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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

45º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – UFPB –5 a 9/9/2022

A Escola XV (FUNABEM) nos jogos patrocinados pelo Jornal dos Sports na


década de 19601

Luiz Carlos Ribeiro de Sant’ana2


CEMEF - Centro de Memória da FAETEC; SPORT – Laboratório de História do
Esporte (UFRJ)

Resumo
Proposta inicial de pesquisa que tem como objeto o estudo da participação da Escola
XV (FUNABEM/RJ) nos Jogos Infantis e nos Jogos da Primavera, promovidos pelo
Jornal dos Sports. O corte cronológico se circunscreve aos anos 60, mais especifica e
concentradamente à segunda metade da década, já que a FUNABEM foi criada em
dezembro de 1964. Essa primeira delimitação possibilita restringir a numerosa fonte
jornalística existente, além de colocar o foco em um período menos explorado pela
historiografia que já tematizou a trajetória do Jornal dos Sports.

Palavras-chave: Escola XV – FUNABEM; Jornal dos Sports; Jogos Infantis; Jogos da


Primavera (jogos femininos)

Introdução

A presente comunicação corresponde a uma proposta inicial de levantamento


sobre a participação da Escola XV/FUNABEM nos torneios esportivos, criados e
levados a cabo pelo Jornal dos Sports. Trataremos, a princípio e fundamentalmente, dos
Jogos Infantis e dos Jogos da Primavera. Essas competições tiveram seu início em
1951 e 1949, respectivamente. Centramos, porém, nossa pesquisa na década de 1960.
Primeiramente porque a FUNABEM foi criada em dezembro de 1964, o que impõe que
nosso cruzamento de dados só possa ser feito a partir daí. Também levamos em conta,
para esta escolha, a nossa possibilidade de lidar com as fontes jornalísticas, as quais
aumentam exponencialmente quando se pesquisa sobre o tema a partir dos anos 70
(conforme mostraremos mais à frente). Ademais, apesar de haver alguns trabalhos de
fôlego sobre o JS na década de 1950, pouquíssima coisa se encontra para os períodos

1
Trabalho apresentado no GP Comunicação e Esporte, evento componente do 45º Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação.
2
Prof. Dr. em História Comparada (PPGHC-UFRJ), Mestre em História Social (PPGHS-UFRJ) e em Ensino de
História (PUC-RJ). Coordenador de Pesquisa do Centro de Memória da FAETEC (CEMEF). Pesquisador do SPORT
– Laboratório de História do Esporte e do Lazer (PPGHC/UFRJ). Professor de História da rede FAETEC-RJ.

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posteriores, o que nos sugere a possibilidade de contribuir para estreitar essa lacuna na
literatura.

Como fonte básica, temos as edições do JS, disponíveis na hemeroteca da


Biblioteca Nacional. Contamos ainda poder nos valer das páginas da Revista Brasil
Jovem, veículo de divulgação oficial da FUNABEM e que teve circulação entre 1966 e
1978. Sempre que possível, pretendemos cotejar dados e informações com os
prontuários de alunos da Escola XV (FUNABEM) que fazem parte do acervo do Centro
de Memória da FAETEC (CEMEF), situado no bairro de Quintino, Rio de Janeiro.

Em um primeiro momento, interessa-nos mensurar (na medida do possível) a


participação de estudantes e unidades de ensino (e o lugar da Escola XV/FUNABEM
nesse conjunto), a abrangência das modalidades disputadas, a geografia envolvida e o
ranking do período. Também nos interessa mapear as escolas partícipes (públicas e
privadas e suas possíveis relações de afinidade/rivalidade).

