia ocidental em África.
2 Para compreender a dicotomia entre as duas correntes de pensamento, neoliberal e
neo-marxista, portanto, o artigo analisa três perspectivas, nomeadamente: geopolítica,
económica e histórica que as considera essenciais para perceber a persistência da
pobreza em África. Assim, o objectivo do artigo é analisar os factores que explicam a
persistência dos problemas que impedem a África de desfrutar na plenitude o produto
da sua luta pela descolonização.
3 Em termos metodológicos, na análise dos dilemas, dos debates e realidades africanas, o
artigo se apoia no pensamento de Frigotto e Ciavatta (2014) que afirmam que o exame
das particularidades do fenómeno permite identificar as mediações e determinações
que geram o fenómeno. Dado que é na singularidade, onde mora diabo, na nossa
linguagem moçambicana, mora o chipoco. Assim, cada uma das três perspectivas acima
indicadas, permite perceber as múltiplas facetas da totalidade (pobreza africana). Em
Kosik (1986) a totalidade é tomada como ente estruturado composta por partes
dialecticamente correlacionadas e que a sua intermediação determina a ocorrência do
fenómeno. Fernandes (2004) a partir do método histórico dialéctico ensina que a análise
de um fenómeno deve ocorrer a partir das partes que o compõem. Aliás, este é o
ensinamento dos mestres René Descartes, Karl Marx, entre outros. Lembrar que Marx
ao estudar a luta de classes, por exemplo, centrou a sua análise no modo de produção,
particularmente nos meios de produção, na mercadoria, no lucro como singularidades
que explicam a luta de classes. É a partir deste ensinamento que Fernandes (2004)
afirma que as diferentes mediações e determinações dos factos que compõem o objecto
de estudo devem ser isoladas e analisadas particularmente e a sua reconstituição
permite ao investigador descobrir o mecanismo de funcionamento ou de contribuição
de cada uma das partes na manifestação do fenómeno. É essa descoberta que permite
gerar o que se chama de conhecimento científico que é também, de acordo com Francis
Bacon produto da relação entre o sujeito e o objecto.
4 Assim, este artigo, não foge à regra dos mestres, sob pena de ser apenas um acúmulo de
factos que Lakatos e Marconi não aceitarão assumi-lo como conhecimento científico. E
é por isso que este artigo, ao analisar os dilemas, os debates e realidades sobre o
subdesenvolvimento de África se orienta pelas particularidades que são, portanto, as
três perspetivas acima indicadas. Embora a análise não ocorra de forma didática, mas
cada uma das perspetivas constitui o instrumento analítico deste artigo e pretende
desaguar no argumento de que a persistência dos dilemas, debates e realidades
caracterizadas pelo estado mais crítico e profundo da manifestação de pobreza em
África desde as lutas armadas de libertação nacional até então, não é produto apenas do
descaminho aos princípios nacionalistas gerados pelo pan-africanismo e muito menos
pela reemergência dos antigos “amigos de África”, mas sim, da configuração da
geopolítica internacional desfavorável à África.
5 Como se disse, o exame das perspectivas geopolítica, económica e histórica não ocorre
de forma isolada, uma vez que existe uma interdependência dos factos que explicam a
manifestação do fenómeno. Para, além disso, e como poderá notar caro leitor, as três
abordagens de eleição neste artigo por vezes se confundem. Por exemplo, o que gera o
clamor da perspectiva histórica é o desprezível efeito dos indicadores económicos no
bem-estar social, o que é explicado, neste artigo a partir da abordagem geopolítica.

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Enquadramento das Três Perspectivas de Análise do Objecto de


Estudo

6 Mudar para permanecer na mesma! É uma das célebres frases tanto em Mao Tse-Tung
ao falar “Sobre a Prática” e, principalmente “Sobre a Contradição” quanto em Albert
Hirschiman em “A Retórica da Intransigência”. Se por um lado, o problema central de Mao
Tsé-tung era corrigir os erros do dogmatismo existente no Partido Comunista Chinês
(PCC) durante a terceira etapa da guerra revolucionária, onde era preciso saber, com
precisão, onde estava o inimigo e o aliado entre as classes revolucionárias da sociedade
chinesa. Por outro lado, Hirschiman, ao analisar os problemas da revolução francesa
explicita as três reacções e sobretudo as três teses reaccionárias onde fala do efeito
perverso. Na sua ortodoxia, o autor entende que qualquer acção para melhorar um
aspecto de ordem económica, social e política só serve para exacerbar a situação que se
deseja remediar.
7 É sobre este prisma de corrigir os erros da brutalidade e desumanidade colonial que os
nacionalistas e/ou socialistas africanos após identificar o inimigo do continente,
através da luta armada de libertação das nações, da diplomacia e outros meios exigiram
às potências imperialistas coloniais a independência total e completa de África.
Decorrido meio século a propalada autonomia política, económica, social e cultural de
África que laurearia o esforço e os objectivos da descolonização está gerando o efeito
perverso. O que é evidenciado pela permanência do estado mais crítico de pobreza. Será
que este artigo pretende negar as mudanças operadas pela descolonização de África?
Claramente que não! Não porque as independências africanas não são relevantes
enquanto conectadas ao desenvolvimento social ou a outro factor. Elas são importantes
per si, dado que são a
8 condição sobre a qual brotam todos efeitos desejados. Então, como é que se caracteriza
o efeito perverso da descolonização? Se por um lado, se caracteriza pela exacerbação e
contínua subordinação, dependência económica, interferência externa nos assuntos do
continente pelas potências colonialistas, por outro lado, as armas continuam soando
alto, no que se convenciona designar por guerras civis, conflitos étnicos, religiosos,
terrorismo, canibalismo, ditaduras, corrupção, violação dos direitos humanos, etc. Uma
desculpa descabida para defender e perpetuar o novo figurino do colonialismo e do
neocolonialismo, como bem alertara Kwame Nkrumah nos anos 50.
9 Os actuais problemas, dilemas e realidades africanas não são gerados necessariamente
por um sistema colonial declarado ou ao menos com características do passado, mas
sim, pelos modelos neoliberais que ditam as regras de relacionamento entre os Estados,
as pessoas, o funcionamento do sistema mundo, o que tem implicações na divisão do
mundo em países pobres e desalinhados em termos de cooperação de modo a resolver
problemas comuns e países desenvolvidos alinhados.
10 Ao analisar os dilemas e as realidades relativas à penúria do continente, perspectiva
económica se a percebe que a descolonização não gerou o desenvolvimento esperado, a
autodeterminação, pelo contrário, produziu efeito perverso, caracterizado pelo penoso
subdesenvolvimento. Por exemplo, dos 53 países africanos, apenas 9 possuíam em 2019
Índice do Desenvolvimento Humano (IDH) alto, ou seja, acima de 0.7 na classificação do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Na sua maioria, 31 países
africanos, portanto, foram classificados como países de índice baixo, 0.3 e os demais, 13
apresentam IDH médio, 0.6. O desemprego, o analfabetismo, limitado acesso ao ensino

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de qualidade, aos serviços de saúde, acesso à electricidade, os persistentes mais de 17


conflitos armados em África nos anos 2000, para além da corrupção, terrorismo,
ditaduras, doenças, ignorância, etc., são alguns factores que explicam a extrema
pobreza em África.
11 É assim que no campo académico e até político existe a percepção de que o espírito dos
movimentos nacionalistas no contexto do pan-africanismo está sendo abandonado. Ou
seja, a independência política dos países africanos num contexto neocolonial e
neoliberal não está conseguindo gerar riqueza para os africanos. Mas há aqueles que
acham que o problema não se coloca necessariamente no campo da produção da renda,
mas na forma como esta é distribuída. A partir deste argumento, brota o pensamento
de que os libertadores não estão dividindo o bolo e, por isso, o bem-estar social dos
africanos depende largamente de revolução que possa permitir a libertação dos povos
do continente dos corruptos e ditadores libertadores, isto é, dos antigos nacionalistas e
patriotas.
12 Por sua vez, a linha de análise histórica defende que a vitória da turma maioritária dos
países politicamente moderados, principalmente ex-colónias francesas, os progressistas
do Grupo de Monróvia (Costa de Marfim, Senegal, entre outros), portanto, contra a
abordagem imediatista da turma representada por Ghana e Guiné Conakry que defendia
que África devia unir-se é colocada como causa do insucesso africano, ou seja, o
fundamento do efeito perverso. A turma de Nkrumah defendia Estados Unidos de
África, como forma de evitar disparidade de comportamento em relação à política
externa dos estados africanos na sua relação com o exterior. Este pensamento,
pretendia evitaria a vulnerabilidade de África ao imperialismo capitalista na sua actual
versão mais sofisticada.
13 De certeza que Brautingam não concordará com esta tese. Aliás, no seu fabuloso livro
de 2009 intitulado “The Dragon’s Gift: The Real Story of China in Africa” desautoriza a teoria
do neo-institucionalismo histórico que defende a contingência histórica e a
dependência de trajectória para explicar o actual contexto da ainda persistente pobreza
absoluta e instabilidade política em África. A autora apela que a história seja morta ou
apagada, porque no seu entender, a actual situação de extrema pobreza em África
depois de quase meio século do fim do colonialismo não deve ser explicada partir do
seu percurso histórico. Mas em raras ocasiões no seu livro a autora menciona as
palavras neocolonialismo, neoliberalismo1, sistema económico mundial, política
internacional, dependência externa, endividamento, conflitos armados, calamidades
naturais, etc., para entender a situação africana. Factores estes que são elementos
centrais analisados neste artigo para explicar a desmedida e penosa pobreza extrema
de África.
14 E por fim, a abordagem geopolítica ao analisar os desafios africanos se depara com a
ortodoxia neoliberal que tende a associar a reemergência dos “antigos amigos” do
continente, sobretudo os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em geral, e
em particular, a China e a Rússia, como a causa da pobreza. Os países nórdicos do leste
europeu, latinos americanos e tantos outros que defenderam ou adoptaram sistemas
socialistas ao reeditarem suas “amizades” com o continente africano são vistos como
novos colonizadores. É assim que a nível académico, estes países são conhecidos como
aquele que constituem um risco para o desenvolvimento sustentável e saudável de
África. Para Chichava (2010), Southallande Merlber (2009) e Brautingam (2009) estes
países, não só está se revigorando a geopolítica da guerra fria, como também, está

