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O FÓRUM SOCIAL MUNDIAL ENQUANTO ESPAÇO DE RESISTÊNCIA E

APRENDIZAGEM: UM OLHAR A PARTIR DA EXPERIÊNCIA EM SALVADOR,


BAHIA

LOPES, Silvino Macedo1 - UFRB


silvino_loppes@yahoo.com.br

RESUMO:

Este Relato de Experiência apresenta algumas reflexões sobre a participação no


Fórum Social Mundial, realizado na cidade de Salvador, Bahia entre os dias 13 e 17 de
março de 2018, enquanto atividade da componente curricular Pratica Reflexiva em Ecologia
Geral, enfocando principalmente nas atividades “Teoria Marxista, Pedagogia Socialista e
Currículo”, onde foi discutido, principalmente, as teorias pedagógicas de bases Marxistas e a
atividade “Questão Agraria e comunidades tradicionais”, onde trouxe dados e reflexões
enfocando principalmente os conflitos e os processos de desterritorialização que os povos
quilombolas, pesqueiros, indígenas e fundo e fecho de pasto vem sofrendo na Bahia. O
fórum é um espaço de encontro e um processo internacional dos movimentos e
organizações sociais, com o objetivo de convergir lutas e debater alternativas ao modelo
econômico neoliberal. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo destacar as principais
contribuições do Fórum Social Mundial na minha compreensão e construção de
perspectivas inclusivas e revolucionarias na educação, questão agraria e, principalmente,
alternativas de superação do modelo de sociedade que vivemos.

Palavras-chave: Fórum Social Mundial; Marxismo; Questão Agraria.

1 INTRODUÇÃO

O capitalismo desde os seus primórdios é baseado e sustentado


principalmente pela propriedade privada dos meios de produção, na transformação
das forças de trabalho em mercadoria, na acumulação do capital, e nesse processo,
ao longo os tempos, vem se reinventando e utilizando inúmeros mecanismos na
busca por novas formas de acumulação de riquezas e de perpetuação do seu
domínio.

Nos últimos tempos podemos destacar duas frentes em que o capitalismo


vem utilizando para aumentar a sua influência e dominação no mundo, estão são: o
processo conhecido como globalização ou no que Engelke (2004) define de
1
Estudante do terceiro semestre da Licenciatura em Educação do Campo com Ênfase em Ciências Agrarias da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
globalização hegemônica, ou seja, “a globalização é reduzida a uma única
dimensão, a econômica, abandonando as dimensões relativas à cultura, à ecologia e
à sociedade civil” (VIEIRA, 2001 apud ENGELKE, 2004). A outra é o neoliberalismo,
que pode ser definido como “o conjunto de ideias que se voltam contra a intervenção
estatal, proclamando a supremacia do mercado como auto-regulado, ou mais ainda,
como regulador da sociedade” (ENGELKE, 2004 p. 32), dessa forma, o mercado fez
com que o estado ficasse vulnerável e consequentemente a partir do seu discurso e
o poder do capital financeiro, onde impera a visão de lucro como finalidade, o
mercado financeiro tornou-se o motor da sociedade.

Em contraponto a isso surgiram vários movimentos e eventos que culminaram


com a criação do Fórum Social Mundial (FSM) em 2001, surgindo como um espaço
de encontro e um processo internacional dos movimentos e organizações sociais
com o objetivo de convergir lutas e debater alternativas ao modelo econômico
neoliberal. Afirmando com o seu lema histórico que “Outro Mundo é Possível”,
tornou-se também lugar de resistência a todas as formas de dominação e exclusão.
Os dois principais motores desse processo de criação do fórum, que mutuamente se
geraram foram:

1) A progressiva conscientização, por parte de diferentes movimentos


sociais no mundo todo de que têm interesses comuns e de que seus
adversários, portadores de interesses opostos, são os mesmos (...)
2) A progressiva conexão em rede dessas organizações, que é
consequência insuspeitada das últimas “revoluções tecnológicas”.
(HOUTART e POLET, 2002 apud ENGELKE, 2004).

