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Coordenação:
ADAUTO LUCIO CARDOSO
LUIZ CESAR DE QUEIROZ RIBEIRO
Gerência de execução:
CLEBER LAGO DO VALLE MELLO FILHO
Equipe:
Will Robson Coelho
Danielle Zid
Ana Paula Garcia de Medeiros
Luiz Marcelo Ferreira Carvalho
Peterson Leal Pacheco
Apoio: FINEP
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 2
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
Apresentação
Desde a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), em 1988, a habitação
persiste como um bem inatingível para grande parcela dos brasileiros. Mesmo aqueles que
conseguem ter acesso a essa “mercadoria impossível” o fazem, na maioria das vezes, em
condições de enorme precariedade. Embora a ação do BNH fosse falha em muitos pontos1,
com a sua extinção a moradia popular ficou órfã, passando por vários ministérios e
secretarias, sem que se conseguisse definir, com clareza um padrão de política pública a ser
implementado.
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Principalmente pela sua incapacidade em atender de forma eficiente às franjas inferiores do mercado.
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Conforme Ribeiro (1994).
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municipais3, possibilitando que suas práticas pudessem impactar com maior profundidade
o déficit habitacional local.
Esse trabalho que agora divulgamos permite comprovar que é possível e desejável
se pensar em um novo padrão de políticas de moradia, redistributivo, descentralizado,
democrático e inovador, dependendo, no entanto, de um esforço conjunto dos três níveis de
governo para que se possa enfrentar, efetivamente, as expressivas necessidades
habitacionais da população brasileira.
1. Introdução
A pesquisa em tela teve como objetivo levantar e avaliar, segundo metodologia
específica, a produção pública habitacional com participação das prefeituras em 45 dos
maiores municípios brasileiros, durante a gestão 1993-1996. Procurou enfocar aspectos
importantes desta produção, tais como ações, projetos e programas implementados com
participação das administrações, origem dos recursos e formas de financiamento, público
alvo, definição de prioridades, estrutura administrativa utilizada para dar conta destas
tarefas, aspectos e formas de gestão da política, além da interface com a política urbana,
principalmente através dos mecanismos jurídico-institucionais utilizados.
Nesta perspectiva, buscou-se avaliar o processo de implementação de políticas
habitacionais pelos governos municipais, dentro do quadro de descentralização propiciado
pela reforma constitucional de 1988. As principais questões inicialmente colocadas foram:
• Como e em que medida as políticas habitacionais têm sido assumidas pelos municípios,
levando-se em conta o instrumental jurídico institucional disponível no âmbito de cada
localidade? Como distinguir uma política de um conjunto de ações? Como se deu o
processo de formulação dessas políticas?
• Qual a estrutura administrativa utilizada – grau de articulação, peso na estrutura
municipal, nível de capacitação – diante dos objetivos colocados?
• Como caracterizar as formas de gestão aplicadas na política habitacional, em seus
programas, projetos e ações? Existe participação democrática? Como é feita a
articulação com a sociedade e com outras esferas de governo? Que tipos de parcerias
são adotadas? Quais as formas de implementação dos serviços?
• Quanto à produção, qual o perfil dos programas, projetos ou ações implementados e
quais tipos de produtos? Qual o público almejado e como se definiram as prioridades
de atendimento? Qual a origem dos recursos mobilizados e sua forma de distribuição?
• Qual o nível de articulação entre a política habitacional e as políticas fundiária, fiscal-
financeira e de controle do uso do solo?
A pesquisa se desenvolveu em duas vertentes. Numa primeira abordagem, foram
pesquisados 45 municípios, dentre os 50 inicialmente previstos, com o objetivo de fazer
uma avaliação mais geral das políticas habitacionais postas em prática no período de
gestão 1993-1996. Foram analisados os resultados de questionários respondidos pelas
prefeituras, que continham alguns aspectos relativos à gestão democrática, aos recursos
disponíveis, aos instrumentos fiscais-financeiros de política urbana e, principalmente,
3
Apenas a partir de 1995 começaram a ser liberados recursos do FGTS para as Prefeituras. No entanto, deve-
se ressalvar que esta liberação se deu sob regras severas, a partir da capacidade de endividamento dos
governos locais, o que restringiu bastante o acesso a esses recursos.
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2. As necessidades habitacionais
A criação de indicadores que permitam estabelecer um parâmetro de avaliação de
políticas depende, em larga medida, dos objetivos da avaliação. Nessa pesquisa, nosso
objetivo era construir um quadro o mais preciso possível da demanda por moradia nas
cidades estudadas, permitindo assim o estabelecimento de um padrão comparativo sobre a
efetividade das ações desenvolvidas. Com base nesses indicadores, seria possível avaliar a
escala da ação empreendida e, eventualmente, os impactos objetivos dos programas
habitacionais sobre as necessidades, tanto do ponto de vista quantitativo quanto do ponto
de vista qualitativo. Considerar o quadro local de necessidades permitiu relativizar as
diferenças identificadas nas performances das administrações, adequando os outputs ao
quadro das demandas locais.
Para construir indicadores comparáveis, é fundamental que se disponha de
informações da mesma natureza, obtidas através da mesma metodologia. Para tanto, o
Censo Demográfico, principalmente através das variáveis domiciliares, é a melhor fonte de
informações disponível. Coloca-se, no entanto, a questão da limitação dos dados
censitários para a identificação de alguns tipos de problemas locais como, por exemplo, a
questão das moradias em áreas de risco, não levantada. Outra questão relevante refere-se à
necessidade de se estabelecer parâmetros mínimos de habitabilidade, a partir dos quais se
possa mensurar o tamanho e a natureza do problema habitacional local. A única variável
do Censo que tem alguma característica normativa é a de “domicílios em aglomerados sub-
normais”, instituída a partir do Censo de 1980 como tentativa de levantar, nacionalmente, o
problema das favelas. Infelizmente, essa variável vem apresentando alguns problemas, a
saber:
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Essa reflexão sobre o conceito de necessidades habitacionais é uma versão de texto apresentado no XXI
Encontro Nacional de Estudos Populacionais, em 1998.
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Paredes de taipa não revestida, madeira aproveitada ou material de vasilhame; piso de terra, madeira
aproveitada, tijolo de barro cozido ou adobe; cobertura de madeira aproveitada, palha, sapé ou material de
vasilhame.
