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A TEORIA ARMADA: A PEDAGOGIA REVOLUCIONARIA DE AMILCAR CABRAL

Cledisson Junior1

Este texto (ainda que incipiente) tem como objetivo jogar luz as significativas
contribuições de Amílcar Cabral, para o marxismo revolucionário, e sua contribuição
para os processos politico-pedagógicos da luta anticolonial em todo o mundo assim
como localizar o seu destacado papel nas guerras de independência no continente
africano. Este texto não é um ensaio acadêmico, mas sim, uma reflexão a fim de
provocar debates entre a militância de esquerda.

Boa leitura

Introdução

O processo de formação politica no interior das organizações do movimento operário


(associações, partidos, sindicatos, etc.) cumpre o importante papel de preparar a
militância para os desafios impostos pela luta de classes, assim como formar quadros
dirigentes para assumirem as tarefas de organização do partido e/ou movimento. É uma
atribuição da politica de formação estreitar os laços existentes entre a teoria e a prática
revolucionária, assim como contribuir no fortalecimento dos nossos compromissos
assumidos com o povo. A formação politica é um desafio incontornável para as direções
das organizações e movimentos do campo socialista, que cada vez mais precisam estar
atentas para não incorrer em erro ao subestimarem a importância do estudo em
detrimento das tarefas praticas do cotidiano. É preciso avançar no trabalho combinado
entre a preparação teórica e a atividade política prática, que constituem um todo, onde
ambos são complementares e essenciais para a luta politica em curso.

Militante da Democracia Socialista – Partido dos Trabalhadores


O titulo escolhido para este texto faz referencia ao discurso histórico apresentado por
Amílcar Cabral durante a 1ª Conferência de Solidariedade dos Povos da África, da Ásia e
da América Latina (Conferencia Tricontinental) realizada em Cuba no ano de 1966. O
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discurso, que depois virou uma publicação entitulada "A arma da teoria” se tornou
uma das mais importantes reflexões teóricas do revolucionário africano que liderou as
lutas por independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde em meados do século
passado. A elaboração apresentada por Cabral para muitos pode é definida como uma
filosofia da praxe, uma teoria combinada com a ação revolucionária.

O texto de 1966 é uma ferramenta importante para compreender a formação da


consciência anti-imperialista nas ex-colônias portuguesas na África e o papel do
colonialismo e sua face mais abjeta, a escravidão, na formação do pensamento e da
realidade social dos territórios invadidos pelos europeus. A sociedade brasileira é
constituída em sua maioria por descendentes de africanos traficados pelos brancos para
servirem de mão de obra escrava nas fazendas, minas e cidades por um período
superior a três séculos.

A escravidão, o racismo e a violência estrutural são elementos constitutivos da ideologia


fundadora da nação brasileira e marca profundamente a realidade cotidiana de uma
minoria branca, que carrega o mesmo fenótipo dos europeus, isto é, possuem os
mesmos traços físicos dos invasores, conferindo-lhes um lugar de privilegio e de
vantagens simbólicas, subjetivas e materiais em uma sociedade marcada pelo racismo é
estrutural.

Entre os marxistas consequentes, ainda é limitado o exercício interpretativo que busca


traçar os devidos paralelos que conectam os processos históricos ocorridos no Brasil e
os corridos nas ex-colônias portuguesas na África. Historicamente as nossas
formulações se concentraram em analisar as dinâmicas envolvendo as sociedades
latino-americanas, que em sua grande maioria foram sociedades colonizadas pelos
espanhóis, sendo o Brasil o único território invadido e colonizado pelos portugueses.

Desenvolver um olhar critica e robusto sobre o colonialismo e a escravidão, ou seja,


sobre o projeto de morte implementado pelos europeus, assim como as respostas a

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Disponível em https://www.marxists.org/portugues/tematica/1980/arma/04.htm
este projeto, a exemplo dos processos insurgentes dos povos negros e indígenas, sendo
as guerras por independência no continente africano, o combate ao racismo anti-negro
no Brasil e a resistência cotidiana dos povos indígenas por todas as Américas, elementos
fundamentais para o aperfeiçoamento das nossas analises e o enriquecimento das
nossas estratégias pedagógicas.