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ocorrendo uma reedição do modelo imperialista colonial, o que limita, as relações que
África vinha estabelecendo com o Ocidente.
15 Não obstante a posição ortodoxa acima indicada, a elite política revolucionária,
patriótica, os nacionalistas e académicos da linha marxista, solidarista, portanto,
consideram o pensamento neoliberal como uma aberração, como luta hegemónica do
ocidente e dos reacionários africanos de modo a perpetuar a sua dominação em África.
Esta posição é de forma recorrente associada à tentativa de desacreditar e impedir a
África de usufruir dos frutos da autodeterminação, o que alarga a dependência externa
e, desacredita a governação africana, exacerba a pobreza, atiça os conflitos armados,
religiosos, étnico, gerando o espectro de que a redenção africana está nas mãos
ocidentais.
16 Assim, o trajecto analítico e geopolítica centra-se basicamente na forma como os
estados africanos exercem a sua soberania junto aos estados hegemónicos e organismos
multilaterais. A ideia subjacente nesta abordagem aponta que as independências
geraram estados frágeis, isto é, com deficiências no seu ambiente, capacidade e arranjos
institucionais para defendem os interesses do continente para além-fronteiras.
17 Após a apresentação do enquadramento das três perspectivas que orientam este artigo,
a questão seguinte é de onde parte este artigo e aonde pretende chegar? O breve
enquadramento das três perspectivas mostra o ponto de partida. E onde pretende
chegar? O artigo pretende desaguar no argumento de que a persistência dos dilemas,
debates e realidades que caracterizam o estado mais crítico e profundo da manifestação
de pobreza em África desde as lutas armadas de libertação nacional até então, não é
produto apenas do descaminho nos princípios nacionalistas gerados pelo pan-
africanismo e muito menos pela reemergência dos antigos “amigos de África”, mas sim,
da configuração da geopolítica internacional desfavorável à África.
18 Para sustentar este argumento, o artigo aplica as três perspectivas para analisar oito
factores explicativos do subdesenvolvimento africano alguns dos quais Paul Collier os
designou por armadilhas. Usando como instrumento analítico a abordagem económica
e geopolítica, o artigo analisa a penosa experiência de instalação de gasoduto
denominado Chad-Camarões - Pipeline Petroleum Development Project. Ainda na linha de
pensamento económico é feita uma apresentação sobre o efeito económico das
calamidades naturais, tomando como exemplo, a penosa experiência de Moçambique. A
partir do neo-institucionalismo histórico em Dias, Lúcio e Coelho (2014) o artigo discute
o legado colonial como factor central da fragilidade institucional e consequentemente
da corrupção. E, por fim, discute a relação entre as cinco armadilhas em Collier (2007)
com o subdesenvolvimento em África, nomeadamente: conflitos armados, a abundância
de recursos naturais, a interioridade dos países africanos, os maus vizinhos e a má
governação em pequenos países.

Debates, Dilemas, Realidades e Perspectiva sobre o


Subdesenvolvimento Africano

19 Na sua obra “os milhões da pobreza” Collier (2007) seguindo a abordagem neoliberal,
identifica, através do conceito de Jeffey Sachs, cinco armadilhas que as considera
relevantes para explicar os motivos que levam os países mais carenciados do mundo a
ficarem cada vez mais pobres, nomeadamente: a armadilha do conflito, dos recursos
naturais, da interioridade e maus vizinhos e da má governação em pequenos países.

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Para este autor, em 2006, existiam no mundo, 980 milhões de pessoas presas em
algumas destas armadilhas e, na sua maioria, 70% em países africanos 2. O que faz com
que a pobreza a nível mundial, tenha o rosto africano, pois, é onde a maioria vive
abaixo da linha da pobreza. Para demonstrar a situação de penúria nos países com
extrema pobreza, Collier apresenta as suas características, nomeadamente: são países
onde a esperança de vida ao nascer situa-se em média a 50 anos, contra a média
mundial de 70 anos; a taxa de mortalidade infantil é de 15 por cento, ou seja, crianças
que morrem antes do seu primeiro aniversário, contra a média mundial de 4 por cento;
a proporção de crianças com sintomas de malnutrição é de 36 por cento, 29% dos países
pobres obtêm receitas a partir de recursos naturais, 30% em situação de interioridade
com escassez de recursos e maus vizinhos, 79% sofreram um período de má governação
e más políticas económicas, etc.
20 Outra forma de ver o mesmo problema da pobreza é dada pelo Administrador do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Achim Steiner, ao prefaciar o
relatório de 2019 e afirma que “apesar de todo o nosso progresso, há algo na sociedade
globalizada que não está a funcionar” para fazer referência à pobreza. Steiner (2019)
toma como evidências para demonstrar que o mundo não vai bem os inúmeros
protestos de rua, o custo de transporte, o preço da gasolina, as frustrações
consequentes das desigualdades sociais, o poder de uns poucos e a impotência de
muitos, as disparidades ao nível dos padrões de vida, a fome e as doenças severa, os
conflitos armados, a maioria analfabeta, desempregada, a falta de acesso à
electricidade, água potável e até ao teto onde dormir.
21 De facto, este é o mapa vergonhoso e que ilustra os dilemas e as realidades africanas em
particular e de mais de 90% da população mundial. Os factores geradores das
desigualdades sociais no acesso as coisas importantes para construir o futuro que cada
pessoa almeja no mundo, tem vindo a ser discutidos por vários analistas, dos quais
Hobsbawm (1995:11) traça uma linha incisiva de várias expressões para caracterizar,
por exemplo, o século XX. No seu entendimento, o século XX foi caracterizado por
catástrofes e tragédias; século mais terrível na história da humanidade; acontecimentos
históricos horríveis; massacres e guerras; século de repressão; século mais violento na
história da humanidade; crise da racionalidade humana; século de holocausto, da
escravatura, da pilhagem, etc.
22 Como se pode notar, as expressões do autor estão associadas a conflitos armados apesar
de reconhecer a relativa paz a nível mundial no século XXI. Sabe-se, portanto, que
alguns países de África, da América Latina e Ásia continuam sob fogo cruzado. Estes
países, são considerados, muitas vezes, pela literatura ocidental como sendo o bastião
da pobreza, chegando mesmo a considerá-los como territórios inóspitos.
23 Ainda que se reconheça a universalidades destes factores, o continente africano, bastião
das mais reconhecidas e cobiçado riquezas do subsolo é o palco dos piores ensaios da
desumanidade, o que faz dele se encontra no extremo quando se fala de acesso às coisas
da vida humana. Como evidência disso, o Índice de Desenvolvimento Humanos de 2019
que analisou 189 países do mundo e, em África dos 53 países 31 apresentam os piores
índices. Se países como Noruega, Suíça Irlanda e Alemanha apresentam IDH entre 0.954
a 0.939, os designados por estados falhados de África apresentam IDH penosamente
baixo, como é o caso de Moçambique (0.446), da Serra Leoa (0.438), do Burquina Faso e
Eritreia (0.434), do Mali (0.427), do Burundi (0.423), do Sudão do Sul (0.413), do Chade
(0.401), da República Centro Africano (0.381) e do Níger (0.377).

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24 Não obstante a visão pessimista acima descrita sobre o continente africano, o relatório
“Perspectivas Africanas 2019” da African Development Bank Group caracterizou o estado
do continente como bom. Esta fantasmagoria baseia-se na análise de indicadores
macroeconómicos de 2016 a 2018. O relatório aponta que em geral o desempenho
económico de África continua a melhorar com um crescimento interno bruto de 3.5%
em 2017 e 2018, o que representou um aumento de 1.4% em relação a 2016. De acordo
com o mesmo relatório a maior dinâmica para este crescimento é dada pela África
Oriental que em 2018 teve o PIB de 5.7 por cento, seguida por Norte de África com 4.9
por cento, África Ocidental com 3.3 por cento, África Central com 2.2 por cento e a
África Austral, com 1.2 por cento.
25 Este desempenho é explicado a partir, por exemplo, das reformas fiscais que o
continente africano tem vindo a implementar desde os anos 2000, o que contribui não
apenas na consolidação orçamental através do aumento das receitas fiscais, como
também, na disciplina de planificação, através da redução da despesa pública de modo a
reduzir o rácio despesa/receita.
26 Todavia, o relatório reconhece que apesar de o crescimento económico de África ser
bem maior quando comparado com outras regiões do mundo desenvolvido e das
economias emergentes, ele é insuficiente para enfrentar os desafios estruturais dos
persistentes défices orçamentais, da balança corrente, da vulnerabilidade ao
endividamento, à desindustrialização, economia baseada na informalidade, baixa
produtividade e incapacidade de criar emprego de qualidade.
27 Ao mesmo tempo que se assistem algumas melhorias no continente, os níveis de
endividamento do continente tende a aumentar, embora não representando risco
sistémico de uma crise da dívida. A partir de dados disponíveis de 52 países africanos, o
Banco Africano de Desenvolvimento (2018) classifica os países africanos em dois grupos,
os com rácio dívida/PIB abaixo dos 40% (Argélia, Botsuana, Burquina Faso e Mali) e os
com rácio dívida/PIB acima dos 100% (Cabo Verde, Congo, Egipto, Eritreia, Moçambique
e Sudão). Este último grupo de países é considerado pelo relatório como aquele que
apresenta elevado risco de sob endividamento e que é insustentável.
28 Para além da insustentabilidade do endividamento da maioria dos países africanos, a
desindustrialização e o carácter informal da economia africana tem gerado, de entre
várias consequências o desemprego. Estudos indicam que o rápido crescimento da
população em idade activa em África tendo atingido 705 milhões em 2018 com
tendência para alcançar um mil milhão em 2030 o que faz com que África precise de
gerar em média 12 milhões de empregos ao ano para impedir que o desemprego
aumente. Dados actuais apontam que um aumento de 1 por cento no PIB apenas
aumentam em 0.40 por cento no emprego, o que significa, de acordo com o relatório do
Banco Africano de Desenvolvimento (2019) que o emprego se expande a menos de 1.8%
ao ano. Esta situação irá lançar ao desemprego mais de 100 milhões de desempregados
até 2030, juntando aos actuais desempregados.
29 Estes resultados revelam um paradoxo, uma vez que o continente africano possui
"22.5% da terra do globo; 30 milhões de quilómetros quadrados; mais de 10% da
população mundial, podendo duplicar até 2050; contém 30% das reservas naturais mais
conhecidas e cobiçadas do mundo" Saraiva (2015:36). O autor aponta ainda que África
possui mais de 90% das reservas de platina, 66% do diamante mundial; 58% do ouro;
45% do cobalto; 17% de manganês; 15% de bauxita; 15% de zinco e petróleo, em síntese
guarda no seu subsolo mais de 30 tipos de recursos mais cobiçados do mundo.

