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ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 1

GASTO PÚBLICO
NO TERRITÓRIO E O
TERRITÓRIO DO GASTO
NA POLÍTICA PÚBLICA
UM ESTUDO SOBRE A TERRITORIALIZAÇÃO
DO GASTO PÚBLICO NA CIDADE DE SÃO PAULO
2014-2017

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


Criada em 2006, a Fundação Tide Setubal é uma organização
não governamental, de origem familiar, que atua com a missão
de fomentar iniciativas que promovam a justiça social e o
desenvolvimento sustentável de periferias urbanas e contribuam
para o enfrentamento das desigualdades socioespaciais das
grandes cidades, em articulação com diversos agentes da sociedade
civil, de instituições de pesquisa, do estado e do mercado.

www.fundacaotidesetubal.org.br

Presidente do Conselho Curador: Maria Alice Setubal


Conselho Curador: Jailson de Souza e Silva, José Luiz Egydio
Setubal, Olavo Egydio Setubal Júnior, Rosemarie Teresa Nugent
Setubal, Sueli Carneiro, Tide Setubal Souza e Silva Nogueira
Conselho Consultivo: Haroldo Torres e Mauricio Ernica
Superintendente: Paula Giuliano Galeano
Coordenação de Ação Macropolítica: Handemba Mutana Poli dos Santos
Coordenação de Comunicação: Fernanda Nobre
Coordenação de Conhecimento: Fábio Tsunoda
Coordenação de Territórios: Wagner Luciano Silva (Guiné)
Coordenação de Administrativo Institucional: Mirene Rodrigues São José

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO


E O TERRITÓRIO DO GASTO
NA POLÍTICA PÚBLICA
UM ESTUDO SOBRE A TERRITORIALIZAÇÃO
DO GASTO PÚBLICO NA CIDADE DE SÃO PAULO
2014-2017

Autor do estudo: Tomás Wissenbach, geógrafo,


mestre em Geografia Humana, doutorando em Administração
Pública e Governo na Fundação Getulio Vargas (FGV-SP)
Projeto gráfico: Naru Design
Revisão: Lupa Texto
FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL,
GASTOS PÚBLICOS E
O ENFRENTAMENTO
DAS DESIGUALDADES
SOCIOESPACIAIS

O
APRESENTAÇÃO

estudo “Gasto Público no Território e Território do Gas-


to na Política Pública” faz parte do novo ciclo de atua-
ção da Fundação Tide Setubal, que, após dez anos na
zona leste de São Paulo, definiu em 2017 novas diretrizes e re-
desenhou sua missão para fomentar iniciativas que promovam
a justiça social e o desenvolvimento sustentável de periferias
urbanas e contribuam para o enfrentamento das desigualdades
socioespaciais das grandes cidades, em articulação com diver-
sos agentes da sociedade civil, de instituições de pesquisa, do
estado e do mercado.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, São Paulo
é uma das 50 cidades mais desiguais do mundo. Apesar da evi-
dente insustentabilidade do modelo de urbanização que separa
o centro e a periferia da cidade e que amplia as desigualdades
em seus diferentes aspectos, ainda é possível perceber uma re-
lativa concentração de recursos e serviços públicos e privados
nas áreas centrais. Uma distribuição desses recursos que consi-
dere parâmetros de justiça social ainda está longe de ser colo-
cada em prática.
Para agir nesse contexto complexo e que exige ações mul-
tissetoriais, a Fundação Tide Setubal circunscreveu sua missão
em três eixos: territórios, conhecimento e ação macropolítica. O
eixo territórios tem como propósito impulsionar o desenvolvi-
mento de territórios concentradores de pobreza, promovendo o
fortalecimento de agentes locais, valorizando e potencializando
seus saberes, embasado na construção conjunta. Já no eixo co-
nhecimento, as ações estão centradas em produzir, sistematizar
e difundir conhecimento com vista a ampliar a capacidade da
Fundação e de outros agentes para o enfrentamento das desi-
gualdades socioespaciais nas grandes cidades.
No eixo de ação macropolítica, as demandas e experiências
territoriais se conectam à produção do conhecimento para, as-
sim, realizar mobilizações e articulações capazes de influenciar a
formulação e a execução de políticas públicas, órgãos de fisca-

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


lização, agentes do Executivo e do Legislativo, bem com outros
agentes da sociedade civil e do mercado, para que as desigual-
dades territoriais sejam objeto de ações efetivas de iniciativas
da sociedade e de políticas públicas.
Uma das principais causas das desigualdades entre os ter-
ritórios é a má distribuição de recursos públicos, que não são
alocados de forma a reduzir as desigualdades socioespaciais.
Somadas a isso, a cultura de pouca participação política, para
além do voto, e subutilização de mecanismo de participação so-
cial por parte do poder público são fatores que contribuem para
a manutenção desse problema.
No âmbito dessa discussão, o presente trabalho, realizado
por Tomás Wissenbach, a partir de um edital de pesquisa pro-
movido pela Fundação Tide Setubal, colocou como questão
central elaborar um retrato relativo à produção de informação
sobre a territorialização do gasto público na cidade. Tratou-se,
essencialmente, de compreender o processo de execução or-
çamentária no que diz respeito à geração de informações re-
ferenciadas geograficamente, identificando o percentual do
gasto público que é efetivamente realizado e considerando um
enfoque nas secretarias-fim, isto é, aquelas que realizam investi-
mentos ou prestam serviços diretos à população e que são, por-
tanto, essenciais ao seu bem-estar. Em síntese, o estudo ilustra,
sob a perspectiva orçamentária entre 2014 e 2017, a ausência de
informações sobre a localização dos gastos públicos na cidade
de São Paulo.
A partir da publicação e da divulgação dessas informações,
a Fundação Tide Setubal pretende promover a união de esfor-
ços, de vozes e de representantes de diferentes setores e a refle-
xão sobre a importância e o papel do orçamento territorializado
no município de São Paulo, fazendo valer essa ferramenta fun-
damental para a participação, a transparência e a democracia e
para o enfrentamento das desigualdades socioespaciais.

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 2

1
ORÇAMENTO E TERRITÓRIO: LEGISLAÇÃO E PARTICIPAÇÃO.......................... 10

TERRITÓRIO DIMENSÃO CONTRADITÓRIA


NAS NORMAS DO ORÇAMENTO PÚBLICO.....................................................................................11
O orçamento público no marco das regras federais.....................................................................11
As normas no nível municipal .............................................................................................................14

ORÇAMENTO REGIONALIZADO: CONDIÇÃO NECESSÁRIA


PARA PROCESSOS PARTICIPATIVOS...............................................................................................15
Desafios da participação.......................................................................................................................16
Regionalização e participação.............................................................................................................19

2
IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO..................................... 22

UMA ANÁLISE DO ORÇAMENTO PÚBLICO PAULISTANO SOB O ENFOQUE


DA TERRITORIALIZAÇÃO DOS GASTOS.........................................................................................23
Metodologia..............................................................................................................................................24
Identificação dos gastos territorializados........................................................................................26
Gastos territorializados no período recente....................................................................................29

3
IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES...................................................34

PRINCIPAIS GRUPOS DE DESPESA E AS BARREIRAS


PARA REGIONALIZAÇÃO.....................................................................................................................35
Ausência de rotinas para regionalizar os gastos com terceiros................................................39
Baixa padronização das informações sobre o gasto com pessoal...........................................39

INVESTIMENTOS: ONDE ESTAMOS TRANSFORMANDO A CIDADE?.....................................43


O detalhamento da ação: um caminho para territorializar o gasto público?........................44

IDENTIFICANDO OPORTUNIDADES PARA


TERRITORIALIZAR O GASTO PÚBLICO...........................................................................................47
Um olhar sobre a composição dos gastos por secretarias.........................................................49
Territorialização do gasto na política social: uma leitura para saúde,
educação e assistência social..............................................................................................................53

RECOMENDAÇÕES PARA O GEORREFERENCIAMENTO DO ORÇAMENTO PÚBLICO.....54


Síntese das barreiras e recomendações...........................................................................................57
Encaminhamentos para defesa do georreferenciamento do orçamento público...............61

BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................... 64
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO 7

públicos (que o município não resolveu),


mas também com novas dinâmicas que im-
põem formulações de políticas públicas de
um novo tipo. Envelhecimento populacio-
nal, mudanças climáticas, transformações
na estrutura produtiva da cidade são alguns
dos elementos que deverão exigir novas so-
luções e um olhar para o futuro. Ademais,
após a renegociação de dívida municipal
com a União, a Prefeitura de São Paulo po-
derá contrair novas operações de crédito.
Esse elemento poderá tanto contribuir para
a resolução de parte dos desafios urbanos
como aprofundar a desigualdade, compro-
metendo, também, as futuras gerações.
De qualquer ponto de vista que se anali-
se, a discussão sobre o orçamento, particu-
larmente sobre o gasto público, se encon-
trará no centro do debate. Exigirá decisões
políticas e implicará escolhas importantes
para a população paulistana. Para isso, será
necessário ter clareza sobre as alternativas e,
mais do que medir os projetos de cidade por
discursos ou palavras, um acompanhamen-
to contínuo daquilo que se traduz no plano
concreto: o gasto efetivamente realizado.
Numa cidade extremamente desigual, com-

A
pós um período de grande expan- plexa e heterogênea, compreender a direção
são das receitas e das despesas no dos esforços não será tarefa trivial. Ainda
município de São Paulo, o debate mais tratando-se de um tema – o orçamento
travado em relação ao gasto público na ci- público – extremamente técnico, com estru-
dade entrará em um período crucial. Afinal, tura, linguagem e procedimentos próprios,
sua arrecadação não apresenta (e, provavel- muito pouco acessíveis ao cidadão.
mente, não encontrará nos próximos anos) Nesse contexto, identificar a dimensão
a mesma trajetória ascendente que viveu territorial do gasto revela-se decisivo. Pri-
nos últimos 15 anos. Ao mesmo tempo, o dé- meiro porque permite, de fato, compreen-
ficit de investimentos sociais não foi ataca- der melhor a efetividade das políticas pú-
do adequadamente, e o enfrentamento da blicas face à redução das desigualdades.
elevada desigualdade socioterritorial exigirá Indicadores, pesquisas e trajetórias de vida
uma nova etapa de pactuação. Se pelo lado mostram, com fartura de evidências, que o
do resultado fiscal as pressões devem ocor- espaço é um elemento central para eluci-
rer na direção de contínua avaliação dos dar esse caminho. Segundo porque, dadas
gastos e otimização dos esforços, pelo lado as dimensões da cidade, a apropriação das
da demanda, as políticas públicas devem despesas segundo referências territoriais
VOLTAR
conviver com a necessidade de assegurar as aproxima o cidadão da administração públi- PARA
condições mínimas de acesso aos serviços ca, torna mais concretos os grandes núme- SUMÁRIO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


8 INTRODUÇÃO

ros e dá sentido para a discussão pública. do estudo procurou identificar caminhos


O cenário encontrado, porém, é extre- para superar esse desafio. Desde o início,
mamente negativo. Com base nas infor- foi considerado como caminho ideal: a me-
mações públicas, pode-se dizer com clare- lhor forma de dispor de informações sobre
za: não se sabe onde o gasto público está o orçamento regionalizado é com base em
sendo efetivamente realizado. Com isso, a dados que são produzidos na própria exe-
sociedade civil não apenas fica privada da- cução orçamentária1. A investigação sobre
quilo que é uma obrigação legal do poder esse processo, portanto, se deu a partir de
público como vê a sua possibilidade de in- dois objetivos:
cidência significativamente limitada. Nem
mesmo o Executivo municipal – que coman-
da o processo e define politicamente sua di-
reção – tem em mãos e produz dados que
reflitam a sua orientação. Reverter o quadro
1 Identificação de barreiras: por
que, a apesar de existir uma
obrigação legal, a dimensão
de ausência de informações de qualidade territorial está tão pouco
torna-se uma condição fundamental para presente nos procedimentos
construir uma cidade melhor, mais digna, relativos ao planejamento e
para os seus moradores no futuro. execução (reserva, empenho e
No âmbito dessa discussão, o presente liquidação) do orçamento?
trabalho, realizado com base em um edital
de pesquisa promovido pela Fundação Ti-
de Setubal colocou como questão central a
elaboração de um retrato relativo à produ-
2 Identificação de oportunidades:
o que pode ser feito para
mudar essa situação?
ção de informação sobre a territorialização
do gasto público na cidade. Tratou-se, es-
sencialmente, de compreender o processo Para responder a essas perguntas, du-
de execução orçamentária no que diz res- as estratégias de pesquisa foram centrais: a
peito à geração de informações referencia- realização de entrevistas e a análise de da-
das geograficamente. Nesse sentido, o pre- dos disponíveis em formatos abertos. Em
sente documento apresenta dois estudos se tratando, sobretudo, da elucidação de
que foram realizados para captar essas de- um processo que ocorre no interior da ad-
mandas. No primeiro deles, buscamos iden- ministração pública, sob um ponto de vista
tificar o percentual do gasto público que é específico, para o qual são escassas as do-
efetivamente realizado, considerando um cumentações ou análises acadêmicas, foram
enfoque nas secretarias-fim, isto é, aquelas essenciais entrevistas semiestruturadas com
que realizam investimentos ou prestam ser- profissionais e especialistas em políticas pú-
viços diretos à população e que são, portan- blicas, com ênfase nos temas relacionados
to, essenciais ao seu bem-estar. ao orçamento público e à governança. O tipo
Uma vez constatado o baixíssimo per- de questionário utilizado se justifica em fun-
centual de gastos regionalizados, o segun- ção de ser um levantamento eminentemente

1   Uma definição importante nesse sentido se deu em reunião com a Fundação Tide Setubal na qual foram descartadas opções
VOLTAR metodológicas relacionadas a formas de rateio ou cálculo indireto dos dados. Isso porque a complexificação do cálculo, com
PARA muitas informações indiretas, dificultaria a compreensão do público e, ademais, acabaria por levar o debate a discussões – entre
INÍCIO diferentes partes envolvidas – a respeito das metodologias, e não dos resultados.

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


INTRODUÇÃO 9

qualitativo, por meio do qual se pretendia, como um instrumento da política pública,


sobretudo, extrair informações advindas da quanto para identificar a dimensão territo-
experiência de cada um com o tema. rial enquanto obrigação legal. Além disso, o
As perguntas combinaram uma parte levantamento das referências bibliográficas
comum a todos com questões específicas, e de pesquisas sobre o tema foi um recur-
concernentes às especificidades da experi- so acessório (mas não desimportante) face
ência de cada um. Foram realizadas seis en- à especificidade do tema trabalhado. Final-
trevistas com profissionais com experiência mente, foram de grande valia as reuniões
nas áreas de planejamento e orçamento da na Fundação Tide Setubal para debate do
Prefeitura de São Paulo governo, áreas seto- plano de trabalho e para discutir resultados
riais e sociedade civil. Por meio de termos de parciais, participação em reunião do Grupo
consentimento esclarecido, foi garantida a de Trabalho de Orçamento da Rede Nossa
anonimidade das informações prestadas. As São Paulo e seminário sobre descentraliza-
entrevistas foram transcritas e codificadas, ção do orçamento, promovido pela mesma
auxiliando tanto a estrutura do trabalho como organização, na Câmara Municipal.
também recuperadas (explicitamente ou não) Os resultados da pesquisa estão dis-
ao longo da narrativa construída. Os elemen- postos em seis seções. Na primeira, pro-
tos colhidos nessas interações foram centrais curamos situar o marco legal que norma-
para identificar, no processo de execução or- tiza o orçamento público, identificando as
çamentária, as barreiras e as oportunidades referências relativas à territorialização. Na
para produzir informações de qualidade para segunda, apre­ sentamos a metodologia e
a regionalização do gasto público. o cálculo par­a identificar o percentual de
Como apoio para aprimorar aspectos gasto efetivamente regionalizado e, em se-
qualitativos identificados, foram analisados guida, discorremos sobre como isso se dá
os dados referentes à execução orçamentá- territorialmente e segundo as diferentes se-
ria no município de São Paulo, disponíveis cretarias. Em seguida, procuramos discutir
no sítio da Secretaria Municipal da Fazenda. uma das principais consequências do orça-
Optou-se no trabalho pela utilização exclu- mento não regionalizado: a de prejudicar
siva de informações abertas para o público. processos par­ ticipativos mais efetivos na
Com isso, ao mesmo tempo que buscamos cidade. Já a quarta seção traz uma análise
compreender o estado da arte das informa- dos grandes grupos do gasto público jun-
ções, também utilizamos esse relatório co- tamente com a apresentação, em grande
mo uma medida para avaliar a territorializa- medida levantada nas entrevistas, das prin-
ção do ponto de vista das informações que cipais barreiras que impedem a regiona-
são de fato acessíveis publicamente. lização. Na quinta parte, fazemos uma lei-
Finalmente, outros elementos foram tura comparativa combinando os grandes
importantes no sentido de completar o ar- grupos de gasto com o olhar setorial. Esse
cabouço utilizado no presente trabalho. A percurso, além de identificar oportunida-
estruturação deste apoiou-se na análise da des, aponta para uma estratégia mais foca-
legislação orçamentária, seja no seu marco lizada, o que nos pareceu essencial, dada a
mais geral, seja nos seus aspectos mais es- magnitude do desafio. Finalmente, a última
pecíficos relacionados ao município de São seção traz recomendações para o georre-
Paulo e à regionalização. A leitura serviu co- ferenciamento do orçamento, identificando
mo base tanto para informar um debate so- oportunidades de ganhos rápidos e apon-
VOLTAR
bre orçamento público na cidade, situando tando caminhos para a discussão sobre a PARA
a evolução da compreensão de orçamento continuidade do processo. INÍCIO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


1
ORÇAMENTO
E TERRITÓRIO
LEGISLAÇÃO E PARTICIPAÇÃO

VOLTAR
PARA
SUMÁRIO
ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 11

De ponta a ponta, as múltiplas influên-


cias são exercidas em diversas instâncias
nas quais estão combinadas duas dinâmicas
contraditórias: por um lado, a rigidez das
determinações legais que limitam a ação do
poder público (normas, leis, vinculações) e,
por outro, a discricionariedade do contínuo
processo de tomada de decisão sobre a efe-
tiva alocação de recursos, que está diluída
ao longo da gestão orçamentária e que en-
volve aprovação, inserção de emendas, con-

TERRITÓRIO
gelamentos, cancelamentos de dotação e
suplementações. Nesse jogo, escolhas são

DIMENSÃO
feitas, prioridades são definidas, porções do
território são preteridas e outros têm as su-

CONTRADITÓRIA
as demandas contempladas. Nesse espaço
entre a dimensão normativa e as práticas

NAS NORMAS
rotinizadas e discricionárias da gestão, cir-
culam forças contraditórias. Compreendê-

DO ORÇAMENTO
-las, portanto, passa a ser essencial para a
incidência política sobre o tema.

