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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ


CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
DOUTORADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

CLARISSA ALEXANDRA GUAJARDO SEMENSATO

SISTEMAS MUNICIPAIS DE CULTURA NO RIO DE JANEIRO:


O SISTEMA NACIONAL DE CULTURA COMO INDUTOR DA
INSTITUCIONALIZAÇÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS LOCAIS

FORTALEZA - CEARÁ
2022
1

CLARISSA ALEXANDRA GUAJARDO SEMENSATO

SISTEMAS MUNICIPAIS DE CULTURA NO RIO DE JANEIRO:


O SISTEMA NACIONAL DE CULTURA COMO INDUTOR DA
INSTITUCIONALIZAÇÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS LOCAIS

Tese apresentada ao Curso de Doutorado


em Políticas Públicas do Programa de Pós-
Graduação em Políticas Públicas do
Centro de Estudos Sociais Aplicados da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do título de
Doutora em Políticas Públicas. Área de
Concentração: Planejamento e Avaliação
em Políticas Públicas.

Orientador: Prof. Dr. Alexandre Almeida


Barbalho.

FORTALEZA - CEARÁ
2022
2
3

CLARISSA ALEXANDRA GUAJARDO SEMENSATO

SISTEMAS MUNICIPAIS DE CULTURA NO RIO DE JANEIRO:


O SISTEMA NACIONAL DE CULTURA COMO INDUTOR DA
INSTITUCIONALIZAÇÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS LOCAIS

Tese apresentada ao Curso de Doutorado


em Políticas Públicas do Programa de Pós-
Graduação em Políticas Públicas do
Centro de Estudos Sociais Aplicados da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do título de
Doutora em Políticas Públicas. Área de
Concentração: Planejamento e Avaliação
em Políticas Públicas.
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AGRADECIMENTOS

A minha família e companheiro, que me apoiaram nessa jornada.


A todo o povo do Ceará, o mais acolhedor e bem humorado que existe.
Aos colegas/amigos de classe que tornaram esses trilhos longe de casa mais
amigáveis. A todos os professores do curso, em especial ao Giovanni Allegreti pelas
palestras com temas instigantes, a Liduína Farias Almeida da Costa, José Airton de
Freitas Pontes, Mauro Serapioni, Monica Dias Martins, cujas aulas foram importantes
para ampliar minhas reflexões sobre a temática deste trabalho, e ao Francisco Horácio
da Silva Frota, por sua admirável dedicação ao programa e apoio aos meus estudos
nas instalações da Universidade.
Aos entrevistados, que disponibilizaram tempo e paciência em uma longa entrevista e
foram fundamentais para este trabalho. Foi um prazer ouvi-los e perceber que tratam
deste tema com a mesma paixão que eu.
Ao ensino público, gratuito e de qualidade, em especial à Universidade Estadual do
Ceará e ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, na excelente
condução do curso de doutorado e no zelo com o corpo discente. E, à Fundação
Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), que me
forneceu a bolsa de pesquisa no período em que foi necessária.
Aos integrantes da banca que aceitaram o convite e forneceram valorosas
contribuições a este trabalho. E, ao meu orientador, que com paciência e gentileza
colocava meus pés no chão e orientava meus olhares em direções mais acertadas.
5

RESUMO

Esta tese investiga o processo de institucionalização das políticas culturais municipais,


a partir da indução federativa estabelecida pelo Sistema Nacional de Cultura (SNC),
um modelo de sistema de políticas públicas inserido na lógica do federalismo
cooperativo, que visa a articulação entre entes federados e sociedade civil para uma
gestão de políticas públicas de cultura democráticas e permanentes. O foco de
interesse são os Sistemas Municipais de Cultura (SMCs) do estado do Rio de Janeiro.
Foi observado se os processos de indução foram capazes de provocar a criação e
funcionamento dos SMCs, nos municípios, onde o campo das políticas de cultura é
tradicionalmente dominado por personalismos e descontinuidades, algo que o
Sistema de Cultura se propõe a minimizar. Para tanto, recorreu-se à pesquisa
quantitativa para mensurar o crescimento do número das instituições do tipo órgão
gestor, conselho, plano e fundo municipal de cultura. As bases de dados utilizadas
permitiram analisar o comportamento das instituições em dois momentos distintos:
entre 2006 e 2014; e entre 2014 e 2018, examinado em que medida os municípios
que aderiram ao SNC vieram implantar e manter essas instituições, e o quanto esse
desempenho foi melhor que o conjunto de municípios que não aderiu à política.
Constatou-se que os processos de indução via SNC parecem ter exercido forte
impacto na institucionalização das políticas culturais municipais, tanto em nível de Rio
de Janeiro, quanto Brasil. No caso de conselhos e fundos, havia provável tendência
ao aumento dessas instituições, mas esse comportamento foi fortemente acelerado
pela política. Os dados levam a crer que não havia tendência para a criação de planos
e esse comportamento foi motivado pelo SNC, e que este exerce pouca influência
para a criação e manutenção de órgãos gestores exclusivos para a cultura. Para
aprofundar a investigação sobre os processos de criação/funcionamento dessas
instituições e o quão elas se distanciam/aproximam daquilo que é estabelecido pelas
normativas dos SMCs, seguiu-se uma etapa qualitativa com quatro estudos de caso
de municípios fluminenses - Barra Mansa, Macaé e Rio das Ostras e São Fidélis – ,
nos quais foram analisadas as leis municipais e realizadas entrevistas com agentes
envolvidos com a instauração daqueles SMCs. Esse material foi analisado à luz do
neoinstitucionalismo, que admite o entendimento de que a indução federativa pelo
SNC é o elemento exógeno à lógica institucional existente em âmbito local,
6

desencadeando processos de mudança, o que ocorre de forma diferente em cada


contexto. Os elementos trazidos pela proposta se transformam em recursos de poder
dos indivíduos que estavam insatisfeitos com a lógica institucional vigente, e, quando
estes apropriam-se de tais recursos e organizam-se coletivamente, ganhando força
narrativa e convencimento dos demais, os processos de mudanças institucionais são
desencadeados. Na avaliação dos entrevistados a adesão acarretou melhoria nas
políticas culturais, mesmo naqueles em que os SMCs não foram considerado efetivos.
Foi identificado o aumento da institucionalização das políticas culturais em âmbito
municipal por consequência do SNC, porém sublinha-se a ausência de importantes
elementos de indução federativa que comporiam grandes recursos de poder para
aqueles que buscam formas de gestão cultural mais democráticas em âmbito local.
Para ampliar a potência e alcance do SNC nos municípios é fundamental fazer
acontecer: a lei de regulamentação, transferências regulares de fundos, a promoção
de cursos de qualificação, o funcionamento das Comissões Intergestores e do
Sistema Nacional de Indicadores Culturais que integra os entes federados.

Palavras-chave: Sistema Nacional de Cultura. Sistemas Municipais de Cultura.


Neoinstitucionalismo. Federalismo. Políticas culturais.
7

ABSTRACT

This thesis investigates the process of municipal cultural policies institutionalization,


based on the federative induction established by the National Culture System (NCS),
a model of public policy system inserted in the logic of cooperative federalism, which
aims the articulation between federated entities and society for the management of
permanent and democratic public cultural policies. The focus is the Municipal Culture
Systems (MCS) located in Rio de Janeiro. It was observed whether the induction
processes were capable of provoking the creation and operation of MCS in
municipalities, where culture policies is traditionally dominated by personalisms and
discontinuities, something that the Culture System proposes to minimize. To analyze
this behavior, a quantitative research was used to measure the growth of institutions
such as the administrative structure of culture, council, plan and municipal fund. The
databases used made it possible to analyze the behavior of institutions at two different
times: from 2006 to 2014; and from 2014 to 2018, examined to what extent the
municipalities that adhered to the NCS came to implement and maintain these
institutions, and to what extent this performance was better than the set of
municipalities that didn’t adhere to the policy. It was found that the processes of
induction via the NCS seems to have had a strong impact on the institutionalization of
municipal cultural policies, both at the level of Rio de Janeiro and Brazil. In the case of
councils and funds, there was a probable tendency to increase these institutions, but
this behavior was strongly accelerated by the policy. The data lead to believe that there
was no tendency towards the creation of plans and that this behavior was motivated
by the NCS, and that it exerts little influence on the creation and maintenance of
exclusive administrative structure for the culture. In order to deepen the investigation
of the creation/operation processes of these institutions and how far they are from to
what is established by the MCSs regulations, a qualitative research was followed with
four case studies of municipalities in Rio de Janeiro – Barra Mansa, Macaé and Rio
das Ostras and São Fidélis – , in which municipal laws were analyzed and interviews
were carried out with agents involved with the establishment of those MSCs. This
material was analyzed by theory of neo-institutionalism, which admits the
understanding that federative induction by the NSC is the exogenous element to the
current institutional logic at the local level, which triggers processes of change, but this
8

will occur differently in each context. The elements brought by the policy become
resources of power for individuals who were dissatisfied with the current institutional
logic, and when they appropriate the resources and organize themselves collectively,
gaining narrative strength and convincing others, the processes of institutional change
are triggered. In the interviewees' assessment, adherence to NCS resulted in an
improvement in cultural policies, even in those in which the MCSs were not considered
effective. The researcher identified the increase in the institutionalization of cultural
policies at the municipal level as a result of the NCS, but underlines the absence of
important elements of federative induction that would compose great resources of
power for those seeking more democratic forms of cultural management at the local
level. In order to expand the power and reach of the NCS in the municipalities, it is
essential to make it happen: the regulation law to the policy, regular transfers of funds,
the promotion of qualification courses, the functioning of the Inter-management
Commissions and of the National Cultural System Indicators that integrates the
federated entities.

Keywords: National Culture System. Municipal Culture Systems. Nieoinstitucionalism.


Federalismo. Cultural policies.
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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Gestores responsáveis pelo SNC de ago./2018 até o


momento ............................................................................ 84
Quadro 2 – Fóruns Regionais de Cultura do Estado do Rio de
Janeiro ................................................................................ 101
Quadro 3 – Percentual de municipalidades que aderiram ao SNC,
por estado .......................................................................... 102
Quadro 4 – Percentual de municipalidades com instituições
ligadas ao SNC, por estado .............................................. 104
Quadro 5 – Grupos investigados nesta pesquisa .............................. 106
Quadro 6 – Quantidade de municípios a cada Grupo Investigado e
seus Grupos de Controle .................................................. 152
Quadro 7- Síntese do desempenho na institucionalização dos
SMCs, Brasil....................................................................... 153
Quadro 8- Síntese do desempenho na institucionalização dos
SMCs/ RJ ............................................................................ 158
Quadro 9- Entrevistados por perfil e município................................ 159
Quadro 10- Prefeitos eleitos e gestores da cultura nomeados,
Barra Mansa/RJ ................................................................. 170
Quadro 11- Prefeitos eleitos e gestores da cultura nomeados,
Macaé/RJ ............................................................................ 182
Quadro 12- Prefeitos eleitos e gestores da cultura nomeados, Rio
das Ostras/RJ .................................................................... 197
Quadro 13- Prefeitos eleitos e gestores da cultura nomeados, São
Fidélis/RJ............................................................................ 203
Quadro 14- Indicadores sócio econômicos de Barra Mansa, Macaé,
Rio das Ostras e São Fidelis. Na gradação em cores:
verde indica melhores indicadores, e vermelho, piores. 209
Quadro 15- Avaliação antes X depois dos entrevistados* ................. 210
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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- Participação da despesa com a cultura no total da


despesa do Governo Federal (2009-2020) .......................... 85
Gráfico 2- Percentual de adesão municipal ao SNC, Brasil e Estado
do Rio de Janeiro (2012 – 2021) ......................................... 101
Gráfico 3- Comportamento de órgãos gestores municipais, de
2006 a 2014 (%) ..................................................................... 109
Gráfico 4- Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2006
a 2014 (%) - órgão gestor ..................................................... 109
Gráfico 5- Comportamento de órgãos gestores municipais, de
2014 a 2018 (%) ..................................................................... 111
Gráfico 6- Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2014
a 2018 (%) - órgão gestor ..................................................... 111
Gráfico 7- Tipo de órgão gestor dos municípios brasileiros que
aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 ...................................... 113
Gráfico 8- Tipo de órgão gestor dos municípios brasileiros que
não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 ............................... 114
Gráfico 9- Tipo de órgão gestor dos municípios fluminenses que
aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 ...................................... 115
Gráfico 10- Tipo de órgão gestor dos municípios brasileiros que
não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 ............................... 115
Gráfico 11- Comportamento das estruturas exclusivas de gestão,
Brasil e no Estado do Rio de Janeiro , 2006-2014-2018
(%) .......................................................................................... 116
Gráfico 12- Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-
2014-2018 (%) - conselhos ................................................... 117
Gráfico 13- Aumento/redução dos tipos de conselhos municipais,
de 2006 a 2014 (%) ................................................................ 119
Gráfico 14- Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2006
a 2014 (%) – conselhos de cultura ...................................... 119
Gráfico 15- Comportamento dos conselhos municipais, de 2014 a
2018 (%) ................................................................................. 121
11

Gráfico 16- Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2014


a 2018 (%) – conselhos de cultura ...................................... 122
Gráfico 17- Existência de conselhos nos municípios brasileiros que
aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 ...................................... 124
Gráfico 18- Existência de conselhos nos municípios brasileiros que
não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 ............................... 124
Gráfico 19- Existência de conselhos nos municípios fluminenses
que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 ............................... 125
Gráfico 20- Existência de conselhos nos municípios fluminenses
que não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 ........................ 125
Gráfico 21- Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-
2014-2018 (%) – conselhos de cultura ................................ 126
Gráfico 22- Comportamento dos planos municipais de cultura, de
2006 a 2014 (%) ..................................................................... 128
Gráfico 23- Existência de Planos, com lei em 2014 (%) ........................ 129
Gráfico 24- Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2006
a 2014 (%) - planos de cultura ............................................. 129
Gráfico 25- Aumento dos planos municipais de cultura em lei, de
2014 a 2018 (%) ..................................................................... 131
Gráfico 26- Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2014
a 2018 (%) - planos de cultura ............................................. 131
Gráfico 27- Acompanhamento dos municípios que declararam
plano de cultura "em elaboração", 2014 a 2018 (%) .......... 132
Gráfico 28- Aumento de planos de cultura com lei em GA
longitudinal e Grupos Controle, de 2014 a 2018 (%) ......... 134
Gráfico 29- Comportamento dos planos de cultura (com e sem lei)
Brasil e no Estado do Rio de Janeiro, 2006-2014-2018
(%) .......................................................................................... 135
Gráfico 30- Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-
2014-2018 (%) - planos de cultura ....................................... 136
Gráfico 31- Comportamento dos planos de cultura nos municípios
brasileiros que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 ............ 136
12

Gráfico 32- Comportamento dos planos de cultura nos municípios


brasileiros que não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 ..... 137
Gráfico 33- Comportamento dos planos de cultura nos municípios
fluminenses que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 ......... 138
Gráfico 34- Comportamento dos planos de cultura nos municípios
fluminenses que não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 .. 138
Gráfico 35- Acompanhamento em longo prazo dos municípios que
declararam plano de cultura "em elaboração" (%), de
2014 a 2018............................................................................ 139
Gráfico 36- Comportamento dos fundos municipais de cultura, de
2006 a 2014 (%) ..................................................................... 141
Gráfico 37- Aumento dos fundos de cultura nos municípios
brasileiros que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)...... 143
Gráfico 38- Aumento dos fundos de cultura nos municípios
brasileiros que não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018
(%) .......................................................................................... 143
Gráfico 39- Aumento dos fundos de cultura nos municípios
fluminenses que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%) ... 144
Gráfico 40- Aumento dos fundos de cultura nos municípios
fluminenses que não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018
(%) .......................................................................................... 144
Gráfico 41- Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-
2014-2018 (%) - fundos de cultura ....................................... 145
Gráfico 42- Comportamento dos CPF da cultura nos municípios
brasileiros e fluminenses, 2006-2014 (%) ........................... 146
Gráfico 43- Comportamento dos CPF da cultura nos municípios
brasileiros e fluminenses, 2014-2018 (%) ........................... 147
Gráfico 44- Comportamento dos CPFs da cultura nos municípios
brasileiros que aderiam ao SNC, 2006-2014-2018 ............. 149
Gráfico 45- Comportamento dos CPFs da cultura nos municípios
brasileiros que não aderiam ao SNC, 2006-2014-2018 ...... 149
Gráfico 46- Comportamento dos CPFs da cultura nos municípios
fluminenses que aderiam ao SNC, 2006-2014-2018 ........... 150
13

Gráfico 47- Comportamento dos CPFs da cultura nos municípios


fluminenses que não aderiam ao SNC, 2006-2014-2018 ... 150
Gráfico 48- Atendimento à expectativa da política, 2006-2014-2018
(%) - CPFs da cultura............................................................ 151
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LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Caracterização do órgão gestor de cultura (2006-2014). 107


Tabela 2- Caracterização do órgão gestor de cultura (2014-2018) . 110
Tabela 3- Caracterização do órgão gestor de cultura (2006-2014-
2018) ................................................................................... 112
Tabela 4- Existência de conselhos de cultura (2006-2014) ............ 118
Tabela 5- Existência de conselhos de cultura (2014-2018) ............ 120
Tabela 6- Existência de conselhos de cultura (2006-2014-2018) ... 122
Tabela 7- Aumento de Planos de Cultura 2006-2014 ...................... 127
Tabela 8- Aumento de Planos de Cultura 2014-2018 ...................... 130
Tabela 9- Existência de Planos Municipais de Cultura (2006-
2014-2018) .......................................................................... 133
Tabela 10- Existência de Fundos de Cultura (2006-2014)................. 140
Tabela 11- Existência de Fundos de Cultura (2014-2018)................. 141
Tabela 12- Existência de Fundos de Cultura (2006-2014-2018) ....... 142
Tabela 13- Existência de CPFs da Cultura (2006-2014) .................... 146
Tabela 14- Existência de Fundos de Cultura (2014-2018)................. 147
Tabela 15- Existência de Fundos de Cultura (2006-2014-2018) ....... 148
15

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACF Acordo de Cooperação Federativa


ALERJ Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
CEC Conferência Estadual de Cultura
CECIERJ Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância
do Estado do Rio de Janeiro
CEPC Conselho Estadual de Política Cultural
CF88 Constituição Federal de 1988
CNM Confederação Nacional de Municípios
CNPJ Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas
COMCULTURA/RJ Comissão Estadual de Gestores Públicos de Cultura do Rio de
Janeiro
GA Grupo A
GA long Análise longitudinal do GA
GCA Grupo Controle A
GB Grupo B
GCB Grupo Controle B
GCA long A nálise longitudinal do G Controle de GA long
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IFES Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito
Santo
IFF Instituto Federal Fluminense
LAB Lei Aldir Blanc
LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias
LOA Lei Orçamentária Anual
LOA Lei Orçamentária Anual
Mondiacult Conferência Mundial de Políticas Culturais
MUNIC Pesquisa de Informações Básicas Municipais
PADEC Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cultural do Estado do
Rio de Janeiro
PIB Produto Interno Bruto
16

PT Partido dos Trabalhadores


QDD Quadro Demonstrativo de Despesas
SADI Secretaria de Articulação e Desenvolvimento Institucional
SAI Secretaria de Articulação Institucional
SEC/RJ Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro
SMC Sistemas Municipais de Cultura
SNC Sistema Nacional de Cultura
SNCTI Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
SNIIC Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
SUSP Sistema Único de Segurança Pública
TCE Tribunal de Contas Estadual
TRE-RJ Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro
TSE Tribunal Superior Eleitoral
UENF Universidade Estadual do Norte Fluminense
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFF Universidade Federal Fluminense
17

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................... 19
2 NEOINTITUCIONALISMO COMO APORTE TEÓRICO................ 29
2.1 As principais vertentes do Neoinstitucionalismo ..................... 30
2.2 A delimitação de instituição ........................................................ 37
2.3 As mudanças institucionais ........................................................ 41
3 O SNC e os SMCs à luz do neoinstitucionalismo...................... 50
3.1 As instituições do Sistema Nacional de Cultura ....................... 50
3.2 As instituições dos Sistemas Municipais de Cultura ............... 61
4 O SISTEMA NACIONAL DE CULTURA NO CONTEXTO DO
BRASIL E NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.......................... 69
4.1 Histórico do SNC.......................................................................... 69
4.1.1 Precedentes: a origem da proposta do SNC .................................. 69
4.1.2 Primeiro momento: estruturação e primeiras ações ....................... 72
4.1.3 Segundo momento: aprimoramento conceitual e ações mais
consistentes ................................................................................... 74
4.1.4 Terceiro momento: desafios e mudanças conceituais ................... 78
4.1.5 Quarto momento: instabilidades .................................................... 80
4.1.6 Momento atual: resistência e expectativas .................................... 86
4.2 O SNC no Estado do Rio de Janeiro ......................................... 90
4.2.1 Os desdobramentos do SNC no Estado do Rio de Janeiro .......... 92
5 A INDUÇÃO FEDERATIVA NA CRIAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES
MUNICIPAIS .................................................................................. 103
5.1 Órgãos Gestores de Cultura ....................................................... 107
5.2 Conselhos Municipais de Política Cultural ................................ 117
5.3 Planos Municipais de Cultura ..................................................... 126
5.4 Fundos Municipais de Cultura .................................................... 140
5.5 Análise sobre os CPF .................................................................. 145
5.6 Síntese da análise quantitativa da institucionalização dos
SMCs ............................................................................................. 151
6 PERSPECTIVAS DE GESTORES E CONSELHEIROS SOBRE
OS SISTEMAS MUNICIPAIS DE CULTURA ................................ 155
18

6.1 Estudo de Caso: Barra Mansa .................................................... 158


6.2 Estudo de Caso: Macaé ............................................................... 159
6.3 Estudo de Caso: Rio das Ostras................................................. 180
6.4 Estudo de Caso: São Fidélis ....................................................... 196
6.5 Síntese das análises qualitativas da institucionalização dos
SMCs ............................................................................................. 200
7 CONCLUSÃO ................................................................................ 212
REFERÊNCIAS............................................................................... 216
ANEXO A - ROTEIRO DE ENTREVISTA..................................... 224
19

1 INTRODUÇÃO

As motivações que me levaram a me dedicar ao tema desta pesquisa estão


imbricadas com a minha trajetória acadêmica e profissional. Desde o início das minhas
graduações, em 2003, em Ciências Sociais, pela Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF) e Licenciatura em Geografia pelo Instituto Federal Fluminense
(IFF), nasceu meu interesse pelos estudos de políticas culturais. Minha entrada no
grupo de estudos da Officina de Estudos do Patrimônio Cultural da UENF me fez notar
mudanças contextuais com a adoção de concepções mais amplas de cultura, o que
influenciava processos sociais e territoriais. Assim, sob os olhares da Sociologia e da
Geografia (e não sob o viés da estética artística) iniciei meus estudos sobre cultura e
políticas culturais.
Passei a observar com atenção as políticas governamentais brasileiras no
âmbito cultura, atentando também para o panorama internacional sobre o assunto, em
especial às proposições de organismos internacionais (como a UNESCO) para as
políticas públicas de cultura. Era claro o caráter estratégico atribuído às políticas
culturais, que passou a ter um entendimento ampliado, indo além da perspectiva
estética e de evento/entretenimento. No Brasil, essa ampliação conceitual foi marcada
pelo vocábulo tridimensionalidade da cultura, na qual as políticas culturais passaram
a ser concebidas em três facetas: simbólica, cidadã e econômica. O Sistema Nacional
de Cultura (SNC) foi uma das ações iniciadas nesse período e tinha em seu cerne a
integração dessas três dimensões.
Ao ingressar no mestrado do Programa de Pós-graduação em Políticas
Sociais da UENF, aprofundei meus estudos sobre políticas culturais, especialmente
em processos participativos de cogestão de políticas públicas, como conferências e
conselhos de cultura. O contato com o objeto de estudo – Conferências de Cultura,
em especial a do município de Campos dos Goytacazes/RJ em 2006 – aumentou meu
interesse pelos processos de institucionalização das políticas culturais decorrentes do
SNC.
Depois disso, mais algumas experiências contribuíram para me aprofundar
nesse tema, como a atuação nos cursos para formação de gestores e agentes
culturais do Ministério da Cultura; nos projetos de pesquisa da Fundação Casa de Rui
Barbosa; e na Coordenação de Políticas Culturais da Secretaria de Estado de Cultura
20

do Rio de Janeiro (SEC/RJ). Todas elas tiveram relação direta com a temática do SNC
e Sistemas Municipais de Cultura (SMC) e possibilitaram o exercício tanto de pesquisa
na temática quanto de gestão e implementação da política.
Na SEC/RJ, em particular, atuei em duas frentes importantes relacionadas
ao Sistema Estadual de Cultura: a primeira delas na assessoria e coordenação da
Dinamização de planos municipais de cultura. O trabalho compreendeu a
coordenação da equipe que auxiliou 34 municípios fluminenses na implantação de
seus planos municipais de cultura. A segunda se referiu à organização das eleições,
posse e primeiro ano de funcionamento do Conselho Estadual de Políticas Culturais
do Rio de Janeiro, o que incluiu a realização de conferências regionais de cultura,
vários encontros com sociedade civil para esclarecimento do Sistema e do Conselho
estaduais de cultura e a assessoria na elaboração do regimento interno.
Essas experiências possibilitaram vislumbrar o fenômeno do SNC em
muitos aspectos, em especial, seus impactos nas políticas municipais de cultura. Era
interessante observar que os processos de indução decorrentes das conferências de
cultura, das ações do Ministério da Cultura e da SEC/RJ desencadeavam iniciativas
nos municípios em direção à valorização da cultura e da institucionalização da gestão
cultural. Entretanto, esses processos tomavam rumos e resultados diferentes em
cada município e entender como isso funcionava passou a ser uma das minhas metas.
Minha trajetória de formação e atuação profissional está, portanto,
intrinsecamente ligada à criação e implementação do SNC, acompanhando-o desde
seu início, reunindo vivências e registros de informações, que foram se transformando
em dados e material de pesquisa. Originou-se assim o projeto de pesquisa de
doutorado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da
Universidade Estadual do Ceará (UECE), com a proposta de analisar o processo de
institucionalização das políticas culturais brasileiras acarretado pela implantação do
SNC; especificamente os Sistemas Municipais de Cultura (SMC) que foram
implementados ou estão em fase de implementação nas municipalidades brasileiras
e fluminenses.
A criação do SNC tem raízes no programa de governo do Partido dos
Trabalhadores (PT) apresentado ao pleito eleitoral de 2002, publicada em A
imaginação a serviço do Brasil (PT, 2002), que tinha como propósito garantir políticas
mais democráticas, participativas e descentralizadas para a cultura, organizadas de
21

forma a integrar os entes da federação. Obviamente, a implementação de uma política


de tamanha ousadia não ocorre de forma abrupta, demandando planejamento,
arranjos políticos, estruturação institucional e reajustes conceituais.
O SNC tem percorrido longo caminho desde 2003, que será mais detalhado
ao longo da tese. Mas desde já é válido mencionar, em linhas gerais, sua proposta
inicial, de acordo com as cartilhas de divulgação da política: lidar com o desafio de
valorizar as políticas culturais – com uma concepção ampliada de cultura – em um
país de organização federativa, almejando integrar União, estados, municípios e
sociedade civil, cooperativamente, na promoção de políticas culturais. Dentre os
princípios que o fundamentam estão: a diversidade das expressões culturais, o acesso
e o fomento aos bens e serviços culturais, a democratização dos processos decisórios,
a integração de programas projetos e ações, a transparência das informações e a
cooperação entre os entes federados e agentes culturais, conciliando sua autonomia.
Ainda que não tenha uma lei própria de regulamentação, o SNC foi incluído
na Constituição Federal de 1988 (CF88) em 2012, através da Emenda Constitucional
nº 71, que incluiu na Carta Magna o artigo 216-A, onde são estabelecidos seu objetivo
e formato:
O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de
forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e
promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e
permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo
por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com
pleno exercício dos direitos culturais (BRASIL, 2012a).

Esse tipo de modelo de gestão coparticipativo já fora implementado em


outras áreas de políticas públicas, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS1) e do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS2), que são as maiores referências na
implementação de políticas públicas do federalismo cooperativo brasileiro. Para além
destes, menciono o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) 3,

1 O SUS rompeu com um legado de centralização das políticas de saúde no país. As bases para sua
estrutura compartilhada entre os entes federados já tinham sido estabelecidas na CF88 e
posteriormente foram definidas as divisões de competências pelas leis 8.080/90 e 8.142/90 e por
Normas Operacionais Básicas (NOBs) ao longo da década de 1990. Em termos federativos, o SUS
se orienta por princípios organizacionais que compõem uma rede hierarquizada entre os entes
federados, quais sejam, a regionalização, a descentralização e a participação da comunidade, tendo
em vista a o equilíbrio das políticas públicas de saúde na redução das desigualdades regionais
(COSTA, 2012).
2 O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) tem como marcos a própria CF88, a Lei Orgânica da

Assistência Social, de 1993 e as NOBs de 1997, 1998, 2005 e 2012 (BEZERRA, 2015).
3 Incluído na CF88 pela Emenda Constitucional 85, em 2015.
22

o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)4 e a área da educação, que embora


ainda não tenha instituído o seu sistema nacional já o tem previsto pela Emenda
Constitucional 59, de 2009, e pelo Plano Nacional de Educação (PNE -
Lei13.005/2014). De todo modo, as políticas educacionais já se estruturam em uma
divisão de competências colaborativas entre os entes federados, na qual municípios
atuam prioritariamente no ensino fundamental e educação infantil, enquanto estados
e o Distrito Federal (DF), no ensino fundamental e médio, nos termos do artigo 211 da
Constituição Federal de 1988.
Pelo disposto na CF88 e nos planos de governo para a cultura, o SNC visa
induzir um processo de valorização e planejamento de políticas coesas e
democráticas, de longo prazo, inclusive nas municipalidades, uma vez que define um
desenho institucional com estruturas que devem ser ocupadas por agentes,
demandas e deliberações próprias de cada localidade. Para tanto, recorre-se à
integração articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações, entre os três
entes federados e também com a sociedade civil. São estabelecidas as estruturas
que devem compor o sistema em cada instância (BRASIL, 2011): o órgão gestor da
cultura; a comissões intergestores; o Plano Nacional de Cultura; o sistema de
financiamento; os sistemas de informações e indicadores culturais; os programas de
formação; os sistemas setoriais de cultura; o conselho de política cultural; e as
conferências de cultura. Os dois últimos se destacam como canais amplos e legítimos
de participação social que visam um processo co-gestionado de elaboração,
acompanhamento e a avaliação das políticas culturais por parte da sociedade civil.
A intenção de uma estrutura institucional dinâmica e conectada entre os
entes federados, com a presença de mecanismos de participação, visa inibir
descontinuidades e a personificação da política pública, evitando que gostos ou
decisões pessoais do gestor a domine sem que seja representativa ou corresponda
às demandas reais da sociedade. Ressalto que elementos como conferência,
conselho e plano são instituições que buscam manter a continuidade da política e a
representação para além de um período de governo, evitando que a cultura esteja
sujeita às excessivas mudanças da gestão.
A concepção do SNC tenta imprimir uma estrutura de planejamento e
profissionalização da política pública. Nos municípios esse desafio é grande, pois

4 Instituído pela Lei 13.675, sancionada em 11 de junho de 2018.


23

costumeiramente o setor é tratado sob uma concepção conceitual restrita e de forma


amadora. São frequentes a ausência de planos de ações, as descontinuidades de
gestão, personalismo e clientelismo por parte dos gestores (BARBALHO, 2015;
CALABRE; PARDO, 2013). Não raro, os chefes da pasta carecem de qualificação,
seja no que tange à gestão pública, seja em relação ao aparato conceitual que
deveriam pautar as políticas culturais; e, as ações são pontuais e dirigistas, muito mais
voltadas para o entretenimento e/ou favorecimentos de grupos e artistas, que não
representam a demanda da sociedade.
O SNC já recebeu um expressivo número de adesões por parte dos entes
federados – todos os estados e 2.9405 municípios possuem acordos de adesão
publicados no Diário Oficial da União. Em relação ao estado do Rio de Janeiro, 76
municípios já assinaram o acordo. Isso significa que 52,8% das municipalidades
brasileiras; e 82,6% das municipalidades fluminenses integram o SNC; quantidade
relevante se considerarmos que não há obrigatoriedade de aderência à política, nem
lei que a regulamente, e tampouco um mecanismo efetivo de indução, como o
repasse de fundos.
Embora a proposta do SNC e os números de adesões sejam animadores,
a mera formalização da integração pelo ente federado não significa necessariamente
que o sistema local tenha sido implantado, e que as estruturas que o compõem
tenham sido institucionalizadas. Ou, ainda mais grave, caso tenham sido instauradas
e implementadas, nada garante que elas estejam em funcionamento e cumprindo
plenamente suas competências.
O desejo de investigar mais detalhadamente o processo de implementação
e funcionamento do SNC nas gestões municipais, observando a indução da
institucionalização nas políticas culturais, num campo marcadamente regido por
personalismos e descontinuidades, deu origem a esta pesquisa. Se o principal
objetivo do SNC “é fortalecer institucionalmente as políticas culturais da União,
Estados e Municípios, com a participação da sociedade” (BRASIL, 2012b, p. 19),
através da indução da criação e estruturação de instituições nos municípios, busco
avaliar em que medida houve essa institucionalização em âmbito local e até que ponto
essas estruturas se consolidaram. O locus de análise são as municipalidades
fluminenses.

