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PROCESSOS DE DIFUSÃO DO PARQUE INFANTIL

E INSTITUIÇÕES CONGÊNERES NO BRASIL1

Moysés Kuhlmann Jr.2

Entre os anos de 1935 e 1975, funcionaram, na cidade de São Paulo, os Parques


Infantis, instituições extraescolares vinculadas à Divisão de Educação, Assistência e Recreio,
da Secretaria de Educação e Cultura do município,3 até a sua inserção no sistema
educacional, com a mudança de denominação para Escolas Municipais de Educação Infantil.
A Divisão mantinha também os Centros de Educação Familiar e Centros de Educação Social
– anteriormente chamados Clubes de Menores (e de Moças) Operários, e depois Centros de
Moças e Centros de Rapazes – que atendiam adolescentes e jovens, com o objetivo de “afastá-
los dos focos de maus hábitos, vícios, criminalidade”, desenvolvendo programas de recreação
e de Educação Física.
O Parque Infantil começou a se estruturar, na cidade de São Paulo, na década de 1930.
A associação Cruzada Pró-Infância, dirigida por Pérola Byington desenvolveu, em 1930, um
modelo de programa destinado à infância que tinha por propósito diminuir a mortalidade
infantil e promover a educação para a saúde física e moral das crianças. Em 1931, o prefeito
Anhaia Melo fez uma parceria com a Cruzada para a organização da Escola de Saúde, que
funcionou junto ao playground do Parque D. Pedro II (BRITES, 1999; MOTT, BYINGTON,
ALVES, 2005). No ano de 1935, a instituição passou a integrar a seção de parques infantis da
Prefeitura de São Paulo, projeto do prefeito Fábio Prado.
Na historiografia da educação, o foco de muitas pesquisas sobre o Parque Infantil
refere-se ao momento inicial da instituição sob a gestão da prefeitura da cidade de São Paulo.
Em alguns casos, considera-se Mario de Andrade, que foi diretor do Departamento de
Cultura de 1935 a 1938, como o idealizador dos Parques, chegando a hipertrofiar o seu papel
nas definições das propostas para a instituição. Mesmo eventualmente considerando a
existência de iniciativas anteriores, atribui-se ao parque paulistano uma identidade distinta,

1 Apoio: CNPq (bolsa de produtividade).


2 Doutor em História Social pela FFLCH-USP, estágio de pós-doutoramento em Ciências da Educação na
Universidade de Lisboa, Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de
Santos e Pesquisador no Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas. E-Mail:
<mkuhlmann@pq.cnpq.br>.
3 O nome do órgão passou por mudanças: inicialmente, Departamento de Cultura, depois Secretaria de Educação

e Higiene, depois Secretaria de Educação e Cultura.


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por haver incluído preocupações com o folclore e a educação artística, enquanto as demais
estariam voltadas apenas para atividades relacionadas à educação física (ARANTES, 2008;
FARIA, 1999; FONSECA, FERREIRA, PRANDI, 2015; GOBBI, 2012, entre outros). Em
outros estudos, ressalta-se o papel de Nicanor Miranda como elaborador do projeto, por ter
sido o responsável direto pela seção dos Parques Infantis, permanecendo na função até o ano
de 1946 (FILIZOLLA, 2002; GOMES, 2013; SILVA, 2008).
Nesta comunicação, ensaiam-se análises que evidenciam processos de articulação entre
as dimensões local, regional, nacional e internacional, nos processos históricos que
constituíram essas instituições e congêneres em diferentes localidades. Primeiramente, serão
apresentadas considerações a essas articulações, em meados do século XX, para em seguida
retroceder-se a momentos anteriores, evidenciando iniciativas nacionais distintas daquela do
município de São Paulo e elementos de propostas internacionais que se relacionariam com as
propostas efetivadas em nosso país.