PÚBLICO
O ORÇAMENTO PÚBLICO NO
MARCO DAS REGRAS FEDERAIS

O
orçamento público é, ao mesmo O atual marco legal do orçamento público
tempo, um mecanismo de contro- no Brasil tem como referência originária a
le democrático sobre os governos Lei n° 4.320, de 17 de março de 1964, que
eleitos e um instrumento de gestão, plane- estabelece as normas para elaboração e
jamento e racionalização da ação pública. controle desse instrumento. Criada no início
Com isso, o conjunto de leis e normas que o da ditadura militar brasileira, está orientada
regula busca tanto estabelecer os padrões pela concepção de orçamento-programa,
contábeis de sua organização quanto apon- isto é, um instrumento de implementação
tar para mecanismos que o relacionem com de uma estratégia de desenvolvimento (Ma-
o planejamento das políticas públicas. Por chado, 2002). Daí a sua ênfase na padro-
outro lado, a gestão orçamentária lida com nização programática. A referida lei, que
um elemento que não é normativo, mas que depois foi detalhada/alterada por instru-
a influencia sobremaneira: a vida cotidiana mentos infralegais, como portarias intermi-
da administração pública. Entre a elabora- nisteriais, criou as categorias para a classi-
ção da peça orçamentária pelo Executivo e ficação da despesa, permitindo visualizá-la
o pagamento de um determinado serviço, com base em pontos de vista que enfatizam
dezenas de pessoas são envolvidas – téc- perspectivas distintas.
nicos de diversas secretarias, secretários A primeira delas é a institucional, que
municipais, vereadores, chefe do Executivo permite identificar o poder (Executivo, Le-
VOLTAR
municipal, cidadãos e movimentos sociais gislativo e Judiciário) e, principalmente, o PARA
que incidem sobre esse processo. órgão administrativo que executa a despe- SUMÁRIO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


12 ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 

sa (secretarias municipais, autarquias, ad-


ministração indireta, prefeituras regionais).
É importante destacar aqui que, embora
1 programas, que são políticas
públicas destinadas a resolver
determinados problemas
tradicionalmente (e por obrigação da lei) da cidade e que, para isso,
se identifiquem os órgãos tradicionais, é fa- estabelecem objetivos e metas
cultado ao proponente do orçamento criar (exemplo: coleta seletiva de
detalhamentos maiores dessa despesa por resíduos secos e orgânicos);
unidades orçamentárias (Machado, 2002).
Tal característica abriria espaço para que o
orçamento pudesse refletir os equipamen-
tos públicos como unidades de despesa e,
2 projetos, que implementam
programas e se caracterizam
pela realização dentro de um
assim, permitir uma regionalização mais prazo determinado (exemplo:
efetiva do gasto público. No entanto, isso instalação de ecopontos);
implicaria uma mudança estrutural na ges-
tão orçamentária, só podendo ser efetivada
depois de inseridas novas rotinas (um pou-
co mais simples) para, progressivamente,
3 atividades, que representam ações
contínuas e permanentes (exemplo:
operação de centrais de triagem);
territorializar o orçamento.
A segunda é a funcional, que busca iden-
tificar grandes agregações de áreas nas quais
o esforço do gasto está sendo realizado (saú-
4 encargos especiais, que são
gastos não vinculados a bens e
serviços prestados diretamente à
de, educação, habitação etc.) de forma a população (como pagamento da
permitir, tanto ao governo como à socieda- dívida municipal e precatórios).
de, a rápida identificação dos patamares de
despesas públicas em cada uma delas. Pos-
sibilidade, inclusive, de acompanhar os per- Finalmente, a classificação segundo a
centuais mínimos estabelecidos de gastos natureza da despesa, que será estrutural no
com saúde e educação.1 Já a subfunção re- presente trabalho, reflete o papel do setor
presenta um detalhamento maior de atribui- público em relação aos grandes agregados
ções mais específicas (no caso da saúde, por econômicos, relacionados ao consumo e ao
exemplo, diferenciando atenção básica de investimento. Assim, as despesas correntes
atendimento hospitalar; no caso da educa- referem-se à manutenção dos serviços pres-
ção, educação infantil e ensino fundamental). tados, de um hospital ou Unidade Básica de
A terceira é a programática, que repre- Saúde (UBS), que têm um caráter contínuo.
senta os esforços dos gastos em direção a Aquelas, por sua vez, estão divididas entre
determinados programas ou políticas públi- pessoal e encargos sociais, juros e encargos
cas. Isso significa atrelá-los a um determina- da dívida e outras despesas correntes, ma-
do objetivo, o que implica estar associados joritariamente vinculadas à contratação de
a indicadores ou metas. Dentro dessa mes- terceiros. Por outro lado, as despesas de ca-
ma lógica, a classificação programática se pital (ou, como são tratadas genericamen-
desdobra em quatro categorias: te, investimentos) são caracterizadas pela

VOLTAR
PARA 1  De acordo com a Constituição Federal de 1988, os municípios devem gastar pelo menos 25% das suas receitas com educação (e
INÍCIO DO a Lei Orgânica do Município de São Paulo aumenta esse percentual para 31%). Em relação às despesas com saúde, esse percentual
CAPÍTULO é de 15%, cuja obrigatoriedade foi criada pela Emenda Constitucional 29, de 2000.

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ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 13

formação ou ampliação de bens de capital tam o controle social sobre o gasto público.
que, portanto, serão usufruídos pela popu- O vínculo entre planejamento e orça-
lação por muitos anos. As despesas de capi- mento foi outra característica importante
tal estão divididas em investimentos, inver- do texto constitucional. Foi a CF/88 que
sões financeiras e amortização da dívida. instituiu o sistema de planejamento e orça-
A Constituição Federal, por sua vez, mento, composto por três elementos: Pla-
abordou de forma ampla e estrutural as fi- no Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orça-
nanças públicas no Brasil, modificando os mentárias (LDO) e Lei do Orçamento Anual
tributos e, sobretudo, alterando a distri- (LOA). Mais do que isso, estabeleceu uma
buição entre os entes federados no país, vinculação entre eles, com especial desta-
com descentralização de receitas e atribui- que ao Plano Plurianual como instrumento
ções da União para os estados e, sobretu- que baliza a ação governamental e desem-
do, os municípios (Santos & Gentil, 2009). boca na programação orçamentária do Po-
A Carta Magna tratou especificamente da der Executivo. Assim, além de espelhar o
questão orçamentária em capítulo próprio conteúdo de um programa de governo, re-
(Título VI, Capítulo II, Das Finanças Públi- presenta também um instrumento de con-
cas). Uma das preocupações centrais, ca- trole sobre os objetivos do gasto público.
racterística do contexto de redemocratiza- A avaliação dessa integração, no en-
ção, foi o resgate das atribuições do Poder tanto, mostra que, apesar dos esforços no
Legislativo – seja no rito de aprovação da cumprimento das obrigações legais, tais
peça orçamentária, seja no que concer- planos não repercutem na construção de
ne à inserção das emendas parlamentares capacidades governamentais para o plane-
(Machado, 2002). A lógica da sua aplica- jamento. Governos têm optado pela tercei-
ção está vinculada ao provimento de um rização, em vez de investir em capacitação
benefício direto, e visível, do gasto público, interna e acumulação de experiências, ou
vinculando os parlamentares às suas bases seja, os esforços não vêm sendo acompa-
eleitorais (Mani & Mukand, 2007). Tal carac- nhados do fortalecimento institucional e da
terística, portanto, introduz uma força de profissionalização dos órgãos responsáveis
territorialização ao orçamento público. pelo planejamento. Há, ainda, dificuldades
Isso não significa, de maneira alguma, para a coordenação das diversas unidades
que sua aplicação aponta para um sentido do governo, preponderando o paralelismo, a
positivo do gasto público. Em que pese o fa- fragmentação e a sobreposição de planos e
to de as emendas facilitarem a identificação ações (Carneiro, 2015).
territorial do gasto, elas têm o viés de pulve- A Lei Complementar n° 101 de 2000, por
rizar a aplicação de recursos que são escas- sua vez, estabelece normas de finanças pú-
sos e, assim, gerar uma perda em termos da blicas voltadas para a responsabilidade na
efetividade das políticas públicas.2 Além dis- gestão fiscal e promove o controle sobre o
so, tendem a distanciar-se dos instrumentos gasto público por meio do mecanismo de
de planejamento (portanto, dos seus objeti- transparência. Conhecida como Lei de Res-
vos, metas e indicadores) e, apartadas dos ponsabilidade Fiscal, ela trouxe diversas
mecanismos de mensuração do atingimen- inovações e mudanças ao marco normativo
to de objetivos e metas estipuladas, dificul- referente à gestão orçamentária no Brasil.

VOLTAR
PARA
2  No plano nacional, Machado (2002, p. 54) já havia identificado a tendência à pulverização a partir do orçamento da União de INÍCIO DO
1993, no qual foram apresentadas 75 mil emendas. CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


14 ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 

Ainda que uma análise mais pormenorizada trizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária
fuja aos objetivos do presente trabalho, três Anual. Porém, nesse caso, é importante des-
destaques podem ser feitos, já que impac- tacar que há uma clara e inequívoca men-
tam os nossos propósitos. Primeiro, essa lei ção à obrigatoriedade da regionalização do
estabeleceu a centralidade dos resultados gasto público. Nesse sentido, o parágrafo
financeiros, que passam a ser definidos a primeiro do artigo 137 estabelece: “A lei que
priori, possivelmente subordinando todas as instituir o plano plurianual estabelecerá, de
demais funções do processo orçamentário. forma regionalizada, as diretrizes, objetivos
Segundo, a imposição de limites de despe- e metas da administração pública municipal
sas com pessoal, medidas como um percen- para as despesas de capital, e outras delas
tual da receita corrente líquida3: 50% para a decorrentes, e para as relativas aos progra-
União e 60% para estados e municípios. Em mas de duração continuada”. Já o parágrafo
que medida esse limite ampliou o conjunto oitavo é bastante claro ao determinar: “A lei
de despesas com terceiros seria um tema orçamentária anual identificará, individuali-
relevante a ser investigado, já que implica zando-os, os projetos e atividades, segundo
uma mudança significativa das estratégias a sua localização, dimensão, características
de regionalização, aumentando a importân- principais e custo”.
cia de georreferenciar os contratos. O segundo elemento que merece des-
O terceiro trata da limitação dos em- taque é a introdução, consubstanciada pe-
penhos por meio da introdução das cotas la emenda 30 à Lei Orgânica do Município,
mensais e do contingenciamento das des- aprovada por unanimidade pela Câmara Mu-
pesas. Esse expediente, ainda que implique nicipal de Vereadores no ano de 2008, do
uma capacidade maior de controle sobre a Programa de Metas. Trata-se da obrigatorie-
execução do orçamento, por outro lado, se dade, inserida na seção das Atribuições do
traduziu em práticas que complicam a exe- Prefeito, de o prefeito eleito apresentar, em
cução do orçamento conforme o planejado. até 90 dias após sua posse, documento con-
Foram atribuídas ao seu uso excessivo algu- tendo: “as ações estratégicas, os indicadores
mas das dificuldades para aplicação do de- e as metas quantitativas para cada um dos
talhamento da ação. setores da Administração Pública Municipal,
Subprefeituras e Distritos da Cidade, obser-
vando, no mínimo, as diretrizes da sua cam-
AS NORMAS NO NÍVEL MUNICIPAL panha eleitoral e os objetivos, as diretrizes,
Finalmente, temos as normatizações defini- as ações estratégicas e as demais normas
das na esfera municipal. A Lei Orgânica do do Plano Diretor Estratégico”. Ora, se parti-
Município (LOM) traz a regulamentação a mos da premissa que tais ações dependem
respeito do orçamento público e dos instru- de execução do orçamento público, depre-
mentos de planejamento e orçamento nos ende-se que a regionalização do orçamento
seus artigos 137 ao 146. De maneira geral, é insumo básico, novamente, para o cumpri-
a lei maior do município reproduz o texto mento do estabelecido pela LOM.
constitucional no que diz respeito aos con- Ademais, a vinculação com o Plano Dire-
teúdos do Plano Plurianual, da Lei de Dire- tor Estratégico (PDE) introduz mais um ele-

VOLTAR
PARA 3  A receita corrente líquida compreende o conjunto de transferências do setor público ao setor privado (incluindo receitas
INÍCIO DO tributárias e transferências correntes de outros entes da federação, entre outras) subtraídas contribuições previdenciárias dos
CAPÍTULO funcionários públicos.

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ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 15

mento de diálogo entre a distribuição espe- meio das emendas compete com o controle
cial dos gastos públicos e o marco legal. O mais centralizado vinculado aos instrumen-
PDE está instituído na Lei Orgânica do Mu- tos de planejamento, sobretudo o PPA, mas
nicípio como ferramenta de planejamento também, no caso da cidade de São Paulo,
da cidade (art. 114). Da mesma forma, em- ao Programa de Metas.
bora a Constituição Federal já mencionasse
a necessidade de regionalização do PPA, a
dimensão territorial urbana foi introduzida
pelo Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/2001)
no seu artigo art. 40, parágrafo primeiro: “O
plano diretor é parte integrante do processo
de planejamento municipal, devendo o pla-

ORÇAMENTO
no plurianual, as diretrizes orçamentárias e
o orçamento anual incorporar as diretrizes e

REGIONALIZADO:
as prioridades nele contidas”.
Embora não faça referência direta à re-

CONDIÇÃO
gionalização do gasto público, esse procedi-
mento pode novamente ser visto como um

NECESSÁRIA
requisito para o cumprimento das diretrizes
do Plano. Nos dois últimos Planos Diretores

PARA PROCESSOS
aprovados, a redução das desigualdades
socioterritoriais aparecem como um dos

PARTICIPATIVOS
principais objetivos de transformação da ci-
dade. Apesar de não terem sido vinculados
diretamente a esse objetivo, nem mesmo
mecanismos diretos para sua mensuração

A
(Wissenbach, 2017), é de se depreender que alocação dos recursos públicos no
essa e outras diretrizes do Plano requerem território traduz o efeito prático de
o controle territorializado do gasto público. decisões políticas que refletem a
Em suma, de maneira geral, as regras intencionalidade dos poderes Executivo e
que tratam do orçamento público são extre- Legislativo em relação ao projeto de cidade
mamente detalhadas no que se refere à sua e ao tipo de sociedade que desejam. Mais
aplicação. Por outro lado, esse disciplina- do que discursos, falas e promessas, é na
mento ainda não foi cumprido, pelo menos decisão cotidiana sobre a gestão do orça-
na experiência do município de São Paulo, mento que se define o caminho de cidade
em relação ao requisito da regionalização. que se quer. Mais do que isso, decisões de
Isso nos leva a duas conclusões. A primei- orçamento têm um efeito de longo prazo
ra é a clara e inequívoca obrigatoriedade do e seus resultados podem ser sentidos por
poder público municipal de territorializar o diversas gerações. Um exemplo. Nos anos
orçamento público. Isso se mostra de forma 1990, a cidade de São Paulo aumentou ex-
direta nos artigos da LOM e de forma indi- ponencialmente o seu nível de endivida-
reta na sua vinculação com o Plano Diretor mento. E o fez a partir da opção por gran-
Estratégico. A segunda é que existem for- des investimentos viários, em especial nas
ças contraditórias operando na normativa regiões mais ricas da cidade. VOLTAR
PARA
do orçamento público em relação à sua ter- As implicações dessa decisão política INÍCIO DO
ritorialização. A pulverização do gasto por são graves. Não apenas o usufruto desses CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


16 ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 

investimentos será sentido de forma desi- relacionado ao nível da sociedade política


gual por muitos anos (favorecendo áreas do que propriamente da sociedade civil e
mais ricas e o transporte pelo automóvel do cidadão comum (Romão, 2011). Por ou-
individual) como a conta é paga por todos tro, a institucionalização aparece como um
no longo prazo: há mais de 15 anos a dívida movimento ao mesmo tempo necessário e
pública municipal consome 13% das recei- complexo, sobretudo por colidir com atri-
tas próprias do município. A importância buições constitucionais claras dos poderes
política e das implicações socioterritoriais Executivo e Legislativo.
e intergeracionais que possuem as deci- Configuram-se, portanto, elementos que
sões de gasto público, as experiências de podem ser explicativos do sucesso ou do
participação social, que deem transparên- fracasso dessas iniciativas (Marin & Guerri-
cia, controle social e ampliem o sentido da ni, 2017; Dias, 2006). Um dos motivos – que
democracia, tem sido objeto de administra- tem sido amplamente relatado – diz respei-
ções municipais progressistas ao longo do to à tecnicidade das discussões sobre o te-
período democrático. ma. Abordando o conceito de transparência
Experiências de caráter mais democra- como vetor principal de responsabilização
tizante levaram ao entendimento relativo dos governos, Marin & Guerrini (2017) pon-
ao alargamento da democracia, inclusive a tuam limites que se aplicam muito bem ao
identificar nesses processos uma mudança contexto orçamentário: “A defesa da trans-
importante na relação entre estado e socie- parência frequentemente ignora questões
dade civil. Esse sentido foi defendido por Le- de ordem cognitiva associadas à capacida-
onardo Avritzer (2002), que identifica, com de de assimilação dessas informações por
base na experiência de Porto Alegre, uma parte do cidadão. A informação ‘publiciza-
inovação oriunda da sociedade civil. O au- da’ frequentemente carrega o conteúdo das
tor argumenta que, no início dessa iniciativa, decisões políticas tomadas de acordo com
praticada no governo do prefeito Olívio Du- contextos nem sempre compreendidos pelo
tra (1989-1992), o Partido dos Trabalhadores cidadão” (Marin & Guerrini, 2017, p. 113).
não tinha o programa estruturado, que nas- A dificuldade em responder a tais desa-
ceu a partir da experiência das organizações fios marcou a tentativa de ampliar a parti-
comunitárias da cidade. Por isso, tratou-se cipação no orçamento na trajetória recen-
de uma expressão do grau de amadureci- te da cidade de São Paulo. No governo da
mento e da densidade da tessitura do asso- prefeita Luiza Erundina, ocorreu a criação
ciativismo. Dessa forma, a introdução, o su- dos Núcleos Regionais de Planejamento,
cesso e a ampliação do programa marcaram que, vinculados a 18 subprefeituras (número
uma nova etapa nessas relações. existente à época), estabeleciam diretrizes
para o orçamento municipal. Os núcleos,
porém, apresentaram conflitos importantes:
DESAFIOS DA PARTICIPAÇÃO como não havia clareza sobre o caminho
Os desafios, entretanto, têm sido de di- institucional até chegar aos órgãos centrais,
versas ordens. Por um lado, argumenta-se tais diretrizes não representaram, de fato,
que, em função do tempo a ser dedicado, incidência sobre a tomada de decisão a res-
do nível de aprendizado e informações peito da alocação do gasto público (Dias,
envolvidas e pela mobilização prévia ne- 2006). Ademais, havia um conflito não
VOLTAR cessária para disputar esses espaços, as desprezível entre demandas setoriais, cuja
PARA
INÍCIO DO instâncias relacionadas ao orçamento par- pressão se dava pelos movimentos relacio-
CAPÍTULO ticipativo operam mais como um campo nados, sobretudo, à habitação e à saúde, e

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ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 17

as demandas regionais, marcadas por um instâncias participativas na elaboração do


associativismo historicamente construído a orçamento público. Aqui, mais uma vez,
partir de bases mais conservadoras. Como uma questão crucial se coloca. Definidos
consequência desse conflito, os núcleos fo- pelo texto constitucional, o planejamento
ram extintos pela prefeita 18 meses após a e a execução orçamentária são de respon-
sua criação. sabilidade do Executivo e do Legislativo.
Depois dessa experiência e passados oi- Assim, embora a participação social no pro-
to anos de governos com caráter centraliza- cesso orçamentário esteja explícita tanto na
dor e não participativo, a eleição da prefeita Constituição Federal (artigo 165) como na
Marta Suplicy marcou mais uma tentativa Lei de Responsabilidade Fiscal (artigo 48),
importante de aprofundar as estratégias de a forma como isso se dará será sempre uma
descentralização e ampliação do espaço de decisão discricionária dos poderes respon-
participação popular no processo de toma- sáveis pela execução. Isso coloca em confli-
da de decisão sobre o orçamento público. to a institucionalização de instâncias parti-
Já constante no seu programa de governo e cipativas no debate e deliberação a respeito
fruto de um processo de formulação junto ao do gasto. No limite, pode-se dizer que será
Instituto Florestan Fernandes, a Coordena- sempre uma decisão política de governo,
doria de Orçamento Participativo, vinculada em que o Executivo abre mão de parte de
à Secretaria do Governo Municipal, foi criada suas atribuições em favor de um formato de
pela prefeita. A experiência resultou em uma decisão mais democrático. Ocorre que essa
profusão de atividades e um volumoso con- falta de institucionalização leva a fragilida-
tingente de cidadãos participando. des importantes na execução do orçamen-
Porém não sem conflitos. Em sua pes- to participativo. Nesse sentido, Dias (2006)
quisa sobre o tema, Dias (2006) identificou atribuiu à falta de institucionalização os pro-
embates entre o planejamento de secretarias blemas de implementação do OP na cida-
centrais com deliberações do OP. Na política de de São Paulo. Para o autor, à criação da
de saúde, por exemplo, enquanto as assem- Coordenadoria do Orçamento Participativo
bleias regionais deliberaram sobre a priorida- não se seguiu uma estrutura administrati-
de para a construção de novos equipamentos va que a vinculasse ao gabinete de prefeita
de atendimento à saúde (UBSs e hospitais), a que, portanto, submetesse as secretarias às
política conduzida pela secretaria se deu em suas deliberações e, ao mesmo tempo, im-
direção distinta: priorizar a implementação plicasse a gestão orçamentária – feita pela
da Estratégia da Saúde da Família (ESF) no Assessoria de Gestão do Orçamento (AGO)
município. No embate, prevaleceu a posição ao seu organograma.
da secretaria. O mesmo tipo de conflito se Ademais, a opção por não instituir em
deu em relação às políticas sociais, em espe- lei o orçamento participativo foi vista como
cial no cronograma de implantação do Pro- um dos motivos para a descontinuidade do
grama Renda Mínima. Enquanto a escolha programa. Esse problema foi parcialmen-
das regiões prioritárias se deu com base em te superado, ou pelo menos ganhou novos
indicadores e critérios técnicos definidos pe- contornos, com a introdução do Programa
la administração, outras porções do território de Metas realizado a partir de iniciativa da
votaram pela introdução do programa. Mais Rede Nossa São Paulo. Sem retirar do Exe-
uma vez, prevaleceram os critérios estabele- cutivo (e do Legislativo) suas prerrogativas
cidos pelo Executivo. relacionadas ao orçamento público, o Pro- VOLTAR
PARA
Outro aspecto relevante, ainda, diz res- grama de Metas vinculou as prioridades da INÍCIO DO
peito ao grau de institucionalização das gestão ao debate eleitoral – o que, de cer- CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


