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Introducdo: a globalizacdo hoje DIOGO RAMADA CURTO (PRI- UNL) A globalizacéo esté na ordem do dia. Enquanto proceso ‘enyolvendo formas de interdependéncia e de int écada de oitenta do século xx, Uma reflexio sobre os proble. mas do presente interessada em explorar o impacto dos temas € dos processos de competi¢ao entre Estados ou da expansio colonial e imperial tera de reconhecer a importancia dos mes mos temas da globalizagio e de cartografar as suas areas de expresso. Assim, se 0 estudo dos impérios pode servir para explicar como operaram diferentes tipos de dominacao a uma scala global ~ transcendendo as fronteiras entre os Estados € ‘construindo excalas de andlise transnacionais ¢ transcul ,umaandlise'dos diferentes provessos de global porsua sezoque se reconsi | processos globais, ais como o comércio mundial, o alargamento dossisternas de crédito, as migracacs, forcadas ou nao, que fluxos de mao de obra, as transferéncias tecnolégicas, de saberes; Ede ideias, as redes ¢ circuitos de informacao ou a A difusdo ¢ apropriagio de crengas € religides, etc 105 estudos interessados nos processos de globalizacio tém vindo a orientarse, cada ver mais, para alguns destes limos temas ~ ‘muito ex especial para a compreensio de redes e cireuitos de DIOGO RAMADA CURTO logia. compésita de migrantes, ¢ para os modos de aproveie to de cenarios de profunda desigualdade —, sem Necessariamente privilegiar uma hist6ria dos impérios, das for mas de dominagio colonial ¢ das suas consequéncias, sobretudo. sob 0 ponto de vista das guerras internacionais, Forém, a discussao sobre muitos processos de globalizacio, tal como se apresenta nas obras de muitos socidlogos contem. porineos, parece retomar as discusses sugeridas pela hist6ria imperial ¢ colonial, mesmo quando esta ditima é pensada como uma variante da competicio entre Estados(!), No essencial, sio. de trés tipos as discussées suscitadas pelos diferentes modos de ional como de modelagao das comportamentos, Um dos exemplos mais conhecidos desta forma de homogencizacio foi constituido pela chamada “MeDonaldizagiondo mundo (*). Mas, se das realidades do con- sumo ¢ do mercado se passarem a considerar os préprios Processos politicos, afigurase pertinente o questionamento de Ulrich Beck quando afirmou: «a questio-chave com que nos defrontamos, atualmemte, €a de saber até que ponto a sambiose ist6rica-entre-o-capitalismo”@wdemactaciaaquc cateriou o Ocidente, poderd ser generalizada a uma escala global, sem ‘lesgastar 0s seus funcamentos fisicos, culturais e socials (*) Ta at Worms Row sedge. 200) p18: Sua ate, Fenton sng Epa Aut santos Paneton Peon Gane ee sie ©) Geos River, Tae tdmaeaimany Seorereaee derecho entnpocn see ie Seated Pee Fag es 19) lam The ain soporte {Pies Oak, Calénia Sg Pabieton, 190 ar abe rads (Tota Oaks Caen Pac Pege te ch Beck, «A reiy ac Daa feo INTRODUGAO: A GLOSALIZAGAO HOJE Ea difusio de modelos de representacao p< elaborados em articulagdo com o alargamento das economias capitalistas de mercado, debatendo-se com as reagdes prove- nientes do nacionalismo e do racismo, criadores de modos de resisténcia aos processos de unificagio globais que nos introduz numa segunda discussio, ‘Naverdade, importa considerar que, em reacio a esses mes- ‘mos processos de homogeneizacéo manifestados a uma escala global, se desenvolveram outros de compartimentacio, segre- ga¢a0, separacio ¢ exclusio. Tal reagdo manifesta-se, na opinigo de alguns cientistas sociais, sob a forma de tendéncias neotribais fundamentalistaspconduzindo a uma ranura de comunicagio entre circuitos de comunicacdo cada vex mais globais ¢ extra- tertitoriais ~ envolvendo sobretudo a circulacio das