As dimensões local, regional, nacional e internacional nos processos de difusão das


instituições

A partir da década de 1940, ocorre um intenso processo de difusão do Parque Infantil,


especialmente no interior do estado de São Paulo, mas também na capital e em outras
unidades da federação. Em livro sobre a origem e propagação dos parques, Nicanor Miranda
afirmava:

No interior de S. Paulo existem em funcionamento 3 parques,


respetivamente em Campinas, Ribeirão Preto e Marília. Na terra de Carlos
Gomes, organizado e dirigido. Nas outras duas, sem organização e direção,
constituindo apenas simulacros de Parques e não Parques. Não cremos que
as prefeituras locais pretendam que sejam tal. Existem em construção 3
outros, respectivamente em Araraquara, Pirajuí e Amparo, devendo
funcionar em breve (MIRANDA, 1941, p.21).

O texto de Miranda indica ainda que existiriam iniciativas semelhantes no antigo


Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e Amazonas.
No projeto em que foi desenvolvido o presente estudo (KUHLMANN JR., 2013),
considerou-se que havia outros formatos de parque infantil que se difundiram pelo país,
como as praças com aparelhos de recreio e os balneários municipais. Nicanor Miranda
afirmava que os parques, no início, haviam sido:

campos de jogos, com abrigos, galpões e aparelhos de recreio. Eles viriam a


ser aquilo que idealizávamos num conceito nosso: logradouros públicos
onde, pela recreação e pelo jogo organizado, se procura educar a criança,

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ministrando-lhe simultaneamente toda a assistência necessária (MIRANDA,
1938, p. 19).

Com base em informações desse tipo, considerou-se que o processo de difusão dos
parques infantis no Brasil poderia ter ocorrido também com a construção de instituições com
formatos diferenciados. Em relação aos parques infantis criados no Estado de São Paulo, a
hipótese apresentada no projeto indicava que eles teriam seguido um modelo muito próximo
do município de São Paulo:

Isso se deve, provavelmente, ao trabalho de divulgação e assessoria da


Divisão de Educação, Assistência e Recreio a outros municípios, a promoção
de intercâmbios e encontros institucionais e a atuação de pessoas como
Nicanor Miranda, que circulou pelo país, apresentando o modelo de
instituição. Outro fator que parece ter influência na difusão de um formato
institucional mais ou menos homogêneo para o Estado de São Paulo foi a
atuação do Departamento de Educação Física, órgão vinculado à Secretaria
de Educação e Saúde Pública do Estado que, na década de 1940, além de
iniciar a instalação de suas colônias de férias em cidades como Campos de
Jordão, Santos, Limeira e Pindamonhangaba, passou a intervir de forma
intensa nos parques infantis municipais (DALBEN, 2009). Embora os
parques infantis fossem um projeto vinculado aos governos municipais, o
Estado parece ter participado dessa empreitada de alguma forma. Em
Ribeirão Preto, por exemplo, as leis municipais referentes à criação de
parques infantis na década de 1950 (Lei nº 292, de 20 de abril de 1953; Lei
nº 333 de 11 de novembro de 1953; Lei nº 425 de 11 de julho de 1955; Lei nº
547 de 26 de fevereiro de 1957; Lei nº 774 de 11 de novembro de 1958),
mencionam a possibilidade de a prefeitura receber a orientação do
Departamento de Educação Física para a indicação de um professor do
Estado para exercer o cargo de Diretor (KUHLMANN JR., 2013, p.9-10).

As informações relativas ao Departamento de Educação Física do estado de São Paulo


aparecem de forma dispersa em outras fontes, como na legislação mencionada acima, em
outros documentos produzidos pelos municípios e em algumas publicações. Um incêndio
terá destruído a sua sede do Departamento de Educação Física, e ainda não se localizou outra
instituição que tivesse abrigado documentação referente à sua atuação.4
Na Revista Brasileira de Educação Física, nos exemplares publicados entre 1945 e
1952, disponíveis para consulta na Biblioteca Nacional, há várias imagens e matérias que
tratam do Parque Infantil no estado de São Paulo. Quanto às imagens, em vários números
aparecem fotos dos parques do interior paulista, às vezes agrupadas, como por exemplo na
matéria “As atividades dos parques infantis do Departamento de Educação Física do estado
de São Paulo” (n.25, p.16-17, fev. 1946), em que oito fotos dos parques infantis de Piracicaba,
Campinas e Araraquara circundavam em página dupla um pequeno texto, sob o título em