De modo mais analítico, buscamos delinear o papel educativo atribuído ao


esporte para a juventude, tal como trabalhado pelo periódico. A ideia é proceder
analogamente em relação à visão da FUNABEM, comparando os pontos de vista do
Jornal e da Fundação. De modo paralelo e subsidiário, importa-nos ao menos esboçar a
teia de relações entre o jornal e demais atores sociais, como as agências governamentais
e os poderes institucionais (parlamentar e executivo) na consecução dos eventos.
Confome o levantamento inicial sugere, o JS primava em destacar o apoio de
autoridades, manifestado na presença de mandatários nos desfiles de inauguração das
competições. É nesse sentido que Ana Letícia Canegal observa que, desde o ano de
1953, tornara-se “uma tradição” que os Jogos Infantis fossem abertos ou encerrados
pelo presidente da República (ALMEIDA, 2012, p. 14).

O Jornal dos Sports

O Jornal dos Sports marcou época na história da crônica esportiva no Rio de


Janeiro. Fundado em 1931, pelo jornalista Argemiro Bulcão, teve suas últimas edições
em banca na década de 2000 (BUARQUE DE HOLLANDA, 2012). Foi adquirido e
dirigido por pelo jornalista Mário Filho, por trinta anos consecutivos, até a sua morte
(1936-1966). Concentra-se nesse período a adoção de uma prática recorrente de criação

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e fomento de uma série de competições desportivas. Dentre elas, a implementação dos


referidos jogos, possivelmente as iniciativas mais longevas e de maior impacto no
calendário esportivo-estudantil da cidade, dentre as múltiplas ações promovidas pelo JS
(e também por seus concorrentes, como é o caso do Diário de Notícias, com seus Jogos
Estudantis3). Esses certames pareciam mobilizar uma quantidade significativa de
jovens. Milhares deles, segundo o que se pode ler na cobertura do próprio jornal e
conforme Ana Letícia Canegal, que chama a atenção para a disputa de 1956 (Jogos
Infantis) que teria contado com “16 mil participantes” (ALMEIDA, 2012, p.15).

O número de edições desses jogos também chama a atenção. Eram disputados


anualmente e, de acordo com nosso levantamento inicial, os Jogos da Primavera tiveram
28 edições, indo até o ano de 1977. Isso distoa dos números apresentados pelo único
artigo que encontramos sobre essas competições, assinado por Ana Letícia Canegal de
Almeida (2012). A pesquisadora contabilizou um número um pouco menor de torneios.
Ainda não sabemos precisar quantos edições dos Jogos Infantis vieram à luz. Este
parece mais um vazio a ser preenchido por este estudo. Mesmo sobre o JS em geral, a
literatura acadêmica é bem reduzida. Contamos apenas com dois trabalhos importantes,
que abarcam a faixa entre 1930 e 1950 (COUTO, 2011 e 2016). Para além desse
período, apenas obras curtas e pontuais (BUARQUE DE HOLLANDA, 2012; COUTO,
2017a).

É de se destacar também que os Jogos da Primavera consistiam em competição


exclusivamente feminina. Dado o marco legal (Decreto-lei n. 3.199, de 14/04/1941) de
restrição da prática de “desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”,
nem todas as modalidades que valiam para os rapazes eram disputadas entre as meninas.
A primeira edição, em 1949, contou com atletismo, basquete, esgrima, tênis e volei,
dentre outros (ALMEIDA, 2012, p. 17). Delinear a abordagem do Jornal de modo
comparativo àquela dada aos Jogos Infantis é uma de nossas estratégias.
A Escola XV e a FUNABEM

3
Ver, por exemplo, o Diário de Notícias de 17/04/1970. Jogos Estudantis – desfile de abertura
amanhã. (Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/093718_05/2190?pesq=%22III%20jogos%20estudantis%22. Acesso em
06/07/2022).