18 ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 

ta forma, o associa a um debate das políti- lidade e economia do setor público, acesso
cas públicas realizado ao longo dos pleitos. e capacidade de processamento de um con-
Nesse sentido, o caminho do orçamento junto grande de informações, disponibilidade
participativo ao Programa de Metas apon- de tempo para se debruçar sobre tudo isso,
ta para um sentido inverso ao sugerido pela organizar ações coletivas para, só então, po-
literatura relacionada à teoria democrática. der de fato incidir sobre a gestão orçamen-
Enquanto o primeiro estava calcado pela tária. Nesse sentido, a incidência do cidadão
possibilidade de alargamento dos espaços sobre o processo orçamentário geraria um
de incidência da sociedade civil, o segundo custo relativamente alto. Diminuir esse ônus
reforça uma institucionalidade que opera poderia passar pela adoção dos instrumen-
no âmbito da accountability formal (Marin & tos digitais, que ampliam a participação dos
Guerrini, 2017). Ao mesmo tempo, quando indivíduos, sobretudo no contexto de gran-
depois associado ao Conselho de Planeja- des cidades (Marin & Guerrini, 2017, p. 118).
mento e Orçamento Participativos (CPOP), Somando-se a isso e conforme relatado
criado na gestão do prefeito Fernando Ha- em entrevista, está a dificuldade em tradu-
ddad, possibilitou uma interação mais co- zir programas governamentais em termos
tidiana com segmentos da sociedade civil mais compreensíveis ao cidadão, o que
organizada, na qual foi possível perceber se choca com as práticas encontradas na
elementos do estabelecimento de um canal administração pública. Durante o ano de
de diálogos qualificado e informado sobre 2013 – por ocasião da formulação do Pla-
o tema, ainda que a deliberação mais direta no Plurianual (2013-2017), a extinta Secre-
sobre o uso dos recursos públicos fosse, te- taria Municipal de Planejamento (Sempla)
oricamente, menos incidente. procurou simplificar a estrutura das peças
O CPOP procurou trazer outros elemen- por meio de dois movimentos. O primeiro,
tos ao processo do OP, focando aspectos o de reduzir o número de dotações relacio-
mais globais do processo de planejamen- nadas ao orçamento de uma secretaria. A
to e orçamento em relação às experiências premissa era a de que é mais fácil ao cida-
anteriores, que enfatizavam prioridades se- dão compreender a execução a partir de
toriais e planos de obras. As atividades do dez dotações do que de 30.
Conselho envolviam a formação de conse-
lheiros e o monitoramento intensivo de al-
gumas metas e deliberações sobre inclusão Outra diretriz (...) era enxugar o
de ações de governo. Ou seja, agregou uma número de dotações. A ideia era
qualificação aos canais de discussão. tornar a execução mais simples, com
O balanço da discussão a respeito das menos remanejamento orçamentário,
estratégias de participação social no orça- mais fácil de executar. E um pouco
mento público na cidade de São Paulo apon- mais simplificado. Quando você quer
ta, portanto, para dois caminhos distintos. saber o orçamento da educação,
O primeiro vinculado ao fortalecimento da você olha lá dez dotações e não
democracia direta; o segundo, um caminho 30 (para entender o orçamento
relativo ao controle formal dos governos deles). Mais enxuto, mais fácil de
associado aos ciclos eleitorais. Em ambos, gerir e mais fácil de compreender.
acompanhar o orçamento pede um conhe-
VOLTAR cimento relativamente aprofundado nas
PARA
INÍCIO DO normas legais relacionadas à sua operação, O segundo foi o de simplificar a lingua-
CAPÍTULO noções sobre conceitos básicos de contabi- gem das dotações, colocando-as em ter-

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ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 19

mos mais diretos. O esforço, porém, encon- potencializa os processos formativos, infor-
trou resistências tanto no sentido de que a mativos e deliberativos relacionados ao gasto
simplificação das linguagens contrariava, público. Isso referencia as informações a um
de certa forma, uma cultura de representar universo mais concreto, palpável, articulado
mais tecnicamente alguns conceitos relati- com as demandas mais presentes e as difi-
vos às políticas públicas quanto no sentido culdades que a má qualidade da urbanização
de que a redução das dotações alteravam impõe, notadamente nas periferias de São
a forma pela qual o orçamento era opera- Paulo. Concomitantemente, permite dialogar
do pelos seus técnicos. Referindo-se à ten- com as particularidades desses espaços, in-
tativa de reduzi-las em uma secretaria, um duzindo as políticas públicas a compreender
entrevistado mencionou que a divisão re- especificidades das porções de uma cidade
presentava uma forma de organizar a distri- heterogênea. A qualificação dos instrumentos
buição dos repasses federais (uma dotação por meio de informações de qualidade sobre
de cada tipo de transferência). Em suma, há os gastos regionalizados amplia, dessa for-
uma natureza intrínseca do processo de for- ma, o interesse das pessoas em participar dos
mulação do orçamento que leva a uma ra- processos, conferindo significado ao diálogo.
zóavel complexificação, e mesmo tentativas Permite, enfim, um deslocamento do debate
de simplificá-lo encontram dificuldade de dos grandes números do orçamento, para os
naturezas diversas. quais os valores envolvidos sempre parecem
bastante expressivos, em direção a cifras mais
modestas – nas quais aumentos ou diminui-
REGIONALIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO ções se mostram mais relevantes.
Entre o vasto conjunto de dificuldades para o Essa visão pode ser corroborada, ainda,
acompanhamento do cidadão, qual papel te- a partir de relatos de experiências recentes.
ria uma ampla regionalização para fomentar Mesmo que implementada de forma prelimi-
uma participação mais efetiva da população? nar e com todas as dificuldades apontadas,
A partir de um olhar, ainda que breve, sobre a introdução do detalhamento da ação (será
experiências e tentativas de democratização apresentada mais adiante) gerou uma me-
do orçamento, pode-se dizer que encontra- lhora na qualidade das informações, que foi
ram uma barreira significativa na dificuldade notada no percurso de implementação do
em aproximar os gastos do cidadão no nível CPOP (Marcondes & Canato, 2015). De acor-
territorial, tornando-os mais concretos: do com uma das entrevistas:

Para uma discussão democrática Foi muito positivo, no CPOP e


sobre orçamento público, eu preciso nas audiências, quando a gente
envolver as pessoas a partir do bairro. conseguiu mostrar: olha “essa é a
Se vai tapar o buraco da rua, se vai sua creche, no seu distrito”, isso fez
ligar a luz ou se vai ter o posto de uma diferença enorme. Mas também
saúde, se vai ter quadra de esporte. gerou uma pressão – se o cara não via
É isso que elas querem saber. São a creche dele, havia cobrança. Gerou
coisas absolutamente cotidianas. uma tensão, mas uma tensão positiva.

VOLTAR
PARA
Regionalizar os gastos públicos em uni- A regionalização do gasto público emer- INÍCIO DO
dades territoriais mais próximas ao cidadão ge, portanto, como instrumento fundamen- CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


20 ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 

tal para qualificar os espaços de partici- nalizado, dado que a rede opera em toda
pação popular. Evidentemente, os limites a cidade. Mas os seus benefícios podem
apresentados nas tentativas de implemen- adquirir um sentido em relação ao padrão
tar processos mais democráticos de toma- socioterritorial. Poderíamos trabalhar com a
da de decisão na cidade são de ordem mais população que é usuária do transporte cole-
ampla, conforme apontado na relativamen- tivo na cidade e considerar que seu benefí-
te vasta bibliografia sobre o tema em São cio se distribui entre eles.
Paulo, já explorada nas páginas anteriores. O segundo, para o qual ter informação
Porém, o caráter imprescindível dos esfor- sobre todo o gasto por unidade administra-
ços em distribuir o gasto público em unida- tiva é essencial, diz respeito a um objetivo
des administrativas na escala local coloca de outra natureza: permitir que o cidadão
o tema do presente trabalho como requisi- se aproprie cada vez mais das discussões,
to para um novo modelo de governança na dos debates do seu bairro. Um balanço das
cidade. Ainda que haja um longo percurso dificuldades em aumentar, ou mesmo tor-
para enfrentar as barreiras impostas, e cer- nar mais efetivas, as iniciativas relaciona-
tamente há, é um esforço que vale a pena. das à ampliação da participação pública no
Se o direito à cidade pode ser entendido co- orçamento mostra as barreiras para que se
mo a combinação entre o usufruto dos cida- chegue a um nível de detalhamento maior,
dãos sobre o patrimônio intergeracional e a em termos territoriais, do gasto público. Is-
capacidade de incidir sobre as escolhas que so significa, de forma combinada, que não
são feitas em relação ao seu futuro, então se limite a debater investimentos e planos
temos um caminho profícuo para efetivá-lo. de obras, mas que se incorpore às dimen-
Essa constatação nos leva a uma questão sões de custeio, incluindo pessoal e contra-
metodológica importante: a distinção entre tos, sobretudo, se levarmos em conta que a
dois objetivos para os quais a regionaliza- ampliação da participação não é importan-
ção do orçamento pode ser orientada. te apenas nos períodos de expansão das
O primeiro está vinculado à construção receitas e dos serviços públicos, mas tam-
de bases de dados robustas que permitem bém para os momentos de retração econô-
elevar a capacidade de análise das dinâmi- mica, queda das receitas e ampliação dos
cas urbanas e a interfência do papel do es- conflitos distributivos. Nessas etapas, é
tado e do gasto público sobre ela. Para isso, crucial que o cidadão tenha uma apropria-
não é necessariamente primordial distribuir ção dos custos de cada equipamento (um
o gasto público a partir de uma unidade parque, uma UBS, um CRAS, uma escola) e
administrativa (como, por exemplo, as pre- que saiba claramente quanto se gasta na-
feituras regionais), mas estabelecer estraté- quele território com habitação, com saúde,
gias que permitam acompanhar o sentido com educação.
territorial da aplicação das despesas públi- Entendemos que o presente trabalho,
ca. Pode-se trabalhar com uma combinação ao apontar barreiras e oportunidades pa-
de dados, em distintas escalas de análise e ra o georreferenciamento do orçamento
que permitam uma sobreposição entre ter- público, fornece subsídios para esses dois
ritórios (mais ou menos vulneráveis) e polí- objetivos. A perspectiva orientadora, no
ticas setoriais. Inferências, estivas e rateios entanto, está mais vinculada ao segundo,
do gasto público podem servir a esse tipo mais complexo à medida que implica ter
VOLTAR de análise. O subsídio da tarifa de transpor- todos os gastos regionalizados. O primei-
PARA
INÍCIO DO te público é um bom exemplo dessa situa- ro objetivo, porém, pode ser visto como
CAPÍTULO ção. Ele não é, a princípio, um gasto regio- um instrumento tático para mobilizar a so-

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


ORÇAMENTO E TERRITÓRIO 21

ciedade e os governos em direção ao se-


gundo. É sobre a construção dessas duas
perspectivas – uma da capacidade analíti-
ca de compreender o esforço dos gover-
nos vis-à-vis a realidade socioespacial do
município e a de aproximar a apropriação
do gasto público em unidades territoriais
mais próximas do cidadão – que versará a
próxima seção do presente estudo.

VOLTAR
PARA
INÍCIO DO
CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


2
IDENTIFICAÇÃO
DO GASTO
PÚBLICO
REGIONALIZADO
VOLTAR
PARA
SUMÁRIO
IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO 23

gualdades sociais e territoriais ao longo de


gerações paulistanas. Nesse sentido, o pre-
sente estudo mostra que essas alegações
são feitas no escuro, a partir da ausência de
informações confiáveis e públicas sobre on-
de são aplicados os recursos. Se já era sa-
bido que não existem informações sobre a
distribuição geográfica do gasto, revela-se
aqui a dimensão desse desconhecimento.

UMA ANÁLISE
Há, ainda, um agravante: a análise dos
dados mostra que, à medida que avança o

DO ORÇAMENTO
processo de execução orçamentária, diminui
a parcela dos gastos com sua localização de-

PÚBLICO
finida. Depois de debater a Lei Orçamentária
em audiências públicas (o que é obrigatório

PAULISTANO SOB
por lei) e com o Legislativo (obedecendo a
um princípio da repartição de poderes), o

O ENFOQUE DA
Poder Executivo promove um amplo conge-
lamento de despesas. Ao se descongelarem

TERRITORIALIZAÇÃO
e se empenharem os recursos, os gastos com
a localização informada são mais prejudica-

DOS GASTOS
dos e aumenta o volume percentual do orça-
mento suprarregional e não localizado. Des-
constrói-se, dessa forma, o pouco que havia
de um pacto territorial: o ganha e perde en-

A
Prefeitura de São Paulo não sabe tre recursos para regiões distintas se diluem
informar onde são realizadas 75% em dotações orçamentárias genéricas, e a
dos gastos públicos em investi- sociedade civil é privada de ter informação
mentos e contratos com terceiros nas suas sobre o resultado do processo decisório.
secretarias-fim, isto é, que prestam serviços A reversão desse quadro, essencial para
diretos à população da cidade. Por outro la- a mobilização conjunta de atores sociais em
do, só sabe dizer onde são realizados apenas direção à diminuição das desigualdades so-
3% dessas mesmas despesas. Ou seja, em cioterritoriais, é factível. Para isso, a Fundação
tempos nos quais o debate democrático so- Tide Setubal vem empreendendo esforços na
bre priorização e aplicação dos recursos pú- direção de fornecer ferramentas que sirvam
blicos se mostra estruturalmente relevante, tanto ao governo como à sociedade civil para
não existem informações confiáveis que per- aprimorar a qualidade das informações orça-
mitam que governo e sociedade dialoguem mentárias no que diz respeito à sua localiza-
de maneira informada sobre o sentido de ção territorial. O primeiro passo foi realizar um
suas políticas: afinal, em que medida a apli- diagnóstico dos principais problemas enfren-
cação de recursos públicos tem atenuado ou tados (e as oportunidades para seu enfrenta-
agravado a desigualdade socioterritorial? mento) na pesquisa “Identificação dos gastos
A falta de verbas, por sua vez, é alegação públicos nas periferias de São Paulo”. Agora,
frequente para justificar a insuficiência de o trabalho se desdobra na atuação coletiva
VOLTAR
serviços públicos nas regiões mais pobres por meio do Grupo de Trabalho de Orçamen- PARA
da cidade, essa, sim, reprodutora das desi- to da Rede Nossa São Paulo, na sensibilização SUMÁRIO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


24 IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO

de órgãos de controle (internos e externos) territoriais. Embora com grau significativo de


e, mais adiante, no desenvolvimento de ferra- heterogeneidade interna, as prefeituras re-
mentas que permitam extrair e qualificar da- gionais, no seu conjunto, apresentam níveis
dos dos sistemas públicos de informação. de desigualdades (como, por exemplo, as
Este trabalho faz parte, portanto, de uma medidas pelo índice de Gini) menores do que
estratégia mais ampla e procura quantificar o as do município de São Paulo. Pesou tam-
volume de informações não localizadas e, ao bém o fato de ser uma unidade administra-
mesmo tempo, identificar as principais ações tiva reconhecida, estruturante, portanto, das
orçamentárias que devem ter a sua locali- ações de governo e, principalmente, referên-
zação identificada. Apresenta-se, portanto, cia para a organização dos processos parti-
como um guia que pode mobilizar esforços cipativos e do acesso do cidadão aos servi-
concentrados para melhorar a qualidade das ços e às políticas públicas. Decorrem daí, da
informações, ao mesmo tempo que eviden- mesma forma, as razões operacionais: sendo
cia a ausência de informações para o debate esta a unidade administrativa, parte da exe-
das políticas públicas. Além dessa apresen- cução orçamentária é tomada tendo como
tação, o presente relatório traz uma seção base esse nível espacial. Ademais, eventuais
inicial relativa à metodologia do estudo, se- ajustes e aprimoramentos a serem sugeridos,
guida pela apresentação dos resultados. Por como melhora nas rotinas para produção de
fim, trazemos brevemente uma discussão informação territorializada sobre o gasto pú-
que pode ser ensejada a partir da identifica- blico, passam necessariamente pela sua vin-
ção dos principais gastos a serem regionali- culação às 32 prefeituras regionais.
zados pelas secretarias-fim. Ao passo que a definição da unidade
geográfica orienta a organização do estu-
do, também é essencial a definição de dois
METODOLOGIA filtros iniciais feitos aos dados em análise. O
O presente relatório apresenta os resulta- primeiro deles, tomado em definição con-
dos da análise dos dados do orçamento pú- junta com a Fundação Tide Setubal, diz res-
blico disponível ao cidadão por meio do sí- peito à escolha das secretarias-fim, isto é,
tio eletrônico da Prefeitura de São Paulo. O aquelas que prestam atendimento direto à
objetivo do documento foi o de identificar o população, como objeto principal de aná-
percentual do gasto público da Prefeitura de lise. A escolha tem, novamente, como fun-
São Paulo que é efetivamente geolocalizado damento o impacto dos gastos na redução
ou, como tratamos aqui, regionalizado. Por da desigualdade socioterritorial. Isso não
regionalizado entende-se aquele gasto cuja significa ignorar que despesas das secre-
localização é identificável pelo sistema de tarias-meio tenham sentido nas dinâmicas
execução orçamentária ao menos no nível da urbanas, mas que procuramos destacar as
prefeitura regional. Procura-se, dessa forma, ações com maior repercussão no cotidiano
avaliar o cumprimento da legislação aplicá- do cidadão paulistano.
vel no que se refere à distribuição territorial Concluindo a seleção das secretarias, uti-
da alocação dos recursos públicos. lizamos a classificação funcional como com-
A escala da prefeitura regional como uni- plemento, de forma a incorporar recursos ge-
dade espacial mínima de análise se justifi- ridos por fundos – tais como Fundo Municipal
ca por razões conceituais, administrativas e de Saúde e Fundo Municipal de Habitação. Ou
VOLTAR operacionais. No primeiro caso, por permitir seja, independentemente do órgão que execu-
PARA
INÍCIO DO o monitoramento da política pública sob o ta a despesa, consideramos tais gastos como
CAPÍTULO prisma da redução das desigualdades socio- parte do recurso executado pelas áreas-fim.

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IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO 25

Cabe, ainda, uma observação relacionada à sas com grande impacto sobre a realidade
nomenclatura: para dar maior visibilidade, fa- vivida pelos habitantes da cidade: secreta-
cilitar a compreensão e comunicação com o rias-fim, despesas de investimento e ser-
Executivo municipal, optamos por utilizar o viços com terceiros. O período de 2014 a
nome das atuais secretarias. Para isso realiza- 2017 foi selecionado por ser o mais recen-
mos de forma retroativa uma compatibiliza- te, já que pretendemos analisar como está
ção entre as nomenclaturas. o processo de georreferenciamento do or-
Excluídas as secretarias-meio, trabalha- çamento no tempo presente e, para isso,
mos com um recorte também relativo à na- procurou-se aplicar o período do último
tureza dos gastos. Foram analisados dois Plano Plurianual – no qual a semelhança de
grupos de despesa: os investimentos e os nomenclatura das ações facilita o trabalho
contratos com terceiros, pessoa jurídica. Os de classificação e análise das informações.
investimentos porque, embora lidem com Esse subconjunto totalizou 17.290 ações or-
um horizonte relativamente reduzido dos çamentárias, representando 70,3 bilhões de
gastos públicos, são fundamentais indutores reais ao longo dos anos de 2014 a 2017. A
da transformação da realidade socioespacial partir desse recorte, as ações foram classifi-
da cidade e que tornam-se ainda mais cru- cadas entre as seguintes categorias:
ciais se considerarmos o déficit das popula-
ções mais vulneráveis a esses bens e à redu-
zida capacidade do município com relação
a essa natureza de despesa. Já os contratos
com terceiros referem-se a “serviços essen-
1 suprarregionais: despesas
que abarcam o conjunto do
município com impacto territorial
ciais prestados à população, relacionados ao indireto e, portanto, não são
atendimento de saúde, à limpeza e zeladoria regionalizáveis. Envolvem
urbana, à distribuição de uniformes e meren- itens como administração da
da escolar. Enfim, elementos centrais no âm- unidade, treinamentos gerais
bito das competências da prefeitura e funda- aos servidores públicos,
mentais, sobretudo, para os segmentos mais campanhas e desenvolvimento
vulneráveis da população”. de sistemas de informação;
Assim e conforme justificado na pesqui-
sa anterior, “Identificação dos Gastos Públi-
cos na Periferia de São Paulo”, ficaram fora
da conta as despesas relativas ao pagamen-
2 regionalizáveis: despesas que
só podem ser executadas com
alguma vinculação territorial,
to da dívida (incluindo juros e amortização), como “reforma de escolas”. Ou
encargos e despesas com aposentadorias e seja, são, claramente, de caráter
pensões. Finalmente, os dados com pesso- territorial. Estas, por sua vez,
al foram excluídos da presente análise. Eles subdividem-se em duas categorias:
possuem forte repercussão na reversão das
dinâmicas socioespaciais, porém, o caminho • localização informada, projetos
para sua regionalização já está apontado na com referência explicitamente
pesquisa anterior, e estão vinculados, sobre- territorial, como, por exemplo,
tudo, ao georreferenciamento dos funcio- o nome do equipamento
nários – cujos desafios já foram explicitados público, o endereço do
e os caminhos, apontados. local a ser construído ou VOLTAR
PARA
Em suma, aplicando os filtros listados a prefeitura regional de INÍCIO DO
acima, ficamos com um conjunto de despe- referência (unidade mínima); CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


26 IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO

• localização não informada, que às propriedades territoriais dos gastos tor-


não estão detalhadas na peça na o documento de mais fácil compreensão,
orçamentária. São exemplos servindo como base mais robusta para a
dessa categoria ações relativas defesa do principal: é fundamental trabalhar
à “operação e manutenção” para que, no médio prazo, a legibilidade do
ou construção e ampliação orçamento se aproxime do cidadão, isto é,
de equipamentos público. seja regionalizada.