elites, 0 controlo exercido por empresas multinacionais, o referido capi- talismo eletrénico e a importincia ascendente exercida por organizagGes internacionais ou nao governamentais—e as carac- teristicas cada vez mais localizadas de uma populacao mais indiferenciada(*). A este respeito, Anthony Giddens snunciou, numa passagem pseudoprofética ~ de onde nfo esti ausente um certo exagero reaciondrio, com 0 qual ndo concordamos =, que 0 século em que vivemos scria, a uma escala global, «0 campo de batatha em que o fundamentalismo» se iria as simples antinomias ou choques, 05 Estados ainda desempe- nham um papel regulador, protecionista e intervencionista, nuranundo.em que asiormas.de-geopolitica sao:cada vez miais: globaisnnes () Zygmunt Bauman, Glolatization: the human consequsnces (Cam bridge: Polity Press, 1998) (©) Anthony Giddens, O mundo na era da globalisag, trad. de Sau Barata (Lisboa: Editorial Presenca, 2000). pp. 18, 5. c, a reflexiio sobre as questdes da globalizagao trouxe consigo também a consideragao de riscos que se encon- tram tanto nas mudan¢as cli adialsEm qualquer dos casos, tratasse de situa- wolvem forcas que ultrapassam as dos Estados is como as que podem ser associadas ao ambiente es questées da sustentabilidade, &s epidemias e as questées da satide global, as redes de comunicacéo, a oxganizagdes néio gover- 08 de defesa dos direitos Neste sentido, sera de reconhecer que os riscos escapam, em geral, icdes de monitorizacdo e protecao dasociedadi tese, ainda que de passa- gem, que «ovrisco esté estreitamente ligado-d-inovagaoa, mas, frente a ineapacidade de calcular e de prever os riscos, nao é de estranhar que se assista a um ressurgir de religides e de filosofias anticientificas(*). Oé referido fundamentalismo encontra, aqui, a sua razio de ser, pois, como perguntou Giddens: «Seré que é possiyel viver num mundo em que nada é sagrado?a(®), oe 42}, globalizacao também pode ser considerada como um provessorde hibridacad, Gide os produ (Qs € 05 Comportamentos difundidos a uma escala global se misturam € fecompoem localn n: ae leeaseoeb ee juras, combinagoes € través de um Semeniimer, nicacéo em rede do modo como investigacdo, que conheceu especial impeto durante as décadas de oitenta ¢ noventa do século xx, quando o termo globaliza- dustrial society to the risk society, Theor, 192), pp. 98, 102 0) Aden, «A reinvengao da politica, Rumo a uma teoria da moderni- zagio reflexivan, in op. cit, p. 5. Giddens, O mundo na re da ghbatisardo, op. cit, pp. 17, 42. Iden, ibidem, p. 55. i Roland Robertson, Globalization: social theory and global culture (Thousand Oaks, Califéenia: Sage, 1992), INTRODUGKO: A GLOBALIZAGKO HOE io se difundiu, correspondendo tanto a difusio do capitalismo eletrénico como a intensas discussdes académicas acerca do pés-madernismo, Pode, ainda, acrescentarse que as visbes dos impérios e da colonizacao valorizadoras dos processos de con- tacto por adaptacio, das relacdes de colaboracao, das hibridacbes das comunicacées em rede tém implicado uma versio eufe- mistica dos mesmos processos, excluindo do seu horizonte os mecanismos da dominagao, as légicas mais concentracionarias ¢ da exploracio e os diversos tipos de segregacio racial. & este mesmo motivo que seré importante ter presente tuucdesideoldgicas,baseadasna-imagem. de xcecionaiss porque interessados em tipos soci numa aptidio quase natural para a mistura raci seus casos mais particulares, a miscigenacio, associada & assimi- ago e & integragao, cara ao chamado luso-tropicalismo. Que tais construgdes serviram,em Portugal os propésitos da ditadura de Salazar, em busca de uma ideologia colonial capaz de j ficar 0 império no periodo posterior & Segunda Guerra Mu € um dado