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utilizada no estudo da Fundação João Pinheiro, diz respeito a um conjunto de moradias que
não precisam ser substituídas, mas que podem ser “melhoradas” ou complementadas em
alguns de seus elementos constituintes (internos ou ambientais). Esse é o princípio válido
para as outras duas categorias de inadequação – por infra-estrutura ou por adensamento. Já
as famílias de baixa renda que pagam um aluguel excessivo formam uma parcela da
população em situação de carência extrema, que necessita de acesso à moradia e não de
melhorias. A única alternativa para que se tratasse tal critério no âmbito do conceito de
inadequação seria no caso de políticas de controle dos aluguéis ou de complementação de
renda, o que não faz parte da nossa experiência recente..
Essa reflexão nos leva, de imediato, a sugerir uma mudança na composição do
déficit, incluindo também as famílias com aluguel excessivo. E, como já mencionado,
sugerir também uma mudança no conceito de infra-estrutura inadequada, tomando-se como
base os parâmetros para as famílias com renda superior a 5 SM. Com relação ao primeiro
ponto, e para que se mantenha a integridade metodológica do estudo da Fundação João
Pinheiro, foi calculado o déficit habitacional segundo a definição original, initulado de
“déficit primário” trabalhando-se em separado com a questão do aluguel excessivo para as
famílias de renda familiar até 2 salários mínimos, intitulado “déficit por aluguel”.
A partir desses pressupostos metodológicos, são apresentados os resultados do
cálculo6 do déficit primário, do déficit por aluguel e da inadequação por infra-estrutura e
por adensamento para os 45 municípios objeto dessa pesquisa (conforme tabelas 1 e 2, em
anexo).
A análise dos dados mostra que o tamanho do déficit e da inadequação reflete, em
primeiro lugar, as diferenças de tamanho entre as diversas cidades, sendo maior, em termos
absolutos, nos grandes centros metropolitanos como São Paulo e Rio de Janeiro que,
sozinhos, acumulam um déficit total de cerca de 280.000 unidades. Para uma análise
comparativa, tornam-se mais importantes os indicadores relativos, ou seja, aqueles que
estabelecem a relação entre o montante do déficit e da inadequação e o total de domicílios
do município. Na tabela 1, pode-se verificar que o déficit médio entre as 45 cidades
estudadas é de cerca de 10% do total de domicílios. Considerando-se a demanda de aluguel
(exclusivamente nas faixas abaixo de 5 SM) este percentual atingiria cerca de 16%.
Todavia, as variações regionais são significativas, já que as maiores médias estão no Norte
e Nordeste (entre 14 e 15%, sem considerarmos a demanda de aluguel), enquanto o Sul e o
Sudeste apresentam médias em torno de 7,5%. As variações entre municípios de uma
mesma região são também importantes. Ainda aqui, o Sul e o Sudeste apresentam
características similares, com os valores mínimo e máximo variando entre 6,4% e 10,5%
para o Sul, e 5,7 e 9,2% para o Sudeste. Já nos casos do Norte e do Nordeste, os patamares
são bastante superiores. Apenas Feira de Santana, com 9,9%, e Aracaju, com 10,8% se
colocam próximos aos níveis superiores encontrados nas regiões Sul e Sudeste. Campina
Grande apresenta o maior déficit relativo entre os municípios estudados, que corresponde a
cerca de 20% do parque domiciliar existente em 1991, valor que se amplia para 31%
quando se adiciona o déficit por aluguel. O Centro-Oeste se coloca em posição
intermediária entre as regiões, aproximando-se da média geral.
Considerada a inadequação (Tabela 2), a situação é ainda pior, correspondendo à
defasagem histórica de investimentos em infra-estrutura e a soluções habitacionais
precárias encontradas nas habitações populares. A média global para inadequação por
6
Tomou-se como base os dados do Censo Demográfico, de 1991, onde é possível obter-se um corte por
municípios. Consideramos esses dados suficientes para os objetivos da pesquisa, cujo período de análise é
1993-1996. Está em curso um estudo de atualização desses dados a partir das informações das PNADs e da
Contagem de 1996.
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Esse valor elevado é decorrente, principalmente, dos problemas relativos à coleta de lixo, serviço que
apresenta maior grau de precariedade em relação aos avanços identificados na década de 80 acerca do
abastecimento de água e da implantação de redes de energia elétrica.
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programa PREZEIS e não apenas aquelas que teriam sido atendidas por ações específicas
ao longo da gestão 1993-1996. Como não conseguimos corrigir essa informação a tempo,
optamos por não trabalhar com o dado.
Dois municípios informaram não desenvolver qualquer ação na área de habitação
(Caxias e São Gonçalo, ambos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro). Com a sua
exclusão restaram 43 municípios que desenvolveram um total de 162 programas,
correspondendo a uma média de 3,7 programas por município. Nos questionários foi
adotada uma concepção setorial dos programas, que buscou abarcar o conjunto dos tipos
de iniciativa predominantes nos últimos anos na área habitacional e que resultou na
seguinte tipologia: construção de unidades, oferta de lotes (com ou sem infra-estrutura),
regularização fundiária, urbanização de assentamentos, cestas de material de construção,
reconstrução/reforma de habitações. A tipologia proposta já estava prevista no
questionário, sendo preenchida pelas administrações locais. Em alguns casos, após a
crítica, houve necessidade de corrigir a resposta original. Manteve-se uma classificação
aberta (“outros”) para incluir outras possibilidades não contempladas.
A análise das informações nos permitiu perceber que a definição dos programas,
pelas administrações dos municípios, pode ser feita a partir de uma base setorial (como
pressuposto na tipologia sugerida) ou geográfica, ou ainda de uma base mista. Ou seja, em
muitos casos os programas são definidos não pelo tipo de intervenção e sim pela área de
intervenção. Os casos “mistos” são aqueles em que alguns programas são definidos
segundo a base geográfica e outros segundo o tipo de intervenção. Uma visão geral sobre a
distribuição dos programas por município e ocorrência dos tipos de programas aparece na
Tabela 3, seguida pelas informações relativas ao número de famílias beneficiadas por tipos
de programas (Tabelas 4 e 5). As ações classificadas na categoria “outros” aparecem na
Tabela 6, destacando-se as experiências com novas tecnologias, geração de emprego e
renda e assessoria técnica.