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A Escola XV de Novembro, situada no tradicional bairro de Quintino Bocaiuva,


no subúrbio do Rio de Janeiro, apresenta uma trajetória secular. Remonta ao fim do
século XIX, tendo sido inaugurada em 1899. A bem da verdade, por essa época
localizava-se em São Cristóvão. Sua transferência para a área da antiga Fazenda da Bica
(Quintino) se deu em 1907. A “fundação da Escola Quinze de Novembreo marcou o
início da ação do Estado no que ser refere à educação dos desvalidos” (DANTAS,C.C.
et alii, 2017, p. 18). De lá para cá, todo um complexo de prédios, escolas e unidades de
triagem, assistência e reclusão foram estabelecidos no chamado complexo de Quintino.
Durante esse longo período, sucessivas agências e programas se sobrepuseram no
campus, alternando-se na gestão das unidades: Instituto Sete de setembro (1932),
Serviço de Assistência ao Menor (SAM, de 1941), Fundação Nacional do Bem Estar do
Menor (FUNABEM), Fundação Centro Brasileiro da Infância e da Adolescência
(FCBIA, 1990), Centro de Ensino Integrado (CEI, de 1995) e Fundação de Apoio à
Escola Técnica (FAETEC, 1997). Desde o CEI, o “Estado redefiniu novamente o perfil,
os objetivos e as metas da instituição” a qual “deixou de funcionar como um centro de
assistência e recuperação de menores infratores” e abandonados e passou “a ser
concebido como um centro de formação educacional” (SIQUEIRA, 2019, p.70; ver
ainda DANTAS,C.C. et alii, 2017; PESSOA, s.d.).

Nosso interesse imediato se restringe ao período sob a égide da FUNABEM,


fundada em dezembro de 1964, pelo novo Regime imposto naquele mesmo ano. A ideia
é levantar a participação da FUNABEM-Quintino nos Jogos Infantis e da Primavera.
Sabemos que a Fundação parecia dar bastante importância às práticas esportivas
(SIQUEIRA, 2019, p.70; DAMINELLI, 2019, p. 94) e que inscrevia suas unidades
nessas competições (conforme levantamento próprio na hemeroteca da Biblioteca
Nacional e na Revista Brasil Jovem). A sede de Quintino foi estabelecida, pela
FUNABEM, como um “centro-piloto” para o qual todas as atenções (e recursos)
estavam voltados (SIQUEIRA, 2019, p.p. 85; 107; 140). Constituía-se em um campo de
testes e vitrine, simultaneamente (VOGEL, 2011, p. 304; FALEIROS, 2011, p. 66). E a
participação (de preferência destacada) nos Jogos, em competição com demais colégios,
inclusive de classe média alta, se coadunava a ambos os objetivos.

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As fontes

Pois bem, relativamente às fontes, trabalharemos em três frentes. A primeira se


situa na pesquisa com o material jornalístico: as edições do JS, disponíveis na
Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Trata-se de recurso volumoso. Isso porque o JS
sabia promover seus eventos e o fazia com uma cobertura extensa, ao longo de meses e
em uma duração que se estendeu por muitos anos. Daí a necessidade de delimitação.
Tanto da unidade participante dos jogos (a FUNABEM-Quintino) quanto do período.
Para se ter uma ideia do montante, o rastreiamento dos termos (descritores) Jogos
Infantis e Jogos da Primavera, na década de 1960 e apenas no JS, resultam em 2.979 e
2.933 ocorrências, respectivamente. Um número inviável para essa nossa primeria
invetida. Por isso a restrição a uma super-estrutura recente (a FUNABEM, a qual, foi
criada em dezembro de 1964) e a uma década que só se inicia, para nossos fins, na sua
segunda metade. Dispondo os termos dessa maneira, chegamos a um conjunto
operacionalizável de 69 e 50 matches para os descritores combinados “Jogos Infantis”
“FUNABEM” e “Jogos da Primavera” “FUNABEM”. Mesmo assim, esses itens
acabam se ampliando, dado que as ocorrências se contam por página, mas há muitas
matérias, artigos e notas pertinentes em cada uma delas.