4 Agradeço ao colega André Dalben por essa informação.


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letras grandes. O texto afirma que esses parques vinham “desenvolvendo atividades
educacionais na sua forma mais ampla, contribuindo decisivamente para a formação da
personalidade da criança brasileira”.
Em 1948, a revista assume de forma mais efetiva a proposta dessa instituição, quando
seu editor, Inezil Pena Marinho, apresentou editorial com um estudo efetuado em
colaboração com a Federação Brasileira de Associações de Professores de Educação Física,
apresentando a proposta de “um grandioso plano destinado a dotar todos os municípios do
Brasil de, pelo menos, um parque infantil e um campo desportivo” (v.5, n.53, p.1, ago. 1948).
Na Revista do Arquivo Municipal da cidade de São Paulo, Maria Aparecida Duarte
publicou artigo em 1941, na condição de Inspetora Geral dos Parques Infantis do
Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo, no qual mencionava a
reorganização do Departamento e as ações destinadas a propagar a instituição pelo interior.
Ali, é manifesta a referência ao exemplo da capital e indica-se a instalação de parques nas
cidades de Campinas, Araraquara, Pirajuí, Santos e Amparo, os três últimos em fase de
implantação. Afirmava ainda que mais outras vinte e uma cidades estariam à espera de verba
para dar início à execução dos projetos fornecidos pelo Departamento (DUARTE, 1941).
Em depoimento para pesquisa sobre a história dos parques campineiros, a diretora do
Parque Infantil Celisa Cardoso do Amaral, professora, Odacy F. de Andrade Neto associou a
memória da orientação de Maria Aparecida Duarte com os parques do município paulistano e
não diretamente com o Departamento de Educação Física:

Quando abriu os Parques Infantis não tinha o Departamento de Educação


em Campinas. Quem orientou a formação dos Parques foi São Paulo, através
da prefeitura de São Paulo, onde Dr. João de Deus era diretor e Nini Duarte,
irmã do Paulo Duarte, escritor famoso, era inspetora e orientava os Parques.
Nós tínhamos no começo orientação de São Paulo, programas de ensino,
coisas que deveriam ser feitas no Parque. No começo os Parques contavam
com uma diretora, Dulce Coelho, para os dois Parques, e tínhamos uma
Educadora Sanitária também para os dois Parques, Celisa Cardoso do
Amaral, que deu o nome para o Parque da Vila Industrial. (RAMOS, 2010,
P.12)

Em relação ao parque paulistano, o período posterior a 1946 foi marcante para a


instituição. O Boletim Interno da Divisão de Educação, Assistência e Recreio, da Secretaria
de Educação e Cultura da cidade de São Paulo, publicado mensalmente entre 1947 e 1957,
constitui-se em importante fonte documental. Por meio dessa publicação, constata-se a
significativa expansão da rede, ao longo desses 11 anos: na edição do mês de novembro de
1947 (p.216-7), são listados 7 Parques e 1 Recanto Infantil em funcionamento e mais 17
Parques e 1 Recanto Infantil em construção, com suas diretoras já nomeadas; já no último
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número do Boletim, referente a agosto e setembro de 1957 (p.120-4), relacionam-se 39
Parques, 5 Recantos e 48 Recreios Infantis.5
O Boletim foi digitalizado na íntegra e está disponível na página “História da Educação
e da Infância”: http://www.fcc.org.br/pesquisa/jsp/educacaoInfancia/index.jsp. Vários
estudos sobre este periódico já foram realizados, inclusive a produção de uma base de dados,
com mais de duas mil fichas que registraram as matérias ali publicadas, o que permite
relacionar autores, tipos de artigo, descritores e seções (FERNANDES, KUHLMANN, 2012;
KUHLMANN, FERNANDES, 2014a, 2014b; MICARONI, 2010, PAIVA, 2009). No que se
refere aos processos de articulação entre as dimensões local, regional, nacional e
internacional, objeto desta comunicação, realizou-se uma busca das fichas, baseando-se nos
56 descritores relacionados a locais geográficos. Não se pode afirmar que o registro
represente fielmente todas as localidades mencionadas no Boletim, pois a orientação para o
preenchimento das fichas da base de dados foi a de que se indicassem os locais que
apareciam de modo destacado. Com base nessas informações, encontraram-se evidências
interessantes sobre esses processos.
Esses processos de articulação envolvem: intercâmbios com visitantes de outras
localidades que buscam conhecer a experiência paulistana como forma de estágio
profissional ou como subsídios para a implantação de propostas em seus locais de origem;
propostas pedagógicas para o Parque, que se dividiriam em atividades de formação e
subsídios para a programação; intercâmbios dos profissionais da Divisão de Educação,
Assistência e Recreio, presentes em eventos para levar produtos do trabalho desenvolvido
junto à rede. Essas modalidades não são estanques entre si.
As visitas à Divisão e aos Parques Infantis foram feitas por estudantes, no mais das
vezes normalistas, professoras dos parques infantis do interior, professoras de outros
estados, professores de educação física, e representantes oficiais. Provinham de diferentes
origens: da capital; do interior do estado, por exemplo, de São José dos Campos, Aparecida
do Norte, de Novo Horizonte, de Assis; de outros estados, como da Bahia, Paraíba,
Pernambuco, Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Ceará, Maranhão,
Distrito Federal. Destaca-se a notícia da delegação de 13 professoras do Espírito Santo, que
cumpriram estágio nos parques, em 1952, com vistas à implantação da instituição em seu
estado. Houve também muitas visitas oriundas de outros países, como a Argentina, Peru,