conhecido. Menos evidente € 0 facto de as mesmas imagens eufernfsticas relativas a um império colonial excecio- nal, pacifico e nao violento, como aconteceria com todos os ‘outros, investirem hoje a nogio de rede de comunicagio, na qual se descobre idéntica capacidade para produzir 0 mesmo feito de stravidade acomodaticia. Mais complicado, mas no menos interessante, é estabelecer as ligacdes entre as figuras, hibridas, capazes de mostrar uma grande fl mais flexiveis e hibridas, que nada tém a ver com 0 modelo da familia tradicional( ‘Todas as discusses acerca da globalizagio acabadas de refe- rir so atravessadas pela consciéncia de uma grande ratura estabelecida em torno da década de oitenta do século xx. Uma ruvura, alids, assinalada a partir de miiltiplos indicadores. B, se, “(%) Giddens, O mundo na ea da gbatzapte op ci, p. 61 DIOGO RAMADA CURTO INTRODUGAO: 4 GLOBALIZAGRO HOF I no século x1x ou mesmo até Bretton Woods, a globaliza¢do sem munca derrapar nos fechamentos teéricos ou doutrinais de conduziu ao reforco do poder por parte dos Estados ocidentais, um qualquer expmit de systéme ~ no ficaria completo sem uma explicita a uma tensio muito concreta, Trata-se de espécic de oposicdo entre os processos de engenharia ¢ aquilo a que AgjumAppadurai-chamou «uma pritica 1s dias atraves da qual se transforma a obra de imaginacio»("*), Os primeiros correspondem a uma heranca das ideologias e das praticas da modernizacio, associadas as lég- pmo sublinhou Joseph | cas de planeamento protagonizadas pelos Estados nacionais p Empresas multinacio- _progressivamente transferidas para os processos de tomada de nais € instituigdes intemas como o Fundo Monetério Bes internacionais, de que partcipam elites Internacional, acompanharam 2 mesma aceleragio da glo zagio, Porém, como mais uma vez notou St Keynesiana do FMI, centrada no papel regulador dos! deu lugar, a partir da década de oitenta do século xx, do mercado livre ¢ a0 denominado C. mento dos Estados("*), Neste sex dehojey : deiransportese:comunicaciy de bare mentos populacionais e migragdes ~ dificilmente se podem reduzir a mais uma etapa da modernizacio, enquanto receita que «ha de produzir universalmente racionalidade, pontuali dade, democracia, mercados livres € um Produto Nacional Brato "or ultimo, Siighitz considerou que, Neste Ttados necesariamente ambiva- cao, de que os paises da Asia Oriental lentes da construgio de novos significados, que mol geografias nio ocidentais como o comporta frueLseetionelae ¢ {que se encontram longe dos centros nacionais internactonais mente, aeabaram a asdesigualdades entre ricos de tomada de posicio oficial, constitu talvez~a melhor forma Sta bres Mabe sent de ultrapassaruma abordagem da globalizacdo excessivamente concentradana economia politica dosmercados, incluindo neles a construgio de sistemas de crédito,c.das.expansoes imperiais. 08 direitos humanos e a justica soci O inventirin de temas a dla prnhlemae caloradon apr sentam um resultado um pouco diferente. Nestas regides mundo, o crescimento estava mais dependente da imigract pela criagiio da OCDE, da GECA e da CEE foi um elemento crucial na formagao de um crescimento econémico nas déca- das de cinquenta e de sessenta do século xx. Sem a criagéo do dos fluxos de capital estrangeiro ¢ do comércio internacional mercado comum, a recuperacao da economia alema teria sido do que em qualquer outro lugar, No entanto, mesmo aqui, ( muito mais dificil ¢ 0 seu impacto nos seus vizinhos europeus preciso ter em conta que os fatores internos eram, em muito| muito mais reduzido, A Franca ¢ outros Estados europeus teriam Caos, nna inportnee do quem forgnextorna to eee do mares dfealaen rm recoporar nan fora mento, Por exemplo, o crescimento