Uma fonte paralela (e comparativa) será a da Revista da FUNABEM, a Brasil


Jovem. Essa publicação oficial durou 12 anos, de 1966 a 1978 (a nós compete apenas os
quatro anos finais da década de 1960). Os exemplares estão disponiveis na Biblioteca
Nacional. Alguns deles, no Centro de Memória da FAETEC (CEMEF). Também
dispomos de pelo menos uma tese que tratou especificamente da análise desse veículo, o
trabalho de Camila Serafim Daminelli, o qual já nos foi bastante útil para a elaboração
deste projeto (DAMINELLI, 2019). Na revista, em uma primeira investida, já pudemos
constatar a existência de uma cobertura entusiástica da pariticpação da entidade nos
Jogos do JS, material que pretendemos explorar.

Complementarmente, também gostaríamos de trabalhar com o acervo da


FUNABEM-Quintino, disposto no Centro de Memória da FAETEC (CEMEF). O
principal do conjunto documental do CEMEF é constituído de prontuários dos alunos
que passaram pelas unidades do complexo, principalmente da Escola XV. São alguns
milhares de pastas munidas de fichas de inscrição, boletins, certidões de nascimento,

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encaminhamentos da justiça, fotos etc. Nem todo esse material está em condições de
consulta, mas a intenção é buscar e cruzar as informações disponíveis com o nome dos
atletas mirins que apareçam no JS e na Brasil Jovem, ampliando o espectro de dados
sobre esses jovens desportistas e suas práticas.

Justificativa

Como vim defendendo, penso que esta proposta de trabalho se justifica por
algumas possibilidades contributivas. Primeiramente em relação a um tema e período
muito mencionado, mas praticmente não pesquisado: os Jogos promovidos pelo JS.
Ainda mais quando contamos com muitas indicações de que mobilizaram milhares de
esudantes, por mais de duas décadas e tiveram como cenário palcos importantes do
esporte carioca e nacional, como o estádio das Laranjeiras e o de São Januário. Ambos
foram usados para a inauguração ou encerramento das competições (mais de uma vez).
Como ilustração, tomemos esse trecho de Bernardo Buarque de Hollanda:

Muito já se disse acerca das invenções do jornalista [Mário Filho].


Menciona-se, por exemplo, a criação do Campeonato de Torcidas em
1936 - aliás, reitero, também criado na revista O Globo Sportivo, não
no JS - e do Torneio Rio/São Paulo de clubes em 1951. Citam-se
também os Jogos Infantis (...), os Jogos da Primavera (...) e o
Campeonato de Pelada, sendo esta último realizado no Aterro do
Flamengo como forma de promover os torneios amadores na cidade”
(p. 90-91).

Hollanda constroi seu artigo na medida de uma relativização do papel de Mário


Filho nas inovações levadas a cabo pelo JS. Não tira mérito do editor e da
personalidade, apenas propõe que as qualidades do proprietário do JS são “mais bem
compreendidas quando vistas no quadro mais amplo do jornalismo esportivo da
primeira metade do século XX” (p. 90). Havia um gap historiográfico que não estava
levando em conta o papel de todo um “staff” de cronistas, jornalistas, fotógrafos,
chargistas... (p. 84). Pois bem, parece-me que meu esforço é análogo: há um buraco na
literatura sobre o JS a partir de 1960 e, também, sobre o papel e presença dos referidos
Jogos no cotidiano esportivo-estudantil da cidade. É disto que gostaria de tratar.

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Entrocamento entre História do Esporte e História da Educação

Esta proposta de pesquisa busca fazer convergir duas tradições de estudos: a da


História do Esporte e a da História da Educação. Chego a esse diálogo por conta de uma
trajetória anterior (SANT’ANA, 2020; 2017; 2013) e pelas possibilidades abertas com
meu ingresso no Centro de Memória da FAETEC (CEMEF). A ideia se baseia na
possibilidade de fazer conversar a “história das práticas corporais institucionalizadas”
(MELO, 2010, p. 66) com a investigação sobre a participação de uma instituição de
ensino em competições promovidas por um periódico especializado: o Jornal dos
Sports. Essa relação se impôs ao longo dos primeiros levantamentos relativos à
trajetória da Escola XV (FUNABEM), conforme sua aparição nos periódicos do Rio de
Janeiro na década de 1960, um dos primeiros trabalhos de mapeamento e orientação de
estudantes-bolsistas que realizei no CEMEF (SANT’ANA (org.), 2022).