5 Dado de setembro de 2022. Disponíveis em: http://ver.snc.cultura.gov.br/. Acesso em: 30 set. 2022
24

De fato, a estruturação do SNC parece ter desencadeado transformações


na gestão de políticas culturais, envolvendo aspectos de valorização,
institucionalidade e participação social, a despeito do cenário de instabilidade política
e da sua falta de regulamentação. É isso que pode ser apreendido na comparação
das gestões municipais de cultura entre os anos 2014 e 2006, disponível no
Suplemento de Cultura da pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) Perfil dos Estados e dos Municípios Brasileiros (2015). E, nesta pesquisa,
como se verá adiante, grande parte do crescimento das instituições de políticas
culturais está vinculada à adesão ao SNC.
Entretanto, há carência de estudos sobre o tema em âmbito municipal, o
que prejudica uma avaliação mais consistente a respeito da implantação do modelo
de gestão nos municípios. Muitos estudos ainda se pautam nos documentos
propositivos publicados pelo Ministério da Cultura e apresentam relatos descritivos do
processo de implantação nas localidades. Só mais recentemente tem sido produzidos
trabalhos que abordam os efeitos desencadeados pela institucionalização municipal
(SEMENSATO; BARBALHO, 2020b), aos quais esta tese se somará.
Minha pretensão é caminhar no sentido de analisar com maior amplitude
e profundidade os resultados do SNC na indução à institucionalização de políticas
culturais nas esferas municipais; afinal, muitos anos decorreram desde que a política
começou a ser implementada, e novos contextos marcaram o panorama profícuo das
políticas culturais brasileiras dos idos 2003. A despeito de alguns descompassos, as
políticas culturais ocuparam por 13 anos lugar de destaque na agenda de governo,
mas esse quadro mudou com o afastamento de Dilma Rousseff do executivo federal
(em 2016), tanto pela própria instabilidade e crise política vivenciada no país, como
também pelo discurso de crise financeira e necessidade de corte de orçamento. O
partido do então presidente Michel Temer (MDB) não dava à cultura atenção relevante
em seus programas de governo, tanto que a estrutura institucional federal – o
Ministério da Cultura – foi desfeita, tendo sido reinstaurada somente após intensas
mobilizações de trabalhadores e trabalhadoras da cultura que reivindicaram sua
retomada (BARBALHO, 2018).
A instabilidade veio a se agravar com o início do governo de Jair Bolsonaro
(em 2019), quando novamente o Ministério da Cultura foi transformado em uma
secretaria (Secretaria Especial da Cultura), primeiramente vinculada ao Ministério da
25

Cidadania e depois ao Ministério do Turismo. Em uma comparação entre 2011 e 2020


constatou-se que o orçamento para a cultura caiu quase pela metade. Como
agravante, o valor já minimizado disponível no orçamento de 2020, não foi totalmente
executado – 30% da verba disponível não foi utilizada (ANTUNES, 2021). Além disso,
processos participativos e de cogestão, os quais vinham compondo a pasta da cultura
foram perdendo espaço, como ficou claro com a publicação do Decreto nº 9.759 de
2019, que visou extinguir ou limitar a atuação dos colegiados na administração pública
federal.
Se inicialmente a indução à adesão ocorria com ações mobilizadoras do
Ministério da Cultura, posteriormente, diante do novo panorama que contraria os
princípios do SNC, se tornou cada vez mais difícil sustentar discursos de estímulo aos
municípios. A ausência de movimentos indutores potencializa o revés da política
quando quem lida com a gestão local – gestores públicos e sociedade civil participante
– enfrenta as dificuldades do processo de implantação, e encontra pouco apoio,
orientação e contrapartidas. Ou seja, de 2003 até o momento corrente, a política do
SNC passou por muitos contextos que implicaram diretamente na implementação e
funcionamento dos SMCs. Faz-se necessária uma investigação sobre o
sucesso/insucesso da indução da institucionalização e da efetividade das instâncias
dos sistemas municipais, e as dificuldades inerentes ao processo em âmbito
municipal. Um diagnóstico no sentido aqui proposto contribuirá tanto para composição
de um panorama sobre os impactos na gestão pública até o momento, como também
para fundamentar de maneira mais realista as ações referentes à instauração e
exercício das instâncias que compõem os SMCs.
Assim, esta tese tem como objetivo observar o processo da
institucionalização das políticas culturais municipais induzido pelo SNC, através do
comportamento de criação ou extinção de órgão gestores, conselhos, planos e fundos
de cultura, tanto no Brasil quanto no estado do Rio de Janeiro. Busquei, também, olhar
de maneira mais crítica o funcionamento desses órgãos, a fim de analisar o quanto
eles se aproximam daquilo que foi proposto pela política. Para cumprir esses objetivos,
além da revisão bibliográfica, a metodologia desta pesquisa se divide em quantitativa
e qualitativa, tendo em vista analisar tanto a indução do SNC à fundação das
instituições em proporções numéricas, como também seus processos subjetivos de
26

criação e funcionamento, observando o quanto essas instituições, de fato, se


aproximam da proposta estabelecida por ele.
Na análise quantitativa foram cruzadas duas bases de dados: a Pesquisa
de Informações Básicas Municipais (MUNIC) do IBGE, que dispõe de informações das
gestões municipais de cultura dos anos de 2006, 2014 e 2018; e a planilha de adesões
municipais ao SNC, que permite delimitar os grupos de municípios que fizeram a
adesão e os que não aderiram, comparando o comportamento desses dois grupos na
institucionalização das políticas culturais em âmbito local ao longo dos anos. A partir
disso é possível observar se os municípios que fizeram a adesão, de fato,
empreenderam esforços na criação das instituições, e em que medida isso ocorreu
em maior grau que os municípios que não aderiram.
Com a análise qualitativa busquei lançar um olhar mais acurado sobre a
criação dessas instituições, para observar se de fato seu funcionamento tem se dado
de acordo com o recomendado pela proposta do SNC, ou seja, que funcionem de
forma articulada, zelando pela gestão participativa, pelo planejamento e valorização
das políticas de cultura, e tendo como fundamento o pleno exercício dos direitos
culturais a todos. Para tanto, foram observados quatro estudos de caso de municípios
fluminenses que institucionalizaram seus sistemas de cultura, recorrendo à análise
documental e dando ênfase à entrevistas com agentes culturais envolvidos nos
processos de criação e funcionamento das instituições. Para capturar diferentes
perspectivas sobre o processo, as entrevistas buscaram diferentes perfis, ou seja,
agentes que são ou foram vinculadas aos órgãos gestores de cultura, bem como
representantes da sociedade civil que são ou foram vinculados aos conselhos.
A tese está organizada em 5 capítulos, para além da introdução (capítulo
1) e da conclusão (capítulo 7). O segundo capítulo discute as bases teóricas e
conceituais que fundamentam o instrumental analítico da pesquisa, composto pelo
conceito de neoinstitucionalismo, que fornece bases para observar e refletir sobre os
processos de criação e funcionamento das instituições, as relações entre elas e os
comportamento dos agentes políticos. Como será explicitado adiante, não foi a
intenção dessa tese aprofundar criticamente esse arcabouço teórico, tampouco
compor uma macroteoria explicativa sobre comportamentos da sociedade. O
propósito foi auxiliar a compreensão do fenômeno de curto e médio alcance, buscando
entender de que forma, como e quanto o estímulo da política do SNC afetou os
27

municípios. A ênfase é dada à vertente neoinstitucionalista histórica, com as


contribuições fundamentais de Margaret Levi (1991), pois estas fornecem elementos
para compreender os elementos subjetivos sobre a criação e manutenção das
instituições.
No terceiro capítulo aprofundo o debate sobre a proposta do SNC, em sua
lógica federalista cooperativa, e é feito um apanhado descritivo dos documentos
normativos e orientadores do SNC que conduzem os municípios à implantação dos
SMCs. Tal análise se faz importante na medida em que são essas instruções que
norteiam os processos de criação e funcionamento das instituições, e pretendendo
observar se, de fato, o discurso alcançou os municípios. Ao final, argumento sobre
como o neoinstituconalismo pode pautar a análise dos processos de implementação
das prescrições do SNC nas municipalidades.
O quarto capítulo é dedicado ao histórico do SNC, a fim de elucidar o
contexto que acarretou o estímulo às adesões e criação das instituições nos entes
federados. Nele também adentrei no contexto do Estado do Rio de Janeiro, tanto no
que tange à implementação do Sistema Estadual de Cultura, como no que diz respeito
às organizações de gestores públicos municipais, ambos são fatores que contribuíram
para a adesão municípios fluminenses ao SNC. Essas trajetórias históricas elucidam
como se deram os processos de indução federativas até que a proposta chegasse às
localidades.
O quinto capítulo é dedicado à análise quantitativa sobre a
institucionalização dos SMCs no Brasil e nos municípios fluminenses a partir da
adesão ao SNC. O viés quantitativo tem sua importância pela capacidade de construir
um panorama sobre a implantação dos SMCs, analisando em que medida a indução
federativa pela adesão à política alcançou os municípios, acarretando a criação e a
manutenção das instituições que devem compor um SMC (órgão gestor, conselhos,
planos e fundos de cultura).
Embora possibilite observar o comportamento dos municípios ao longo dos
anos 2006-2014-2018, admito as limitações da análise quantitativa, incapaz de
fornecer informações mais acuradas sobre os processos de criação e funcionamento
dos SMC. Para suprir um pouco dessa lacuna, dedico o sexto capítulo à análises
qualitativas, que buscam refletir mais profundamente sobre estes aspectos a partir de
4 estudos de caso dos seguintes municípios fluminenses: Barra Mansa, Macaé, Rio
28

das Ostras e São Fidélis. Para essa tanto, recorri a alguns indicadores
socioeconômicos, às legislações locais que instituem os SMC e, principalmente, a
entrevistas com agentes que atuaram diretamente na institucionalização e
implementação do SMC, compreendendo dois perfis: um vinculado à gestão pública
de cultura (funcionários/ex-funcionários da gestão municipal), outro vinculado ao
Conselho de Política Cultural (conselheiros/ex-conselheiros).
Por fim, apresento a conclusão, onde são sintetizados os resultados das
análises quantitativas e qualitativas a respeito da indução do SNC na
institucionalização das políticas culturais municipais, e ressaltadas as principais
percepções geradas pela pesquisa.
29

2 NEOINTITUCIONALISMO COMO APORTE TEÓRICO

Como explicitado na introdução, o interesse que conduz está pesquisa é


a observação das instituições e como elas influenciam os agentes, fazendo com que
se posicionem no campo político referente à área da cultura. Para lançar luz, em
primeiro plano, às dinâmicas das instituições e seus processos de criação,
transformação e/ou manutenção, optei pelo aporte teórico do neoinstitucionalismo.
Este capítulo tem como objetivo fazer um breve apanhado sobre essa corrente e suas
principais vertentes, sendo elas a histórica, a escolha racional e a sociológica. A
ênfase será dada no tipo histórico, considerada mais adequada à análise do objeto de
estudo.
Desde já é importante observar que a escolha por este corpo teórico é
consciente das limitações conceituais existentes, algumas advindas da falta de
consenso de métodos, outras, da esquiva em explicar questões chaves como a
definição de instituição e as mudanças institucionais. Sem a intenção de aprofundar
um debate mais aprofundando sobre estas questões, após a abordagem geral serão
acrescidas as contribuições de Levi (1991), importantes para observação do
fenômeno que se intenta observar.
Embora não se constitua em uma corrente de pensamento unificada, o
neoinstitucionalismo tem se apresentado como modelo de análise recorrente por
alguns estudiosos das ciências políticas que desejam dar mais centralidade ao papel
das instituições na dinâmica social. Não pode ser considerado uma macroteoria, pois
não se propõe ser uma teoria geral com poder explicativo sobre o desenvolvimento
histórico das sociedades. Mas, dispõe de instrumentos para análise de estudos
empíricos, de médio alcance, que visam destacar aspectos que estavam sendo
ignorados ou minimizados pelas teorias de alcance mais amplo. Para Rocha:

o neoinstitucionaismo mostra-se como um instrumento bastante adequado


para a pesquisa empírica. Porém, por isso mesmo, fornece uma visão
fragmentada da realidade, não podendo substituir o papel das teorias amplas.
Para alguns autores, uma teoria de amplo alcance poderá ser elaborada a
partir do acúmulo de informações fornecidas pelos estudos empíricos. As
coisas podem ser mais complicadas, pois não se pode desconsiderar as
tensões contidas entre os dois níveis de análise [o macro e o empírico], pois
qualquer opção analítica parece acarretar ganhos e perdas simultaneamente.
(ROCHA, 2005, p. 27).
30

Desse modo, admite-se de antemão, que tal aporte não dá conta de


analisar todas as vertentes do fenômeno da implantação dos SMCs – e não é essa a
minha intenção. Mas, como será explicitado adiante, ele é capaz de fornecer
instrumental que auxilia a compreensão dos processos de inserção de novas
instituições em contextos permeados por outras já consolidadas, e de como (ou se)
elas influenciam atores e promovem novas rotinas.

2.1 As principais vertentes do Neoinstitucionalismo

O neoinstitucionalismo não é uma corrente teórica consensual entre


pesquisadores, e somente a partir dos anos 1980 ganhou força na Ciência Política.
Até os anos 1940, esse campo disciplinar denominava-se institucionalismo e
apresentava uma visão centrada em análises especulativas, descritivas e formalistas,
inspiradas na Filosofia Política e no Direito, nas quais a compreensão da realidade
era feita com a primazia das instituições e normativas. Os institucionalistas
dedicavam-se a analisar criticamente “a letra” das constituições de cada nação, com
a intenção de modificá-las conduzindo as sociedades ao “bem”. Os estudiosos
dedicavam-se a estabelecer desenhos prescritivos a partir das constituições, sob uma
ótica normativa do que deveria ser a sociedade ao invés de observar a dinâmica real
dos agentes e comportamentos a partir de dados empíricos (PERES, 2008).
Quando começaram a emergir os debates sobre a inclusão das massas
nas questões políticas, ficou cada vez mais claro que a análise institucionalista não
dava conta de explicar a realidade. Pautadas em análises empíricas, essas novas
reflexões teóricas se tornaram o que viria ser denominado behaviorismo nas Ciências
Políticas, que surge como rejeição ao “velho” institucionalismo, uma vez que este não
conseguia responder às transformações sociais que ocorriam e foi aos poucos
entrando em decadência. Peres (2008) menciona alguns fatores pelos quais o velho
institucionalismo foi caindo em desuso, tais como: incongruência entre as conclusões
teóricas produzidas e a prática do governo americano no período da Guerra Fria; a
incapacidade de fornecer explicações sistemáticas de fenômenos importantes como
o nazismo, o fascismo e o socialismo pela aplicação do modelo americano de
democracia e capitalismo, demandando estudos empíricos e comparativos; e a
presença de pesquisadores europeus exilados nas universidades norte-americanas,
31

que influenciaram as Ciências Políticas com maior rigor analítico metodológico,


estatístico, trazendo também perspectivas interdisciplinares.
Aqueles pesquisadores insistiam na relevância das teorias sociológicas e
psicológicas aplicadas à Ciência Política, vindo a influenciar as metodologias do
campo, com premissas indutivas e abordagens culturalistas e históricas, entre as
décadas de 1940 e 1960.

Em suma, portanto, ‘a revolução comportamentalista’ da Ciência Política é


caracterizada por dois pontos fundamentais. O primeiro deles é a sua posição
duramente crítica em relação à abordagem institucionalista de então,
propondo, em oposição, uma teoria positiva e uma análise empiricamente
orientada e bem mais rigorosa em termos conceituais. O segundo ponto é
sua proposta programática de utilizar, de maneira pluralista, abordagens
metodológicas de outras ciências ‘vizinhas’, como a Sociologia, a
Antropologia e a Psicologia [...]. com a emergência da escola
comportamentalista, houve um deslocamento radical do foco de investigação,
que até então era mais voltado às instituições jurídicas e administrativas, para
os atores políticos; mais especificamente, seu comportamento, seus valores,
seus objetivos. (PERES, 2008, p. 58).

Nas análises behavioristas, a ênfase voltava-se para a ação dos atores no


campo de disputa política. Obviamente é uma visão muito mais crítica que o (velho)
institucionalismo, uma vez que são capturados embates de poder e a dinâmica social,
lançando mão de estudos empíricos que não se restringem às normativas, tal como o
modelo anterior. Nessa nova perspectiva, a soma dos comportamentos individuais
explicaria o comportamento coletivo (NASCIMENTO, 2009).
Outra forma assumida pela Ciência Política para contrapor o velho
institucionalismo é o pluralismo, no qual se adota-se o conceito de grupos de interesse
como distribuição de poder na sociedade. Esses grupos se organizam, disputam e
pressionam o campo político para a tomada de decisões, tendo em vista as questões
de economia, religião, valores morais, gênero etc. Rocha (2005), inclusive, menciona
que muitos dos estudos empíricos sobre política no Brasil orientam-se a partir deste
modelo.
Tanto no behaviorismo quanto no pluralismo, a legislatura, o sistema legal,
a burocracia perdem a importância e as instituições sociais formalmente organizadas
passam a ser retratadas como arenas, nas quais o comportamento político é orientado
por fatores mais fundamentais e motivações individuais. Os aparatos que embutiam
moralidade às instituições como a lei, a burocracia, a ênfase à cidadania, dão lugar
32

aos valores de moralismo individual e os estudos voltam suas análises para os


interesses conflitantes (MARCH; OLSEN, 2008).
Sem dúvida, essas vertentes trouxeram muitos ganhos para a Ciência
Política, como a incorporação de perspectivas multidisciplinares, a análise empírica,
o rigor científico e metodológico e principalmente o potencial de captar dinâmicas
sociais que antes eram ignoradas pelo velho institucionalismo. A emergência da
escola behaviorista deslocou o foco de investigação das instituições jurídicas e
administrativas para os atores políticos, seu comportamento, seus valores e objetivos.
Por outro lado , as instituições foram excessivamente desconsideradas, como se
exercessem pouca ou nenhuma influência na política e na conformação da sociedade.
E assim surgem críticas como as de Robert Dahl

as mais importantes produções da abordagem comportamentalista até o


momento lidaram com indivíduos – que votam, que participam da política de
várias maneiras, ou que expressam certas atitudes ou crenças. Mas, um
indivíduo não é um sistema político, e a análise das preferências individuais
não pode explicar plenamente as decisões coletivas, as quais somente
poderão ser explicadas se entendermos os mecanismos pelos quais as
decisões individuais são agregadas e combinadas nas decisões coletivas.
(DAHL apud PERES, 2008, p. 60).

O behaviorismo, a partir de meados da década de 1970, não foi rejeitado,


mas começou a ser entendido como uma das várias dimensões do fenômeno político,
incapaz de dar conta da compreensão do todo. É quando surge o
neoinstitucionalismo, não como contraponto à visão de que os atores e grupos sociais
são agentes relevantes; mas sim, retomando as instituições como entidades
importantes para influenciar o comportamento dos indivíduos. O neoinstitucionalismo
surge como um movimento que refuta tanto a ausência de cientificidade do velho
institucionalismo, como também a ausência do contexto institucional nas abordagens
behavioristas. Assim, embora sua origem se encontre na crítica ao behaviorismo pela
desconsideração à dimensão institucional, ele herda sua preocupação com o rigor
metodológico e as orientações para pesquisas empíricas – que considera os atores
sociais para além das instituições insuladas (PERES, 2008; NASCIMENTO, 2009).
O surgimento do neoinstitucionalismo na Ciência Política reflete um
renovado interesse pelos arranjos estáveis e normas que conduzem, em parte, o
comportamento dos indivíduos. É válido ressaltar seu distanciamento do estrutural
funcionalismo, já que não há o entendimento de que as estruturas (ou instituições)
33

são dadas e determinantes (NASCIMENTO, 2009; HALL; TAYLOR, 2003), mas há


sim, algum grau de autonomia delas em relação à sociedade, afinal “o Estado não é
somente afetado pela sociedade, mas também a afeta” (MARCH; OLSEN, 2008, p.
127). Assim sendo, para os neoinstitucionalistas, os resultados sociais são um produto
tanto da junção de condutas de indivíduos e grupos, como do reflexo de determinadas
estruturas, em uma posição em que eles não podem ser considerados completamente
autônomos e poderosos, tampouco passivos, sujeitados pelas estruturas sociais que
delimitam suas ações. Para explicar os fenômenos sociais e políticos essa perspectiva
fornece um instrumental analítico que combina estrutura (instituições) e agência, que
é a capacidade do indivíduo e/ou do coletivo de transformar a estrutura
(NASCIMENTO, 2009).
A retomada das instituições nas análises busca o entendimento de algumas
questões chaves que haviam saído do foco da Ciência Política, tais como: o que são
as instituições, e qual é o impacto dessas estruturas na ação humana, ou ainda, como
elas são formadas e transformadas. Como ainda não existe consenso entre os
neointitucionalistas, estas questões são respondidas sob diversas nuances. Peter
Hall e Rosemary Taylor (2003), por exemplo, identificam três tipos de
neoinstitucionalismo de maior destaque: histórico, escolha racional e sociológico,
cada qual com respostas para duas questões importantes nas análises sociais que
evocam as instituições: como se dá a relação entre instituição e comportamentos, e
como se dá o processo pelo qual as instituições surgem ou se modificam.
O neoinstitucionalismo histórico se desenvolveu como enfrentamento ao
estrutural-funcionalismo, buscando melhores explicações para existência de conflito
entre grupos rivais e para a distribuição desigual de poder. A definição de instituição
amarra-se a procedimentos, protocolos, normas e convenções oficiais e oficiosas
inerentes à estrutura organizacional da comunidade política, estendendo-se a regras
de ordem constitucional ou de procedimentos habituais e convenções de
funcionamento de uma organização. Ou seja, o conceito de instituições é atribuído
não só às organizações formais/materiais, como também estendido a regras ou
convenções editadas por elas (HALL; TAYLOR, 2003).
No tipo histórico, a relação entre instituição e comportamento individual é
observada a partir das assimetrias de poder e das trajetórias históricas das
instituições, que explicam sua manutenção ou períodos de situações críticas nas quais
34

elas são alteradas. Para entender como as instituições afetam os indivíduos, e como
elas se mantêm, o tipo histórico subdivide-se em duas perspectivas. A primeira,
chamada “calculadora”, entende que o comportamento humano é orientado pelo
cálculo estratégico dos indivíduos ou grupos, que diante das regras do jogo examinam
todas as escolhas possíveis para selecionar aquelas que oferecem benefício máximo.
As instituições afetam os comportamentos ao oferecerem aos atores maior ou menor
certeza sobre a realidade, ao fornecer informações dos comportamentos dos outros
atores, ofertar mecanismos de acordos e penalidades caso os comportamentos não
sejam correspondidos. E, nessa perspectiva, as instituições se mantêm porque os
indivíduos aderem aos modelos na medida em que tendem mais a ganhar do que a
perder com eles.
A segunda perspectiva é a “cultural”, que diferentemente da anterior não
entende o comportamento como algo inteiramente estratégico, uma vez que os atores
estão limitados em suas visões de mundo. E é por essa limitação que eles recorrem
com frequência a protocolos estabelecidos ou modelos de comportamento. Assim, as
instituições afetam o comportamento ao fornecerem modelos morais e cognitivos que
permitem a interpretação e a ação. O indivíduo é compreendido como imerso num
mundo de instituições (símbolos, cenários, protocolos), que fornecem as informações
úteis do ponto de vista estratégico, mas também afetam a sua identidade, a sua
autoimagem, e as preferências que guiam a sua ação. Nesse caso, as instituições se
mantêm porque estão tão arraigadas na coletividade que escapam ao questionamento
individual, e não podem ser facilmente transformadas a partir de ações individuais.
Ainda sob o tipo histórico, é interessante destacar que ele concebe uma
concepção de desenvolvimento histórico particular de cada sociedade, e por isso
forças (institucionais) semelhantes não produzem os mesmos resultados em
diferentes locais, uma vez que cada contexto traz propriedades herdadas do passado.
O segundo tipo de neoinstitucionalismo, o da escolha racional, teve origem
nos estudos sobre comportamentos no interior do congresso norte-americano. Os
teóricos buscavam explicar como os regulamentos do congresso afetavam o
comportamento dos legisladores e porque foram adotados. A partir dos anos 1990
esses teóricos interessaram-se também pela explicação de outros fenômenos
políticos, como o comportamento das coalizões, o desenvolvimento histórico das
instituições políticas e os conflitos étnicos. Embora existam muitas diferenças entre os
35

teóricos dessa mesma vertente é possível apontar similitudes: postulam que os atores
compartilham um conjunto determinado de preferências ou de gostos e comportam-
se de modo inteiramente utilitário para satisfazerem suas preferências, lançando mão
de estratégias de ação calculadas com base no provável comportamento dos outros
atores. A vida política é considerada como uma série de dilemas de ação coletiva, em
que os indivíduos agem escolhendo sempre o que maximiza suas satisfações. A
origem das instituições é explicada a partir das funções por elas desempenhadas e
do valor atribuído a estas funções pelos atores que estão sob a influência de tais
instituições. Assim, os atores criam essa estrutura, em um acordo voluntário, de modo
a realizar esse valor. Quando há algum processo de seleção competitiva entre
instituições, a permanência de uma delas está ligada ao fato dela oferecer mais
benefícios aos atores interessados do que as outras formas institucionais
concorrentes.
O terceiro tipo de neoinstitucionalismo, na classificação de Hall e Taylor
(2003), é o sociológico, que tem origem na Teoria das Organizações. Nesta visão, as
formas e procedimentos das instituições não são adotados simplesmente porque são
mais eficazes, ou por outras razões racionais; e sim, em decorrência de práticas
culturais, comparáveis aos mitos e cerimônias. Para essa vertente, a prática
aparentemente burocrática ganha explicação em termos culturalistas e as instituições
são entendidas de maneira muito mais abrangente, incluindo regras, procedimentos,
normas formais, mas também os sistemas de símbolos, os esquemas cognitivos e
modelos morais que fornecem padrões de significação e guiam a ação humana. É um
enfoque que tende a redefinir “cultura” como sinônimo de “instituições”, o que amplia
a capacidade de entendimento, mas traz problemas metodológicos caros aos
cientistas políticos, na análise da relação entre instituições e ação individual. Uma
forma de resolver essa questão é entender que às instituições formais atribuem-se
“papéis” aos quais se vinculam “normas” prescritivas. Essas “normas” seriam o sentido
ampliado de instituições, ao qual estes teóricos se referem. Os indivíduos, através da
socialização, internalizam esses papeis e são levados a desempenhá-los, e desse
modo as instituições afetariam os seus comportamentos.
Outra forma de influenciar o comportamento é pela compreensão cognitiva,
em que as instituições fornecem esquemas, categorias e modelos cognitivos sem os
quais seria impossível os indivíduos interpretarem e interagirem com mundo e com o
36

comportamento dos outros atores. Assim, para estabelecer sua ação, o indivíduo
utiliza os modelos disponíveis, mas ao mesmo tempo os confecciona, não de modo
intencional (como a perspectiva da escolha racional), ou irracional; mas considerando
que sua intencionalidade é socialmente construída.
Na perspectiva sociológica, o surgimento das instituições, diferente da
perspectiva racional na qual elas surgem como estratégias intencionais, reside nas
organizações que têm valor largamente reconhecido em um ambiente cultural, e
adotam formas e práticas institucionais. Nesse âmbito, alguns institucionalistas
sociológicos enfatizam o Estado regulador como autoridade importante para o
reconhecimento de determinadas instituições, outros destacam a profissionalização
de algumas esferas de atividade, nas quais estes atores conseguem uma autoridade
cultural suficiente para impor a outros membros normas e práticas. Já outros
defendem que práticas institucionais comuns tem origem em processos de discussão
interpretativo de atores de uma dada rede.
O potencial analítico e as fragilidades de cada uma das três vertentes do
neoinstitucionalismo são detalhadas com maior profundidade por Hall e Taylor (2003).
Os autores sustentam que os três tipos estão à disposição das Ciências Políticas, que
pode fazer uso desses aportes, inclusive com o intercâmbio entre si – e no caso desta
tese, como ficará mais claro adiante, haverá maior proximidade com o tipo histórico.
Afinal, embora partam de alguns princípios bastante díspares, cada uma dessas
vertentes parece revelar aspectos importantes do comportamento humano e do
impacto que as instituições podem ter sobre ele.
Em comum, as vertentes têm a retomada das instituições (para além dos
indivíduos e de grupos de interesse) como instâncias importantes na
conformação/dinâmica da sociedade, e a tentativa de explicar como indivíduos e
grupos perseguem seus projetos em um contexto coletivamente constrangido. Admite-
se que o ambiente é constrangido por normas e papéis socialmente construídos, mas
acredita-se que esse ambiente pode ser criado e recriado continuamente, devendo
considerar que neste processo, as restrições favorecem alguns indivíduos a partir de
uma distribuição desigual de recursos de poder a indivíduos/grupos que fazem parte
das instituições (NASCIMENTO, 2009).
37

2.2 A delimitação de instituição

Ciente das limitações do neoinstitucionalismo como corpo teórico considero


fundamental apontar dentre sua fluidez conceitual, definições mais concretas no
caminho pelo qual optei. Em primeiro lugar cabe tecer considerações a respeito da
própria definição de “instituição”, que como apontado por Hall e Taylor (2003)
apresenta algumas variações, inclusive no interior de cada uma das três perspectivas
apontadas pelos autores. Por vezes, “instituição” é apresentada como organização
formal, por outras são incluídas as normas e regras formais, e em outras vezes
também são abarcados os comportamentos e convenções informais. Para Rocha
(2005) a indefinição conceitual é bastante prejudicial à criação e amadurecimento de
métodos para os estudos empíricos, e por isso é importante apontar diretrizes mais
firmes nesse aspecto.
Muitos neoinstitucionalistas esquivam-se do problema da definição
conceitual e por isso esse debate não é facilmente encontrado na literatura. No velho
institucionalismo a ideia de instituição nunca foi problematizada, e seu entendimento
era restrito às estruturas materiais: constituições, leis, gabinetes ministeriais ou
presidenciais, parlamentos, burocracias, organizações militares, arranjos federais,
etc. As instituições eram referentes a órgãos do Estado, ou melhor, do governo,
entretanto, os neoinstitucionalistas, em sua maioria, não compartilham dessa
concepção. A vertente da escolha racional, por exemplo, prefere considerar que as
instituições referem-se às regras do jogo político, estas sim, associadas à estrutura
material dos contextos e dos interesses dos autores, e mais importante do que definir
instituições é observar o que elas representam: a busca pelo equilíbrio de forças
(NASCIMENTO, 2009).
Os neoinstitucionalistas sociológicos, em geral, optam por uma definição
mais abrangente, considerando crenças, valores e modelos cognitivos, e com isso as
instituições podem ser vistas como um arquétipo, no sentido de que elas internalizam
elementos da cultura e princípios normativos. Os históricos, por sua vez, preocupam-
se em ver as instituições como estruturas formais, voltando o olhar para o trajeto das
ideias dentro dessas estruturas (afastando-se, assim dos estruturalistas), ideias estas
que se transformam em normas e valores produzidos e emanados formalmente pelas
instituições (HALL; TAYLOR, 2003; NASCIMENTO, 2009).
38