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30 Considerando que continente detém apenas 1% das indústrias mundiais, a sua


participação no comércio mundial é de apenas 2%. A menor participação no comércio
internacional pode ser associada a baixa produtividade e, consequentemente, baixo
poder para exportar o que alarga a dívida externa que em 1999 estava acima de 300
bilhões de dólares norte-americanos. Mais de 47% da sua população, no mesmo período
vivia abaixo da pobreza absoluta, a taxa de mortalidade infantil continua acima de 150
crianças por 1000, a esperança de vida é de 56 anos e 58% da sua população não tem
acesso a água potável abaixo de 20% não tem acesso à electricidade, 18 linhas
telefónicas em cada 1000 habitantes, quando o padrão internacional é de 567.
31 De acordo com Haffner e Viana (2013) a renda per capita africana caiu 20% desde 1980,
particularmente na África subsaariana. O Investimento Directo Estrangeiro (IDE) no
continente corresponde a menos de 5% do total obtido pelos países em via de
desenvolvimento. Palhares (2004), citado por Haffner e Viana (2013) acrescenta que, além
do fraco IDE recebido, os países pobres transferem mais recursos do que recebem dos
países desenvolvidos e das organizações multilaterais.
32 Não obstante a relevância do exame sobre o volume do IDE no continente, mas, o mais
importante na analise deve ser o padrão de comportamento das multinacionais e/ou
transnacionais. As multinacionais representam nos dias actuais a forma de colonização
sofisticada, neocolonialismo, portanto, pois, são elas que pilham as riquezas africanas,
em nome de reassentamento tornam as populações nos locais de extracção de recursos
naturais cada vez mais pobres. No seu casamento com o poder político, usam os
recursos financeiros públicos para a criação, por exemplo, de infra-estruturas
eléctricas, revê viária, portos, demandam, igualmente, a segurança do Estado.
33 Tomando como exemplo o projecto de exploração e construção de gasoduto para
exportação de petróleo – Pipeline Petroleum Development Project entre Chad – Camarões
nota-se como indica Sikod (2006) que as comunidades locais ficaram cada vez mais
pobres após a extracção do petróleo. Trata-se de um projecto aprovado pelo Banco
Mundial com um investimento de $ 3.7 biliões dos consórcios Exxon-Mobil, PETRONAS
of Malaysia e Chevron que detêm 80% das acções. O petróleo está sendo explorado no
Chad e os gasodutos num percurso de 1.070 km passam por Camarões. É no entanto,
joint-venture entre os três consórcios e os governos de Chad e Camarões, através das
empresas Chad Oil Transport Company e Cameroon Oil Transport Company, respetivamente.
34 O autor aponta que a construção dos gasodutos e demais infraestruturas para este tipo
de projetos terminou em Junho 2003 e as estimativas apontavam para a produção de
250.000 barris por dia, podendo gerar $ 9 bilhões por ano durante 25 anos. Deste valor $
8.6 bilhões são para o consórcio Exxon-Mobil, Petronas of Malaysia e Chevron, $ 1.7
bilião para o governo de Chad e $ 0.5 bilião para o governo de Camarões. Todos os
royalties, taxas e outros impostos são para o governo chadiano e pela passagem dos
gasodutos o governo dos Camarões ganha $ 500 milhões.
35 A construção de gasodutos de acordo com Sikod (2006) abrangeu 27 comunidades rurais
de camponeses, pescadores, caçadores, etc. Apenas 15 destas comunidades possuíam
mercados durante a construção do gasoduto e percorriam longas distâncias a pé para se
fazer ao centro de saúde, à escola entre outros serviços públicos e usam meios de
transportes como a bicicleta, a motoriza e carinhas de tração animal. O gasoduto
destruiu, como era de esperar, machambas, florestas, habitações, fruteiras, zonas de
pastagem de gado, cemitérios familiares, locais de culto e infraestruturas de utilidade
locais. Como compensação, o consórcio prometeu como indica Sikod (2006) a

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construção de infraestruturas como estradas, escolas, centros de saúde, mercados para


além das indemnizações pelos danos gerados pela destruição de benfeitorias locais.
Foram, igualmente, prometidas oportunidades de emprego, geração de pequenos
projectos para auto emprego, como costura, carpintaria, serralharia, mecanização da
agricultura familiar, criação de condições para a cadeia de produção, agro
processamento, etc. Para o autor, o que as comunidades rurais perceberam é que todas
elas teriam oportunidades iguais, as desigualdades sociais iam reduzir, a pobreza ia
acabar, os direitos humanos seriam observados, etc., ou melhor, havia chegado o take off
rumo ao desenvolvimento local.
36 Apesar desta percepção, a experiência da maioria das populações africanas e sobretudo
das organizações internacionais governamentais e não governamentais, mostra uma
tendência de oposição à implementação deste tipo de projectos devido aos seus efeitos
negativos, ou seja, tornam as comunidades rurais cada vez mais pobres. Exemplo desta
objecção podem ser encontradas, em Moçambique tanto para a instalação das
multinacionais como Mozal, Vale Moçambique, Sasol, quanto para o fracassado projecto
ProSavana.
37 Para o caso do Pipeline Petroleum Development Project entre Chad – Camarões Sikod
(2006:7) aponta que ouve uma série de revindicação locais e apoiadas pelos partidos da
oposição e sociedade civil para não se implementar o projeto. As revindicações
tomavam como base os resultados negativos gerados na Nigéria pela Shell BP onde as
populações tendem a sabotar através de revindicações, barricadas e greves constantes
dos trabalhadores locais. No projecto Chad – Camarões, as revindicações foram
lideradas pelas Organizações Não-Governamentais (ONG´s), activistas como
ambientalistas, organizações dos direitos humanos, partidos da oposição, camponeses e
comunidades locais.
38 O resultado desta oposição, o consórcio convidou o Banco Mundial como consultor para
avaliar o grau do risco do projeto nos vários domínios da viabilidade técnica, ambiental,
social, económica e financeira. Os resultados da análise da viabilidade técnica do
projeto foram animadores e os governos de Chad e Camarões ficaram convencidos que
havia maior probabilidade de gerar benefícios sustentáveis tanto para os governos e
sobretudo para as comunidades locais. Este resultado foi politicamente socializado o
que reduziu o ativismo das ONG´s e das comunidades locais que revindicam a
implementação do projeto.
39 Uma das dimensões da viabilidade do projeto era gerar emprego numa altura em que
30% da população de Camarões era desempregada, o governo perspetivava reduzir a
taxa de desemprego. Neste domínio, Sikod (2006:8) aponta que durante a construção do
projeto e sobretudo dos gasodutos, mais de 13.000 pessoas das comunidades locais
foram empregues. Para além de oportunidades de empregos, alguns jovens tiveram
oportunidades de formação técnica em várias universidades.
40 Todavia, a maioria sem formação, foi empregue em trabalhos sazonais e sem contrato
para realizar tarefas relacionadas com segurança, trabalhos domésticos, limpeza da via
por onde os gasodutos passariam, etc. Porém, na tentativa de garantir que todas as
comunidades por onde o gasoduto passaria deveriam ser empregues foi adotada a
metodologia de que a limpeza desses locais deveria ser feita pelas pessoas proprietárias
das machambas e florestas. Esta metodologia, fez com que as famílias com maiores
extensões de terra trabalhassem mais tempo do que as demais, chegando a estar
empregues por 60 dias e ganharam mais dinheiro diário do que as outras. Para reduzir o

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efeito negativo gerado pela disparidade no tempo de trabalho em limpeza, as pessoas


provenientes de famílias sem maiores porções de terra foram empregues em outras
atividades como trabalhos domésticos em casas de trabalhadores estrangeiros, o que
demonstra uma das facetas da precaridade do projeto.
41 Considerando que mais de 50% dos 1.070 km está do lado de Camarões, as comunidades
deste país tiveram mais tempo de trabalho em atividades de limpeza do que os
chadianos. Para além disso, os camaroneses e estrangeiros tiveram mais oportunidades
de emprego e de aquisição de novas habilidades técnicas através da formação do que os
chadianos.
42 Os ganhos das comunidades locais não se limitam apenas no emprego e oportunidades
de formação técnica, mas também, como aponta Sikod (2006), nas compensações
individuais, comunitárias e regionais. Mais de 4.000 pessoas foram compensadas pela
destruição das suas casas, machambas, corte de árvores, etc. Os valores de compensação
variavam de 9.000 a 12.000.000 FCA francs. A compensação comunitária estava
relacionada com a passagem do gasoduto gerando impactos a vários níveis, um dos
quais ambiental. A compensação regional é aquela paga a mais de uma comunidade
devido a fatores negativos criados ao ecossistema e destruição de infraestruturas
comunitárias. O projeto prévia ainda responsabilidade social construir e equipar
escolas, centro de saúdes, mercados, estradas, mecanização agrícola, acesso a água
potável, etc.
43 Ainda que fracas em termos de capacidade negocial, as ONG´s estiveram envolvidas não
só como observadores do processo das compensações ainda que os valores tenham sido
impostos às comunidades, mas também, na educação cívica das pessoas sobre a
alteração das condições locais o que poderia propiciar o surgimento de doenças como
HIV/SIDA, conflitos, sobre a segurança necessária em relação à maquinaria que seria
movimentada, educação financeira, poluição, etc.
44 Apesar de tantos artefactos educacionais e de advocacia criada, a participação das
comunidades foi fraca devido à falta de capacidade para negociar projetos de grande
magnitude como este. O mais importante para as comunidades era receber o dinheiro
sem, no entanto, conhecer as implicações futuras do projeto, o que faz com que se
afirme com segurança que o projeto não internalizou os seus objetivos às comunidades
locais, ou seja, não gerou o esperado desenvolvimento local.
45 O estudo de Sikod (2006) mostra como resultados do projeto para as comunidades o
acesso, por exemplo, a água potável à electricidade, construção de salas de aulas,
mudanças significativas na produção agrícola, na pesca, no comércio local, para além,
da recepção pelas comunidades de uma parte das taxas pagas pela exploração do
petróleo. Em termos de grau de satisfação das comunidades locais, mais de metade das
pessoas que recebeu compensações afirmou nas entrevistas de Sikod (2006) que estava
satisfeita e que consegui melhorar a condição de vida.
46 Porém, com o aumento de procura de produtos alimentares e outros de utilidade local
fez com que o preço de produtos básicos disparasse o que teve impacto negativo nas
pessoas que não receberam directamente compensações individuais e ainda que não se
fizeram empregar. Uma relativa concentração de recursos em algumas famílias gerou
divórcios, desintegração das famílias e consequentes implicações negativas na vida das
crianças. Gerou igualmente, prostituição, aumento de gravidezes, abortos e

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consequente demanda pelos serviços de saúde, o que teve implicações negativas na


qualidade dos serviços devido à maior procura.
47 Apesar da satisfação de uma parte dos entrevistados de Sikod (2006) nas 27
comunidades de Chad e Camarões, outra parte afirmou que não ouve mudanças
significativas nas suas vidas. Para este grupo de entrevistados, o projeto trouxe novos
problemas mais piores do que os anteriores. Trata-se de problema a prostituição,
alcoolismo, criminalidade, desintegração das famílias, drogas, inimizades entre
vizinhos como resultado de acesso diferenciado nas oportunidades de emprego no
projeto. Os entrevistados deploram ainda, a baixa qualidade das infraestruturas
construídas, algumas das quais sem equipamento, sem professores e enfermeiros e
médicos.
48 A realidade do projeto Chad – Camarões é comum em países africanos e outros do
hemisfério Sul. Em Moçambique, por exemplo, a experiência da Sasol, da Mineradora
Vale Moçambique, do ProSavana, da Total em Cabo Delgado que acaba de colocar o país
numa catástrofe sem precedentes entre outros projetos que não geram
necessariamente mudanças significativas no bem-estar social, mas sim, no crescimento
económico são exemplo do poder geopolítico das multinacionais através dos governos
de origem.
49 Para além dos recursos naturais as calamidades naturais são outro factor importante
quando se analisam as causas do subdesenvolvimento em África. Neste artigo, foi
tomada como exemplo a triste e penosa realidade de Moçambique que de forma cíclica
o desenvolvimento deste país tem sido retardado pelas calamidades naturais.
50 O relatório do Banco Mundial (BM) e Ministério de Economia e Finanças (MEF) de
Moçambique de 2017, aponta que Moçambique e ciclicamente afetado por cheias,
ciclones, secas, erosão costeira, aumento do nível do mar e sismos e ao mesmo tempo
esta exposto a tsunamis e deslizamento da terra que nos últimos anos tendem a serem
mais intensos e com destruições catastróficas. O relatório mostra que quanto mais o
tempo passa, o país tende a sofrer mais por calamidades naturais. De acordo com o
relatório, entre 1956 a 2016, Moçambique registou a ocorrência de 71 eventos
calamitosos, como cheias, secas, tempestades, sismos e deslizamento de terra. Dos 71
eventos calamitosos, 56 são cheias e tempestades, 13 são registos de secas e os demais
correspondem a sismos e deslizamento de terra.
51 Não obstante os dados do relatório do BM e MEF de Moçambique de 2017, o estudo mais
profundo do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades realizados em 2019 relativo
ao período de 2000 a 2012 mostra uma evolução fenomenal das calamidades naturais no
país. De acordo com o estudo, no período em alusão, o país registou 1.315 eventos
calamitosos, sendo que em apenas 4 anos, 2002 a 2006, Moçambique registou cinco
sismos. O estudo do INGC citado pelo relatório do Banco Mundial e Ministério de
Economia e Finanças indica que dos 1.315 eventos calamitosos, 741 secas, 437 cheias e
137 ciclones.
52 A distribuição dos eventos calamitosos pelo país no período de 2000 a 2012, mostra que
as províncias de Gaza, Inhambane e Tete são ciclicamente e de forma intensa mais
afetadas pelas secas, com uma frequência de 162, 120 e 112, respetivamente. O mesmo
estudo do INGC de 2019 citado pelo Banco Mundial e Ministério de Economia e Finanças
de Moçambique de 2017 mostra que as províncias que com maior frequência registam

