Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CADERNO # 01
F UNDA Ç Ã O TI D E S ET UBA L
Desigualdades
nas cidades:
Enfrentamentos, conquistas e desafios
Criada em 2006, a Fundação Tide Setubal é uma organização
não governamental, de origem familiar, que atua com a missão
de fomentar iniciativas que promovam a justiça social e o
desenvolvimento sustentável de periferias urbanas e contribuam
para o enfrentamento das desigualdades socioespaciais das
grandes cidades, em articulação com diversos agentes da sociedade
civil, de instituições de pesquisa, do Estado e do mercado.
www.fundacaotidesetubal.org.br
CADERNO
ANO 1 • NÚMERO 01 | PERIODICIDADE ANUAL
UM ANO
DE REGISTROS O registro de histórias e de caminhos percorridos
desigua
civil e de sua crescente capacidade de criação, Cadernos Vozes Urbanas possa contribuir para
inovação e resistência que nasce nos territórios, novos encontros, a partir do aprofundamento de
se transforma por meio do intercâmbio e da mo- temas fundamentais na construção de políticas
vimentação de suas lideranças em outras regi- públicas com maior equidade.
ões da cidade e produz soluções para influenciar
políticas públicas. Boa leitura!
Por isso, nosso lema tem sido: o território im-
porta! O território importa porque, afinal, é nele MARIA ALICE SETUBAL
que a demanda e a oferta de políticas sociais se PRESIDENTE DO CONSELHO
encontram, é onde a lógica setorial da oferta de DA FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL
3
VOZES
URBANAS PELA
DEMOCRACIA E
REDUÇÃO DAS No atual cenário político e social, lançar uma pu-
blicação que relata debates realizados por diver-
aldades
to nacional; (3) erradicar a pobreza e a margi-
nalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; e (4) promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação. É
responsabilidade de toda a sociedade lutar por
tais objetivos. Diante de cada um deles, nos co-
locamos o desafio de definir: quais temas seriam
prioritários e relevantes para o debate sobre polí-
ticas que impactam a realidade brasileira?
vozes
4
MARÇO MAIO
08 12 18
DESIGUALDADE SOCIOESPACIAL: EFETIVAÇÃO DE DIREITOS VALORIZAR O POTENCIAL
RACISMO INSTITUCIONAL E BÁSICOS PARA A DIMINUIÇÃO DAS PERIFERIAS PARA
AÇÕES DE INCLUSÃO DAS DESIGUALDADES ENFRENTAR A
Em encontro na Fundação O acesso aos direitos melhorou, DESIGUALDADE SOCIAL
Tide Setubal, Sueli Carneiro, mas a mudança não se traduz em Os territórios periféricos são
conselheira da instituição, qualidade de vida representados a partir da visão
falou da morte de Marielle de quem não vive nesses locais.
e analisou as desigualdades É o momento de abrir espaços
enfrentadas pelas mulheres negras para as pessoas criarem
no contexto social e político a própria narrativa e disputarem
o imaginário social
7
sumário
JUNHO JULHO AGOSTO
24 36 44 56
MULHERES: EQUIDADE PARTICIPAÇÃO SOCIAL PREFEITURA A INOVAÇÃO POLÍTICA
DE GÊNERO E RAÇA É FUNDAMENTAL NA DE SÃO PAULO NÃO SABE NAS PERIFERIAS
E EMPODERAMENTO EFETIVAÇÃO DO DIREITO INFORMAR ONDE FORAM BRASILEIRAS
ECONÔMICO À CIDADE UTILIZADOS Pesquisa mapeou centenas
Debate provocou reflexões Informação, conhecimento 75% DOS GASTOS de iniciativas em cinco
sobre o papel do mercado, e espaços de diálogo são cidades brasileiras, revelando
PÚBLICOS
do Estado e da sociedade pilares para a construção de laboratórios de direitos
Estudo da Fundação Tide
civil na busca pela igualdade uma cidade para todos desenvolvidos
Setubal sobre territorialização
nos territórios
dos gastos públicos, exigida
por lei, mostra fragilidades na
transparência do orçamento
municipal, com ausência de
dados sobre a localização
geográfica de grande parte
das despesas públicas
Ronaldo Santos/Unsplash
9
acism
DESIGUALDADE
SOCIOESPACIAL:
RACISMO
INSTITUCIONAL
E AÇÕES DE
INCLUSÃO
EM ENCONTRO NA FUNDAÇÃO
TIDE SETUBAL, SUELI CARNEIRO,
CONSELHEIRA DA INSTITUIÇÃO, FALOU
DA MORTE DE MARIELLE E ANALISOU AS
DESIGUALDADES ENFRENTADAS PELAS
MULHERES NEGRAS NO
CONTEXTO SOCIAL E POLÍTICO
“É DESSA GENTE CONSIDERADA que não diferenciava morro e asfalto. “Esses di-
versos mandados deram dignidade e cidadania
DESCARTÁVEL QUE PODEM EMERGIR para quem com frequência era humilhado.”