De forma geral, é importante destacar


que foi estabelecido um critério rigoroso (e, IDENTIFICAÇÃO DOS GASTOS
de certa forma, conservador) para distinguir TERRITORIALIZADOS
as ações suprarregionais das ações regio- A tabela 1 mostra com clareza o descum-
nalizáveis. Assim, projetos ou programas primento da Lei Orgânica do Município: a
que tinham caráter mais geral e efeito por prefeitura não sabe informar a localização
toda a cidade como, por exemplo, progra- de 75% do orçamento público, consideran-
mas de desenvolvimento de ensino, aperfei- do o universo das ações que claramente de-
çoamento técnico de servidores públicos, veriam ter sua localização identificada. Ao
treinamentos, campanhas e eventos foram mesmo tempo, só saber dizer, efetivamente,
classificados como suprarregional (em vez para onde vai 3% do gasto público efetiva-
de regionalizável – não informado). Esse mente realizado (liquidado). A comparação
procedimento mais conservador possui du- entre a etapa de planejamento orçamentá-
as vantagens. Primeiro, ele reduz o grau de rio e a efetiva liquidação mostra também
discricionariedade na classificação das des- que o problema é agravado ao longo da
pesas. Segundo, permite que os resultados execução orçamentária. Ainda que a etapa
enfatizem a principal constatação do relató- de planejamento seja bastante insuficiente
rio: a Prefeitura de São Paulo não sabe infor- para determinar a localização geográfica
mar a maior parte dos gastos públicos que dos investimentos e gastos com terceiros,
deveriam ser territorializados. Retirar do cri- com apenas 6%, o índice já baixo piora no
tério, portanto, uma zona cinzenta relativa processo de execução.

TABELA 1
GASTO PÚBLICO SELECIONADO, SEGUNDO CATEGORIZAÇÃO
GEOGRÁFICA – 2014 A 2017 (Em milhões R$ nominais)

ORÇADO LIQUIDADO
CATEGORIZAÇÃO
GEOGRÁFICA Vl. Abs. % Vl. Abs. %

Regionalizável - localização
67.605,36 76,3 48.677,99 75,3
não informada
Regionalizável - localização informada 5.238,39 5,9 2.118,56 3,3
VOLTAR Suprarregional 15.745,47 17,8 13.848,47 21,4
PARA Total 88.589,22 100,0 64.645,02 100,0
INÍCIO DO
CAPÍTULO Fonte: Relatório da execução orçamentária anual – Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal da Fazenda. Elaboração própria.

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO 27

TABELA 2
PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DAS CATEGORIAS GEOGRÁFICAS,
SEGUNDO ETAPA DO PROCESSO ORÇAMENTÁRIO – 2014 A 2017
(Em milhões R$ nominais)

CATEGORIZAÇÃO GEOGRÁFICA ORÇADO ATUALIZADO CONGELADO EMPENHADO LIQUIDADO


% % % % %
Regionalizável – localizado 6,2 5,3 16,1 3,4 3,3
Regionalizável – não localizado 74,7 70,0 72,3 69,7 74,2
Suprarregional 19,2 19,7 8,3 21,7 22,5
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Relatório da execução orçamentária anual – Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal da Fazenda. Elaboração própria.

Essa queda dialoga com os achados da nejamento orçamentário, os governos criam


pesquisa anterior. Mostra, sobretudo, que a dotações particularizadas e identificadas
dinâmica da execução orçamentária piora a territorialmente (possivelmente, para am-
vinculação entre gasto público e território. pliar o apoio para aprovação da peça). Em
Nesse sentido, listamos os aspectos relativos seguida, promovem um congelamento am-
às rotinas de trabalho ao longo do processo: plo para liberar apenas metade daquilo que
os excessos das práticas de congelamento havia sido pactuado.
das despesas (que deveriam ser um meca- Os números apontam, entretanto, para
nismo de ajuste do orçamento face às osci- o potencial das bases de dados regionali-
lações na receita, mas acabam sendo usadas zadas. A análise posterior das informações
discriminadamente como ferramenta de ges- pode indicar, dentro desse universo, quem
tão); não preenchimento das informações na ganhou e quem perdeu, revelando a inten-
execução dos contratos; e negligência com o cionalidade dos governos no processo de
preenchimento do campo detalhamento da gestão do orçamento.
ação. A lógica dos congelamentos e da re- A distribuição percentual dos gastos se-
serva fica mais clara na tabela 2. gundo categoria geográfica por secretaria
A distribuição percentual mostra que está apresentada na tabela 3 e no gráfico 1.
a participação das ações do tipo “regio- Para a localização informada, o maior valor
nalizável – localizada” triplica na etapa do percentual é o da Secretaria de Cultura, que
congelamento dos gastos públicos das se- permite a identificação territorial de um ter-
cretarias-fim. Em seguida, no momento do ço do gasto analisado. Esse percentual pode
empenho, quase metade desse valor não é ser explicado, sobretudo, pela manutenção
descongelada. Por outro lado, as ações su- de equipamentos públicos – como o Teatro
prarregionais são poupadas para, depois, Municipal, que, por ser uma autarquia, recebe
aumentarem a sua participação no gasto transferência direta de recursos. Por sua natu-
público. Esses números podem indicar uma reza, a secretaria passa a constituir um caso
intencionalidade política na dinâmica do or- importante para aprofundar os conflitos terri- VOLTAR
PARA
çamento, prejudicial à informação territoria- toriais distributivos da aplicação de recursos. INÍCIO DO
lizada do gasto público. Nas etapas de pla- Por ter já meio caminho andado, pode ser um CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


28 IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO

caso-piloto para análise pormenorizada dos obras e investimentos em espaços públicos,


impactos dos seus investimentos. melhorias de acessibilidade local, e serviços
VOLTAR Embora com um percentual compara- prestados, como limpeza urbana, execução
PARA
INÍCIO DO tivamente alto, a Secretaria das Prefeituras de podas e limpeza de bueiros. Não surpre-
CAPÍTULO Regionais aloca diretamente em cada uma ende, dessa forma, o fracasso das reiteradas
de suas 32 unidades apenas 8,7% do gasto “priorizações” de temas ligados à zeladoria
com investimentos e contratos com tercei- urbana. Afinal, fica claro que não se sabe,
ros. Atividades que respondem diretamen- efetivamente, onde se está realizando esse
te a pleitos da população, como pequenas tipo de gasto.

TABELA 3
GASTO PÚBLICO SELECIONADO, SEGUNDO CATEGORIZAÇÃO
GEOGRÁFICA – 2014 A 2017 (Em milhões R$ nominais)

CATEGORIA GEOGRÁFICA
REGIONALIZÁVEL
ÓRGÃO
Localização Localização
Localização
não não Suprarregional Total
informada
informada informada
Saúde 147,43 0,7 18.084,12 80,2 4.313,59 19,1 22.545,14 100,0
Educação 0,18 0,0 9.828,14 78,4 2.703,99 21,6 12.532,31 100,0
Prefeituras
876,42 8,7 5.329,57 52,8 3.885,91 38,5 10.091,91 100,0
Regionais
Infraestrutura
711,17 14,2 4.179,18 83,2 131,62 2,6 5.021,97 100,0
Urbana e Obras
Assistência
0,00 0,0 3.618,32 97,1 109,80 2,9 3.728,12 100,0
e Des. Social
Mobilidade
0,00 0,0 3.311,57 62,2 2.015,45 37,8 5.327,02 100,0
e Transportes
Habitação 1,70 0,1 1.763,26 93,0 131,56 6,9 1.896,52 100,0
Urbanismo e
28,95 1,7 1.530,59 88,1 176,97 10,2 1.736,51 100,0
Licenciamento
Esportes e Lazer 2,48 0,5 484,99 92,1 38,95 7,4 526,42 100,0
Cultura 349,97 33,0 437,94 41,3 273,54 25,8 1.061,45 100,0
Trabalho e Emp. 0,26 0,1 110,31 62,1 67,09 37,8 177,66 100,0
Total 2.118,56 3,3 48.677,99 75,3 13.848,52 21,4 64.645,06 100,0
Fonte: Relatório da execução orçamentária anual – Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal da Fazenda. Elaboração própria.

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IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO 29

GRÁFICO 1
PERCENTUAL DO GASTO REGIONALIZÁVEL NÃO LOCALIZADO,
SEGUNDO SECRETARIAS – 2014 A 2017
Assistência e Des. Social 97,1%

Habitação 93,0%

Esportes e Lazer 92,1%

Urbanismo e Licenciamento 88,1%

Infraestrutura Urbana e Obras 83,2%

Saúde 80,2%

Educação 78,4%

TOTAL 75,3%

Mobilidade e Transportes 62,2%

Trabalho e Emprego 62,1%

Prefeituras Regionais 52,8%

Cultura 41,3%

Fonte: Relatório da execução orçamentária anual – Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal da Fazenda. Elaboração própria.

Por serem as maiores secretarias, Saú- Ambos os temas povoam com intensidade os
de e Educação chamam atenção para o alto discursos eleitorais de candidatos ao Executi-
percentual de gastos com a localização não vo e ao Legislativo, mas não se sabe, efetiva-
identificada, na casa dos 80%, e o baixo per- mente, como tais prioridades se transformam
centual das identificadas próximo de zero, no em ações concretas no território.
caso da Educação, e menos de 1% no caso da
Saúde. Ou seja, a prefeitura não sabe informar
quais territórios são efetivamente priorizados GASTOS TERRITORIALIZADOS
nem tampouco prestar contas em relação NO PERÍODO RECENTE
ao atendimento de demandas comuns nos Identificado o percentual de gastos efeti-
processos participativos: vagas em creches vamente relizados, duas questões subse-
e construção de Unidades Básicas de Saú- quentes foram analisadas. A primeira foi a VOLTAR
PARA
de estão entre os mais frequentes reclamos de compreender no tempo o que aconteceu INÍCIO DO
dos cidadãos que participam desse processo. com o processo orçamentário no que diz CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


30 IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO

respeito à territorialização. Para isso, bus- diz respeito ao ano inicial, 2014. Esse foi o
camos trabalhar um olhar para o esforço de segundo ano de gestão e o primeiro ano do
planejamento dos gastos que, como vimos, ciclo do PPA, marcado, portanto, pela proxi-
sempre foi maior do que a capacidade de midade de uma etapa em que a administra-
informar a execução do gasto regionalizado. ção estava, de fato, voltada para planejar o
Observamos, no relatório anterior, a média seu gasto a partir de um olhar mais global.
do período; agora, torna-se pertinente inda- O ano anterior foi um período de elabora-
gar como, nos diferentes anos, a prefeitura ção – além das peças orçamentárias que são
se planejou para informar a regionalização anuais (LDO e LOA), do Programa de Metas
das suas despesas. A segunda, nessa mes- da Cidade e do PPA 2014-2017. Era um mo-
ma linha, foi a de investigar como foi o com- mento, portanto, de reconfiguração de pro-
portamento das secretarias nesse processo. gramas, políticas e planejamento mais amplo
Para o primeiro dos objetivos, buscamos dos gastos. Já 2017 difere totalmente desse
entender a dinâmica no tempo sobre os es- período. Trata-se do primeiro ano de uma
forços de planejamento governamental pa- nova gestão que estava justamente se pre-
ra dar conta de produzir informação – já na parando para construir as peças de plane-
etapa de formulação – sobre o gasto públi- jamento-orçamento de acordo com as suas
co.1 Antes disso, devemos lembrar algumas preferências. Além disso, devemos considerar
características do período que podem ter que o nível de investimentos públicos caiu ao
influenciado os resultados. O primeiro deles longo desse período – afetando a composição

GRÁFICO 2
GASTO PÚBLICO MUNICIPAL PLANEJADO,
SEGUNDO CATEGORIZAÇÃO GEOGRÁFICA – 2014 A 2017
2014 74,7%
17,1%
8,1%
74,7%
2015
18,8%
6,5%
77,8%
2016
17,3%
5,0%
78,0%
2017 17,9%
4,0%
Localização informada  Suprarregional  Localização não informada

Fonte: Relatório de execução orçamentária anual – Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal da Fazenda. Elaboração própria.

VOLTAR 1    Existem informações disponíveis sobre o planejamento territorial dos gastos de cada ano nas tabelas do quadro de detalhamento
PARA das ações. Tais informações, no entanto, não foram analisadas por dois motivos: o primeiro, pelo fato de o campo detalhamento da
INÍCIO DO ação não estar disponível no relatório de execução orçamentária, não permitindo, dessa forma, a comparação ao longo do tempo
CAPÍTULO dentro das mesmas bases; adicionalmente, pelo fato de estarem disponíveis em PDF, ou seja, fora dos padrões de dados abertos.

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO 31

GRÁFICO 3
GASTO PÚBLICO MUNICIPAL LIQUIDADO,
SEGUNDO CATEGORIZAÇÃO GEOGRÁFICA – 2014 A 2017
2014 72,5%
21,4%
6,5%
2015 75,3%
22,0%
2,6%
2016 76,1%
21,1%
2,8%
76,9%
2017
21,2%
Localização informada  Suprarregional  1,9%
Localização não informada

Fonte: Relatório de execução orçamentária anual – Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal da Fazenda. Elaboração própria.

dos gastos e, consequentemente, impactan- que existe um alto custo (sobretudo em ter-
do as informações sobre a sua regionalização. mos de trabalho) para regionalizar o gasto
É precisamente isso que observamos público. Sem incentivos, estímulos ou san-
nos gráficos 2 e 3. Neles, reforçamos o que ções, esse percentual tende a cair. Por outro
já estava apresentado no relatório anterior, lado, o resultado apresentado no gráfico 1
isto é, o baixo percentual de identificação indica o potencial das ações de advocacy:
territorial do gasto, mas com um agravante: podemos rapidamente voltar ao patamar
se antes mostramos que a média do perío- identificado em 2014, que apontou – na fa-
do (para os valores liquidados) era de ape- se de planejamento – para o maior índice do
nas 3%, agora vemos que ela vem caindo ao período para percentual do gasto público
longo do tempo, tanto para os valores orça- com a localização identificada: 8,1%.
dos como para os valores liquidados. Ao abrir as séries temporais por secreta-
De fato, esse expediente ainda pode ser ria, podemos perceber como esse processo
verdadeiro, mas devemos levar em considera- se deu setorialmente e, dessa forma, identi-
ção que ele não funcionou como um incentivo ficar campos para possíveis avanços a par-
para manter o patamar de planejamento dos tir das ações e campanhas pela territoriali-
gastos. De todo modo, fica clara uma conclu- zação do orçamento público. Se havíamos
são preocupante: o esforço da máquina pú- identificado e destacado na introdução do
blica para planejar territorialmente os seus presente documento que a administração
gastos vem caindo com o passar dos anos. convive num contexto de pluralidade e he-
Ao menos é para isso que apontam os dados terogeneidade institucional, em termos de
públicos sobre a execução orçamentária. participação, chama a atenção que acom-
Esse resultado é, de certa forma, espe- panhou a queda do orçamento regionaliza- VOLTAR
PARA
rado, dado que já identificamos na pesquisa do uma expressiva redução na participação INÍCIO DO
“Gastos Públicos na Periferia de São Paulo” da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Ur- CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


32 IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO

banos, que correspondia, em 2014, a 65% dos urbanas, sobretudo a partir da Secretaria de
valores que tinham sua identificação defini- Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb), e, mas
VOLTAR da. Ou seja, os investimentos em obras dei- secundariamente, pela atual Secretaria de Ur-
PARA
INÍCIO DO xaram de ser acompanhados por um esforço banismo e Licenciamento (SMUL). A primeira
CAPÍTULO em termos de qualidade da informação. atingiu o importante valor de mais de 1 bilhão
A tabela 4 mostra, nesse sentido, que o es- de reais com valores territorialmente identifi-
forço de planejar os gastos e informá-los ter- cados, ou 23% do gasto previsto. Já em 2017
ritorialmente se deu a partir das intervenções houve uma queda expressiva, para cerca de

TABELA 4
PARTICIPAÇÃO DO ORÇAMENTO MUNICIPAL PLANEJADO
COM LOCAL IDENTIFICADO, SEGUNDO SECRETARIAS – 2014 E 2017

2014 2017
GEOGRÁFICA Local Gasto Local Gasto
% informado % informado
identificado total identificado total
Secretaria Municipal de
66 116 57,1% 21 1.035 2,0%
Urbanismo e Licenciamento
Secretaria Municipal do
25 66 37,5% 17 108 15,6%
Trabalho e Empreendedorismo
Secretaria Municipal de
1.178 5.125 23,0% 218 2.422 9,0%
Infraestrutura Urbana e Obras
Secretaria Municipal
468 2.951 15,9% 451 3.006 15,0%
das Prefeituras Regionais
Secretaria Municipal
25 284 8,7% 117 452 26,0%
de Cultura
Secretaria Municipal
26 449 5,8% 15 211 7,3%
de Esportes e Lazer
Secretaria Municipal da Saúde 6 5.694 0,1% 18 6.204 0,3%
Secretaria Municipal
1 3.052 0,0% 5 4.192 0,1%
de Educação
Secretaria Municipal
de Assistência e 0 907 0,0% 1 1.213 0,0%
Desenvolvimento Social
Secretaria Municipal
0 1.406 0,0% 0 1.588 0,0%
de Mobilidade e Transportes
Secretaria Municipal
0 2.076 0,0% 4 1.036 0,3%
de Habitação
Total 1.796 22.125 8,1% 867 21.466 4,0%
Fonte: Relatório de execução orçamentária anual – Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal da Fazenda. Elaboração própria.

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICAÇÃO DO GASTO PÚBLICO REGIONALIZADO 33

200 milhões de reais, não ocupando mais mais alta se devia à presença de autarquias
de 10% do orçamento previsto pela pasta. e fundações muito específicas, como é o ca-
Na SMUL, esse valor passou de 57% para 2%. so do Teatro Municipal.
Um evento, que já identificamos na pesquisa O crescimento significativo, porém, nos
“Gasto Público na Periferia de São Paulo”, po- indica que houve, de fato, um movimento
de nos ajudar a relativizar esse processo: a in- em direção a um planejamento territoria-
trodução, no decreto de execução orçamen- lizado das suas despesas. Não poderiam
tária de 2014, do detalhamento da ação (DA), deixar de chamar a atenção, entretanto, as
campo para o qual era prevista a especifica- pastas que zeraram (e permaneceram assim
ção do distrito administrativo no momento ao longo do quadriênio): Assistência So-
do empenho orçamentário. Porém, como as cial, Mobilidade e Transporte e Habitação.
informações relacionadas ao detalhamento São áreas cujos gastos são eminentemente
não são públicas, não é possível medir de que territoriais (com exceção de transporte, em
forma as práticas de preenchimento do DA e função do aumento expressivo da despesa
os seus resultados em termos de melhoria da com subsídio das tarifas).
qualidade da informação ocorreram. O esforço desigual no planejamento do
Entre as secretarias que aumentaram gasto das secretarias ao longo do tempo
o seu esforço em planejar o orçamento de resultou, de fato, em estruturas diferentes
forma territorializada, ganha destaque a do gasto efetivamente realizado, isto é, na
Secretaria Municipal de Cultura. O expres- composição dos valores liquidados, corres-
sivo aumento do percentual do gasto com pondente ao que se verificou em relação ao
a localização informada indica que a pasta orçado. No período, passamos de uma com-
trabalhou na contramão da média da pre- posição especialmente voltada para interven-
feitura. Com esse resultado, aprofundamos ções urbanas para uma relacionada, sobretu- VOLTAR
PARA
também a leitura do relatório anterior, no do, aos valores dispendidos pelas prefeituras INÍCIO DO
qual havíamos sugerido que a participação regionais e pelos equipamentos de cultura. CAPÍTULO

GRÁFICO 4
PARTICIPAÇÃO DAS SECRETARIAS MUNICIPAIS NO GASTO
LIQUIDADO COM LOCALIZAÇÃO INFORMADA – 2014 E 2017

2014 63,7%
28,2%
4,4%
3,2%
0,3%
2017 0,1%
15,5%
47,1%
37,4%

Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras  Secretaria Municipal das Prefeituras Regionais 
Secretaria Municipal de Cultura  Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento
Secretaria Municipal de Esportes e Lazer
Fonte: Relatório de execução orçamentária anual – Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal da Fazenda. Elaboração própria.

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


3
IDENTIFICANDO
BARREIRAS E
OPORTUNIDADES

VOLTAR
PARA
SUMÁRIO
IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 35

gasto público é planejado e executado. Em


outras palavras, se a melhor forma, mais fide-
digna e atualizável, é a extração dos dados
que permitam a territorialização na fonte (is-
to é, o próprio Sistema de Orçamento e Fi-
nanças), tem-se um consenso de que há um
longo caminho a ser percorrido.
Entretanto, existe uma discussão impor-
tante e que pode, ao mesmo tempo, reduzir
o escopo do problema, que diz respeito às
categorias das despesas públicas que são
passíveis de territorialização. Nesse caso,
não estamos tratando de uma questão re-
lacionada à disponibilidade da informação,
mas de tipos de gastos públicos sobre os
quais não faria sentido territorializar. Esses

PRINCIPAIS GRUPOS
filtros foram aplicados no presente trabalho
de forma a otimizar os esforços de regiona-

DE DESPESA E AS
lização para delimitar um escopo que real-
mente interessa aos propósitos da presen-

BARREIRAS PARA
te pesquisa, qual seja, o de mapear aqueles
gastos que permitam, de fato, dimensionar

REGIONALIZAÇÃO
o esforço dos governos municipais em re-
lação à reversão das desigualdades territo-
riais. Ao mesmo tempo, construir um cami-
nho de regionalização do orçamento que

A
importância de regionalizar o gasto sirva como instrumento para qualificar a
público, seja do ponto de vista da participação cidadã nas decisões da cidade,
gestão governamental, da avaliação isto é, fomentar uma gestão mais democrá-
da política municipal, mas, sobretudo, como tica da cidade.
um mecanismo para qualificar e fomentar a Para orientar tal discussão, trabalhamos
participação social no debate e nas escolhas com o total de gasto público no município
efetuadas em relação às priorizações do ser- de São Paulo entre 2012 e 2016.1 Uma pri-
viços público, aponta para um grande desa- meira visão sobre este na cidade de São
fio. Compreender melhor e identificar como Paulo diz respeito a uma macroclassificação
resolver o problema torna-se um caminho baseada na natureza da despesa: investi-
lógico nesse percurso. As barreiras para im- mento e custeio, conforme apresentado na
plementar tal rotina (que serão descritas de tabela 5. Analisando os números, depreen-
forma mais pormenorizada nas seções se- de-se a importância de ambos para a análi-
guintes) estão, sobretudo, vinculadas aos se do esforço da administração pública mu-
procedimentos atuais na forma pela qual o nicipal nas distintas porções da cidade.