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cheias são Tete (77), Sofala (73), Zambézia (66), Maputo e Manica (40) e Cabo Delgado
(32).
53 A frequência das cheias no período estudado pelo INGC foi maior no mesmo período nas
províncias de Nampula (53), Gaza (48), Inhambane (27) e Sofala que registou ocorrência
de cheias 19 vezes. O dado substancial não deve ser o de entender que estas são as
províncias que registam calamidades naturais, mas sim, todo o país, sendo que no
período de 2000 a 2012, as províncias acima indicadas registaram maior frequência
quando comparadas com as demais.
54 Relativamente a ocorrência de sismos, o relatório do Banco Mundial e Ministério de
Economia e Finanças de Moçambique de 2017 apresenta dados sobre os anos de
ocorrência, as províncias e a magnitude, conforme indica a tabela, abaixo:

Tabela 1: Dados sobre sismos em moçambique, segundo as províncias e magnitude.

Período Localização Magnitude

2002 Costa de Moçambique 5.0

2006 Manica 7.2

Março 2010 Nampula ….

Setembro 2010 Beira 3.6

2012 Centro de Moçambique 4.6

2015 Costa de Moçambique 4.7

Fonte: Banco Mundial e Ministério de Economia e Finanças de Moçambique, 2017

55 Apesar de o estudo não estimar e explicar o significado de cada magnitude, o


importante é compreender que Moçambique é ciclicamente afetado, também, por
sismos nas diferentes regiões do país. No entanto, o estudo mostra o efeito das
calamidades naturais no Produto Interno Bruto (PIB), sendo os anos de maior destaque
2000 com 8.96%, 2013 com 3.23%, 2001 com 2.63% e 1984 com 2.22%.
56 Em Moçambique, 58% e 37% da população está exposta a pelo menos uma e duas
ameaça hidrometrologica, respetivamente. Os eventos calamitosos de 2000
representam a mais destrutivas dos últimos 100 anos do país e adicionam se os de 2013
que tiveram impactos financeiros mais profundos no orçamento do Estado, conforme
indicam os dados acima. Na mesma perspetiva Manjoro, Rosse e Ferreira (2020)
mostram que as chuvas que começaram em Outubro de 1999 até Janeiro de 2000
situavam se a 70% acima do normal e dada a alta intensidade na Africa do Sul, a
montante, portanto, os rios Incomati, Umbeluzi e Limpopo transbordaram causando
mortes e destruições jamais vistas, sendo o maior epicentro a província de Gaza.
57 A combinação de cheias na região sul de Moçambique de ventos de até 192 km ̸ hora e
no centro com os ciclones Eline causou a morte de 700 pessoas, gerando 500.000
deslocados e cerca de 12% de áreas cultivadas destruídas, perda de gado bovino. Os

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custos financeiros destas adversidades são estimados em $600 milhões, tendo regredido
o crescimento económico de 7.5% para 6.4% em 2000.
58 Os anos de 2008 e 2013, bem como 2015 e 2016 registaram, igualmente, efeitos
calamitosos de magnitude considerável, caracterizados por chuvas fortes, inundações,
cheias, num custo de $384 milhões, correspondente a 2.4% do PIB. Os autores apontam
ainda que o ano de 2016, caracterizou se pela escassez de precipitação em toda a Africa
Austral devido ao fenómeno de El Niño, tendo sido, o período mais critico dos últimos 35
anos em termos de falta de chuva e afectou mais de 1.5 milhão de pessoas em todo o
país.
59 Em 2017, a costa da província de Inhambane foi severamente afetada pelo ciclone Dineo
e cerca de 600 mil pessoas foram directamente afetadas. A partir da tabela anterior que
cita o estudo de Manjoro, Rosse e Ferreira (2020) nota se que entre 2006 a 2015,
Moçambique foi fustigado por 55 eventos calamitosos que incluem, inundações, cheias,
secas ciclones tropicais tendo afetado 2.739.976 pessoas em todo o país. Todavia, o
estudo da Federação Internacional das Sociedades Nacionais de Cruz Vermelha e do
Crescente Vermelho (2008) citando Queface (2019) ao globalizar dados sobre epidemias
e terramotos diversas aponta para 67 eventos catastróficos que afetaram Moçambique
entre 1956 a 2008, tendo causado 105.288 mortes e afetado 25.803.847 pessoas, o que
corresponde a aproximadamente, atualmente 100% da população moçambicana.
60 De acordo com Manjoro, Rosse e Ferreira (2020) citando Muzell (2019), o ciclone IDAI foi
o mais forte que atingiu Moçambique depois do Eline e é de categoria 3, com uma
intensidade e velocidade de ventos de 200 km ̸ hora. O Instituto Nacional de Gestão de
Calamidades aponta 518 pessoas mortas, 1.641 feridos e 146 mil deslocados e acolhidos
nos vários centros criados para o efeito.
61 Enquanto o ciclone tropical IDAI fustigou o centro de Moçambique em particular a
província de Zambézia e as cidades da Beira, Dondo e Búzi, o ciclone Kenneth atingiu
severamente a região norte do país, porém, com maior intensidade considerando que os
ventos e chuvas tinham a velocidade de 215 km ̸ hora. Não obstante a maior velocidade
dos ventos do ciclone Kenneth, a experiência do Instituto de Gestão de Calamidades
sobretudo adquirida no IDAI, ajudou para reduzir o efeito negativo deste. Mesmo com
essa experiência, foram contabilizadas 41 mortes e 34 mil pessoas abrigadas em centros
de acomodação, sendo 14% a estimativa de destruição de infraestruturas como escolas,
centros de saúde instituições governamentais, privadas, habitações, etc. O ciclone
Kenneth atingiu de forma severa a Ilha do Ibo e com relativa intensidade os distritos de
Quissanga e Macomiana província nortenha de Cabo Delgado.
62 Em termos de efeito financeiro e humanos, o relatório do Banco Mundial e Ministério
de Economia e Finanças de Moçambique de 2017 indica que em 14 anos, 2000 a 2014, o
país perdeu 7.543 milhões de Meticais. Nos anos de 2000, 2001, 2007 e 2013, o país
registou eventos calamitosos de maior intensidade e destruição. No mesmo período
mais de 122.000 pessoas foram afetadas anualmente por inundações, gerando um custo
anual de $440 milhões, contra $20 milhões como resultado dos efeitos gerados por
secas.
63 Por sua vez, o estudo do INGC aponta que entre 2009 a 2015, Moçambique gastou 562
milhões de meticais para a reconstrução de habitações destruídas pelas calamidades
naturais. Dos quais 120 milhões de meticais foram destinadas para reconstrução de
infraestruturas da educação, 2.178 bilhões de meticais para a reconstrução de estradas
e pontes, 308 milhões de meticais para a agricultura. Estes dados não incluem os custos

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em planos de contingências e cuidados com os afetados, o que totaliza 4.303 bilhões de


meticais. A ajuda humanitária nacional e internacional no contexto do ciclone IDAI foi
de 270 milhões de meticais.
64 A breve descrição sobre as calamidades naturais tomando como exemplo Moçambique,
permite compreender que estas são um factore relevante para explicar o
subdesenvolvimento africano, ainda que a frequência e a intensidade destas seja
diversificada ao nível do continente. Como foi evidenciado, as calamidades naturais não
só afetam as infraestruturas como também, causam mortes de pessoas e prejudicam a
produção e produtividade agrícola.
65 Da perspetiva económica percebe-se que existem fatores exógenos e endógenos
importantes para explicar a pobreza africana. Mas estes fatores devem ser analisados
considerando igualmente, o contexto histórico do continente. É assim que o texto que
se seguem examina como a dependência de trajetória explica a situação de penúria
africana.
66 Partindo de uma perspetiva histórica, Dias, Lúcio e Coelho (2014), por exemplo, ao
analisar a corrupção em África como causa da pobreza concluem que os legados
coloniais (entendidos enquanto conjunto de instituições formais e informais herdadas
das antigas potências colonizadoras após os processos de descolonização)
desempenham um papel relevante na explicação dos níveis de corrupção dos países da
África subsaariana. Para associar a pobreza com a corrupção, os autores afirmam que o
custo pela prática de corrupção foi de 150 bilhões de dólares em 90% dos estados
africanos em 2008. O valor da corrupção é na óptica dos autores, sete vezes maior que o
valor da ajuda externa a África pelos países da Organização Económica para Cooperação
e Desenvolvimento (OECD). Apesar de os autores reconhecerem que o cenário
característico da corrupção não é homogéneo, apontam que:
os regimes políticos despóticos, subdesenvolvidos, com populações doentes e
malnutridas, frequentemente envolvidos em conflitos sem fim à vista, ricos em
recursos naturais e controlados por oligarquias que se apoderaram dos recursos
estratégicos estão presentes na maioria dos estudos sobre corrupção que se
debruçam sobre o continente africano contribuindo para a imagem de instabilidade
que assombra esta parte do planeta.
67 A partir da teoria neo-institucionalista, os autores consideram importante a variável
legado colonial (instituições herdadas) para explicar a situação da corrupção e da
pobreza em África. As relações de dependência económica entre ex-colónias e ex-
metrópoles são igualmente consideradas fundamentais para o exame da relação entre a
corrupção e a pobreza. Como se pode notar, as heranças coloniais, neste caso o tipo de
instituições e sistemas públicos herdados, constituem o factor central que deve ser
analisado para perceber os problemas africanos.
68 Assim, a descolonização do continente com valiosos recursos naturais cobiçados pelas
potências imperialista não foi capaz de gerar instituições autónomas e soberanas. Dado
que o que ocorreu não foi necessariamente a eliminação do colonialismo, mas sim, a
criação de condições de gestação de neocolonização, como consequência do complô
deste com a nova “burguesia africana”. Para demonstrar como ocorre o casamento
entre as antigas metrópoles com as novas lideranças africanas, Dias, Lúcio e Coelho
(2014) recorrem à narrativa de elite capture na qual as elites africanas fazem uso do
poder para enriquecer à custa dos recursos que controlam. E como não têm capital para
investir na exploração dos recursos naturais, usam o capital das metrópoles, gerando o