Da economia política do sistema colonial ao desenvolvimento histórico-social do capitalismo

Desde o século XV o território africano é palco de disputas politicas e econômicas entre


os europeus, entretanto, nos anos iniciais após a invasão, para além da presença das
empresas responsáveis pelo trafico dos africanos escravizados e uma incipiente
presença militar no litoral, não ocorreu uma ocupação organizada nos territórios, assim
como não foram instaladas uma burocracia estatal (a exemplo do que ocorreu nos
territórios invadidos nas Américas) que regulasse as atividades cotidianas nas colônias.
Toda relação existente naquele período se baseava na extração e roubo das riquezas
minerais e na produção de commodities agrícolas, mercadorias de grande valor nos
mercados europeus. Em ambos os casos foi utilizada mão de obra escravizada. É
importante destacar, que ao longo de toda a presença dos invasores europeus no
território africano, os brancos tiveram que lidar com as insubordinações dos povos
africanos.

Com o desenvolvimento industrial a partir da segunda metade do século XIX, as


potências europeias iniciaram uma disputa acirrada por maiores mercados
consumidores e fornecedores de matérias primas e, acima de tudo, buscaram regiões
onde pudessem investir o capital excedente gerado pela crescente produção industrial.
Foi no final do século XIX, precisamente em 1885, durante a Conferência de Berlim, que
os impérios europeus repartiram o território africano uns com os outros e instalaram de
forma definitiva suas burocracias e administrações sobre as colônias na África.

Foi a partir da consolidação do modo de produção capitalista surgido na europa


naquele período, onde as condições de trabalho e a reprodução social da vida das
trabalhadoras e trabalhadores eram extremamente precárias e que de forma brutal
contrastava com o estilo de vida e os crescentes privilégios da burguesia industrial, é
que dá inicio o processo de organização do movimento operário.

Ao elaborarem em 1848 esse que seria o mais significativo documento de caráter


programático do movimento socialista, o Manifesto Comunista, Marx e Engels
propuseram uma conexão direta entre a luta econômica e a luta política a ser
desenvolvida e travada pelas trabalhadoras e trabalhadores de todo o mundo,
articulando à práxis como ação transformadora, onde a construção do partido
revolucionário se apresentava como o centro da estratégia de poder das trabalhadoras
e dos trabalhadores na busca pela direção do Estado e pela emancipação da classe.

Para os socialistas, o partido é a peça chave na disputa ideológica, tendo um papel


preponderante nas disputas que envolvem a gestão do Estado, assim como criar as
condições necessárias para a agudização das contradições entre as forças produtivas
liderando a classe trabalhadora e suas frações, frente à uma guerra revolucionaria
contra a hegemonia burguesa e seu controle sobre o Estado. Cabe ao partido a tarefa
histórica de reunir e organizar os lutadores do povo e por meio de um processo
pedagógico, organizar uma politica de formação, ofertando aos militantes a a
necessária compreensão sobre as dinâmicas de funcionamento do capitalismo, e
fomentando a capacidade de analise sobre a realidade, identificando os interesses e
conflitos e a correlação de força entre as classes antagônicas, assim como as tarefas a
serem desempenhadas.

A concepção de partido revolucionário, isto é, o instrumento político-organizativo da


classe trabalhadora, é o resultado da soma de uma teoria revolucionária vinculado à
luta da classe, ele parte das experiências concretas das lutas da classe trabalhadora, que
se difundiu por todos os continentes, e nessa trajetória, passou a incorporar elementos
próprios das distintas realidades e suas particularidades históricas.

As divergências e polêmicas instaladas no interior do movimento operário durante a


primeira guerra mundial, gerou uma ruptura entre os comunistas e os socialdemocratas
no ano de 1919 sendo responsável pela criação da Internacional Comunista, que tinha
um dos objetivos, separar um campo que defendeu o nacionalismo burguês e sua
política colonial e racista e um outro campo defensor da revolução anticolonial como
parte indissociável da revolução internacional.

Arma da Teoria

A consolidação da politica colonial portuguesa nas ex-colônias africanas, foi resultado


da presença militar, do apoio recebido da igreja católica e da criação de um aparato
ideológico, com centralidade na oferta de uma educação formal voltada somente para
setores específicos da sociedade, criando assim, uma pequena burguesia e promovendo
a diferenciação de classes entre os colonos. O objetivo do governo português era
formar uma sociedade africana baseada nos padrões morais, políticos e religiosos da
metrópole. O ensino escolar nas colônias se tornou em importante instrumento de
manipulação e transmissão da ideologia e da cultura dos portugueses, uma estratégia
de disputa hegemônica que é o eixo central da formulação do revolucionário
martinicano Franz Fanon desenvolvido na obra, “Peles Negras, Mascaras Brancas”
quando ele se debruçou sobre a força ideológica do projeto colonial francês na Caribe.