econdmico do século 4 de crescimento € alcangar os mais elevados niveis de equilfbrio nnos Estados Unidos dependew da extensio da fronteira ociden do Estado alguma vez conseguidos. No entanto, a Europa Ock- tale da disponibilidade de terras. De forma semelhante, {dental pés-1945 é um caso particular, primeiro, porque parte crescimento da populacdo endégena foi, pelo menos, tio impor} dos ganhos provenientes do aumento do comércio internacio- ante quanto a imigragao ao nivel do aumento da forca d¢ nal se deveu ao restabelecimento dos niveis precedentes das trabalho. As importaces de capital para os EUA cram iguall transagdes internacionais; segundo, porque uma parte impor- mente uma pequena parte do investimento interno. O que fed tante da recuperagio ¢ crescimento nos anos cinquenta € adiferenca entre a rica economia argentina e o resto da Améric: sessenta se devew a interven¢ao direta dos Governos nas econo- Latina foram mais as diferengas nas condigdes econdmica, mias, assim como a uma ambiéncia positiva a internas do que as diferengas no acesso aos mercados interna ¢ institucional ou a «capacidades sociais». Estes elementos cionais, favordveis foram cruciais para a transformagao estrutural das A.composicdo em que os fatores internos cram dominanteseconomias internas e, portanto, para o aumento do ritme do foi realcada durante 0 periodo entre guerras devido a retra; crescimento europeu. Na Europa, houve paises que alcanca- Gio mo crescimento da economia internacional. Muitos paise: ram clevadas taxas de crescimento sem participarem direta- sofreram do declinio geral nas wansagdes internaciona’s, € «| mente no processo de integragao econémica conduzido pelas crescimento ico retrocedew em muitas partes do mundo) instituicées internacionaisacima referidas. Foi particularmente Contudo, os dois factos néo se encontram necessariamente 0 caso de Espanha, no Ocidente, ¢ dos paises comunistas no ligados numa relagio de causalidade, Fin Leste do continente, os quais rapidamente se desenvolve- mento do crescimento econémico devewse as consequéncia ram, alcancando os niveis do rendimento dos precursores, aps cla Primcira Gherra Mundial moc 2 a e inter is; A importancia do papel da intervencéo governamental ¢ da Apés a Segunda Guerra Mundial, o crescimento econémicol mudanca institucional em promover o crescimento econémico intensificouse, assim como a globalizacio. Durante o periodo| pode ainda ser encontrado em muitos paises nao europeus que da Idacle Dourada (1950-1973), a percentagem do comércio| alcangaram elevados niveis de crescimento econémico e aindus internacional € dos fluxos de capital aumentou significative mializa¢ao apés a Segunda Guerra Mundial. O desenvolvimento mente por todo o mundo. A andlise da relagio entre essas duas) das economias japonesa e sul-coreana deve muito & sua capaci tendéncias tem ainda por descobrir um caso claro que permits] dade de exportacio, mas a principal caracteristica do seu uma relacao de causalidade entre o comércio ¢ o crescimento, crescimento no pés-guerza foi, uma vez mais, a mudanca na decorrendo esta do primeiro para o segundo. Na Europa) estrutura das suas economias, assim como 0 papel dos Governos Ocidental, por exemplo, a abertura de fronteiras impulsionada| nacionais e das instituigdes. PEDRO LAINS. 0 reconhecimento da importancia primordial dos fator: Fol Ses para o crescimento econdmico n: los tem implicagdes na forma como veros Jlobalizagéo no desenvolvimento da economia mut ica que o impacto da globalizagdo depende de com os diferentes paises reagem aos efeitos do aumento da sua ligt ao com a economia internacional Referencias bibliograficas d Abramovite, A. 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