1    A escolha se deu por dois motivos: (i) disponibilidade de informações em arquivos abertos; e (ii) período mais abrangente para VOLTAR
não entrar no mérito de cada orçamento ou de cada gestão, mas um olhar geral sobre os grandes números. Os valores mostrados PARA
são sempre referentes às liquidações, portanto, efetivamente despendidos pela administração pública. SUMÁRIO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


36 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

TABELA 5
DESPESAS MUNICIPAIS, SEGUNDO NATUREZA DA DESPESA
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO • 2012 A 2016

NATUREZA DA DESPESA VALOR (EM REAIS CORRENTES) PARTICIPAÇÃO

Correntes 182.413.657.913 89%

Capital 22.886.363.683 11%

Total geral 205.300.021.596 100%

Fonte: Sistema de Orçamento e Finanças (SOF); Secretaria Municipal da Fazenda

O investimento é o elemento transfor- te componente do gasto público se refere


mador do território. É essa categoria capaz à dívida pública paulistana e está dividido
de suprir os problemas da cidade, como em: serviço da dívida, isto é, o pagamento
provisão de habitação de interesse social, dos juros (portanto, incluído no custeio), e
novas escolas, novas UBSs, parques, sane- a amortização (que implica a redução do
amento, corredores de ônibus, entre outros. montante principal e, portanto, classificado
É desse grupo que provêm os esforços ne- contabilmente como investimento). Soma-
cessários para cobrir os grandes déficits de dos, os dois valores representam quase 9%
urbanidade com os quais convive boa parte do gasto público no período.
dos cidadãos. Por outro lado, percebemos Trata-se de um gasto fundamental para
que se trata de um montante minoritário compreender a desigualdade na cidade de
no gasto público municipal. Assim, embora São Paulo sob dois pontos de vista. Primei-
fundamentais, os esforços não podem se ro, na leitura das obras que levaram ao endi-
reduzir a compreender a distribuição es- vidamento: afinal, atenderam ao interesse e
pacial desse tipo de gasto. Por sua vez, as às demandas da maioria da população, que
despesas de custeio, além do seu montante residem nas periferias paulistanas ou foram
expressivo, cobrem as atividades essenciais orientadas a melhorar a qualidade de vida
para a vida urbana – os serviços prestados de quem reside nas zonas ricas da cidade?
à população: o atendimento nos hospitais e Segundo, como esse endividamento e as
UBSs, o funcionamento das escolas, a zela- obrigações do município comprometem a
doria do espaço urbano, os serviços de lim- capacidade da prefeitura em fazer novos
peza urbana e de transporte. Sem regionali- investimentos e ampliar os serviços públi-
zá-las, parte relevante dos serviços urbanos cos e impactam a população ao longo de
ficaria de fora. diferentes gerações? Porém, em que pese
Considerando que ambas as categorias a relevância do tema em relação às dinâmi-
são fundamentais, é preciso descer mais um cas da cidade, não serão aqui – do ponto de
nível para compreender melhor os gastos vista do georreferenciamento – relevantes
VOLTAR públicos, que foram detalhados por gru- para essa análise especificamente. O univer-
PARA
INÍCIO DO pos de despesa. Dessa forma e observando so a ser tratado pela pesquisa passa a ser,
CAPÍTULO a tabela 6, percebemos que um importan- portanto, definido a partir de três catego-

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 37

TABELA 6
DESPESAS MUNICIPAIS, SEGUNDO NATUREZA E GRUPO
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO • 2012 A 2016

VALORES PARTICIPAÇÃO NO
NATUREZA DE DESPESA GRUPO DE DESPESA
(EM REAIS CORRENTES) TOTAL DAS DESPESAS
Juros e encargos da dívida 10.136.789.396 4,9%
Outras despesas correntes 98.164.370.288 47,8%
Despesas correntes
Pessoal e encargos sociais 74.112.498.230 36,1%
Total correntes 182.413.657.913 88,9%
Amortização da dívida 7.545.418.725 3,7%
Inversões financeiras 407.206.798 0,2%
Despesas de capital
Investimentos 14.933.738.160 7,3%
Total capital 22.886.363.683 11,1%
Total geral 205.300.021.596 100,0%

Fonte: Sistema de Orçamento e Finanças (SOF); Secretaria Municipal da Fazenda

rias que, somadas, representaram 91% dos entender melhor esse grupo. Dentro dele e
gastos públicos na cidade entre 2012 e 2016: conforme a tabela 7, percebe-se a importân-
investimentos, pessoal e encargos sociais e cia do grupo de despesa “Outros Serviços
outras despesas correntes. de Terceiros – Pessoa Jurídica”. Destacando
Ainda que aplicado esse primeiro filtro a sua magnitude: dos 205 bilhões de reais
(que basicamente excluiu os gastos com a de gastos públicos no período, 65 bilhões
dívida paulistana da conta), as categorias de reais foram nesses contratos. Estamos
permanecem muito genéricas, o que nos le- tratando aqui de serviços essenciais pres-
va à necessidade de explicitar melhor o que tados à população, relacionados ao atendi-
são essas despesas. Um olhar rápido a par- mento de saúde, à limpeza e zeladoria urba-
tir dos resultados da figura anterior mostra na, à distribuição de uniformes e merenda
que há uma forte concentração desses gas- escolar. Enfim, elementos centrais no âm-
tos no grupo “Outras Despesas Correntes”, bito das competências da prefeitura e fun-
que chama a atenção por representarem damentais, sobretudo, para os segmentos
mais da metade do universo dos gastos ter- mais vulneráveis da população. Embora se
ritorializáveis. Isso significa que, se preten- trate de atividades e serviços absolutamen-
demos captar a dimensão do esforço dos te territorializáveis, em sua grande maioria,
governos em promover melhorias significa- essa é a informação mais difícil de se pro-
tivas na qualidade de vida das pessoas ou se duzir para níveis espaciais mais detalhados VOLTAR
PARA
pretendemos trazer para os processos par- – fato reconhecido por todos os entrevista- INÍCIO DO
ticipativos essa discussão, será fundamental dos ao longo da pesquisa. CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


38 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

TABELA 7
DETALHAMENTO DAS OUTRAS DESPESAS CORRENTES,
SEGUNDO CATEGORIAS
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO • 2012 A 2014
PARTICIPAÇÃO
OUTRAS DESPESAS CORRENTES VALORES
(TOTAL DOS GASTOS)

Outros Serviços de Terceiros - Pessoa Jurídica 65.773.072.180 35,13%


Contribuições 9.026.706.400 4,82%
Aposentadorias, Reserva Remunerada e Reformas 7.252.962.110 3,87%
Auxílio-Alimentação 3.405.940.014 1,82%
Material de Consumo 3.319.753.776 1,77%
Obrigações Tributárias e Contributivas 1.913.744.670 1,02%
Material, Bem ou Serviço para Distribuição Gratuita 1.397.434.346 0,75%
Pensões 1.086.278.133 0,58%
Outros Serviços de Terceiros - Pessoa Física 1.022.707.548 0,55%
Locação de Mão de Obra 958.565.410 0,51%
Despesas de Exercícios Anteriores 948.387.391 0,51%
Outros Auxílios Financeiros a Pessoas Físicas 944.637.454 0,50%
Sentenças Judiciais 519.335.892 0,28%
Auxílio-Transporte 367.617.129 0,20%
Indenizações e Restituições 121.838.022 0,07%
Serviços de Consultoria 31.918.688 0,02%
Subvenções Sociais 19.463.977 0,01%
Outros Benefícios Assistenciais e Previdenciários do Servidor ou do Militar 17.664.581 0,01%
Premiações Culturais, Artísticas, Científicas, Desport. e Outras 15.812.177 0,01%
Passagens e Despesas com Locomoção 13.522.826 0,01%
Diárias - Civil 6.906.057 0,00%
Salário Família 101.506 0,00%
OUTRAS DESPESAS CORRENTES Total 98.164.370.288 52,44%

Fonte: Sistema de Exceução Orçamentária (SOF); Secreataria Municipal da Fazenda

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 39

AUSÊNCIA DE ROTINAS tado, maior transparência e controle social


PARA REGIONALIZAR OS pela população.
GASTOS COM TERCEIROS O terceiro aspecto diz respeito ao fa-
E quais são as dificuldades em territoria- to de que, ainda que haja um acompanha-
lizar esse gasto? A partir das entrevistas e mento e medição detalhada dos dados, as
da análise das informações orçamentárias informações não são coletadas de manei-
disponíveis, foi possível listar as principais ra adequada, ou seja, não são inseridas no
delas. Primeiro, boa parte desses contratos Sistema de Orçamento e Finanças (SOF) e,
são centralizados e dizem respeito a servi- portanto, dificilmente podem ser processa-
ços prestados na cidade inteira. Importan- das para que se produza, automaticamente,
te dizer que tal prática faz sentido quando informação de qualidade sobre a sua distri-
atentamos ao princípio da economicidade. buição no espaço. Ainda que existisse um
Isto é, se a prefeitura for fazer uma compra mecanismo para inserir tais informações no
pública e, dessa forma, adquirir algum pro- sistema, a quantidade de trabalho adminis-
duto ou serviço, o grande volume contrata- trativo seria substancialmente aumentada,
do permitirá economia de escala. Portanto, exigindo uma mudança na alocação de tra-
se fizer uma contratação, por exemplo, pa- balho entre os burocratas.
ra compra de uniforme, conseguirá melhor
preço com uma compra única para toda a
cidade do que se fizesse uma contratação BAIXA PADRONIZAÇÃO
por escola ou por prefeitura regional. DAS INFORMAÇÕES SOBRE
O segundo aspecto diz respeito às for- O GASTO COM PESSOAL
mas de atesto do serviço (e a consequen- O segundo grupo a ser analisado trata dos
te medição), que pode não envolver um gastos com pessoal na administração pú-
detalhamento por unidade administrativa blica municipal. Esses gastos são de funda-
(ou, quando envolve, pode estar vinculado mental importância, uma vez que o atendi-
a múltiplas divisões territoriais). Isso não mento presencial ao cidadão é central para
impediria, por outro lado, que os grandes a boa prestação de serviços à população,
contratos fossem geridos de forma a co- em especial para os segmentos mais vulne-
letar dados referentes à execução desses ráveis e para os territórios periféricos, prin-
contratos que permitissem o detalhamento cipalmente quando nos referimos aos buro-
da despesa no nível territorial. Se tomarmos cratas de nível de rua. Afinal, é a presença,
como exemplo um contrato de prestação por exemplo, de um assistente social que
de serviços de limpeza nas escolas (que, em garante o seu atendimento e a orientação
geral, é feito ou para a cidade inteira ou por para encaminhamento a outros serviços pú-
Diretoria Regional de Ensino): em quais es- blicos. Regionalizar esse gasto é, portanto,
colas o serviço foi prestado? Com qual fre- fundamental para medir os esforços da ad-
quência e em qual quantidade? Se uma me- ministração pública na sua atuação territo-
dição adequada desses serviços pede que o rial. Pela óptica orçamentária, sua participa-
setor público acompanhe esse detalhe, lo- ção é também bastante relevante, conforme
go seria possível que essa informação fosse mostra a tabela 8: nada menos do que 22%
territorializada. A introdução de rotinas que do total do gasto público regionalizável.
permitissem esse acompanhamento e que, Aqui surge também uma questão me-
principalmente, coletassem essa informa- todológica importante que diz respeito à VOLTAR
PARA
ção que hoje não existe permitiria, além de incorporação ou não dos gastos com ina- INÍCIO DO
melhor acompanhamento do serviço execu- tivos na porção do orçamento passível de CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


40 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

TABELA 8
DETALHAMENTO DAS DESPESAS COM PESSOAL E ENCARGOS
SOCIAIS, SEGUNDO CATEGORIAS
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO • 2012 A 2016

PARTICIPAÇÃO
PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS VALORES
(TOTAL DOS GASTOS)

Vencimentos e Vantagens Fixas - Pessoal Civil 43.393.429.773 23,179%

Aposentadorias do RPPS, Reserva Remunerada e Reformas 16.447.058.145 8,785%

Obrigações Patronais 8.876.220.688 4,741%

Sentenças Judiciais 3.188.026.272 1,703%

Pensões do RPPS 2.047.801.746 1,094%

Indenizações Trabalhistas 58.532.226 0,031%

Ressarcimento de Despesas de Pessoal Requisitado 39.364.538 0,021%

Outras Despesas Variáveis - Pessoal Civil 37.985.921 0,020%

Despesas de Exercícios Anteriores 17.387.232 0,009%

Contratação por Tempo Determinado 3.248.955 0,002%

Salário Família 2.271.509 0,001%

Outros Benefícios Previdenciários do Servidor 1.171.226 0,001%

PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS • Total 74.112.498.230 39,588%

Fonte: Sistema de Exceução Orçamentária (SOF); Secreataria Municipal da Fazenda

VOLTAR
PARA
INÍCIO DO
CAPÍTULO

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 41

territorialização. A opção foi a de não con- ção disponível.


siderar esse grupo no escopo do presente Nesse sentido, três dificuldades emer-
trabalho por dois motivos. Primeiro, porque gem para geolocalização do pessoal (para
não há como incidir politicamente sobre a os que têm a informação do endereço dis-
sua distribuição no território, ou seja, não ponível). A primeira, endereços despadro-
há nenhuma margem para que processos nizados, o que inclui grafias distintas para
participativos ou relacionados à gestão de- os mesmos logradouros, diferenças nas
mocrática da cidade mudem a forma como abreviações etc. Embora tenha sido cons-
são feitos os pagamentos aos inativos. Se- tatado esse problema na base, existem hoje
gundo, porque seu impacto sobre os terri- tecnologias simples disponíveis que permi-
tórios é secundário. Isto é, ainda que impor- tem resolvê-los. A segunda, endereços em
te de alguma maneira sobre o impacto nas branco. Nesse caso, constatamos, conforme
economias locais, os gastos com inativos a tabela 9, que há uma quantidade relevan-
não afetam a prestação de serviços públi- te, embora grandes secretarias tenham um
cos à população. percentual relativamente baixo. A terceira
O cenário para a regionalização dos gas- diz respeito à qualidade da declaração dos
tos públicos com pessoal, aqui delimitados dados. Nesse caso, temia-se que tal distri-
como “Vencimentos e vantagens fixas”, é buição fosse feita de maneira automática
melhor comparativamente aos gastos com e que muitas secretarias alocassem todo o
terceiros (pessoa jurídica). Isso porque as seu pessoal na sede (e, informalmente, dis-
informações correspondentes aos salários tribuíssem suas equipes nos locais descen-
pagos bem como à identificação do local de tralizados de trabalho). Essa preocupação
serviço do funcionário público (chamado de justifica-se com base na experiência de lei-
lotação, no jargão do setor público) estão tura dos dados da Relação Anual de Infor-
disponíveis no Portal da Transparência da mações Sociais (Rais). A tabela 9 mostra,
Prefeitura de São Paulo.2 Dois problemas re- porém, que, nesse caso, embora existam
lacionados à qualidade da informação, po- situações de declaração concentrada (que
rém, emergem da leitura dos dados. O pri- de longe não coincidem com o número de
meiro é que o Sistema Integrado de Gestão equipamentos mantidos pelas áreas), há um
de Pessoas e Competências (SIGPEC) não caminho promissor a ser percorrido (sobre-
é o mesmo que processa o pagamento da tudo se compararmos com o cenário encon-
folha de vencimentos. Ao longo das entre- trado em outros grupos de despesa). Afinal,
vistas, apuramos que as diferenças nos va- embora seja necessário um trabalho razoá-
lores podem ser significativas (chegando a vel, não é de pouca relevância saber onde
10% do montante total). Isso levaria à neces- estão os funcionários da administração pú-
sidade de compatibilização dos sistemas ou blica municipal e quanto se gasta com eles
da compreensão do porquê dessa diferença em cada unidade territorial.
para uma avaliação metodológica. Porém,
ainda assim, pode-se inferir que tal variação
não constitui uma ressalva que impeça o
uso das informações do SIGPEC, o que nos
leva ao segundo problema, relativo à possi-
biliade de georreferenciamento da informa-
VOLTAR
PARA
INÍCIO DO
2    http://transparencia.prefeitura.sp.gov.br/funcionalismo/Paginas/BuscaServidores.aspx CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


42 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

TABELA 9
NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS, ENDEREÇOS ÚNICOS E PERCENTUAL
DE ENDEREÇOS NÃO IDENTIFICADOS, SEGUNDO SECRETARIAS3
% DE
NÚMERO DE
NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS
ÓRGÃO ENDEREÇOS
FUNCIONÁRIOS SEM ENDEREÇO
ÚNICOS
IDENTIFICADO
SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE 18.460 448 12%
SECRETARIA MUNICIPAL DE SEGURANÇA URBANA 6.362 76 13%
SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA 1.265 14 45%
SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA 1.049 2 29%
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO 859 5 28%
SECRETARIA MUNICIPAL DE ESPORTES E LAZER 790 50 1%
SECRETARIA MUNICIPAL DO VERDE E DO MEIO AMBIENTE 766 13 0%
SECRETARIA MUNICIPAL DE URBANISMO E LICENCIAMENTO 612 1 70%
SECRETARIA MUNICIPAL DE GESTÃO 603 3 86%
SECRETARIA MUNICIPAL DAS PREFEITURAS REGIONAIS 426 8 18%
GABINETE DO PREFEITO 384 1 22%
SECRETARIA MUNICIPAL DE SERVIÇOS E OBRAS 377 20%
SECRETARIA MUNICIPAL DE JUSTIÇA 352 1 0%
SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO 272 1 0%
SECRETARIA MUNICIPAL DE TRABALHO E EMPREENDEDORISMO 272 66 47%
SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA 206 5 4%
SECRETARIA MUNICIPAL DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA 187 5 31%
SECRETARIA MUNICIPAL DE MOBILIDADE E TRANSPORTES 80 3 0%
SECRETARIA MUNICIPAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA 48 0 100%
SECRETARIA MUNICIPAL DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS 29 1 0%
SECRETARIA MUNICIPAL DE DESESTATIZAÇÃO E PARCERIAS 23 1 0%

Fonte: Sistema de Gestão de Pessoas e Competências (SIGPEC) – Secretaria Municipal de Gestão

3   Os arquivos relativos aos servidores da educação estavam corrompidos e, após reiteradas tentativas, não foram utilizados. As informações foram solicitadas à
pasta. Porém, até o momento de entrega do presente relatório, não recebemos retorno sobre essa base.

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 43

pamentos públicos só pode ser atingido por


meio das despesas de capital.
A participação dos investimentos no
gasto público torna-se ainda mais crucial
se considerarmos o déficit das populações
mais vulneráveis a esses bens e a reduzi-
da capacidade do município com relação
a essa natureza de despesa. Documentos
públicos ilustram muito bem essa relação.