Criada em 1944 a Casa dos Estudantes do Império Português (CEI) era parte da
estratégia politica do Estado Novo (ditadura militar que se estendeu de 1933 até 1974)
que tinha como objetivo organizar em um único lugar os estudantes bolsistas oriundos
das colônias portuguesas na África que chegavam a portugal para obterem uma
formação superior, a intenção era cooptar estes estudantes, assim também exercer um
controle sobre suas atividades.

Entretanto, ao contrario do que esperava a ditadura portuguesa, a Casa dos Estudantes,


despertou nos seus membros uma consciência crítica sobre a própria ditadura e o
sistema colonial, gerando nos estudantes um desejo de descoberta e valorização das
distintas culturas dos povos colonizados no continente africano. Pela casa passaram
estudantes, que futuramente se tornaram militantes e líderes dos movimentos de
libertação, nomes com Jorge Querido, Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto,
Marcelino dos Santos e tantos outros que marcaram as guerras por independência nas
ex-colônias portuguesas na África.
Amílcar Lopes da Costa Cabral foi um desses jovens bolsistas que passou pelo CEI e que
vivendo ali superou a alienação imposta pelo sistema educacional português nas
colônias, assim como passou a se relacionar de forma altiva com a sua africanidade.
Filho de pai guineense e de mãe cabo verdiana, Amílcar Cabral nasceu na cidade de
Bafatá no Guiné-Bissau em 1924 e tem a sua historia atravessada pela historia do seu
povo, tendo sido fundador e principal dirigente do Partido Africano da Independência
da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e principal estrategista da luta armada contra o domínio
português. Agrônomo, Amílcar Cabral foi aluno do Instituto Superior de Agronomia,
tendo sido contemplado com o Premio Mello Geraldes, atribuído ao aluno com a
melhor nota na disciplina de Tecnologia colonial.

Naquele período, o Partido Comunista Português (PCP), teve um papel importante no


processo de denuncia e luta contra o fascismo do Estado Novo, desenvolvendo um
importante trabalho de conscientização da condição de classes dos jovens africanos em
Portugal, a ponto de Amílcar Cabral e outros estudantes africanos passarem a integrar
as fileiras da juventude do Movimento da Unidade Democrática (MUD), movimento
com forte influencia do PCP. Tempos depois em função da escassez de debates sobre a
situação dos territórios colonizados e a falta de uma posição nítida sobre o futuro das
colônias, pelo partido comunista, Cabral se afastou dos movimentos políticos ligados ao
partido, tendo se dedicado a conclusão da sua graduação, sendo posteriormente
contratado em 1952 pelo governo português para trabalhar na agencia de serviços
agrícolas e florestais na Guiné-Bissau.

De volta à África, Amílcar Cabral percorreu todo o território da Guiné-Bissau com a


tarefa, de realizar um censo agrícola, lhe permitindo assim, conhecer muito de perto a
realidade concreta do povo e elaborar uma profunda analise sobre a estrutura social,
politica e econômica da Guiné assim como sua diversidade étnica e suas diferentes
formas de organização social.

Já em 1955, Amílcar Cabral foi delegado na primeira Conferência de Solidariedade Afro-


Asiática realizada na cidade de Bandung, na Indonésia, onde estabeleceu contato com
diferentes lideranças da luta anticolonial e pode se apropriar dos relatos envolvendo as
os movimentos de lutas por independência na Ásia e na África, os vitoriosos e os que
estavam em gestação. Naquele período, a conjuntura internacional fortemente
marcada pela guerra fria, foi fundamental para o surgimento de movimentos e partidos
independentistas no continente africano.

O PARTIDO AFRICANO DA INDEPENDÊNCIA DA GUINÉ E CABO VERDE (PAIGC) E A GUERRA


PELA INDEPENDENCIA.

