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21/08/2019 Mário de Andrade e o projeto dos Parques Infantis em São Paulo - São Paulo São

"A criança é essencialmente um ser sensível à procura de expressão. Não possui ainda a
inteligência abstraideira completamente formada. A inteligência dela não prevalece e muito menos
não alumbra a totalidade da vida sensível. Por isso ela é muito mais expressivamente total que o
adulto. Diante duma dor: chora – o que é muito mais expressivo do que abstrair: “estou sofrendo”.
A criança utiliza-se indiferentemente de todos os meios de expressão artística." (Andrade, 1929).

Os primeiros Parques Infantis foram implantados na cidade de São Paulo no ano de 1935, em
bairros operários Lapa, Ipiranga e Mooca. Visaram promover atividades educacionais e culturais
para as crianças de três a seis anos, com o foco na valorização da cultura nacional, sendo uma
das estratégias o levantamento dos costumes e hábitos desse público. As ações assistências
também se fizeram presentes com atendimento médico e odontológico e com a distribuição de
copos de leites e frutas, conforme o fotografado por Benedito Junqueira Duarte em 1937, no
Parque Infantil do Ipiranga.

Crianças brincando em tanques de areia sentadas, realizando jardinagem e se alimentando foram


algumas das cenas selecionadas para compor o álbum de fotografias dos Parques Infantis, do
Departamento de Cultura. Aliás, muitas dessas imagens foram fabricadas com a intencionalidade
de divulgação de determinadas práticas educacionais promovidas pelas educadoras dos Parques
Infantis, o que demonstra uma preocupação dos seus idealizadores no agenciamento de certas
ações e, portanto, a construção de certa memória.

Criança, infância, brincadeira e cultura são elementos indissociáveis nessa proposta. De modo
que, quando se apresenta a educação infantil na atualidade em São Paulo, o resgate do
pioneirismo de Mário de Andrade na proposição dos Parques Infantis e a organização de rotinas
de aprendizagem, que tenham como foco o desenvolvimento social da criança, constituem a
identidade dessa modalidade de educação. A despeito disso, Faria (FARIA, Ana Lúcia Goulart de.
A contribuição dos parques infantis de Mario de Andrade para a construção de uma pedagogia da
educação infantil. Educação & Sociedade, ano XX, nº 69, Dezembro/1999. pp. 60-91) tem
argumentado em suas pesquisas que a implantação dos Parques Infantis contribuiu decisivamente
para se pensar em uma pedagogia da infância, ou seja, tais instituições foram precursoras na
organização da educação infantil ao realizarem práticas que consideravam a criança em sua
especificidade formativa.

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Parque Infantil Dom Pedro II, 1938. Foto: B. J. Duarte / Acervo da SMC.

A autora recupera historicamente a trajetória dos Parques Infantis com a apresentação dos eixos
estruturantes dessa proposta expressos na integração entre a recreação, a assistência e a
educação no atendimento à criança. Outra questão importante abordada por ela é o diálogo que
Mário de Andrade estabeleceu com a cultura produzida nos anos 20 e 30, no Brasil e em outros
países a respeito da utilização de jogos para o ensino, o uso da arte, especificamente, o teatro,
além do interesse pela preservação da cultura via organização das bibliotecas e acervos
documentais.

Os significados dos Parques Infantis foram objeto de interesse também de Freitas (2001), em seu
estudo do pensamento social brasileiro na transição do século XIX para o XX. O autor defende, a
partir das considerações de Antônio Cândido (1971), que o Departamento de Cultura e a
implantação dos Parques Infantis, sob a responsabilidade de Mário de Andrade se configuravam
como iniciativas inovadoras de atendimento às crianças e suas famílias, ao promoveram situações
que valorizavam suas experiências e dialogavam com as questões da cidade. Para Cândido apud
Freitas (2001:265), essas instituições não realizavam somente a “rotinização” da cultura, mas se
constituíam em uma “tentativa consciente de arrancá-la dos grupos privilegiados para transformá-
la em fator de humanização da maioria através de instituições planejadas”.

As crianças de três a doze anos efetivaram sob a supervisão e orientação das educadoras
esculturas em argila, marcenaria, danças, teatro, pinturas e desenhos. De acordo com Gobbi apud
São Paulo (2010:25), os Parques Infantis promoviam concursos de desenhos, cujos temas eram
de livre escolha das crianças.
Havia uma orientação do próprio Mário de
Andrade às educadoras de que não houvesse
intervenção nos desenhos das crianças. Em um
discurso pronunciado na Hora do Brasil no ano de
1935, Mário de Andrade apresenta os propósitos
da criação dos Parques Infantis e qual sua
relação com o fenômeno da urbanização em São
Paulo. Em sua visão, "os grotões transformaram-
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se em jardins cortados ao meio pelas avenidas e


pela sombra dos viadutos. Não há mais sapo.
Nos jardins encontrareis recintos fechados com
instrutoras, dentistas e educadoras sanitárias
dentro. São Parques Infantis onde as crianças
proletárias se socializam aprendendo nos
brinquedos o cooperatismo e os valores do
passado. São crianças tartamudeando em torno
de uma Nau Catarineta de vinte, as melodias que
seus pais esqueceram, e nos vieram de novo da
Paraíba, do rio Grande do Norte e do Ceará.
Todas essas iniciativas não poderão pretender
Parque Infantil Dom Pedro II, 1938. Foto: B. J. Duarte / jamais a uma gloríola no presente, senão uma
Acervo SMC. fecundidade futura. Tudo é novo, e muito está
nascendo. São Paulo é uma cidade num dia, mas
já agora os seus caminhos conjuntos vão e vêm.“
A aprendizagem de certos valores como a socialização e o cooperativismo ocorreria a partir da
organização de práticas em espaços específicos. Daí a necessidade do planejamento e
consequentemente realização de atividades com o foco na manifestação das crianças.

Nesse sentido, os Parques Infantis eram tidos como lugares privilegiados na transmissão e na
produção da cultura infantil. É possível dizer que, as imagens de crianças das classes operárias
brincando em espaços planejados, com a supervisão de adultos capacitados, tendem a indicar os
múltiplos sentidos acerca da infância.

A primeira Biblioteca circulante de São Paulo. Foto: Acervo do Departamento de Patrimônio Histórico da PMSP.

Considerações finais

A experiência dos Parques Infantis nos convida a uma reflexão a respeito do lugar da infância nos
anos 30 do século passado nos discursos e ações dos intelectuais brasileiros. Nesse sentido, a

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análise das intervenções do poder público, por meio da construção de políticas educacionais que
abrangeram particularmente os filhos dos operários na cidade de São Paulo, torna-se uma
discussão fértil no campo da História da Educação.
No cotidiano dos Parques Infantis o lúdico, as brincadeiras tradicionais infantis e os jogos
constituíam-se em possibilidades de livre manifestação das crianças. Ao promoverem práticas
pedagógicas, que objetivaram o desenvolvimento físico, intelectual e social das crianças, tais
instituições idealizadas por Mário de Andrade foram responsáveis pela difusão de uma nova
concepção de infância e de criança, além de institucionalizarem um conjunto de práticas
específicas no campo da educação infantil, incorporadas às escolas municipais de educação
infantil de São Paulo transformando-se em saberes necessários à proposição de atividades que
visem o desenvolvimento social da criança.
***
Maria Aparecida da Silva Cabral é professora adjunta do Departamento de Ciências Humanas,
Curso História, da Faculdade de Formação de Professores da UERJ.
Artigo publicado nos anais do XVI Encontro Regional de História da Anpuh - Rio / Saberes e
Práticas Científicas.

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