As primeiras edições do FSM foram em porto alegre, contrapondo-se ao


Fórum Econômico de Davos, seguindo para Mumbai, Caracas, Bamako, Nairóbi,
Belém, Senegal, Túnis e, por último, Montreal, além de várias edições regionais e
temáticas que também foram realizadas pelo mundo. E nesse contexto, Segundo
Engelke:

O fórum representa o ponto de encontro e da partida os movimentos sociais


e ONGs do mundo todo. Ponto de encontro pois foi o momento que os
movimentos sociais e ONGs de todo mundo passaram a se encontrar e
discutir; e ponto de partida pois a partir dele passou a haver uma maior
organização dos movimentos e ema luta “antiglobalização” mais
centralizada e unificada. (ENGELKE, 2004, p. 52).

Nesse ano de 2018 o FSM voltou ao Brasil, acontecendo na cidade de


Salvador, Bahia, tendo como tema “Resistir é Criar, Resistir é Transformar” e, nessa
conjuntura, vem agregando inúmeras expressões, experiências e projetos de
sociedade comprometidos com a justiça social e ambiental, amparado
principalmente pela diversidade de lutas existentes no mundo, mobilizando
propostas, ações e articulações na perspectiva da construção de novas realidades.

Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo destacar as principais


contribuições do Fórum Social Mundial na minha compreensão e construção de
perspectivas inclusivas e revolucionarias na educação, questão agraria e,
principalmente, alternativas de superação do modelo de sociedade que vivemos.

3 METODOLOGIA

O Fórum Social Mundial 2018 ocorreu na cidade de Salvador, Bahia, Brasil,


tendo como território principal o campus da Universidade Federal da Bahia (UFBA),
mas com atividades espraiadas por vários espaços públicos, culturais e periferia da
cidade, agregando um extenso número de atividade autogestionadas, como
seminários, plenárias, oficinas, atividades culturais e conferências.

As duas atividades aqui relatadas foram organizadas a partir de uma cessão


temática, na qual foram organizadas de forma aberta e horizontal, de forma dialética
e democrática. A atividade “Teoria Marxista, Pedagogia Socialista e Currículo”
fundou suas discussões principalmente a partir da reflexão do texto base “Uma
Defesa do Marxismo Clássico” de Leonardo Celin Patino 2. A atividade “Questão
Agraria e Comunidade Tradicionais”, organizada pelo Grupo de Pesquisa
GeografAR3 utilizou como método a exposição oral, organizadas por sessões
temáticas, onde os palestrantes fizeram um panorama das principais questões
envolvidas na temática e, assim como na atividade anterior, após esse primeiro
momento abriram a discussão para a plenária.

Os procedimentos utilizados para a elaboração, coleta e reflexões dos


conteúdos programáticos das atividades contidas neste relatório foram a
2
Doutorando em Ensino, Filosofia e História das Ciências, na Universidade Federal da Bahia, UFBA, Brasil, com
o título “Diálogos ontológicos entre a Pedagogia Histórico Critica e Ciência, Tecnologia e Sociedade”.

3
O GeografAR – Geografia dos Assentamentos na Área Rural (POSGEO/UFBA/CNPq) – é um grupo de Pesquisa
da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que busca analisar o processo de (re)produção do espaço no campo
baiano a partir da correlação de forças que se define pela ação política dos sujeitos sociais organizados.
participação (vivência) das atividades durante o evento e a observação. As
discussões e reflexões, aqui presente, tem como base textos e estudos
bibliográficos de base teórica acerca dos temas discutidos.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O capitalismo tem várias contradições, entre elas estão a desigualdade