Uma tendência geral da literatura que tratou da questão da recente descentralização
das políticas habitacionais é de uma certa subestimação da potencialidade da ação
municipal, no que se refere ao seu impacto e abrangência. Consideram, assim, que os
municípios tendem a não agir sem o apoio claro de recursos federais (Almeida, 1995) ou a
optar por desenvolver apenas intervenções de regularização fundiária, que apresentariam
um caráter fragmentado e pontual, configurando, portanto, políticas distributivas
(Azevedo, 1993). Os resultados encontrados, no entanto, mostram que estas interpretações
não devem ser generalizadas , já que foi identificado pela pesquisa que, em primeiro lugar,
há uma grande diversidade de formatos de ação na área habitacional e, em segundo lugar,
o porte dessas ações não parece desprezível, em várias das cidades.
A Tabela 3 mostra que doze, dos quarenta e cinco municípios apresentam menos
de 3 tipos de programas, o que indica uma razoável diversidade e abrangência das ações
habitacionais desenvolvidas, no sentido de políticas preventivas e corretivas, como já
desenvolvido na discussão do modelo normativo. Existem, todavia, diferenças
consideráveis entre as regiões, já que os municípios do Nordeste tenderam a desenvolver
um menor número de tipos de programas, se comparados ao Sul e ao Sudeste.
Outra conclusão importante diz respeito ao fato de que, os municípios enfatizam
não apenas os programas distributivos, como regularização fundiária ou oferta de material
de construção; mas também, em grau surpreendente, a construção de unidades (69% dos
municípios) e a oferta de lotes (58%), ao contrário do que afirma a literatura. Aqui também
pode ser identificada uma diferença regional, sendo menor, proporcionalmente, o número
de municípios que apresentam esses tipos de programas, nas regiões Norte e Nordeste.
Note-se ainda que, entre as quarenta e duas ações com oferta de lotes (em vinte e seis
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municípios), oito (em oito municípios) não incluíam a provisão de infra-estrutura. Esse
parece ser um indício de que essas ações se configuram como políticas distributivas e,
possivelmente, correspondam a práticas clientelistas.
Ao se considerar as famílias beneficiadas, nota-se, em primeiro lugar, uma grande
disparidade no porte dos programas, que vão de um mínimo de 70 oportunidades
habitacionais8 (oferta de lotes em Olinda), a um máximo de 16.500 (oferta de lotes em
Curitiba). A diversidade quanto ao tamanho e as necessidades habitacionais entre os
municípios nos impedem, por enquanto, de avaliar adequadamente esses números, no
entanto deve-se ressaltar que os programas de pequeno porte podem configurar práticas
clientelistas, ou ainda, ações de caráter experimental. Tomando-se a distribuição relativa
dos programas no interior dos municípios (Tabela 5), verifica-se que houve maior ênfase
nos programas de urbanização de assentamentos e de regularização fundiária, que
atenderam a respectivamente 33,3% e 29,5%, tomando como base o total de oportunidades
habitacionais oferecidas. Seguem-se os programas de oferta de lotes e de construção de
unidades, com 22,3 e 19,1%, respectivamente.
Esses percentuais correspondem, grosso modo, aos que prevalescem no Sudeste. No
Sul os programas de oferta de lotes e de construção de unidades mostram percentuais mais
elevados, enquanto, no Nordeste, destacam-se os programas de urbanização de
assentamentos e de construção de unidades.
Avaliando-se o quadro jurídico institucional dos municípios, pôde-se observar
(Ribeiro, 1994) que as leis orgânicas municipais contemplaram de forma expressiva a
responsabilização dos municípios pelo atendimento às necessidades habitacionais locais,
não apenas estabelecendo princípios gerais, como criando programas específicos. A Tabela
6 compara os programas efetivamente desenvolvidos durante a gestão 1993-1996 e o que
estava estabelecido, enquanto diretriz programática de política habitacional, nas Leis
Orgânicas Municipais.
Uma primeira observação que surge a partir da análise dessa tabela é que as
disposições constantes das Leis Orgânicas foram, em larga medida, cumpridas pelas
administrações e que, em vários casos, os municípios desenvolveram programas
habitacionais independente do que estava previsto na sua legislação máxima. No caso dos
programas de urbanização de assentamentos, o total de municípios que desenvolveram
ações (31) foi maior que o total daqueles que o previram em suas leis orgânicas (27), sendo
que, desses vinte e sete, seis não desenvolveram programas entre 1993 e 1996 e outros dez,
que não dispunham desse preceito na legislação, desenvolveram programas efetivos. No
caso dos programas de construção de unidades e de regularização fundiária, embora nem
todos os que previram tenham desenvolvido ações (26/37 e 23/34), outros municípios,
mesmo não contando com essa exigência legal, o fizeram (5 e 7).
A partir desses primeiros elementos de análise, a questão que se coloca é em que
medida essas ações têm um impacto efetivo sobre o quadro das necessidades habitacionais,
acima esboçado. Para buscar uma resposta aproximada para essa questão, os programas
municipais foram agregados em 2 tipos básicos, a saber: programas “preventivos”, que
correspondem ao atendimento do déficit habitacional (oferta de lotes e construção de
unidades) e programas “corretivos”, que correspondem ao atendimento à inadequação
(regularização fundiária e urbanização de assentamentos) (Tabelas 8.1, 8.2, 8.3 e 8.4).
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O conceito de oportunidades habitacionais foi aqui adotado, considerando-se que, em alguns casos, existe
superposição de programas para as mesmas famílias, como, por exemplo, no caso de programas de oferta de
terras e de cestas de material de construção. Nesse sentido, o número de oportunidades habitacionais pode ser
maior que o número de famílias atendidas.
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Cabe ressaltar que não necessariamente as unidades ou os lotes ofertados pelos municípios destinaram-se a
atender ao déficit habitacional. Em muitos casos, por exemplo, os programas destinavam-se ao assentamento
de populações removidas de áreas de risco, o que, na verdade, torna muito imprecisa a divisão entre
programas “preventivos” e “corretivos”. A relação aqui estabelecida, em relação ao déficit e à inadequação,
visa, assim, apenas estabelecer uma escala para a mensuração do impacto (senão real, ao menos potencial)
das ações empreendidas.