PROJETOS POLÍTICOS GENEROSOS Recentemente, ouvimos a declaração do
comandante do Exército, general Eduardo Villas
QUE CARREGAM CONSIGO A Bôas, que comanda a intervenção militar no es-
POSSIBILIDADE DE APROFUNDAMENTO tado do Rio de Janeiro, que os “militares preci-
sam ter garantia para agir sem o risco de surgir
DA DEMOCRACIA, NA MEDIDA EM QUE uma nova Comissão da Verdade”. Nesse “paco-
te” de liberdade de ação para os militares estão
ADVOGA PELA NÃO ADMISSÃO DE
os mandados de busca e apreensão coletivos,
NENHUMA FORMA DE EXCLUSÃO” isto é, mandados que serviriam para os milita-
res entrarem e revistarem qualquer residência
SUELI CARNEIRO
em uma determinada localidade. Claro que isso
não incluiria bairros em áreas nobres cariocas.
acismo
O feminismo negro trouxe uma contribuição A doutora em educação lembra que esse tipo
valiosa ao feminismo ao incluir a interseccionali- de prática foi utilizada pelo Exército Brasileiro no
dade, isto é, a intersecção entre diferentes opres- Haiti, mas que não encontra nenhuma base le-
sões: de gênero, raça, identidade sexual e classe gal, já que viola a Constituição Federal.
social, de acordo com a fundadora do Geledés. “Esse lugar do ‘não ser’ onde o racismo e o
Esferas de poder, seja Executivo, Legislati- sexismo colocaram as mulheres negras é tam-
vo ou Judiciário, têm baixa representação das bém onde surgem consciências sociais e se
mulheres e, ainda mais, de mulheres negras. E inspiram práticas inovadoras e mudanças, ainda
a morte de Marielle ocorreu justamente em um que simbólicas, que permanecem como faróis
momento em que o protagonismo das mulhe- iluminando as lutas. É dessa gente considerada
res negras alcançou maior grau de visibilidade. descartável que podem emergir projetos políti-
“Momento em que a mulher negra afirma seu cos generosos que carregam consigo a possi-
lugar de fala, demarca as condições para que bilidade de aprofundamento da democracia, na
o feminismo possa se tornar um instrumento medida em que advoga pela não admissão de
emancipatório para todas as mulheres.” nenhuma forma de exclusão”, finalizou Sueli.
A população negra, pelas condições histó-
ricas de exclusão, tem enorme dificuldade de
Divulgação
alcançar instâncias de poder, públicas ou priva-
das. “Chegar ao parlamento é experiência para
poucas mulheres negras. Marielle era a promes-
sa de gestora pública, com mandato popular,
com uma perspectiva futura [de ocupar outros
cargos]”, explicou Sueli. Antes dela, somente
Benedita da Silva, que chegou a ocupar o car-
go de governadora do Rio de Janeiro, sendo a
primeira mulher a governar o estado, encarnou
essas expectativas.
De acordo com Sueli Carneiro, foi no gover-
no de Benedita da Silva que milhares de man-
dados de busca e apreensão foram expedidos
para que os policiais pudessem entrar nas casas
de moradores de favelas durante a busca pelo
traficante Elias Maluco. Com esse ato, ela mos-
trou que era possível uma política de segurança Handemba Mutana e Sueli Carneiro
11
Mariana Ser
Sueli Carneiro
12
esigualdade
EFETIVAÇÃO
DE DIREITOS
BÁSICOS PARA A
DIMINUIÇÃO DAS
DESIGUALDADES
O ACESSO AOS DIREITOS MELHOROU,
MAS A MUDANÇA NÃO SE TRADUZ EM
QUALIDADE DE VIDA
Teresa Caldeira, Haroldo Torres e Eliana Sousa Silva (da esquerda para direita)
As periferias em São Paulo tiveram em seus divíduos se organizaram politicamente via mo-
moradores os principais agentes do espaço e vimentos sociais, que na década de 1970 e 1980
construtores das suas próprias casas, não ne- foram fundamentais para urbanizar as periferias.
cessariamente longe da região central da cidade, As periferias paulistanas estão mudando mui-
mas, sim, distantes das formas institucionais de to por diversos processos, como a capitalização
consolidar um espaço urbano. Nas décadas de da produção do espaço periférico e o processo
1970 e 1980, houve um processo de longo pra- de organização dos moradores dessas áreas. Atu-
zo chamado de autoconstrução – de construção almente, existem várias alternativas para o mer-
da própria casa e do espaço urbano por meio de cado de habitação popular, como casas vendidas
relações transversais com as instituições oficiais. prontas – excluindo a necessidade da autocons-
“Nas periferias de São Paulo, 80% dos moradores trução. A crescente capitalização do mercado
compraram um lote, mas toda a relação com a popular de habitação não é habitação social, por-
formalidade, com o Estado e o planejamento é que não é o Estado que oferece, mas é o capital
transversal, porque, às vezes, é legal, às vezes, investindo em bairros populares. A antropóloga
não. As pessoas tinham a sensação de ‘um dia vai observou também um aumento da quantidade
ser legalizado, um dia vai chegar água’”, exempli- de pessoas que alugam casas para morar.