Diante do recrudescimento do regime português, em razão das independências


conquistadas pela Líbia (1951), Marrocos e Tunísia (1956) e Gana (1957) as colônias
portuguesas vivenciavam um estado de proibição total (partidos, sindicatos,
manifestações), forçando o uso de estratégias criativas por parte de uma juventude
extremamente critica, tal o como a criação de associações de ex-estudantes ligados a
CEI, essas permitidas por lei e que foram palcos de importantes reuniões, visando à
organização da resistência guineense frente às forças de Portugal. O momento seguinte
foi à criação de um partido politico que tinha como programa criar as condições para
derrotar os portugueses e proclamar a independência do Guiné-Bissau, originalmente
se chamando Partido Africano da Independência (PAI) e depois Partido Africano da
Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

Militante destacado, Amílcar Cabral tomou parte na construção do PAIGC, e assumiu


responsabilidades envolvendo o trabalho ideológico e a politica de formação do partido.
Cabral apontava que nenhuma revolução se manteria sem uma coesão ideológica que a
sustentasse. É celebre sua frase que diz: “é bem verdade que uma revolução pode
falhar, mesmo que seja nutrida por teorias bem concebidas, mas também é verdade
que nenhuma revolução se fez vitoriosa sem teoria.” É marcante a influencia do
marxismo sobre o programa e os métodos do PAIGC, tendo o partido se apropriado
ideologicamente e adaptado à realidade do povo da Guiné-Bissau e de Cabo verde,
articulando as luta por independência a luta contra o imperialismo.

Cabral defendia que o marxismo revolucionário não poderia ser simplesmente aplicado,
tal qual uma tradução a uma realidade diferente da que foi forjado. Era fundamental
que houvesse um processo de adaptação, considerando o contexto africano marcado
pelo colonialismo e pelo racismo que subalterniza e massacra vidas negras.

Para Cabral, o colonialismo é resultado de um processo histórico, que promove ganhos


positivos para o colonizador, ao passo que lhe permitiu acumular mais valia em
contraste a desumanização, o massacre e a negação do direito a própria historia e uma
profunda desestruturação socioeconômica para o colonizado. Essa discrepância é a
tônica da analise histórica desenvolvida por Cabral, uma interpretação impossível de ser
realizada a partir das experiências europeias. Cabral defendia que a luta por
emancipação dos povos colonizados tem como elemento constitutivo, a lutar pela
conquista do processo histórico que nos foi negado pela colonização, com o objetivo de
nos tornar sujeitos sem historia, por isso, ele defendia a importância de concatenar
dimensões, como a luta por autonomia econômica dos povos colonizados, a
independência politico dos territórios e o direito a autodeterminação cultural.

Para Cabral a Cultura se constitui como a antítese de todo o processo histórico da


sociedade colonizada, assumindo um papel de destaque no processo de luta pela
independência nacional, definido como a síntese das dinâmicas elaboradas e fixadas
pela consciência social, para a solução dos conflitos em cada etapa da evolução de uma
sociedade. A rigor, para Amílcar Cabral, a cultura é um dos motores da história, uma vez
que trata do nível de consciência e desenvolvimento do pensamento dos sujeitos
colonizados, que tem como maior objetivo a reconquista da autonomia (politica e
subjetiva) e a sua personalidade histórica.

De acordo com documentos históricos, em 195 o PAIGC liderou em conjunto com


estivadores e marinheiros, uma greve no Porto de Pindjiguiti, esta ação é considerada
como a primeira grande mobilização contra a ditadura militar portuguesa e que tinha
como objetivo reivindicar a melhoria nos salários dos trabalhadores do principal porto
da colônia. Como era de se esperar, o governo português respondeu a manifestação
com extrema violência, ocasionando a morte de pelo menos 50 manifestantes e ferindo
mais de uma centena. O massacre de Pindjiguiti marca uma virada na estratégia do
PAIGC, que passa a reivindicar a via revolucionaria como caminho para expulsar os
portugueses dos territórios ocupados, se preparando para a luta armada. A guerra por
independência do Guiné-Bissau tem seu inicio em janeiro de 1963.

A partir desse ponto, o PAIGC passou a adotar rigorosas orientações de segurança com
o objetivo de garantir o funcionamento do seu núcleo dirigente, a exemplo dos partidos
comunistas quando estes foram jogadas na clandestinidade, como a criação de
pequenas células, um rigor disciplinar, o uso de apelidos entre os militantes e a
realização de reuniões secretas do comitê central em outros países.