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municípios dispõem para atender às suas necessidades; por outro lado, no caso do
Nordeste, é também conseqüência da cultura política local, onde as práticas clientelistas
estão mais enraizadas no cotidiano e correspondem a mecanismos ainda não superados de
reprodução do poder, em nível local. Estas hipóteses são também válidas para alguns
municípios dormitórios em periferias metropolitanas, como Duque de Caxias e São
Gonçalo, que informaram não desenvolver qualquer política habitacional, e Nova Iguaçu,
que apresenta resultados pouco expressivos, os três no Rio de Janeiro.
Todavia, para que se avaliem adequadamente essas conclusões, é importante
considerar o grau de dependência das administrações municipais em relação ao aporte de
recursos externos, já que os resultados encontrados poderiam ser uma decorrência da ação
de poderes supra-locais. Esses dados aparecem nas Tabelas 9.1, 9.2, 9.3, 9.4, 9.5, 9.6 e 9.7.
Como se pode ver nessas tabelas, os municípios foram responsáveis, de forma
autônoma, pelo financiamento de ações que beneficiaram cerca de 43,2% das famílias.
Essas informações já demonstram a importância da iniciativa e da autonomia locais para a
implementação dos programas e corroboram as avaliações da literatura especializada sobre
a limitação dos financiamentos federais no período estudado. Observando-se a distribuição
desses recursos entre os municípios, segundo os tipos de programas, pode-se ver que, como
pressuposto na análise anterior, os municípios do Sul e do Sudeste têm maior autonomia
financeira que os do Nordeste e do Norte. Surpreendentemente, Campo Grande e Goiânia
demonstraram boa autonomia, contando pouco com o apoio de fontes externas. As
principais fontes externas de recursos foram o governo federal, os governos estaduais e a
Caixa Econômica Federal. Ressalte-se, todavia, o surgimento de novos agentes, como
ONGs e organismos internacionais que, embora com montantes pouco significativos,
apontam para a possibilidade de novas alternativas para a ação pública.
Uma outra observação relevante diz respeito à origem dos recursos dos municípios
que tiveram melhor performance (identificados pelas cores nas tabelas). Nota-se nesses
casos que, à exceção do Nordeste, onde João Pessoa e Teresina dependeram bastante de
recursos externos, os municípios contaram significativamente com recursos próprios para o
desenvolvimento das ações.
Tomando-se o caso de João Pessoa e Teresina, uma outra questão que deve ser
considerada na análise desses dados é que mesmo a possibilidade de contar com recursos
externos, em muitos casos, depende de uma razoável capacidade administrativa e técnica.
Esse é o caso dos financiamentos geridos pela CEF, com recursos do FGTS, em que, a
partir de 1995, é necessário que se tenha um projeto tecnicamente bem formulado e, ainda,
capacidade de endividamento para se ter acesso aos recursos. Não é diferente o que ocorre
no caso dos financiamentos de organismos de fomento internacionais como o BID. Esse
fato leva à uma outra conclusão, das mais significativas para nossa avaliação. No quadro
de uma “descentralização por ausência” e de uma competição desenfreada entre os
municípios pelo acesso a recursos escassos, apenas as administrações que já contem com
maior capacidade financeira e com maior qualificação técnico-administrativa terão acesso
às fontes de financiamento de nível federal e mesmo internacional. Fora isso, a opção é a
reprodução de práticas clientelistas, através das famosas emendas ao orçamento da União.
Reproduzem-se, assim, de forma ampliada, a desigualdade e o clientelismo.
Ao se observar a origem dos recursos discriminada por tipos de programas,
contesta-se mais uma vez a tese de que os municípios se limitariam a desenvolver
programas de regularização fundiária, por serem distributivos. De fato, além destes, tanto
os programas de construção de unidades quanto de oferta de lotes foram desenvolvidos em
grande parte com recursos municipais. Essa situação é bastante clara no Sul e Sudeste,
alterando-se no Nordeste. Apenas os programas de urbanização de assentamentos
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O SERFHAU foi criado em 1964 e a partir de 1967 passa a desenvolver uma política de incentivo às
prefeituras para que elaborem seus planos de desenvolvimento local integrado. Entre seus objetivos básicos
figurava a modernização administrativa das prefeituras, principalmente através da criação de órgãos locais de
planejamento.
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Um bom apanhado desse debate aparece em Grazia de Grazia, 1990.
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teor muito mais técnico que jurídico. Por outro lado, nota-se um desequilíbrio entre as seções
ligadas aos instrumentos de controle de uso do solo e política habitacional, que apresentam
uma visão política e social baseada na função social da propriedade, e aquelas seções ligadas
aos transportes e sistema viário.
De uma forma geral, os planos analisados podem ser considerados "integrados", ou
seja, buscam estabelecer princípios ordenadores para todas ou para a maioria das políticas
municipais, seguindo a herança do modelo do SERFHAU12. Em termos das diretrizes ligadas
ao uso e ocupação do solo, os planos estabelecem princípios gerais a serem detalhados e
aprofundados em legislação complementar, como as leis de uso do solo, regulamentos de
parcelamento, códigos de edificações etc. Neste sentido funcionam como leis de
desenvolvimento urbano municipais. Esta análise mostra que os planos não conseguiram
escapar de todo ao modelo do SERFHAU. Ressalte-se, neste sentido, a ênfase emprestada em
vários casos à criação ou ao fortalecimento de um sistema local de planejamento.
Deve-se mencionar ainda a importância dos planos do Rio de Janeiro e de São Paulo
como modelos para outros municípios. Pelo fato de incorporarem propostas da Reforma
Urbana, por se tratar dos dois maiores centros urbanos do país e ainda, pelo perfil de suas
administrações, vieram a se tornar referência no debate, tendo seus responsáveis técnicos
disseminado suas idéias em vários municípios, a convite das administrações locais.
Quanto aos instrumentos (além daqueles que tradicionalmente compunham o arsenal
do planejamento urbano, como o zoneamento), desde meados dos anos 70 começam a surgir
propostas para a utilização de outros, visando dotar a administração local de maiores recursos
para disciplinar e orientar a expansão urbana ou mesmo para criar maiores facilidades para a
atuação dos órgãos públicos na provisão da infra-estrutura.