INVESTIMENTOS:
Lançado pela Prefeitura de São Paulo em
2012, o plano SP2040 estimou em 110 bi-

ONDE ESTAMOS
lhões de reais o volume de recursos neces-
sários para enfrentar grandes necessidades

TRANSFORMANDO
da cidade no longo prazo, relacionados a
habitação, mobilidade, infraestrutura ver-

A CIDADE?
de, polos de desenvolvimento econômico e
qualificação dos rios e córregos da cidade
(São Paulo (Cidade). Secretaria Municipal
de Desenvolvimento Urbano, 2012). Outro

F
inalmente, uma categoria fundamen- documento que aponta para a necessidade
tal são os investimentos. Trata-se de de despesas de capital, o Plano Municipal
uma despesa cuja natureza se defi- de Habitação aponta o custo de 60 bilhões
ne pela sua contribuição para o incremen- de reais para atacar o déficit e as necessi-
to da capacidade produtiva da economia, dades habitacionais paulistanas (São Paulo
aqui vista de forma mais ampla, e que po- (Cidade). Secretaria Municipal de Habita-
derá ser usufruída pela sociedade ao longo ção, 2016). Com base no nível de investi-
dos anos. Os investimentos são, portanto, mento constatado na série histórica ana-
incorporados ao patrimônio da prefeitura lisada (próximo a 3 bilhões de reais/ano),
ou ao ambiente construído da cidade. Em depreendem-se o tamanho do desafio de
função dessa natureza, embora componha enfrentar as grandes demandas da socie-
uma parcela mais reduzida do gasto público dade (muitas delas ligadas a necessidades
(comparativamente com as despesas com muito básicas, como a moradia digna) e,
pessoal e com serviços de terceiros), com- mais do que isso, a importância da incidên-
preendê-los torna-se fundamental para elu- cia política sobre suas decisões.
cidar o conflito distributivo dos gastos pú- A tabela 10 identifica os principais pro-
blicos. Primeiro, em função dos benefícios a gramas aos quais estão vinculados os in-
serem desfrutados no longo prazo, sua rea- vestimentos na cidade. Dela depreende-se
lização implica um efeito inercial importante que há uma diversidade na sua distribuição
e carrega consigo as despesas de custeio ao e que, grosso modo, eles estão vinculados
longo dos anos. Assim, a decisão e a realiza- às necessidades da cidade. A princípio, re-
ção de investimentos hoje terão impactos gionalizar as despesas dessa natureza é um
sobre a vida urbana durante muitos anos. caminho relativamente mais fácil, dado que:
Segundo, porque garantem os insumos (i) estão vinculadas às intervenções físicas
fundamentais de acesso aos benefícios da no território; e (ii) representam esforços de VOLTAR
PARA
cidade: o acesso ao saneamento básico, à maior visibilidade do ponto de vista das es- INÍCIO DO
mobilidade, à iluminação pública, aos equi- tratégias de gestão. Por conseguinte, os in- CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


44 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

vestimentos são mais facilmente captáveis envolver, por exemplo, a construção de cre-
por instrumentos de planejamento desti- ches conveniadas ou de Unidades Básicas
nados ao controle social e à transparência. de Saúde a partir dos contratos de gestão.
Boa parte do que aparece nos sucessivos Associado a essa dificuldade, está o fato de
programas de metas está relacionada aos que os equipamentos públicos não são uni-
investimentos e, dessa forma, uma vez rea- dades de despesa. Sua implantação envolve
lizados, as gestões têm incentivos para tor- etapas que seguem ritos administrativos e
nar essas ações orçamentárias visíveis, já agentes públicos distintos: aquisição de ter-
que implicam cumprimentos de programas reno (desapropriação), contratação da obra,
de governo. compra de equipamentos e contratação de
Ainda que o caminho para localizar os pessoal são ações que percorrem caminhos
investimentos seja mais fácil, foram locali- não coincidentes na administração e, por
zadas algumas barreiras importantes para vezes, também estão vinculadas a contratos
mapear plenamente esses gastos. Toma-se globais. Por exemplo, a compra de equipa-
como exemplo um dos programas, a sa- mentos de raio-X pode ser feita num paco-
ber, “Requalificação e promoção da ocupa- te global (e depois estes serem distribuídos
ção dos espaços públicos”, que consumiu, em diversas UBSs). Tais aspectos dificultam
conforme a tabela 10, 1,4 bilhão de reais. sobremaneira a identificação automatizada
Abrindo por projetos, é possível identificar do montante de recursos despendidos em
conjuntos de gastos bastante específicos cada local da cidade.
como “Readequação da Travessa Guerino
Noveini – Local: R. Pedro Fernandes Aragão,
346 – Cidade Ademar”. Porém, os recursos O DETALHAMENTO DA AÇÃO:
consumidos (valores liquidados) são relati- UM CAMINHO PARA
vamente modestos (280 mil reais), diante TERRITORIALIZAR O
de outras, mais genéricas como “Requalifi- GASTO PÚBLICO?
cação de bairros e centralidades”, que con- A dificuldade na localização territorial do
sumiu 132 milhões de reais. Esse último, em- gasto público, que complica tanto a partici-
bora se caracterize claramente como uma pação social como a capacidade de coorde-
intervenção física no território, não gera nação de governo, procurou ser enfrentada
uma informação automatizada (isto é, di- com uma das iniciativas recentes mais im-
retamente do Sistema de Orçamento e Fi- portantes em relação à territorialização do
nanças) sobre a sua alocação regionalizada. orçamento: a incorporação de mais um ní-
Outro aspecto relevante é que há um desca- vel de detalhamento de ação orçamentária,
samento entre os nomes dados aos progra- chamado detalhamento da ação (DA). Cria-
mas pela administração (em geral, orienta- do pelo Decreto de Execução Orçamentária
dos pelo esforço comunicacional) e a forma de 2014, consistia em o operador orçamen-
pela qual estão organizados nos instrumen- tário detalhar a relação entre aquele gasto e
tos orçamentários. o programa de metas (a qual objetivo per-
Ao longo das entrevistas, outras nuances tencia, qual meta etc.), bem como a iden-
foram percebidas em relação às dificulda- tificar a sua localização (região da cidade,
des de regionalizar os investimentos. Em al- subprefeitura e distrito). O objetivo da in-
gumas políticas setoriais importantes, parte trodução desse instrumento era, portanto, a
VOLTAR dos investimentos é feita a partir de contra- produção de informação sobre a regionali-
PARA
INÍCIO DO tos com terceiros, que passam a não ser dis- zação do gasto público por meio da intro-
CAPÍTULO tinguíveis como tal. Esse expediente pode dução de uma nova rotina que permitisse

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 45

TABELA 10
DETALHAMENTO DO INVESTIMENTO, SEGUNDO PRINCIPAIS
PROGRAMAS • MUNICÍPIO DE SÃO PAULO • 2012 A 2016

% SOBRE % SOBRE
PROGRAMAS VALORES O TOTAL DE O TOTAL DOS
INVESTIMENTOS GASTOS PÚBLICOS

Melhoria da mobilidade urbana universal 1.895.280.542 13% 0,9%


Acesso à moradia adequada 1.539.834.097 10% 0,8%
Requalificação e promoção da
1.415.229.276 9% 0,7%
ocupação dos espaços públicos
Melhoria da drenagem urbana e proteção
1.076.884.245 7% 0,5%
das bacias hidrográficas
Melhoria da mobilidade urbana -
928.574.407 6% 0,5%
Integração metropolitana
Acesso à moradia - Urbanização de favelas 804.438.212 5% 0,4%
Melhoria da qualidade e ampliação do
544.244.021 4% 0,3%
acesso à educação
Ações e serviços da saúde 520.691.620 3% 0,3%
Aprimoramento da infraestrutura urbana 499.764.398 3% 0,2%
Preservação dos recursos hídricos 349.095.683 2% 0,2%
Melhoria da drenagem urbana 318.582.982 2% 0,2%
Proteção dos recursos naturais da cidade 307.455.456 2% 0,1%
Acesso à educação e qualidade do ensino –
299.562.623 2% 0,1%
Educação infantil
Acesso à saúde e qualidade no atendimento –
182.168.636 1% 0,1%
Fortalecimento de assistência a saúde
Melhoria da mobilidade urbana – Transporte público 177.697.189 1% 0,1%
Promoção da cidade como centro de eventos e destino
175.070.452 1% 0,1%
turístico de referência
Acesso à moradia – Ações de habitação 148.084.292 1% 0,1%
Acesso à educação e qualidade do ensino –
145.819.153 1% 0,1%
Ensino fundamental
Outros 3.605.260.879 24% 1,8%
Total de investimentos 14.933.738.160 100% 7,3%
Total geral 205.300.021.596 *** 100,0%

Fonte: Sistema de Exceução Orçamentária (SOF); Secreataria Municipal da Fazenda.   *** Não se aplica

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


46 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

a sua coleta de maneira sistemática, isto é, despesa e a possibilidade de detalhamento


automatizada e incorporada à gestão orça- e localização das ações. Conforme já discuti-
mentária. Precisamente por ser uma tentati- mos nas seções anteriores, existe uma gran-
va que abarcou uma abordagem estrutural de dificuldade para localizar gastos feitos em
para o problema da gestão da informação é grandes contratos com terceiros. Evidente-
que devemos nos debruçar em uma leitura mente, essa questão apareceu no momento
mais pormenorizada do seu funcionamento do detalhamento regionalizado da despesa.
e dos seus problemas. Assim, a avaliação que se tem é a de que o
Nessa linha, uma primeira importante instrumento do detalhamento da ação serviu
observação a se fazer diz respeito à relação bem para os investimentos diretos, realiza-
entre o detalhamento da ação e os tempos dos pelo Tesouro municipal, mas menos para
do orçamento. Isso porque a obrigatorie- aqueles realizados, por exemplo, por meio de
dade de preenchimento do detalhamento contratos de gestão, e menos ainda para as
da ação se fazia apenas no momento do despesas correntes relacionadas a contratos
empenho dos recursos. E por que não nas com terceiros. Dessa forma, os relatos cole-
etapas anteriores, de planejamento e apro- tados4 apontam para uma baixa adesão no
vação do orçamento? Os motivos relatados preenchimento desse campo.
nas entrevistas apontam para a necessária Outros motivos citados relacionados ao
flexibilidade diante de imprevisibilidades a balanço dessa experiência dizem respeito,
respeito de procedimentos legais ou admi- em primeiro lugar, a uma nova carga de tra-
nistrativos relacionados à decisão do gasto. balho aos servidores que lidam com gasto
Tomando um exemplo concreto: a constru- público no cotidiano da administração. Isso
ção de uma creche exige a disponibilidade porque o adequado preenchimento do de-
de um determinado terreno. Esse processo talhamento da ação exigiria uma quantidade
envolve algumas incertezas: o acesso ao muito maior de trabalho. As referências men-
terreno pode envolver uma reintegração de cionadas ao longo das entrevistas apontam
posse (que, por sua vez, depende de deci- para uma sobrecarga de atividades entre os
são judicial); a avaliação do seu valor pode profissionais alocados principalmente nas
ser mais ou menos demorada, no caminho secretarias-fim e nas prefeituras regionais,
pode-se identificar que se trata de uma responsáveis pela execução orçamentária.
área contaminada etc. Por isso, se uma se- Mais do que isso, implicaria a adoção de no-
cretaria tem dez processos de aquisição de vas rotinas de trabalho em departamentos
terrenos andando em paralelo, seus tempos extremamente adaptados a práticas e solu-
de execução podem ser muito distintos. As- ções que se repetem ao longo dos anos.
sim, do ponto de vista da gestão do orça- Mudanças nos procedimentos, sobretu-
mento, é melhor ter flexibilidade para alocar do naqueles que envolvem novas ativida-
o valor da obra (entre as creches na região des, como é o caso do preenchimento de
A e na região B) com base na disponibilida- um maior nível de detalhamento, exigem
de do terreno em um determinado ano do novas adaptações, o que implica dois tipos
que “perder” o recurso por ter identificado de incentivo. Primeiro, o convencimento, is-
o gasto em outra localidade. to é, persuadir os responsáveis sobre a im-
Aqui, uma questão importante merece portância de produzir esse tipo de informa-
ser destacada: a relação entre a natureza da ção. Associada a esse convencimento, está
VOLTAR
PARA
INÍCIO DO
CAPÍTULO 4    A análise e o balanço do DA não foram realizados por este não ser um dado público disponível.

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 47

relacionada uma capacitação para estimular do a uma alta quantidade de suplementa-


o preenchimento correto das informações. ções entre dotações, fazendo com que se
Segundo, os mecanismos de enforcement, perca a capacidade de identificar de forma
que buscam fortalecer a obrigatoriedade do mais pormenorizada a destinação do gasto
preenchimento e adotar estratégias de con- público no território. As dificuldades aqui
trole e punição para os que não o fizerem. apontadas e, principalmente, identificadas a
Finalmente, um terceiro mecanismo im- partir da tentativa concreta de regionalizar
portante diz respeito à forma pela qual o o gasto público na cidade de São Paulo in-
orçamento é gerido. As referências versam, dicam uma grande incerteza e pouca acurá-
principalmente, sobre as práticas de con- cia das informações produzidas. Em suma,
gelamento dos recursos e liberação de co- a Prefeitura de São Paulo e, ainda mais, o ci-
tas mensais de execução orçamentária. O dadão não sabem onde é aplicada a maior
congelamento – prática prevista pelo mar- parte dos recursos.
co legal pertinente – é um mecanismo de
controle utilizado pelos órgãos centrais. Por
meio dele, tais órgãos buscam reter a libe-
ração de recursos e liberá-los à medida que
as secretarias disponibilizam informações
referentes a uma determinada ação orça-
mentária, demonstrando a capacidade de

IDENTIFICANDO
execução daquele montante. Isto é, esse ex-
pediente, que formalmente deveria ser utili-

OPORTUNIDADES
zado em função de ajustes provocados por
oscilações na arrecadação (e que, portanto,

PARA
nunca deveriam ser de 100%), é usado como
forma de se dispor de informações sobre a

TERRITORIALIZAR
execução orçamentária. Da mesma forma, a
liberação de cotas mensais permite o mo-

O GASTO PÚBLICO
nitoramento e os ajustes, a fim de adequar
a execução orçamentária à demonstração
dos resultados trimestrais primários.
Ainda que não se entre no mérito de

O
essas práticas serem adequadas do pon- conjunto das barreiras identifica-
to de vista do funcionamento da máquina das até aqui aponta para a com-
administrativa, é forçoso reconhecer suas binação de estratégias distintas
consequências: ao exigir que as secreta- para regionalização da despesa municipal.
rias e prefeituras regionais conduzam as Os gastos públicos possuem uma natureza
suas despesas mensais com grandes cons- muito diversa, bem como as rotinas para
trangimentos, tais práticas implicam um sua gestão e as formas pelas quais o dinhei-
alto nível de redistribuição de dotações e ro sai do Tesouro municipal (ou de transfe-
recursos. Dessa forma, ainda que tenham rências) e se territorializa em obras, serviços
planejado adequadamente suas despesas públicos e atendimento presencial ao cida-
e distribuído as dotações orçamentárias de dão. É certo que novas rotinas na execução
forma a otimizar a produção de informação, orçamentária são necessárias. Os órgãos VOLTAR
PARA
o cotidiano da administração envolve uma centrais são responsáveis pela liberação de INÍCIO DO
contínua transferência de recursos, levan- recursos e pela coordenação da execução CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


48 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

das atividades do setor público. Nesse sen- Nesse sentido, dois caminhos foram iden-
tido, cabe a eles dar condições, estabelecer tificados durante as entrevistas realizadas. O
as diretrizes e monitorar o preenchimento primeiro trata da criação de uma nova car-
das informações que subsidiam dados de- reira – relacionada à gestão orçamentária – e
talhados sobre regionalização do gasto. a realização de um concurso público para o
Dessa forma, embora a obrigatoriedade preenchimento das vagas. Os problemas que
do preenchimento da informação territo- emergem nesse caso, ainda de acordo com
rial do detalhamento da despesa seja uma os entrevistados, estão relacionados à restri-
solução realista face à imprevisibilidade da ção orçamentária para a incorporação de um
execução das intervenções territoriais (em novo contingente de funcionários (um impe-
razão das dificuldades relacionadas a desa- ditivo razoável para levar adiante tal propos-
propriação, zoneamento, áreas contamina- ta) e ao fato de que haveria uma tendência
das etc.), dar mais atenção ao detalhamento de excessiva especialização. Isso implicaria
na etapa de planejamento com flexibilidade uma ainda maior fragmentação da adminis-
deve facilitar a alocação regionalizada no tração pública. Uma outra alternativa, vista
momento do empenho. Reforçada a obri- como mais desejável, diz respeito à realo-
gatoriedade de territorialização do gasto, cação de técnicos, saindo de áreas em que
é preciso monitorar seu andamento (uma existe subaproveitamento de pessoal, para
proposta nesse sentido encontra-se na se- setores responsáveis pela despesa.
ção final do trabalho). Nesse ponto, cabe Como se percebe, a territorialização do
dizer, será preciso alterar a cultura de am- orçamento envolve novos processos e ro-
plos congelamentos do orçamento público, tinas numa dinâmica contínua de avaliação
reduzindo-os a patamares mais condizentes dos aprendizados. Algo que, portanto, terá
com o estabelecido pela Lei de Responsabi- resultados importantes no futuro. Sendo
lidade Fiscal (LRF). Devem refletir, quando assim, para sustentar as possibilidades de
necessário, percentuais plausíveis de queda ganhos de longo prazo, torna-se altamente
de receita, nunca a totalidade dos recursos, desejável a combinação de estratégias que
como é comumente feito. tragam resultados parciais e ganhos rápidos
A reorganização administrativa para e que, dessa forma, permitam colocar o te-
cumprir novas demandas de trabalho é ou- ma em evidência e destacar alguns achados
tro movimento necessário. Novos requisitos que ajudem a informar sobre a política pú-
para a execução orçamentária, com a fina- blica. Esse aspecto, que será abordado na
lidade de regionalizar o gasto, envolvem o última seção do presente trabalho, reforça,
preenchimento do detalhamento da ação e ainda, a necessidade de se trabalhar, como
uma gestão mais ativa dos contratos, que ponto de partida, com alguns enfoques se-
combine a cobrança de medições distribu- toriais, combinados com a discussão apre-
ídas pelos distritos com o preenchimento sentada anteriormente a respeito dos gru-
dos dados em sistemas de informação (pre- pos de despesa distintos.
ferencialmente o próprio SOF). Isso deman- Identificar perfis das secretarias em rela-
dará tanto uma modelagem concertada (na ção aos gastos pode abrir um caminho tan-
qual é fundamental que sejam envolvidas as to para a priorização dos esforços como no
áreas finalísticas) como treinamento e re- sentido de ilustrar concretamente e validar
presentará, em uma medida que ainda não as barreiras e oportunidades identificadas
VOLTAR é possível ser precisada, uma carga adicio- até aqui. Nesse sentido, trabalhou-se para
PARA
INÍCIO DO nal de trabalho nas áreas responsáveis pela construir um olhar de caráter mais setorial
CAPÍTULO despesa na Prefeitura de São Paulo. com base em dois movimentos. No primeiro,

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 49

utilizamos para o mesmo período de refe- pesas correntes representa os maiores per-
rência as bases orçamentárias para detalhar centuais de gasto da maioria das pastas, o
a composição dos gastos em cada secreta- que só reforça a importância de se trabalhar
ria. No segundo, um olhar sobre as despesas no aprimoramento da gestão dos contra-
segundo critérios de regionalização para os tos. Nesse âmbito, destacam-se áreas que
diferentes grupos de gasto, a partir das áre- combinam altos valores com participações
as relacionadas ao gasto social. superiores a 70%: saúde, transporte, assis-
tência social e serviços. Uma vez que as
áreas sociais serão analisadas de forma por-
UM OLHAR SOBRE A COMPOSIÇÃO menorizada na seção seguinte, vamos nos
DOS GASTOS POR SECRETARIAS ater, por ora, às áreas de transporte e ser-
O olhar a partir das secretarias serve co- viços. Na primeira, os expressivos gastos,
mo insumo para apoiar a priorização em que totalizam 94% do seu orçamento, estão
relação à produção de informação sobre o relacionados, majoritariamente, às compen-
orçamento regionalizado combinada com sações tarifárias ao sistema de transporte
estratégias próprias das especificidades de (cerca de 80%) e o gerenciamento do siste-
cada um dos grupos aqui considerados. Im- ma de transportes (quase 19%). Retomando
portante mencionar, antes de partirmos pa- o que foi apresentado em seção anterior, es-
ra a leitura das informações propriamente se é um gasto sobre o qual há uma discus-
ditas, que foi feita uma seleção utilizando são sobre seu georreferenciamento direto.
como critério as secretarias-fim, isto é, rela- Já no que se refere aos serviços, as ações
cionadas à produção de bens públicos ou à estão relacionadas, sobretudo, aos grandes
execução de serviços prestados ao cidadão. contratos de coleta e disposição de resíduos
Foram excluídas, dessa forma, as secreta- sólidos e de varrição e limpeza. Nesse caso,
rias relacionadas às atividades-meio, fun- mergulhar sobre esses contratos – cuja ter-
damentais para viabilizar o funcionamento ritorialização na cidade corresponde a agre-
da máquina, mas inexpressivas do ponto gações de prefeituras regionais – seria de
de vista do atendimento ao cidadão. As no- grande valia para processos participativos
menclaturas, por sua vez, correspondem às e até mesmo pedagógicos; afinal, informar
anteriores ao decreto de reestruturação das o custo da coleta e limpeza poderia chamar
secretarias, publicado no início de 2017, por- a atenção da população a respeito do cus-
que os dados orçamentários analisados são to em se manter a cidade limpa e da impor-
de 2012 a 2016. tância em trabalhar com alternativas para a
Quando observamos, na tabela 11, a dis- política de resíduos sólidos em linha com o
tribuição segundo esses grupos, notamos Plano de Gestão Integrada de Resíduos Só-
que existem ordens de grandeza muito dis- lidos da Cidade de São Paulo (PGIRS), (São
tintas em relação ao tamanho orçamentário Paulo (Cidade). Secretaria Municipal de Ser-
das secretarias, embora, das 19 secretarias, viços, 2014). Por outro lado, do ponto de vis-
13 tenham apresentado despesas que, no ta do monitoramento e controle social sobre
período analisado, superaram a monta de 1 o esforço público em resolver o problema
bilhão de reais. A composição dessas des- nas periferias, há que se ponderar se podem
pesas também é diversificada e com varia- existir estratégias mais eficazes relacionadas
ções importantes: de 96% a 3% para outras ao controle regionalizado sobre a medição
despesas correntes; 73% a 0,2% para pesso- física do objeto dos contratos e das reclama- VOLTAR
PARA
al e encargos; 93% a 0% para investimentos. ções feitas ao serviço 156 (cujas informações INÍCIO DO
Evidentemente, o grupo de outras des- são georreferenciadas). CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


50 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

TABELA 11
PARTICIPAÇÃO DOS GRUPOS DE DESPESA NO TOTAL
DE GASTOS, SEGUNDO SECRETARIAS SELECIONADAS
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO • 2012 A 2016

OUTRAS PESSOAL E INVESTIMENTOS


ÓRGÃO TOTAL
DESPESAS (%) ENCARGOS (%) (%)

SME 42.108.364.997 41,7 55,7 2,6

SMS 31.868.287.758 75,3 22,4 2,2

SMT 15778766004,8 94,1 0,2 5,1

SMADS 5.050.112.529 91,6 7,4 0,9

SMDU 3.661.638.480 36,5 2,4 57,8

SIURB 3.518.591.096 3,3 3,5 93,1

SEHAB 3.224.290.816 19,0 5,5 75,5

SMSP 2.060.676.348 61,8 11,2 27,0

SES 1.990.906.044 95,8 4,1 0,1

SMSU 1.777.244.915 26,6 72,9 0,5

SMC 1.598.305.319 60,7 27,3 10,5

SVMA 1.250.297.542 57,6 20,1 22,3

SEME 1.049.895.735 61,6 25,4 13,0

SDTE 327.693.121 82,6 14,4 1,1

SMDHC 208.452.152 67,2 31,8 1,0

SEL 172.749.139 26,5 73,4 0,1

SMPED 50.909.898 52,5 40,8 6,7

SMPM 32.729.261 48,7 43,7 7,6

SMPIR 30.640.208 69,2 30,8 0,0

Fonte: Sistema de Orçamento e Finanças (SOF); Secretaria Municipal da Fazenda.

