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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Disciplina: Estudos Pós-coloniais


Nome: Gabriel Costa Ribeiro
Curso: Estudos Pós-coloniais

POR UMA CIÊNCIA COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE


por detrás dos axiomas científicos existem realidades sociais

PARTE 1 - Problematização

A economia capitalista, o cientificismo e a disciplina podem ser considerados os


“elos condutores" do seguimento da sociedade moderna por uma via liberal. Dentre
esses pilares, a ciência consolidou sua praxis a partir de uma visão cingida e
“puramente” científica (ou teóricos), obtida a partir de fatores “meramente” sociais (ou
empíricos), e assim prosseguiu como uma das principais condutoras dos ventos
modernos (MORIN, 1999). Pouco se tem refletido sobre as causas e efeitos de um modo
catalisador de se fazer ciência em detrimento de tantos outros, sujeitos a metodologias e
nichos científicos moduladores e catedráticos, que pouco se examinam e prezam por
uma neutralidade impossível de ser vislumbrada. Se porventura realizarmos um resgate
de obras onde o próprio cientista questiona as configurações epistemológicas,
metodológicas e políticas que embasam a sua praxis, é possível perceber que este tema
pouco foi aprofundado durante um grande período, dificultando assim a formulação de
uma crítica à hegemonia acadêmica (LANDER, 2005).
Dentre os vários campos disciplinares oriundos deste percurso, as ciências
humanas foram pioneiras ao problematizar as causas e efeitos do eurocentrismo dentro
da própria discussão acadêmica1. No entanto, a discussão pouco logrou avanços no
cosmos científico como um todo, que continuou a se desenvolver acerca de interesses
econômicos, sociais e políticos do Estado, subsumindo assim a um poder coercitivo que
aniquila os resquícios de purismo e neutralidade as quais o pensamento científico se
embasou.
Segundo Bruno Latour (2001), "a ciência não é puramente científica nem
política, e essa impureza que garante a consecução de objetivos dos diversos atores
envolvidos", e neste sentido, qualquer força intitulada como contra-hegemônica acaba
por ser deslocado para as margens da produção científica. Ao se desvelar o caráter
purista dos prepostos científicos, torna-se possível questionar uma ambivalência notória
1
Dentre esse autores, é importante ressaltar as contribuições de Foucalt, Deleuze, Gattari e Derrida para
discussões como as propostas para a teoria da colonização epistêmica (SPIVAK, 2010).
e presente em diversos campos disciplinares: existe certa rejeição por uma ciência
desvinculada da sociedade, porém, não se adota uma construção social da realidade.
Em suma, o pensamento científico não costuma admitir reflexão sobre si mesmo,
e de alguma forma contribui para a perpetuação de prepostos posicionados em pontos
estratégicos e com metas específicas. Uma construção social da realidade engendra
exercícios profundos de significado e significância (FOUCALT, 1996). A princípio, o
pensamento evolucionista deveria ser descartado e substituído por lugares comuns
retóricos constituídos pelos pontos mais abrangentes, capazes de romper o
universalismo positivista a qual a cultura ocidental motiva e embasa a prática científica,
consolidando assim sua hegemonia. Os processos de desobediência epistêmica possuem
a capacidade de realizar fissuras que possuem o potencial de gerar desconstruções e
implosões teórico-conceituais, abrindo-se espaço para que novas heterodoxias surjam
(MIGNOLO, 2008).
A presente resenha buscará apresentar como a aproximação entre movimentos
sociais, comunidades locais e comunidade científica têm gerado um processo de
construção social da realidade mais fidedigna às relações políticas presentes e, por esta
via, agregando novas variáveis à praxis acadêmica que procura compreender os
processos decorrentes dos projetos de desenvolvimento em países subdesenvolvidos.

PARTE 2 - Os projetos de desenvolvimento em regiões subalternizadas

Os novos movimentos intelectuais oriundos da crítica da pós-colonialidade, dos


estudos subalternos e dos estudos decoloniais centralizaram sua crítica a partir da
consideração da heterogeneidade dos desdobramentos econômicos, políticos e culturais
dos países do terceiro mundo, considerando os processos de desenvolvimento do século
XX oriundos de uma relação ambivalente entre modernidade e colonialidade
(LANDER, 2005). A partir de um processo de desconstrução-reconstrução
epistemológica, propôs compreender quais são as origens e as deficiências do discurso
científico que caracteriza uma visão compartimentada e fragmentada que desconsidera
as margens. Neste sentido, essa rede de intelectuais contra-hegemônicos acabou por
constatar que as ações realizadas pelo Estado em prol de legitimar o discurso
desenvolvimentista também refletiam diretamente na interpretação acadêmica da
realidade, e por isso se tratava também de mais uma influência coercitiva resultante da
colonização epistêmica.
Segundo Appadurai (1999), as imagens, as pessoas, o dinheiro, as máquinas e as
idéias não seguem rumos similares na atual política da cultura global, e por esta via a
desterritorialização passa a ser uma das forças básicas do mundo moderno, se dando
principalmente pela conquista de mercados para investimentos. A desterritorialização é
o reflexo da atuação violenta do Estado, refletido na manutenção de práticas
corporativistas de crescimento econômico, tendência estimulada pela expansão do
regime capitalista de obtenção de bens. Como conseqüência, as políticas
desenvolvimentistas impuseram o modo de vida urbano das sociedades industriais
consumistas como modelo único para todas as populações, em um amplo processo de
estrangulamento cultural. Trata-se de uma das forças básicas do mundo moderno, que se
torna visível a partir dos fluxos de diáspora, das migrações forçadas, e da conquista de
mercados para os investimentos.
O Estado, legitimado pelo discurso desenvolvimentista, se torna a única
instituição capaz de controlar e proteger o ambiente, e para tal, atua de modo a seduzir a
chegada de grandes corporações globais em seu território. A terceira revolução
industrial do modelo capitalista propiciou a cisão das fronteiras, mas, entretanto também
acabou por intensificar a formalização das margens nos países subdesenvolvidos. É
importante salientar que este processo tem resultado em violências diversas, no sentido
de também rotinizar essas violações para com os indivíduos a fim de dificultar possíveis
resistências No entanto, para Baviskar (2010), da violência surge uma política de
resistência a partir do movimento de contestação frente aos atos empregados, e por esta
via são criados contra-espaços que possibilitam o consórcio entre a comunidade
acadêmica, os movimentos sociais e os atingidos pelos projetos.