Com relação à função social da propriedade urbana, verificou-se que várias Leis
Orgânicas propuseram definições específicas. Em alguns municípios, como Jaboatão dos
Guararapes, não houve preocupação em afirmar claramente o que se entendia por função
social da propriedade, bastando definir a função social da cidade e estabelecer que o exercício
do direito de propriedade fica subordinado, então, aos "direitos urbanos". Nas outras Leis
Orgânicas verifica-se, entretanto, uma tendência a estabelecer esta definição, basicamente
pautada nos seguintes princípios:
• recuperar, para a coletividade, a valorização imobiliária decorrente da ação do poder
público;
• coibir a retenção especulativa da terra;
• corrigir as distorções da valorização do solo urbano;
• assegurar a justa distribuição dos ônus e encargos decorrentes das obras e serviços de
infra-estrutura urbana;
• assegurar a justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização;
• assegurar a democratização do acesso ao solo urbano e à moradia;
• adequar o direito de construir às normas urbanísticas;
• regularização fundiária e urbanização específica para áreas ocupadas por população de
baixa renda;
• preservação ambiental.
12
Esta tendência também foi encontrada numa análise dos princípios estabelecidos pelas Leis Orgânicas para os
Planos Diretores no caso do Rio Grande do Sul, conforme Ghezzi, 1990.
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Sim Não
Solo Criado 10 40
IPTU Progressivo 44 6
Fundo Desenvolvimento Urbano 25 25
Desapropriação 44 6
Transferência do Direito de Construir 11 39
Concessão Real de Uso 27 23
Parcelamento Compulsório 39 11
Discriminação de Terras Públicas 20 30
Taxas e Tarifas Diferenciadas 8 42
Reserva Pública de Terras 8 42
Usucapião 8 42
Operações Interligadas 4 46
Áreas Especiais 20 30
de Interesse Social 14
de Programas Habitacionais 3
de Regularização Fundiária 5
Direito de Preempção 3 47
Direito de Superfície 2 48
Relatório de Impacto Urbanístico. 3 47
Fonte: Ribeiro, 1994
No quadro acima pode-se constatar que, além dos instrumentos definidos pela
Constituição Federal – a edificação ou parcelamento compulsório, o IPTU progressivo e a
desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública – aparecem com significativa
presença a concessão real de uso, o fundo de desenvolvimento urbano ou de habitação, a
discriminação de terras públicas, a criação de áreas especiais de interesse social, a
transferência do direito de construir e, finalmente, o solo criado, presente em 10 Leis
Orgânicas.
Os instrumentos oriundos da Constituição Federal tinham como objetivo,
fundamentalmente, uma ampliação do controle público sobre a ocupação do solo, que
permitisse um aumento da eficiência da ação governamental e garantisse a destinação
adequada dos investimentos em infra-estrutura e serviços. Em algumas Leis Orgânicas,
todavia, estes instrumentos ganham também uma função redistributiva, por exemplo,
através da garantia da utilização de terrenos subutilizados ou não utilizados em
assentamento de populações de baixa renda.
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Na avaliação dos instrumentos foi identificada uma diferença entre as leis que apenas os enunciavam e outras
que estabeleciam definições claras e instituíam alguns condicionantes à sua utilização. Neste último caso,
consideramos os instrumentos como "criados" e, no primeiro, como "enunciados".
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Se nas leis orgânicas e nos planos diretores há uma presença significativa – embora
não predominante – desses novos instrumentos, isso não quer dizer que eles tenham sido
efetivamente regulamentados ou que, mesmo que tenham sido, que estejam em utilização.
A tabela 10 em anexo, apresenta, para os 45 municípios aqui estudados, qual a relação
entre a previsão do instrumento em sua legislação e a sua utilização. Como se pode ver na
análise dos dados, excetuando-se as “áreas especiais”, todos os outros instrumentos foram
muito pouco adotados pelas municipalidades durante a gestão 1993-1996.
O imposto progressivo foi declarado como "utilizado" por nove municípios, mas não
fica claro, todavia, em que medida é utilizado como previsto no artigo 182 da Constituição
Federal. Com relação aos instrumentos que realizam a função social da propriedade −
edificação e parcelamento compulsórios, IPTU progressivo e desapropriação com
pagamento em títulos da dívida pública, aplicados sucessivamente −, verifica-se, com base
em informações de fontes secundárias, que aparentemente apenas o município de Porto
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Alegre tentou implementá-los, tendo como princípio que o plano diretor, pela Constituição, é
o instrumento de definição da função social da propriedade14.
Nesse município, a aplicação dos instrumentos se coloca na perspectiva de aumento
da oferta de moradias, atendendo ao déficit local, e tem acontecido com resistências dos
proprietários mas sem grandes bloqueios institucionais (Augustin Filho, A. & Tonollier,
1997) 15 . Cabe ressaltar que essa experiência se insere num esforço de recuperação da
capacidade de arrecadação local, através do fortalecimento do IPTU e do ITBI, que ganham
maior facilidade com a legitimidade conquistada pela Prefeitura através do Orçamento
Participativo.
O solo criado, possivelmente a maior "novidade" na discussão dos planos diretores
municipais16, foi efetivamente utilizado, segundo as informações do questionário, por apenas
nove dos quarenta e cinco municípios, sendo que, mesmo esse número, é ainda questionável.
Um dos problemas com relação a esse instrumentos diz respeito à sua definição,
principalmente no que toca ao índice único, que não foi adotado de maneira uniforme pelas
legislações locais. Em Recife e Curitiba, por exemplo, a venda de índices se dá a partir do
coeficiente máximo estabelecido para as áreas adensáveis. Esse instrumento, desde sua
discussão inicial, galvanizou críticas contundentes, principalmente dos setores ligados à
construção civil, podendo-se supor que seu baixo nível de utilização reflete a “capacidade de
veto” dos setores imobiliários, em nível local. Nesse sentido, parte significativa da resistência
à aprovação do Plano Diretor de S. Paulo, concebido na gestão de Luiza Erundina, derivou,
principalmente, do fato de o mesmo ter o solo criado como núcleo da proposta. Também o
caso do Rio de Janeiro é expressivo, já que a proposta oriunda dos setores técnicos – que era
auto-aplicável, como a de São Paulo – foi modificada: o instrumento foi aprovado mas sua
regulamentação ficou pendente e foi abandonada pela gestão do Executivo municipal que se
seguiu17.