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patrocinado, nepotismo e clientelismo. Este comportamento não é produto apenas de


atitude deliberada africana, mas também, de condicionalismo das potências ocidentais
no acesso ao mercado e outros bens valiosos no processo de desenvolvimento das
nações.
69 O produto da relação antiga colónia e metrópole não gera apenas corrupção, mas
também, conflitos armados que Collier (2007) os designa por armadilhas. O autor
aponta que 73% das pessoas que vivem em países pobres sofreram recentemente uma
guerra civil3 ou ainda algum tipo de conflito da mesma natureza. Mas o facto de um país
ter sofrido algum tipo de guerra ou conflito armado significa armadilha explicativa da
pobreza absoluta? De forma categórica o autor responde que não e, tomando como
exemplo, as guerras na Grã-Bretanha, Estados Unidos de América (EUA) e na Rússia, nos
séculos XVII, XIX e XX, respectivamente. Vê-se claramente que apresentam a brevidade
e não ocorrência de forma cíclica como característica importante para não impactar o
desenvolvimento. Como se sabe, a guerra é um factor que impede o crescimento
económico, ainda que este não signifique necessariamente o desenvolvimento social.
Mas o mais importante para Paul Collier não é apenas o estado de guerra ou de conflito,
mas sim, questionar se a propensão de um país para a guerra explica as diferenças entre
países em termos de crescimento económico e por esta via poder se induzir o
desenvolvimento social?
70 Na busca de resposta a esta questão, o autor analisa as causas da guerra e aponta quatro
dimensões explicativas: sociais, políticas, geográficas e económicas. Na dimensão
económica, Collier (2007:37) aponta que “é muito mais provável que arrebente uma
guerra civil em países de baixo rendimento: se reduzirmos para metade o nível de
rendimento inicial do país, duplicamos o risco de conflito interno”. Apesar de o autor
problematizar a sua conclusão ao questionar se a guerra civil torna um país pobre ou a
pobreza é que torna um país propenso a guerra civil, a sua ilação é clara, ao afirmar que
existe uma relação de interdependência. O que significa que a pobreza pode levar à
guerra, bem como a guerra gera pobreza. Em termos estatístico, o autor estima em 14
por cento4 o risco de eclodir guerra civil num país de baixa renda em cinco anos. O que
explica esta situação na visão do autor é que a eminência de guerra é factor
fundamental para a fuga dos investidores e por via disso, a economia se afunda.
71 O espectro de pobreza que atravessa o trajecto histórico de em Moçambique, por
exemplo, confirma as inferências de Paul Collier. A primeira dimensão analítica neste
sentido pode ser encontrada basicamente não ausência da paz desde que o país se
constituiu em Estado soberano. O período que vai desde 1992 (acordo de paz) até os
anos 2000 não significou paz absoluta, mas relativa, pois, foi caracterizado por
instabilidade política, no sentido absoluto do termo.O que significa um atentado contra
as leis e as regras constitucionais vigentes no país. E no sentido, instabilidade
políticarestrito é o uso da força física e da intimidação moral envolvida no conflito
entre grupos políticos, isto é, movimentos e organizações, estatais ou não, que têm
conteúdo ideológico ou simplesmente concorrem pelo controlo do poder político. Como
bem lembra Karl Marx e na mesma visão de Collier, a instabilidade política é gerada,
principalmente pelo factor económica, o que provoca efeitos no aparelho do Estado e
na estrutura jurídico-político. Caracteriza-se pela violação das normas sociais
legalmente estabelecidas e se manifesta sob várias formas: a desiquilibrada distribuição
e circulação de recursos, a corrupção, violação dos direitos humanos, a intimidação,
falta de liberdade de expressão, a marginalização, descriminação, crime violento, etc 5.

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Para quem acompanha o contexto político africano em geral e de Moçambique em


particular nota que a maior carência das populações está associada a ausência da paz.
72 O que evidencia em Moçambique o pensamento de Collier de que eminência de guerra é
factor fundamental para a fuga dos investidores é o recente ataque pelos insurgentes a
Palma a 24 de Março de 2021 que fiz com que a petrolífera francesa, Total, anunciasse a
retirada de todo o pessoal alegando motivos de força maior. E em Maio de 2021, o Banco
de Moçambique anunciou a possibilidade de abrandamento do crescimento económico
como resultado da retirada da Total. Igualmente, estudos realizados por vários autores
como, por exemplo, Feijó (2020) e Rogeiro (2020) sobre Cabo Delgado, apontam que a
pobreza, a exclusão e as desigualdades sociais são causas explicativas de adesão dos
jovens ao terrorismo. O ponto central que explica estas ilações é de que ainda que não
se trate de uma guerra civil, mas sim, de terrorismo internacional que procura
controlar os recursos energéticos como petróleo e gás, a pobreza torna os jovens de
CaboDelgado presas fáceis e baratas num contexto de desespero causado pela pobreza
extrema.
73 Estudo realizado na Nigéria por Aderoju (apud Collier, 2007) mostra três características
fundamentais para adesão ao grupo rebelde na região do Delta do Níger,
nomeadamente: ser jovem, sem educação e não ter dependentes. Paradoxalmente, o
estudo mostrou que a ausência na região de exploração de recursos naturais de serviços
públicos básicos não tinha nenhuma relação com a propensão à violência.
74 Neste caso, a descoberta de recursos energéticos em Cabo Delgado e demais países
africanos que vivenciam conflito é factor explicativo de pobreza. O pressuposto básico
em vários estudos como Collier (2007), em Amigos da Terra Internacional (2021), Feijó
(2020) e Rogeiro (2020) é de que a descoberta de valiosos recursos naturais num
contexto de pobreza extrema tem se constituído uma armadilha importante para o
aumento do risco de grande magnitude para a pobreza extrema. Collier (2007) mostra
que a abundância de recursos naturais gera renda ou “excesso de receitas não
trabalhadas” colocando o país, não só dependente destes, mas negligenciando outros
sectores tradicionais e importantes da economia. São raros os casos nos quais existe
abundância de recursos e estes gerem desenvolvimento, como é o caos de Arábia
Saudita e de estados do Golfo Pérsico.
75 A maioria dos países africanos com abundantes recursos naturais, mas pobres, os
recursos para o autor pesam em tais economias, porque estas são muito pequenas e
nem sequer consegue levar as sociedades ao estatuto de rendimento médio (Collier,
2007:60). Então, como explicar que recursos abundantes sejam uma maldição aos países
que os possuem? É a chamada doença holandesa, ou seja, a exportação de riqueza
natural pode fazer com que o valor da moeda do país aumente em relação a outras
moedas, o que torna não competitivas as outras exportações tradicionais.
76 O autor cita a experiência não boa da República do Congo Kinshasa na qual a
dependência relativamente a petróleo, diamantes e outros recursos minerais,
aumentou os riscos de guerra. A mudança de paradigma de muitos governos africanos
no que respeita à diversificação dos produtos de exportação que actualmente se
baseiam na economia extractiva faz com que os antigos grupos locais de garimpeiros
sejam afastados pelo Estado nesta actividade para dar lugar à extracção de recursos
naturais pelas empresas multinacionais e transnacionais. Facto este que acaba criando
grupos rebeldes que com apoio de outras empresas internacionais controlam certas
áreas ricas em recursos minerais, gerando, neste caso, guerra civil.

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77 Angola pode ser tomado como exemplo, no qual a União Nacional para Independência
Total de Angola (UNITA)6 era financiado por diamantes, enquanto o governo do
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) era financiado pelo petróleo. Este
facto, significou que quanto maior for a procura do diamante e do petróleo maior era o
risco da continuação da guerra e vice-versa.
78 O importante para este artigo não é descrever com detalhes os países africanos onde
ocorreram e/ou ocorreram guerras, mais sim, explicitar que a guerra é um dos factores
explicativos da pobreza, paradoxalmente, negligenciado pelos autores de linha
neoliberal quando estudam o subdesenvolvimento em África.
79 Ao assumir este factor Collier (2007:47), por exemplo, fundamenta que em termos
económicos a guerra, tende a reduzir em 2.3% o crescimento económico ao ano,
deixando, portanto, cerca de 15% da população na extrema pobreza. Gera escassez de
medicamentos, fazendo com que a maioria das pessoas não morra em combate, mas
sim, de doenças. A guerra provoca não só refugiados, mas, sobretudo, deslocado que
regra geral deixa tudo nas zonas residência anterior para começar tudo do zero.
Pessoas anteriormente abastadas em Palma, Macomia e demais distritos da nortenha
província de Cabo Delgado em Moçambique, tornaram-se mendigos, pedintes, ou
melhor, dependentes de ajuda de pessoas e organizações de boa vontade nas zonas de
reassentamento.
80 Os campos de refugiados e/ou de deslocados internos por serem na fase inicial centros
de ruptura com serviços do Estado, como educação e saúde, por exemplo, tendem a
serem locais não apenas de incubação do analfabetismo, mas também, de eclosão de
doenças como cólera e malária, Covid-19, criminalidade, entre outros males.
81 Para além da armadilha de conflito e de recursos minerais abundantes, Collier (2007:79)
aponta a interioridade como factor explicativo de pobreza em muitos países, em
particular os africanos. O continente africano tem mais países do interior do que apenas
1% da população mundial que vivem em países do interior. Existe uma tendência em
África de a capital do país não apenas ser o centro político, mas também, económico.
Neste caso, avultadas somas são investidas nas capitais de países interiores, incorrendo
a custos altos de transporte tanto para a distribuição da produção dentro do país
quanto para exportação. Estudos realizados pelo autor em várias capitais da Europa e
América mostraram que os custos de transportes variavam em função de quanto o
vizinho costeiro gastara em infraestrutura de transporte. Neste caso, os países do
interior estão reféns dos seus vizinhos. O autor mostra que o sucesso, por exemplo, da
Suíça ao mar depende das infraestruturas alemãs e italianas, enquanto o sucesso ao mar
da Uganda depende das infraestruturas do Quénia.
82 Assim, as infraestruturas precárias do país costeiro tendem a gerar dificuldades ao país
interior e, o mais gravoso nisto é que este não tem poder de obrigar o outro para
melhorar tais infraestruturas. As dificuldades causadas pelas infraestruturas encarecem
os produtos dos países interiores o que aumentam a pobreza, sobretudo nos casos em
que não existem condições de manufatura. Não é por acaso que o agro processamento, a
criação de empresas manufatureira se mostra não só importante para a conservação
dos produtos, mas sobretudo porque constituem fonte central para geração de
emprego.
83 Ao analisar a importância dos vizinhos fora da dimensão corredor de transporte, Collier
(2007) questiona o valor destes sob ponto de vista do mercado. Retomando o caso da