Trata-se, portanto, de um embate entre uma visão materialista e outra


idealista das instituições. A ideal oferta um tratamento multidimensional da política, e
argumenta que a visão materialista conduz a uma perspectiva simplista sobre ela.
Porém, há que se considerar que uma definição tão abstrata de instituição torna difícil
a distinção entre o que é o Estado e o que é a sociedade, acarretando em graves
problemas para a pesquisa empírica. A visão materialista, por outro lado, traz a
vantagem da clareza analítica, já que instituições e sociedade são mais claramente
definidas, facilitando a análise teórica e empírica, mas correm o risco de acabar se
voltando a uma concepção mais estruturalista, considerando as instituições como
entes autônomos e insubordináveis à sociedade, como se fossem realidades dadas
(NASCIMENTO, 2009).
Na ponderação entre estas perspectivas fiz a opção pelas concepções do
tipo histórico, ou seja, materialistas, mas com as considerações trazidas por Margaret
Levi (1991, p.80) que em seus estudos sobre mudanças nas instituições, considera
crucial definir claramente o termo, já que a extensa literatura sobre o tema nem mesmo
se preocupa com isso. Muito mais do que normas e regras do jogo ou que a instância
material em si, a autora utiliza e amplia o argumento de North (apud LEVI, 1991) ao
considerar que uma instituição caracteriza-se pela capacidade de delimitar escolhas
e por possuir mecanismos de implementação de decisões. Ou seja, as instituições são
entes que reduzem certos custos de transação, diminuindo o grau de incerteza
originados de comportamentos imprevisíveis e, com isso, facilitam a identificação de
parceiros adequados para transações e a elaboração de contratos, levando em conta
o maior número de eventualidades possíveis. Nesta primeira definição dada pela
autora, a ênfase também recai sobre as regras que regulam comportamentos
recorrentes, mas acrescenta-se, dentre esses aspectos, a durabilidade conferida a
essas regras advindas das instituições, que faz com que elas passem a ser algo de
difícil (mas não impossível) alteração.
Levi, como North, adota a ênfase nas regras, pois isso permite analisar não
somente em que consiste uma instituição, mas também o que ela faz. Mas ela vai
além, enfatizando a importância de demarcar diferenças fundamentais entre
instituições e outros arranjos responsáveis pela agregação de comportamentos
individuais. Muitos teóricos mencionados pela autora, como o próprio North, não
consideram proveitosa a distinção entre uma instituição e uma norma. Entretanto, para
39

ela, embora os dois fenômenos tendam reforçar um ao outro, tratá-los como se fossem
iguais ofusca algumas questões analíticas cruciais. A linha que divide uma instituição
e uma norma se torna extremamente tênue se somente a natureza da regra for
considerada. Logicamente as normas existem e surtem efeitos práticos, pois há uma
tendência à existência de sanções contra aqueles que as descumprem. Mas, em sua
maioria o cumprimento das normas se dá por importantes incentivos e desincentivos
de natureza cognitiva e social.
As instituições, por outro lado, mais do que normas, contêm um aspecto
legal e assentam-se em uma estrutura relativamente clara de implementação de
decisões. Em tais estruturas, nota-se também uma equipe de pessoas, com uma
divisão de trabalho entre elas, sendo algumas delas responsáveis pelo monitoramento
do comportamento institucional, e outras (ou as mesmas) responsáveis pela sanção
aos que as desobedecem. Assim, a autora enfatiza que não só as estruturas devam
ser consideradas, mas também as normas e regras produzidas por elas, criticando as
análises nas quais prevalecem as regras, pois estas tendem a obscurecer variações
observáveis entre diferentes tipos de instituições.
A autora reforça a importância de considerar que existem diferentes
instituições e cada qual deve ser observada em seu lugar como produtoras de
normativas e poder decisório. O termo instituições pode referir-se a uma gama de
estruturas e procedimentos, tais como famílias, empresas, escolas, hospitais, prisões,
cortes, legislaturas, mercados e ao Estado como um todo. Mas se a todas essas
formas de organização social são tratadas com o mesmo nome, pode dar a entender
que são todas exemplos do mesmo fenômeno e tratá-las como algo similar torna
qualquer análise imprecisa.
Em seus estudos sobre mudanças institucionais Margaret Levi frisa a
extrema necessidade de estabelecer um critério de definição claro, ou ao menos de
tipologias de instituições, que considerem aspectos tais como: o número de pessoas
que são abarcadas pelas regras institucionais, pelos comportamentos definidos pelas
regras e pela extensão em que a implementação das regras internas de uma
instituição é dependente do poder de uma outra. Ela chama a atenção para o fato de
que instituições similares vão dispor de diferentes arranjos para monitoração e
implementação de decisões dependendo de seu âmbito e propósito. Por exemplo,
uma família pode exigir que suas crianças estejam em casa a uma determinada hora,
40

mas isso não se compara ao toque de recolher para uma população inteira. Isto não
quer dizer que falte poder substantivo à família perante seus membros, mas sim que
suas prerrogativas são qualitativamente e quantitativamente diferentes das do Estado.
As instituições do Estado, demandam mecanismos mais elaborados de coordenação,
entrega de serviços e implementação e mais recursos.
Em seu estudo Levi focaliza o subconjunto de instituições formais, como o
Estado, hospitais, instalações educacionais, empresas e as caracteriza por arranjos
formais de agregação de indivíduos e de regulação comportamental, que mediante o
uso de regras explícitas e de processos decisórios, são implementados por um ator
ou um conjunto de atores formalmente reconhecidos como portadores deste poder.
As regras podem ser escritas e tidas como lei, ou representar acordos verbais ou
costumeiros, a depender de cada instituição. De todo modo, são explícitas,
publicizadas, estáveis e possuem mecanismos internos de implementação.
A disposição sobre as regras, além de uma hierarquização de pessoal na
instituição, é o elemento que distingue as instituições formais de outros arranjos
organizacionais e de normas, que também regulam comportamentos através do uso
de incentivos e desincentivos, mas não como as instituições enfocadas pela autora.
Desse modo, essa definição exclui os costumes e a cultura, ainda que estes possam
regular "interações repetitivas entre indivíduos" (LEVI, 1991, p. 82). Grupos de
interesse e pressão e movimentos de protesto, nos limites propostos, não podem ser
denominados de instituições, ainda que possam afetar o curso de certos
acontecimentos. Isso porque, no âmbito desta definição, eles não possuem meios
para determinar as decisões daqueles que lhes interessam influenciar, e dispõem,
muitas vezes, de uma natureza transitória, ao invés de estável ou durável. Claro, não
é excluída a possibilidade de que algumas organizações de ação coletiva possam ser
institucionalizadas, refletindo assim, o desenvolvimento de uma hierarquia e de uma
permanência relativa.
Outro elemento para definição de instituições utilizado pela autora é o
aspecto da distribuição de poder. As instituições formais, além de possuírem
hierarquias internas de implementação e de tomadas de decisões, são capazes
também de estabelecer e ratificar o poder coercitivo de certos membros da sociedade
em relação a outros. Este poder é exercido na distribuição de serviços, na
coordenação das ações de indivíduos com interesses comuns, na manutenção de
41

benefícios de poderosos ou na arbitragem de uma situação de conflito, de forma a


reduzir os custos dos envolvidos. Algumas instituições atendem aos interesses de
muitos, enquanto outras, de poucos. Mas todas elas facilitam e regulam os recursos
de poder que são distribuídos através dos mecanismos de delimitação de escolhas.
O esforço da autora em estabelecer uma tipologia específica de instituições
formais para seus estudos, contribuiu para diminuir a enorme imprecisão conceitual
da qual padece o neoinstitucionalismo, o que o tornava alvo de muitas críticas. A
definição dada por ela às instituições é propícia a esta tese, que buscará analisar
instituições do Estado, com uma carga de formalidade e materialidade, uma vez que
foram legalmente instituídas nos municípios, e produzem normativas, também
formais, capazes de ordenar comportamentos e distribuir poderes, mas que de
nenhum modo estão apartadas da sociedade. Serão analisadas as instituições que
integram o modelo do SNC, nos âmbitos municipais (sobretudo: órgão gestor,
conselho de política cultural, plano municipal de cultura e fundo municipal de cultura),
que foram institucionalizadas por leis municipais, as quais dispõem e regulamentam
as competências, atribuições, composição, procedimentos internos e produção de
normativas. Não caberia uma análise que as considerasse no mesmo patamar que
instituições informais, ou normas e regras informais.

2.3 As mudanças institucionais

Os estudos de Levi (1991) também têm sua importância por incorporarem


um estágio mais maduro do neoinstitucionalismo, diferentemente de seu estágio
inicial, no qual ele atribuía muita ênfase às instituições do Estado, em uma perspectiva
denominada state-centered, na qual as instituições do Estado tinham grande
centralidade na explicação das políticas governamentais. Nesse estágio anterior, os
indivíduos eram vistos com pouca ou nenhuma autonomia frente às estruturas do
Estado, e por isso as instituições não poderiam ser entendidas como foro nos quais
os grupos sociais formulam e disputam demandas – contrapondo-se ao pluralismo e
a behaviorismo (SKOCPOL, apud ROCHA, 2005). Cabe pontuar que o Estado só
funcionaria assim se o monopólio exclusivo da força se fizesse valer a cada momento,
de modo que todos se submetessem às instituições a todo o tempo, algo
inviavelmente custoso (ROCHA, 2005).
42

Essa seria uma interpretação de Estado moderno ancorada em Weber,


muito restrita e apegada a um tipo ideal de Estado, desconectado da complexa
realidade em que estes se encontram. Mesmo em Weber é possível encontrar outros
elementos que compõem o Estado para além do monopólio da violência, dentre eles
a relevância do direito (constituição, sistemas de leis), racionalização de processos,
administração da moeda e dos tributos, dotação de infraestruturas e políticas sociais,
e outras demandas da sociedade que recaem sobre suas agendas. De fato, a relação
de dominação é sintomática no estatuto Estado, mas ela não se resume à legitimidade
do uso da força e só pode ser completamente entendida quando são levados em
consideração os motivos internos que a justificam, sendo observados inclusive pelo
ponto de vista dos dominados, ou seja sobre o que leva ao consentimento deles pela
dominação. (ACCO, 2022).
No novo estágio alcançado pelo neonstituititucionalismo, o qual somam-se
as contribuições de Levi (1991), há um entendimento mais ampliado sobre as relações
que ocorrem no interior do Estado, passando a admitir a existência de processos de
negociação entre sociedade e Estado, incluindo até mesmo, meios de controle da
própria sociedade civil sobre ele, em alguns casos. Mas cada Estado terá uma
capacidade constituída por requisitos historicamente condicionados, que implicará o
poder político dos grupos de interesse e das classes. Nisso reside a importância de
que as estruturas e capacidades precisam ser examinadas caso a caso para então
descobrir o grau de “insulamento” que cada Estado possui (ROCHA, 2005). Diante
dessa nova concepção, a proeminência do poder do Estado para gerar suas políticas
passou a ser observada com mais cautela, em uma perspectiva denominada polity-
centered analises, na qual busca-se observar o equilíbrio do papel do Estado e da
sociedade nos estudos de caso, concebendo que o primeiro é parte do segunda, e
portanto, em certos casos, pode ser influenciado por ela em maior grau do que a
influencia.
Rocha (2005) chama atenção para quatro importantes entendimentos que
se destacam a partir desse estágio do neoinstitucionalismo. Primeiro, que a
efetividade do Estado não depende do seu grau de “insulamento”, mas sim de como
se dá sua inserção na sociedade. Segundo, a necessidade de enfocar não apenas
governos centrais, mas também os níveis de governos periféricos. Terceiro, a força
do Estado e dos agentes sociais depende de situações históricas concretas. Quarto,
43

a relação Estado/sociedade não é necessariamente oposta, sendo possível que


compartilhem, às vezes, os mesmos objetivos.
As análises polity-centered superam as stated-centered ao encontrar
explicações para as mudanças institucionais. Ambas admitem que o funcionamento
das instituições possui relação com a trajetória passada, mas se ação estatal é vista
como autônoma frente à sociedade e às pressões sociais, as instituições mudariam
quase que estritamente por iniciativa de seu corpo interno, inclusive com a
preponderância dos agentes burocratas sobre os agentes políticos. Desse ponto de
vista, as mudanças institucionais praticamente não eram admitidas, exceto quando
partissem de aprendizado dos próprios agentes burocratas com suas experiências
passadas. Hall (1993) critica a simplicidade dessa interpretação e defende que
algumas das mudanças institucionais, de fato, são mudanças discretas, compostas
por ajustes rotineiros em políticas ou instrumentos em andamento. Porém, outras são
mais profundas e envolvem tanto a mudança de instrumentos de políticas, quanto das
metas e do próprio sistema de ideias e padrões que orientam a abordagem da
realidade, implicando em uma mudança de paradigma. No primeiro tipo de mudança
há alto grau de autonomia das instituições. No segundo, há um forte papel exercido
pelos conflitos, debates envolvendo interesses sociais e disputas político-eleitorais
das forças sociais.
As contribuições de Levi (1991) são preciosas nas análises sobre
transformações institucionais. Ela reúne argumentos sobre as mudanças de
instituições seculares, seja em direção à alteração, extinção, ou criação. Para ela, o
processo de criação de instituições envolve uma dependência de trajetória (path
dependence): os indivíduos criam instituições que, por sua vez, constrangem as
escolhas subsequentes destes mesmos indivíduos ou de gerações futuras. Porém, há
ocasiões em que alguns passam a possuir interesses divergentes daquela maioria
afetada pelas decisões, e começam processos mais enfáticos de mudança. Em sua
perspectiva, as capacidades de criar ou mudar instituições dependem dos estágios
precedentes, e obviamente isso ocorrerá de forma diferente em cada contexto. Tal
como descreve Hall (2003), a path dependence rejeita complementarmente a ideia de
que as mesmas forças ativas produzem o mesmo resultado em todo o lugar, ao
contrário essas forças são modificadas pelas propriedades de cada local,
propriedades de natureza institucional, herdadas do passado. Há, em cada contexto,
44

um embate entre as políticas e instituições herdadas e as políticas ulteriores, com a


forte tendência de que as políticas herdadas condicionem as posteriores.
Outro elemento explicativo para as mudanças institucionais advém da
distribuição desigual de poder entre aqueles que constituem uma instituição, com
acesso diferenciado à capacidade coercitiva do órgão e aos recursos dos quais
dependem outras pessoas. Com essas pressuposições, Levi (1991) assume que as
tentativas de redistribuição de poder coercitivo e de barganha dentro de uma
instituição geram mudanças. A partir daí ela investiga o porquê ocorre essa troca de
poder e como aqueles relativamente mais fracos abandonam o comportamento
submisso em relação aos arranjos institucionais e conseguem afetar a ordem das
coisas.
Para compreender os argumentos elencados acima é preciso entender
como funciona o comportamento de obediência às instituições. Assume-se que as
elas funcionam pelo seu poder coercitivo, capazes de provocar a submissão das
pessoas frente às decisões institucionais. Isso ocorre tanto internamente quanto
externamente. Porém, vale lembrar, isso não ocorre somente pelo monopólio
exclusivo da força, envolvendo outras formas de negociação e barganha. Na linha
polity-centered, existe o conceito do consenso contingente para explicar a obediência
às instituições:

se uma instituição dependesse unicamente da coerção para obter sucesso


na implementação de suas políticas, os custos de implementação das regras
seriam insuportavelmente altos. Portanto, os líderes institucionais procuram
meios alternativos para a criação de condescendência. A teoria da escolha
racional revela que a coação e os pagamentos paralelos são os principais
meios de indução dos indivíduos à obediência. Os sociólogos aditam as
normas. Esclareço aqui o tradicional esquema de três dimensões e adiciono
uma quarta: o consenso contingente. (LEVI, 1991, p. 84).

Para a autora somente os incentivos de recompensa e punição descritos


nos tipos escolha racional e sociólogico, são insuficientes para explicar a obediência,
visto que o grau de consentimento é maior do que os incentivos. Para além disso, a
obediência passa pelo fenômeno da reciprocidade, ou seja, do cumprimento de
expectativas alheias – é o que a autora chama de norma fairness. O termo traduzido
para o português se refere àquilo que é visto como justo. Uma norma fairness é, em
geral, coletivamente informada e adaptada, se desenvolvendo através de um
processo e num contexto social de forma mais evidente do que um princípio moral.
45

Se os arranjos institucionais correntes representam uma barganha


aceitável e se os outros agem cumprindo expectativas usualmente tidas como
razoáveis, eles são fairness, ou seja, considerados justos. Se os indivíduos estão
convencidos de que a norma continua em operação, é provável que se comportem
em acordo com as regras de conduta decorrentes dela, em obediência. No caso das
instituições formais, a aquiescência ou cooperação de um indivíduo depende da
provisão de benefícios prometidos pelos gerentes e pelas equipes institucionais, além
da contínua submissão alheia. Dessa forma, qualquer decisão individual particular no
sentido da obediência baseia-se na confiança de que cada um faz sua parte de uma
negociação que foi acordada.
Segundo essa perspectiva, as instituições dispõem de uma barganha social
a partir da qual emergem retornos da obediência. Se para um número substancial de
indivíduos não houver qualquer ganho derivado da barganha não haverá obediência,
e não há justificativa para que a instituição exista. Se considerado que as instituições
resolvem problemas de ação coletiva entre atores estratégicos, os retornos positivos
em troca do consentimento passam a ser essenciais para o processo de construção
institucional. Também, para manutenção do consenso, é fundamental que os
indivíduos estejam certos que os outros estão cumprindo as mesmas normas.
Para Levi (1991), a mudança institucional ocorre quando há um colapso
dos fatores subjacentes ao caráter contingente da obediência. O abandono da
obediência eleva os custos de implementação das regras, e aqueles que desejam a
mudança se utilizam da desobediência como recurso de barganha. Já os que querem
manter a instituição tal como está, buscam se apoiar em novos recursos coercitivos
efetivos. Desse caminho, ocorrerá a mudança das práticas sociais, geradas pelo
desenvolvimento de novas regras e/ou novos recursos coercitivos.
As instituições tendem à continuidade, mas estão sujeitas à instabilidade
decorrente da desigualdade de distribuição de poder. O abandono do
consenso/obediência pode ser explicado pela queda do grau de aprovação de uma
barganha social, por uma eventual mudança da consciência de um grupo alterando
sua percepção do que é justo, pela queda no grau de confiança na obediência alheia,
quando os que possuem poder institucional são flagrados abusando dele (infringindo
a barganha social), ou quando fica claro que outros indivíduos fracassam em sua
obrigação de obedecer.
46

É válido enfatizar o ponto sobre a conscientização ou a aquisição de novos


recursos de poder de um grupo:

Os subordinados, mesmo obtendo os benefícios iniciais da troca podem


desenvolver um interesse em mudar as regras que constituem a instituição
tendo em vista alcançar resultado mais favorável. Isso passa a ser provável
na medida em que eles adquirem novos recursos de poder, se a emergência
de novas informações os conscientiza de que eles possuem recursos até
então não utilizados ou percebidos ou se novas circunstâncias fazem com
que eles questionem uma barganha até então aceitável. (LEVI, 1991, p. 87).

A análise de mudança de instituições formais proposta pela autora lança


luz às ocasiões em que os mais fracos e desprovidos de poder adquirem alguma
chance real de sucesso na tentativa de transformar os arranjos institucionais.
Dependendo do contexto, eles irão se aproveitar de qualquer recurso novo encontrado
ou de qualquer redução no poder de barganha daqueles que controlam a estrutura
institucional. Assim, podem abrir caminho para influenciar decisões e políticas que
lhes são favoráveis. A criação ou descoberta de novos recursos pelos que desafiam
o sistema ou a deterioração dos recursos daqueles que comumente definem os
arranjos institucionais são um dos mais importantes fundamentos de alteração na
distribuição de recursos de poder dentro de uma instituição. O resultado final será o
enfraquecimento da instituição e sua transformação através de uma revolução ou
reforma.
Entretanto é válido ponderar que as mudanças institucionais, sobretudo as
mais efetivas, não são processos simples:

A maioria das mudanças institucionais, no entanto, caracteriza-se por ser um


processo incremental, ao invés de totalmente reconstrutivo ou destrutivo.
Uma vez estabelecidas, as instituições tendem a desenvolver uma vida
própria. O processo de criação institucional é um processo que tende também
a aumentar a sobrevivência das instituições. Grande parte das instituições
formais são estabelecidas por lei [...]. Isto torna a dissolução de urna
instituição deste tipo algo difícil embora isto não seja impossível. Todavia, ela
permanece suscetível à mudança, sendo esta, produto, por sua vez, de
decisões institucionais internas que alteram, em geral de forma sutil, a
distribuição de recursos. (LEVI, 1991, P. 91).

Como será explicitado adiante, o SNC, para além de uma ação estatal que
tinha como atrativos elementos indutores (como a promessa de repasse de fundos –
e, vale pontuar, que nunca foram efetivados de fato), ou seja, elementos de barganha
entre as diferentes unidades de governo, constituiu-se também por um grande
47

processo de construção de discursos. Processo esse que envolveu gestores públicos


de governos locais, bem como de numerosos agentes da sociedade civil que se
engajaram na proposta e passaram a dispor de informações e novos recursos de
poder, dispostos a empreender novos processos de barganhas com as instituições já
consolidadas nos governos municipais. Assim, as teorizações de Levi vão fornecendo
potencial explicativo para as transformações institucionais promovidas nas políticas
culturais dos municípios.
O neoinstitucionalismo pode ajudar na compreensão das marcantes
transformações das políticas culturais presenciadas a partir dos anos 1990,
acarretadas pela introdução das leis de fomento e financiamento, seguida dos
programas e leis que visam a estruturação política desse campo. Segundo Medeiros,
Alves e Farah (2015), a teoria neoinstitucionalista, permite entender aspectos do papel
indutor das políticas públicas em campos organizacionais da cultura já
institucionalizados, observando o que mudou no padrão previamente existente com a
introdução de novas normas, procedimentos e organizações.
Ainda nesse mesmo sentido, Gadelha e Barbalho (2013, 2017)
argumentam como as políticas públicas influenciam o campo da produção cultural no
estado do Ceará e no Brasil. Ainda que não recorram ao neoinstitucionalismo, seus
estudos discorrem sobre as mudanças de comportamentos nos agentes envolvidos
com a produção cultural, partir da implementação de políticas de financiamento, como
a Lei Sarney (Lei 7.505/1986) e a Lei Rouanet (Lei nº 8.313/1991) e a prática de
editais de fomento. Eles constataram que a trajetória dos produtores culturais foram
se adaptando às políticas de financiamento, demarcando três gerações distintas:
1960-1970; 1980-1990; 2000 em diante: “percebemos como as políticas de
financiamento à cultura no Brasil foram conformando a trajetória profissional desses
indivíduos e, por consequência, do setor da produção cultural no Ceará” (GADELHA;
BARBALHO, 2017, p. 81).
No caso dos sistemas de cultura, é possível exemplificar a aplicabilidade
dessa abordagem ao observar a implantação de um sistema de cultura em âmbito
local, descrita por Silva e Sá (2016). Embora os autores admita que os atores que
compõem as instituições não são uma massa homogênea, e que muitas vezes
assumem até posturas contrárias dadas as suas experiências de vida, eles entendem
48

que as instituições constroem os referenciais – ou estruturas de significação – que as


orientam:

Essas mesmas instituições fixam regras, rotinas e modos de operação


política. São lugares de produção e estabilização de sentidos e codificação
de operações, ou de sequencias práticas. Esses aspectos tocam
profundamente as identidades coletivas dos atores implicados e estabilizam
as relações entre eles em dialética permanente entre os jogos estruturados
jogados entre os atores, quadros de interpretação e suas transformações”.
(SILVA; SÁ, 2016, p. 271).

Ao mencionar a etapa da construção do Plano de Cultura do Distrito


Federal, os autores retratam bem a existência de instituições em âmbito da União, e
como através da política, elas estabelecem uma dinâmica própria que visa orientar os
atores nos âmbitos locais de atuação.

as instituições existem em muitos planos estruturais e níveis administrativos.


A estrutura mais global é composta por todos os funcionários do Ministério da
Cultura. Em nível superior, o Ministério é composto pelo ministro e seu staff
mais próximo, depois, pelas instituições vinculadas, por secretarias e
coordenações, grupos de especialistas e assim sucessivamente. Esses
grupos se unem por procedimentos burocráticos normais e por múltiplos
canais de comunicações informais. Também se unem por afinidades de toda
ordem, adquiridas pela formação ou origens comuns, pela literatura lida,
produção de documentos, participação em fóruns, conferências etc. Os
grupos concorrentes são excluídos.(SILVA; SÁ, 2016, p 274)

Os autores frisam que o que os une, mesmo em suas diferenças, é um


padrão institucional e um conjunto de ideias gerais de cultura e política cultural. Assim,
os espaços anteriormente ocupados por outras lógicas vão ser transformados pelas
novas concepções. Mas isso ocorre em diferentes linhas de forças, como por exemplo,
as forças das políticas eleitorais e dos governos, que podem abrir oportunidades para
mudanças de conteúdos, ou a força das mudanças de qualidade dos recursos
humanos ou de formações profissionais. No processo, as transformações podem
favorecer a conservação de referenciais tradicionais ou uma gradual transformação,
sendo mais raras as mudanças revolucionárias (SILVA; SÁ, 2016).
O SNC segue o modelo de políticas públicas descentralizadas assumidas,
sobretudo, após a CF88, no qual o desenho é formatado pela União e proposto a todos
os entes federados, que podem aderir a ele , criando as instituições do mesmo molde
em âmbito local. Disso decorre que a proposta do SNC, exógena, está em permanente
tensão com as políticas locais. As instituições preexistentes – e as pessoas que as
49

compõem – nem sempre aceitam ou são compatíveis com os novos referenciais; ou


ainda, as instituições criadas com a proposta da política nem sempre ganham força
frente às instituições que já existem, ou apresentam entendimento consensual de
seus propósitos junto aos seus membros. Com isso, a “metonímica” do sistema
desenhado e proposto pela União não será implantado, nem funcionará, em igual
forma em todas os governos locais (SILVA; SÁ, 2016; 2021). Ou, como descreveram
Vitória e Emmendoerfer (2015), os processos isomórficos miméticos e normativos não
ocorrem no mesmo grau em todos os sistemas de cultura.
O neoinstitucionalismo, como aponta Cavalcante (2011), fornece
ferramentas analíticas interessantes às pesquisas sobre descentralização e
federalismo brasileiros. Esse campo é dominado pela ênfase em fatores de ordem
institucional, tais como normas constitucionais, estratégias de indução à cooperação,
regras de funcionamento das relações federativas etc. Para ele, dentre outros
assuntos, tal abordagem permite investigar se políticas descentralizadoras
efetivamente alteram as gestões locais e as desigualdades existentes entre os
municípios do país, tal como propõe o SNC. Entretanto, o olhar que compreende a
lógica federativa não pode ignorar a trajetória histórica local e as dinâmicas
particulares das políticas culturais em cada localidade, pois elas são fundamentais na
análise sobre as mudanças institucionais provocadas pelos SMCs.
A seguir serão explicitados mais detalhes sobre as instituições
recomendadas pelo SNC aos municípios e reflexões sobre como o referencial teórico
apresentado poderá contribuir na análise de suas implementações.
50

3 O SNC E OS SMCS À LUZ DO NEOINSTITUCIONALISMO

O neoinstitucionalismo vem sendo recorrente nos estudos das Ciências


Políticas, enfatizando a importância crucial das instituições e das regras para a
decisão, formulação e implementação de políticas públicas (SOUZA, 2006), em uma
abordagem que assume o papel dessas estruturas como influenciadoras do
comportamento social, admitindo ao mesmo tempo que elas também são
influenciadas por este. Esse recurso de análise pode ser bastante útil para observar
as políticas culturais no Brasil, a partir de 2003, quando a gestão participativa começou
a ser institucionalizada, através de Conselhos e Conferências.
Este capítulo tem por objetivo apresentar a proposta do SNC, como uma
política concernente ao federalismo pós CF88, descrevendo as instituições que devem
compor seu modelo de gestão. Em seguida, serão detalhadas as recomendações para
implementação em âmbito municipal e seu processo de convencimento de gestores e
sociedade civil via indução federativa, que intencionava levar o modelo a todas as
municipalidades. Por fim, serão tecidas algumas reflexões sobre como o
neoinstitucionalismo pode contribuir como instrumental de análise nos próximos
capítulos.

3.1 As instituições do Sistema Nacional de Cultura

No principal documento da proposta do SNC, a publicação Estruturação,


Institucionalização e Implementação do Sistema Nacional de Cultura, a política é
apresentada como um “modelo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas
de cultura, pactuadas entre os entes da federação e a sociedade civil” (BRASIL, 2011,
p. 42). A CF88, em seu artigo 216-A, também exalta a forma descentralizada,
participativa e pactuada entre entes da federação e sociedade civil.
Nestes termos, é correto afirmar a proximidade entre a proposta da política
e o próprio modelo de federalismo posto pela CF88, bastante complexo, uma vez que
visa a integração em três níveis de governo (União, estados e municípios) e
sociedade civil. Conhecido por federalismo cooperativo6, o modelo enfatiza a

6 O federalismo pode ter diversas tendências. Em suma, ele pode concentrar mais poder na esfera da
União (modelo centralizado), ou conceder muita independência às unidades federativas (modelo
dual), ou ainda, pode se organizar em ações colaborativas entre unidade central e unidades
51

articulação e cooperação entre os entes federados, que possuem mais autonomia e


poder de decisão, ao invés da independência e o isolamento dessas unidades de
governo. Em algumas áreas de atuação há divisão de competências definidas, já em
outras competências comuns, nas quais os governos da União e entes federados
compartilham atribuições, devendo atuar conjuntamente. Esta tese corrobora com
Cavalcante (2011) quando ele sugere o neoinstitucionalismo como alternativa para
analisar a descentralização no Brasil, processo que envolve a relação institucional
entre três entes federados em políticas de indução à cooperação. A CF88 estabeleceu
o sistema federativo como clausula pétrea, e alçou os municípios ao patamar de entes
autônomos, responsáveis, em grande parte, pelo provimento das políticas públicas
em âmbito local. Cada área de política pública passou a dispor de mecanismos de
coordenação e cooperação intergovernamental de modo a colocar em prática
pressupostos constitucionais, com estratégias de implementação que coordenam as
relações intergovernamentais, pautadas em adesão, barganhas e estratégias de
indução (ARRETCHE, 2004, 2010; CAVALVANTE, 2011).
Segundo Abrúcio (2010), a CF88 apresenta a descentralização das
políticas e a cooperação intergovernamental para combater as disparidades e a
definição das ações federais. Para ele a questão da interdependência federativa foi
tratada pela CF88 em três aspectos:

na definição de medidas de combate à desigualdade entre os entes,


principalmente de cunho financeiro; na manutenção de um grande poder
legislativo para União propor políticas nacionais; e na proposição de que
haveria mecanismos e instrumentos de cooperação entre os níveis de
governo para a produção de políticas públicas, tema que foi destacado em
algumas políticas, e de maneira geral pelo artigo 23 da Carta Constitucional.
Pela primeira vez na história, foi criada uma engenharia institucional que
levava em consideração a complexidade da federação brasileira. (ABRÚCIO,
2010, p. 1).

Obviamente a mudança para o novo arranjo federativo não ocorreu de


forma abrupta, já que demandava a promulgação de legislação complementar aos
dispositivos de CF88, definindo regras e novos instrumentos para realocação,

descentralizadas (modelo cooperativo), numa disposição em que há algum grau intervenção do poder
central nas demais instâncias de governo, mas estas detêm significativa autonomia decisória e
capacidade própria de financiamento. Este último modelo seria a concepção adotada no Brasil após
a CF88. (ALMEIDA, 1995).
52

consolidação ou devolução de funções entre a reforma administrativa dos aparatos


governamentais cujas atribuições se modificaram. Ao processo de transição, por si só
complicado, se somou o esvaziamento de força do governo central frente aos entes
federados estaduais e a sua dificuldade de financiamento (com a diminuição da
arrecadação tributária, rigidez das despesas federais e inflação), que limitava as
margens de manobra e a capacidade efetiva de atuação. Além disso existia
disparidades entre municípios, problemas históricos como o clientelismo, a má
distribuição dos gastos públicos municipais e dificuldades em criar parcerias com
entes subnacionais. A transição foi um processo complexo que exigiu várias revisões
e estratégias após a CF88 (ALMEIDA, 1995; ABRUCIO, 2010).
Como tentativa de efetivar o cooperativismo foram (e ainda vêm sendo)
implantados mecanismos de cooperação e coordenação entre os níveis de governo,
que reduzem o caráter centrífugo e/ou competitivo, nas questões de arrecadação, e
aumentam a pactuação de políticas públicas:

A resposta mais bem sucedida ao federalismo compartimentalizado encontra-


se no desenho das políticas públicas. Suas origens estão em três fontes: a
existência de normas constitucionalmente em prol da interdependência
federativa [...]; a reação do governo federal, em várias políticas, contra os
resultados negativos do processo descentralizador fragmentador que era
hegemônico na primeira metade da década de 1990, o que levou a propor e
executar ações de coordenação federativa; e o exemplo do paradigma do
SUS, cujos apoiadores perceberam, desde o início, a necessidade de se
constituir um modelo de descentralização com política nacional. (ABRÚCIO,
2010, p. 49).

A integração e a cooperação se estabeleceram por instrumentos que


permitem ao governo central coordenar políticas nacionais mesmo num contexto em
que o marco legal ou constitucional garante autonomia política aos governos locais.
O que faz essa dinâmica são justamente mecanismos de coordenação, tais como: a
obrigatoriedade constitucional, a lei de responsabilidade fiscal, e o estabelecimento
de regras que vinculam o repasse de verbas aos governos subnacionais como
instrumento de indução das escolhas desses entes subnacionais (ARRETCHE,
2012).
As estratégias de coordenação têm sido implantadas desde a metade da
década de 1990, em setores como educação, saúde, assistência social, e mais
recentemente, segurança pública e cultura. O paradigma predominante é o conceito
de sistema, que supõe uma articulação federativa nacional, com importante papel
53

coordenador, indutor e financiador da União, mas com relevante autonomia dos


governos subnacionais. Ademais o modelo envolve a criação de arenas
intergovernamentais de discussão e deliberação, na forma de conselhos horizontais
(no mesmo nível federativo) e verticais (entre diferentes níveis federativos). São
exemplos os fóruns bipartite e tripartite dentro do SUS e os conselhos de secretários
estaduais (ABRÚCIO, 2010).
Os sistemas articulados de políticas públicas funcionam como instrumento
regulador e de financiamento, que visam induzir políticas mais equitativas pelo
território, a partir de desenhos organizacionais que abarcam entes federados,
sociedade civil, com regras específicas para distribuição de recursos. É nessa seara
que se inclui o SNC.

Trata-se, portanto, de um novo paradigma de gestão pública da cultura no


Brasil, que tem como essência a coordenação e cooperação
intergovernamental com vistas à obtenção de economicidade, eficiência.
Para cumprir com estes objetivos, a política coloca como estratégia a instituição
de elementos constitutivos: O SNC é integrado pelos sistemas municipais,
estaduais e distrital de cultura, e pelos sistemas setoriais que foram e serão
criados. (BRASIL, 2011, p. 43, grifo nosso).

