Você está na página 1de 13

Conceito

Um Território Educativo é aquele, para além de suas funções


tradicionais, reconhece, promove e exerce um papel educador na
vida dos sujeitos, assumindo como desafio permanente a formação
integral de crianças, jovens, adultos e idosos. Nos Territórios
Educativos as diferentes políticas, espaços, tempos e atores são
compreendidos como agentes pedagógicos, capazes de apoiar o
desenvolvimento de todo potencial humano.

De acordo com a urbanista Raquel Rolnik, “o território é produto da


dinâmica social onde se tensionam sujeitos sociais. Ele é construído
com base nos percursos diários trabalho-casa, casa-escola, das
relações que se estabelecem no uso dos espaços ao longo da vida,
dos dias, do cotidiano das pessoas.”
Crédito: Rodrigo Corsi

No Brasil, a ideia de território está em permanente diálogo com o


trabalho de diversos autores, entre eles, Anísio Teixeira (Escolas-
Parque), Mário de Andrade (Parques Infantis), Paulo
Freire (Educação Cidadã), Milton Santos (Território), Moacir Gadotti
(Escola Cidadã) e Ladislau Dowbor (Educação e Desenvolvimento
Local).

“O território é assunto, é conteúdo do currículo, é o lugar onde se dão


ações educativas e também é um agente, como se fosse sujeito também.
E não dizemos que ele é pedagógico, e sim educativo, porque estamos
considerando a educação formal, a não formal e a informal”, define a
educadora e arquiteta, Beatriz Goulart.
As premissas

Para apoiar as ações estratégicas que vêm sendo desenvolvidas no


Brasil para o fortalecimento dessa agenda, quatro premissas estão
sendo trabalhadas pelo programa Educação e Território, promovido
pela Associação Cidade Escola Aprendiz. 

Participação e Controle Social

É imprescindível que as políticas de construção de Territórios


Educativos tenham como princípio o avanço da democracia e o
aprofundamento das formas de participação social. 

Dos fóruns locais, passando pelos conselhos, comissões, audiências


e consultas, é preciso cultivar políticas públicas que ensejam um
profundo compromisso com a transparência e contemplam, em
todas as suas etapas – elaboração, implementação e avaliação – o
engajamento da sociedade civil.

Nesse contexto, destacam-se as iniciativas que fomentam a


participação ainda na primeira infância, vinculando as crianças às
decisões sobre o território onde vivem, a escola em que estudam, o
planeta que desejam, etc. Atentas às especificidades dessa etapa e,
sobretudo, às suas potências, o Conselho Mirim de Santo André
(São Paulo) figura como exemplo de como meninos e meninas estão
plenamente aptos a exercer a sua cidadania
hoje. Rosário (Argentina) e seu Conselho de Crianças – desenhado à
luz da Cidade das Crianças, proposta pelo pedagogo
italiano Francesco Tonucci – tem revelado o senso de coletividade,
solidariedade e respeito à diversidade das crianças quando
convidadas a repensar o espaço público.
As políticas de construção de Territórios Educativos devem ter como
princípio o avanço da democracia e o aprofundamento das formas de
participação social

Crédito: upslon
Escolas que se reconhecem como agentes de transformação do território

A escola é parte essencial do processo educativo e assume o


território como campo de pesquisa, currículo e lugar de estudo. 

Aberta à comunidade, ela envolve-se com as questões locais e se


reconhece no território, atuando em prol de suas transformações.
Assumindo-se como centro de liderança local, a escola busca outras
instituições para que, juntas, possam avançar na garantia do
desenvolvimento integral de crianças e jovens. Essa configuração
permite que a escola amplie tempos, espaços, recursos e agentes,
conferindo sentido ao aprendizado e estabelecendo um diálogo
permanentemente com o contexto de vida daqueles que devem ser
o centro de todas as suas ações: os estudantes.
Alunos participam de atividade durante Virada Educação

Crédito: Facebook / Divulgação

Embora a escola seja estratégica para que Territórios Educativos se


consolidem como tal, é preciso ressaltar que, nessa concepção, a
educação é vista como um processo permanente, que se dá ao
longo de toda a vida. Para além da etapa escolar, como defende
Jaume Trilla, é possível aprender na cidade (cidade como espaço
onde a aprendizagem ocorre), aprender com a cidade (cidade lida
como texto, como emissora constante de aprendizados) e aprender
a cidade (cidade como intervenção, passível de transformação, de
ação política).