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Uganda, o autor deplora a situação de estagnação económica do Quénia, a instabilidade


política do Sudão, o genocídio do Ruanda, a desagregação da Somália enquanto Estado,
a catastrófica e histórica situação da República Democrática do Congo (Zaire) e as
conflituosas relações com a Tanzânia. Esta situação não é apenas característica da
Uganda, mas de tantos países africanos, o que lhes coloca em situação de pobreza
extrema. E como sair da pobreza extrema na situação de interioridade e maus vizinhos?
O país deve, como afirma Collier (2007:80) explorar outras oportunidades, como, por
exemplo, tentar manter boas relações diplomáticas com os países ao redor, explorar a
interioridade aérea, encorajar remessas, atrair ajuda externa. Assim, a cadeia de
desenvolvimento poderá ser gerada quanto o país do interior fornece produtos aos
vizinhos costeiros e estes, ao mundo. A busca de outras oportunidades para
desenvolvimento não deve ser característica apenas dos países do interior, mas
também, dos costeiros, porque esta condição não significa necessariamente que será
rico, mas sim, gera melhores condições para exportação.
84 Moçambique, por exemplo, é um dos países costeiros, mas um dos 10 mais pobres do
mundo. As precárias infraestruturas de transportes podem ser tomadas como
elementos explicativos da pobreza dos seus vizinhos, como Malawi, Zâmbia, Zimbabwe
e Botswana.
85 A má governação é um dos factores explorados por Collier (2007) para explicar o
subdesenvolvimento em África. No entanto, o autor abre a análise deste factor,
mostrando que a má governação e políticas públicas ruins não são factores explicativos
se o mercado económico mundial favorecer os produtos de exportação deste país. Dado
que a governação e políticas públicas são compostas por factores multidimensionais e
que não explicam da mesma forma e sempre o seu efeito sobre a economia. O Chade,
por exemplo, foi classificado em 2005 pela Transparência Internacional como um dos
países mais corruptos do mundo, mas isso não impediu o crescimento económico que
em última instância apresentou tendências de melhorar a vida social. Todavia, estados
com bons governos e com políticas públicas airosas tendem a se desenvolver
rapidamente do que países malgovernados.
86 A afirmação acima parece inferir uma contradição, mas não. O ponto é o favoritismo
que os factores multidimensionais e políticas gerar ao crescimento económico em
países malgovernados, não são factores suficientes para o desenvolvimento. Uma vez
que o desenvolvimento significa a expansão dos resultados do crescimento económico
pelas populações do país.
87 Como se pode notar a maioria dos fatores analisados na perspetiva histórica
apresentam a tendência de serem endógenos (conflitos armados, interioridade, maus
vizinhos e ma governação) e sendo apenas exógeno, o legado colonial. Mas para este
artigo, a plenitude das causas dos conflitos armados, a forma como os recursos naturais
são explorados e as políticas e modelos de governação são, em última analise ditadas a
partir do ocidente. Assim que interessa a este artigo, a análise da perspetiva geopolítica
abaixo.
88 A perspectiva geopolítica centra-se basicamente na forma como os estados africanos
exercem a sua soberania junto aos Estados hegemónicos e aos organismos multilaterais.
A ideia subjacente nesta abordagem aponta que as independências geraram estados
frágeis, isto é, com deficiências no seu ambiente, capacidade e arranjos institucionais
para defendem os interesses do continente para além-fronteiras.

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89 Ao caracterizar os tipos de metrópoles existentes no mundo, Santos (1978) fala de


metrópoles incompletas, aquelas, portanto, que se erradicam em um vasto espaço e
população, mas incapazes de realizar as funções vitais do Estado sem apoio externo e
que na sua maioria, esta ajuda provem dos antigos colonizadores. Este é o espetro que
caracteriza os estados africanos, nos quais as instituições políticas e as políticas
públicas tem a sua génese nas reformas impostas pelas metrópoles.
90 A questão fundamental que se coloca hoje é qual é o papel das organizações regionais
no continente africano e sobretudo da União Africana no que concerne exploração de
recursos naturais de cada um dos países? O que se nota é que cada país negoceia e
rubrica acordos de exploração de recursos com as multinacionais e na maior das
hipóteses com o país detentor da maior fasquia de acções sem o conhecimento e a
participação da União Africana, da organização regional e muito menos dos países
vizinhos. Este facto, pode explicar algumas das tensões entre estados na exploração de
recursos naturais. O resultado deste individualismo é o aumento de conflitos armados,
inimizades, sabotagem caracterizada pela menor cooperação na criação de
infraestruturas de transportes o que afecta sobremaneira os países do interior.
91 No domínio militar, a presença de militares franceses no norte de África, a invasão em
2011 pelas forças da NATO na Líbia, as sanções económicas no Zimbabwe entre outros
casos revelam simplesmente a liberdade dos países africanos na definição da sua
política externa. A falta de unidade dos países africanos em relação à política externa é
que gera negociações e acordos entre estados nacionais e multinacionais. Como bem
defendeu a turma de Nkrumaha criação dos Estados Unidos de África evitaria
vulnerabilidade do continente as multinacionais que após extração de recursos naturais
não geram desenvolvimento, mas sim, problemas piores do que o momento anterior,
como bem ilustrou a experiência do Chad e Camarões.
92 A descoberta e inicio de exploração de petróleo e gás, em Cabo Delgado, norte de
Moçambique, por exemplo, tende a gerar tensão com a Tanzânia, o que pode estar a
revela a falta de coordenação entre os dois países e com a Comunidade para o
Desenvolvimento da Africa Austral (SADC).
93 O estudo de Lee and Vivarelli (2006) mostrou que o fluxo de capitais estrangeiros
através de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) em muitos países em via de
desenvolvimento não gera necessariamente emprego, mas sim, a dinâmica económica.
Todavia, o pressuposto teórico básico do IDE é que este é bom para a dinâmica e/ou
crescimento economia e este por sua vez, é bom para os pobres uma vez que gera
emprego e este alivia a pobreza, o que tem se verificado, de acordo com Lee and
Vivarelli de forma limitada a nível dos países em desenvolvimento. Não obstante a
validade teoria dos pressupostos económicos destes autores, os resultados da extração
de petróleo no Chad, por exemplo, mostram resultados negativos. Os perenes conflitos
armados no Delta do Niger, na Somália, no Sudão, na Republica Democrática do Congo
são evidências de que a falta de unidade dos países africanos torna-os vulneráveis ao
imperialismo financeiro que penetra no continente sob pretexto de IDE.
94 Esta realidade, permite inferir o que causa conflitos armados no continente são
recursos naturais, uma vez que a geografia de recursos naturais em África coincide com
a geografia de conflitos armados. Este facto faz perceber que o problema dos ditos
conflitos étnicos, religiosos é uma falácia que apenas serve para perpetuar tais
conflitos. Dado que para além das chamadas religiões importadas, islamismo e
cristianismo, África detêm as conhecidas por religiões tradicionais africanas que nunca

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foram a causa dos conflitos, mas sim, instrumentos do capital financeiro para
imortalizar a sua hegemonia.
95 Kulipossa citado por Picasso (2003:43) ao analisar os problemas africanos defende que a
crise do Estado em África não representa necessariamente a crise interna, mas sim, a
crise do modelo europeu imposto ao Estado africano. De facto, a construção do Estado
em África ocorreu mediante as imposições das terapias ocidentais, no contexto do
Consenso de Washington de 1986. O facto é que essa imposição não foi capaz de gerar
instituições com ambiente e arranjos institucionais capazes de defender a soberania dos
recéns estados criados. Para Gomide e Pires (2014) ambiente institucional são as
directrizes políticas, económicas e jurídicas que orientam de forma geral, a
institucionalização e funcionamento das instituições estatais. Ao passo que arranjos
institucionais estão associados ao conjunto de regras, mecanismos e processos que
definem a forma particular de coordenação de atores e interesses na implementação
das políticas públicas específicas. O problema africano até confunde intelectuais e a
comunidade internacional quando se fala do ambiente, da capacidade e dos arranjos
institucionais, porque isso, analisado a partir da definição de Gomide e Pires (2014) está
presente em África, mas o problema é como é que isso gera de fato, a construção de um
Estado de Direito democrático, alicerçado na separação e interdependência de poderes,
no pluralismo, na liberdade de expressão, de organização partidária, das associações e
no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.
96 Carothers (1999 apud Knack, 2003:2), por exemplo, se vangloriam amostrando que a
Agência Internacional para o Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID)“gastou
sozinha, US$ 700 milhões em programas de promoção da democracia”. E para este
autor, o resultado foi a democratização de 115 nações em 1995 contra os 58 em 1980.
Das 115 nações, mais de metade fizeram a transição democrática de forma sucedida.
Não cabe aos objectivos do presente artigo analisar o alcance do que significa a
transição democrática em África, não apenas porque o primeiro passo deveria ser o de
questionar se se trata de democracia africana ou de democracia em África, mas porque
parte da extrovertida imagem africana é mais nítida no processo pós-eleitoral.
Independentemente da resposta a dar, a questão seguinte é se essa democracia faz
sentido em África? Sabe-se, porém, a partir de Pedone (1986:9) que para o caso africano
é melhor falar da democracia formal, a que se esgota, portanto, nas eleições rotineiras e
não necessariamente na democracia substantiva, ou seja, aquela que envolve valores
justiça, igualdade, liberdade, pluralismo político, instituições inclusivas que permitam o
acesso igualitário aos bens e serviços, entre outros.
97 A democracia substantiva está associada, como ensina Acemoglu e Robinson (2013)à
criação de instituições políticas e económicas inclusivas. As instituições africanas são
na sua maioria extrativas, fontes do patrimonialismo, do clientelismo, da impunidade,
da corrupção, do crime organizado, o que leva Ngoenha (2015, p.99), a afirmar que “[...]
indivíduos ou grupos de malandros, mafiosos, traficantes, aparecem como
financiadores dos aparatos políticos e isso diminui ou mesmo retira a credibilidade
moral, à política mesmo e à democracia”. A verdade é que as instituições criadas sob
imposição das IBW em África não estão sendo capazes de gerar um ambiente e
capacidade institucional capaz de permitir o acesso a recursos para a vida digna à
população africana.
98 Analisando os problemas africanos numa perspectiva histórica percebe-se que o quadro
institucional criado nos estados africanos e os horrores da escravatura e da pilhagem