A convicção da pujança e relevância de uma dimensão esportiva (no dia a dia


dessa unidade piloto da FUNABEM) foi grandemente reforçada quando da participação
na 15ª Primavera dos Museus, evento organizado pelo Instituto Brasileiro de Museus
(IBRAM). Naquela ocasião, setembro de 2021, pude participar da montagem de uma
exposição virtual, elaborada a partir de pequeno acervo de troféus e medalhas relativas a
torneios variados, nos quais a Escola se engajou, ao longo de quatro décadas4. A
pesquisa realizada para esse fim e a constatação do destaque que a cobertura da Revista
Brasil Jovem concedia às competições selaram meu interesse em estudá-las mais de
perto.

A literatura histórica que tratou da experiência da FUNABEM, embora


considerável, não tratou especificamente da dimensão esportivo-pedagógica da
instituição, embora sua forte presença não tenha passado desapercebida (DAMINELLI,
2019, p. 94; SIQUEIRA, 2019, pp. 85-86; 90; 122-23). É nesse nicho pouco explorado
que situamos nossa iniciativa.

4
Marcas do Passado na FAETEC Quintino: Troféus do SAM e da FUNABEM (exposição virtual –
2021). Mostra participante da 15ª Primavera dos Museus: perdas e recomeços (20 a 26 de setembro de
2021). Disponível em: https://bit.ly/cemef. Consultado em 06/07/2022.

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A própria relação entre educação (históra da) e a história do esporte parece


pouco trabalhada; a despeito de suas óbvias conexões. É disso que trata Coriolano
Rocha Junior, em texto recente:

Qualquer que seja a dimensão de sua experiência e fruição, o esporte assume


feições educativas. Este aspecto educacional do esporte se dá nele, por ele e
a partir dele. Ou seja, qualquer que seja a relação assumida pela pessoa com
a prática, há intrinsecamente colocado uma ação de educação, podendo ser
intencional ou não (ROCHA JUNIOR, 2020, p.95).

Essas ponderações são estabelecidas em uma coletânea que tem como mote,
exatamente, o delineamento e/ou proposição de “diálogos disciplinares” a partir da
História do esporte. Nesse sentido, arremata:

(...) tanto o fenômeno educacional, quanto o esportivo podem ganhar olhares


ampliados e interpretações que servem para lhes garantir maior amplitude
(ROCHA JUNIOR, 2020, p.99).

Meily Linhales, por sua vez, em estudo imediatamente pertinente a nossa


discussão (“Esporte e escola” – 2009) chama a atenção a um aspecto mais teórico e
relacional. Seu tema é o das “práticas discursivas e institucionais” da Associação
Brasileira de Educação (ABE), nas décadas de 1920 e 1930 (LINHALES, 2009, p. 332).
Não obstante, seu enquadramento do fenômeno esportivo é mais abrangente e nos
servirá como referência. Conforme a pesquisadora, é necessário entender a possibilidade
do esporte apresentar-se “como arena de disputa” de “reivindicações conflitantes”.
Também se deve atentar para seu potencial de “prática polissêmica e polimorfa”. O
esporte pode ser acionado como “disciplina e, ao mesmo tempo, subversão à regra” (p.
341). Dessa compreensão, Linhales extrai um interessante princípio:

a premissa de que o esporte, como um dispositivo disciplinar próprio,


participou da modelagem da escola (escolarização) e foi, ao mesmo tempo,
por ela modelado (escolarizado)” (p. 344).