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 51

Em relação à participação com gastos de Construir. Segundo, a Secretaria Munici-


de pessoal, notam-se, na tabela 11, valores pal de Habitação (SEHAB) (75% dos gas-
abaixo dos 50% para a grande maioria das tos com investimento), que tem atribuições
pastas. No entanto, alguns destaques de bastante onerosas, como a provisão habita-
áreas que destoam desses montantes po- cional e, sobretudo, os programas de urba-
dem ser vistos na combinação entre os va- nização de favelas. Finalmente, a Secretaria
lores percentuais e no valor total: Secreta- de Infraestrutura Urbana (Siurb) (93% dos
ria Municipal de Educação (55% dos gastos gastos com investimentos), que é respon-
são com pessoal), Secretaria Municipal de sável pelas intervenções físicas da grande
Segurança Urbana (72% dos seus gastos maioria das obras executadas por todas as
são com funcionários), Cultura e Esportes secretarias. Esses três casos merecem con-
(27,3 e 25,4%, respectivamente). Todas elas siderações importantes porque apresentam
em áreas essenciais para as periferias da situações distintas em relação aos esforços
cidade. Cabe dizer, ainda, que tanto saú- para qualificação das informações.
de como assistência social podem ter seu A SMDU é a que apresenta o maior grau
potencial subestimado pelo fato de parte de detalhamento territorial e transparência
do seu pessoal ser alocada em contratos das informações. Trabalhando com recur-
com terceiros. Especificamente no caso da sos vinculados (tanto o Fundurb como as
saúde, estima-se que 50% dos profissionais OUCs) e, portanto, submetidos a conse-
(segundo se apurou em entrevistas) estão lhos com participação da sociedade civil, o
vinculados a contratos com terceiros. Es- orçamento de investimentos da pasta está
ses contratos contêm especificados por regionalizado. Os projetos do Fundurb são
unidade o número e o perfil dos profissio- disponibilizados no sítio da secretaria por
nais a serem alocados, bastando o traba- meio de arquivos em formato aberto, que
lho de conversão dos dados em formato de permitem a identificação individual de cada
texto (PDF) para bancos de dados, rotina empreendimento5, conforme ilustrado na fi-
facilmente programável por um especialis- gura 1. Já em relação às Operações Urbanas
ta de tecnologia da informação. Consorciadas, os dados estão disponíveis,
A participação dos investimentos nos porém ainda não em formato aberto e, em-
gastos das secretarias municipais, por sua bora regionalizados, não são individualiza-
vez, é minoritária. Três pastas, no entanto, dos.6 Não refletem, dessa forma, o processo
destoam desse padrão. Primeiro, a Secre- de organização das informações relatado
taria Municipal de Desenvolvimento Urbano em publicação oficial (São Paulo (Cidade).
(SMDU) mostra participação elevada (57% Secretaria Municipal de Desenvolvimento
dos seus gastos são com investimentos), Urbano, 2016). Apesar de importantes avan-
em função de ser responsável pelas despe- ços na transparência, as informações dispo-
sas com operações urbanas (parcialmente) nibilizadas pela secretaria ainda não estão
e pelos recursos do Fundo Municipal de Ur- dispostas em formato compatível com o sis-
banização, que opera verbas oriundas do tema orçamentário, ou seja, seria necessá-
pagamento da Outorga Onerosa do Direito ria, ainda, uma conexão entre as bases para

5    Extraído de: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/urbanismo/participacao_social/fundos/fundurb/index. VOLTAR


php?p=177712 PARA
6    Os relatórios financeiros estão disponíveis por Operação Urbana em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/ INÍCIO DO
urbanismo/sp_urbanismo/operacoes_urbanas/index.php?p=19525 CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


52 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

que fosse possível a compatibilização das Já em relação à Siurb, temos uma situ-
informações. ação mista. Há duas bases que podem ser
A Secretaria Municipal de Habitação, por consultadas e, quando combinadas, permi-
sua vez, encontra-se em um patamar inter- tem a regionalização dos investimentos (ou
mediário, comparativamente. A pasta vem melhor, parte deles). A primeira diz respeito
de seguidos esforços de implementação de às próprias informações oriundas do SOF,
sistemas de informação gerencial: o Habisp, no qual coexistem projetos de que se per-
implementado na gestão do prefeito Gilber- mite a localização (ex.: canalização do Cór-
to Kassab (2007-2012), e sua sequência, o rego Ponte Baixa) com outros mais genéri-
HabitaSampa, desenvolvido na gestão do cos (ex.: intervenções de controle de cheias
prefeito Fernando Haddad (2013-2016).7 Es- em bacias de córregos). Por outro lado,
ses esforços já resultaram em informações estão disponíveis no sítio da secretaria to-
públicas importantes, que permitem identi- dos os contratos com as suas prestadoras
ficar os perímetros de intervenção e o está- de serviço.8 A relação dos contratos possui
gio de andamento de cada ação. A relação referências detalhadas a respeito da sua lo-
com os gastos efetivamente realizados, no calização (para a grande maioria deles). Po-
entanto, não está disponível ao público, de- rém, dificuldades importantes aparecem na
vendo ser acessados via Lei de Acesso à In- medida em que trazem apenas os valores
formação (LAI). globais dos contratos, não sendo possível

FIGURA 1
LISTAGEM DOS PROJETOS APROVADOS PELO FUNDURB

2016

LISTAGEM DOS PROJETOS APROVADOS


secretaria de coordenação das subprefeituras [smsp]

nome objeto endereço valor aprovado [R$] valor pago [R$] fotos
melhoria de calçadas requalificação da área visando a melhoria de acessibilidade r josé pinto x r pedreiros 18.433,90 18.433,90 link

melhoria de calçadas requalificação da área visando a melhoria de acessibilidade r cachoeira do campo grande. r 206.696,83 206.696,83 link
alexandre davidenko x r antonio
carlos m. lopes

melhoria de calçadas requalificação da área visando a melhoria de acessibilidade r conjunto sítio conceição. r rilson 128.551,29 0,00
f. s. carvalho x r meu destino

melhoria de calçadas requalificação da área visando a melhoria de acessibilidade r afonso asturaro, 470 129.716,09 129.716,09 link

melhoria de calçadas requalificação da área visando a melhoria de acessibilidade av dos metalúrgicos x r fernando 7.563,27 7.563,27 link
frejeiro

melhoria de calçadas requalificação da área visando a melhoria de acessibilidade r antonia maria teresa de paula 63.956,74 63.956,74 link
matias, 245

melhoria de calçadas requalificação da área visando a melhoria de acessibilidade r bangue [entorno da praça] 51.993,29 51.993,29 link
Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL)
melhoria de calçadas requalificação da área visando a melhoria de acessibilidade r floresta azul , 967 [alça de 61.563,63 61.563,63 link
retorno]

melhoria de calçadas requalificação da área visando a melhoria de acessibilidade av carlos lacerda. r olimpio teles 241.903,93 241.903,93 link

VOLTAR de meneses x r otusco

PARA melhoria de calçadas requalificação da área visando a melhoria de acessililidade av carlos lacerda. r louis cabat x r 1.370.800,61 1.370.742,84 link

INÍCIO DO 7    http://www.habitasampa.inf.br/ olimpio teles de meneses

CAPÍTULO 8    http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/obras/acesso_a_informacao/index.php?p=178787


3

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 53

FIGURA 2
RELAÇÃO DOS CONTRATOS ASSINADOS PELA
SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA URBANA

Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL)

verificar quando e quanto desses montan- mos de implementação. Trabalhar com es-
tes foram liquidados. Novamente, o aper- ses focos permitirá uma compreensão mais
feiçoamento das informações passaria pela aprofundada sobre as suas dificuldades, a
vinculação entre contratos e dotações orça- criação de exemplos expressivos de boas
mentárias, além do detalhamento das con- práticas e, principalmente, a elaboração de
tratações que são feitas por lotes (em geral, trabalhos em rede com diferentes secreta-
agregações de intervenções em diversas rias. No sentido de aprimorar essa estraté-
prefeituras regionais). Um esforço mais con- gia, a próxima seção se dedicará a apresen-
tingente, por outro lado, seria a elaboração tar uma possível combinação com base nas
de uma tabela de convergência, associando pastas relacionadas à política social.
contratos às dotações.
A administração pública costuma ser
vista como um bloco monolítico, comu- TERRITORIALIZAÇÃO
mente associada à figura do chefe do Exe- DO GASTO NA POLÍTICA SOCIAL:
cutivo ou a uma percepção geral de baixa UMA LEITURA PARA SAÚDE,
qualidade na prestação de serviços e, aqui EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL
particularmente, na produção de informa- Um olhar detalhado para a combinação en-
ções regionalizadas sobre o orçamento. No tre grupos de despesas e secretarias permi-
entanto, em diversos exemplos tratados ao te a definição mais concreta das estratégias
longo do presente trabalho, foi possível per- para produção de informação de qualidade,
ceber que existem melhorias que, embora visando ao georreferenciamento dos gastos
pontuais, são importantes. Combinar secre- na cidade. Para fazer esse recorte, selecio-
tarias com grupos de despesa permite fo- namos as secretarias vinculadas às políticas VOLTAR
PARA
calizar os esforços de territorialização em sociais não apenas pelo fato de serem funda- INÍCIO DO
termos analíticos, mas, sobretudo, em ter- mentais para assegurar direitos sociais bási- CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


54 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

cos relacionados às atribuições do governo


municipal, mas também porque são áreas
nas quais cortes de gastos (que é o contexto
que se avizinha para os próximos anos) afe-
tarão as condições de vida das populações
que habitam os territórios periféricos. Sele-
cionadas as secretarias, foi realizado um re-
corte dentro do universo temporal utilizado:
trabalhou-se só com os anos de 2014 a 2016.
Isso se justifica pelo fato de estarem no mes-

RECOMENDAÇÕES
mo PPA, facilitando o manuseio e a leitura
dos dados em relação aos programas.

PARA O GEORREFE-
Com base na seleção mencionada, to-
dos os projetos, de investimento e custeio,

RENCIAMENTO
foram classificados em três categorias: (i)
suprarregionais, aquelas despesas que – em-

DO ORÇAMENTO
bora tenham impacto na política e, indireta-
mente, no território – não são regionalizá-

PÚBLICO
veis. Envolvem itens como administração da
unidade, treinamentos gerais aos servidores
públicos, campanhas e desenvolvimento de
sistemas de informação; (ii) regionalizáveis,

O
as despesas que, claramente, são de caráter presente trabalho identificou, por
territorial (não tem como serem realizadas meio das entrevistas, da análise
sem alguma vinculação espacial), mas que das bases de dados que atualmen-
não estão detalhadas na peça orçamentária. te estão disponíveis ao público e dos prin-
São exemplos dessa categoria ações relativas cipais sistemas de informação que operam
à operação e manutenção ou construção e o gasto público na cidade, um volume sig-
ampliação de equipamentos públicos; e (iii) nificativo de barreiras que hoje impedem a
territorializadas, os projetos com referência distribuição do gasto público para as pre-
explicitamente territorial como, por exemplo, feituras regionais e para os equipamentos
o nome do equipamento público, o endereço públicos da cidade. De maneira resumida,
do local a ser construído ou a prefeitura re- pode-se falar em importantes deficiências
gional de referência. Cada projeto foi classifi- na forma pela qual a Prefeitura de São Pau-
cado segundo esse critério para as despesas lo está organizada para gerir o gasto públi-
de investimento e outras despesas correntes co. Mais do que problemas de transparên-
e, em seguida, os dados foram agrupados. Da cia ou disponibilidade de informações que
mesma forma, foram totalizados os valores existem, o que se observou é que a área de
do orçamento aprovado pela Câmara Mu- despesa não tem recebido o esforço ade-
nicipal de São Paulo e valores efetivamente quado diante do expressivo montante que
liquidados. O objetivo era perceber se, entre representa o orçamento da cidade. Desta-
esses dois momentos, os esforços das pastas ca-se que as divisões setoriais que operam
eram de, de fato, utilizar as dotações mais es- o orçamento público não o veem como um
VOLTAR pecíficas ou, ao longo do processo, as dota- instrumento da política pública, relacionado
PARA
INÍCIO DO ções mais amplas foram prioritárias. Os resul- ao planejamento das ações governamentais
CAPÍTULO tados estão apresentados nas tabelas 12 e 13. e de provimento de informações ao cidadão

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 55

TABELA 12
PERCENTUAL DE INVESTIMENTOS, SEGUNDO CLASSIFICAÇÃO
E PRINCIPAIS PROJETOS

INVESTIMENTO

Distribuição segundo
Secretaria Principais projetos territorializáveis
categorias

Construção, Ampliação e Reforma de Equipamentos de Saúde | 67.766.196


Construção e Instalação de Unidades Básicas Integrais de Saúde | 41.922.968
Suprarregional: 0,4%
Instalação de Unidades da Rede Hora Certa | 39.085.190
Saúde Territorializáveis 71,7%
Construção e Instalação de Hospitais | 30.998.325
Territorializados: 27,9%
Construção e Instalação de Unidades Básicas Integrais de Saúde | 26.428.885
Construção, Ampliação e Reforma de Equipamentos de Saúde | 22.182.009

Construção de Centros de Educação Infantil - CEI | 235.789.908


Construção de Escolas Municipais de Educação Infantil - EMEI | 105.101.725
Suprarregional: 4,5% Construção, Reforma e Ampliação de Centros Educacionais
Educação Territorializáveis: 95,4% Unificados - CEU | 100.417.692

Territorializados: 0,1% Construção, Reforma e Ampliação de Equipamentos Educacionais | 47.362.480


Operação e Manutenção do Sistema Municipal de Ensino | 26.973.673
Transferência de Recursos Financeiros para as Unidades Educacionais | 24.835.554

Construção, Reforma e Adaptação de Equipamentos


da Assistência Social | 15.690.485,80
Ações Permanentes de Promoção dos Direitos da Criança
e do Adolescente | 6.596.028,47
Suprarregional: 0,3% Implantação de Serviços de Acolhimento Institucional à População
Assistência em Situação de Rua | 6.354.773,67
Territorializáveis: 99,7%
Social
Ampliação e Reforma das Unidades de Abastecimento | 1.103.173,24
Territorializados: 0,0%
Ações Municipais de Abastecimento | 680.770,80
Implantação de Centros de Referência da Assistência Social - CRAS | 410.477,65
Implantação de Centros de Referência Especializadas
de Assistência Social - CREAS | 236.334,78

Fonte: Relatório da execução orçamentária anual - Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal da Fazenda. Elaboração própria.

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


56 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

TABELA 13
PERCENTUAL DE OUTRAS DESPESAS CORRENTES
E ATIVIDADES SELECIONADAS
OUTRAS DESPESAS CORRENTES
Distribuição
Secretaria segundo Principais contratos territorializáveis
categorias
Operação e Manutenção para Atendimento Ambulatorial Básico, de Especialidades
e de Serviços Auxiliares (R$ 7.485.849.216)
Operação e Manutenção das Unidades Hospitalares, Pronto-Socorros
Suprarregional: e Pronto-Atendimento (R$ 4.301.762.628)
17,6%
Operação e Manutenção de Unidades de Saúde - Básicas e de Especialidades (R$ 408.931.476)
Territorializáveis:
Saúde Operação e Manutenção do Serviço de Atendimento Médico de Urgência - SAMU (R$ 182.976.359)
82,3%
Territorializados: Operação e Manutenção de Vigilância em Saúde (R$ 127.431.777)
0,1% Operação e Manutenção da Assistência Farmacêutica (R$ 121.936.116)
Operação e Manutenção do Programa Melhor em Casa (R$ 27.258.261)
Operação e Manutenção dos Serviços de DST/AIDS (R$15.145.341)

Operação e Manutenção de CEIs e Creches da rede conveniada e outras modalidades


de parcerias | 4.307.230.841,0
Operação e Manutenção do Sistema Municipal de Ensino | 1.572.813.389,3
Suprarregional:
Alimentação Escolar | 918.750.903,4
2,8%
Operação e Manutenção dos Centros Educacionais Unificados | 658.417.440,6
Territoralizáveis:
Educação
97,2% Transporte Escolar | 190.309.329,0
Territorializados: Transferência de Recursos Financeiros para as Unidades Educacionais | 152.351.602,3
0,001%
Educação Especial - Aprender sem limite | 116.664.593,8
Transporte Escolar | 105.798.829,3
Leve-Leite | 104.956.436,3

Operação e Manutenção dos Espaços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos - Crianças,


Adolescentes, Jovens e Idosos | 983.484.163
Suprarregional:
Proteção Especial à População em Situação de Rua | 301.277.674
2,8%
Proteção Especial a Crianças, Adolescentes e Jovens em Risco Social | 227.252.231
Assistência Territorializáveis:
Social 97,2% Proteção Especial à População em Situação de Rua | 178.205.943
Territorializados: Ações de Orientação ao mundo do Trabalho para Adolescentes e Jovens | 137.787.155
0,001%
Proteção Especial a Crianças, Adolescentes e Jovens em Risco Social | 123.225.9023
Atendimento em Centros Intergeracionais para Equiparação de Oportunidades | 86.071.468

Fonte: Relatório da execução orçamentária anual - Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal da Fazenda. Elaboração própria.