PARTE 3 – Um caso brasileiro: A Rede Brasileira de Justça Ambiental

Utilizo como exemplo de prática científica voltada para a construção social da


realidade a atuação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), que se consolidou
desde 2001 como um espaço de identificação, solidarização e fortalecimento dos
princípios de justiça ambiental2. Constituiu-se como um fórum de discussões, de
denúncias, de mobilizações estratégicas e de articulação política, com o objetivo de

2
Por justiça ambiental, designa-se um conjunto de princípios e práticas que asseguram que nenhum grupo
social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências
ambientais negativas de operações econômicas, de decisões políticas e de programas federais, estaduais,
locais e favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações
populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento (LEROY,
2001).
formulação de alternativas e potencialização das ações de resistência desenvolvidas por
seus membros ― movimentos sociais, entidades ambientalistas, ONGs, associações de
moradores, sindicatos, pesquisadores universitários e núcleos de instituições de
pesquisa/ensino. 
A RBJA possui membros pesquisadores e/ou professores universitários que
refletem a academia e a construção científica de maneira horizontal e política,
problematizando não só as causas e efeitos dos projetos de desenvolvimento e seus
desdobramentos, mas também suas imbricações dentro da própria discussão acadêmica
– para quê e para quem se produz ciência.
O fato de estarem atuantes também dentro de suas universidades os caracteriza
como importantes formadores de contra-espaços, como membros de núcleos de
pesquisa ou também propondo novas institucionalidades. A professora Raquel Rigotto,
membra da rede e professora na Universidade Federal do Ceará, por exemplo,
conseguiu transformar a distribuição de membros de banca em defesas de dissertações e
teses na pós-graduação a qual leciona, e atualmente o programa aceita a presença de
atingidos e movimentos sociais como avaliadores de trabalhos monográficos. O Grupo
de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais
(GESTA-UFMG), outro exemplo a se destacar, realiza pesquisas de ensino e extensão
há mais de uma década procurando estabelecer resistências integradas a grandes
projetos de desenvolvimento, a partir de uma produção de conhecimento que visa
amplificar as vozes subalternizadas dos atingidos. Pesquisadores do núcleo de pesquisa
têm produzido artigos, monografias, dissertações e teses significativas e capazes de
gerar grandes reviravoltas quanto ao desdobramento dos casos de injustiças
socioambientais.

PARTE 4: Considerações Finais

Seria possível um processo de reciclagem do cientificismo? Uma praxis capaz


de sistematizar mudanças significativas quanto à fetichização do objeto de pesquisa?
Considerando que produzir ciência em países subdesenvolvidos implica na imersão em
um campo de disputas e interesses suscetíveis a entrar em choque com direitos
individuais e coletivos de sujeitos marginalizados nos processos de decisão política, se
posicionar de maneira contra-hegemônica dentro de um campo institucionalizado e
elitizado torna-se um efetivo produtor de localidade e contra-espaços dentro do campo
acadêmico. Compreender uma ciência diretamente influenciada por fenômenos sociais e
políticos é tocar de forma profunda e completa o debate sobre temas em voga na
sociedade como a pobreza, as desigualdades sociais, questões de gênero, trabalho e
renda, a degradação ambiental e as injustiças sociais como efeitos do desenvolvimento
do capitalismo.

Referências Bibliográficas

APPADURAI, A. Soberania sem territorialidade: notas para uma geografia pós-


nacional. Novos Estudos Cebrap. n. 49, novembro 1997. pp 7-32. 1999.
APPADURAI, A. A Produção de Localidade. In. Dimensões Culturais da
Globalização: a modernidade sem peias. Lisboa: Teorema, 2004, p. 237-263.
BAVISKAR, A. Written on the body, written on the land. Violence and environmental
struggles in Central India. Working papers 02, 2010. Berkeley Workshop on
environmetnal politics.
DAS, V & POOLE, D. El Estado y sus márgens. Revista Académica de Relaciones
Internacionales, núm. 8 junio de 2008, GERI-UAM.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Aula inaugural no Collège de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996
LANDER, E. Colonialidade do Poder. CLACSO: Buenos Aires, 2005.

LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos


científicos. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
LEROY, JP. Justiça Ambiental. In: Portal Observatório dos Conflitos Ambientais,
endereço: http://conflitosambientaismg.icc.ufmg.br. 2001.
MIGNOLO, W. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de
identidade em política. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e
identidade, no 34, p. 287-324, 2008.
MORIN, E. Ciência com Consciência. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

SPIVAK, GC. Pode o Subalterno Falar? Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010.

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