ficou Teresa. Os territórios mudaram, principalmente, em
E foi justamente esse processo de autocons- relação à infraestrutura, que antes não chegava
trução que politizou as pessoas envolvidas, de a esses espaços. “Mudou a desigualdade, mas
acordo com a antropóloga. Em geral, esses in- não significa que ela diminuiu. O que vemos é a
15
Neca Setubal
18
19
eriferia
VALORIZAR
O POTENCIAL
DAS PERIFERIAS
PARA
ENFRENTAR A
DESIGUALDADE
SOCIAL
OS TERRITÓRIOS PERIFÉRICOS SÃO
REPRESENTADOS A PARTIR DA VISÃO
DE QUEM NÃO VIVE NESSES LOCAIS.
É O MOMENTO DE ABRIR ESPAÇOS PARA
AS PESSOAS CRIAREM A PRÓPRIA NARRATIVA
E DISPUTAREM O IMAGINÁRIO SOCIAL
ransformaçã
sociais e econômicas. A periferia é o centro da pública, na contramão, na década de 1990, ele
cultura urbana, na avaliação de Jailson. estudou o sucesso escolar de jovens pobres na
A grande questão é que há uma invisibilida- universidade, mostrando a trajetória dos que
de em relação à criatividade das periferias, uma usaram a escola pública a seu favor. O geógrafo
desvalorização dos potenciais de quem vive mudou o foco e o enfoque da questão. “Eu olhei
nesses espaços, que são excluídos socioespa- para a potência das pessoas, enquanto muitos
cialmente, de acordo com Jailson. “Primeiro pre- olhavam para o fato de as escolas públicas repri-
cisamos reconhecer o que já temos, valorizar as mirem. As escolas públicas têm muitos proble-
falas negras, valorizar negros e negras ocupando mas, mas também têm muitas possibilidades. Ela
lugares de destaque”, iniciou o fundador do Ob- faz com que muitos consigam avançar ao utilizá-
servatório de Favelas. -la a seu favor”, explicou. A tese de doutorado vi-
Existem muitas trajetórias de jovens de peri- rou o livro Por que uns e não outros? Caminhada
ferias que são exitosas, esse, inclusive, foi o tema de jovens pobres para a universidade.
da tese de doutorado que o geógrafo defendeu
na Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Eu SIMBÓLICO
nasci na periferia do Rio de Janeiro, fui o primeiro Os espaços periféricos são representados a
membro da família a chegar à universidade, em partir de uma perspectiva enviesada, cunhada
um contexto em que pessoas da periferia e ne- por representantes dos grupos dominantes, co-
gras tinham pouco acesso à universidade, ainda mo a grande mídia, os órgãos estatais, locais de
mais pública; eu fiz geografia na Universidade produção de conhecimento etc. Espaços cujos
Federal do Rio de Janeiro, fiz mestrado e doutora- atores são em sua maioria homens, adultos,
do e virei professor da Universidade Federal Flu- brancos, ricos ou de classe média em geral. Por
minense”, relatou. Uma colega de universidade, meio desses atores é que se definiu como olhar
outra professora, chegou a dizer que Jailson era a para as favelas.
expressão da decadência da universidade “fave- “Não é trivial que o simbólico institui o real,
lado, negro e comunista”. o reconhecimento do simbólico é um elemento
Para o professor, foi fundamental superar o fundamental para construir as políticas urbanas,
paradigma da ausência. Enquanto muitos pes- para construir as ações urbanas. Então, temos
quisadores estudaram o fracasso da escola que atuar nas representações, na transformação
das representações, senão não conseguiremos
interferir na realidade”, avaliou e provocou Jailson.
O Observatório de Favelas, criado em 2001,
nasceu com o objetivo de disputar conceitos,
LIVRO POR QUE UNS E NÃO OUTROS?, construir metodologias e tecnologias sociais que
JAILSON DE SOUZA E SILVA permitam colocar em questão as formas estrutu-
Por que uns e não outros? é uma versão rantes das desigualdades brasileiras. “O grupo que
sintética da tese de doutorado em educação formou o então Observatório Social da Maré, em
defendida na PUC-Rio. Ela, de forma mais 1992, era uma primeira geração a entrar na univer-
geral, é dirigida a leitores curiosos em sidade. Todas as pessoas eram moradoras de fa-
compreender as razões que levam pessoas velas que se tornaram intelectuais”, relatou Jailson.