econômica e a “desigualdade intelectual”, quando se refere aqui a intelectual é, que
o nível de desenvolvimento intelectual dos sujeitos está ligado ao sistema de ensino
que é oferecido, de distinta formas, de acordo com a classe social em que ele está
inserido. Em meio a todas essas contradições e, principalmente fazendo uma
análise do momento político e histórico de consecutivos “golpes”, judiciais e
parlamentar, que as principais lideranças de esquerda vêm sofrendo em toda
América Latina, Patino (2018) durante uma “atividade” no FSM fez-se o seguinte
questionamento, “Depois de todos os golpes porque as pessoas não estão nas
ruas? 4 ”. Nessa mediação ele traz vários elementos para ajudar na reflexão, entre
elas, está o “discurso pós-modernista” de que o marxismo foi superado e em
contrapartida não apresenta uma teoria estruturante, convincente e holística, que
explique a sociedade e o mundo atualmente, ou seja, ao mesmo tempo nega
também utiliza a teoria marxista para explicar a realidade.
O que não pode ser feito é continuar com o absurdo de apoiar e rejeitar, ao
mesmo tempo, um conhecimento da realidade - o marxismo - ou de apoiar e
rejeitar ao mesmo tempo uma realidade que é o objeto desse conhecimento
- o socialismo realmente existente - sem fazer os devidos esclarecimentos e
diferenciações, sem determinar por que e em que realidade e teoria se
tornaram incompatíveis, ou seja, sem dar uma descrição detalhada de
porque a teoria falhou ou porque a realidade não podia ser modificada na
direção desejada e procurada. (PATINO, 2018, p. 5, no prelo).

Nesse contexto entende-se que uma das formas de enfrentamento das


desigualdades, principalmente na educação, é voltando a estudar os textos gênese
de autores que explica a realidade como o Karl Marx e de metodologias de ensino
baseada na sua obra. Patino (2018), questiona se estamos tendo “uma prática
errada, ou temos uma teoria errada”, pois, o capital mesmo em meio a todas as
contradições consegue contorna-las utilizando principalmente discursos mais

4
Fala durante a palestra “Teoria Marxista, Pedagogia Socialista e Currículo”, realizada durante o Fórum Social
Mundial 2018, na cidade de Salvador, Bahia.
estáticos e reducionista da realidade para convencer e/ou confundir a classe pobre e
explorada que o sustenta.
O capital, nesse sentido, como menciona Neves 5 (2018), consegue
fragmentar as lutas, a ponto de dividir um mesmo seguimento de enfrentamento da
sociedade em vários níveis. E nesse contexto, as frentes de enfrentamento devem
buscar superar essas contradições dentro do próprio movimento, elucidando
principalmente a questão de que o inimigo é o mesmo (o capitalismo), dando
consistência e unidade a luta. O Marxismo, nesse sentido, é a base científica que
dispõe das bases mais consistentes de compreensão do capitalismo e da realidade.
Taffarel6 (2018) definiu, baseando-se no marxismo, quatro pilares principais para a
emancipação do ser humano: 1) consistente base teórica; 2) formação política; 3)
consciência política e; 4) envolvimento nas organizações. A partir dessa
compreensão devemos construir uma educação para emancipação e soberania dos
povos, tendo como base principalmente pedagogias que enfatiza a formação
humana enraizada nos pilares citados.
Uma outra dimensão das lutas presentes no FSM está a questão agrária, que
não está de forma alguma desligada de todas as outras, como a educação que
acabamos de discutir. A “questão agrária” pode ser definida como “o conjunto de
interpretações e análises da realidade agrária, que procura explicar como se
organiza a posse, a propriedade, o uso e a utilização das terras na sociedade
brasileira” (STÉDILE, 2005 p. 1).
Na Bahia o Grupo de Pesquisa geografAR/UFBA tem acompanhado quatro
grandes grupos sociais: pescadores/as Artesanais, Fundo e Fecho de Pasto, Povos
Indígenas e Comunidades Quilombolas, e nesse contexto vem contribuído para
desvelar os conflitos e os processos de desterritorialização que esses povos vêm
sofrendo, causados principalmente pelo agronegócio, ou seja o grande capital, e
também pelo estado que está em defesa deste.
Os principais problemas encontrados nas questões agrarias enfrentadas
pelos povos tradicionais é uma construção histórica que vem sendo constituída

5
Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Formação de Professores no Curso de
Licenciatura em Educação do Campo - Ciências Agrárias, mestre em Botânica, área de concentração: Ecologia,
conservação e utilização dos Recursos Vegetais da Região Nordeste, UEFS (2005).