Intersetorialidade

Nos Territórios Educativos, o arranjo das políticas deve transcender


a lógica setorializada da gestão pública, assumindo a
intersetorialidade como premissa norteadora das ações e
instrumento estratégico de articulação entre instituições, pessoas e
saberes.

Fundamentada pela descentralização, a intersetorialidade emerge


como oportunidade para que, nos territórios, a gestão de políticas e
serviços esteja mais próxima daqueles a quem se destinam, bem
como de seus mecanismos de controle social. E para que possa, a
partir de uma atuação em rede, construir respostas mais eficazes
aos desafios que se apresentam. Valendo-se de estratégias
coordenadas em prol de um objetivo comum, a intersetorialidade
permite ainda que os recursos sejam melhor aproveitados,
promovendo uma gestão financeira inteligente e compartilhada,
capaz de gerar soluções integradas que contribuam efetivamente
para o desenvolvimento local. Para isso, planejamentos,
orçamentos, normatizações técnicas, recursos humanos,
instrumentos de avaliação e monitoramento, etc. devem ser
repensados e reestruturados a partir dessa perspectiva.

Bons exemplos de intersetorialidade em território nacional, podem


ser vistos nas políticas voltadas para a infância. Resultado da ampla
mobilização dos movimentos sociais no período que sucedeu a
Constituição de 1988 – época em que a assistência social foi
elevada à condição de política pública e regulamentada pela sua
respectiva Lei Orgânica (LOAS, 1993) e que os municípios
começaram desenhar respostas que contemplassem o recém-
aprovado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) -, os
programas dedicados à proteção social de crianças e adolescentes
inovaram ao integrar todas as instâncias de articulação do poder
público e a sociedade civil por meio de uma gestão intersetorial.

Acesso aos bens culturais da cidade

A partir de políticas públicas e ações que estimulam o vínculo e o


reconhecimento das populações com o território, um território que
educa deve assegurar a todos o acesso aos bens culturais
produzidos em uma determinada localidade, sejam aqueles
consolidados por museus, centros culturais e equipamentos
urbanos de cultura em geral, sejam as narrativas estéticas
protagonizadas por  diferentes grupos sociais.

Associado ao aprofundamento da democracia e, portanto, à


emergência de novas vozes, a cultura é a dimensão que aposta no
protagonismo, na autonomia, nas diferentes linguagens, na
inovação, na descoberta, no encantamento e na criatividade para
recriar lugares de convivência, solidariedade e respeito mútuo.

No Brasil, a experiência dos Pontos de Cultura como política


nacional de democratização da cultura, deixou marcas nos
territórios por onde passou, mostrando a potencialidade de um
programa construído “de baixo para cima”, disposto a revelar
“histórias escondidas de um Brasil que pouco vê a si mesmo”, como
definiu seu criador Célio Turino.

Em Natal, o projeto Conexão Felipe Camarão tirou da invisibilidade


os mestres de cultura popular da comunidade, aproximando as
novas gerações do Auto de Boi de Reis, da Capoeira, do Teatro e da
Rabeca. Em conexão com as escolas, a organização Terramar
investe no protagonismo de meninos e meninas para preservar as
expressões tradicionais locais.
Auto do boi realizado na Conexão Felipe Camarão

Crédito: Divulgação
A construção de Territórios Educativos alinhados à concepção de Direito à Cidade

De norte a sul, emergem, nos últimos anos, grupos que se


organizam de forma colaborativa, utilizando as novas tecnologias,
para requalificar ruas, praças, calçadas, parques, escadarias,
pautando e exercendo o direito à cidade como um direito
inalienável no século 21.

Respondendo aos desafios globais contemporâneos, a construção


de Territórios Educativos buscam o desenvolvimento econômico
em consonância com o desenvolvimento sustentável e a justiça
social, enfrentando os problemas urbanos de forma sistêmica,
transparente e horizontal. 

Sintonizados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável


(ODS), estabelecidos entre os 193 países que compõem as Nações
Unidas, incluindo o Brasil, os municípios assumem a tarefa de
reduzir a pobreza, assegurando os direitos fundamentais de seus
habitantes e a preservação do meio ambiente.

Rompendo com a lógica das políticas fragmentadas, as experiências


em diálogo com os Territórios Educativos evocam a necessidade de
articulação entre os diferentes setores do governo e da sociedade
em um pacto pelo desenvolvimento humano e social. Em oposição
à baixa participação, exige-se a criação de mecanismos e estratégias
capazes de contemplar as diferentes vozes que compõem o
território.