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que determinaram na configuração internacional da identidade africana são factores


explicativos da pobreza do continente. Como se sabe, os recursos naturais africanos
continuam sendo não apenas a cobiça mundial, como também, são a causa dos conflitos
armados. Castelo-Branco (2013:100), por exemplo, para mostrar como as multinacionais
operam nos países em via de desenvolvimento cita os jornais The Guardian, The Sky
Newse The Independent, que o Grupo dos 8 países mais desenvolvidos do mundo tem
afirmado que “se as multinacionais pagassem impostos nas economias
subdesenvolvidas em que operam a dependência de ajuda externa tornar-se-ia um
fenómeno do passado”.Para o caso moçambicano, Castel-Branco (2013) equipara as
perdas fiscais do Estado com as multinacionais à:
construção de 250 empresas agro-industriais modernas, de dimensão média,
empregando entre 60 000 a 80 000 trabalhadores; ou à construção de 270 escolas
secundárias; ou ao recrutamento de 20 000 novos professores, com formação
superior, para o ensino secundário, com salários melhorados; ao financiamento
sustentado de todo o sistema de saúde em Moçambique; ou à aquisição e
manutenção de 1600 autocarros novos para o transporte público; ou ao dobro do
custo do subsídio do combustível no país; ou a 60% da dívida interna; ou a metade
geral da ajuda ao orçamento do Estado; ou ao dobro da despesa do Estado com a
agricultura no mesmo período; ou a quase duzentas vezes o valor do pacote público
de apoio às pequenas e médias empresas; ou, finalmente, ao quíntuplo do
financiamento do fundo de iniciativa local 7 milhões (CASTEL-BRANCO, 2013, p. 97).
99 O mais intrigante para o caso de Moçambique é que quando se pretende justificar o
reajuste do preço dos produtos em particular dos combustíveis recorre-se sempre, ao
sistema internacional. No entanto, quando se fala da corrupção, da pobreza, das
eleições, das precárias condições de saúde, da educação, da democratização, entre
outros, olha-se exclusivamente para factores internos.
100 Sem pretender ressuscitar Marx o subdesenvolvimento africano reflecte a forma como
o sistema internacional distribui os meios de produção, em particular destaque a
tecnologia. Assim, para os teóricos da dependência, o subdesenvolvimento está
conectado de maneira estreita com a expansão do capitalismo. Como sai desta situação?
Não existe terapia definida, apesar de o Fundo Monetário Internacional, o Banco
Mundial, entre outras organizações multilaterais ditarem regras económicas. Todavia, é
preciso caminhar numa perspectiva de busca de alternativas dentro ou à margem do
sistema capitalista. É assim que a China, a Coreia do Sul, Singapura, entre outros estão
fazendo. Ou por outras, é preciso como aponta Hans Abrahamsson citado por Picasso
(2003) acreditam que a saída de África do subdesenvolvimento está em aproveitar as
oportunidades estruturais que o sistema internacional oferece ciclicamente.
101 Na perspectiva de Haffner e Viana (2013) a União Africana deverá se mostrar capaz de
fornecer suporte às diferentes instituições, como por exemplo, às instituições ligadas ao
mercado produtivo, à governação, aos partidos políticos e o sistema educacional, ou,
até mesmo, buscar favorecer a integração entre o mercado e o Estado, já que ambos
mostram ser de fundamental importância em qualquer processo de desenvolvimento
social.
102 Para, além disso, a política socialista que inspirou a maioria das independências
africanas era uma democracia popular centralizada que entrava em consonância com o
modelo de exercício de poder tradicional africano. Todavia, os modelos políticos,
económicos e sociais que devem permitir a construção do chamado Estado moderno ao
qual se analisam os indicadores sociais de modo a avaliar se há ou não sucessos foram

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impostos pelo sistema internacional sob comando ocidental. Identifica-se assim o


problema metodológico de avaliação. Objectivos de cunho socialista e próximos ao
modelo do exercício de poder em África na construção do Estado são avaliados
mediante os indicadores de bem-estar ocidental.
103 Assim, ao discutir hoje os problemas da corrupção, da partilha dos recursos entre os
membros da mesma sociedade, deve-se ter sempre presente que as actuais lideranças
africanas ainda não despiram o pensamento de que o exercício do poder político
depende das honras, da simbologia de acumulação de capital. Foi assim desde os tempos
memoráveis, o rei era herdeiro de tudo, das porções de terra, das mulheres, do gado, do
exército, do dinheiro, etc. Apesar do sofrimento pelo qual passa o povo africano, não se
deve esperar que os líderes consigam despir desta nefasta atitude. Compram os
Mercedes bilionários, fazem viagens chorudas, vivem em condições do primeiríssimo
mundo, entre outras formas relacionadas à simbologia do poder, próprios do contexto
tradicional do poder africano mas aplicados ao estado democrático moderno. Deste
modo, mais do que discutir o trajecto histórico de desenvolvimento do continente a
partir de referências do Estado moderno, é preciso adoptar uma metodologia que
permite compreender, primeiro, o modelo simbólico do poder em África. Segundo, o
sentido da democracia, do conceito de corrupção, de partilha, de equidade em África.
104 Qualquer despiste de compreensão dos conceitos acima arrolados na perspectiva
africana irá fazer com que os menos pacientes pela forma como o bolo é dividido e em
nome cidadania e do povo organize golpes de Estado, confrontação armada com os seus
governos. Por sua vez, o imperialismo que tem a sua base económica sedimentada na
indústria bélica, não só agradece, como também, “oferece” tecnologia militar de ponta
e avultados dólares de sangue. A guerra não faz nada do que permitir o recuo aos anos
50, 60, 70 e 80 de África. E os avalistas ocidentais, não só se riem como também, validam
as suas hipóteses de que o africano não tem capacidade e habilidade de se auto
governar é por isso que precisa de ser domesticado, de ser escravizado e daí o
neocolonialismo.

Políticas Continentais Coordenadas

105 Os dilemas e realidades africanas acima descritos devem ser resolvidos através de
políticas continentais coordenadas e capazes de engendrar um bom ambiente,
capacidade e arranjos institucionais de forma a domesticar todo o efeito externo.
Considerando que os problemas africanos são mais preocupantes dado ao seu impacto
negativo nas precárias condições de vida nas populações é preciso que os governos
desenhem boas políticas, ou seja, aquelas que na perspectiva do Banco Mundial (2002)
constituem forças motrizes de redução da pobreza. Como, por exemplo, as de protecção
social ao nível, por exemplo dos trabalhadores. A ausência por exemplo de políticas de
protecção social no contexto de globalização e entrada excessiva de capital externo
gera competitividade no emprego, por exemplo, eleva o custo de produtos devido à
tendência de capitalização local, o que coloca em situação dramática as pessoas que não
têm acesso a esses recursos financeiros. Baixa a exportação dos produtos tradicionais
devido a uma tendência de concentração das políticas governamentais nos novos
produtos extractivos, o que gera não só fome, mas também, desemprego (Jatrpha, feijão
bóer, etc.).

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106 Ao prefaciar a Revista Africana de Desenvolvimento e Governação do Sector Público, o


Editor Chefe, Potgieter (2019) afirma que para a África conseguir concretizar os
Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) deve: i) financiamento sustentável, o
que significa uma ampla consulta sobre as abordagens mais adequadas com os
intervenientes relevantes em todos os sectores; ii) garantir a existência de planos e
programas adequados e o envolvimento em processos destinados a orientar os países
rumo ao uso eficaz dos recursos necessários para a implementação dos ODS; iii)
estabelecimento de parcerias eficazes entre os governos, o sector privado, a sociedade
civil e os cidadãos; iv) uma relação simbiótica entre o Estado e actores importantes no
sector da educação, formação e desenvolvimento como requisito mínimo associado à
capacitação bem sucedida no domínio do desenvolvimento.
107 De modo a reverter a situação de pobreza em África, a Agenda 2063 da União Africana
apresenta sete aspirações que orientam as políticas do desenvolvimento
socioeconómico do continente. Em síntese tais aspirações do continente se orientam
para crescimento inclusivo e sustentável; para integração política baseada nas ideias do
Pan-africanismo e renascentismo; para boa governação; para paz e para papel activo na
arena internacional. Basicamente é de facto este o caminho que o continente deve
trilhar. A questão de base é como percorrer num contexto de fragilidade institucional
que acaba alimentando conflitos armados e corrupção, por um lado e, por outro lado,
está a interioridade da maioria dos países africanos, má governação e relações ténues
entre os estados africanos? Uma ampla coordenação da União Africana sobre as
políticas continentais pode garantir a unidades dos estados africanos o que reduziria a
sua vulnerabilidade externa.

Conclusão

108 O entendimento da existência da dicotomia entre o tempo percorrido de meio século


após as independências africanas e o desenvolvimento socioeconómico das famílias do
continente, tem levantado debates e controversos inconclusivos no que respeita aos
fatores que explicam a persistência da pobreza absoluta. África ressente-se até hoje, de
problemas sérios ligados ao acesso às condições básicas de sobrevivência, tais como,
acesso à água potável, a eletricidade, a habitação, à paz perpetua, às infraestruturas
sociais como, por exemplo, de educação e saúde, de justiça e segurança e ao pleno
emprego.
109 Os estudos que se interessam em analisar as causas do subdesenvolvimento africano
apresentam duas perspetivas antagónica, evocando, portanto, factores endógenos, por
um lado e por outro lado, factores exógenos. A abordagem que orienta o seu argumento
a partir de fatores endógenos tende a domesticar, as causas da indigência africana,
como, por exemplo, os conflitos armados, étnicos, religiosos, terrorismo, pobreza
absoluta, desigualdades sociais, desemprego, vulnerabilidade ao endividamento
externo, criminalidade, corrupção, calamidades naturais, neocolonialismo,
neoliberalismo, dependência externa, roubo generalizado de recursos naturais pelas
forças externas, vulnerabilidade das pessoas a todo o tipo de catástrofes e ineficiência
da burocracia na oferta de serviços públicos de qualidade. Apesar da compreensão do
valor analíticos destes estudos, o paradigma que defende fatores externos se alicerça no
argumento da persistência das variadas formas sofisticadas de operar a colonização no
contexto do neocolonialismo e neoliberalismo. Ou melhor, a colonização de África ainda

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não terminou apenas ocorreu mudança do modelo, já não se trata de pilhagem aberta
do continente, mas sim, da escravatura sofisticada, do saque de recursos naturais via
multinacionais e transnacionais, do uso da força militar em nome da garantia da paz
internacional, do combate ao terrorismo, entre outras formas impercetíveis de operar a
colonização.
110 O presente artigo entra neste debate com o objetivo de analisar os factores que
explicam a persistência dos problemas que impedem a África de desfrutar na plenitude
o produto da sua luta pela descolonização.
111 Para este fim, o artigo assumiu três perspetivas, nomeadamente: geopolítica,
económica e histórica para analisar oito indicadores que são: o projecto de instalação
de gasoduto entre Chad-Camarões (Pipeline Petroleum Development Project), calamidades
naturais, tomando como estudo de caso a penosa experiência de Moçambique, o legado
colonial como factor central da fragilidade institucional e consequentemente da
corrupção e dos conflitos armados, a abundância de recursos naturais, a interioridade
dos países africanos, os maus vizinhos e a má governação em pequenos países.
112 Com base no método indutivo, na abordagem qualitativa e nas técnicas de revisão
bibliográfica, documental conjugados a teorica do neo-institucionalismo histórico, o
artigo conclui que a pobreza africana é explicada a partir de fatores endógenos e
exógenos, simultaneamente. Esta conclusão sustenta em parte, o argumento inicial do
artigo que aponta que a persistência dos problemas, dilemas, estado mais crítico e
profundo da manifestação de pobreza em África desde a luta armada de libertação
nacional até então, não é produto apenas do descaminho nos princípios nacionalistas
gerados pelo pan-africanismo e muito menos pela reemergência dos antigos “amigos de
África”, mas sim, da configuração da geopolítica internacional desfavorável à África.
113 A não sustentabilidade total do argumento inicial está associado ao fato de o artigo não
ter desenvolvido com profundidade a perspetiva geopolítica, o que significaria mostrar
o quanto cada um dos indicadores da indigência africana tem uma relação com o
exterior. Apesar do menor grau analítico da dimensão geopolítica, o artigo provou a
partir da visão histórica, com base no estudo de Dias, Lúcio e Coelho (2014) que analisa
as causas da corrupção em África e que concluiu que a corrupção está associada ao
legado colonial, que igualmente, explica a fragilidade das instituições do continente. A
tenuidade institucional é o fator explicativo de todo um conjunto da precariedade
governamental na oferta de serviços básicos à sociedade. Neste caso, ficou evidente que
as relações de dependência económica entre ex-colónias e ex-metrópoles são factor
importante para o exame da relação entre a corrupção e a pobreza.
114 Por via da debilidade das instituições africanas como consequência da perpetuação da
antiga relação colónia e metrópole que não só gera corrupção, mas também, conflitos
armados, vulgarmente apelidadas como conflitos étnicos, religiosos, golpes de estado,
ditadura, falta de democracia, entre outras formas aperaltadas para incumbir as reias
causas do conflito. O artigo demonstrou a existência de uma relação direta entre a
pobreza absoluta e a guerra e vice-versa. Neste sentido, a captura do Estado pela
metrópole no seu casamento com a elite africana fragiliza as instituições, o que
fundamenta o cenário de penúria do continente.
115 Na dimensão económica, o artigo evidenciou a partir do estudo de caso de Pipeline
Petroleum Development Project entre Chad – Camarões o quanto a entrada das
multinacionais e transnacionais em África é factor explicativo do aumento da pobreza
em África. Contra todas as expetativas, ficou claro que após a exploração do petróleo, as