6
Professora titular da Universidade Federal da Bahia, Doutora em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas (1993) e, Pós--Doutora na Universidade de Oldenburg, Alemanha, (1999).
desde 1500 como o modelo de colonização e exploração que foi adotado
historicamente no brasil, que tornaram:
As terras livres- onde se desfrutavam de “paz e sossego” – em terras
aprisionadas nas mãos de poucos onde se convive com manifestações
constantes de violência sem igual. Uma história de ocupação que gerou e
consolidou uma estrutura das mais concentradas do mundo e, o pior, uma
imensidão de terras sem uso algum. Como consequência, uma legião de
agricultores sem trabalho e sem terras. (GERMANI, 2005, p.142).

Os povos tradicionais tornaram, junto com o Movimento dos Trabalhadores


Rurais sem Terra (MST), os principais interlocutores de resistência a esse modelo
de exploração e distribuição das terras no Brasil, com mais de 3,336 pontos de
conflito na Bahia, (GUIOMAR, 2010, p.14). Nesse processo, eles vêm lutando pela
demarcação das terras tradicionalmente ocupadas que estão usurpadas pelo grande
capital, principalmente pelo agronegócio como a conivência e do estado, através de
mecanismo “legais” de titulação das terras.

Enfim, as comunidades tradicionais de pescadores/as Artesanais, Fundo e


Fecho de Pasto, Povos Indígenas e Comunidades Quilombolas se constitui como
frentes importantes de enfrentamento do capital e suas formas de exploração e
dominação no campo baiano e, nesse processo, a educação, baseada nos quatro
pilares citado por Taffarel é de fundamental importância para dar consistência e
embasamento nessa luta.

CONCIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir que o fórum é um momento de suma importância, na


perspectiva de que contribui na unificação da resistência e convergência de
movimentos sociais na busca pela construção de uma nova sociedade, dessa forma,
debater perspectivas proletárias de educação e questão agraria se torna
imprescindível para a superação do modelo de sociedade classista e excludente que
vivemos.

Enfim, o Fórum Social Mundial contém inúmeras expressões de luta e


resistência que contribui na formação humana e, na perspectiva do curso, de um
professor engajado nos processos políticos, principalmente de envolvimento nas
organizações e nas lutas sociais na busca por superar esse modelo de sociedade
imposto pelo sistema capitalista. Afinal, como diz o lema histórico do FSM, um
“Outro Mundo é Possível”.

REFERÊNCIAS

ENGELKE, Cristiano Ruiz. Fórum Social Mundial: Unidade na diversidade.


Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre: 2004.

GERMANI, Inez Guiomar. Condições históricas que regulam o acesso a terra no


espaço agrário brasileiro. Geotextos, vol. 2, n. 2, 2006. p. 115-147.

GERMANI, Inez Guiomar. Questão agrária e movimentos sociais: a territorialização


da luta pela terra na Bahia. In: COELHO NETO, Agripino Souza; SANTOS, Edinusia
Moreira Carneiro e SILVA, Onildo Araujo da. (Org.). (GEO)grafias dos movimentos
sociais. Feira de Santana, BA: UEFS Editora, 2010. p. 269-304.

NEVES, Marcia Luzia C. Teoria Marxista, Pedagogia Socialista e Currículo. In.


Fórum Social Mundial. Eixo temático: 9, Educação e Ciência, para emancipação e
soberania dos povos. Salvador, 2018.

PATINO, Leonardo Celin. Teoria Marxista, Pedagogia Socialista e Currículo. In.


Fórum Social Mundial. Eixo temático: 9, Educação e Ciência, para emancipação e
soberania dos povos. Salvador, 2018.

PATINO, Leonardo Celin. Uma defesa do marxismo clássico. 2018. No prelo.

STÉDILE, João Pedro. A questão agrária no Brasil: o debate tradicional: 1500-


1960. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

TAFFAREL, Celi Neuza Zulke. Teoria Marxista, Pedagogia Socialista e Currículo. In.
Fórum Social Mundial. Eixo temático: 9, Educação e Ciência, para emancipação e
soberania dos povos. Salvador, 2018.

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