Nessa perspectiva, os territórios forjados em projetos de exclusão e


segmentação dão lugar a espaços públicos acessíveis, desenhados
para melhorar a qualidade de vida, a saúde e o bem-estar das
pessoas. 

Cidades Educadoras e Territórios Educativos: uma agenda de convergência

O conceito de Cidades Educadoras ganhou força e notoriedade


com o I Congresso Internacional de Cidades Educadoras, realizado
em Barcelona, na Espanha, nos anos 1990. Neste encontro, um
grupo de cidades pactuou um conjunto de princípios centrados no
desenvolvimento dos seus habitantes que orientariam a
administração pública.

“A Cidade Educadora deve ocupar-se prioritariamente com as crianças e


jovens, mas com a vontade decidida de incorporar pessoas de todas as
idades, numa formação ao longo da vida”
A Carta é ainda hoje o referencial mais importante da Associação
Internacional de Cidades Educadoras, que reúne 505 cidades em 34
países do globo. Atualmente, 21 municípios compõem a Rede
Brasileira de Cidades Educadoras.

Nos últimos anos, o debate sobre o papel do território na formação


de crianças e adolescentes norteou a elaboração de políticas
públicas que compreendem a cidade como Território Educativo. 

Em 2006, o programa Escola Integrada, em Belo Horizonte (MG), já


configurava-se como um exemplo de articulação de novos agentes
no processo educativo, extrapolando a sala de aula e impactando
não apenas a aprendizagem de meninos e meninas em idade
escolar, mas também o cotidiano das famílias e comunidades, que
passam a ter seus saberes e conhecimentos valorizados e refletidos.

No mesmo ano, Nova Iguaçu (RJ) criou o Bairro-escola Nova Iguaçu.


No programa, praças, clubes comunitários, teatros e até as próprias
ruas viraram espaços educativos. Além da reformulação curricular e
da mudança no papel dos professores, o Bairro-escola exigiu um
trabalho intersetorial entre as diferentes secretarias e propôs a
reconfiguração da cidade como um todo. Em seu documento de
criação, o programa postula:

“A educação ocorre não somente nos limites da escola, mas em todos os


cantos da comunidade. O bairro passa, portanto, a ser visto como um
grande laboratório de experiências educativas. E a escola, por sua vez,
passa a ser o elemento mobilizador, a partir do qual se cria uma rede
cidadã pronta a trocar conhecimentos e valores; a ensinar e, ao mesmo
tempo, aprender.”

A criação do programa federal Mais Educação, em 2007,


responsável por implementar a educação integral em 60 mil escolas
públicas brasileiras, a partir da extensão da jornada escolar e da
ampliação qualificada das oportunidades de aprendizagem, também
trouxe para o território para o centro do debate sobre a formação
de crianças e adolescentes no Brasil.

Compõe esse cenário o Plano Nacional de Educação (PNE), que


prevê que 50% das escolas brasileiras terão educação integral até
2024. Sua aprovação, em 2014, tem ampliado a demanda por
novos arranjos educativos nos municípios e estados, exigindo
medidas que reconfigurem a relação entre escolas e territórios. Se
atingida, a meta do PNE – que estabelece ainda que o Brasil deverá
garantir 25% das matrículas da rede pública de ensino em educação
integral nos próximos dez anos – pode pautar profundas mudanças
na maneira como a sociedade brasileira concebe a educação.

A experiência de Maranguape (CE) já é reflexo desse novo


paradigma. A participação de pais, estudantes, professores,
associações civis, jovens e idosos no redesenho de espaços da
comunidade para a criação de um Ecomuseu reorientou os
patrimônios materiais e imaterias do município para uma proposta
de Cidade Educadora. O processo – ancorado na valorização da
cultura local e na participação social – culminou na aprovação de
um Plano Municipal de Educação que estabelece diretrizes e metas
para que Maranguape se consolide como Cidade Educadora.

Tendência que também pode ser observada na conformação


do Bairro-escola Rio Vermelho, em Salvador (BA); na proposta que
articula educação e saúde, concebida em Sorocaba (SP); em
programas organizados em torno de uma proposta pedagógica e
intergeracional, na cidade de Santos (SP); na vocação de Cidade que
Educa, assumida pelo município de Coronel Fabriciano (MG).
Maranguape (CE): patrimônio como articulador de Territórios
Educativos

Crédito: Ecomuseu de Maranguape/Divulgação

Você também pode gostar