No desenho do modelo de gestão proposto em formato sistêmico, cada


ente federado que adira ao SNC deve manter formato de gestão semelhante, com as
mesmas instituições e competências e, sendo similares, teriam maior capacidade de
articulação. As funções e papéis a serem desempenhados por estas instituições têm
sido difundidos desde 2003 em discursos e publicações de governo direcionadas a
gestores estaduais, municipais e sociedade civil. O Documento Básico do SNC
(BRASIL, 2011) as enumera, esclarecendo seus objetivos e competências:

a) Órgão gestor: é o organismo da administração pública responsável pelas


políticas de cultura, tal como Ministério da Cultura, secretarias da cultura ou
órgãos equivalentes.

b) Conselhos de política cultural: são instâncias colegiadas permanentes,


de caráter consultivo e deliberativo, vinculados ao órgão gestor, tendo na
sua composição o mínimo de 50% de representantes da sociedade civil,
eleitos democraticamente. Seu principal objetivo é atuar na formulação de
estratégias e no controle da execução das políticas públicas de cultura.
Dentre as suas competências estão: propor e aprovar as diretrizes gerais
dos planos de cultura a partir das deliberações das conferências de cultura;
acompanhar a execução dos planos de cultura; apreciar e aprovar as
diretrizes dos fundos de cultura; manifestar-se sobre a aplicação de
54

recursos provenientes de transferências de outros entes da federação, em


especial dos repasses de fundos federais; fiscalizar a aplicação dos
recursos recebidos em decorrência das transferências federativas;
acompanhar o cumprimento das diretrizes e instrumentos de financiamento
da cultura.

c) Conferências de cultura: são espaços de participação social onde ocorre


a articulação entre Estado e sociedade civil para analisar a conjuntura da
área cultural e propor diretrizes para a formulação de políticas públicas de
cultura, que conformarão os planos de cultura. A representação da
sociedade civil será, no mínimo, paritária em relação ao poder público e
seus delegados serão eleitos. O órgão gestor da União deverá coordenar
as conferências nacionais de cultura, a serem realizadas, pelo menos a
cada quatro anos, definindo o período para realização das conferências
municipais e estaduais que a antecederão. Quando o Poder Executivo não
efetuar a convocação, esta poderá ser feita, pela ordem, pelo Poder
Legislativo ou pelo Poder Judiciário.

d) Planos de cultura: são documentos elaborados pelos conselhos de política


cultural, a partir das diretrizes definidas nas conferências de cultura, que
têm por finalidade o planejamento e implementação de políticas públicas de
longo prazo para a proteção e promoção da diversidade cultural brasileira.
Com horizonte de dez anos, os planos darão consistência ao SNC,
constituindo-se num instrumento fundamental no processo de
institucionalização das políticas públicas de cultura. Devem ser aprovados
pelo Poder Legislativo, nas respectivas esferas federadas, dando
estabilidade jurídica e assegurando sua continuidade enquanto política de
Estado.

e) Sistemas de financiamento à cultura: são constituídos pelo conjunto de


mecanismos de financiamento público da cultura, que devem ser
diversificados e articulados. No SNC, dentre esses mecanismos, os fundos
de fomento à cultura têm um papel central, pois têm por objetivo
proporcionar recursos e meios para financiar a execução de programas,
projetos ou ações culturais. Os recursos dos fundos de cultura deverão ser
implementados, de forma descentralizada, em regime de colaboração e
cofinanciamento, pelos estados, Distrito Federal e municípios, transferidos,
fundo a fundo, conforme critérios, valores e parâmetros estabelecidos pelas
instâncias apropriadas para a respectiva política.

f) Sistemas setoriais de cultura (quando pertinente): buscam atender a


complexidade da área cultural, que demanda diversos formatos de
organização de acordo com as especificidades de seus objetos/conteúdos.
Integram o SNC os sistemas setoriais existentes, como o de museus e
bibliotecas, e outros que venham a ser criados, conformando subsistemas
que deverão se “conectar” à arquitetura federativa.

g) Comissões intergestores tripartite e bipartite: as comissões


intergestores tripartite (organizada no âmbito nacional) e bipartite
(organizada no âmbito de cada estado) são instâncias de negociação e
55

pactuação para implementação do SNC e para acordos entre os entes


federados que digam respeito aos aspectos operacionais de sua gestão.
Deverão ter caráter permanente e funcionar como órgãos de
assessoramento técnico ao Conselho Nacional de Política Cultural e aos
conselhos estaduais de política cultural, respectivamente.

h) Sistemas de informação e indicadores culturais: é constituído por


bancos de dados referentes a bens, serviços, infraestrutura, investimentos,
produção, acesso, consumo, agentes, programas, instituições e gestão
cultural, entre outros. Possibilitará zoneamentos culturais para
conhecimento da diversidade cultural brasileira e transparência dos
investimentos públicos no setor cultural. Esse processo de construção de
estatísticas do setor cultural começou a ser impulsionado, em 2003, pelo
Ministério da Cultura, que celebrou parcerias com o Instituto Brasileiro de
Pesquisa e Estatística e com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), para desenvolver bases consistentes e contínuas de informações
relacionadas ao setor cultural e formular indicadores culturais que
contribuam para a gestão das políticas públicas da área. Cabe ao órgão
gestor, no processo de implementação do SNC, coordenar um processo de
estruturação de sistemas locais, com uma base de dados comum que se
comuniquem, a partir de um modelo nacional, construído conjuntamente
com os estados e municípios.

i) Programa nacional de formação da área da cultural: visa estimular e


fomentar a qualificação nas áreas consideradas vitais para implementação,
gestão e funcionamento do SNC, capacitando gestores públicos e do setor
privado e conselheiros de cultura.

Dentre esses elementos que integram o modelo de gestão proposto, alguns


são sublinhados pela sua importância no papel de articulação, pactuação e
deliberação. São as conferências, os conselhos, as comissões de fomento e incentivo
à cultura e as comissões intergestores. Nas políticas culturais, essas instâncias são
de extrema importância, uma vez que se tratam de políticas públicas cujo papel do
Estado é, primordialmente, fomentar o objeto (a cultura) e não produzi-lo, através do
provimento de condições apropriadas para que a sociedade o faça. A área da cultura
é peculiar aos demais setores devido ao seu caráter abrangente, múltiplo e por não
se tratar de demandas lineares. Por isso, alguns autores e gestores defendem
diferenças fundamentais em relação a outros sistemas de políticas públicas. Cunha
Filho ressalta:

a estrutura de um sistema para as políticas públicas de cultura não pode


seguir os cânones de sistemas consolidados e tidos como exemplares,
sobretudo o sistema de saúde. Este último, pela unidade do objeto de que
trata, bem como pelo justificado poder de império estatal sobre os
56

comportamentos individuais e coletivos relacionados à saúde, pode ter um


formato jurídico estático; algo muito diferente se passa com a cultura, que
nessa palavra embute muitos e diferentes objetos, bem como se submete à
regência do Estado essencialmente pelo signo da liberdade, fatores que
demandam a construção de um sistema que possa, sem prejuízo da
estabilidade e segurança necessárias, constantemente fazer sopesamentos
e, por isso, designado de dinâmico. (CUNHA FILHO, 2010, p.14).

Portanto, o SNC deve se diferenciar de modelos de outros campos porque


há diferenças de tratamento em torno das competências comuns. Os sistemas das
áreas de saúde, educação, meio ambiente e segurança referem-se a serviços que o
Estado presta à população e que exigem comportamentos obrigatórios por parte das
pessoas sob as leis brasileiras, o que confere à autoridade do Estado poder para lhes
obrigar a cumprir determinados regramentos. De modo diferente, na área da cultura,
os comportamentos são, em princípio, livres. Claro que há casos em que o Estado
realiza prestações de serviços positivas, como no fomento às artes e resguardo da
memória; mas de maneira geral, os comportamentos devem ser autônomos, não se
tratando da prestação de serviços do Estado (CUNHA FILHO, 2010; COSTA, 2012).
Por isso, para Costa (2012, p.168) o SNC não pode ser estático, ou seja,
simplesmente regulado por uma lei que distribui as atribuições entre os entes
federados de forma rígida: “A cultura reclama outro modelo em que seja possível a
convivência entre uma dimensão fixa exclusiva desses outros ramos e outra dinâmica
na qual sejam viáveis mudanças periódicas sobre as várias atribuições dos poderes
públicos”.
Nesse sentido, o mais adequado é um sistema misto, de repasses
obrigatórios e voluntários, instrumentalizado por um pacto consensual entre os entes,
em processos de negociação entre União, estados e municípios, com as ferramentas
existentes nos modelos de organização sistêmica de outras áreas, mas capaz de
contemplar a dinamicidade da cultura (COSTA, 2012).
As reflexões nesse sentido, feitas por Cunha Filho (2010), foram
apreciadas e incorporadas pelo Ministério da Cultura em suas publicações:,

a proposta apresentada é de um sistema misto, com seus elementos


constitutivos, as interrelações entre eles por meio de suas instâncias de
articulação, pactuação e deliberação e com seus instrumentos de gestão.
Desse modo, a estrutura constitui-se de um núcleo estático, formado por
elementos considerados pilares da constituição do sistema, e um dinâmico,
onde se estabelecem os processos de negociação e pactuação, que serão
realizados nas instâncias criadas com este fim, para a gestão do SNC e
implementação das políticas culturais e que serão expressos em normativos
57

infralegais, posto que possibilitam mais agilidade para os ajustes e/ou


repactuações necessários, em conformidade com as prioridades definidas.
Um aspecto importante do caráter dinâmico é permitir que no processo sejam
consideradas as especificidades da administração pública de cada ente da
federação e as características da diversidade da área cultural, possibilitando,
desta forma, maior flexibilidade na implementação do Sistema Nacional de
Cultura. (BRASIL, 2011).

Por isso, nesse modelo de gestão, as instâncias de participação devem ocupar


espaços de destaque, já que têm o papel de incluir, democraticamente, as demandas
sociais em seu dinamismo, elementos essenciais às políticas públicas de cultura. A
figura abaixo ilustra como se daria algumas das articulações entre essas instituições
de pactuação, onde: CNC é a Conferência Nacional de Cultura; CNPC é o Conselho
Nacional de Cultura; PNC é o Plano Nacional de Cultura; CIT é a Comissão
Intergestores Tripartite; CIB é a Comissão Intergestores Bipartire; CMPC são os
Conselhos Municipais de Cultura; e CEPC os Conselhos Estaduais de Cultura.

Figura 1 - Instâncias de articulação, pactuação e deliberação do SNC

Fonte: MINC (2011).

Na imagem a CNC é onde ocorre a articulação entre o Estado e a


sociedade civil, num processo que envolve etapas municipais, regionais e estaduais,
reunindo um conjunto de deliberações votadas em sua plenária final, que vão orientar
as gestões dos conselheiros no CNPC. Além desta competência, cabe também ao
58

CNPC manter constante contato com os conselhos estaduais e municipais,


segmentos culturais da sociedade civil, fóruns permanentes e colegiados setoriais.
Tendo por base todo esse conteúdo, os conselheiros devem aprovar as diretrizes que
pautarão o Plano Nacional de Cultura, orientar o financiamento da cultura7,
acompanhar e fiscalizar a aplicação de recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC).
Assim, essas instâncias de negociação e barganha são essenciais para que o SNC
funcione sem que se distancie de seus princípios. Tal dinâmica também deve ocorrer
na esfera estadual e municipal
As CIT e CIB são um dos principais espaços de articulação entre os
gestores dos entes federados, e devem estar em constante contato com os conselhos.
É uma instância primordial para definição de mecanismos e critérios transparentes de
partilha e transferência de recursos do FNC para os fundos estaduais e municipais,
com o acompanhamento do CNPC (BRASIL, 2011). Cabe à CIT manter permanente
contato com as CIB.
Embora as instituições propostas pela política estejam formalmente
estabelecidas em normativas como a lei 12.343/2010 (que estabelece o PNC) e no
artigo 216-A8 da CF88, ainda não há a mencionada lei federal que a regulamente e
também as competências das instituições que a compõem. Porém, o próprio artigo
constitucional já as estende aos sistemas locais:

§ 3º Lei federal disporá sobre a regulamentação do Sistema Nacional de


Cultura, bem como de sua articulação com os demais sistemas nacionais ou
políticas setoriais de governo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº
71, de 2012)
§ 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus
respectivos sistemas de cultura em leis próprias. (art. 2016-A, CF88).

Portanto, o SNC é uma política que espelha a lógica federativa, mas ainda
não dispõe de firmes mecanismos regulatórios e de indução, pois falta a peça de
regulamentação, o mecanismo de repasse de fundos e a criação da CIT – fundamental
para integração dos entes e por tecer parâmetros e regramentos operacionais

7 Na ilustração, a sigla PROCULTURA refere-se ao Programa Nacional de Fomento e Incentivo à


Cultura, Projeto de Lei nº6.722/2010 que está desde 2010 em trâmite no Legislativo, dentre outros
assuntos, o projeto prevê o repasse de fundos entre os entes federados.
8 O texto constitucional lista as seguintes instituições: I - órgãos gestores da cultura, II - conselhos de
política cultural; III - conferências de cultura, IV - comissões intergestores, V - planos de cultura; VI -
sistemas de financiamento à cultura, sistemas de informações e indicadores culturais, VIII - programas
de formação na área da cultura e IX - sistemas setoriais de cultura.
59

(BEZERRA, 2017; ROCHA, 2018). Entretanto, a despeito dessa incompletude, em


nível federal quase todas as instituições já foram criadas, ainda que tenham passado
por momentos de revés, e algumas ainda demandem adaptação aos moldes do SNC.
A expectativa era que, apesar da ausência de normativa formal, a existência e
consolidação das instituições em nível federal estimulasse a institucionalização, nos
mesmos moldes, em âmbitos estaduais e municipais :

O governo federal já possui todos os componentes do Sistema


(à exceção da Comissão Intergestores Tripartite, que tem estreita relação
com a instituição, nos estados, das Comissões Intergestores Bipartite), e a
tendência natural é que os estados e municípios acompanhem essa trajetória.
(MINC, 2012, P. 34).

Outras formas de estímulo podem ser facilmente apontadas como por


exemplo, as realizações das CNCs e suas etapas prévias, a promoção de seminários
em várias regiões do país para debater políticas culturais e o PNC, a distribuição de
publicações governamentais, e por fim, a promoção de cursos de qualificação para
conselheiros e gestores culturais e de projetos de consultorias concedidos a
municípios e estados. Os cursos, em formato semi-presencial e realizados desde 2009
em parceria com universidades, institutos federais e secretarias de cultura,
mostraram-se potentes mobilizadores (como será exemplificado no capitulo 6) tendo
alcançado todas as regiões e quase todos os estados. Traziam conteúdos conceituais
sobre cultura, políticas culturais, Sistema de Cultura, suas instituições integrantes e
atribuições. O público, formado preferencialmente por gestores e conselheiros, era
incentivado a conduzir a implementação em suas esferas de atuação municipais e
estaduais.
No processo de mobilização houve um grande empenho da equipe do
Ministério da Cultura, mais especificamente da Secretaria de Articulação Institucional,
que desde o início da proposta passou a fazer um trabalho intenso de publicização e
convencimento junto aos gestores estaduais e municipais a seu respeito. Com um
calendário de viagens a todas as regiões e vários entes federados, estes agentes
realizaram uma tarefa quase “missionária” propagando o SNC e estimulando a
assinatura do Protocolo de Intenções, primeiro documento que formalizava a intenção
da adesão e de implementá-lo em seu âmbito (BARBALHO, 2019).
Esse conjunto de mobilizações foi fundamental tanto para inserção da
política de cultura na agenda pública, como para a internalização de valores e de
60

atribuições pelos agentes locais – num processo que Barbalho (2019) chamou de
hegemonização da proposta do SNC. O autor, identificou recorrentes discursos, tanto
de gestores como de agentes da sociedade civil, em defesa da política, associando-
a com as ideias de participação/democracia, institucionalização e financiamento. A
produção desse consenso se faz importante, uma vez que o cenário que se desenha
na implantação dos sistemas é a disputa entre as novas instituições propostas pelo
SNC, com outras já arraigadas, que não parecem ser amplamente associadas a tais
valores identificados pelo autor. Esse embate ocorre, inclusive, entre membros do
próprio Estado (não somente entre membros da sociedade civil e Estado), quando
alguns preferem a lógica institucional vigente, e outros optam pelas mudanças.
Essa argumentação faz muito sentido ao observarmos as constatações de
Rocha (2018), em seu relato sobre as dificuldades da implantação do SNC dentro do
próprio Ministério da Cultura, no enfrentamento de resistências político-institucionais
que não compactuavam com a criação de estruturas que visam a descentralização ou
o partilhamento de poder com a sociedade civil. Para além do Ministério, outras
instituições do executivo, como a Casa Civil, ou o Legislativo, lidaram e ainda lidam
de forma bastante conturbada com a criação das novas instituições propostas.
Se essa disputa ocorre na esfera da União, mais estruturada, supõe-se que
nos municípios os processos sejam ainda mais complexos. Isso porque o modelo de
gestão é uma proposta exógena (embora muitos dos munícipes tenham internalizado
o discurso do SNC, em períodos posteriores), que desestrutura as instituições
arraigadas no campo da cultura nas localidades. Não raro, historicamente, as
instituições responsáveis pelas políticas de cultura são utilizadas como estratégia
personalista de elites políticas locais, direcionada a determinados atores dos quais se
espera uma contrapartida de favores. Ou ainda, grandes shows públicos que
funcionam praticamente como comícios. Os processos de criação e manutenção de
novas instituições da política cultural nesses contextos locais e se e como elas
passam a afetar as dinâmicas sociais é um dos pontos importantes desta pesquisa.
A complexidade do fenômeno está no fato de que o SNC, ao estabelecer
estruturas para institucionalização de políticas culturais municipais, tenta conduzir
comportamentos locais, alterando-os em direção, ao menos em tese, à garantia de
políticas culturais mais democráticas. Alguns agentes orientam seus comportamentos
nessa proposta, e tentam criar e manter estas instituições, mas em um ambiente
61

constrangido pelas outras já existentes. Nesse contexto de disputa, é preciso atentar-


se para as assimetrias de poder que privilegiam determinadas trajetórias de
funcionamento e desenvolvimento de algumas dessas instituições.
Nesse sentido, em acordo com Hall e Taylor (2003), o neoinstitucionalismo
tem o mérito de trazer à tona o modo como as relações de poder inscritas nas
instituições existentes conferem a certos atores ou interesses mais poder do que a
outros no tocante à criação de novas instituições (HALL; TAYLOR, 2003). Aqui
apontamos para o fato de que dentre o conjunto de novas instituições propostas pelo
SNC, algumas concentram mais poder, como o órgão gestor, e outras menos, como
o conselho. Já outras, como os fundos poderão ser criadas, mas não efetivadas, uma
vez que depende da correlação de forças com outras instituições (de outros setores)
da administração pública. A capacidade de se atingir metas políticas não depende,
portanto, somente da autoconsciência e recursos de mobilização dos grupos, mas
também das oportunidades relativas que as instituições políticas oferecem a certos
grupos e negam a outros (ROCHA, 2005).
A seguir exponho como a política é proposta, no âmbito municipal, a partir
das publicações de cartilhas que pautam as ações dos mobilizadores locais que
desejam a adesão ao SNC e a implementação de um sistema de cultura local.

3.2 As instituições dos Sistemas Municipais de Cultura

A ausência de lei de regulamentação para o SNC – que seria uma peça


importante para normatizar e padronizar as instituições em âmbito local – não foi
impeditivo para que os entes federados aderissem à política e iniciassem a
implementação de seus sistemas de cultura. O modelo estabelecido para os SMCs foi
passado aos gestores e agentes culturais em oficinas, palestras, conferências e
publicações orientadoras e constam no Acordo de Cooperação Federativa9 (ACF).
Todas essas “normativas”10 são importantes, por se colocarem como parâmetros de

9 O Acordo de Cooperação Federativa é o documento assinado pelo chefe do executivo do ente


federado, no qual é manifestado o desejo de aderir ao SNC e o compromisso de instaurar o sistema
de cultura em âmbito local, nos moldes estabelecidos pela política.
10 A palavra está entre aspas pois não há dispositivo legal da União que regulamente os SMCs de forma

geral. As definições das instituições, suas competências e orientações para sua instauração estão
estabelecidas em cartilhas e outros documentos oficiais, que por sua vez conduzem ao
estabelecimento de SMCs através de leis municipais, estas sim, normativas formais.
62

análise para a pesquisa empírica dos SMCs, do estabelecimento de suas instituições,


cada qual com suas atribuições.
As contribuições de Levi (1991) à delimitação conceitual de “instituição” são
preciosas para este trabalho. Nesta pesquisa são entendidas como instituições as
estruturas estabelecidas em marcos legais, que constituem os arranjos formais de
agregação dos indivíduos e regulação comportamental, com regras explícitas de
organização interna, funcionamento e de processo decisório. Essas são capazes de
produzir normativas que exercem (em maior ou menor grau) impactos sobre o
comportamento humano. Sob esta ótica, os SMCs e os elementos que os integram
serão as instituições analisadas nesta tese.
Dentre os esforços para difusão do SNC aos gestores municipais, estava a
ampla distribuição em formato impresso e digital11 do Guia de Orientação para
Municípios: Perguntas e Respostas (BRASIL, 2012b). Tal como o documento básico
do SNC (BRASIL, 2011), a cartilha tem por objetivo elucidar a política, mas com foco
principal na implantação do modelo de gestão nas administrações públicas
municipais. Na ausência de lei regulamentadora que detalhasse formalmente aos
entes federados a disposição de um sistema de cultura, a cartilha foi recebida como
orientação oficial sobre os processos de requerimento da adesão ao SNC e da
estruturação de um SMC.
A publicação, além de explicitar os objetivos da política, assume também a
função de oferecer para o leitor reflexões sobre o papel do Estado nas políticas
culturais. O texto discorre sobre o conceito de direitos culturais e recorre à CF88 para
arguir sobre uma concepção ampliada de cultura e defender a responsabilidade do
Estado como garantidor desse direito, bem como para elucidar o formato colaborativo
entre entes federados e sociedade civil na concepção de políticas de cultura. A partir
dessas reflexões, a cartilha enumera os princípios da política: diversidade cultural;
universalização do acesso; fomento à produção, difusão e circulação de bens
culturais; cooperação entre os entes federados, agentes públicos, privados e
sociedade civil; integração de políticas; complementaridade dos papéis dos agentes
culturais; transversalidade das políticas culturais, autonomia dos entes federados e
instituições da sociedade civil; transparência das informações, democratização dos

11Esta, dentre outras publicações e tutoriais, constam na plataforma de adesão ao SNC:


http://portalsnc.cultura.gov.br/manuais/.
63

processos decisórios; descentralização articulada da gestão e dos recursos; a


ampliação progressiva dos recursos (BRASIL, 2012b).
A respeito da adesão ao SNC, o município recebe orientação passo a
passo de como fazer, culminando na assinatura do ACF, no qual ele assume o
compromisso de instalar as instituições que compõem um SMC. Os compromissos
são detalhados num plano de trabalho elaborado entre as partes até 30 dias após a
publicação do ACF no Diário Oficial da União. Esse plano estabelece o planejamento
da implementação das estruturas do sistema de cultura num período previsto de até
dois anos.
Na mesma linha que o documento básico do SNC (BRASIL, 2011), a
cartilha explicita as instituições que constituem um sistema de Cultura, categorizando-
os em quatro classes: I) Coordenação, composta pelo órgão gestor de cultura; II)
Instâncias de articulação, pactuação e deliberação: constituídas por: conselho de
política cultural, conferência de cultura e comissão intergestores; III) Instrumentos de
gestão, compostos por: plano de cultura, sistema de financiamento à cultura, sistema
de informações e indicadores culturais e o programa de formação na área da cultura;
IV) Sistemas setoriais de cultura, formadas por: sistema de patrimônio cultural,
sistemas de museus, sistemas de bibliotecas e outros sistemas que vierem a ser
instituídos.
Pelas orientações da cartilha, das instituições mencionadas, cinco são
elementos básicos – subentende-se obrigatórios – de um SMC: órgão gestor
(secretaria de cultura ou equivalente) conselho municipal de política cultural,
conferência municipal de cultura, plano municipal de cultura e sistema municipal de
financiamento à cultura (com fundo de cultura); devendo constar em lei própria, com
as devidas articulações entre essas estruturas. Os demais, como sistema de formação
e sistema de indicadores são obrigatórios apenas ao ente estadual, uma vez
compreendendo que muitos municípios teriam dificuldade técnica para implementá-
los.

O órgão de coordenação, isto é, o órgão gestor de cultura da administração


pública, deve ser uma órgão exclusivo para a cultura. Na argumentação, a
publicação menciona que a cultura pode assumir vários locais na
administração pública, como por exemplo uma secretaria exclusiva, uma
secretaria em conjunto com outras áreas, um setor subordinado a uma
secretaria de outra área, uma área vinculada ao gabinete do prefeito, etc.
Tendo em vista que a cultura tem pouca autonomia, centralidade e recursos
quando subjugada a formatos não exclusivos, a proposta é que em um SMC
64

seja uma secretaria ou uma fundação do ponto de vista do Sistema Nacional


de Cultura, o que se pretende é que os municípios tenham um órgão
específico para a cultura, que é um sinal evidente de que a administração
valoriza e dá importância ao setor. Nesse caso, o órgão específico é a
Secretaria de Cultura e o equivalente é a Fundação Pública de Cultura (MINC,
2012, p. 37).

As funções atribuídas ao órgão gestor referem-se a quatro tipos:


organização de atividades do calendário cultural da cidade; realização ou apoio a
eventos e projetos da sociedade; desenvolvimento de ações culturais em conjunto
com outras políticas públicas; e prestação de serviços culturais permanentes. É dito
que, de modo geral, as prefeituras priorizam eventos; e em contraposição a esta
lógica, o SMC intenta fortalecer as políticas permanentes, estas sim com potencial de
fortalecer a identidade e a diversidade cultural. Para garantia, tais políticas devem ser
dispostas, portanto, em um plano de cultura aprovado em lei e com recursos
assegurados pela Lei Orçamentária Anual (LOA).
Os conselhos de política cultural devem ser consultivos e deliberativos.
Eles têm a função de propor, formular, monitorar e fiscalizar as políticas culturais, a
partir das diretrizes emanadas das conferências de cultura, orientando-se pelo plano
municipal de cultura, assim como participando da elaboração deste. A cartilha chama
atenção à necessidade de reformular conselhos já existentes mas em outros formatos,
como aqueles de indicados “notáveis” ou de especialistas, que eram apenas
consultivos, comuns antes da CF88. A recomendação é que os conselhos sejam
representativos, com composição paritária e membros da sociedade civil eleitos, a fim
de consagrar um conceito amplo de cultura, que inclua todos os “modos de criar, fazer
e viver” dos “grupos formadores da sociedade brasileira”, como disposto no artigo 216
da CF88.
Assim, os conselhos devem ter assentos para diversos segmentos:
artísticos, economia da cultura (trabalhadores, empresários e produtores culturais) e
movimentos sociais de identidade (culturas indígenas, afro-brasileiras, de imigrantes,
entre outras), identidades sexuais (de gênero, transgênero e de orientação sexual) e
faixas etárias (movimentos de juventude, por exemplo). Também devem ter cadeiras
que representem a diversidade territorial do município e de instituições não
governamentais ligadas aos temas da cultura.
Já as representações do poder público devem incluir não apenas os órgãos
de cultura, mas também representantes de outras áreas de políticas públicas que têm
65

interface com a política cultural, representantes do Poder Legislativo e de instituições


públicas de ensino e pesquisa.
Para garantir ainda mais representatividade, é recomendado que o
mandato dos conselheiros seja de no máximo dois anos, podendo ser renovado l uma
vez, por igual período. E ainda que se mantenha junto ao conselho, fóruns
(organizações formais ou informais que reúnem setores específicos da cultura),
associações e sindicatos, contribuindo para que o processo de escolha dos
candidatos seja mais participativo e qualificado, assim como sua gestão. A eleição dos
representantes da sociedade civil pode ser feita em conferência de cultura, mas para
tanto é fundamental que ela seja amplamente representativa da área cultural e de
seus segmentos. O conselheiro deve manter vínculo permanente com o fórum do
segmento que ele representa, e atuar pensando no interesse coletivo do município,
não apenas no setor que o elegeu.
O funcionamento do órgão deve ser definido por um regimento interno,
publicado por meio de decreto. Em geral, os conselhos realizam suas deliberações
em reuniões plenárias (instância máxima), câmaras ou comissões técnicas ou
temáticas (permanentes) e grupos de trabalho (temporários). É recomendável um
revezamento entre os membros do governo e da sociedade na ocupação dos cargos
de presidente e secretário geral, equilibrando assim, o peso político entre governo e
sociedade. O órgão de cultura deve prover as condições necessárias ao
funcionamento do conselho.
A conferência de cultura é tratada como o momento de reunião entre poder
público e sociedade civil, para o estabelecimento de diretrizes e de avaliação dos
compromissos pactuados. É um evento que exige muita preparação e envolve custos
e por isso deve ter um tempo entre uma e outra, para que o órgão gestor da cultura
possa atuar e ser avaliado. Deve também haver compatibilidade com o calendário da
conferência nacional – a cada quatro anos –, então é recomendável que os municípios
realizem suas conferências a cada dois anos. Ou que se convoque conferências
extraordinárias caso haja forte justificativa. O evento deve ser convocado pelo órgão
gestor e a ele cabe também a elaboração de um relatório de tudo o que ocorreu,
enfatizando as propostas priorizadas na plenária final. Estas constarão no plano
municipal de cultura transformando-se em programas, projetos e ações.
66

O plano municipal de cultura, elaborado com base na conferência, e em


conjunto por conselheiros e gestores deve conter: diagnóstico do desenvolvimento da
cultura; diretrizes e prioridades; objetivos gerais e específicos; estratégias, metas e
ações; prazos de execução; resultados e impactos esperados; recursos materiais,
humanos e financeiros disponíveis e necessários; mecanismos e fontes de
financiamento; e indicadores de monitoramento e avaliação. É orientado que a
composição do diagnóstico recorra a dados e estatísticas factuais, análise da
legislação de cultura existente no estado e no município, e considere os documentos
de consulta pública (como os resultados de conferências; de fóruns, etc);
sistematizando um panorama da situação cultural no município, com as demandas
para o setor. Com base nessa formulação se inicia a segunda fase, na qual são
definidas diretrizes e prioridades, os objetivos gerais e específicos, as estratégias,
metas e ações. Em seguida deve-se analisar a viabilidade e o cronograma de cada
ação, pensar os resultados e impactos esperados e os recursos materiais, humanos
e financeiros necessários e disponíveis para alcançá-los. Por fim, são definidos os
indicadores de monitoramento e avaliação do plano. O documento final deve ser
aprovado no conselho municipal de política cultural e encaminhado pelo prefeito à
câmara de vereadores para sua aprovação como lei municipal.
O sistema de financiamento da cultura pode ser composto por quatro
mecanismos: orçamento público, fundo, incentivo fiscal e investimento. Os recursos
orçamentários do setor devem ser aplicados prioritariamente no custeio da
administração pública, como pagamento de funcionários, material permanente e de
consumo; na criação e manutenção da infraestrutura de equipamentos culturais; e na
realização das atividades do calendário cultural do município. Porém, o fundo
municipal de cultura deve ser aplicado prioritariamente no incentivo aos projetos
culturais da sociedade, através de mecanismos como editais públicos. O fundo deve
ser gerido pelo conselho com base no plano, devendo estabelecer as diretrizes gerais
para o fomento à cultura e fiscalizar a aplicação dos recursos. Entretanto, a gestão –
ordenação de despesas, desembolsos e prestação de contas – deve estar a cargo do
Poder Executivo local, representado pelo titular da secretaria municipal de cultura ou
órgão equivalente.
Na cartilha, os elementos opcionais do SMC – o sistema de informações e
indicadores culturais, o programa de formação e sistemas setoriais – são
67

mencionadas brevemente, assim como as comissões intergestores, que são de


competência estadual e federal. A publicação também dispõe de um modelo básico
de projeto de lei de sistema municipal de cultura, sugerindo que o município o utilize.
Embora haja uma margem de adaptação12, a cartilha, junto ao modelo de lei, não
deixam dúvidas sobre a definição das instituições e suas competências, o que permite
à aplicação do neoinstitucionalismo como instrumento de análise, observando se o
SNC induz instituições nos âmbitos municipais, e se quando implementadas, elas, de
fato, se aproximam daquilo que foi idealizado e propagado pela política.
Na perspectiva de Levi (1991), o neoinstitucionalismo também pode auxiliar
no entendimento do processo de mudança institucional decorrente do SNC. Cabe
ressaltar que as instituições do modelo de gestão proposto fazem frente a outras
lógicas institucionais pregressas no contexto político local, e sua implementação é um
processo de negociação que se aproxima da polity-centered analises. Ou seja, o
Estado não é completamente autônomo, como se, independente das vontades da
sociedade civil, pudesse determinar por manter a lógica institucional pregressa, ou
mesmo aderir à nova. Trata-se de um processo de barganha entre agentes, para
estabelecer novas instituições, já que as vigentes começam a ser entendidas por
alguns membros como injustas e incapazes de provocar o comportamento de
obediência a todos. É o que foi nominado como norma fairness no capítulo anterior.
Indivíduos que buscam a mudança pautam-se nos argumentos construído
pelo consenso discursivo induzido pela Secretaria de Articulação Institucional do
Ministério da Cultura, de que as novas instituições promovem políticas culturais mais
justas . E assim se começa um processo de barganha pela mudança, vale ressaltar,
é em grande medida influenciado pelo histórico local. E sob estas perspectivas, o
neoinstitucionalismo histórico compõe o instrumental analítico para analisar os
estudos de caso, descritos no quinto capítulo desta tese.