com características comuns – em particular A sociedade em geral, incluindo quem vive
as de origem popular – a construírem, muitas em áreas empobrecidas, acaba incorporando
vezes, trajetórias sociais distintas. Visa perspectivas sobre esses territórios que se tor-
atingir também leitores que buscam uma nam padrões, como associar a pobreza à crimi-
percepção dos grupos sociais populares nalidade. Jailson relatou um episódio com um
e de seus espaços de moradia distinta taxista que disse: “Na periferia tem gente muito
da expressa no discurso da ausência. boa, no máximo 20% estão envolvidos em atos
criminosos”. Jailson recorreu aos números para
Para saber mais, acesse http://bit.ly/JailsonSilva mostrar o tamanho da irracionalidade dessa afir-
21
Tiago Queiroz
mação: são mais de 1,5 milhão de pessoas mo- periferia, outra lógica que não fosse marcada pe-
radoras de favelas no Rio de Janeiro, isso signifi- la violência, carência e precariedade”, explicou.
caria 300 mil favelados envolvidos com o crime, Quem frequentou os cursos produz imagens e
o que é um completo absurdo. “O taxista, que conteúdos que buscam olhar a beleza, o cotidia-
era morador da periferia, reconheceu que estava no pela sociabilidade, a capacidade de brincar
sendo preconceituoso.” das crianças, entre outros pontos positivos.
A Escola Popular de Comunicação Crítica, O objetivo é construir novas narrativas pa-
do Observatório de Favelas, faz formações em ra disputar com as narrativas tradicionais sobre
fotografia, audiovisual, publicidade e jornalismo a favela, que sempre focam em termos como
para jovens de periferia. De acordo com Jailson, habitações precárias, comunidades carentes,
é fundamental que a produção dos jovens tenha aglomerado subnormal. “Todas as definições de
excelência. “É simbólico fazer algo mambembe favela têm elementos negativos, nada positivo.
na periferia, é o que as pessoas esperam, mas a Mas nós apresentamos como a favela reinventa
ideia é que o trabalho trouxesse outra visão da a cidade”, contou.
23
ulhere
MULHERES:
EQUIDADE DE
GÊNERO E RAÇA E
EMPODERAMENTO
ECONÔMICO
DEBATE PROVOCOU REFLEXÕES
SOBRE O PAPEL DO MERCADO,
DO ESTADO E DA SOCIEDADE CIVIL
NA BUSCA PELA IGUALDADE
Christian Boyd/Pexels
26
Fotos Jairo Lavia
DEPOIMENTOS
Como a discussão de hoje contribui
para a redução da desigualdade social
e qual o seu papel na contribuição da
redução da desigualdade social?
lências física, psicológica, sexual, moral e patri- JANETE DA COSTA PEDRO NOGUEIRA
monial, de acordo com a Lei Maria da Penha (nº DA LUZ, FREE SOUL FOOD – COMIDA
11.340/2006). NATURAL, EMPRESA QUE TEM O
Um infográfico produzido pelo Instituto RECORTE DE TRABALHAR SOMENTE COM
Avon, entre 2015 e 2017, mostra que o debate so- MULHERES E MULHERES IMIGRANTES
bre as violências contra as mulheres aumentou
no ambiente digital: “assédio” foi o 26º assunto
mais discutido em 2017, sendo que as menções “As questões de gênero e raça são
aumentaram mais 324% e o assédio virtual cres- fundamentais, principalmente na atuação
ceu 26.000%. do terceiro setor, mesmo ele não
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domi- conseguindo prover essa equidade dentro
cílios Contínua (Pnad-IBGE) (http://bit.ly/2MsN- de si próprio, e este é nosso desafio atual.
N3g. Acessado em 4 de julho de 2018) de 2018 Temos poucos diretores, conselheiros ou
mostra que as mulheres permanecem minoria na administradores negros e negras, e ainda
população ocupada. No primeiro trimestre deste a população LGBT que não conseguimos
ano, elas eram maioria na população em idade incluir. Precisamos ampliar esse debate
de trabalhar tanto no Brasil (52,4%) quanto em dentro de casa mesmo. Ainda contratamos
todas as grandes regiões. Mas, entre as pessoas muito profissionais com os perfis-padrão
ocupadas, houve predominância de homens no das faculdades. Sou negro e atuo no setor
Brasil (56,5%) e em todas as regiões, sobretudo há muitos anos e, inúmeras vezes, não me
na Norte (60,3%). sinto representado e, quando venho a um
Nesse cenário de brutalidades, Rachel Maia, evento como esse, me sinto orgulhoso e
Kelly Silva Baptista e Mafoane Odara apontaram mais incluído na troca com essa galera.”
caminhos para as questões orientadoras do de-
bate Mulheres: equidade de gênero e raça e em- RODRIGO CARDOSO,
poderamento econômico. De que forma políti- REDE CONHECIMENTO SOCIAL
28
Fotos Jairo Lavia
Mafoane Odara, Kelly Silva Baptista e Rachel Maia (da esquerda para direita)
emp
29
poderadas
É essa a contribuição de que necessitamos: se situações que fogem da nossa governabilidade.