São Paulo é o principal exemplo dos efeitos perversos da aplicação de um
instrumento, adotado por apenas 3 municípios, que foi parte da agenda de discussão sobre os
planos diretores, no início da década de 90 − as Operações Urbanas18. Esse instrumento
permite a “parceria” entre a iniciativa privada e o poder público para a realização de obras de
infra-estrutura que possibilitem a renovação urbana em áreas “degradadas” ou a
transformação de uso e a reurbanização. A participação da iniciativa privada, na forma de
recursos para a realização das obras, é feita mediante contrapartida na transformação dos
parâmetros urbanísticos, através da permissão para usos antes vedados ou para o aumento de
potencial construtivo. No caso de São Paulo, a maior operação realizada foi a “Faria Lima”,
que permitiu a expansão do Centro de São Paulo. Outras operações importantes foram a
“Anhangabaú” e a “Córrego Águas Espraiadas”. A experiência mostra o quanto esse
instrumento pode ser útil ao capital imobiliário, já que os investimentos públicos são feitos na
mesma área em que são vendidos os direitos excepcionais. Ou seja, o capital apenas financia
parte dos investimentos cujo resultado será a sua própria valorização. Esse instrumento,
usado dessa forma, presta poucos serviços à população de baixa renda. No caso do Córrego
Águas Espraiadas, operação proposta ainda na gestão Erundina mas realizada − e modificada
em seu espírito − na gestão Maluf , os efeitos foram extremamente perversos. Como existia
14
Trata-se de uma ambigüidade da lei já que, ao mesmo tempo, a CF estabelece a necessidade de
regulamentação através de lei complementar, em nível federal.
15
Conforme Augustin Filho, A. e Tonollier, 1997.
16
Na verdade este instrumento já era motivo de largos debates desde 1974, embora então não tivesse o conteúdo
redistributivista que lhe foi dado recentemente. Ver, a respeito, Ribeiro e Cardoso, 1992.
17
Ver, a respeito Cavalieri, 1993.
18
As informações básicas sobre o instrumento estão em Azevedo Netto, D. T., 1997. Ressalte-se todavia
nossa discordância em relação aos pontos de vista do autor.
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 22
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
uma área de ocupação de baixa renda no local, com extremo potencial de valorização, e como
não foram desenvolvidas políticas específicas para mantê-los no local, essas áreas foram
“liberadas” através da ação dos empresários. Há indícios de que a população que ali residia
foi, em grande parte, engrossar o processo de ocupação das áreas de mananciais.
É também São Paulo o gerador e incentivador das Operações Interligadas,
instrumento adotado por quatro municípios. Gestado no governo Jânio Quadros no âmbito da
Lei do Desfavelamento, o instrumento vem sendo utilizado sucessivamente nas gestões
Erundina, Maluf e Pitta. Dos instrumentos previstos pelo Plano Diretor do Rio de Janeiro, é o
único que foi regulamentado. Os argumentos a seu favor incluem seu efeito redistributivo, a
possibilidade de capturar a valorização imobiliária, e, recentemente, seu papel na
“flexibilização” da legislação considerada, como ultrapassada, ilegítima e rígida,
“engessando” o mercado, que passa a ser considerado como ótimo alocador de recursos. É um
instrumento que maximiza as oportunidades não apenas do mercado imobiliário como
também das atividades econômicas em geral. No caso do Rio de Janeiro seus efeitos são
muito mais graves, já que a lei que regulamentou o instrumento é extremamente dúbia e gerou
grandes possibilidades de um uso discricionário, com pouca visibilidade e sem controle
social, transferindo as decisões exclusivamente para o corpo técnico da prefeitura ou, no
limite, para o Secretário de Urbanismo19.
Por fim, cabe ressaltar o grande potencial renovador da legislação trazida pelo
instrumento das Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS). Foi previsto por vinte leis
orgânicas e vinte planos diretores, num total de vinte e sete municípios e adotado em vinte e
oito, sendo que, dentre esses, oito não o haviam previsto anteriormente. Trata-se de recurso
poderoso para a regularização fundiária e para a garantia da manutenção das populações de
baixa renda em áreas ocupadas, reduzindo os riscos de remoção. Sua utilização foi, em alguns
casos, extremamente inovadora, ressaltando-se as experiências de Recife e Diadema. Nesse
último município, o instrumento integrou o plano diretor, não somente através de uma
definição formal, mas incluindo a delimitação geográfica das áreas, tendo sido aplicado não
apenas sobre os assentamentos existentes mas também sobre áreas livres. Esse fato colocou os
moradores em condições mais favoráveis para a negociação com os proprietários para a
regularização fundiária, ou mesmo para a aquisição de terrenos vazios para o
desenvolvimento de empreendimento habitacionais populares, na forma de cooperativas, com
a mediação, o apoio e a assessoria do poder municipal.
Em resumo, pode-se afirmar que os instrumentos de política urbana, que geraram
discussão tão acirrada no período de elaboração dos planos diretores, foram escassamente
aplicados e, em alguns casos, sua aplicação não tem se dado segundo princípios de
redistributividade e de transparência administrativa. A exceção fica com as Áreas de
Especial Interesse Social, cuja adoção vem simplificando os trabalhos de regularização
urbanística e fundiária dos assentamentos populares e cria possibilidades para se
estabelecer uma política fundiária efetiva com base em um instrumento regulatório.
19
Conforme Cardoso et al., 1997
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 23
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
5. Conclusões
Ao se analisar a literatura, constata-se um efetivo processo de descentralização e
municipalização das políticas habitacionais, a partir de meados dos anos 80, seja pela
redefinição institucional promovida pela nova Constituição, seja pela iniciativa dos novos
governos locais eleitos na década de 80, ou ainda, como reflexo da fragilidade das políticas
federais. Esse processo é visto, em geral, de uma forma positiva, que ressalta a potencialidade
da gestão local em ampliar a eficácia, a eficiência e a democratização das políticas. A gestão
local teria, ainda, a virtude de ser o nível de governo que permitiria uma maior integração
entre as políticas de provisão de moradias e as políticas fundiária e de controle do uso e
ocupação do solo, o que ampliaria mais suas possibilidades de eficácia/eficiência .