12O modelo de lei deve ser adaptado pelo ente federado, tendo em vista suas demandas institucionais.
Por exemplo, alguns municípios já dispõem de conselhos ou fundos em lei. Neste caso, a lei de
criação do sistema pode apenas fazer referência a elas, e mencionar as articulações institucionais
que agora farão parte dessas instâncias. Pode também aproveitar para revogar e reformular algum
dispositivo que contrarie a proposta do SNC. Em outros casos, os municípios já dispõem de um
conjunto de legislação sobre algum segmento da cultural, como patrimônio cultural, e isso pode ser
incluído em seu sistema de cultura se assim o desejarem. Os municípios também podem diversificar
as fontes de recursos do sistema de financiamento, desde que disponham sobre o fundo e sua
articulação com o conselho e plano.
68

Este é um bom momento para mencionar que tenho consciência das


limitações do instrumental teórico adotado , uma vez que ele, paradoxalmente, retoma
a centralidade das instituições, mas também precisa comportar o poder explicativo
das atuações individuais e de grupos, sobretudo nos processos de mudança
institucional. Mas, tal como descreveu Nascimento (2009), o neoinstitucionalismo
entende que os resultados sociais são um produto das estruturas e das condutas de
indivíduos/grupos, que as influenciam , ao mesmo tempo em que são influenciados
por elas. Portanto, a análise deve combinar estrutura e agência (NASCIMENTO,
2009).
Assim, a partir das referências adotadas, pretendo observar a criação das
instituições ligadas ao SNC nos municípios, primeiramente de forma massiva,
quantitativamente (capítulo 5), e em seguida, através de estudos de caso (capítulo 6).
Nestes, através de entrevistas com os agentes envolvidos, serão enfocados os
processos de mudança e funcionamento das instituições, observando se os valores e
orientações da cartilha foram internalizados por eles e pelo contexto a ponto de
orientar novos comportamentos.
69

4 O SISTEMA NACIONAL DE CULTURA NO CONTEXTO DO BRASIL E NO


ESTADO DO RIO DE JANEIRO

O SNC, como já destacado, se trata de uma política de cunho federativo,


com uma proposta de cooperação e articulação que envolve os três entes federados
– União, estados e municípios. Por isso se faz importante tecer um apanhado histórico
do SNC, incluindo os impasses no âmbito do governo federal, uma vez que
encontram-se as causas para os processos de indução à adesão, assim como os
entraves que desestimulam os municípios a efetivarem suas instituições em âmbito
municipal.
Além do contexto da União, também se faz importante observar o contexto
estadual, na medida em que a implantação de um sistema estadual de cultura tende
a estimular os municípios a adotarem o mesmo modelo. Também será interessante
observar a organização prévia dos municípios inseridos naquele território, pois, como
visto, as trajetórias pregressas são determinantes nos contextos de mudança
institucional.

4.1 Histórico do SNC

4.1.1 Precedentes: a origem da proposta do SNC

A ideia do SNC já constava nos documentos de candidatura da coligação


Lula Presidente em 2002, embora com uma nomenclatura diferente – Sistema
Nacional de Política Cultural. A publicação que expunha o programa de governo para
a cultura, menciona algumas ações, sendo duas deles especialmente importantes
para o SNC: Cultura como política de Estado e Gestão Democrática. A primeira
preocupa-se em “Estabelecer critérios de Planejamento Estratégico de curto, médio
e longo prazos para as Políticas Públicas de Cultura, em sintonia com os objetivos do
novo Projeto Nacional, Democrático e Popular, buscando envolver estados e
municípios” (PT, 2002, p. 18). Já a segunda , referia-se à descentralização político-
administrativa; a regionalização das políticas públicas de cultura; o estabelecimento
de mecanismos de participação popular; conselhos, através da implantação do SNPC.
Tal sistema pretendia a efetivação de políticas públicas de cultura de forma integrada
e democrática em todo o país, vista como
70

condição necessária para efetiva descentralização da política nacional de


cultura, pois os diversos projetos e/ou equipamentos públicos culturais, das
três esferas de governo, assim como as instituições privadas e do terceiro
setor, somente acessariam os recursos do FNC no caso de estarem
legalmente integradas ao Sistema. Com essa proposta, o controle social do
funcionamento e aplicação dos recursos advindos do FNC – via SNPC –
deverá ser feito, de forma democrática e participativa, pelos conselhos de
Cultura respectivos. Em caso da não existência desses, sua criação será
obrigatória para inclusão do município ou estado no Sistema (PT, 2002, p.
20).

Essas prerrogativas vieram constituir a base do SNC a partir de 2003, após


a vitória eleitoral. Mas antes de avançar neste ponto, é possível resgatar movimentos
anteriores, responsáveis pela formação de agenda, que culminaram no programa de
governo. Márcio Meira (2016), um dos atores que atuou nos primórdios do SNC,
remonta fatores e contexto que compuseram o documento. Segundo o autor, foi a
partir de 1999 que artistas, ativistas culturais, militantes de esquerda começaram a
debater experiências de gestões de cultura municipais, tendo por base conceitual os
debates da Conferência Mundial de Políticas Culturais (Mondiacult) realizada no
México em 1982, promovida pela Unesco.
Outro fator importante foi a proclamada Década Mundial do
Desenvolvimento Cultural, pelo mesmo órgão. A conferência preconizava a adoção
de políticas culturais que enfatizassem um conceito amplo, antropológico, de cultura,
incluindo não apenas as artes e as letras, mas também os modos de vida, os direitos
humanos, os costumes e as crenças; a interdependência das políticas atuais nos
campos da cultura, da educação, das ciências e da comunicação e a necessidade de
levar em consideração a dimensão cultural do desenvolvimento. Esses princípios
influenciaram as gestões culturais daqueles gestores; e permearam as ideias do que
viria ser a proposta de governo para a candidatura Lula em 2002. De acordo com
Meira:

A combinação das formulações programáticas que visavam disputas


democráticas nos três níveis da federação, com as experiências de gestão
cultural nas cidades e em alguns estados, concorreu fortemente em direção
à maturidade de elaboração conceitual e política pelas forças de esquerda de
propostas de abrangência nacional, a partir dos anos 2000. Creio que a
gênese de um “modo petista de gestão cultural” está enraizada no trabalho
desenvolvido nas prefeituras governadas pelo partido e seus aliados antes
de chegar à presidência da República em 2003, também inspirada nos
preceitos da Unesco. (MEIRA, 2016, p. 19).
71

As influências da Unesco, das experiências anteriores de gestão municipais


e da própria CF88 resultaram num processo de maturação conceitual, que abraçou
as noções de direitos culturais, cidadania cultural, diversidade e cultura e
desenvolvimento. Os encontros promovidos a partir de 1999 culminaram na proposta
de governo intitulada A Imaginação a Serviço do Brasil (PT, 2002).
Esse mesmo documento incorpora como proposta o Projeto de Emenda
Constitucional PEC 306/2000, que já havia sido apresentado ao Congresso Nacional
pelo deputado federal Gilmar Machado (PT) e Marisa Serrano (PSDB/MS), que tratava
do Plano Nacional de Cultura. Essa proposta de política cultural não nascia ligada
à lógica sistêmica, mas com o programa de governo passou a ser, constituindo-se
num dos seus elementos integrantes (REIS, 2008).
Com a eleição de Lula o plano de governo começou a ser colocado em
prática, embora a nomeação do ministro – Gilberto Gil – não tenha sido vinculada ao
Partido dos Trabalhadores ou a um dos responsáveis pelo programa de campanha.
De acordo com alguns relatos (REIS, 2008; ROCHA, 2018; BEZERRA, 2017) a
indicação de Gil, juntamente com a equipe de nomes ligada a ele, desencadeou uma
série de disputas internas no Ministério da Cultura, que inclusive dificultaram a
implementação da política. De todo modo, para além dos conflitos internos ao órgão
e analisando o cenário de modo mais amplo, viu-se que a escolha de Gil, foi bastante
simbólica e que “o novo ministro não somente acolheu aquela plataforma como a
ampliou, acrescentando-lhe a sua própria marca ‘tropicalista’ e conferindo-lhe uma
visibilidade jamais imaginada” (MEIRA, 2016, p. 28).
Logo em 2003 foi criada, na estrutura do Ministério, a Secretaria de
Articulação Institucional (SAI), que ficou responsável pelo SNC. Foram também
realizados diversos encontros com a sociedade civil como o Seminário Cultura para
Todos, a fim de aprofundar os debates sobre as políticas que se pretendiam, inclusive
o SNC. Em março de 2004, através da Portaria 53, criou-se o Grupo de Trabalho que
visava discutir e apresentar subsídios para consolidação do SNC. Os resultados
destacaram três definições da política: 1ª- a conceitual, como um sistema de
articulação, gestão, informação e promoção de políticas públicas de cultura, pactuado
entre os entes federados e a sociedade civil, com participação e controle social; 2ª- a
referente ao objetivo geral, com base nos princípios constitucionais: implementar uma
política pública de cultura democrática e permanente, pactuada entre os entes da
72

federação e sociedade civil, de modo a estabelecer e efetivar o PNC, promovendo o


desenvolvimento com pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de
cultura nacional; e 3ª- referente aos componentes do SNC, que seriam: o Ministério e
suas entidades vinculadas, os sistemas setoriais de cultura (como museus e
bibliotecas), os sistemas de cultura estaduais, municipais e do Distrito Federal e os
representantes da sociedade civil vinculados à cultura, incluído o setor empresarial
privado. Após aprovadas internamente, as definições foram também debatidas com
dirigentes de cultura dos estados e municípios e com a Subchefia de Assuntos
Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
(MEIRA, 2016, P. 29).

4.1.2 Primeiro momento: estruturação e primeiras ações

Finalizadas as etapas de formulação do SNC, a SAI iniciou uma agenda de


visitas em estados e municípios, objetivando mobilizar secretarias de cultura,
assembleias ou câmaras de vereadores, associações de municípios e a Confederação
Nacional de Municípios (CNM), com a participação da sociedade civil. Esses
encontros foram fundamentais para começar a disseminar a proposta e estruturar os
movimentos que desencadeariam a criação das instituições em âmbito municipal.
Ainda em 2004, o Protocolo de Intenções – instrumento a firmar a adesão do ente
federado ao SNC – foi pensado e debatido em audiência pública na Câmara dos
Deputados em setembro. Os termos do Protocolo foram definidos ao final de 2004,
com vistas a adesão voluntária dos entes federados a partir de 2005 (MEIRA, 2016,
p. 29). Destaca-se que desde aquele momento já havia no texto praticamente todos
os componentes do SNC (BEZERRA, 2017). Finalmente, depois de um ano de
discussões, a SAI apresentou, em janeiro de 2005, a versão final do documento que
passou a ser assinado com estados e municípios a partir de março. Assim,
formalmente, somente no início do terceiro ano da gestão Gilberto Gil é que o SNC foi
lançado nacionalmente por meio do seu instrumento de adesão (ROCHA, 2018, p.
122).
Outro marco temporal que diz respeito à institucionalização do SNC foi o
Decreto 5.520/200513, que visava reestruturar o Ministério da Cultura e regulamentou

13 Posteriormente substituído pelo Decreto nº 9.891/2019, no que tange ao CNPC.


73

o CNPC14, como órgão colegiado pertencente à estrutura básica do órgão gestor, de


caráter consultivo e deliberativo e com nova composição mais ampla e paritária. O
decreto também colocou a CNC como elemento integrante do Conselho,
estabelecendo que este evento deve ser precedido por conferências estaduais,
distritais, municipais e intermunicipais, além de conferências setoriais; das quais
seriam eleitos representantes para participar na etapa nacional. São marcos, pois,
como explicita Calabre (apud ROCHA, 2018), a reformulação do CNPC inverte a
tradição predominante de indicação de personalidades por parte do Poder Executivo,
transferindo a decisão sobre a representação da sociedade civil no conselho à própria
sociedade.
Em junho de 2005, o deputado Paulo Pimenta (PT/RS) apresentou ao
congresso a PEC 416/2005, que pretendia acrescentar o artigo 2016-A na CF88,
inserindo o SNC na Carta Magna. Inicialmente a proposta não incluía os componentes
do Sistema (o que foi feito com um projeto substitutivo, no ano de 2010). A PEC teve
um trânsito lento na Câmara dos Deputados, e a comissão especial para sua análise
só foi criada em abril de 2009 e instalada em 2010. Ainda em 2005, no mês de
dezembro, foi realizada a I CNC, tendo como etapas prévias grande mobilização junto
aos entes federados para realização de conferências em suas competências
federativas. Foram realizadas 375 conferências municipais e 63 intermunicipais,
totalizando 438 conferências que envolveram 1158 municípios, 19 estados e o Distrito
Federal (MINC, 2007), representantes do Ministério compareciam às conferências,
explicando e disseminando a proposta do SNC. No sentido de estimular a adesão, o
Ministério da Cultura condicionou a participação da CNC à assinatura do Protocolo de
Intenções, e somente assim as conferências locais, regionais e estaduais seriam
reconhecidas na etapa nacional. Isso promoveu o instrumento e potencializou o SNC,
garantindo um importante número assinaturas por parte de estados e municípios
(MEIRELES; PEIXE apud ROCHA, 2018), viabilizando entre março de 2005 e janeiro
de 2006, 20 adesões estaduais ao SNC e 1.920 municipais (ROCHA, 2018).
Com a reeleição de Lula em 2006, o ministro Gilberto Gil decidiu
permanecer no cargo, desde que tivesse maior liberdade para nomear sua equipe
(ROCHA, 2018). Isso acarretou, entre 2006 e 2007, a exoneração de alguns nomes
ligados ao PT que lidavam diretamente com o SNC (REIS, 2008), provocando a

14 Só instituído em 2007.
74

desaceleração da política. O SNC nunca foi um consenso interno no MinC, e as


tensões ficaram mais claras neste período. Silvana Meireles, João Roberto Peixe e
Bernardo Mata-Machado, que dirigiram a SAI, citam em entrevista (apud ROCHA
2018) que o Sistema sempre foi visto como uma política apenas da SAI, tendo sido
pouco incorporada pelo Ministério, como uma política estruturante tal como se
propunha. Em 2007, por exemplo, o secretário à frente da SAI e do SNC, Márcio Meira,
foi destituído do cargo, refletindo a disputa interna entre o grupo mais afinado com o
programa e aqueles que não se sentiam compromissados com tal formulação
(BARBALHO, 2019).
Após a saída de Márcio Meira, Marco Acco, que estava à frente da
Secretaria de Fomento e Incentivo Cultura (SEFIC), acumulou o cargo de Secretário
da SAI. Nesse período a SAI perdeu espaço dentro do Ministério e há uma interrupção
no processo de implantação do Sistema junto aos estados e municípios (BARBALHO,
2019).
Ainda assim, é importante ressaltar que o processo conflituoso da troca da
equipe iniciado em 2006, desacelerou a política não significou seu total rompimento e
descontinuidade. Isso porque algumas ações relativas ao SNC continuaram, como a
realização do ciclo de oficinas do SNC em agosto e setembro de 2006, destinado a
agentes culturais de municípios que haviam assinado o Protocolo de Intenções. Foram
realizadas 30 oficinas em diversos estados do país, alcançando 1738 participantes
em 514 municípios. Além disso, entre 2007 e 2008, foi elaborado o Plano Nacional de
Cultura, de forma participativa diretamente com a sociedade civil e com o CNPC, que
foi finalmente implantado em 2007 (BEZERRA, 2017, p. 53). Em julho de 2008,
Gilberto Gil pediu exoneração do cargo por razões pessoais, sendo substituído em
agosto por seu secretário-executivo, Juca Ferreira.

4.1.3 Segundo momento: aprimoramento conceitual e ações mais consistentes

Em agosto de 2008, Silvana Meireles, que é servidora da Fundação


Joaquim Nabuco e integrava a equipe da SAI durante a gestão de Márcio Meira, foi
designada para o cargo de secretária da SAI. Ela também havia ocupado o cargo de
chefe de gabinete, quando o ministro Juca Ferreira ainda era o secretário-executivo.
De acordo com Peixe (apud BARBALHO, 2019), nesse momento a SAI ficou em um
patamar de estrutura e condições bem abaixo do ocorrido no primeiro governo Lula.
75

Mas é válido pontuar que foi um período de aprimoramento conceitual


importante para a política, em grande parte pelas ação do Grupo de Trabalho (GT)
instituído com a publicação da Portaria nº 22 de maio de 2008. Dele participaram
servidores, representantes das secretarias do ministério, recebeu contribuição de
consultores externos, conselheiros e representantes de fóruns de secretários de
cultura. Os trabalhos resultaram em uma proposta para o SNC aprovada pelo CNPC,
em agosto de 2009, que gerou a publicação intitulada Estruturação, Institucionalização
e Implementação do SNC, distribuída em todo o Brasil, inclusive com a realização de
seminários para divulgação da política (BEZERRA, 2017). As resoluções do GT e a
publicação mencionada foram fundamentais para elaboração do substitutivo da PEC
416/2005 com os elementos constituintes do Sistema claramente estabelecidos, já
que o texto anterior era pouco claro a respeito da proposta.
Entre 2008 e 2009, uma série de pontos sobre a implementação do SNC
foram revistos, como por exemplo, a troca do instrumento Protocolo de Intenções pelo
ACF, elaborado com o auxílio da Consultoria Jurídica do Ministério da Cultura e
discutida no Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e
Fórum Nacional de Dirigentes de Cultura das Capitais e Regiões Metropolitanas.
Segundo Peixe (apud BEZERRA, 2017) o ACF seria um instrumento mais adequado
para o SNC e para a relação com estados e municípios, pois permitiria que ele saísse
de algo mais intencional para mais objetivo, com previsão de responsabilidades e
compromissos para ambas as partes. Apesar de ser um documento mais apropriado
e mais amplo, tal como o protocolo, o Acordo não prevê transferência de montante
financeiro para efetivação das ações, sendo assim é um instrumento não oneroso de
manifestação da vontade dos envolvidos, ao mesmo tempo é ato vinculante, por gerar
direitos e obrigações entre as partes (BEZERRA, 2017).
Vale mencionar que em 2009 ocorreu o projeto piloto, fruto da parceria
entre o Ministério e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) , para realizar um curso
de qualificação de gestores culturais. A partir dessa iniciativa, mais de 35 cursos em
formato semipresencial foram criados, em parceria com instituições de ensino superior
e secretarias de cultura, ofertando mais de 7300 vagas15, em todas as regiões, para
conselheiros, gestores e agentes culturais, estaduais e municipais. Os cursos 16

15
Informações disponíveis em: http://portalsnc.cultura.gov.br/capacitacao. Acesso em: 15 maio 2019.
16Os cursos ocorreram frequentemente, até o ano de 2018, segundo relatório de monitoramento do
PNC, meta 36 (http://pnc.cultura.gov.br/).
76

traziam conteúdos conceituais sobre cultura e políticas culturais, mas também sobre
sistemas de cultura, suas instituições integrantes e atribuições. O público, formado
preferencialmente por gestores, era estimulado a conduzir a implementação em suas
esferas de atuação municipais e estaduais.
Com vistas à realização da II CNC em março de 2010, foram realizadas
previamente as etapas de conferências municipais e estaduais. Segundo o Relatório
da II CNC, o evento:

resultou de um intenso trabalho de todo o Ministério da Cultura, dos órgãos


gestores da cultura dos Estados e Municípios, e, principalmente dos artistas,
produtores, gestores, militantes culturais e cidadãos brasileiros que
participaram das suas diversas etapas. Muito contribuiu para o seu êxito os
Seminários do Sistema Nacional de Cultura, realizados de julho a dezembro
de 2009, quando Estados e Municípios foram estimulados pelo Ministério da
Cultura a convocar e realizar as respectivas conferências. Foram 26
seminários realizados em 24 dos 26 Estados brasileiros, os quais contaram
com a participação de 4.577 gestores e conselheiros de cultura de 2.323
Municípios. (MINC, 2010).

Em outubro daquele ano, a candidata do PT Dilma Rousseff venceu as


eleições presidenciais, trocando o nome do chefe da pasta por Ana de Hollanda, que
permaneceu por um ano e nove meses na gestão. Na avaliação de Calabre (apud
BARBALHO, 2019), um certo desconhecimento da ministra permitiu que o SNC
ganhasse mais autonomia e avançasse, sob a liderança do agora gestor da SAI,
Roberto Peixe, um entusiasta da política, que antes estava à frente da Coordenação
Geral de Relações Federativas e Sociedade, na própria SAI.
Entre 2011 e 2012 houve a distribuição, em âmbito nacional, de
publicações orientadoras sobre a implementação do SNC, a exemplo da publicação
reeditada do documento-base do sistema Estruturação, Institucionalização e
Implementação do SNC, e cartilhas direcionadas à implantação de SMCs e sistemas
estaduais de cultura. Ainda em 2011 foram realizados debates sobre as metas do
PNC, sendo a primeira delas a previsão de que até 2020 teríamos e o “Sistema
Nacional de Cultura institucionalizado e implementado, com 100% das Unidades da
Federação (UF) e 60% dos municípios com sistemas de cultura institucionalizados e
implementados” (MINC, 2013). Aliás, tanto essas publicações quanto os cursos
semipresenciais ofertados foram fundamentais para disseminação da proposta em
nível local, como poderá ser constatado nos estudos de caso.
77

Em 2012, finalmente, o legislativo aprovou a PEC 416/2005, que se tornou


a Emenda Constitucional nº 71, inserindo o SNC e seus elementos constituintes no
texto da CF88. O trâmite no Senado ocorreu de modo mais favorável que na Câmara
dos Deputados, tendo como principal articuladora a senadora , pelo PT/SP, à época,
Marta Suplicy. Sua atuação lhe rendeu a indicação para ministra da cultura em
setembro daquele ano (BEZERRA, 2017; ROCHA, 2018 ).
Também em 2012, foi concluída pelo Ministério da Cultura a formulação da
minuta do Projeto de Lei (PL) do SNC. O projeto foi encaminhado à Casa Civil da
Presidência da República para posterior envio ao Congresso Nacional. Contudo, com
a chegada de Marta Suplicy ao Ministério da Cultura, o projeto foi reencaminhado para
o ministério para reapreciação e posterior reenvio à Casa Civil. As constantes
mudanças de ministros e o hábito do retorno dos projetos para avaliação do novo
titular tornavam as tramitações mais morosas (BEZERRA, 2017).
Desde que assumiu o Ministério, Marta Suplicy, aos poucos, foi trocando o
quadro de servidores da instituição. Em março de 2013 Peixe foi exonerado sendo
substituído por Marcelo Pedroso (que permaneceu somente até julho, quando
assumiu a secretaria executiva do Ministério). A SAI foi assumida por Bernardo Mata-
Machado, pesquisador da Fundação João Pinheiro que já atuava no Ministério, na
própria SAI, e inclusive compôs a equipe do Grupo de Trabalho que reestruturou a
proposta do SNC em 2009 (BARBALHO, 2019).
Em outubro de 2013, sem articulação com o poder executivo (ROCHA,
2018), o deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) apresentou ao legislativo o PL
338/2013, que visava regulamentar o SNC, conforme mencionava o artigo 216-A da
CF88. Mas o texto não dispunha de maiores detalhamentos sobre a política,
mostrando-se ineficiente como instrumento regulamentador. Após morosos trâmites
entre as comissões na Câmara dos Deputados, o PL foi arquivado em janeiro de 2015,
nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara, que prevê o arquivamento,
ao final da legislatura, de todas as proposições que no seu decurso tenham sido
submetidas à deliberação e ainda se encontrem em tramitação.
Outra ação marcante em 2013, foi a realização da III CNC, tendo como
temática central: os desafios da implementação do SNC. Durante a abertura do evento
a ministra prometeu recursos para implementação do SNC em todo o país, o que
resultou na publicação de editais direcionados a entes federados com sistemas de
78

cultura implementados, nos anos de 2014 e 2015. A Conferência compreendeu a


realização de: 1.701 conferências municipais; 170 conferências intermunicipais; 41
conferências territoriais/regionais; 35 conferências livres e 27 conferências
estaduais/distrital, totalizando 1.974 conferências, com envolvimento de 2.991
municípios (MINC, 2013b). Ainda em 2013, o Ministério da Cultura promoveu 21
oficinas sobre sistemas de cultura, com o objetivo de capacitar gestores municipais,
das quais participaram 967 gestores e conselheiros de cultura (BEZERRA, 2017).
Em 2014, foi lançada uma plataforma on-line que facilitava a integração do
ente federado ao SNC, através do preenchimento de formulários e envio de
documentação pelo gestor cultural. Nesse mesmo ano foi lançado o primeiro edital do
SNC, destinado aos estados com sistemas de cultura implantados; em 2015 foi a vez
dos editais para os municípios. Os editais foram um instrumento de repasse de
recursos via convênio; longe de ser o prometido repasse fundo a fundo, com verba
vinculada como propunha a política. Mesmo assim, foi uma resposta importante à
expectativa dos gestores locais que empreenderam esforços para a estruturação de
sistemas.

4.1.4 Terceiro momento: desafios e mudanças conceituais

Em janeiro de 2015, Juca Ferreira, então coordenador da campanha de


Dilma Rousseff para a área da cultura, reassume o comando do Ministério da Cultura.
O gestor Mata-Machado pediu exoneração antes mesmo da nomeação de Juca
Ferreira, e Vinícius Wu, historiador, idealizador do gabinete digital (projeto de governo
aberto do Governo de Tarso Genro no Rio Grande do Sul), assumiu a SAI.
Juca Ferreira, que já havia em algumas ocasiões se mostrado contrário ao
SNC, em sua segunda gestão passou a deixar mais explícita sua opinião sobre a
política, como no encontro Roda de Conversa, no qual agentes culturais de distintas
regiões dialogavam com o ministro:

[...] eu queria dizer uma coisa aqui que pode surpreender: na minha
administração foi aprovado o atual Sistema Nacional de Cultura, mas eu não
sou um defensor do projeto que foi aprovado. O problema de gestão
compartilhada é que às vezes você tem que engolir aracnídeos e sapos... é
simples compreender de que é preciso avançar muito, que o projeto foi
mistificado e não tem eficiência. Vocês viram que muita gente reclamou,
principalmente na reunião com os secretários, fizeram o dever de casa e não
aconteceu nada...fizeram o conselho, fizeram não sei o quê... porque, o
79

seguinte: fizeram o Sistema Nacional de Cultura baseado no da saúde e no


da educação, só que saúde e educação, quem presta os serviços é o Estado,
o Estado nos seus três níveis, então se você articula o Estado nos três níveis,
você tá razoavelmente perto de uma saída, de um sistema. Só que na cultura,
99% ou é feito pela sociedade ou é feito pela propriedade privada, o Estado
tem outro papel, então um sistema que verdadeiramente preste serviço à área
cultural e apoie o desenvolvimento cultural tem outra natureza do que apenas
articular os três níveis do Estado brasileiro. Então, foi criada uma ilusão [...] e
aí, não acontece nada, não muda nada, então é preciso ter humildade de
reconhecer que é preciso avançar muito. (FERREIRA apud ROCHA, 2018, p.
398).

Provavelmente o ministro teria preferido descontinuar a política, já que nem


a mencionou em seu discurso de posse. Mas, pressionado por entidades como o
Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura dos Estados, não o fez. Ainda
assim, em acordo com seu posicionamento contrário, Juca tentou imprimir uma
mudança conceitual no SNC, algo que fica claro na ocasião do Seminário
Internacional Sistemas de Cultura: Política e Gestão Cultural Descentralizada e
Participativa, evento realizado pelo próprio Ministério da Cultura, em junho de 2015,
que rendeu publicação lançada no ano seguinte. Nessa ocasião, inclusive, fora
distribuído o documento produzido pela SAI denominado Nova etapa na estruturação
do Sistema Nacional de Cultura: Fortalecimento Institucional, Qualificação da Gestão
e Participação Social, que davam o tom das críticas de Juca Ferreira e sua perspectiva
para o rumo do SNC (ROCHA, 2018).
As críticas da nova gestão giravam em torno de da argumentação de
equiparação ao SUS, da falta da capacidade representativa, e o que o desenho
causava o engessamento da cultura. Elas ficaram subentendidas nos discursos e nas
falas institucionais do evento; e foram contrapostas no texto de Mata-Machado
(MATA-MACHADO, 2016) na mesma publicação.
Rocha (2017) relata que tanto o novo gestor da SAI quanto o ministro Juca
Ferreira intentavam dar uma nova configuração ao SNC, que incluísse mais a
participação social, em processos mais dinâmicos. Vinícius Wu não tinha experiência
com a temática do SNC, mas seu histórico de atuação com o governo digital remetia
à participação social, gerando, com isso, uma boa expectativa a respeito de sua
gestão. Entretanto, frustrando essa expectativa, Bezerra (2017) narrou ter havido
conflitos internos entre o gestor e sua equipe:
80

o clima de tensão teve seu ápice em outubro de 2015, quando os servidores


da SAI fizeram uma espécie de motim e foram apresentar queixa ao
coordenador-geral de gestão de pessoas. Em resposta, Vinícius decide
liberar a saída de servidores para outras secretarias. O resultado é que a SAI,
que era afetada por um grande déficit de servidores, ficou ainda mais
defasada. Com isso, a implementação do SNC ficou nitidamente prejudicada.
(BEZERRA, 2017, p. 66).

Rocha (2018) relata o conjunto de iniciativas adotadas pela SAI para incutir
as novas perspectivas que se pretendia para o SNC. Elas se dividiam em três frentes
de ações: o Programa Nacional de Qualificação da Gestão e Fortalecimento do
Sistema Nacional de Cultura; a Consolidação do Sistema de Participação Social do
Ministério da Cultura; e a Política de incentivo a ações sistêmicas.
A despeito do desconforto do ministro em relação à política, da tentativa de
reformulação conceitual e do esvaziamento de servidores da SAI, as ações referentes
ao SNC foram continuadas. Como exemplos, é possível mencionar o processo
eleitoral do CNPC em 2015 e em 2016, o debate de um novo PL de regulamentação
do SNC pelo Legislativo. Tratava-se do PL 4271/2016, apresentado em fevereiro pelo
deputado João Derly (Rede/RS). Apesar de algumas diferenças daquele que estava
sendo elaborado pelo Ministério da Cultura, a peça foi embasada, dentre outras
fontes, no documento básico Estruturação, Institucionalização e Implementação do
SNC. Mais efetivo que o anterior na proposta de regulamentar o Sistema, o PL
inclusive apontava a saída para a regulamentação do fundo, através de decreto
(ROCHA, 2018).
Também estava sendo planejado um novo Ciclo de Oficinas de
Implementação de Sistemas Municipais de Cultura, num projeto que previa a
promoção de 16 oficinas entre os meses de março e dezembro de 2016 (BEZERRA,
2017). Entretanto, essa ação, assim como toda a condução de Juca Ferreira e Vinícius
Wu relacionadas ao SNC, foi interrompida com o afastamento da então presidente
Dilma Rousseff, pelo Congresso Nacional.