5 Os Recantos Infantis eram instituições como os Parques Infantis, situados em regiões com muitos prédios de
apartamentos. Os Recreios começaram a funcionar no final de 1954 e situavam-se em espaços mínimos (out.
1955, p.165).
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Chile, Estados Unidos, Bolívia, Uruguai. Destaca-se, em 1949, a visita de membros do “II
Congresso Panamericano de Serviço Social”, realizado no Rio de Janeiro, que estiveram no
Parque Infantil Vila Romana.
Em relação à modalidade de formação, o Boletim publicou preleções sobre temas
diversos, com referências ao seu tratamento em outros contextos, ampliando o enfoque sobre
as problemáticas vividas localmente. Esse é o caso do artigo “A delinqüência infanto-juvenil e
os trabalhos de crianças e adolescentes na rua”, de Maria Ignez Longhin, Conselheira Social
Psiquiatra da Divisão de Educação, Assistência e Recreio, publicado na Seção Higiene
Mental, em julho de 1947. Lá, a autora faz considerações sobre como a questão era
enfrentada nos Estados Unidos e na Argentina, citando artigos e legislação desses países. Ou
então o artigo “Uma arte antiga”, publicado em março de 1952, que transcreve publicação da
revista Recreation sobre as marionetes, remontando à sua origem no antigo Egito e
indicando a potencialidade da sua utilização na educação das crianças, como complemento
ilustrativo às educadoras que realizaram o Curso de Teatro de Figuras.
Mas as preleções não apenas restringiam-se a citar países e autores, há também os
textos divulgados com a chancela de serem reproduções de palestras dos conselheiros da
Divisão em eventos de caráter nacional ou internacional, ou como relatórios de viagens de
estudos, que enfrentam temas relevantes para a rede de instituições do município.
É o caso da notícia sobre a 3ª Jornada de Puericultura e Pediatria, realizada durante a
Semana da Criança, em Salvador da Bahia, publicada em novembro de 1949, informando da
participação da chefe da Seção Técnico Educacional da Divisão de Educação, Assistência e
Recreio, Noêmia Ippólito. Informa-se que o trabalho apresentado, “Os parques e recantos
infantis e centros de moças e rapazes da prefeitura de São Paulo”, foi considerado pelo
professor Arthur de Sá, da Faculdade de Medicina de Recife, como modelo a ser implantado
em todos os estados brasileiros. A palestra é publicada no Boletim em março de 1950, com o
título “A recreação como fator da formação da personalidade”. Em outubro do mesmo ano,
publica-se outro artigo de Ippólito, “Observações gerais sôbre crianças e adolescentes numa
viagem à Europa”, que reproduz palestra proferida por ela na Liga do Professorado Católico,
no mês anterior.
Em agosto de 1951, publica-se o “Relatório apresentado pela educadora musical
Adelaide Maria Caccuri sobre sua viagem de estudos à Argentina”, que tinha como objetivo
observar o que se fazia na Argentina, no setor de Parques Infantis e na parte musical e
orfeônica aplicada as crianças. O texto informa que foram conhecidos projetos da Fundação