posicionem. Não precisamos que nos defendam, Mas o nosso objetivo é de alguma forma
temos vozes para isso. A questão não é a maioria tentar fazer com que essas pessoas tenham
das pessoas não saber falar sobre diversidade, acesso às políticas públicas no território.”
mas não ter a humildade de pedir ajuda como
um CEO de uma grande companhia fez. E o que MAURICÉLIA MARTINS GASTÃO, ONG
mais podemos fazer? Falar mais de abundância e PROCEDU E CENTRO DA CRIANÇA E DO
menos de escassez”, provocou. ADOLESCENTE, DA ASSISTÊNCIA SOCIAL,
Idealizadora do projeto Capacita-me e inte- DA PREFEITURA DE SÃO PAULO
30
DEPOIMENTOS
“A importância desse debate, principalmente
olhando para a raça, é entender que a mulher
negra pode estar em postos altos ou mais
baixos, mas é ela quem gera a economia do
país. No Brasil, 44% das mulheres negras
são chefes de família, e aí, se você olhar,
a desigualdade entre um salário de uma
mulher branca e de uma negra chega a
quase 60%. Então, ela é chefe de família em
que condição? O debate é superimportante
para posicionarmos a mulher negra no
mercado. O racismo e violência estão em
pauta hoje por conta da mortandade dos
homens negros, mas as pessoas não olham
para as mulheres negras. Meu papel é levar
para as mulheres que podemos, sim, sair do
lugar-comum. O espaço primeiro é o debate,
e que outras nos ouçam para replicarem o
que aconteceu aqui hoje, principalmente
espaços que trazem debates das periferias.”
FACES DO RACISMO
Jairo Lavia
Handemba Mutana, Neca Setubal, Mafoane Odara, Rachel Maia e Viviane Soranso
negras
culdade que fez, o que é um critério. Mas não pode
ser somente ele. Em vários casos, o talento está
PORQUE NÓS, MULHERES escondido e temos que dar um tempo para que
NEGRAS, DEIXAMOS DE ele se manifeste. Isso tem que estar na cabeça das
pessoas que têm o poder de contratação.”
SONHAR MUITO CEDO” Para os governos, garantir estrutura mínima
para que mulheres e homens negros sejam can-
MAFOANE ODARA
didatos. E, para a sociedade, desenvolver a capa-
cidade de empatia, de entender o outro e qual o
impacto disso, respeitar as histórias. Que os ho-
mens conversem com outros homens brancos
sobre o racismo, a equidade de gênero, o ma-
chismo. “Grandes poderes trazem grandes res-
ponsabilidades. O empoderamento econômico
tem a ver com projeto de vida porque nós, mu-
lheres negras, deixamos de sonhar muito cedo”,
concluiu Mafoane.
Ryoji Iwata/Unsplash
37
idad
PARTICIPAÇÃO
SOCIAL É
FUNDAMENTAL
NA EFETIVAÇÃO
DO DIREITO
À CIDADE
INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO E ESPAÇOS
DE DIÁLOGO SÃO PILARES PARA A
CONSTRUÇÃO DE UMA CIDADE PARA TODOS
idad
temas, se conectam na tradução desse direito.
“Direito à cidade é um direito amplo que tem a ver
com mobilidade, meio ambiente, moradia e até
mesmo gênero e raça, como falou Juliana”, expli-
cou Handemba Mutana, coordenador de Ação
Macropolítica da Fundação Tide Setubal, durante
a abertura da terceira edição do Vozes Urbanas –
A Participação Social na Busca pelo Direito à Cida-
de, realizada no dia 4 de julho, em São Paulo.
“Nós temos 6 milhões de pessoas que preci-
sam de um lugar para viver e, ao mesmo tempo,
temos 7 milhões de imóveis vazios. Essa mate-
mática não fecha e coloca uma série de desafios
à sustentabilidade das cidades”, contabilizou o
coordenador da Fundação Tide Setubal. Um dos
efeitos desse déficit é a ocupação por movimen-
tos de luta por moradia de edifícios ou terrenos
vazios. Em São Paulo, segundo a prefeitura, há
206 ocupações onde vivem mais de 45 mil famí-
lias. Só na região central há 70 ocupações.
O desabamento do edifício Wilton Paes de
Almeida, no Largo do Paissandu, no centro de
São Paulo, escancarou mais uma vez a questão
do acesso à moradia. O prédio era ocupado por
famílias que lutam por moradia. Benedito Bar-
bosa, advogado do Centro Gaspar Garcia e in- Benedito Barbosa, Luiza Lins Veloso,
tegrante de movimentos populares de luta por
moradia, relatou que cerca de 60 famílias ainda
aguardam atendimento da prefeitura acampa- A PRESSÃO SOCIAL,
das no Vale do Anhangabaú. “Se o incêndio tives-
se ocorrido na Avenida Paulista, as famílias esta- MUITAS VEZES
riam em hotéis e rapidamente teria uma solução
EM ESPAÇOS DE
para a situação. Mas, como se trata de famílias
que ocupavam um imóvel, o tratamento é outro.” PARTICIPAÇÃO
ESTABELECIDOS,
DISPUTA POR CENTÍMETROS
CONSEGUE BARRAR
Para o advogado, estamos vivendo um momen-
to de crise da participação social e, quando se ALTERAÇÕES QUE
trata da luta por moradia, o problema se agrava.