4.1.5 Quarto momento: instabilidades

O afastamento de Dilma Rousseff em maio de 2016, seguido do


impeachment em agosto, num processo bastante questionável, levou o vice-
presidente Michel Temer ao cargo de presidente. A partir daí, a instabilidade política
que assolava o país, passou a atingir fortemente o Ministério da Cultura e os projetos
81

políticos da pasta. Isso porque, sob o discurso de crise financeira e excesso de gastos
públicos, a cultura foi uma das primeiras agendas vistas como dispensáveis pelo
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), partido do então presidente
interino, Michel Temer. É possível notar em suas propostas de governo “Uma ponte
para o futuro” (FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES, 2105) e “A travessia social”
(FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES, 2016), a ausência de propostas para as
políticas culturais e para processos participativos e de cogestão, os quais compunham
o cerne da política do SNC.
Ainda na condição de presidente interino, Temer exonerou os secretários e
o próprio ministro da cultura (BEZERRA, 2017). Por meio da Medida Provisória (MP)
nº 726, em 12 de maio de 2016, que reformulava a organização dos ministérios,
extinguiu o Ministério da Cultura, transformando-o em uma Secretaria do Ministério da
Educação – passou a ser Ministério da Educação e Cultura. À frente desse ministério
foi designado o ex-deputado do José Mendonça Filho (DEM-PE), que não possuía
nem um vínculo anterior com a área das políticas ou gestão culturais.
A medida causou imensa insatisfação da classe cultural e artística que
protestou por todo o território, com movimentos de ocupação de prédios da
administração do Ministério da Cultura em vários estados. Gestores Públicos também
demonstraram seu descontentamento em duas cartas manifestos, uma do Fórum
Nacional de Secretários e Dirigentes Municipais de Cultura das Capitais e Regiões
Metropolitanas e outra do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de
Cultura; expondo preocupações relacionadas à descontinuidade das políticas,
inclusive as relativas ao SNC.
Diante da pressão, o governo começou a sinalizar que a área da cultura,
ainda que pertencente ao Ministério da Educação, seria uma Secretaria vinculada
diretamente à presidência, tornando-se uma Secretaria Nacional de Cultura e teria a
frente uma representação feminina, em resposta às críticas que vinha recebendo por
um governo composto maciçamente por homens. Cogitou-se também vinculá-la à
Casa Civil. Tais propostas não detiveram o avanço das contestações e mais prédios
ligados ao Ministério da Cultural foram ocupados.
Como medida estratégica para amenizar as insatisfações de gestões e
agentes culturais na área, Michel Temer convidou Marcelo Calero – na época
secretário municipal de cultura do Rio de Janeiro – para secretário. Calero aceitou o
82

cargo e de imediato começou a estabelecer o diálogo com os opositores e os


ocupantes dos prédios públicos, com o lema “O partido da cultura é a cultura”.
Cedendo à pressão, o presidente anunciou a recriação do Ministério da Cultura, em
maio de 2016, tendo à frente Calero como ministro. Em seu discurso de posse, sua
fala foi conciliadora; e em relação ao SNC, mencionou a importância da “ação
articulada com os demais entes federativos” e garantindo a “continuidade das ações
reconhecidas e pautadas pelo Plano Nacional de Cultura” (CALERO, 2016). Na
sequência o Ministério foi reestruturado e a SAI foi fundida com Secretaria de Políticas
Culturais – ação que já havia sendo tentada desde a gestão de Marta Suplicy – e
passou a se chamar Secretaria de Articulação e Desenvolvimento Institucional (SADI)
e incorporar os assuntos internacionais. Calero convidou Bruno Santos, diplomata,
para assumir o cargo de secretário. Além disso, a equipe foi bastante reduzida,
prejudicando a continuidade das políticas culturais. (BEZERRA, 2017).
O cenário de instabilidade continuou quando o ministro pediu exoneração
em novembro daquele mesmo ano, denunciando que Geddel Vieira Lima, secretário
de governo, estaria pressionando-o para que o favorecesse em uma disputa com o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a respeito de um imóvel
particular. Em seu lugar foi nomeado o deputado Roberto João Pereira Freire
(PPS/SP), empossado em 23 de novembro de 2016.
Freire, no que tange ao SNC, tentou regulamentar o repasse fundo a fundo
via decreto de regulamentação do PNC, mas a Casa Civil criou objeções a essa
iniciativa. Cogitou também elaborar uma MP regulamentando o SNC até que se
aprovasse a lei de regulamentação do Congresso. Contudo, essa proposta também
ficou parada na Casa Civil (BEZERRA, 2017).
Freire permaneceu pouco tempo na pasta, pedindo exoneração em
decorrência das notícias de corrupção do governo noticiadas pela imprensa em maio
de 2017. Temer decidiu pela nomeação de Sérgio Sá Leitão, jornalista, com histórico
na área cultural, tendo inclusive participado da gestão de Gilberto Gil, entre 2003 e
2006, como chefe de gabinete. Em seu discurso de posse Leitão frisou a importância
do diálogo com instâncias locais; e faz menção a um novo PNC:

Quero estabelecer um diálogo pleno com o Poder Legislativo e os estados e


municípios, pois compreendo a importância do sistema federativo e do poder
local. Quero, finalmente, dialogar abertamente com o conjunto da cultura
brasileira, para entender seus anseios e necessidades (...) Pretendo ainda
83

resgatar e aperfeiçoar os pontos de cultura; e realizar de modo participativo


um novo Plano Nacional de Cultura, que possa orientar a política cultural nos
próximos anos. (LEITÃO, 2017).

Sá Leitão foi nomeado em julho de 2017 enfatizando as ações de:


investimento em economia da cultura, choque de gestão do Ministério da Cultura e
reformas. As iniciativas relacionadas ao SNC foram tímidas, mas não descontinuadas.
A plataforma de ingresso ao SNC continuou recebendo e formalizando solicitações de
adesão de municípios, e constantemente as publicações de ACF publicados no Diário
Oficial da União eram divulgadas nos canais de comunicação do órgão em tom de
comemoração (SEMENSATO; BARBALHO, 2018). Oficinas e cursos com a finalidade
de adequação ao SNC, ocorreram ao longo do ano de 2017, como o “Curso de
Formação de Gestores e Conselheiros de Cultura para o desenvolvimento do Sistema
Nacional de Cultura”, em parceria com a Universidade Federal de Tocantins (UFT) e
o “Curso de Extensão e Aperfeiçoamento em Gestão Pública da Cultura”, em parceria
com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES)
(BRASIL, 2017).
Entretanto, o cenário das políticas culturais piorou ainda mais após a
eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República em 2018. Logo em janeiro de
2019, o presidente Bolsonaro dispôs a organização da presidência e dos ministérios
por meio da MP nº 870/2019, na qual o Ministério da Cultura foi extinto, tonando-se a
Secretaria Especial de Cultura do Ministério da Cidadania. De acordo com a MP, o
órgão ficou responsável pela Política Nacional de Cultura, tendo em seu âmbito o
CNPC. Vale ressaltar que a medida foi aprovada pelo Congresso Nacional, em maio
de 2019, convertendo-se em lei.
Desde o início de seu governo houve uma constante troca de gestores
frente à pasta, a maioria deles com trajetória ínfima ou parca na área das políticas
culturais: Henrique Pires (jan./2019 - ago./2019), José Paulo Martins (ago./2019 –
set./2019), Ricardo Braga (set./2019 -nov./2019), Roberto Alvim (nov./2019 –
jan./2020), José Paulo Martins (jan./2020 – ma./2020), Regina Duarte (mar./2020 –
jun./2020), Mário Frias (jun./2020 – mar./2022) e Hélio Ferraz (mar/2022-atual).
Inicialmente, quando vinculado ao Ministério da Cidadania, o Decreto nº 9.674 de 2
de janeiro de 2019, que regrava sobre sua estrutura, deixou o SNC a cargo de uma
das seis secretarias criadas, a Secretaria da Diversidade Cultural, especificamente no
Departamento do Sistema Nacional de Cultura. Em junho de 2019 a Secretaria
84

Especial da Cultura passou para o Ministério do Turismo, algo que só veio a ser
regulamentado tempos depois, pelo Decreto nº10.359 de 20 de maio de 2020, que
estruturava o órgão dentro desse Ministério. Nesse novo ato normativo o
Departamento do Sistema Nacional de Cultura ficou alocado na Secretaria Nacional
da Economia Criativa e Diversidade Cultural, uma das cinco secretarias que passaram
a compor a Secretaria Especial da Cultura.
Nesse período de transição é difícil encontrar informações sobre os
responsáveis pelo setor, o que foi feito na busca pelas nomeações e exonerações
constantes no Diário Oficial da União. Foi possível traçar o quadro abaixo, com
gestores advogados, com nenhuma atuação anterior na área da cultura, políticas
culturais ou no SNC:

Quadro 1 - Gestores responsáveis pelo SNC de ago./2018 até o momento


período gestor responsável pelo SNC
08/08/2018 a 21/01/2019 Claudia de Oliveira Cabral Santos
21/01/2019 a ?* Miguel Ângelo Gomes De Oliveira
09/01/2020 a 03/03/2020 Ricardo Freire Vasconcellos
07/04/2020 a 14/07/2020 Andrea Abrão Paes Leme
28/07/2020 - atual Bernardo Boghossian Aguiar
Fonte: elaborado pela autora, com nomeações e exonerações publicadas no Diário Oficial da União.
*não foi encontrada a portaria de exoneração do cargo.

Outro marco negativo do novo governo foi a publicação do Decreto nº 9.759


de 2019, que extingue ou limita os colegiados da administração pública federal. Esse
instrumento atingiu os colegiados instituídos por decreto, mesmo aqueles constantes
em lei, caso ela não indicasse suas competências ou a competência dos membros
que o comporiam. A medida atingiria o CNPC, uma vez que ele foi criado por lei, mas
regulamentado pelo Decreto 5.520/2005. A medida de Bolsonaro impactou várias
áreas de políticas públicas, extinguindo cerca de 55 conselhos e colegiados
subordinados à administração pública com a participação da sociedade civil.
Entretanto, no caso da cultura, outro decreto posterior (nº 9.812 de 30 de maio de
2019), anulou a extinção do CNPC, ao alterar o primeiro, excluindo o artigo que incluía
a extinção dos colegiados apenas mencionados em lei. Sendo assim, o CNPC se
manteve, embora num cenário permeado por instabilidade e pouco diálogo.
85

Nesse período que abrange da assunção de Michel Temer à presidência


ao Governo Bolsonaro é nítida a falta de atenção ao setor cultural, o que transparece
na queda de investimentos para o setor. Dentre as despesas do governo federal, a
participação da cultura que era de 0,08% em 2014 e 2015, caíram para 0,07% em
2016, 2017 e 2018, e em 2019 e 2020 esse percentual cai ainda mais para 0,06% e
0,04%:

Gráfico 1 - Participação da cultura no total da despesa do Governo Federal


(2009-2020)
Participação da despesa com cultura no total da despesa do Governo
Federal - 2009-2020
2.500.000 0,16%
0,14%
2.000.000
0,12%
1.500.000 0,10%
0,08%
1.000.000 0,06%
0,04%
500.000
0,02%
- 0,00%
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

CULTURA (1 000 R$) PARTICIPAÇÃO (%)

Fonte: Elaboração da autora com base no Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2009-2020.
17

Para além das despesas, o orçamento federal destinado à cultura –


incluindo além dos programas e ações, a manutenção da instituições, como o
Ministério da Cultura (ou Secretaria Especial de Cultura), Agência Nacional de Cinema
(Ancine), Biblioteca Nacional e Fundações – caiu quase pela metade quando
comparados os anos 2021 e 2011, pelo que aponta um levantamento feito pelo jornal
O Globo (ANTUNES, 2021). Caiu também a execução do orçamento previsto se
comparado 2021 em relação a 2011. Do total empenhado em 2021, 73% corresponde
a gastos de administração geral e só 11% foi para a difusão cultural. “A tendência é
gastar apenas o suficiente para manter a máquina funcionando, como uma estratégia

17Sistema de Informações e Indicadores Culturais, elaborado pelo IBGE, disponível em:


https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/cultura-recreacao-e-esporte/9388-indicadores-
culturais.html?edicao=32440&t=downloads. Acesso em: 01 dez. 2021.
86

deliberada do governo para minimizar o papel do Estado na Cultura” (BARBOSA apud


ANTUNES, 2021).
Apesar do cenário bastante conturbado, o SNC continuou, mesmo porque
foi incluído na CF88. A plataforma do SNC manteve-se em funcionamento e o
quantitativo de adesões sofreu uma grande desaceleração, mas continuaram sendo
firmadas, compondo um número considerável. Em notícia veiculada pelo Ministério da
Cidadania em junho de 2019, o órgão informa que naquele ano, sete novas cidades
aderiram ao SNC; instrui sobre a adesão e propagandeia a política, tal como os
preceitos estabelecidos ainda em seus primórdios:

Ao realizar a adesão ao SNC, o ente federado estará organizando e


fortalecendo suas políticas públicas culturais de forma sistêmica e perene,
permitindo que sejam estabelecidas como políticas de Estado, por meio da
criação e publicação da Lei do sistema de cultura local e da criação de órgão
de gestão local, conselho de política cultural, conferência, sistema de
financiamento e plano de cultura, com metas a serem cumpridas. Além disso,
os entes federados que aderiram ao SNC participarão da descentralização
articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações no campo da
cultura. A adesão ao SNC muitas vezes é pré-requisito para participação do
estado ou município em editais e ações de promoção realizadas pela
Secretaria Especial da Cultura. (BRASIL, 2019).

4.1.6 Momento atual: resistência e expectativas

Até meados 2022, apesar de não ter havido relevante descontinuidade do


SNC, não ocorreram ações mais enfáticas do Poder Executivo em direção ao seu
fortalecimento. Mas, no contexto da pandemia COVID-19 que assolou todo o país,
incluindo o setor cultural, o Poder Legislativo, junto à sociedade civil, mobilizou-se18
para pressionar o Executivo em direção a algum apoio ao setor cultural, reacendendo
as movimentações do SNC.
Os parlamentares articularam pelo menos três projetos de lei que
apensados, tornaram-se o PL 1075/2020, aprovado em regime de urgência pela
quase totalidade dos deputados – somente sem apoio do Partido Novo – e por
unanimidade no Senado. O projeto transformou-se na Lei nº 14.017/2020, conhecida
inicialmente como Lei de Emergência Cultural, e logo ganhou o nome de Lei Aldir

18
A Articulação Nacional de Emergência Cultura reuniu gestores culturais e assessorias parlamentares.
O movimento resultou na organização da Escola de Políticas Culturais e no Observatório Emergência
Cultural, com uma série de conferências e reuniões virtuais em prol da aplicação da LAB. (ESCOLA
DE POLÍTICAS CULTURAIS, sd).
87

Blanc (LAB), em homenagem ao letrista e compositor que faleceu em decorrência da


infecção pelo coronavírus.
A lei tinha como objetivo dispor de ações emergenciais para o setor cultural,
a serem adotadas durante o estado de calamidade pública. Dentre suas fontes de
recursos, a lei utilizaria o Fundo Nacional de Cultura, distribuídos conforme é disposto
no seu artigo 2º “A União entregará aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,
em parcela única, no exercício de 2020, o valor de R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões
de reais) para aplicação, pelos Poderes Executivos locais, em ações emergenciais de
apoio ao setor cultural”. Assim, a LAB intentou utilizar o mecanismo de repasse fundo
a fundo contida na proposta do SNC, sem que houvesse necessidade de aprovação
prévia por programas ou convênios, algo que nunca havia sido colocado em prática.
A LAB foi sancionada pelo presidente no dia 29 de junho de 2020, e seu
decreto regulamentador foi aprovado em 18 de agosto, pelo Decreto nº 10.464/2020.
Este último instrumento foi objeto de frustração da classe artística e de gestores
culturais, não só pela demora, como também pelos procedimentos burocráticos
estabelecidos para requerer e aplicar o recurso em nível municipal ou estadual. Isso
resultou em um curto tempo para implementar as leis em âmbito municipal e estadual.
Na avaliação de Calabre (2020, p. 17), “o tempo de operacionalização é
curto” e “não se pode deixar de temer pela não execução dos objetivos propostos pelo
PL especialmente se considerarmos o histórico de dificuldade de execução que
apresenta o Estado em todos os níveis de governo”. Ainda segundo a autora, serão
“os municípios de maior porte e com um sistema municipal de cultura razoavelmente
desenvolvidos” os que “provavelmente terão mais chances de concessão dos
recursos, cumprindo as regras determinadas para sua utilização”.
Como sinaliza Calabre (2020), que atuou na equipe que colaborou com a
SAI no desenho do SNC, a LAB privilegia a lógica federativa, bem como os
instrumentos previstos para os entes que aderiram ao Sistema, além dos cadastros,
como o conselho, o plano e o fundo de cultura (o chamado CPF da cultura). De fato,
em análise feita por Semensato e Barbalho (2021), foi constatado que os municípios
que apresentavam SMCs tiveram mais sucesso na submissão e aprovação de planos
de trabalho para reivindicar recursos da LAB.
Para além da maior capacidade de arrecadação sinalizada, a lei também
foi capaz de estimular o SNC e os SMCs, após longo período de inércia, já que os
88

dados apontam crescimentos da adesão, da criação de instituições em âmbito local e


da interação dos gestores com a Plataforma SNC. Essa foi uma demanda, inclusive
solicitada pela SEC, em comunicado emitido pelo Secretário da Economia Criativa e
Diversidade Cultural, Aldo Valentim, a todas as gestões municipais de cultura, em 20
de junho de 2020:

A adesão ao Sistema Nacional de Cultura (SNC) permite que Estados, Distrito


Federal e Municípios aprimorem a gestão e reforcem o pacto federativo para
as políticas públicas de cultura. Aqueles que já aderiram ao SNC têm uma
série de providências a tomar, conforme estabelece o Acordo de Cooperação
Federativa.
Assim, ao assinar o Acordo de Cooperação Federativa, o ente federado
compromete-se a executar um Plano de Trabalho no prazo de dois anos
(podendo ser renovado), contados a partir da data de publicação do Acordo
no Diário Oficial da União. O Plano de Trabalho consiste na
institucionalização e implementação do sistema de cultura local e de seus
componentes, conforme Cláusula Sexta, que trata das obrigações dos
partícipes. Tal Plano de Trabalho deve ser informado na plataforma do SNC
à medida que for executado. [...] Solicitamos que atualize o seu cadastro na
plataforma do SNC ou que sejam tomadas providências para instituição de
seus fundos de cultura e demais componentes do sistema de cultura local.
(VALENTIM, 2020).

Nesse período, muitos conselhos e fundos reavivaram ou intensificaram


suas atividades, que antes do advento da lei encontravam-se praticamente
paralisados (SEMENSATO; BARBALHO, 2021). Além disso, dentre as demandas
listadas para implantação da lei nos âmbitos locais, constava a inscrição dos agentes
culturais em um cadastro, o que reacendeu os debates sobre o Sistema Nacional de
Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), um dos elementos previstos pela política
do SNC.
É preciso ressaltar, no âmbito da temática do SNC, que a LAB foi a primeira
experiência ampla de repasse fundo a fundo na área da cultura, sem que fosse
demandado um convênio ou contratos previamente acordados entre os entes
federados. Ou seja, ainda que demandasse dos municípios a elaboração de um plano
de ação e algum regramento local para utilização dos recursos, a experiência inédita
de descentralização desse porte demonstra a viabilidade do mecanismo de repasse
fundo a fundo. Tanto o é, que foi apresentado outro projeto de lei com proposta
semelhante no Senado Federal, o PL Complementar nº73/2021, apelidado de Projeto
89

Paulo Gustavo19. E ainda, a própria LAB, que teve seus prazos ampliados pela Lei nº
14.150/2021.
Tanto a LAB quanto a movimentação em torno do PL Paulo Gustavo
reanimaram os esforços para continuidade e regulamentação do SNC. Inclusive, estes
episódios lançaram luz a quatro projetos de leis que tramitavam no legislativo tendo
em seu conteúdo políticas de cultura e o SNC. Trata-se dos PLs nº 9.474/2018, nº
1.801/2019, nº 1.971/2019; nº 4.884/2020. O primeiro destes, proposto pelo deputado
Chico D’Angelo (PDT/RJ), visava estabelecer as diretrizes para a política cultural e
para a garantia dos direitos culturais. Foi apresentado em 06/05/2018, e tinha parte
de seu conteúdo, não muito extensa, dedicada ao SNC. Em 15/04/2019, foi
apensando a ele o PL nº 1.801/2019 de autoria de Luiz Lima (PSL/RJ) apresentado
em 27/03/2019, objetivando especificamente regulamentar o §3º do art. 216-A da
CF88, ou seja, o SNC.
Em 21/11/2019, ao primeiro PL do deputado Chico D’Angelo foi apensado
o PL nº 1.971/2019, também de sua autoria, que visava especificamente
“Regulamentar o §3º do art. 216-A da Constituição Federal, para dispor sobre o
Sistema Nacional de Cultura” e foi apresentado à Câmara em 02/04/2019. Por último
foi apensado também o PL nº 4.884/2020, que dispunha sobre a ampliação do prazo
de vigência do Plano Nacional de Cultura, apresentado em 09/10/2020 pelo próprio
Poder Executivo. Este último foi despachado em 22/12/2020 pela Mesa Diretora da
Câmara dos Deputados: “Apense-se à (ao) PL-9474/2018". Em decorrência dessa
apensação, a matéria passou a tramitar em regime de prioridade: “Proposição Sujeita
à Apreciação Conclusiva pelas Comissões - Art. 24 II. Regime de Tramitação:
Prioridade (Art. 151, II, RICD)”.
O PL nº 9.474/2018, de Chico D’Angelo, tendo em si apensados os PL nº
1801/2019, 1.971/2019 e nº 4.884/2020 continua tramitando, com relatoria da

19O PL Paulo Gustavo sancionado em julho de 2022, quase ao final da redação deste trabalho, e vale
destacar o trecho de sua redação que reforça o SNC: “As ações executadas por meio desta Lei
Complementar serão realizadas em consonância com o Sistema Nacional de Cultura, organizado em
regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, conforme disposto no art. 216-A da
Constituição Federal, notadamente em relação à pactuação entre os entes da Federação e a
sociedade civil no processo de gestão dos recursos oriundos desta Lei Complementar” (parágrafo
único, art.1º, LC 195/2022) e “Art. 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que receberem
recursos oriundos desta Lei Complementar deverão comprometer-se a fortalecer os sistemas
estaduais, distrital e municipais de cultura existentes ou, se inexistentes, implantá-los, com a
instituição dos conselhos, dos planos e dos fundos estaduais, distrital e municipais de cultura, nos
termos do art. 216-A da Constituição Federal” (parágrafo 4º, LC 195/2022).
90

deputada Benedita da Silva, que também foi autora (junto com outros 24 deputados
federais que tiveram suas iniciativas apensadas ao mesmo PL) da LAB. Sua última
movimentação foi em 27/04/2022, após ter sido remetido para análise da Comissão
de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados dos deputados em
23/06/2021. Na última manifestação ele teve designação de relatora dentro desta
comissão. A matéria segue recebendo contribuições de gestores e agentes culturais,
inclusive tendo já recebido texto substitutivo, e na expectativa de aprovação pelo
Congresso Nacional.

4.2 O SNC no Estado do Rio de Janeiro

Esta tese trata das municipalidades fluminenses, tendo como pano de


fundo uma lógica federalista de estruturação de políticas públicas, portanto será
observado o contexto do estado do Rio de Janeiro no que tange ao SNC. Como será
visto, tal modelo de gestão encontra nesse estado um contexto favorável para adesão
à política, uma vez que a trajetória histórica já apontava para alguma organização de
gestores públicos e de agentes culturais em busca de qualificação e propostas para o
campo da cultura.
Por outro lado, também é importante observar que, para além do contexto
favorável à mobilização de gestores públicos de cultura e do setor cultural, iniciou-se
no estado do Rio de Janeiro, a partir de 2014, uma importante crise econômica que
impactou diretamente na arrecadação de impostos, tanto em nível estadual como
municipal. A despeito de ser um dos territórios que mais têm participação no Produto
Interno Bruto (PIB) nacional, o estado do Rio de Janeiro apresenta, “economias
regionais não consolidadas, nem integradas, e rede urbana limitada diante de
reduzidas centralidades que pudessem ser alternativas à macrocefalia da capital.
Além disso, não existem complexos logístico produtivos desenvolvidos de forma
plena, dependendo sua dinâmica principalmente de determinantes externos ao
território” (ERJ, p. 14, 2021).
O diagnóstico da situação fiscal da Secretaria de Fazenda (ERJ, 2021) é
bastante lúcido ao demonstrar que o desenho econômico do Rio de Janeiro é um
problema estrutural, e o boom da economia do petróleo permitiu o início de um
processo de soerguimento econômico, mas que ainda não se efetivou. Inclusive, por
um olhar crítico, ocorre o contrário, a indústria do petróleo fez a região inibir sua
91

complexidade econômica, concentrando suas atividades nesse ramo, que tal como
demais commodities, fica sujeito a fatores do mercado econômico externo – e em
2015 observou-se queda do preço dos barris de petróleo, impactando os
investimentos desse setor.
O documento demonstra em números que, de forma isolada, a trajetória
fluminense apresenta um padrão de crescimento até 2014, e isso pode aparentar um
processo de “bonança”. Porém, esse desempenho é muito pior que a média nacional.
Além disso, o declive econômico que atingiu todo o país a partir desse período, ocorre
em maior grau no estado do Rio de Janeiro. Assim, de um modo geral, “quando o
Brasil vai bem, o ERJ vai menos bem; e quando Brasil vai mal, o ERJ vai pior” (ERJ,
2021, p.19).
Torna-se claro o argumento de que o declínio econômico sobre a região
impacta diretamente na arrecadação fiscal pelos governos em ambos os níveis.
Embora não caiba entrar em detalhes nesta tese, outros estudos acrescentam
elementos a esse argumento, dizendo que o cálculo fiscal entre receitas e despesas
apresenta déficit de ordem estrutural, para além da queda das receitas decorrente da
recessão econômica (MERCÊS; FREIRE, 2017).
O impacto orçamentário no estado do Rio de Janeiro e nos municípios
fluminenses é especialmente afetado pela redução das participações governamentais
(como royalties e participações especiais) relacionadas à atividade de exploração do
petróleo. De 2009 a 2013 as receitas governamentais brasileiras foram
crescentemente encorpadas por esses recursos, mas a partir de 2014, notou-se
acentuado decréscimo (ICC/TCU, 2019). No âmbito dos governos fluminenses –
estadual e municipais, há uma grande dependência das participações governamentais
na composição do orçamento público e a queda dessas receitas põe as gestões
públicas em situação de crise (CENPE/MPRJ, 2020).
Embora o cenário econômico das gestões públicas não seja objeto de
análise nesta tese é importante considerá-lo como pano de fundo para observar a
criação das instituições públicas de cultura vinculadas ao SNC. A política do SNC
perpassa os anos da aparente bonança da arrecadação no estado fluminense,
seguidos dos anos de crise fiscal. As políticas setoriais, sobretudo as menos visadas
e sem a obrigatoriedade constitucional de terem mecanismos de incentivos federais –
92

como a pasta de cultura – acabam sofrendo os impactos de cortes orçamentários da


máquina pública.

4.2.1 Os desdobramentos do SNC no Estado do Rio de Janeiro

A primeira movimentação do estado do Rio de Janeiro em direção ao SNC,


foi a realização da I Conferencia Estadual de Cultura, em novembro de 2005. O evento
foi uma parceria com o Ministério da Cultura, com a Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ), por meio do Seminário Permanente de Políticas Públicas de
Cultura, e com a Comissão Estadual de Gestores Públicos de Cultura do Rio de
Janeiro (COMCULTURA/RJ), organização que merece ser destacada nesse histórico.
Fundada em 2001, a partir da reunião de alguns gestores culturais que
buscavam se qualificar e valorizar as políticas de cultura, a COMCULTURA/RJ tornou-
se um Pontão de Cultura, agregando gestores e agentes culturais, em especial do
interior e região metropolitana20. Em 2002 o grupo formou o Seminário Permanente
de Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, em parceria com a
UERJ, precisamente com o Departamento Cultural/SR3. Segundo Guilherme Lemos
(2007), naquele momento, a recém criada COMCULTURA/RJ, ao procurar a UERJ
demandando cursos para gestores públicos de Cultura não sabia exatamente o que
queria, mas sabia “o que não queria”.
Realizado na UERJ de abril a dezembro de 2003, quinzenalmente, o
Seminário contemplava a discussão de vertentes temáticas que tinham como objetivo
debater as interfaces da cultura com política cultural, linguagens, e gestão cultural. O
Programa contemplou, em 2003, participantes de 51 dos 92 municípios fluminenses;
em 2004 e em 2005, 31 e 35, respectivamente. Para Lemos e Calabre (2007), é de
extrema relevância citar a relação deste Seminário Permanente com o Seminário
Cultura para Todos, promovido pelo Ministério da Cultura na UERJ, em setembro de
2003, pois o evento, além de ter a participação dos alunos da COMCULTURA/RJ,
trouxe mais visibilidade para o Seminário Permanente, o que veio culminar com a
presença do governo estadual, da União e dos municípios, em sua aula inaugural em
2004.

20 Mais informações disponíveis em: http://comculturarj.blogspot.com/. Acesso em: 20 jul.2021.


93

Em 2005, o Seminário da COMCULTURA/RJ, teve como palestrante da


mesa de abertura Marcio Meira, então articulador institucional do Ministério da Cultura,
que na época já estava envolvido com o SNC; inclusive seu texto “Institucionalidade
pública da gestão cultural no Brasil” consta na publicação anual do
COMCULTURA/RJ, apresentando a ideia do SNC como modelo de gestão (CAMPOS;
LEMOS;CALABRE, 2007). Naquele ano, o Seminário Permanente, assim como a
COMCULTURA/RJ, envolveram-se na realização das conferências de cultura
municipais e a estadual que comporiam o calendário prévio da I CNC em 2006
(LEMOS; CALABRE, 2007).

A I Conferência Estadual de Cultura ocorreu durante a gestão do secretário


de Estado de Cultura Arnaldo Niskier (2004-2006), tendo Eugênia Stein como
subsecretária. A I CEC teve duas etapas fundamentais: a intermunicipal,
ocorrida na UERJ nos dias 21 e 22 de novembro de 2005, onde se reuniram
58 municípios do estado; e a Conferência em si, no dia 28 de novembro. A
Conferência elegeu 45 delegados para Conferência Nacional de Cultura.
(SEC/RJ, 2018, sp).

No relatório da I CNC consta que a Conferência Estadual de Cultura (CEC)


do Rio de Janeiro contou com 30 representantes da sociedade civil, 6 do poder
público, 20 convidados, totalizando 56 participantes. Nas prévias que antecederam a
etapa nacional, somente Duque de Caxias e Nova Iguaçu têm registro de conferências
municipais de cultura. Para além destas, o documento da União também registra uma
Conferência Intermunicipal de Cultura, da qual participaram 29 municípios (MINC,
2006; 2007).
Apesar da realização da I CEC, que certamente foi importante para
gestores municipais disseminarem a proposta do SNC, a SEC/RJ só deu início a uma
construção mais efetiva de seu Sistema Estadual de Cultura posteriormente. Nas
movimentações nacionais para realização da II CNC em 2010, o estado fluminense
foi estimulado a organizar suas conferências, e a SEC-RJ realizou sua II CEC em
dezembro de 2009. O evento contou com a participação de representantes de 68 das
92 municipalidades fluminenses. Foram credenciados 268 representantes
(delegados) da sociedade civil eleitos em conferências municipais e 154 delegados
representando os governos municipais. Conforme o relatório do evento:

Na 2ª CEC/RJ estiveram presentes autoridades do Poder Público estadual,


artistas, representantes de movimentos sociais e ONGs, representantes dos
órgãos municipais de cultura fluminenses, dentre outros participantes. A
94

Conferência recebeu 417 delegados municipais eleitos e 22 delegados natos.


Também foram credenciados 139 observadores, dentre outros participantes
que não realizaram o credenciamento. O público total foi estimado em cerca
de 800 pessoas por dia. (SEC/RJ, 2009, p. 7).

Foi a partir das mobilizações para II CEC que a SEC/RJ deu início ao
processo de construção participativa do seu Plano Estadual de Cultura. Mesmo que o
processo tenha sido permeado por percalços e com outras políticas contrárias às
práticas democráticas, como descrevem Amorim e Borges (2019), as ações para
elaboração de um plano estadual, iniciadas em 2009, foram vagarosamente
continuadas. Encontros e debates em vários municípios fluminenses ocorreram para
a elaboração de um diagnóstico estadual da cultura. As demandas foram registradas
e sistematizadas, nas publicações “Notas para um diagnóstico preliminar”, com um
caderno para cada região fluminense (SEC/RJ, 2010).
Apesar de períodos de interrupção, a partir de abril de 2012, foram
realizadas audiências e consultas públicas para definir as diretrizes prioritárias que
orientariam a construção de planos setoriais de cultura. A escuta se deu com a equipe
percorrendo novamente de forma presencial os 92 municípios do estado, bem como
através de consulta on-line, para composição de um diagnóstico da cultura
fluminense. Com base nesse material foi produzido o texto-base da Lei do Plano
Estadual de Cultura, compondo a minuta para consulta pública apresentada e
distribuída em janeiro de 2013, para segunda rodada de discussões. Em dezembro
daquele ano, a minuta da Lei do Sistema Estadual de Cultura, tendo como anexo o
Plano Estadual de Cultura foi encaminhada à Casa Civil do Governo do estado do Rio
de Janeiro, onde permaneceu por um período de um ano e meio, até meados de 2015.
A paralisia (ou “engavetamento") da lei por este longo período decorreu por
consequência dos trechos que tratavam sobre incentivos fiscais para a cultura, algo
que era objeto de disputa pela Casa Civil. De acordo com Amorim e Borges (2019),
esse fato ilustra a falta de força política da pasta.
Em meio ao histórico fluminense também é importante destacar o
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cultural do Estado do Rio de Janeiro
(PADEC), fruto de um convênio entre a SEC/RJ e o Ministério da Cultura, celebrado
em 2010. Foi criado a partir do diagnóstico preliminar iniciado em 2009, com a
proposta de apoiar projetos de qualificação da gestão pública de cultura. Dentre eles
estavam o fomento de infraestrutura e patrimônio cultural para os municípios e
95

também as 1º e 2º edições do Curso de Formação de Gestores Públicos e Agentes


Culturais, sendo a 1ª ocorrida de 2013 a 2014, e a 2ª, de 2015 a 2016 (CPC/SEC/RJ,
2018).
Os cursos entraram na seara das ações de qualificação relacionadas ao
SNC e eram ofertados pelo Ministério da Cultura, em parceria com instituições de
educação superior (o primeiro com a UERJ e o segundo com a Fundação Centro de
Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (CECIERJ)).
Eram semipresenciais e tinham como público alvo gestores públicos, conselheiros e
agentes culturais de todo o estado, tendo na grade curricular disciplinas sobre
fundamentos teóricos e práticos de cultura, gestão e políticas culturais e grande parte
do conteúdo dedicado aos SMCs como proposta de modelo de gestão. Na segunda
edição, além dos cursos semipresenciais, foram acrescentadas turmas de alunos na
modalidade exclusivamente a presencial, em uma ação denominada “Dinamização”,
que tinha por objetivo atuar de modo muito próximo às gestões municipais no apoio à
implantação de seus SMCs.:

Oito profissionais qualificados, com experiência em gestão cultural foram


contratados, através de processo seletivo público. Denominados
dinamizadores, estes profissionais, ficavam encarregados de acompanhar o
município na elaboração de seus Planos Municipais de Cultura, fazendo a
mediação entre gestores públicos e sociedade civil do município, além de
fornecer um apoio técnico na formulação do documento. Com isso, para além
do apoio aos Planos Municipais de Cultura, também, Sistemas Municipais e
Conselhos Municipais de Cultura sofreram um estímulo, uma vez que
gestores e representantes da sociedade civil passaram por uma qualificação
e foram diretamente envolvidos no processo. Todos os municípios do estado
fluminense foram convidados a participar da ação. De um total de noventa e
dois, trinta e quatro tiveram interesse em participar e assinaram o Termo de
Compromisso junto à Secretaria de Estado de Cultura. (SEC/RJ, 2016).