“Eva Perón”, como a “Ciudad Infantil” e o “Hogar de Transito”.
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Em relação às atividades de formação, aparece com destaque a relação com o
Departamento de Educação Física. Em março de 1950, é publicada notícia sobre a realização
da 1ª Concentração dos Parques Infantis do Interior “na cidade vizinha de Santos, organizada
pelo Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo, com representantes de
Piracicaba, Marilia, Campinas, Pinhal, Araraquara, Jundiaí e Santos”.
Em junho de 1951, anuncia-se a realização do Curso Técnico e Pedagógico de Educação
Física, a ser realizado em Santos e “ministrado por professores nacionais e estrangeiros de
grande renome”. Em agosto de 1952, noticia-se a realização, no período de 20 de junho a 5 de
julho, do 2° Curso de Aperfeiçoamento Técnico e Pedagógico de Educação Física, com
“professores de renome mundial”, na vizinha cidade de Santos, com a participação de 17
professores de educação física da Prefeitura Municipal de São Paulo. Em setembro do mesmo
ano, é publicado Ofício do Diretor do Departamento de Educação Física agradecendo ao
Parque Infantil “Noêmia Ippolito” pela apresentação de ginástica dos alunos, durante o
curso.
Em janeiro de 1953, Ruth Amaral Carvalho, Conselheira de Atividade Artística, publica
editorial em que comenta sobre o II Curso Intensivo de Recreação Infantil, realizado em
Santos, “mais uma das magníficas realizações do Departamento de Educação Física do
Estado”. A conselheira lamenta que apenas cinco educadoras dos Parques tivessem realizado
o curso, apesar do apoio do Departamento de Educação, Assistência e Recreio e anuncia a
publicação de texto da professora Blanche Cury Rahal, educadora jardineira do Parque
Infantil Ibirapuera, sobre a finalidade da excursão, baseado nas aulas do curso. Em fevereiro
de 1953, Blanche continua a divulgação dos trabalhos estudados do curso, focalizando as
Rodas Cantadas. Na mesma edição, Nice Ferreira, também educadora jardineira do Parque
Infantil Ibirapuera, apresenta exemplo extraído da coletânea do curso, sobre Aulas
Historiadas. Nos meses de abril, maio e junho, as mesmas professoras publicam mais
propostas apresentadas naquela atividade de formação.
As evidências apresentadas até agora mostram que as hipóteses de pesquisa
apresentadas no projeto mencionado acima (KUHLMANN JR., 2013) precisam ser mais bem
definidas, pois se torna insustentável a atribuição de uma influência unidirecional partindo
do Parque Infantil da cidade de São Paulo, que repercutiria na sua absorção pelo
Departamento de Educação Física do estado e se espraiaria pelo país. É evidente que a rede
paulistana tornou-se uma referência para esses processos de difusão da instituição. Mas, ao
mesmo tempo, essa rede se realimentava com a contribuição, seja do Departamento de
Educação Física, seja de outras experiências, nacionais e internacionais.
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O Parque Infantil e seus mitos de origem

