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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Disciplina: Estudos Pós-coloniais


Nome: Gabriel Costa Ribeiro
Curso: Ciências Socioambientais

Reflexões acerca dos textos "Teoría sin disciplina" (CASTRO-GOMEZ &


MENDIETA, 1998); "Antropologías del mundo" (RESTREPO & ESCOBAR, 2004) e
"Colonialidade do poder" (LANDER, 2005)

No ponto de vista epistemológico, o caráter universalista do pensamento europeu


teve seu berço durante a segunda metade do século XVIII. Os fundamentos que
justificaram a centralidade e essencialidade do sujeito europeu/ ocidental dialogam com
o liberalismo proposto ao sujeito do período das luzes, de onde nasceu, por via de uma
concepção hegemônica, "a origem de onde deriva o ser, a geração, ou o conhecimento".
Tendo em vista a grande guinada da implantação do pensamento de raiz eurocêntrica
como matriz da modernidade em um mundo com fortes relações coloniais a partir da
febre imperialista do século XIX, a execução de um projeto de dominação estrutural e
ideológica a partir da relação colonizador/ colonizado foi capaz de relegar culturas à
condição de subordinação. Práticas culturais oriundas de tradições específicas e distintas
do universo de reflexão europeu representavam alteridades que poderiam se tornar
grandes empecilhos para a imposição de hegemonias políticas e neste sentido, o projeto
colonizador utilizou como estratégia o desmembramento das identidades locais a partir
da imposição de uma condição de subordinado por parte do colonizado. Sujeitos sociais
situados em uma condição de subalternidade em seus contextos históricos específicos se
tornaram ainda mais fragilizados a partir da chegada de uma dominação ocidentalizada
em seus territórios.
Sabe-se que, dentre os artifícios empregados pelo colonizador para a sua
consolidação política em localidades de interesse, a imposição de seu vocabulário
materno representava a introdução de signos linguísticos capazes de gerar uma
colonização epistêmica, no sentido de gerar fissuras nos resgates de memória dos
indivíduos e favorecer algumas minorias étnicas locais que historicamente já exerciam o
poder sobre as demais. Uma visão estritamente universalista do ocidente como topo de
uma evolução não só gerou um processo de homogeneização cultural, mas também
acabou por constituir formas padronizadas de gestão democrática em conjunturas de
independência no decorrer do século XX. Sendo assim, a dominação já não mais se
concretizava de fora para dentro, pois o gérmen do pensamento ocidental já se instalava
nas instituições e principalmente nas epistemologias. A unicidade dos estados nacionais
e a homogeneização proposta na relação colonizador/colonizado são frutos diretos de
um pensamento binário que deslegitima alteridades em prol de uma identidade nacional,
e esta é uma herança do liberalismo ao subconsciente de todas as democracias
representativas do mundo.
No seio de tantas mudanças estruturais presentes no período destacado, o
fenômeno da globalização urge a partir do século XX como um "processo pelo qual
determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo e, ao
fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou
entidade rival" (SANTOS, 2001). Neste caso, a entidade local pontuada por Boaventura
de Sousa Santos é representada pela matriz eurocêntrica e também anglo-americana, a
partir da ascensão dos Estados Unidos como grande potência mundial.
Além de gerar um processo de homogeneização específico e hegemônico a partir
de uma racionalidade colonizadora, a globalização, em consonância, também provocou
uma cisão das margens que se formaram nos movimentos de independência dos novos
Estados-nação constituídos após o final da Segunda Guerra Mundial. O mundo das
modernidades começa a viver uma situação de diáspora, onde os limites geográficos não
mais condizem com as fronteiras culturais – estão cada vez mais híbridas. Neste sentido,
os intelectuais do terceiro mundo passam a ter acesso às universidades francesas,
inglesas e americanas, sendo que muitos deles se graduam em ciências humanas e
iniciam um movimento intelectual de compreensão das causas e efeitos do modelo
universalista proposto ainda no período da colonização. O clássico "Os Condenados da
Terra", redigido em 1962 pelo intelectual africano Frantz Fanon inaugura uma visão
pós-colonial dos chamados estudos culturais, campo de estudo pautado em uma reflexão
pós-estruturalista da antropologia.
Para Castro-Gomez e Mendieta, os teóricos que constituem a rede de intelectuais
pós-coloniais possuem como característica analítica considerar os possíveis hibridismos
proporcionados pela fricção entre a tradição e os processos de globalização, a ponto de
não se constituírem como "guardiões" de determinadas culturas. Sendo assim, não
podem ser categorizados como relativistas, pois justamente consideram a fluidez das
fronteiras culturais. Os mesmos consideram que a globalização refletida em práticas
hegemônicas específicas também se tornou um vetor estrangulações culturais, a ponto
de prejudicar e distorcer uma grande gama de culturas pós-tradicionais.
O questionamento epistemológico sobre pós-modernidade e globalização
iniciado a partir da década de 60 atravessou os trópicos e chegou à América Latina a
partir da década de 80, influenciado também pelo debate proposto pelos intelectuais da
"Teoria da Dependência", que buscavam compreender as limitações de uma forma de
desenvolvimento que se iniciou em um período histórico no qual a economia mundial já
estava constituída sob a hegemonia de poderosos grupos econômicos e forças
imperialistas. Os movimentos intelectuais descritos centralizaram sua crítica a partir da
consideração da heterogeneidade dos desdobramentos econômicos, políticos e culturais
dos países do terceiro mundo, considerando assim uma gama de atributos ocultados pela
linha de interpretação européia e americana.