Nesse sentido, a Dinamização foi um mecanismo criado pelo órgão gestor


estadual, com o apoio e financiamento da União, para dar suporte aos municípios que
quisessem instituir seus planos municipais de cultura. Segundo a SEC/RJ, 34
municípios do estado do Rio de Janeiro aderiram à ação de dinamização, assinando
termo de compromisso e recebendo ao longo de nove meses apoio para elaboração
dos seus respectivos planos, por meio da presença de especialista na área de política
culturais (ZIMBRÃO; SILVA, 2018). A ação dos dinamizadores acabou por ir para além
do apoio à planos, instruindo as municipalidades na elaboração e institucionalização
de sistemas e conselhos de Cultura (SEC/RJ, 2016a).
96

Nos dias 27 e 28 de setembro de 2013, em consonância com o calendário


da III CNC, o estado do Rio de Janeiro realizou sua III CEC. Nas prévias, 63 municípios
fluminenses realizaram suas conferências municipais, havendo também 14
conferências intermunicipais (MINC, 2013b). A etapa estadual envolveu 700
participantes, de 76 municípios e foram eleitos 45 delegados para a etapa nacional
(MINC, 2013a).
Em 2015, correram rumores de que o Ministério da Cultura lançaria um
edital voltado ao fortalecimento de SMC, e a submissão dos municípios ao
mecanismos estaria condicionada a existência e pertencimento a um sistema estadual
de cultura. Obviamente, isso gerou pressão dos gestores municipais sobre a SEC/RJ
e com isso a Casa Civil finalmente enviou o texto do Projeto de Lei do SEC e diretrizes
do PEC para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) (AMORIM;
BORGES, 2019). De fato, naquele ano o Ministério da Cultura lançou editais
destinados à municípios com sistemas implantados, mas sem condicioná-los a
sistemas estaduais de cultura.
Na ALERJ a tramitação ocorreu em regime de urgência, e a Lei 7.035/2015
foi aprovada em 26 de junho de 2015. Dentre algumas alterações sofridas no texto,
estavam a supressão de trechos relacionados à isenção fiscal, políticas de gênero e
a inclusão de manifestações religiosas. Mas também houve intervenções positivas dos
legisladores, como por exemplo as que tornaram obrigatórios a descentralização de
recursos para o interior do estado e investimentos em ações culturais para pessoas
com deficiência (art. 21, III).
Após a sanção da lei, sua regulamentação ocorreu rapidamente pelo
Decreto nº 45.419/2015, mas, na prática, a implementação das instituições ligadas ao
Sistema Estadual ocorreu de forma lenta, exceto pela instauração do Conselho
Estadual de Política Cultural (CEPC). Logo na sequência da publicação do Decreto
foram realizadas 20 reuniões públicas para eleição dos novos conselheiros de política
cultural (sendo 10 encontros regionais e 10 conferências regionais), abrangendo todos
os 92 municípios do estado, onde foram eleitos os 10 membros representantes
regionais da sociedade civil. Houve também eleições virtuais para escolha de 6
representantes de segmentos artístico-culturais do CEPC (SEC/RJ, 2016b).
97

O fato de a lei ter tido regulamentação imediata após sua aprovação,


permitiu que essa instância fosse rapidamente instalada e os conselheiros eleitos e
empossados:
O extinto Conselho Estadual de Cultura do RJ, criado em 4 de abril de 1975
pelo Decreto-Lei n° 589, contava com 21 membros efetivos e 4 suplentes
indicados entre pessoas de notável saber e experiência nos diversos campos
da cultura, que eram nomeadas pelo governador do estado. Foram
necessários 40 anos para que um componente participativo pudesse
finalmente penetrar em uma estrutura redesenhada para influenciar a forma
como as políticas públicas de cultura do estado do Rio de Janeiro passariam
a ser pensadas no futuro. (AMORIM; BORGES, 2019, p. 47).

No entanto, Amorim e Borges (2019) apontam a limitada capacidade do


conselho em influenciar a política cultural do órgão gestor. A despeito dessa crítica, é
importante reconhecer que o CEPC foi a instância institucional mais contundente para
reversão das tentativas de esvaziamento das políticas culturais fluminenses. Isso
porque em 2016 o governo estadual passou por uma reestruturação da administração
pública através do Decreto nº 45.809 de 06 de novembro, que extinguiu a SEC/RJ,
incorporando-a à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação. Com
intensa mobilização capitaneada pelo Conselho, em um movimento que ficou
conhecido como #FICASEC, o governador retrocedeu e revogou o trecho do decreto
que implicava a extinção da SEC/RJ, no início de 2017.
Outra instância implementada pelo Decreto que regulamentou a Lei
Estadual foram os fóruns regionais e os fóruns de segmentos artísticos. São instâncias
mais amplas de escuta, que ficam em contato permanente com os conselheiros
regionais e com os segmentos culturais, porém nem todas as regiões ou segmentos
possuem fóruns plenamente estabelecidos.
Em 2018, a situação dos fóruns regionais se encontrava da seguinte forma:

Quadro 1 - Fóruns Regionais de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, em 2018


(continua)

Região Nome(s) do(s) Fórum(ns)


Capital Não há fórum organizado*
Fórum Permanente de Gestores Públicos de Cultura da
Baixada Baixada Fluminense; e Fórum Cultural da Baixada
Fluminense
Leste Não há fórum organizado*
Noroeste Fórum de Gestores Culturais do Noroeste
Norte Não há fórum organizado*
98

(conclusão)

Serrana Fórum de Gestores de Cultura Serrano


Baixadas Litorâneas Fórum Permanente de Cultura das Baixadas Litorâneas
Médio Paraíba Fórum Regional de Políticas Culturais do Médio Paraíba
Centro-Sul Fórum Regional de Cultura Sul Fluminense
Costa Verde Não há fórum organizado*
Fonte: elaborado pela autora com adaptação de CPC/SEC/RJ, 2018.
*O estímulo gerado pela implementação da Lei Aldir Blanc, em 2020, levou o Fórum de Cultura do
Rio de Janeiro – organização que reúne sociedade civil e gestores públicos de todo o estado – a
se organizar para a criação de Fóruns nas regiões que não existiam: Capital, Norte Fluminense,
Costa Verde, a Leste Fluminense. Atualmente, todas as regiões contam com fóruns, uns mais
organizados e atuantes, outros menos.

Outro espaço de articulação importante a ser destacado é o Fórum


Estadual de Secretários e Dirigentes Municipais de Cultura do Rio de Janeiro, que
segundo seu Regimento Interno, foi:

instituído em maio de 2017 é parte integrante do Sistema Estadual de Cultura


– SEC (Lei. 7.035/2015), atuando de maneira integrada à Secretaria de
Estado de Cultura, ao Conselho Estadual de Políticas Culturais, ao Fórum
Nacional de Secretários de Cultura, ao Fórum Estadual de Cultura, aos
Fóruns Regionais e demais fóruns que vierem a ser criados.” (art1º
Regimento interno do Fórum Estadual de Secretários e Dirigentes Municipais
de Cultura).

O Fórum reúne-se periodicamente, com representantes das gestões


municipais, para articularem-se tanto entre si, quanto com o órgão gestor estadual, no
compartilhamento de proposições, políticas, ações e trocas de experiências entre as
administrações públicas municipais.
Desde a sanção da lei do Sistema Estadual de Cultura, pouco se avançou
em relação aos planos de cultura (estadual e setoriais), no que tange ao
estabelecimento de ações e metas. Dentre as agendas que visaram esse objetivo,
constavam o I Fórum Estadual dos Segmentos Artísticos do RJ em agosto de 2017 e
a IV CEC, em agosto de 2018 (AMORIM; BORGES, 2019). Este último evento foi
realizado mesmo sem a convocatória nacional, e contou com nove etapas regionais e
vinte conferências municipais entre os meses de fevereiro a junho (SEC/RJ, 2018).
Todavia não houve sistematização dos resultados que tivesse por objetivo a
organização em forma de ações e metas do Plano.
A articulação do CEPC com os fóruns ajudou a orientá-los em sua gestão,
mas pouco de conteúdo concreto na implementação de ações para concretização do
Plano foi produzido. Os canais de informação do órgão também não sofreram
99

atualizações vigorosas sobre o tema do Sistema Estadual de Cultura. Nesse meio


tempo, é válido ressaltar a constante mudança de gestores da pasta, que
apresentavam empecilhos para a continuidade da política, embora ela permanecesse,
sobretudo por pressão da Comissão de Cultura da ALERJ. Aliás, é importante
sublinhar a importante atuação dessa Comissão, não só pela aprovação célere da lei
do Sistema Estadual de Cultura no Legislativo, como também por zelar pela sua
continuidade, convocando constantemente o Poder Executivo para prestar
esclarecimentos sobre o assunto, e pressionando-o, no limite de suas competências,
para efetivação de ações 21.
Na concepção de Amorim e Borges (2019) apesar de morosos avanços, a
institucionalização provocada pela implantação do Sistema Estadual trouxe alguns
ganhos, pois foi o instrumento que estabeleceu as bases legais que fortalecem a
atuação da área cultural no poder público, juntamente com participação cívica na
formulação, acompanhamento e controle das políticas. Não mencionado pelos
autores, é válido acrescentar os avanços recentes do Fundo Estadual de Cultura. Essa
instituição foi criada em 1998 pela Lei nº 2927, mas foi a lei do Sistema Estadual que
trouxe contribuições mais vigorosas sobre seu funcionamento, permitindo as
regulamentações mais recentes, trazidas pelo Decreto nº 46.981/2020 e pelo seu
Regimento Interno, na Resolução SECEC nº 82/2020, que estabelecem o CEPC na
atuação do Comitê Gestor.
De todo modo, os autores alertam para a real efetividade do sistema, dando
como exemplo os vazios de gestão pelos quais passou o CEPC entre os anos de 2017
e 2020. Apesar das críticas e dos períodos sem representantes, registra-se que o
órgão teve sua última eleição ocorrida no final de 2020 e com seus eleitos
empossados no início de 2021.
Administrativamente, a SEC/RJ estabeleceu uma Coordenação de
Políticas Culturais em 2015, voltada especificamente para a regulamentação e
implantação dos diversos instrumentos do Sistema, com destaque para a execução
do Programa de Formação e Qualificação Cultural, que chegou a ter duas edições.
Mas a coordenação foi extinta em 2018, o que é bastante sintomático. Em 2019, toda

21A exemplo da inserção de Emendas Modificativas (nº 5.184 e nº 5.185) e Emenda nº5.179 à Lei
Orçamentária Anual de 2022, que visam apoiar e fortalecer o Sistema Estadual de Cultura, inclusive
prevendo repasse do Fundo Estadual aos municípios fluminenses.
100

a documentação referente as ações da coordenação foram excluídas do site


institucional.
Amorim e Borges (2019) chamam atenção também para um fenômeno
importante para esta pesquisa. A implantação do sistema estadual e o aumento da
participação social foram relevantes para fazer com que a SEC/RJ assumisse a
vocação de ente estadual, ou seja, trabalhando como integrador de políticas junto aos
municípios fluminenses em articulação com o governo federal. Esse fenômeno deve
ser especialmente destacado aqui, pois as ações da SEC/RJ vieram estimular muitos
municípios fluminenses a investirem em políticas públicas de cultura, sem que antes
possuíssem um histórico de atuação na área.
As mobilizações que tinham como objetivo imediato atender às
convocatórias das CNCs, tiveram por reflexo o papel de integrar o ente estadual às
gestões municipais de cultura, em ações que passaram a andar para além dos
incentivos da União. Certamente os estímulos do Ministério da Cultura impulsionaram
esse processo, não só pelas conferências estaduais e municipais, como também pelo
convênio do PADEC, em especial na ação dos cursos para gestores e da
dinamização.
Também é correto dizer que esses processos encontraram um contexto
favorável, na pré-existência articulada de gestores e agentes culturais, seja pela
COMCULTURA/RJ22, seja pelos Fóruns. Os indivíduos que compunham essas
organizações, fossem eles pertencentes à gestão pública ou sociedade civil, reuniam
insatisfações a respeito da lógica institucional que pairava sobre as políticas culturais
e estavam sedentos por algum tipo de alternativa às suas realidades (ou, em uma
análise neointitucionalista, buscavam recursos de poder para que pudessem
empreender mudanças institucionais). E assim as ideias do SNC ganharam eco no
contexto fluminense, e o SNC por sua vez fortalece e amplia o potencial que já se
apresentava.
Todo o processo federal e estadual de estímulo às políticas culturais no
território fluminense transparece nos números. O Rio de Janeiro é um dos estados
cujas municipalidades apresentam mais aderência à política do SNC, ficando atrás

22A COMCULTURA e a UERJ encerraram as atividades do Seminário Permanente de Políticas


Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro entre 2011 e 2012. Em 2012, terminado o vínculo
com o Programa Cultura Viva, a COMCULTURA/RJ finalizaram suas atividades como Pontão de
Cultura e desfez sua personalidade jurídica, mas mantendo sua atuação como “movimento livre”
(COSTA, 2013).
101

apenas do Ceará e estando mesmo patamar que Santa Catarina, como se vê no


quadro abaixo:

Quadro 2- Percentual de municipalidades que aderiram ao SNC, por estado

Fonte: elaboração da autora , a partir da base de dados SNC, extraída de http://ver.snc.cultura.gov.br/,


acesso 01 fev. 2022

O Rio de Janeiro tem 76 municípios integrados ao SNC, ou seja 82,6% de


suas municipalidades. Somente no ano de 2013, 36 municípios realizaram a adesão.
E em 2014, 16. Cabe destacar, nesse período, os estímulos da III CNC e sua etapa
estadual nas municipalidades do estado, conforme demonstra o gráfico abaixo:

Gráfico 2- Percentual de adesão municipal ao SNC, Brasil e Estado do Rio de


Janeiro (2012 – 2021)

Fonte: elaboração da autora , a partir da base de dados SNC, extraída de http://ver.snc.cultura.gov.br/,


acesso 01 fev. 2022.

O gráfico acima também ilustra que a aderência no estado do Rio de


Janeiro ocorreu de maneira mais acelerada e intensa, quando comparada às demais
municipalidades brasileiras. Na comparação com os outros estados, também é
102

possível observar que o Rio de Janeiro é um dos que mais se destacam na quantidade
de instituições municipais relacionadas ao SMC, como conselhos, planos e fundos,
conforme ilustrado no quadro abaixo:

Quadro 3- Percentual de municipalidades com instituições ligadas ao SNC, por


estado

Fonte: Adaptado de Semensato e Barbalho (2020).

Assim, a despeito da ausência de regulamentação e de mecanismos


formalizados de indução do SNC (como a transferência de fundo), as municipalidades
do Rio de Janeiro empreenderam esforços para implementação do modelo. De tudo
que foi apreendido até aqui, há que se considerar que o contexto estadual, tanto no
que tange às mobilizações para o Sistema Estadual de Cultura, quanto na indução
federal via PADEC, distribuição de cartilhas, cursos, seminários e as idas de
representantes do Ministério da Cultura aos municípios, as CNCs, e também a prévia
organização do campo entre os gestores municipais devem ter contribuído para um
movimento mais acelerado de adesão e instauração das instituições.
A conjunção desses fatores desencadeou a disseminação da ideia em
agentes locais que encontraram na proposta do SNC caminhos institucionais que
atendiam melhor aos seus interesses que aqueles pré-estabelecidos. É o que foi
mencionado no capítulo anterior, quando os atores sociais abandonam o
comportamento de obediência aos arranjos institucionais correntes, visto que suas
expectativas não são mais atendidas. O próximo capítulo pontua quantitativamente
esse comportamento de indução do SNC nos municípios fluminenses, observando
como e em que medida as instituições relativas aos seus SMCs foram crescendo ao
longo dos anos.
103

5 A INDUÇÃO FEDERATIVA NA CRIAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES MUNICIPAIS

A pesquisa quantitativa apresentada a seguir tem por objetivo observar se


a adesão ao SNC, mesmo sem a regulamentação e sem o repasse de fundos,
estimulou a implementação da política em âmbito local, ou seja, a criação/manutenção
de instituições: órgão gestor, conselho municipal de política cultural), plano municipal
de cultura e fundo municipal de cultura.
A análise é feita através do cruzamento de duas bases de dados já
existentes. A primeira é a base de dados da Secretaria Especial da Cultura (ex-
Ministério da Cultura), na qual constam as datas de publicação do ACF de todos os
municípios do Brasil. A publicação do ACF é a concretização da adesão do município
à política. Isto é, embora muitos municípios comecem a empreender na reestruturação
da gestão de cultura antes da assinatura do acordo, considerou-se a data de
publicação do documento como marco oficial, uma vez que com ele o ente federado
se compromete formalmente a cumprir as diretrizes estabelecidas, dentre elas, a
criação das já mencionadas instituições. Este dado recorta os municípios que
aderiram dos que não aderiram à política, compondo a variável independente nesta
pesquisa quantitativa.
A segunda base de dados é a Pesquisa de Informações Básicas Municipais
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que dispõe de informações das
gestões municipais de cultura nos anos de 2006, 2014 e 2018. Esses dados compõem
as variáveis dependentes, quais sejam a existência de instituições municipais de
políticas culturais (Órgão gestor, CMPC, PMC e FMC).
A comparação entre as MUNICs, tendo por referência o cruzamento com
as datas do ACF, permite observar as mudanças ocorridas, fazendo uma espécie de
avaliação ex-ante e ex-post (IPEA, 2018a, 2018b) dos efeitos da adesão. Assim, a
MUNIC de 2006 retrata os municípios antes da adesão, e a de 2014 depois, nos
municípios que aderiram entre estes anos. Do mesmo modo, as MUNICs de 2014 e
2018 permitem comparar o antes e o depois nos municípios que fizeram a adesão
num segundo momento.
104

A intenção de comparar o estado dos municípios em duas MUNICs é


observar se os municípios que receberam a intervenção23 da política, de fato,
alteraram suas estruturas em direção às diretrizes estabelecidas por ela. A análise
permite ainda observar o comportamento daqueles municípios que não aderiram, os
quais funcionam como Grupo Controle (GC), ou seja, eles são um parâmetro
comparativo para a ausência de indução da política. Com isso, observamos se a
adesão ao SNC estimulou a criação das estruturas de gestão recomendadas pelo
SNC, e, caso o estímulo tenha sido positivo na criação das instituições, afere em que
medida isso ocorreu de modo mais significativo do que nos municípios dos GCs.
Além dos dois períodos (2006-2014 e 2014-2018) acima mencionados, as
MUNICs permitem uma análise de longo prazo (2006-2014-2018) para os municípios
que aderiram ao SNC no primeiro momento (antes de 2014), observando o estado
destes em 2014 e 2018. O padrão de comparação é o GC, composto pelos municípios
que nunca aderiram ao SNC. A análise em logo prazo é importante a fim de averiguar
se os municípios que criaram instituições num primeiro momento retrocederam em
seguida, extinguindo-as. Ou se em longo prazo, eles finalmente conseguiram criar as
estruturas de complexidade técnica maior, como o plano e o fundo.
Em suma, as três bases de dados da MUNIC permitem estabelecer dois
grupos a serem investigados, comparando sua situação anterior e posterior à adesão
da política. São eles:

(continua)
Quadro 4 - Grupos investigados nesta pesquisa
Grupo Descrição
Composto pelos municípios com publicação do ACF até março de 2015,
que é o período em que se encerrou a coleta de dados da MUNIC 2014.
Neste caso, a MUNIC 2006 viabiliza a análise “antes” e a MUNIC 2014,
o “depois”, auferindo a quantidade de municípios deste grupo que se
comportou em conformidade com as diretrizes do SNC ao criarem as
Grupo A (GA)
instituições de um SMC. O parâmetro de comparação é o Grupo Controle
A (GCA), composto pelos municípios que não aderiram ao SNC até
março de 2015. Observa-se em que medida o comportamento destes
municípios sem indução da política se aproximam dos mesmos
resultados alcançados pelos municípios que receberam a indução.
Composto pelos municípios que aderiram ao SNC entre abril de 2015 e
setembro de 2018, período em que foi encerrada a coleta de dados da
MUNIC 2018. Desse modo, a MUNIC 2014 viabiliza a análise “antes” da
Grupo B (GB)
adesão e a MUNIC 2018 viabiliza a análise “depois”. O Grupo Controle
de B (GCB) é composto pelos municípios que não aderiram ao SNC até
setembro de 2018

23 Intervenção, aqui, significa a indução provocada pela adesão ao SNC.


105

(conclusão)
Composta pelos mesmos municípios do GA, mas de forma a estender a
análise do comportamento destes até a MUNIC 2018. É importante frisar
Análise
que, neste caso, o Grupo Controle não é o GCA, pois este perdeu
longitudinal do
municípios que aderiram à política a partir de abril de 2015. Este Grupo
GA (GA long)
Controle é composto pelos municípios que não aderiram ao SNC até
setembro de 2018 (período do fim da coleta da MUNIC 2018)
Fonte: Elaborada da autora. .

Outras considerações metodológicas devem ser feitas em relação à


dimensão da população investigada. Atualmente o Brasil tem 5.570 municípios,
incluindo dois distritos: Fernando de Noronha e Distrito Federal (DF), cuja maior
cidade é Brasília. A divisão interna do DF é diferente da dos estados, pois não possui
municípios; e o seu Sistema de Cultura e demais instituições (Conselho, Plano e
Fundo) são referentes ao DF e não a Brasília. Por isso, embora na base de dados do
IBGE conste Brasília, ela foi retirada desta pesquisa. Fernando de Noronha, de
acordo com a legislação estadual pernambucana 24, funciona administrativamente
como município, por isso foi incluído. Assim, a base de dados elaborada para esta
pesquisa possui 5.569 municípios.
Entretanto, desse quantitativo é preciso considerar que: a) na MUNIC 2006,
2 municípios25 se recusaram a responder a pesquisa e outros 6 municípios26 ainda
não existiam; b) na MUNIC 2014, 2 municípios27 se recusaram a responder a
pesquisa. Com isso, no período analisado entre 2006-2014, 5.559 municípios
compõem o universo investigado. Já no período seguinte, 2014-2018, além daqueles
que se recusaram a responder à MUNIC 2014, mais 1 município 28 se recusou a
responder à MUNIC 2018; e são também excluídos os municípios que participaram /
assinaram a adesão no período 2006-2014. Assim, o universo de investigação deste
período contempla 3.610 municípios investigados.
Além das exclusões mencionadas acima, ocasionalmente, alguns
municípios, embora respondam às MUNICs, ignoram perguntas específicas sobre
existência de planos, conselhos ou fundos, e por isso não são incluídos na análise
específica daquele item. Mas a quantidade destes é mínima, frente ao número total
do universo investigado, sendo a diferença irrelevante no percentual. No caso do Rio

24 Lei nº 11.304/1995.
25 São Luís Gonzaga do Maranhão (MA) e São João da Ponte (MG).
26 Mojuí dos Campos (PA), Nazária (PI), Pescaria Brava (SC), Balneário Rincão (SC), Pinto Bandeira

(RS), Paraíso das Águas (MS).


27 Brejo de Areia (MA) Buriti (MA).
28 Brejo (MA).
106

de Janeiro, o universo investigado é o dos 92 municípios existentes no estado, e todos


respondem às MUNICs.
O quadro abaixo sintetiza os grupos que fazem parte da pesquisa e a
quantidade em cada um deles:

Quadro 5 - Quantidade de municípios a cada Grupo Investigado e seus Grupos de


Controle
período
Grupos MUNIC MUNIC Grupo
Descrição adesão ao Quantidade
investigados "antes" "depois" controle
SNC
3.606
municípios
municípios até brasileiros que
GA Brasil 2006 2014 1.953
brasileiros março/2015 não aderiram
até março de
2015
36 municípios
fluminenses
municípios até
GA Rio 2006 2014 56 que não
fluminenses março/2015
aderiram até
março de 2015
2.929
entre municípios
municípios abril/2015 e brasileiros que
GB Brasil 2014 2018 681
brasileiros setembro/ não aderiram
2018 até setembro
de 2018
17 municípios
entre abril/ fluminenses
municípios 2015 e que não
GB Rio 2014 2018 19
fluminenses setembro/ aderiram até
2018 setembro de
2018
2.929
municípios
GA Brasil municípios até brasileiros que
2006 2018 1.953
longitudinal brasileiros março/2015 não aderiram
até setembro
de 2018
17 municípios
fluminenses
GA Rio municípios até que não
2006 2018 56
longitudinal fluminenses março/2015 aderiram até
setembro de
2018
Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

A seguir são dispostas as análises antes e depois da adesão em todos


esses grupos, no que tange a órgãos gestores, conselhos, planos e fundo; logo após,
107

uma análise do conjunto dessas instituições (costumeiramente chamado de CPF da


cultura). Por fim, é apresentada uma síntese de todas as análises quantitativas.

5.1 Órgãos Gestores de Cultura

A expectativa gerada com a adesão ao SNC era que ocorresse o aumento


de estruturas exclusivas de gestão. Elas seriam caracterizadas preferencialmente
pelas secretarias exclusivas admitindo-se também órgãos da administração pública
indireta, tais como as fundações municipais de cultura29. Soma-se a essa expectativa
a redução de municípios que alegavam não ter nenhuma estrutura de gestão30 para o
setor.
Os dados da tabela abaixo demonstram a situação antes e depois da
adesão. De imediato nota-se que, na situação inicial, tanto no Brasil quanto no estado
do Rio de Janeiro, havia baixo percentual de estruturas exclusivas: 6,8% no Brasil e
23,9% do Rio de Janeiro. Mas, quando se observa o recorte dos municípios que
vieram a aderir ao SNC nos anos seguintes, o percentual de estruturas exclusivas é
maior. Na situação final, observa-se igualmente, percentuais maiores nos municípios
que aderiram.

Tabela 1 - Caracterização do órgão gestor de cultura (2006-2014) (%)


(continua)

Brasil Rio de Janeiro


Caracterização do
Órgão Gestor (%) GA GCA Brasil Rio
GA Rio GCA Rio
Brasil Brasil (total) (total)
Período inicial (MUNIC
2006)
Exclusivo 11,5 4,3 6,8 30,4 13,9 23,9
não exclusivo 87,6 92,4 90,7 69,6 86,1 76,1
não há 1,0 3,2 2,4 0,0 0,0 0,0
Período final (MUNIC 2014)
Exclusivo 30,3 16,6 21,4 57,1 33,3 47,8
não exclusivo 67,4 76,2 73,1 41,1 63,9 50,0
não há 2,3 7,3 5,5 1,8 2,8 2,2
Desempenho (2014-2006)
Exclusivo 18,8 12,2 14,6 26,8 19,4 23,9

29 São recomendadas como estruturas exclusivas as secretarias de cultura, prioritariamente, mas


também as fundações de cultura (BRASIL, 2011). Para fins da medição do atendimento à expectativa
da política, ambas as estruturas foram consideradas em igual patamar.
30 São consideradas estruturas de gestão, além das exclusivas, setor em conjunto com outra secretaria,

setor subordinado a outra secretaria, ou, setor subordinado à chefia do executivo. Se não há no
município nenhuma dessas estruturas, considera-se que não há estrutura para a cultura.
108

(conclusão)
não exclusivo -20,1 -16,3 -17,6 -28,6 -22,2 -26,1
não há 1,3 4,0 3,1 1,8 2,8 2,2
Atendimento à expectativa
(aumento de estruturas
17,6 8,2 11,5 25,0 16,7 21,7
exclusivas + redução de
inexistência)
Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

Na comparação entre a situação final e inicial (medida pelo desempenho,


no qual o percentual final é subtraído do inicial), constata-se um considerável aumento
de estruturas exclusivas de gestão, como consequência do decréscimo de estruturas
não exclusivas, em todos os grupos. Mas, destaca-se que dentre os municípios que
optaram pela adesão ao SNC, o crescimento das estruturas exclusivas foi maior que
seus grupos controle: de 18,8%, no GA Brasil; e de 26,8% no GA Rio. Constatei
também um pequeno aumento de municípios que passaram a não ter estruturas
específicas para a gestão de cultura.
Os gráficos abaixo ilustram o comportamento das estruturas de gestão
e demonstram que todos os grupos comportam-se no mesmo sentido. Isso sugere
que a criação de estruturas exclusivas, em detrimento das não exclusivas era
tendência do período. Mas, ressalto que tal comportamento é mais enfático entre os
municípios que aderiram, tanto no Brasil, quanto no Rio de Janeiro: GA Brasil supera
seu grupo controle em 9,4%, e GA Rio supera seu grupo controle em 8,3%. Isso leva
a crer que a adesão ao SNC acelerou este comportamento tendência, embora não
tenha sido determinante. A expectativa da política, medida pelo somatório do aumento
de estruturas exclusivas e redução de estruturas inexistentes, de igual modo, foi uma
tendência no período, inclusive entre os municípios que não aderiram
109

Gráfico 3 - Comportamento de órgãos gestores municipais, de 2006 a 2014 (%)

Aumento/redução dos tipos de órgãos gestores municipais,


de 2006 a 2014 (%)
30,0 26,8
23,9
18,8 19,4
20,0 14,6
12,2
10,0
3,1 1,3 4,0 2,2 1,8 2,8
0,0
exclusivo não exclusivo não há
-10,0

-20,0
-17,6 -16,3
-20,1 -22,2
-30,0 -26,1
-28,6
-40,0

Brasil GA Brasil GCA Brasil Rio GA Rio GCA Rio

Fonte: Elaboração a autora , com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

Gráfico 4- Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2006 a 2014 (%) -


órgão gestor

Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2006 a


2014 (%) - órgão gestor
30,0
25,0
25,0 21,7
20,0 17,6 16,7
15,0 11,5
10,0 8,2

5,0

0,0

Brasil (total) GA Brasil GCA Brasil Rio (total) GA Rio GCA Rio

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

As análises demonstraram que o período de 2006 a 2014 foi de expressiva


constituição de órgãos gestores exclusivos para a cultura, sobretudo nos municípios
que fizeram a adesão ao SNC. Porém como vemos a seguir, no período seguinte, de
2014 a 2018, esse quadro não se repete. Pelo contrário, constata-se a redução das
110

estruturas exclusivas, embora também haja pequena diminuição nos municípios que
declaravam a inexistência de qualquer estrutura para área da cultura.
A tabela abaixo demonstra que na situação inicial (2014) da política, tal
como no período anterior, é maior a existência de estruturas exclusivas nos municípios
que aderem ao SNC em comparação aos que não aderem, seja no Brasil, seja no Rio
de Janeiro. Porém ao longo do tempo, em números relativos, é maior a extinção desse
tipo de estrutura entre os municípios que aderiram, quando comparado aos Grupos
Controle.

Tabela 2- Caracterização do órgão gestor de cultura (2014-2018) (%)

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2015, 2019) e SNC (2021).

O gráfico abaixo, que ilustra a diferença entre a situação final e inicial em


cada grupo, deixa claro que, de modo geral, há um decréscimo de estruturas
exclusivas, e consequente aumento das não exclusivas – à exceção do grupo de
municípios fluminenses que não aderiu ao SNC (GCB Rio).
111

Gráfico 5-Comportamento de órgãos gestores municipais, de 2014 a 2018 (%)


Aumento/redução dos tipos de órgãos gestores municipais,
de 2014 a 2018 (%)
20,0
15,8
15,0

10,0 8,7
5,9 6,3 7,0 5,6
5,0
0,0
0,0
exclusivo não exclusivo não há
-1,5 -1,8 -1,9
-5,0 -2,2
-4,8 -5,3 -3,7 -5,9 -5,3
-10,0 -6,5
-10,5
-15,0

Brasil (total) GB Brasil GCB Brasil Rio (total) GB Rio GCB Rio

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2015, 2019) e SNC (2021).

O gráfico abaixo demonstra que os grupos que optaram pela adesão não
se comportaram de modo a atender à expectativa da política, qual era a de criar
estruturas exclusivas e reduzir a inexistência. O mesmo comportamento é observado
no GC. No caso dos municípios fluminenses que não aderiram, houve um
comportamento atípico em relação aos demais, de atendimento à expectativa.

Gráfico 6 - Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2014 a 2018 (%) -


órgão gestor

Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2014 a


2018 (%) - órgão gestor
8,0
5,9
6,0
4,0
2,0
0,0
-2,0
-1,8
-4,0 -3,3 -3,5
-6,0 -4,3
-5,3
Brasil (total) GB GCB Brasil Rio (total) GB GCB
Brasil Rio Rio

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2015, 2019) e SNC (2021).
112

Os dados demonstram que se o primeiro período, de 2006 a 2014, foi


frutífero na criação de estruturas exclusivas (para todos, mas, sobretudo para aqueles
que aderiram), o segundo período a tendência foi a extinção de estruturas exclusivas,
e sua conversão para não exclusivas. E isso ocorreu na maioria dos grupos, exceto
pelo Grupo Controle do Rio de Janeiro. Essa constatação é um forte indício de que a
política do SNC é pouco determinante na indução da instituição de órgãos gestores,
e possivelmente outras variáveis em nível local são mais relevantes para explicar esse
comportamento. No caso do Rio de Janeiro, é válido considerar a crise estadual
decorrente da queda de arrecadação de Royalties, que afetou às administrações
públicas municipais.
Para além da análise isolada entre os períodos é importante acompanhar
os impactos da política em longo prazo, viável nos municípios que aderiram à política
no primeiro período, seguindo sua trajetória até 2018. É válido relembrar que nesse
caso o GC é feito pelos municípios que não aderiram ao SNC até setembro de 2018.
A tabela abaixo demonstra o aumento de estruturas exclusivas no primeiro
período em todos os grupos. Essa era uma tendência no Brasil e no Rio de Janeiro,
independente da adesão ou não à política do SNC. Já no segundo período, em
corroboração com o GB, há o movimento contrário, de redução das estruturas
exclusivas e aumento das não exclusivas – exceto pelos municípios fluminenses que
não aderiram.