Outra questão interessante a problematizar remete às referências de origem, que


estariam representando disputas ou relações de força em torno de projetos que estão
envolvidos em processos constitutivos mais complexos.
Se a atribuição de origem do Parque Infantil ao momento de sua incorporação pela
prefeitura de São Paulo já foi questionada, há outros dados que remetem a processos
constitutivos que envolvem diferentes dimensões, do local ao global.
Nesta pesquisa, a cidade de Santos desponta como uma referência até então não
identificada como precursora da experiência de São Paulo: a Escola de Saúde santista
antecede em um ano a criação da instituição com a mesma denominação no Parque D. Pedro
II, em São Paulo, como se analisa no trabalho escrito com Humberto Pereira, para esta mesa
de comunicação coordenada.
Nicanor Miranda (1941), no texto sobre a difusão internacional dessas instituições,
conduz a sua argumentação no sentido de postular uma singularidade do parque paulistano,
por conta de serviços no âmbito de assistência, como o fornecimento de alimentação ou de
assistência médica. Outro diferencial que Miranda atribuía ao Parque de São Paulo seria a
presença de um corpo profissional e do jogo organizado. Este último argumento foi utilizado
para manifestar sua opinião sobre os parques gaúchos:

Existem no Rio Grande do Sul 37 Parques. 1 em Porto Alegre e 26 no interior


do Estado. Não tivemos ainda oportunidade de visitá-los mas supomos que
as ideias correntes no Uruguai, onde existem parques organizados com
pessoal especializado e parques sem direção, tenham estes últimos
influenciado nocivamente a administração gaúcha que os criou. (MIRANDA,
1941, p.22)

Miranda justifica a emissão desse juízo, mesmo sem ter visitado os parques, referindo-
se à verba constante do orçamento do município de Porto Alegre, considerada “irrisória” para
“satisfazer as necessidades de um serviço ainda mesmo rudimentar”. Ao mesmo tempo,
Miranda omite, em seu texto, a informação de que os parques porto-alegrenses teriam sido
precursores em relação à experiência paulistana. A tese de Cristiane Luce Gomes (2013)
elucida aspectos importantes da constituição dos Jardins de Recreio, implantados por
Frederico Gaelzer na capital do Rio Grande do Sul, em 1926. Essa experiência é também
obscurecida na Revista Brasileira de Educação Física.
Em relação à especificidade do Parque Infantil de São Paulo, Miranda justifica por meio
do que teria sido o depoimento do Dr. Le Meé, responsável pela organização dos Parques
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Ao contar ao dr. Le Meé a organização dos Parques Infantis de São Paulo,
com assistência médica completa, distribuição gratuita de merenda, serviços
organizados de educação física, educação higiênica e recreação, regalos que a
Prefeitura de São Paulo faz aos pequenos munícipes dos bairros proletários,
ele nos olhava com certo espanto, como quem não pudesse acreditar que no
Brasil houvesse uma cidade com parques infantis organizados, como não vira
muitos nem mesmo nos Estados Unidos.
Não sabemos se ao receber, há três anos, uma coleção de fotografias que lhe
enviamos, o seu olhar de nobre francês teve outra expressão e os seus gestos
de fidalgo acenaram de admiração ou de entusiasmo diante de documentário
que comprovava a realização, pela cidade de São Paulo, de um ideal do qual
ele era o mais ardoroso partidário c o mais fiel apóstolo. (MIRANDA, 1941,
p.10)

Além de ser necessário considerar algum exagero no uso do adjetivo completa, para se
referir à assistência médica, bem como a necessidade de aferição do que efetivamente se
oferecia como merenda, há que se ponderar também a quantidade restrita de sete parques e
um recanto infantil na cidade de São Paulo, à época em que o trabalho foi escrito.
Outro aspecto a ressaltar, refere-se à menção aos Estados Unidos e seus playgrounds, a
quem Miranda presta o seu tributo, neste trecho e em outros mais enfaticamente, ao longo do
texto. Ao comentar sobre a proposta paulistana, Miranda afirma:

A educação física moderna no seu novo e amplo conceito norte-americano e


não no conceito acanhado e estreito de algumas escolas europeias, contém,
envolve e subentende assistência médica, exames periódicos de saúde,
clínicas de nutrição, regimes dietéticos, serviço social e pesquisas científicas
relativas ao educando, sua família e respectiva (sic) condições mesológicas.
Todos os trabalhos nos Parques Infantis de S. Paulo visam realizar aqueles
ideais modernos de educação que alguns cientistas contemporâneos
resumem em saúde, beleza, bondade e sabedoria, ou vitalidade, coragem,
sensibilidade e inteligência, fórmulas ambas que no fundo se encontram.
(Miranda, 1941, p.21)

De acordo com Gomes (2013, p.104-106), a referência norte-americana também foi


fundamental para a implantação dos Jardins de Recreio em Porto Alegre. Gaelzer passou
uma temporada de seis anos, entre 1916 e 1925, formando-se na Associação Cristã de Moços
norte-americana, com estágios, ao final da temporada, no México e no Uruguai. Os vínculos
entre a YMCA e a Playground Association of America, criada em 1907, foram intensos.