Por acaso não estaríamos de frente a uma nova estratégia ideológica


proveniente dos países imperialistas com suas pretensões de legitimar uma
nova ordem econômica internacional a que lhes convém? (...) a palavra
globalização está se referindo a processos muito complexos de ordem
planetária, que geram transformações não só quantitativas no âmbito da
economia e da racionalização técnica-institucional, mas também qualitativas no
âmbito da reprodução cultural (MENDIETA & CASTRO-GÓMEZ, 1998,
tradução minha).

Tendo em vista que temáticas como a globalização e a pós-colonialidade eram


assuntos em evidência no final da década de 80 devido a conjunturas como o
desmantelamento dos regimes autoritários e o surgimento do neoliberalismo, um grupo
de acadêmicos latinos fundaram o Grupo de Estudos Subalternos da América Latina em
1991. A primeira obra lançada pelo grupo foi intitulada como "Teoría Sin Disciplina"
(1991), e reuniu uma seleção de artigos de autores latinos que utilizavam de uma
literatura pautada em metodologias institucionalizadas, como por exemplo a genealogia
e o desconstrucionismo francês a partir da teoria de Derrida, Deleuze e Foucalt. Dentre
os pontos destacados na obra, os autores estabelecem uma crítica à nova economia
mundial que vem se consolidando a partir da transnacionalização da produção de bens,
esta que desconsidera também outras variáveis de nível estritamente local, e a partir de
um processo de desestruturação e reestruturação. De maneira bem clara e concisa, os
intelectuais do Grupo de Estudos Subalternos da América Latina compreendem a
globalização como uma série de conflitos capazes de coroar vencedores e subordinar os
vencidos, e os derrotados acabam por subsumir aos ditames dos vencedores.
No ponto de vista das relações culturais, os intelectuais dos estudos subalternos
latino-americanos propõem artifícios capazes de neutralizar os efeitos transnacionais em
processos agudos de canibalização cultural, a partir de processos que visam construir
hermenêuticas alternativas. As culturas possuem lugares comuns retóricos constituídos
pelos pontos mais abrangentes, que podem ser chamados de topoi. Assim sendo, o
grande desafio seria romper com o universalismo positivista a qual a cultura ocidental
ainda utiliza para consolidar sua hegemonia. O topoi da cultura ocidental também é
representativo e incompleto, bem como todas as categorizações historicamente
consolidadas na interpretação de tradições do relativismo cultural disseminado pela
vertente da ecologia cultural e pelo estruturalismo da antropologia francesa, inglesa e
americana e não se constituem como o resultado, o topo de uma cadeia evolucionista.
"Os topoi de uma determinada cultura são tão incompletos quanto à própria cultura que
os pertencem", e por isso a cultura ocidental deve ser colocada em escala de equidade
em relação às demais (SANTOS, 2001).
No entanto, uma dissidência ocorre dentro do grupo, capitaneada pelo intelectual
Walter Mignolo, que passa a buscar alternativas para transcender epistemologicamente
os cânones ocidentais da metafísica ocidental. O autor não acreditava que alguns
elementos das teorias pós-coloniais devam ser traduzidos para análise do caso latino-
americano, e utiliza os seguintes argumentos para embasar sua constatação:
1) Os estudos culturais possuem um viés imperialista;
2) A trajetória da América Latina foi diferenciada, pois foi o primeiro
continente a sofrer a violência do esquema colonial/ imperial moderno;
3) Por se tratar do primeiro continente a sofrer a violência do esquema colonial/
imperial moderno, foi a partir das relações colonizador/ colonizado
presenciados na América Latina que os países do norte puderam executar o