Por outro lado, a nova Constituição estabeleceu, para o campo temático da moradia, o
que parece ser um modelo ambíguo de descentralização, pois amplia as competências e
atribuições municipais mas mantém uma superposição de atribuições entre os níveis de
governo. Essa ambigüidade adquire mais importância na medida em que não são
estabelecidas prioridades e critérios redistributivos claros para a alocação dos recursos em
nível federal. Dada essa limitação, tal descentralização pode ser caracterizada como “por
ausência”, e sua eficácia pode ser limitada pela regressividade e pelo clientelismo na
distribuição dos recursos. Ao mesmo tempo, a retomada das eleições dos governos locais nos
estados e nas cidades, após o período autoritário, gerou um processo espontâneo de
formulação e desenvolvimento de políticas habitacionais locais, cujo alcance real e
capacidade concreta de implementação não são claros, independentemente dos rumos da
política federal. Esse processo seria limitado, em princípio, pela capacidade financeira dos
municípios. Alguns autores ressaltaram os limites da ação local que tenderia a se concentrar
em experiências de cunho clientelista ou permaneceria dependente de recursos federais. Essas
hipóteses não se comprovaram, já que as análises anteriores mostraram que em várias cidades
a produção por iniciativa municipal independeu de recursos externos e teve forte abrangência
e diversidade. De fato, entre os quarenta e cinco municípios analisados, vinte e quatro tiveram
políticas de oferta de terrenos ou de unidades superiores a 5% do déficit habitacional local, o
que é um resultado bastante expressivo.
O problema maior aparece quando se avalia os indicadores relativos às condições
de moradia, observando-se uma enorme desigualdade entre os municípios do Norte e do
Nordeste, e os do Sudeste e Sul, em termos do déficit e da inadequação relativos. Uma
situação similar – embora não tão grave – aparece nos municípios das periferias
metropolitanas, principalmente no Rio de Janeiro, em que, embora o déficit relativo não
seja tão elevado, o desempenho das políticas é pífio. São exatamente nesses casos que se
verifica um desempenho menos significativo da política habitacional. Ou seja, são os
municípios mais pobres, que mais precisariam desenvolver políticas eficazes, os que
contam com menor autonomia na formulação e implementação de políticas e menor
capacidade de alavancagem de recursos (internos ou externos).
Uma outra constatação importante diz respeito ao número de municípios que
dispõem de estruturas administrativas aparentemente mais organizadas, seja através de
órgãos de administração direta e de secretarias de habitação.Essa caracterização coincide
amplamente com a dos municípios com melhor desempenho20, ou seja, mostra a
necessidade de um esforço organizacional, através da criação de órgãos específicos no
interior da estrutura administrativa das prefeituras, para o desenvolvimento das ações
habitacionais. Mostra ainda um certo grau de burocratização, como um dos elementos
20
Embora nem todos os municípios que adotaram esse formato administrativo tenham apresentado
desempenho significativo.
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 24
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
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MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 26
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
Tabelas Anexas
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 27
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
Tabela 2 - Inadequação por Infra-estrutura e Adensamento, por Município e por Região - 1991
indica existência de parcela de famílias atendidas, além do exposto, sobre a qual não se obteve informação quantitativa.
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 31
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
Total de Total
Construção Reconstrução Material Urbanização de Regulariz. Oferta de
Município Região Oportunidades Famílias
Unidades e Reformas construção Assentamentos Fundiária lotes
Habitacionais Atendidas
Campo Grande CO 4,3% 0,0% 0,0% 0,0% 46,5% 49,2% 9551 9551
Cuiabá CO 37,6% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 62,4% 1090 1090
Goiânia CO 14,8% 3,0% 2,5% 15,2% 62,5% 1,9% 7861 5265
Média CO 18,9% 1,0% 0,8% 5,1% 36,3% 37,8% 18502 15906
Belém N 23,8% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0 0
Boa Vista N 19,2% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 65,6% 6100 6100
Média N 21,5% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 32,8% 6100 6100
Aracajú NE 0,0% 0,0% 0,0% 97,2% 0,0% 2,8% 2573 2573
Campina Grande NE 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100 100
Feira Santana NE 50,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 50,0% 200 100
Fortaleza NE 81,6% 18,4% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 2451 2451
Jaboatão NE 0,0% 0,0% 0,0% 74,4% 19,4% 6,2% 5927 4857
João Pessoa NE 2,7% 0,0% 0,0% 91,7% 5,7% 0,0% 4846 4846
Natal NE 34,3% 15,0% 0,0% 50,7% 0,0% 0,0% 1480 750
Olinda NE 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0% 70 70
Recife NE 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0 0
Salvador NE 100,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 718 718
Teresina NE 16,0% 16,2% 0,0% 25,9% 26,0% 16,0% 22235 9371
Média NE 25,9% 13,6% 0,0% 30,9% 4,6% 15,9% 40600 25836
Caxias do Sul S 10,4% 4,7% 6,2% 21,0% 45,2% 12,6% 16356 15010
Curitiba S 1,8% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 98,2% 16802 16802
Florianópolis S 14,0% 0,0% 0,0% 31,7% 11,4% 42,9% 643 276
Joinville S 1,3% 0,0% 0,0% 49,3% 49,3% 0,0% 23034 11669
Londrina S 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0 0
Pelotas S 100,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 149 149
Porto Alegre S 13,3% 0,0% 0,0% 19,3% 0,0% 40,8% 29651 29651
Média S 20,1% 0,7% 0,9% 17,3% 15,1% 27,8% 78752 73557
Belo Horizonte SE 11,5% 2,6% 2,1% 23,8% 50,9% 9,0% 18450 13679