“Temos visto a diminuição de espaços de me- TRARIAM IMPACTOS
diação quando temos processos de remoção
ou reintegração de posse, esses processos são
PARA A POPULAÇÃO,
constantes nas periferias.” A falta de participa- SOBRETUDO A
ção da sociedade e mediação entre governos e
movimentos sociais agrava as desigualdades no MAIS POBRE
Brasil, na avaliação de Benedito.
39
DEPOIMENTOS
“A desigualdade é o privilégio de uns em
detrimento de outros. Temos uma sociedade
muito desigual, temos direitos garantidos pela
Constituição, mas vivenciamos uma situação
de violação de direitos, acirrando o privilégio
de uns enquanto outros não conseguem
acessar direitos básicos. Com o evento de
hoje, fiquei bastante informada, foi muito
rica a discussão sobre participação social, a
participação das mulheres, isso já minimiza
a desigualdade. O meu trabalho em si é em
busca da diminuição das desigualdades, é
um trabalho voluntário na área de saúde e
voltado para a população negra, que é a que
tem mais dificuldade de acesso aos direitos.”
idadã
O conselho gestor é um espaço de participação
determina as áreas que serão destinadas às ha- de planejamento urbano que têm como base a
bitações de interesse social, as chamadas Zonas participação da população. O objetivo de elaborar
Especiais de Interesse Social. “O objetivo da lei o Plano de Bairro é incentivar o cidadão a pensar a
é justamente reduzir a desigualdade socioespa- cidade e a mostrar que, por meio de uma gestão
cial, de facilitar o acesso à cidade”, explicou. participativa e democrática, pode-se conseguir um
desenvolvimento urbano sustentável da região. O
PARTICIPAÇÃO 2.0 instrumento pode propor decisões para as áreas
O modelo de participação consolidado no Brasil de iluminação, segurança, resíduos sólidos, pavi-
está mudando, de acordo com Ciro Biderman. mentação, ciclovia, pontos de ônibus, microdrena-
O orçamento participativo é o instrumento mais gem, entre outros elementos de infraestrutura.
conhecido e bem-sucedido de participação so- A Fundação Tide Setubal, a Fundação Getulio
cial na avaliação do professor. “Se no fim dos Vargas e organizações locais do Jardim Lapen-
anos 1980 umas 40 cidades aplicavam essa lei, na – zona leste de São Paulo – criaram o primeiro
em 1990 esse número passou para 2 mil cida- plano participativo para organizar demandas da
des e, a partir daí, vai decaindo.” O esgotamento região. Mais de 50 moradores do bairro participa-
desse modelo participativo – quando o governo ram da última etapa pré-finalização do documen-
convoca a população para participar – abriu es- to. A proposta e metodologia do Plano de Bairro
paço para novas experiências de participação foram apresentadas para o Conselho Municipal
que ainda estão em fase de consolidação. de Política Urbana (CMPU) de São Paulo. Agora
Os Planos de Bairros – previstos no Plano Dire- o grupo trabalha para viabilizar a implementação
tor do município de São Paulo – são instrumentos das propostas criadas pela comunidade.
44
espesa
PREFEITURA
DE SÃO PAULO
NÃO SABE
INFORMAR
ONDE FORAM
UTILIZADOS
75% DOS GASTOS
PÚBLICOS
ESTUDO DA FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL
SOBRE TERRITORIALIZAÇÃO DOS GASTOS
PÚBLICOS, EXIGIDA POR LEI, MOSTRA
FRAGILIDADES NA TRANSPARÊNCIA DO
ORÇAMENTO MUNICIPAL, COM AUSÊNCIA
DE DADOS SOBRE A LOCALIZAÇÃO
GEOGRÁFICA DE GRANDE PARTE DAS
DESPESAS PÚBLICAS
Tomás Wissenbach
DEPOIMENTOS
“A desigualdade social é a desigualdade de
oportunidades, uma total falta de pontes
entre as pessoas. Estamos todos no mesmo
barco, mas a desigualdade divide o barco
de um jeito que as pessoas não conseguem
nem conversar. A informação qualificada é
a chave para conseguir mudar isso e fazer
com que pares diferentes dialoguem.”