A década de 1960 ficou marcada em todo o mundo pelas denuncias dos crimes
praticados pelos países imperialistas nas suas colônias africanas e asiáticas. As
denuncias publicas foram ferramentas largamente utilizadas naqueles anos. Foram
realizadas inúmeras conferências organizadas pelos povos colonizados que viviam na
diáspora com o apoio dos partidos políticos de esquerda, sindicatos, Universidades e
figuras publicam, como artistas, esportistas e intelectuais. Também foram feitas
denuncias em instancias da governança internacional, como o histórico discurso de Che
Guevara na ONU e o próprio discurso de Amílcar Cabral realizado durante a assembleia
geral da ONU em 1961, assim como o utilização de espaço na imprensa progressista.
Estes esforços foram combinados com a luta armada, onde a denuncia tinha como
objetivo desgastar a imagem dos países imperialistas junto a comunidade internacional
e na frente de batalha, derrota-los militarmente.

AMÍLCAR CABRAL - O PEDAGOGO DA REVOLUÇÃO

Paulo Freire o mais renomado educador brasileiro de todos os tempos, certa vez,
escreveu sobre Amílcar Cabral denominando-o de pedagogo da revolução. Este apelido
elogioso se deu por causa do legado de ideias e lutas deixadas por Cabral contra o
colonialismo. Para Paulo Freire, Amílcar Cabral encarnou o sonho da libertação de um
povo, fazendo uso de procedimentos pedagógicos. As contribuições de Cabral para a
educação politica do povo da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, no período anterior a
guerra de independência e mesmo durante o conflito, abriram caminho para a
formação de uma identidade africana pós-colonial.
Amílcar Cabral compreendia a educação como uma poderosa ferramenta de resistência
e o mais importante instrumento de reafricanização dos povos colonizados. Para Cabral
a aposta na educação e a valorização das sínteses culturais a partir dos referenciais
africanos são elementos fundamentais para o advento dos novos sujeitos pós-coloniais,
assim importantes para a reconstituição de diversas experiências de sociabilidades
comunais existentes no período anterior a invasão dos brancos. O processo de
aprendizagem nas escolas criadas pelo partido se atrelava às tarefas das comunidades,
o estudo era concatenado ao trabalho produtivo e toda a comunidade escolar
participava da gestão e eram responsáveis pela preservação das unidades escolares.
Cabral acreditava e defendia Estado como indutor de investimentos em educação,
ciência e tecnologia para o desenvolvimento econômico e cultural das ex-colônias.

A guerra pela independência no Gui-Bissau e Cabo Verde não fez uso apenas de armas,
mas principalmente do poder da educação e do resgate e da valorização cultural dos
africanos, peças chaves na promoção de uma maior consciência dos povos destes
territórios acerca das suas próprias realidades. Infelizmente Amílcar Cabral, não pode
ver realizado o sonho da independência dos seus dois países de origem, ele foi
brutalmente assassinado em 1973 por fascistas a serviço dos portugueses.

Com Amílcar Cabral aprendemos que a educação é revolucionaria e por acreditar nisso
ele a transformou na principal arma de um povo que lutou e conquistou a sua própria
independência e que se viu diante de um novo desafio que era o de fundar dois novos
países após o fim da guerra e governa-los guiados pelo povo, desmontando as
estruturas coloniais e erguendo uma nova sociedade contra-colonial com o objetivo de
superar a força ideológica e as permanências do colonialismo na África.

Infelizmente a história nos apresenta que o segundo objetivo não foi concluído, fruto da
fraqueza moral e da cooptação das lideranças politicas pelos países capitalistas.

Fica o sonho, a obra e os ensinamentos de um líder marxista nascido na África. A


solidez ideológica, a crença na formação de sujeitos eticamente comprometidos com o
ideal revolucionário e com o desenvolvimento africano, assim como o investimento no
trabalho educacional, político e cultural do partido, são contribuições que ainda hoje
fazem de Amílcar Cabral uma importante referencia para as lutas por autonomia e
liberdade em diferentes partes do mundo. A pedagogia revolucionária de Amílcar
Cabral não só desejou e criou as condições para as independências da Guiné Bissau e
Cabo Verde, mas também permitiu que o povo africano tivesse o direito de possuir a
sua própria história.

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