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Considerações Finais

Embora não se possa negar a especificidade de cada instituição, os dados coletados


mostram a necessidade da produção de análises que articulem as diferentes vertentes que se
combinam na constituição de cada uma delas.
Por exemplo, com relação à denominação Escola de Saúde, há fortes indícios de suas
relações com as propostas de Escolas ao Ar Livre, ou de Escolas ao Sol, relacionadas com o
higienismo.
A denominação Jardins de Recreio tem claros vínculos com a área da Educação Física e
também remete às propostas de organização dos recreios nas escolas, com a edificação de
pátios para atividades esportivas e recreação.
Associado a essas propostas estão o movimento escoteiro, a organização de
acampamentos e de colônias de férias, a formulação de regras para as modalidades esportivas
e a construção de quadras e praças de jogos.
Essas propostas não indicam uma concepção de educação física restrita à ginástica e ao
cultivo do corpo, sobre as quais se adicionaria posteriormente uma visão de educação
cultural, com atividades relacionadas às artes plásticas, à música e ao folclore. Elas
apresentam-se, desde seu início, como vinculadas a concepções de educação integral.
É curioso que os ideais modernos de educação, mencionados por Miranda, em 1941, de
saúde, beleza, bondade e sabedoria, ou vitalidade, coragem, sensibilidade e inteligência,
assemelhem-se à concepção educacional propagada pela Playground Association of America,
no início do século XX. Remetendo-se a Froebel e aos Kindergarten, aos jardins das crianças,
propunham-se então os Kinder-Welten, os mundos das crianças, que incorporariam às
contribuições da educação escolar o complemento necessário para a formação do caráter
(STEWART, 1907).
O folclore foi um dos recursos utilizados pela Playground Association of America. No
Segundo Congresso Anual de Playgrounds, ocorrido em 1908, em Nova Iorque, o festival de
danças nacionais e folclóricas foi considerado o mais belo evento da reunião, quando cerca de
700 espectadores assistiram às demonstrações que reuniram 250 crianças e 100 adultos. As
danças folclóricas apresentadas pelas crianças eram oriundas de várias nacionalidades:
italiana, polonesa, espanhola, irlandesa, boêmia, russa, sueca, húngara, escocesa, alemã e
“negro” (sic). (PLAYGROUND ASSOCIATION, 1908, p.48-49)
A terceira vertente, que permeia o higienismo e a educação física é, portanto, a vertente
da pedagogia. Ela não se restringe apenas no âmbito do escolanovismo e aos seus

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desdobramentos no que se refere às propostas do uso dos Centros de Interesse, de Decroly,
que predominaram nas décadas de 1940 e 1950 (KUHLMANN JR., FERNANDES, 2014a). As
referências a Froebel e ao ensino intuitivo também estão na base das concepções que
iluminam as propostas para essas instituições.

Referências

ARANTES, Ana Cristina (Org.). Mário de Andrade: o precursor dos parques infantis em São Paulo.
São Paulo: Phorte, 2008.

BRITES, O. Imagens da Infância (São Paulo e Rio de Janeiro, 1930 a 1950). Tese (doutorado) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, 1999.

DALBEN, A. 2009. Educação do corpo e vida ao ar livre: natureza e educação física em São Paulo
(1930 – 1945). Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação Física, Unicamp, 2009.

DUARTE, Maria Aparecida. Parques infantis no estado de São Paulo. Revista do Arquivo Municipal.
São Paulo, v.77, p.301-308, jun./jul. 1941.

FERNANDES, F. S; KUHLMANN JR., M. Análise de periódicos na história da educação: princípios e


procedimentos. Cadernos de Pesquisa, nº146, p.562-585, mai./ago.2012.

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