ecurso
ROTINA ADMINISTRATIVA CONSEQUÊNCIAS PARA A DEMOCRACIA
A pesquisa concluiu que há uma ausência de roti- A ausência de informações sobre a distribuição
nas administrativas para a produção de informa- territorial do gasto traz implicações importantes
ções de qualidade sobre o orçamento público. para as políticas públicas e o debate democráti-
Segundo Tomás, também consultor da Funda- co na cidade. O orçamento público perde muito
ção Tide Setubal, a prefeitura não tem o dado por de sua função de ser, ao mesmo tempo, um me-
questões técnicas, mas, sobretudo, por escolhas canismo de controle democrático sobre os go-
políticas. “Em relação à parte técnica, é necessá- vernos eleitos e um instrumento de planejamen-
rio reorganizar a rotina, investir na produção dos to e gestão da ação estatal.
dados. Mas não fazer isso é uma escolha política Governos, organizações da sociedade ci-
porque, ao regionalizar o orçamento, será reve- vil, meios de comunicação, pesquisadores e os
lado para além do óbvio como é o jogo político, cidadãos são privados de informações que aju-
onde estão os investimentos”, opinou durante o dariam a qualificar o debate público em torno da
evento Vozes Urbanas. aplicação de recursos escassos. Sem essas infor-
Não só a regionalização dos gastos públi- mações, a sociedade não tem como saber se, de
cos, mas também o plano de metas enfrentam fato, regiões mais desprovidas de infraestrutura e
um desafio político para serem efetivados, na serviços públicos estão sendo priorizadas.
avaliação de Américo Sampaio, gestor da Re- “Essa falta de transparência traz consequên-
de Nossa São Paulo. “São duas estratégias para cias para o desenvolvimento da cidade, dificulta
redução das desigualdades socioespaciais que processos participativos e impede o monitoramen-
estão travadas e não vão avançar enquanto não to efetivo do esforço orçamentário para a redução
houver um governo com prioridade de enfren- das desigualdades socioespaciais. Não sabemos
tar as desigualdades”, disse durante o lança- quanto o governo de fato se esforça para priorizar
mento da pesquisa. áreas com maior desigualdade e vulnerabilidade
Américo Sampaio
50
Fotos Jairo Lavia
UM DOS OBJETIVOS
DA PUBLICAÇÃO É
JUSTAMENTE COLABORAR
COM A PARTICIPAÇÃO
DA SOCIEDADE CIVIL,
QUALIFICANDO
O DEBATE SOBRE
ORÇAMENTO PÚBLICO
Lucilene Oshiro,Gisele Brito, Paula Miraglia, Tomas Wissenbach, Américo Sampaio (da esquerda para direita)
51
nvestiment
social”, explicou Tomás, autor da pesquisa. de equipamentos, entre outros. A falta de infor-
Sem as informações sobre a alocação do mações sobre a distribuição do dinheiro público
dinheiro público, o processo participativo é pre- afasta o cidadão do monitoramento das políticas
judicado na elaboração das peças orçamentá- públicas”, relembrou Handemba.
rias – como o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Compreender e influenciar os interesses e
Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual esforços públicos é fundamental nesse contexto,
(LOA). Desconhecendo a distribuição dos gastos na visão de Paula Galeano, superintendente da
no território, não se pode também averiguar se os Fundação Tide Setubal. “A Fundação busca esti-
objetivos do plano diretor estratégico estão sendo mular a participação social com a produção de
cumpridos. “Prejudica a própria coordenação das conhecimento que apoia e qualifica essa partici-
ações de governo na medida em que não se dis- pação”, explicou durante a abertura do evento.
põe de um olhar conjunto sobre os esforços orça- A não regionalização dos gastos públicos na
mentários das diferentes áreas, pastas, autarquias cidade significa que a sociedade não tem como
e empresas públicas. Sem saber o quanto se gas- conhecer o funcionamento do poder público, se-
ta em cada porção da cidade, o ente público aca- gundo Américo. “Sem esses dados não temos co-
ba também por agir no escuro, e determinadas mo saber o que o poder público está fazendo para
secretarias não sabem o que outras áreas estão diminuir a desigualdade social. É o mesmo que di-
fazendo”, diz um trecho do estudo. zer que a prefeitura não sabe o que está fazendo.”
Um dos objetivos da publicação é justamen-
te colaborar com a participação da sociedade
civil, qualificando o debate sobre orçamento pú- A publicação Gasto Público
blico. “A linguagem orçamentária dificulta a par- no Território e o Território
ticipação social. E é justamente na execução do do Gasto na Política Pública
orçamento que se concretizam ações no territó- pode ser acessada em
rio, como a manutenção de serviços, construção bit.ly/GastosPublicosSP
78,4% (R$ 9,8 bilhões), respectivamente. A pasta calização de 41,3% dos seus gastos. O desempe-
de Assistência Social é a que tem o índice mais nho menos pífio da Secretaria de Cultura chama
elevado de gastos sem a localização identifica- atenção nesse cenário de falta de transparência.
da: 97,1% (R$ 3,6 bilhões). Para Gisele, há relação com a atuação dos movi-
Algumas ações do poder público envolvem mentos de cultura da periferia. “Os movimentos
necessariamente a territorialização, isto é, se re- de cultura da periferia foram muito atuantes na
ferem a um local no território, um espaço concre- cobrança de ações e políticas públicas na Secre-
to que deveria facilitar a produção da informa- taria de Cultura. A Lei de Fomento à Cultura da Pe-
ção. Por exemplo, a ação orçamentária operação riferia, por exemplo, é uma das conquistas desse
e manutenção de unidades hospitalares, pron- movimento, que apresentou a demanda de uma
tos-socorros e pronto-atendimento consumiu lei para reverter o óbvio”, explicou.