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 57

que o permitam compreender melhor como volume de trabalho adicional para coleta e
se gasta na Prefeitura de São Paulo. produção dessas informações, necessidade
A dificuldade em regionalizar as despe- de reorganização das equipes de trabalho
sas públicas expressam esse problema, o envolvidas na gestão orçamentária, adap-
que traz diversas consequências negativas. tação e implementação de novas rotinas,
Em uma cidade com 11 milhões de habitan- investimentos em sistemas de informação,
tes, 6 mil escolas, 90 mil quilômetros de vias criação de metodologias de trabalho e re-
e quase 100 mil funcionários públicos (para solução de problemas que certamente apa-
ficar apenas em alguns números), o desco- recerão ao longo do processo. Diante dos
nhecimento dessa distribuição impede o pla- custos e do tamanho do desafio, é preciso
nejamento adequado das ações de governo, mobilizar esforços da sociedade civil para
a avaliação dos seus resultados e o contro- cobrar dos governos municipais o cumpri-
le social. Sobretudo, enfraquece o processo mento daquela que é a sua obrigação. Isto
de governança compartilhada da cidade, os é, mobilizar opinião pública, órgãos de con-
processos participativos e as escolhas coleti- trole interno e externo e provocar o Judici-
vas. Inclusive em momentos como os atuais, ário para pressionar a administração muni-
em que a queda de arrecadação implica um cipal a promover as mudanças necessárias.
processo responsável de debate e esclare- Nesse sentido, listamos abaixo a síntese das
cimento em relação aos eventuais cortes de barreiras e recomendações, seguindo a pro-
despesa necessários. Executivo, Legislativo, posta de trabalhar com estratégias distintas
sociedade civil e cidadão: todos perdem no para investimento, pessoal e contratos com
atual cenário em que não se pode regionali- terceiros, apresentadas de forma resumida
zar o gasto público. na figura 3.
Por outro lado, a experiência da LRF
mostrou que introduzir novas rotinas na ad-
ministração, para determinados objetivos Investimentos
relacionados à fiscalização interna e ao con- Reforçar o comando legal para o preenchi-
trole social, é possível. Afinal, constituiu-se mento do detalhamento da ação no Plano
um procedimento regular de produção de Plurianual, na Lei de Orçamento Anual ou
relatórios trimestrais e, mais do que isso, um em legislação específica. O detalhamento
horizonte de avaliação da política fiscal dos da ação revelou-se um instrumento impor-
governos municipais que permite acompa- tante para regionalização dos investimen-
nhar com clareza e transparência a relação tos. Ele já está incluído no SOF, e a adminis-
entre despesas e receitas, entre ativos e dí- tração municipal já possui uma experiência
vidas. Os caminhos para melhoria existem e para a sua aplicação. A continuidade do
envolvem mobilizar estratégias que permi- instrumento é, portanto, desejável e funda-
tam a mudança onde reside o desafio. mental. Os resultados, porém, além de não
serem públicos, também, pelos relatos co-
lhidos, não têm sido alentadores para o de-
SÍNTESE DAS BARREIRAS sejo de organizar o orçamento público no
E RECOMENDAÇÕES território. Muitas despesas são classificadas
Nessa direção, não se pode perder de vista como suprarregionais, expediente que po-
que, em que pesem os diversos benefícios de demonstrar tanto uma propriedade ter-
do georreferenciamento do gasto público, ritorial do gasto (de fato ocorrem, por sua VOLTAR
PARA
há um custo para fazer esse detalhamen- natureza, em várias regiões da cidade) co- INÍCIO DO
to. Este pode ser expresso em termos de mo pode refletir um expediente para preen- CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


58 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

FIGURA 3
SÍNTESE DAS BARREIRAS E RECOMENDAÇÕES
PARA TERRITORIALIZAÇÃO DO GASTO

Grupo / Barreiras Identificadas Recomendações Responsável / Parceiros

Rotinas administrativas
_ Despesa não é suficientemente detalhada, nem
territorialmente (DA não é obrigatório) nem por _ Obrigatoriedade do Detalhamento da Ação
equipamento público na execução orçamentária com incentivos e
_ Ampla utilização do contingenciamento como punições para as secretarias
medida de gestão orçamentária, dificultando o _ Detalhamento da despesa por equipamento
planejamento das secretarias público
_ Falta de pessoal para operar o gasto público no _ Realocação de pessoal em áreas ociosas Poder executivo municipal / Câmara de
cotidiano da administração para setores reponsáveis pelo gasto público veradores e TCM

Orçamento e participação
_ Simplificação da linguagem e estrutura
_ Linguagem exessivamente técnica da peça orçamentária
orçamentária, dificultando a apropriação para maior _ Elaboração de cartilhas sobre o orçamento
parte do cidadãos público Poder executivo municipal, técnicos da
_ Falta de informações sobre gastos no território, _ Territorialização do orçamento por administração e Câmara de veradores /
desestimulando o interesse na participação Prefeitura Regional Organizações não-governamentais

Investimentos
_ Ausência de correspondência entre contratos e _ Reforço do comando legal para
dotações orçamentárias obrigatoriedade do preenchimento do
_ Execução de contratos em lotes, envolvendo Detalhamento da Ação é particularmente
diferentes Prefeituras Regionais importante para mapear os investimentos
_ Ausência de rotinas de análise crítica das _ Relacionamento entre contratos e dotações
informações e apromoramento das rotinas orçamentárias
_ Ausência de integração entre perímetros de _ Especificação da territorialização na
realização de obras e execução de contratos medição (ateste) dos contratos
_ Realização de investimentos por meio de contratos _ Integração dos sistemas de informação, de Poder executivo municipal e Câmara de
com terceiros, dificultando sua identificação no acompanhamento e gestão de metas e Vereadores / Organizações não
território orçamentário governamentais

Custeio / Pessoal
_ Significativa presença de registros em branco _ Criação de software de padronização de
relativos a localização do funcionário público endereços e geocodificação (atribuição de
_ Informações dos servidores da educação não coordenadas geográficas)
disponíveis _ Integração dos sistemas de gestão de
_ Baixa padronização no preenchimento do campo pessoal e de pagamentos
endereço dos funcionários públicos _ Publicação das informações de pessoal da
_ Ausência de integração entre o sistema de gestão Secretaria de Educação Poder executivo municipal /
de pessoal e o sistema de pagamentos _ Preenchimento dos endereços em branco Organizações não-governamentais

Custeio / Serviços de terceiros


_ Execução de contratos em lote ou para cidade _ Treinamento e aprimoramento do módulo
toda sem registro disponível da alocação dos de contratos do SOF (Sistema de Orçamento e
recursos Finanças) para preenchimento de dados
_ Contratos disponibilizados em formato PDF não regionalizados da medição dos contratos
replicável e utilizável por máquinas _ Integração entre SOF e Sistema de Processo
_ Ausência de coleta sistemática e informatizada Eletrônico
VOLTAR sobre a alocação dos recursos na medição (ateste) _ Desenvolvimento de ferramenta de Poder executivo municipal /
PARA dos contratos extração de dados de documentos em PDF Organizações não-governamentais
INÍCIO DO
CAPÍTULO

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 59

chimento do campo sem, de fato, qualificar informação associada a uma responsabiliza-


adequadamente a informação. ção mais precisa (no nível da direção de ca-
A oportunidade identificada parte de da órgão), permitem-se o reconhecimento
duas premissas: (i) a legislação vigente, em- daqueles que avançaram no tema e a possi-
bora crie a figura do DA, restringe-se aos bilidade de cooperação e compartilhamen-
decretos de execução orçamentária, que to de boas experiências.
devem ser atualizados anualmente (tornan- Junto com esse índice e de forma a ali-
do, portanto, sua continuidade incerta); e mentar o seu preenchimento de forma au-
(ii) a qualidade dessa informação depende tomatizada, mobilizar a comunidade de
da pressão externa pelo seu preenchimen- desenvolvedores para aplicações de API
to e de uma sequência repetida do proce- com o SOF para monitorar a qualidade do
dimento que permita uma avaliação e seu preenchimento do campo detalhamento das
aprimoramento. Dessa forma, o reforço da ações. API (em inglês, Application Progra-
legislação vigente, tornando a obrigação ming Interfaces; em português, Interface de
perene, sinaliza ao poder público a necessi- Programação de Aplicação) é um conjunto
dade de desenvolver e monitorar de forma de códigos que permitem estender as fun-
mais consistente o seu aprimoramento. cionalidades de um sistema. Desde 2015, a
Sensibilizar os órgãos de controle (TCM Empresa de Tecnologia da Informação e Co-
e controladoria) e o Ministério Público, por municação do Município de São Paulo (Pro-
meio de reuniões e seminários conjuntos, dam) disponibilizou uma API pública para o
destacando os benefícios da regionalização SOF. Isso significa que programadores po-
do orçamento e a obrigatoriedade do seu dem incluir novas funcionalidades ao sistema
cumprimento. Essas estruturas possuem, e disponibilizá-las ao público. Ou seja, é pos-
entre as suas atribuições, capacidade pa- sível criar relatórios do SOF que sinalizem
ra cobrar e definir tempos e ajustamentos o percentual de gastos regionalizados com
para o cumprimento do preenchimento do base no nível de detalhamento da ação (o
detalhamento da ação. Além disso, dispõem quanto está detalhada por distrito, o quanto
de equipes qualificadas tecnicamente e co- está por prefeitura regional e o quanto é su-
nhecimento específico para contribuir com prarregional). O desafio seria criar essa fun-
técnicos da administração municipal no cionalidade para o sistema e gerar uma visu-
sentido de promover novas soluções e ino- alização amigável para isso e premiações e
vações. O presente estudo, ao discutir impli- estímulo para sua mobilização.
cações de um orçamento não regionalizado Finalmente, esse conjunto de ações po-
(com destaque para a participação social) de levar ao estabelecimento de parcerias
e apresentar uma avaliação com barreiras com a Prefeitura de São Paulo, por meio da
e oportunidades em relação ao tema, pode Secretaria Municipal de Gestão, visando à
servir como insumo para essa atividade. publicação e disponibilização em formato
Criação de índice comparativo de re- aberto das informações relativas ao preen-
gionalização do orçamento. Uma das es- chimento do campo. Sabe-se de antemão
tratégias de estímulo para os diversos ór- que, pelo caráter processual na sua qualifi-
gãos públicos (secretarias, autarquias e cação, isto é, apenas ao longo das práticas
prefeituras regionais) é a criação de um ín- de preenchimento, ela será suficientemente
dice que aponte para o percentual do orça- válida para aprofundar análises territoriais
mento (georreferenciável) que está de fato e fomentar o debate participativo. Por isso, VOLTAR
PARA
distribuído nos territórios de referência ad- atuar conjuntamente com o poder público INÍCIO DO
ministrativa. Ao monitorar a qualidade da (Executivo e órgãos de controle) na crítica CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


60 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

dos dados será mais efetivo do que pressio- o SIGPEC e o Sadinho. Associada ao treina-
nar pela má qualidade da informação inicial. mento e cobrança em relação ao preenchi-
mento da informação, tal ação poderá ter
um ganho expressivo em relação à gestão
Custeio – pessoal governamental: afinal a utilização de análises
A análise das informações de pessoal apon- quantitativas associadas aos instrumentos
tam para um caminho profícuo em função de geoestatística poderá provocar uma ra-
da avaliação das que são apresentadas e já cionalização de alocação de pessoal. Dada
disponibilizadas em formato aberto ao públi- a expressiva participação do custo de pes-
co. Os problemas identificados, em especial soal no orçamento municipal e, ao mesmo
aqueles relacionados à qualidade do preen- tempo, sua importância para a prestação de
chimento dos endereços (não padroniza- serviços públicos às populações mais vulne-
dos), são de fácil solução, dadas as tecnolo- ráveis, o potencial de ganho é substantivo.
gias disponíveis. A estratégia, nesse sentido, Georreferenciar a alocação de pessoal (e o
se faz de forma essencialmente diferente em gasto associado a ela) é, ademais, funda-
relação aos investimentos, situando-se em mental para o debate público participativo
um nível mais avançado de parcerias. relacionado à expansão, redução, otimização
Em relação ao aproveitamento das bases e reorientação dos serviços.
disponibilizadas, o desafio está em criar ro- No campo da análise relativa à medi-
tinas automatizadas relacionadas à padro- ção dos esforços para a redução das desi-
nização dos endereços e à geocodificação. gualdades socioterritoriais e das vulnera-
A primeira refere-se às programações, que, bilidades sociais e ambientais nas periferias
de forma inteligente, sejam capazes de ler de São Paulo, já existe um manancial de
o conjunto de endereços dispostos na base dados, combinando lotação e gasto, vasto
de dados original e associar a uma forma pa- o suficiente para a realização de estudos
dronizada de escrita de máxima similaridade. e debates sobre o tema. Um olhar sobre a
Isto é, identificar desvios e erros de preen- distribuição de servidores, associando-o
chimentos e substituir as grafias erradas por à ausência e presença do estado no terri-
grafias corretas. A segunda (geocodificação) tório municipal, poderá servir como base
refere-se às rotinas que compara os dados para zonas de vazios que deveriam ter sua
padronizados com uma base de logradou- cobertura prioritariamente. Outro caminho
ros georreferenciada e atribui, a cada um pode ser a leitura da distribuição dos ní-
dos endereços, coordenadas geográficas. O veis da burocracia (alta, média e nível de
caminho, nesse caso, parte de parcerias (ou rua), fomentando a discussão sobre des-
contratações) com organizações que dis- centralização administrativa. Finalmente,
põem de capacidade técnica para configu- a avaliação de impactos relativos às possí-
rar tais rotinas, que são simples. A malha de veis reduções dos contratos com terceiros
pontos e de logradouros com coordenadas (diretamente relacionados à contratação
geográficas já está desenvolvida pela Prefei- de pessoal) e à necessária redistribuição
tura de São Paulo e pronta para o uso: a No- dos funcionários concursados. Todos esses
va Base de Logradouros (NBL). são temas para os quais as bases de dados
O desenvolvimento dessas funcionalida- existentes já permitem um olhar qualificado
des de padronização e geocodificação pode de forma que a realização de seminários e
VOLTAR ser complementado pela sua incorporação editais para a produção de papers é um
PARA
INÍCIO DO aos sistemas existentes na Prefeitura de caminho possível para ampliar a densidade
CAPÍTULO São Paulo que operam a gestão de pessoal, do debate. O enfoque em relação às áreas

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 61

de políticas sociais, reforçado pela alta pre- obrigatório que todos os processos de em-
sença de gasto com pessoal nessas áreas, penho e pagamento sejam feitos de forma
pode revelar uma dimensão importante do eletrônica). Isso permitirá combinar os da-
esforço de gasto e alocação de pessoal. dos preenchidos na gestão dos contratos
com a execução orçamentária, produzindo
a informação necessária para o acompanha-
Custeio – serviços de terceiros mento territorializado dos gastos. Isso abre
Os serviços de terceiros representam uma um caminho para as ações de advocacy. O
fronteira essencial para a regionalização do campo da legislação deverá ser estudado
orçamento público, ao mesmo tempo que é (já que sua regulação é de competência da
o de mais difícil enfrentamento. Afinal, não União), mas, incrementalmente, poderá ser
apenas respondem pela parte mais expres- definida a obrigação de discriminar as des-
siva do gasto público na cidade como tam- pesas e a execução dos serviços de acordo
bém afetam, de forma decisiva, parte impor- com unidades territoriais comuns, isto é,
tante e fundamental de serviços essenciais equipamentos públicos, distritos ou prefei-
relacionados à educação (operação de cre- turas regionais.
ches, segurança e limpeza das escolas), saú- A possibilidade de ganhos rápidos nesse
de (aí numa perspectiva bem mais ampla caso está vinculada à contratação ou elabo-
– operação de Unidades Básicas de Saúde, ração de um desafio junto à comunidade de
do Programa Saúde da Família, de hospitais, desenvolvedores para a extração de infor-
ambulatórios etc.) e assistência social. mações de documentos em PDF – formato
Diferentemente dos outros assuntos tra- no qual os contratos são disponibilizados –
tados anteriormente, as informações rela- relacionadas às medições e às referências
cionadas à gestão dos contratos não estão, geográficas e consequente conversão au-
de maneira geral, produzidas. Isto é, não tomatizada das informações para um banco
existem de uma forma que permita a utiliza- de dados. Adicionalmente, a sociedade civil
ção para gerar regionalização do orçamen- poderá ser mobilizada, no que diz respeito
to. As ações necessárias nesse campo estão às organizações que atuam na incidência se-
relacionadas a mudanças nos sistemas de torial, para analisar, de forma pormenoriza-
informação, sobretudo adaptações no mó- da, os contratos de prestação de serviços.
dulo de contratos do SOF, criação de ro- Com base nesse acompanhamento, será
tinas para preenchimento de dados e for- possível debater caminhos para extração de
mas de medição dos contratos. No limite, dados ou mesmo a identificação de contra-
em alguns deles, será necessário aprimorar tos prioritários para monitoramento.
as exigências de contratante e contratado
para que a necessidade de prestação de
contas e medição territorializada esteja pre- ENCAMINHAMENTOS PARA DEFESA
sente. Nesse sentido, a possibilidade de es- DO GEORREFERENCIAMENTO
truturação de formas de criação das infor- DO ORÇAMENTO PÚBLICO
mações territorializadas sobre os contratos A pressão sobre o poder público é neces-
com terceiros está vinculada a iniciativas de sária, indispensável, porém insuficiente. O
caráter mais abrangente. ponto central do presente relatório mos-
A produção da informação de qualidade tra que, sobretudo se desejamos que a re-
sobre a execução dos contratos exige que gionalização do gasto se dê em um prazo VOLTAR
PARA
haja uma integração entre o SOF e o siste- razoável, é fundamental mobilizar um con- INÍCIO DO
ma de processo eletrônico (desde 2015, é junto articulado e continuado de esforços, CAPÍTULO

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


62 IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES

de cobrança, de controle social e de par- esforços concentrados no âmbito de algu-


ceria. Assim, se há um potencial dessa ini- mas secretarias/áreas finalísticas que per-
ciativa de transformar o patamar de qua- mitiriam o aprimoramento de um projeto de
lidade da gestão democrática da cidade, produção de informação de qualidade para
esse empreendimento pede a mobilização regionalização do gasto público na cidade.
de diferentes de atores do estado e da so- A análise de diferentes modalidades de ca-
ciedade civil. São esses papéis que estão sos setoriais com composição distinta em
apontados, de forma ainda preliminar, e relação à participação de cada um dos itens
que caminham numa direção contínua para do orçamento poderá ensejar uma leitura
criar uma dinâmica processual de aprimo- mais aprofundada dos temas. Além disso,
ramento das informações. pode servir para mobilizar diferentes orga-
Dessa forma, torna-se fundamental iden- nizações da sociedade civil atuantes em di-
tificar atividades e ações que permitam en- versos segmentos, a exemplo da frente úni-
caminhar ganhos parciais que mantenham o ca de cultura que deu grande ênfase para a
tema na pauta das políticas públicas paulis- questão orçamentária.
tanas e criar um acúmulo de conhecimen- Ao longo da presente pesquisa, clara-
tos e práticas que possibilitem amadurecer mente, o tema da regionalização do gasto
os encaminhamentos para tornar possível o público na cidade de São Paulo provocou
grande desafio de gerar informação sobre duas reações em profissionais, militantes,
os gastos públicos no território da cidade. especialistas em política urbana e no públi-
Nesse sentido, a figura 4 apresenta um le- co que participa de encontros e seminários
que de oportunidades que configuram uma sobre o tema. A primeira é a de reconhecer
proposta de continuidade desse importante que se trata de um desafio técnico e políti-
debate. São sete ações organizadas em três co gigantesco. A segunda é que o esforço
objetivos: (i) construir visibilidade para a im- vale a pena e é condição importante para
portância da regionalização do gasto públi- a transformação da cidade. A contribuição
co (advocacy); (ii) fortalecer a produção de que oferecemos traz consigo a esperança
dados públicos para georreferenciar o gas- de permitir a potencialização de uma mo-
to; e (iii) produzir análises e leituras a partir bilização continuada que consiga alterar o
dos dados disponíveis. quadro de baixa qualidade nas informações
Evidentemente, o amplo leque de ati- e poucas possibilidades de visualizar o gas-
vidades pede a mobilização de diferentes to público a partir de uma perspectiva ter-
atores e o emprego de um grande conjun- ritorial. E, assim, fornecer ao cidadão e à ci-
to de recursos para viabilizá-lo. Trata-se, no dadã paulistana uma ferramenta poderosa
entanto, da possibilidade de uma agenda de para tornar a cidade de São Paulo um terri-
médio prazo que pode se desdobrar ao lon- tório mais justo e menos desigual.
go do tempo. Em função disso, estão des-
tacadas três ações que representam, ainda
que em versão para debate, opções mais
imediatas para início da empreitada a partir
da interação entres as dimensões de prazo,
custo e impacto.
Associados ao diálogo com as questões
VOLTAR aqui elaboradas, estudos de casos setoriais
PARA
INÍCIO DO para o georreferenciamento das informa-
CAPÍTULO ções ganhariam destaque com a adoção de

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL


IDENTIFICANDO BARREIRAS E OPORTUNIDADES 63

FIGURA 4
ENCAMINHAMENTOS PARA O GEORREFERENCIAMENTO
DO ORÇAMENTO PÚBLICO

Objetivo / Ação Atividades específicas Prazo Produtos

Construir visibilidade para a importância da regionalização do Gasto Público (advocacy)

_Análise, por Secretaria, dos gastos


_Elaboração de pedidos da LAI para todas as orçamentários segundo georreferenciamento
secretarias municipais (com base na análise _ Relatório com pedidos, respostas e
georreferenciável x georreferenciado) acompanhamentos da LAI
Mobilização do GT _Articulação com a Secretaria Municipal de _ Elaboração de cartilha "Você sabe onde a
Orçamento da RDSP (*) Gestão para complementar dados de pessoal Curto PMSP gasta o nosso dinheiro?"
_ Apresentação e sensibilização do
diagnóstico (relatório) junto aos órgãos
Sensibilizar os órgãos
_Elaboração de instrumento legal para
de controle (TCM e
reforçar e operacionalizar o preenchimento _ Minuta de Projeto de Lei sobre obrigatoriedade
controladoria) e
das informações de publicação do gasto regionalizado
Legislativo
_ Formalização da cobrança do cumprimento _ Relatório com insumos técnicos sobre termo
da L.O.M Curto e Médio de ajustamento de conduta com PMSP

Sensibilização de _ Apresentação e sensibilização do


gestores públicos e diagnóstico (relatório) _ Material didático sobre os caminhos do
tomadores de decisão _ Workshop técnico com servidores (EMASP) Curto orçamento

Fortalecer a produção de dados públicos para georreferenciar o gasto


Desenvolvimento de de
padronização dos _ Especificação técnica contento análise das
endereços e dificuldades e necessidades em relação à _ TR com especificação técnica dos
geocodificação aplicação dos endereços Médio geocodificador de endereços
_ Espeficicação técnica das necessidades de
Desenvolvimento de extração e conversão de formatos
soluções tecnológicas _ Articulação com parceiros públicos para _ TR com especificação técnica de bases de
(robots) para leituras de adptação dos conversores aos sistemas de dados e formatos
arquivos em PDF de informação existentes _ Relatório diagnósticos de sistemas existentes e
investimentos e/ou _ Concepção e organização de um desafio fluxos de informações
contratos públicos (*) tecnológico para criação das soluções Médio _ Módulo testado com aplicativos desenvolvidos

Produção de análises e leituras a partir dos dados disponíveis


_ Organização de pesquisas temáticas e
Concurso de setoriais sobre orçamento _ Minuta de Edital para concurso de monografias
monografias _ Mobilização de Universidades e Centros de _ Artigos finalizados em formato de ampla
Pesquisa Médio divulgação

Mobilização e conversas _ Organização de rodas de conversa com


com especialistas (*) especialistas _ Relatório de recomendações a partir dos
_ Mini curso de capacitação para jornalistas seminários
_ Mini curso para lideranças sociais Curto _ Material didático de capacitação

(*) Ações recomendadas como prioritárias a partir da relação custo / impacto.

GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA


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BIBLIOGRAFIA
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GASTO PÚBLICO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GASTO NA POLÍTICA PÚBLICA

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