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comunidades locais do Chad e Camarões ficaram cada vez mais pobres após a extracção
do petróleo. Chad e Camarões é apenas um exemplo, o mesmo acontece, por exemplo,
em Moçambique com as multinacionais Vale Moçambique em Tete, com a exploração
do gás pela Sasol na província de Inhambane, do Rubi em Cabo Delgado. Nestes e
demais exemplos em Moçambique e outros países a nível de África e dos demais países
do terceiro mundo não existem experiências memoráveis do desenvolvimento
socioeconómico como produto do Investimento Directo Estrangeiro (IDE).
116 O artigo assumiu apenas dois dos oito indicadores que analisou como fatores endógenos
que explicam a pobreza africana. Trata-se, portanto, das calamidades naturais e d a
interioridade dos países africanos. Tomando como estudo de caso Moçambique, ficou
evidente entre 1956 a 2016, o país registou 1.315 eventos calamitosos, sendo que em
apenas 4 anos, 2002 a 2006, Moçambique registou cinco sismos. Estes eventos
calamitosos se distribuem em termos de tipologia em 741 secas, 437 cheias e
tempestades, 137 ciclones, 13 são registos de secas, para além de sismos e deslizamento
de terra.
117 Os casos mais recentes estão associados com o ciclone Dineo que afectou directamente
cerca de 600 mil pessoas, o ciclone IDAI que fustigou o centro de Moçambique em
particular a província de Zambézia e as cidades da Beira, Dondo e Búzi, o ciclone
Kenneth atingiu severamente a região norte do país, porém, com maior intensidade
considerando que os ventos e chuvas tinham a velocidade de 215 km ̸ hora. Apesar da
menor intensidade, causou 41 mortes e 34 mil pessoas abrigadas em centros de
acomodação, sendo 14% a estimativa de destruição de infraestruturas como escolas,
centros de saúde instituições governamentais, privadas, habitações, etc, na Ilha do Ibo e
com relativa intensidade os distritos de Quissanga e Macomiana província nortenha de
Cabo Delgado. Destaque vai ainda para o ciclone Eline de categoria 3, com uma
intensidade e velocidade de ventos de 200 km ̸ hora, tendo causado a morte de 518
pessoas, 1.641 feridos e 146 mil deslocados.
118 Como se sabe, os eventos calamitosos causam mortes, distruição de infraestruturas,
inundações gerando perdas em enormes estimados pelo Banco Mundial e Ministério de
Economia e Finanças de Moçambique em 7.543 milhões de Meticais, num período de 14
anos, 2000 a 2014. Apenas nos anos 2000, 2001, 2007 e 2013, o país registou eventos
calamitosos de maior intensidade e destruição, tendo afectado directamente 122.000
pessoas, num custo anual de $440 milhões.
119 Moçambique foi apenas um estudo de caso, sabe-se, porém, que o continente é
ciclicamente afectado pela escassez de precipitação devido ao fenómeno de El Niño,
tendo sido, o período mais critico dos últimos 35 anos em termos de falta de chuva e
afectou mais de 1.5 milhão de pessoas em todo o continente, com particular destaque
para África Austral.
120 Porque a enumeração de casos não resolve o problema, a ideia central deste estudo de
caso é que as calamidades naturais são, igualmente, um factor fundamental quando se
estudam as causas da pobreza absoluta em África.
121 Em termos de recomendação aos estudos futuros, o artigo sugere que seja aferido a
significância estatístico do efeito dois oitos indicadores (exploração dos recursos
naturais pelas multinacionais, calamidades naturais, corrupção, conflitos armados, a
abundância de recursos naturais, a interioridade dos países africanos, os maus vizinhos
e a má governação em pequenos países) sobre a pobreza absoluta.

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BIBLIOGRAFIA
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NOTAS
1. Neoliberalismo de acordo com Anderson (1995) nasce logo depois da II GM na Europa e
América do Norte onde reinava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra
o Estado intervencionista e de bem-estar, seu texto de origem é o livro "O Caminho da Servidão"
de Friedrich Hayek publicado em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer

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tentativa de limitação das forças do mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça
letal à liberdade, à economia e também à política.
2. Apesar de o autor usar a expressão África para explicar as armadilhas de pobreza, ele
reconhece que não é apenas em África onde existe pobreza, por isso, seria aceitável dizer “África
+”. O sinal + como é conhecido na linguagem matemática, significa adicionar, neste caso outro
país que não seja africano, como, por exemplo, Haiti, Bolívia, Laos, CambojaIêmen, Birmânia,
Coréia do Norte, etc.
3. A partir do conceito da Universidade do Michigan Collier (2007:36 e 47) define guerra civil
como sendo um conflito interno que envolve pelo menos mil mortes em combate, com cada parte
a sofrer pelo menos 5 por cento destas mortes e dura, regra geral dura mais de 10 anos.
4. Ao explicar este dado, Paul Collier indica que um aumento em 3 por cento do crescimento
económico do país diminuiria na mesma proporção o risco de guerra, 11 por cento, portanto. Se a
economia se reduz a um ritmo de 3 por cento, o risco aumenta para 16, por cento.
5. Ver dissertaçao de mestrado de Mabucanhane (2009) na qual assume que o conceito de
instabilidade política é amplo e significa a não-política, ou melhor, ausência de uma política de
resolução pacífica dos conflitos.
6. Collier (2007:48) aponta que no início dos anos 90, Jonas Savimbi havia acumulado uma fortuna
estimada em cerca de 4.000 milhões de dólares resultante de controlo das zonas de diamante.
Depois de perder as eleições gastou tudo reivindicando a vitória, reacendendo a guerra civil.

RESUMOS
O sonho da autodeterminação de África como resultado da descolonização não está sendo
observado na sua plenitude. Na análise deste fenómeno, a maioria dos estudos aponta factores
endógenos, o que desautoriza a teoria do neo-institucionalismo histórico que explica os
fenómenos a partir da dependência de trajectória. Este artigo resgata a dependência de
trajectória e orienta-se em três abordagens: geopolítica, económica e histórica. O objectivo é
analisar os factores que explicam a persistência dos problemas que limitam África de desfrutar na
plenitude o resultado da sua luta pela descolonização. O artigo assume abordagem qualitativa,
técnicas de revisão bibliográfica e documental, tomando como base a teorica do neo-
institucionalismo histórico. O artigo argumenta que a persistência dos problemas, dilemas,
estado mais crítico e profundo da manifestação de pobreza em África, não é resultado do
descaminho nos princípios nacionalistas gerados pelo pan-africanismo e muito menos pela
reemergência dos antigos “amigos de África”, mas, da configuração da geopolítica internacional
desfavorável à África.

The dream of African self-determination as a result of desecolonization is not being fully


realized. In the analysis of this phenomen, most studies point out the endogenous factors, which
discredit the theory of historical neo-institutionalism that explains the phenomen from the basis
of path dependence. This article renovate the path dependence trajectory and is guided in three
approach: geopolitical, economic and historical. The objective is to analyze the factors that
explain the persistence of problems that limits Africa enjoy fully the results of its struggle of
decolonization. The article is qualitative approach, bibliographic and documentaary studies
review and historical neo-institutionalism is the basic theory. The article argues that the
persistence of problems, dilemmas, a more critical and deeper state of the manifestation of the

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poverty in Africa, is not a result of the deviation from nationalist principles genereted by Pan-
Africanism, much less by the reemergence of the old “friends of Africa”, but the configuration of
international geopolitics unfavorable to Africa.

El sueño de la autodeterminación africana como resultado de la descolonización no se está


realizando plenamente. En el análisis de este fenómeno, la mayoría de los estudios señalan los
factores endógenos, lo que desacredita la teoría del neoinstitucionalismo histórico que explica el
fenómeno a partir de la dependencia de la trayectoria. Este artículo renueva la trayectoria de la
dependencia del camino y se guía en tres enfoques: geopolítico, económico e histórico. El objetivo
es analizar los factores que explican la persistencia de los problemas que limitan a África a
disfrutar plenamente de los resultados de su lucha de descolonización. El artículo es de enfoque
cualitativo, revisión de estudios bibliográficos y documentales y el neoinstitucionalismo histórico
es la teoría básica. El artículo argumenta que la persistencia de problemas, dilemas, un estado
más crítico y más profundo de la manifestación de la pobreza en África, no es resultado de la
desviación de los principios nacionalistas generada por el panafricanismo, y mucho menos por el
resurgimiento del viejo “amigos de África”, sino la configuración de la geopolítica internacional
desfavorable para África.

Le rêve d'autodétermination de l'Afrique à la suite de la décolonisation n'est pas pleinement


réalisé. Dans l'analyse de ce phénomène, la plupart des études pointent vers des facteurs
endogènes, ce qui réfute la théorie du néo-institutionnalisme historique qui explique les
phénomènes sur la base de la dépendance au sentier. Cet article sauve la dépendance de
trajectoire et est guidé par trois approches : géopolitique, économique et historique. L'objectif est
d'analyser les facteurs qui expliquent la persistance des problèmes qui limitent l'Afrique à jouir
pleinement des résultats de sa lutte pour la décolonisation. L'article adopte une approche
qualitative, bibliographique et des techniques de revue documentaire, basée sur la théorie du
néo-institutionnalisme historique. L'article soutient que la persistance des problèmes, des
dilemmes, l'état le plus critique et le plus profond de la manifestation de la pauvreté en Afrique,
n'est pas le résultat de la déviation des principes nationalistes générés par le panafricanisme,
encore moins la réémergence de l'ancien " amis de l'Afrique », mais, la configuration de la
géopolitique internationale défavorable à l'Afrique.

ÍNDICE
Keywords: underdevelopment; absolute poverty; neoliberalism; african economy; Africa.
Palabras claves: en desarrollo; pobreza absoluta; neoliberalismo; economía africana; África.
Palavras-chave: subdesenvilvimento; pobreza absoluta; neoliberalismo; economia africana;
África.
Mots-clés: sous-développement; la pauvreté absolue; néolibéralisme; économie africaine;
Afrique.

AUTOR
NELSON MABUCANHANE
Doutor em Políticas Públicas na Linha de Estado e Políticas Públicas pelo Programa de Políticas
Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Brasil. É Professor
Auxiliar na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) da Universidade Joaquim Chissano.
Email: mabucanhane.nelson@gmail.com

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Telf.: 82/87 – 8726490 e 842639967.

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