R$ 5,9 bilhões no período analisado. Contudo,
não há informações sobre a localização das uni- INVESTIMENTOS
dades citadas na ação. Quando se fala em orçamento público, uma cate-
O mesmo ocorre com a Secretaria de Educa- goria fundamental são os investimentos, embora
ção, para os R$ 6 bilhões gastos com operação componham uma parcela mais reduzida do gas-
e manutenção de CEIs (Centros de Educação In- to público, se comparados com as despesas de
fantil) e creches da rede conveniada. pessoal e serviços de terceiros. A realização de
A Secretaria de Prefeituras Regionais não sabe investimentos traz impactos sobre a vida urbana
identificar a localização de 52% de seu orçamento durante muitos anos. Em função dessa natureza,
e a Secretaria de Cultura não tem identificada a lo- territorializar os investimentos é fundamental pa-
54
Tomás Wissenbach
55
56
57
eriferi
A INOVAÇÃO
POLÍTICA NAS
PERIFERIAS
BRASILEIRAS
PESQUISA MAPEOU CENTENAS
DE INICIATIVAS EM CINCO CIDADES
BRASILEIRAS, REVELANDO
LABORATÓRIOS DE DIREITOS
DESENVOLVIDOS NOS TERRITÓRIOS
Dú Pente, Rayane Soares, Ana Paula Freitas, Jéssica Vanessa, Juliana Alves Marques e Fernanda Nobre (da esquerda para direita)
PAPO RETO
O Coletivo Papo Reto atua no Complexo
do Alemão e em outras favelas do Rio de
Janeiro com articulação, comunicação e
mobilização das comunidades contra a
violência do Estado e por garantia de direitos.
REDE UMUNNA
A rede Umunna é formada por mulheres
negras que pesquisam e promovem a
presença de mulheres negras na política
institucional. O trabalho da Umunna envolve
formação política para mulheres negras,
reposicionamento de temas na agenda pública
e pesquisas centradas em dados. Neste
ano eleitoral, a Umunna realiza a campanha
#MulheresNegrasDecidem com o objetivo
de qualificar o debate da sub-representação
das mulheres negras na política do Brasil.
Rayane Soares
59
zedor passa a empreender esforços para que o trole por meio da força policial.
direito experimentado por ele de maneira prática As violações, violências e os abusos que
nos novos ambientes frequentados seja também acontecem cotidianamente nas periferias são
assegurado em seus próprios territórios”, diz um consequências da ausência do Estado planeja-
trecho do estudo. da, a outra face de um projeto político de con-
As iniciativas mapeadas foram categoriza- trole e uso da força policial. “Não é falta de ação
das em cinco laboratórios: direito à existência; do Estado, é escolha política de chegar somente
direito a memória, educação e cultura; direito via polícia, é a presença do Estado via força po-
à participação política; direito à economia e ao licial”, enfatizou Jéssica Cerqueira, pesquisadora
bem viver; e direito à ocupação de poder. Com do mapeamento.
dificuldades de acesso à maioria das políticas E uma das formas encontradas de atuar na
públicas, ou mesmo aos equipamentos públicos, gestão das urgências, que se relacionam direta-
as periferias encontram fôlego nessas iniciativas mente com o direito à existência, é denunciar e
que procuram concretizar – por meio de práticas trazer luz aos abusos e violações de direitos hu-
culturais ou sociais – o acesso aos direitos asse- manos que acontecem nos territórios periféri-
gurados pela Constituição. cos. A comunicação é utilizada como ferramenta
para publicizar as violações de direitos que ocor-
DIREITO À EXISTÊNCIA rem nas periferias. De acordo com Jéssica, dar vi-
No Brasil é como se a cada dois dias caísse um sibilidade às violações e aos abusos é uma ferra-
avião de jovens entre 15 e 29 anos, sendo que, menta de sobrevivência encontrada por diversos
desse grupo, 77% são negros, segundo a Anistia atores sociais. “Mapeamos coletividades e redes
Internacional. Esse contingente de jovens que como o Papo Reto, no Complexo do Alemão, que
perde o direito à vida, e, portanto, à sua existên- usa o poder do registro como forma de garantir o
cia, é formado por, na maior parte, moradores de direito à existência.”
periferias, onde o projeto do Estado se resume à Os espaços de poder são ocupados, em sua
combinação entre políticas de ausência e con- maioria, por homens brancos e de classe média.
Jairo Lavia