Campinas SE 0,0% 0,0% 1,8% 0,0% 0,0% 67,7% 3985 3985
Contagem SE 13,5% 0,0% 0,0% 68,1% 0,0% 18,4% 3671 3605
Diadema SE 13,9% 0,0% 2,4% 50,4% 24,0% 9,3% 8340 4740
Duque de Caxias SE 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0 0
Guarulhos SE 0,0% 0,0% 0,0% 58,8% 0,0% 41,1% 2588 2588
Jundiaí SE 15,6% 9,4% 0,0% 44,6% 30,4% 0,0% 1839 821
Mauá SE 67,9% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 32,1% 1507 1507
Niterói SE 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 96,4% 3,6% 552 532
Nova Iguaçu SE 3,8% 0,0% 0,0% 0,0% 96,2% 0,0% 5720 5720
Osasco SE 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0 0
Ribeirão Preto SE 22,5% 0,0% 0,0% 19,4% 0,0% 58,1% 9051 7295
Rio de Janeiro SE 18,4% 0,0% 0,0% 47,9% 33,7% 0,0% 32079 31529
S. Bernardo SE 100,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 830 830
S.José Campos SE 0,0% 0,0% 0,0% 8,9% 91,1% 0,0% 4652 4236
Santos SE 36,3% 4,8% 0,8% 0,0% 24,2% 33,9% 13482 7583
São Gonçalo SE 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0 0
S. J. de Meriti SE 9,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 90,9% 2200 2200
São Paulo SE 53,8% 0,0% 0,0% 46,2% 0,0% 0,0% 26281 15665
Sorocaba SE 25,6% 0,0% 0,0% 34,3% 34,3% 5,8% 19083 12568
Sto. André SE 44,3% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 55,7% 361 361
Vitória SE 0,0% 0,0% 0,0% 50,0% 50,0% 0,0% 16000 8000
Média SE 19,8% 0,8% 0,3% 20,6% 24,1% 19,3% 148789 127444
TOTAL 19,1% 2,3% 0,7% 33,3% 29,5% 22,3% 292743 248843
Fonte: Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal - IPPUR/UFRJ
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 32
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
Aplicação de Geração de
Assessoria
Município Região Programa novas emprego e Outros
Técnica
tecnologias renda
Ecomoradia - Assentamento de
Cuiabá CO moradores de área de risco
Goiânia CO Projeto Nova Vida (ciclovia)
Vila Tecnológica de Goiânia
Boa Vista N Construção de Casas
Olinda NE Reassentamento de Sem-terras urbanos
Plano de regulamentação de Zonas de
Recife NE Especial Interesse Social (Prezeis)
Programa Prefeitura nos bairros
Loteamentos Populares e Unidades
Caxias do Sul S Habitacionais
Cooperativas Habitacionais
Mutirões construtivos
Curitiba S Vila tecnológica de Curitiba
Florianópolis S Vila União da Vargem do Bom Jesus
Joinville S Plano Habitacional de Joinville
Pelotas S Projeto Mutirão
Porto Alegre S Cooperativas Habitacionais
Reurbanização de vilas
Comissão de Negociação
Prog. Difusão Tecnológica Habitação
Contagem SE Baixo Custo - PROTECH
Diadema SE Apoio à autoconstrução (autogestão)
Niterói SE Mata-Paca (Regularização Fundiária)
Ribeirão Preto SE Projeto Vila Tecnológica
Santos SE Vila Nova no Dique
Vila Santa Casa
Programa de Locação Social
Vila Vitória
Sorocaba SE Bons Frutos
Verde que te quero verde
Não compre lote por lebre
Moradia econômica
Lotes Urbanizados
Fonte: Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal - IPPUR/UFRJ
OBS 1: Na categoria Outros incluem-se programas de implantação de fábricas e núcleos de produção de materiais de construção
para a comunidade (Niterói e Olinda); intermediação de conflitos para evitar despejos (Porto Alegre); instalação de equipamento
comunitário (Recife); locação social (Santos) e preservação e recuperação de áreas verdes (Sorocaba).
OBS 2: Na categoria Aplicação de Novas Tecnologias existem programas de pesquisa com métodos construtivos usando
estrutura metálica, sistema trava-blocos em concreto sem uso de mão de obra especializada; aproveitamento de resíduos de
madeira, uso de alvenaria estrutural e sistema modular de blocos cerâmicos.
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 33
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
desempenho inferior a 5%
desempenho entre 5 e 10%
desempenho entre 10 e 20%
desempenho entre 20 e 50%
desempenho superior a 50%
Obs.: Não foram considerados nesta tabela os programas de Oferta de lotes sem infra-estrutura, o que altera o número de famílias
beneficiadas nos municípios de Aracaju, Feira de Santana, Caxias do Sul, Contagem e Niterói.
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 35
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
desempenho inferior a 5%
desempenho entre 5 e 10%
desempenho entre 10 e 20%
desempenho entre 20 e 50%
desempenho superior a 50%
Obs.: Não foram considerados nesta tabela os programas de Oferta de lotes sem infra-estrutura, o que altera o número de
famílias beneficiadas nos municípios de Aracaju, Feira de Santana, Caxias do Sul, Contagem e Niterói
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 36
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
desempenho inferior a 5%
desempenho entre 5 e 10%
desempenho entre 10 e 20%
desempenho entre 20 e 50%
desempenho superior a 50%
Obs.: Não foram considerados nesta tabela os programas de Oferta de lotes sem infra-estrutura, o que altera o número de
famílias beneficiadas nos municípios de Aracaju, Feira de Santana, Caxias do Sul, Contagem e Niterói
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS: 37
Uma avaliação da experiência recente (1993-1996)
Internacional +
Municipais
Órgão Público
Setor Privado
Setor Público
Internacional
Recursos
Organização
Organização
CEF + Órgão
Econômica
Região
inform.
Usuários
Público
Caixa
Município sobre Total
origem de
recursos
Belém
Boa Vista
Aracajú
Campina Grande
Feira Santana
Fortaleza
Jaboatão
João Pessoa
Natal
Olinda
Recife
Salvador
Terezina
Caxias do Sul
Curitiba
Florianópolis
Joinville
Londrina
Pelotas
Porto Alegre
Belo Horizonte
Campinas
Contagem
Diadema
Duque de Caxias
Guarulhos
Jundiaí
Mauá
Niterói
Nova Iguaçu
Osasco
Ribeirão
Rio de Janeiro
S. Bernardo
S. José Campos
Santos proj.
São Gonçalo
S. J. de Meriti
São Paulo proj. proj.
Sorocaba
Santo André
Vitória
45 m unicípios 20 20 28 11 14 9 29 16 9 3 3 4 1 6 3 24 0 7
Fonte: Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal
Legenda: previsto na Lei orgânica
previsto no plano diretor
proj. previsto no projeto do plano diretor
efetivamente utilizado