É um pouco sobre isso que Victor Melo está a falar quando destaca o fenômeno
da “esportivização da sociedade” na modernidade. Senão, vejamos:

Talvez possamos mesmo falar de um processo de ‘esportivização’ da


sociedade, isso é, a adoção de determinadas características da prática
esportiva moderna como pressupostos generalizados. Obviamente que o
inverso também é claramente observado: o esporte passa a servir como

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fórum de dramatização dos conflitos de ordem política, social, econômica,


cultural” (MELO, 2010, 95. Grifo nosso).

Pois bem, pretendemos que esse preâmbulo nos sirva como auto-advertência.
Tanto para a manutenção de um olhar que busque uma maior amplitude de perspectivas
(Rocha Junior), como para a concepção do esporte (e do esporte na escola) como arena
de disputas (não só esportivas, é claro – Linhales). Também para estar atento às
funções/acionamentos múltiplos, a serem delineados na e pela pesquisa.

Antes de concluirmos este segmento, precisamos nos deter um pouco sobre o


outor lado da equação, a história da educação. De maneira sucinta e direta, recorremos a
Paolo Nosella e Ester Buffa. Em obra de introdução e balanço, esses autores afirmam
que as “instituições escolares representam um tema de pesquisa significativo entre os
educadores, particularmente no âmbito da história da educação” (2013, p. 19). De modo
quase didático, pefilam dez ‘tópicos” que podem funcionar “como categorias de
análise”. Dentre esses, elencam o “contexto histórico e circunstâncias específicas”. a
“vida escolar”; “eventos (...) festas, exposições, desfiles” (2013, p. 20).

Curiosa ou sintomáticamente, não temos a especificação do esporte na escola.


Fica, portanto, faltando esse aspecto que é potencialmente vigoroso ao cotidiano e à
“cultura escolar” (considerada elemento teórico e historiográfico importante pelos
pesquisadores – p. 19-20).

Seguindo essa dupla por mais um pouco, vemos que se ocupam de avaliar a
produção bibliográfica pertinente. Dessa forma, identificam alguns “focos das
pesquisas” da área. Nesse caso, observam que

a maioria estuda a história da instituição: sua criação, implantação e


evolução (...) que recortam certos aspectos (...) tais como: formação dos
professores, evolução do currículo, experiências pedagógicas inovadoras,
origem social da clientela escolar, trajetórias dos ex-alunos, valores
professados, organização do espaço etc. (NOSELLA e BUFFA, 2013, p.28).

Portanto, e muito provavelmente, pouca coisa deve haver na bifurcação


educação/instituição escolar e esporte. E é também aí que inserimos nossa proposta
atual.

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Apontamentos de concepção e método

Na proposição deste projeto de pesquisa, levamos em conta uma ampla


discussão sobre o ofício do historiador. Dado os limites e propósitos deste texto,
mencionaremos apenas referências pontuais, principalmente relativas ao arranjo da
proposta de pesquisa e ao trato da fonte fundamental, o periódico. No primeiro item,
pusemos atenção na organização e sistematização delineada por José D’assunção, em
um de seus muitos livros (2005). Isso nos ajudou na disposição dos termos do
levantamento inicial e das perspectivas de pesquisa. Para o trabalho com os materiais
publicados na imprensa, utilizamos amplamente o ensaio de Tania Regina de Luca
(2015). O roteiro metodológico oferecido por essa autora presidiu a apreensão inicial da
fonte jornalística, fazendo destacar o contexto de enunciação dos relatos jornalísticos,
com seus aspectos sociais, mercadológicos (público alvo) e técnicos (diagramação,
periodicidade, diferenciação das seções). Essa apreensão, por sua vez, se dá no bojo de
uma atenta observação ao “lugar de produção” dos testemunhos (CERTEAU, 1988) e a
uma historiografia essencialmente problematizadora, na clássica linha desde Lucien
Febvre (1989).

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
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