seu projeto de modernidade.
Neste sentido, foi criado o Grupo Modernidade/ Colonialidade no ano de 1998,
e uma das críticas inaugurais do grupo constituiu na capacidade a qual o liberalismo
positivista consegue se naturalizar por onde transita. Para Lander (2005) a naturalização
do liberalismo é "um acordo com a qual as características da sociedade moderna,
pautada nos pilares da economia capitalista, no cientifiscismo e na disciplina se tornam
as tendências naturais do desenvolvimento histórico da sociedade, sendo a sociedade
liberal o único caminho possível". Como vimos no início deste fichamento crítico,
Lander assinala que esses processos não são recentes.
Alguns intelectuais da escola colombiana do Grupo Modernidade/ Colonialidade
como Aníbal Quijano, Eduardo Restrepo e Arturo Escobar problematizam não só as
causas e efeitos do eurocentrismo no contexto local, mas também suas imbricações
dentro da própria discussão acadêmica, como por exemplo, do fazer antropológico,
sobretudo no que tange às suas margens desprezadas. Segundo os autores, o modo de
fazer antropológico oriundo dos Estados Unidos, França e Reino Unido vem sendo
disseminado em outras partes do mundo, mesmo tendo as diversas antropologias do
mundo constituídas por certa heterogeneidade constitutiva, caracterizada pela
diversidade das possíveis narrativas feitas. No entanto, se porventura realizarmos um
resgate de obras onde o próprio antropólogo questiona as configurações
epistemológicas, metodológicas e políticas que embasam a sua prática, é possível
perceber que este tema ainda não sofreu um aprofundamento necessário para a
formulação de uma crítica à hegemonia acadêmica.
A crítica do Grupo Modernidade/ Colonialidade é clara e objetiva: para a
efetivação de etnografias complexas, os antropólogos são capazes de realizar grandes
aprofundamentos teóricos pautados em um conjunto de práticas já conhecido. O campo
disciplinar também é amparado pela própria instituição acadêmica a partir de
congressos e espaços para publicação, que são capazes de validar e publicizar o
conhecimento. Na margem de todo conhecimento produzido, transitam autores que
criticam as próprias formas as quais a antropologia da escola americana e européia
consideram a historicidade e a especificidade cultural. As lógicas utilizadas são
centralizadas e carecem de uma interpretação capaz de desconstruir domínios
discursivos, e assim intelectuais inseridos na margem sofrem com este modo de
colonização velado, pautado em subjetividades e caracterizado como um regime
moderno de poder. Não há modernidade sem colonialidade.

As antropologias hegemônicas emergem como uma disciplina acadêmica


dotada de uma série de procedimentos de formação, investigação, escrita,
publicação e contratação, dentre outras. Estes processos de normalização têm
criado modalidades de fazer antropologia das quais outras modalidades são
invisibilizadas ou consideradas derivadas (RESTREPO & ESCOBAR, 2003,
tradução minha)
Referências Bibliográficas

RESTREPO, Eduardo e ESCOBAR, Arturo - Antropologias del Mundo. Revista de


Antropologia. Universidad del Magdalena, Santa Marta, julio de 2004, no. 3.

CASTRO-GOMEZ & MENDIETA, Teorías sin disciplina (latinoamericanismo,


poscolonialidad y globalización en debate). Edición de Santiago Castro-Gómez y
Eduardo Mendieta. México: Miguel Ángel Porrúa, 1998.

LANDER, E. Colonialidade do Poder. CLACSO: Buenos Aires, 2005.

SANTOS, B.S. As tensões da modernidade: direitos humanos, globalização, culturas,


interculturalidades, multiculturalismo, ocidente e islamismo. Revista Crítica de Ciências
Sociais, no 48. 2001

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