Tabela 3 - Caracterização do órgão gestor de cultura (2006-2014-2018)


(continua)
Brasil Rio de Janeiro
Caracterização do Brasi
GA GCA GCA
l GA Rio Rio
Órgão Gestor (%) Brasil Brasil Rio
(total long (total)
long long long
)
Período inicial (MUNIC 2006)
exclusivo 11,5 3,4 6,8 30,4 5,9 23,9
não exclusivo 87,6 92,9 90,7 69,6 94,1 76,1
não há 1,0 3,7 2,4 0,0 0,0 0,0
Período médio (MUNIC 2014)
exclusivo 30,3 15,3 21,4 57,1 29,4 47,8
não exclusivo 67,4 76,7 73,1 41,1 70,6 50,0
não há 2,3 8,0 5,5 1,8 0,0 2,2
Período final (MUNIC 2018)
exclusivo 24,0 11,7 16,6 48,2 35,3 41,3
113

(conclusão)

não exclusivo 74,7 82,2 79,4 51,8 64,7 58,7


não há 1,3 6,2 4,0 0,0 0,0 0,0
Desempenho 1º período
(2014-2006)
exclusivo 18,8 11,9 14,6 26,8 23,5 23,9
não exclusivo -20,1 -16,3 -17,6 -28,6 -23,5 -26,1
não há 1,3 4,3 3,1 1,8 0,0 2,2
expectativa 1º período 20,1 16,3 17,6 28,6 23,5 26,1
Desempenho 2º período
(2018-2014)
exclusivo -6,3 -3,7 -4,8 -8,9 5,9 -6,5
não exclusivo 7,3 5,5 6,3 10,7 -5,9 8,7
não há -1,0 -1,8 -1,5 -1,8 0,0 -2,2
expectativa 2º período -7,3 -5,5 -6,3 -10,7 5,9 -8,7
Desempenho total (2018-2006)
exclusivo 12,5 8,3 9,8 17,9 29,4 17,4
não exclusivo -12,8 -10,8 -11,3 -17,9 -29,4 -17,4
não há 0,3 2,5 1,5 0,0 0,0 0,0
expectativa total 12,8 10,8 11,3 17,9 29,4 17,4
Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Os gráficos abaixo demonstram a mesma tendência, no Brasil, entre os que


aderiram e os que não, com a diferença de que o crescimento de estruturas exclusivas
é mais enfático entre os que aderiram:

Gráfico 7 - Tipo de órgão gestor dos municípios brasileiros que aderiram ao


SNC, 2006-2014-2018 (%)

Tipo de órgão gestor dos municípios brasileiros


que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
30,3 24,0
10%
11,5
0%
2006 2014 2018

exclusivo não exclusivo não há

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).
114

Gráfico 8- Tipo de órgão gestor dos municípios brasileiros que não aderiram
ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Tipo de órgão gestor dos municípios brasileiros


que NÃO aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10% 15,3 11,7
0% 3,4
2006 2014 2018

exclusivo não exclusivo não há

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Já no Rio de Janeiro, as tendências opostas de crescimento de estruturas


exclusivas do GC, em relação ao GA Rio Longitudinal, não parecem tão discrepantes
quando se observa os gráficos comparados. Ocorre que essas estruturas já se
apresentavam inicialmente em GA e tiveram um crescimento acentuado no primeiro
período, o que faz com que o decrescimento do segundo não seja tão gritante. Porém,
o gradual crescimento no Grupo Controle é preciso ser observado com atenção.
115

Gráfico 9-Tipo de órgão gestor dos municípios fluminenses que aderiram ao


SNC, 2006-2014-2018 (%)

Tipo de órgão gestor dos municípios fluminenses


que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30% 57,1
48,2
20%
30,4
10%
0%
2006 2014 2018

exclusivo não exclusivo não há

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Gráfico 10- Tipo de órgão gestor dos municípios brasileiros que não aderiram
ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Tipo de órgão gestor dos municípios fluminenses


que NÃO aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20% 35,3
29,4
10%
0% 5,9
2006 2014 2018

exclusivo não exclusivo não há

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

O gráfico abaixo deixa claro que, se a tendência no primeiro período foi um


relevante percentual de criação de estruturas exclusivas entre os municípios que
116

aderiram, no segundo período, isso não se sustenta. Em longo prazo, o decréscimo


do segundo período é, em muito superada pelo alto crescimento do primeiro. Por isso,
a despeito do período infrutífero, é possível observar um aumento dessas estruturas,
se considerada a situação de 2006. Mas esse crescimento ocorre em todos os grupos,
inclusive nos que não aderiram, e ainda com mais ênfase no Rio de Janeiro.

Gráfico 11- Comportamento das estruturas exclusivas de gestão, Brasil e no


Estado do Rio de Janeiro , 2006-2014-2018 (%)

Aumento/redução de estruturas exclusivas de gestão, Brasil e


Rio de Janeiro , 2006-2014-2018 (%)
40
29,4
30 26,8
23,5
18,8 17,9
20
11,9 12,5
5,9 8,3
10
-3,7
0
desempenho 1º período desempenho 2º período desempenho total
-10 -6,3
-8,9
-20

Brasil (total) GA Brasil long GCA Brasil long Rio (total) GA Rio long GCA Rio long

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

O gráfico abaixo sintetiza o percentual de atendimento à expectativa da


política, que é o somatório do aumento das estruturas exclusivas para a cultura e da
redução de inexistência de estrutura. Os resultados, semelhantes ao gráfico anterior,
reforçam que o comportamento foi tendência no período de 2006 a 2018, com pouca
influência da indução do SNC. O comportamento discrepante do Grupo Controle do
Rio de Janeiro, endossa essa afirmativa.
117

Gráfico 12 - Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-2014-2018


(%) - conselhos

Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-2014-


2018 (%)
40,0
28,6 29,4
30,0 23,5
20,1 17,9
20,0 16,3
12,810,8
10,0 5,9
-7,3 -5,5
0,0
1º período 2º período período total
-10,0
-10,7
-20,0

Brasil (total) GA Brasil long GCA Brasil long Rio GA Rio long GCA Rio long
(total)

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

O grupo de municípios brasileiros que aderiu à política até março de 2015,


atendeu em maior grau a sua expectativa, seja aumentando as estruturas exclusivas
ou reduzindo a inexistência de estruturas de gestão de cultura. Em longo prazo, este
grupo apresentou um desempenho de 12,8% na expectativa da política. Por outro
lado, esse desempenho supera em muito pouco o GC – apenas 2%, levando a crer
que a interferência da política foi baixa.
Os municípios fluminenses que aderiram, em longo prazo, também
apresentaram comportamento em direção à expectativa da política, em 17,9%. Mas o
grupo controle também se comportou com a mesma tendência, e com resultados
melhores, superando em 11,6% o desempenho dos que aderiram. Os dados indicam
que em longo prazo a adesão ao SNC não interferiu, ou pouco interferiu, na
institucionalização de estruturas de gestão.

5.2 Conselhos Municipais de Política Cultural

Com a adesão ao SNC, espera-se o crescimento de conselhos municipais


de cultura e que se reduzam os inexistentes e aqueles anteriores a 2002, que em geral
118

apresentavam formato incompatível com a proposta da política (BRASIL, 2011) 31. É


essa redução que será utilizada como parâmetro para auferir o desempenho dos
grupos em relação à política.
Os dados da tabela abaixo demonstram, de imediato, que inicialmente
existiam mais conselhos recentes entre os municípios brasileiros e fluminenses que
fizeram a adesão. Observa-se, até 2014, o aumento de conselhos em todos os grupos,
sejam essas estruturas criadas entre os anos de 2003 e 2010, sejam a partir de 2011.
Mas ressalta-se, como fica claro nos gráficos abaido, que o maior atendimento à
expectativa gerada pela política, qual seja, a de redução de conselhos antigos e
inexistentes, embora ocorra em todos os grupos, é mais intensa entre os grupos que
aderiram à política, sobretudo no Rio de Janeiro.

Tabela 4- Existência de conselhos de cultura (2006-2014) (%)


Brasil Rio de Janeiro
Existência de conselhos e
ano de criação (%) GCA Brasil Rio
GA Brasil GA Rio GCA Rio
Brasil (total) (total)
Período inicial (MUNIC 2006)
anterior a 2002 12,7 7,5 9,3 25,0 30,6 27,2
entre 2003 e 2010 10,2 6,1 7,6 14,3 2,8 9,8
posterior a 2011 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
não informa ano 0,2 0,1 0,2 0,0 2,8 1,1
não há 76,9 86,3 83,0 60,7 63,9 62,0
Período final (MUNIC 2014)
anterior a 2002 8,2 6,5 7,1 16,1 25,0 19,6
entre 2003 e 2010 25,2 14,6 18,4 30,4 36,1 32,6
posterior a 2011 24,5 6,2 12,6 30,4 8,3 21,7
não informa ano 0,4 0,6 0,5 0,0 0,0 0,0
não há 41,7 72,0 61,4 23,2 30,6 26,1
Desempenho (2014-2006)
anterior a 2002 -4,5 -0,9 -2,2 -8,9 -5,6 -7,6
entre 2003 e 2010 15,0 8,5 10,8 16,1 33,3 22,8
posterior a 2011 24,5 6,2 12,6 30,4 8,3 21,7
não informa ano 0,2 0,5 0,4 0,0 -2,8 -1,1
não há -35,1 -14,3 -21,6 -37,5 -33,3 -35,9
Atendimento à expectativa
(redução de conselhos antigos 39,6 15,2 23,8 46,4 38,9 43,5
+ redução de inexistentes)
Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

31Os conselhos anteriores a 2002, em geral, apresentavam formato não paritário e/ou de conselheiros
representantes da sociedade civil não eleitos e sim indicados pela gestão. A esse respeito ver, entre
outros, Rubim, Fernandes e Rubim (2010).
119

Gráfico 13- Aumento/redução dos tipos de conselhos municipais, de 2006 a


2014 (%)

Aumento/redução dos tipos de conselhos municipais, de 2006 a


2014 (%)
40,0
33,3
30,4
30,0 24,5
22,8 21,7
20,0 15,0 16,1
10,8 12,6
8,5 8,3
10,0 6,2

0,0 -0,9
anterior a 2002
-2,2 entre 2003 e 2010 posterior a 2011 não há
-10,0 -4,5
-7,6-8,9-5,6
-20,0 -14,3
-21,6
-30,0

-40,0 -35,1 -35,9 -33,3


-37,5
-50,0

Brasil GA Brasil GCA Brasil Rio GA Rio GCA Rio

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

Gráfico 14- Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2006 a 2014 (%)
– conselhos de cultura

Atendimento à expectativa gerada pela política, de


2006 a 2014 (%) - conselhos de cultura
50,0 46,4
43,5
39,6 38,9
40,0

30,0 23,8
20,0 15,2

10,0

0,0

Brasil (total) GA Brasil GCA Brasil Rio (total) GA Rio GCA Rio

Fonte: Elaboração do autora, com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).
120

Destaca-se a grande discrepância entre os grupos que aderiram ao SNC e


seus GC. No Brasil, o grupo que optou pela adesão supera o seu GC com uma
diferença de 24,4%. Já no Rio de Janeiro, apesar do melhor desempenho do grupo
que aderiu à política, o Grupo Controle também se comportou da mesma forma, sendo
superado em apenas 7,5%.
No período seguinte, de 2014 a 2018, observa-se igual tendência de redução
dos conselhos antigos e inexistentes:

Tabela 5- Existência de conselhos de cultura (2014-2018)


Brasil Rio de Janeiro
Existência de conselhos e Brasi
Rio
ano de criação (%) GB GCB l
GB Rio GCB Rio (total
Brasil Brasil (total
)
)
Período inicial (MUNIC
2014)
anterior a 2002 8,8 6,0 7,1 31,6 17,6 19,6
entre 2003 e 2010 19,7 13,5 18,3 42,1 29,4 32,6
posterior a 2011 10,7 5,2 12,6 10,5 5,9 21,7
não informa ano 1,2 0,5 0,5 0,0 0,0 0,0
não há 59,6 74,8 61,4 15,8 47,1 26,1
Período final (MUNIC 2018)
anterior a 2002 7,2 5,6 6,2 10,5 11,8 10,9
entre 2003 e 2010 13,5 11,5 15,2 31,6 23,5 31,5
posterior a 2011 28,8 9,3 20,4 26,3 11,8 31,5
não informa ano 0,6 0,1 0,4 5,3 0,0 1,1
não há 49,9 73,5 57,8 26,3 52,9 25,0
Desempenho (2018-2014)
anterior a 2002 -1,6 -0,4 -0,9 -21,1 -5,9 -8,7
entre 2003 e 2010 -6,2 -2,0 -3,2 -10,5 -5,9 -1,1
posterior a 2011 18,1 4,1 7,8 15,8 5,9 9,8
não informa ano -0,6 -0,3 -0,1 5,3 0,0 1,1
não há -9,7 -1,4 -3,6 10,5 5,9 -1,1
Atendimento à expectativa
(redução de conselhos
11,3 1,8 4,5 10,5 0,0 9,8
antigos + redução de
inexistentes)
Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2015, 2019) e SNC (2021).

Notou-se também uma interessante movimentação de redução de


conselhos criados entre 2003 e 2010, que deram lugar a conselhos ainda mais novos,
posteriores a 2011. No gráfico abaixo, que ilustra o crescimento e redução dos
121

conselhos em todos os grupos, é notável que entre os que aderiram à política é maior
o crescimento de conselhos posteriores a 2011.

Gráfico 15- Comportamento dos conselhos municipais, de 2014 a 2018 (%)


Aumento/redução dos tipos de conselhos municipais de
cultura, de 2014 a 2018 (%)
25

20 18,1
15,8
15
9,8 10,5
10 7,8
5,9 5,9
4,1
5

0 -0,4
anterior
-0,9 a 2002 entre 2003 e 2010 posterior a 2011 não-1,1

-5 -1,6 -2,0-1,1 -1,4
-3,2 -3,6
-5,9 -6,2 -5,9
-10
-8,7 -9,7
-10,5
-15

-20
-21,1
-25

Brasil GB Brasil GCB Brasil Rio GB Rio GCB Rio

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2015, 2019) e SNC (2021).

Abaixo, é possível visualizar o desempenho dos grupos no atendimento à


expectativa da política, medida pelo somatório da redução de conselhos antigos e
inexistentes. O grupo que aderiu à política, no Brasil, apresenta um desempenho
melhor que os que não aderiram, com uma diferença de 9,5%. E, no caso do Rio de
Janeiro, a superação é de 10,5%.
122

Gráfico 16- Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2014 a 2018 (%)
– conselhos de cultura

Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2014 a


2018 (%) - conselhos de cultura
12 11,3
10,5
9,8
10

6
4,5
4
1,8
2
0,0
0

Brasil (total) GB Brasil GCB Brasil Rio (total) GB Rio GCB Rio

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2015; 2019) e SNC (2021).

Assim, tanto o período de 2006-2014, quanto o de 2014-2018 é visto que


as diretrizes da política apresentam-se, de modo geral, como tendência. Mas, que
essa tendência é ainda maior entre aqueles que aderiram a ela.
A análise em longo prazo reafirma as tendências constatadas no primeiro
e segundo períodos. Houve o crescimento acelerado de conselhos no primeiro
período, que se sustenta no período seguinte, entre os municípios que aderiram.
Inclusive, alguns deles recriam novamente os conselhos com data posterior a 2011.

Tabela 6- Existência de conselhos de cultura (2006-2014-2018) (%)


(continua)

Brasil Rio de Janeiro


Existência de conselhos e ano Brasi
GA GCA GCA
de criação (%) l GA Rio Rio
Brasil Brasil Rio
(total long (total)
long long long
)
Período inicial (MUNIC 2006)
anterior a 2002 12,7 6,5 9,3 25,0 17,6 27,2
entre 2003 e 2010 10,2 5,7 7,6 14,3 0,0 9,8
posterior a 2011 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
não informa ano 0,2 0,2 0,2 0,0 5,9 1,1
não há 76,9 87,7 83,0 60,7 76,5 62,0
Período médio (MUNIC 2014)
123

(conclusão)
anterior a 2002 8,2 6,0 7,1 16,1 17,6 19,6
entre 2003 e 2010 25,2 13,5 18,3 30,4 29,4 32,6
posterior a 2011 24,5 5,2 12,6 30,4 5,9 21,7
não informa ano 0,4 0,5 0,5 0,0 0,0 0,0
não há 41,7 74,8 61,4 23,2 47,1 26,1
Período final (MUNIC 2018)
anterior a 2002 6,9 5,5 6,2 10,7 11,8 10,9
entre 2003 e 2010 21,0 11,6 15,2 33,9 23,5 31,5
posterior a 2011 34,4 9,3 20,4 39,3 11,8 31,5
não informa ano 0,9 0,1 0,4 0,0 0,0 1,1
não há 36,8 73,5 57,8 16,1 52,9 25,0
Desempenho 1º período
(2014-2006)
anterior a 2002 -4,5 -0,4 -2,2 -8,9 0,0 -7,6
entre 2003 e 2010 15,0 7,8 10,8 16,1 29,4 22,8
posterior a 2011 24,5 5,2 12,6 30,4 5,9 21,7
não informa ano 0,2 0,3 0,4 0,0 -5,9 -1,1
não há -35,1 -12,8 -21,6 -37,5 -29,4 -35,9
expectativa 1º período 39,6 13,3 23,8 46,4 29,4 43,5
Desempenho 2º período
(2018-2014)
anterior a 2002 -1,3 -0,5 -0,9 -5,4 -5,9 -8,7
entre 2003 e 2010 -4,2 -1,9 -3,2 3,6 -5,9 -1,1
posterior a 2011 9,9 4,1 7,8 8,9 5,9 9,8
não informa ano 0,5 -0,3 -0,1 0,0 0,0 1,1
não há -4,9 -1,4 -3,6 -7,1 5,9 -1,1
expectativa 2º período 6,2 1,9 4,5 12,5 0,0 9,8
Desempenho total (2018-2006)
anterior a 2002 -5,8 -1,0 -3,1 -14,3 -5,9 -16,3
entre 2003 e 2010 10,8 5,9 7,6 19,6 23,5 21,7
posterior a 2011 34,4 9,3 20,4 39,3 11,8 31,5
não informa ano 0,7 0,0 0,3 0,0 -5,9 0,0
não há -40,0 -14,2 -25,2 -44,6 -23,5 -37,0
expectativa total 45,8 15,2 28,3 58,9 29,4 53,3
Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

O crescimento de conselhos nos municípios brasileiros é ilustrado nos


gráficos abaixo, sendo que no primeiro, dos municípios que aderiram à política, a
redução de conselhos antigos (em vermelho) ocorre de modo mais gritante que no
segundo, dos municípios que não aderiram.
124

Gráfico 17- Existência de conselhos nos municípios brasileiros que aderiram ao SNC,
2006-2014-2018 (%)

Existência de conselhos nos municípios brasileiros


que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018
100%
90%
80% 41,7 36,8
70%
60% 76,9
50%
24,5 34,4
40%
30%
0,0
20% 10,2 25,2 21,0
10%
12,7 8,2 6,9
0%
2006 2014 2018

anterior a 2002 entre 2003 e 2010 posterior a 2011 não há

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Gráfico 18- Existência de conselhos nos municípios brasileiros que não


aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Existência de conselhos nos municípios brasileiros


que NÃO aderiram ao SNC, 2006-2014-2018
100%
90%
80%
70%
60% 74,8 73,5
87,7
50%
40%
30%
20% 5,2 9,3
10% 0,0 13,5 11,6
5,7
0% 6,5 6,0 5,5
2006 2014 2018

anterior a 2002 entre 2003 e 2010 posterior a 2011 não há

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

No Rio de Janeiro é possível observar a também acentuada e constante


redução de conselhos antigos e inexistentes, comportamento representado pelas
áreas em vermelho e azul respectivamente. O mesmo não ocorre com o GC.
125

Gráfico 19- Existência de conselhos nos municípios fluminenses que aderiram ao


SNC, 2006-2014-2018 (%)

Existência de conselhos nos municípios


fluminenses que aderiram ao SNC, 2006-2014-
2018
100%
23,2 16,1
80%
60,7
60% 30,4 39,3

40% 0,0
14,3 30,4 33,9
20%
25,0
16,1 10,7
0%
2006 2014 2018

anterior a 2002 entre 2003 e 2010 posterior a 2011 não há

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Gráfico 20- Existência de conselhos nos municípios fluminenses que não aderiram ao
SNC, 2006-2014-2018 (%)

Existência de conselhos nos municípios


fluminensens que NÃO aderiram ao SNC, 2006-
2014-2018
100%

80% 47,1 52,9


60% 76,5
5,9
40% 11,8
29,4
0,0 23,5
20%
0,0
17,6 17,6 11,8
0%
2006 2014 2018

anterior a 2002 entre 2003 e 2010 posterior a 2011 não há

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Salienta-se que a região verde do gráfico representa os percentuais de


crescimento de conselhos posteriores a 2011, período em que as diretrizes da política
126

do SNC estavam mais consolidadas. Nota-se que entre os grupos que aderiram à
política os crescimentos são mais acentuados.
Por último, o gráfico abaixo demonstra que a expectativa gerada pela
política, medida pela redução de conselhos antigos e inexistentes, também se
apresenta como tendência em todos, inclusive entre os municípios que não aderiram.
Porém, é bastante válido destacar que, em longo prazo, GA Brasil supera seu GC em
30,6%, e que GA Rio supera seu Grupo Controle em 29,5%. É um diferencial
relevante, supondo que, de fato, há indução do SNC na criação de conselhos
municipais de cultura.

Gráfico 21- Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-2014-2018 (%) –


conselhos de cultura

Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-2014-2018


(%) - conselhos de cultura
70,0
58,9
60,0
50,0 46,4 45,8
39,6
40,0
29,4 29,4
30,0
20,0 13,3 12,5 15,2
10,0 6,2
1,9 0,0
0,0
1º período 2º período período total
Brasil (total) GA Brasil long GCA Brasil long

Rio GA Rio long GCA Rio long


(total)

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007,2015, 2019) e SNC (2021).

5.3 Planos Municipais de Cultura

Uma das expectativas gerada pela adesão ao SNC é o aumento de PMCs


aprovados em lei. Outra é que os municípios que não apresentem plano pelo menos
se declarem em processo de elaboração, um status que não cumpre a proposta da
política (que é ter um plano aprovado em lei), mas que demonstra o encaminhamento
para tal. Assim, o resultado esperado pela política é medido pela redução da
127

inexistência de planos – esse dado acaba por englobar tanto a criação de planos, com
e sem lei, quanto os processos de elaboração.
A análise sobre planos possui limitadores, em decorrência de diferenças
das bases de dados: a de 2006 é mais simplificada que as de 2014 e 2018 32. A
primeira não distingue se os planos de cultura existentes constam em lei, ou não;
nem aborda os processos de elaboração. Em decorrência das diferenças, a análise
do período 2006-2014, teve as variáveis de 2014 primeiramente contabilizadas em
separado, mas em seguida, na avaliação do desempenho, foram simplificadas,
equiparando-se a existência de planos com e sem lei, assim como a ausência de
planos e planos em elaboração.
A análise do período 2006-2014, disposta na tabela abaixo demonstra,
tanto nos dados detalhados de 2014, quanto no desempenho, uma redução de planos
na maioria dos grupos, se comparada à existência de planos de 2006 (exceto no
Grupo Controle do Rio de Janeiro, em que houve um aumento de planos de 2,8%).

Tabela 7- Aumento de Planos de Cultura 2006-2014


Brasil Rio de Janeiro
Brasi
Existência de planos (%) Rio
GA GCA l GCA
GA Rio (total
Brasil Brasil (total Rio
)
)
Período inicial (MUNIC 2006)
existe 16,4 9,0 11,6 21,4 13,9 18,5
não existe 83,6 91,0 88,4 78,6 86,1 81,5
Período final (MUNIC 2014)
Plano com lei 11,4 2,9 5,9 16,1 11,1 14,1
Plano sem lei 3,2 2,2 2,6 1,8 5,6 3,3
Em elaboração 40,6 14,5 23,6 55,4 27,8 44,6
Não há 44,8 80,5 68,0 26,8 55,6 38,0
Desempenho (2014-2006)
existência (com ou sem lei) -1,8 -3,9 -3,2 -3,6 2,8 -1,1
inexistência (em elaboração/não
1,8 3,9 3,2 3,6 -2,8 1,1
há)
Atendimento à expectativa
(redução da inexistência de 38,8 10,5 20,4 51,8 30,6 43,5
planos)
Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

32Ao questionarem o gestor sobre a existência de planos municipais, as MUNICs de 2014 e 2018 dão
como alternativas de resposta: a) plano com lei; b) plano sem lei; c) plano em elaboração; d) não há.
As alternativas são excludentes, e por isso a medição da expectativa da política se dará pela a
alternativa “d” diminuída da quantidade de planos declarados inexistentes em 2006. Assim, os grupos
que demonstrarem atendimento à expectativa estarão com planos ou em processo de elaboração,
em 2014.
128

À primeira vista, a redução de planos contraria a expectativa da política. No


entanto, é preciso olhar criticamente os dados de 2006, considerando que o
percentual de planos pode estar inflado, seja pela indistinção de planos com ou sem
lei, seja pela percepção que se tinha sobre planos na época, diferente da concepção
que se delineou nos anos seguintes, assumindo-os como um planejamento, em lei,
decenal e elaborados de forma participativa33. Esse olhar crítico sobre os dados de
2006 é inclusive apontado em IBGE (2014).
O gráfico abaixo ilustra o comportamento decrescente de planos em todos
os grupos (exceto no GC do Rio de Janeiro). Para sua elaboração foram consideradas
as variáveis de 2014 simplificadas, em que planos com e sem lei são equiparados.

Gráfico 22 - Comportamento dos planos municipais de cultura, de


2006 a 2014 (%)

Aumento/redução dos planos municipais de cultura, de 2006


a 2014 (%)
4,0 2,8
2,0

0,0
existência (com ou sem lei)
-2,0 -1,1
-3,2 -1,8
-4,0
-3,9 -3,6
-6,0

Brasil GA Brasil GCA Brasil Rio GA Rio GCA Rio

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

Apesar da simplificação das variáveis no gráfico, é válido destacar que o


aumento de planos do Grupo Controle Rio de Janeiro é, em boa parte, explicado pela
existência de planos sem lei, em 2014. Nesse sentido, quando se observa
isoladamente os planos com lei, o retrato de 2014 mostra o maior percentual dentre
os grupos que fizeram a adesão.

33Sobre o papel dos planos de cultura para a política cultural implementada pelo Governo Federal no
período em análise nesta tese ver, entre outros, Rubim (2019).
129

Gráfico 23- Existência de Planos, com lei em 2014 (%)


Existência de Planos, com lei em 2014 (%)
20,0
16,1
14,1
15,0
11,4 11,1
10,0
5,9
5,0 2,9

0,0

Brasil (total) GA Brasil GCA Brasil Rio (total) GA Rio GCA Rio

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

Já em relação ao atendimento da expectativa da política, destaca-se o


maior percentual alcançado pelos municípios que fizeram a adesão:

Gráfico 24 - Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2006 a 2014 (%) -


planos de cultura

Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2006 a


2014 (%) - planos de cultura
60,0 51,8
43,5
38,8
40,0 30,6
20,4
20,0 10,5

0,0

Brasil (total) GA Brasil GCA Brasil Rio (total) GA Rio GCA Rio

Fonte: Elaboração da autora com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

No gráfico acima observa-se que o GA Brasil supera seu GC em 28,3%. E


o GA Rio supera seu GC em 21,2%. Apesar dos percentuais animadores, é preciso
frisar que essa expectativa precisa ser acompanhada em longo prazo, posto que este
dado incluiu os planos em processo de elaboração, não havendo garantias que eles
venham se concretizar nos anos seguintes. A análise de longo prazo, feita mais
adiante, fornecerá um parecer mais profundo do atendimento dessa expectativa.
130

Diferente do primeiro período, a análise de 2014-2018 não sofre com o


problema da incompatibilidade das variáveis. Assim é possível avaliar com mais
clareza a evolução dos percentuais de todas as situações relacionadas aos planos.

Tabela 8 -Aumento de Planos de Cultura 2014-2018


Brasil Rio de Janeiro
Brasi
Existência de planos (%) Rio
GB GCB l
GB Rio GCB Rio (total
Brasil Brasil (total
)
)
Período inicial (MUNIC
2014)
Plano com lei 5,6 2,2 5,9 15,8 5,9 14,1
Plano sem lei 2,5 2,1 2,6 5,3 5,9 3,3
Em elaboração 22,3 12,6 23,6 21,1 35,3 44,6
Não há 69,6 83,0 67,9 57,9 52,9 38,0
Período final (MUNIC 2018)
Plano com lei 9,4 3,3 9,7 47,4 11,8 41,3
Plano sem lei 1,9 1,7 2,0 5,3 0,0 3,3
Em elaboração 32,3 10,2 17,5 21,1 23,5 20,7
Não há 56,4 84,9 70,8 26,3 64,7 34,8
Desempenho (2018-2014)
Plano com lei 3,8 1,1 3,9 31,6 5,9 27,2
Plano sem lei -0,6 -0,4 -0,6 0,0 -5,9 0,0
Em elaboração 10,0 -2,5 -6,2 0,0 -11,8 -23,9
Não há [expectativa] -13,2 1,8 2,8 -31,6 11,8 -3,3
Atendimento à expectativa
(redução da inexistência de 13,2 -1,8 -2,8 31,6 -11,8 3,3
planos)
Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2015, 2019) e SNC (2021).

A tabela demonstra o aumento da existência de planos com lei em todos


os grupos, sendo melhor resultado entre os que aderiram à política, sobretudo entre
os municípios fluminenses, onde GB Rio supera seu Grupo Controle em 25,7%.
131

Gráfico 25 - Aumento dos planos municipais de cultura em lei,


de 2014 a 2018 (%)

Aumento dos planos municipais de cultura em lei, de 2014 a


2018 (%)
35 31,6
30 27,2
25
20
15
10
5,9
3,8
5
3,9 1,1
0
plano com lei

Brasil GB Brasil GCB Brasil Rio GB Rio GCB Rio

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2015, 2019) e SNC (2021).

No atendimento à expectativa, medida pela redução da inexistência de planos


observam-se discrepâncias interessantes. Os grupos controles tiveram um
comportamento negativo, significando que dentre eles aumentou a inexistência de
planos. Os grupos que aderiram, tanto do Brasil como do Rio de Janeiro, ao contrário,
tiveram redução nessa inexistência.

Gráfico 26- Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2014 a 2018 (%) -
planos de cultura

Atendimento à expectativa gerada pela política, de 2014 a


2018 (%) - planos de cultura
40 31,6
30
20 13,2
10 3,3
0
-10 -2,8 -1,8
-20 -11,8

Brasil (total) GB Brasil GCB Brasil Rio (total) GB Rio GCB Rio

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2015, 2019) e SNC (2021).
132

No gráfico observa-se que GB Brasil supera seu GC em 15,1%, enquanto


GB Rio supera seu GC em: 43,3%. Não somente os valores altos devem ser
destacados, como também as tendências contrárias, que são forte indício de que a
indução do SNC é determinante no estímulo para elaboração de planos.
No caso das bases de dados com variáveis semelhantes é possível fazer
um adendo à análise e observar em maior detalhe o efeito da adesão entre aqueles
que inicialmente (antes da adesão) declaravam-se como planos “em elaboração”. No
caso dos que adentraram o período 2014-2018 com planos em processo de
elaboração, e assinaram o acordo, foi maior a taxa de sucesso, resultando planos
aprovados em lei. Já entre os que não aderiram, ocorreu o contrário. Não apenas foi
menor a conversão desses processos para planos em lei, como também foi maior o
encerramento desses processos sem que resultassem em qualquer plano.

Gráfico 27- Acompanhamento dos municípios que declararam plano de cultura "em
elaboração", 2014 a 2018 (%)

Acompanhamento dos municípios que declararam plano de


cultura "em elaboração", 2014 a 2018 (%)

GC Brasil 5,4 17,8 74,6


GB Brasil 15,8 38,8 41,4
GC Rio 16,7 33,3 50,0
GB Rio 75,0 25,0 0,0

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Tem plano 2018 Em elaboração 2018


Tem plano, mas sem lei 2018 Não tem plano 2018

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2015, 2019) e SNC (2021).

O gráfico acima demonstra que 75% dos municípios de GB Rio que tinham
plano em elaboração em 2015, concluíram seus processos em 2018. Outros 25%
continuaram em processo de elaboração. De modo contrário, no GC fluminense,
somente 16,7% dos que tinham plano em elaboração conseguiram concluí-lo. Outros
33,3% não concluíram, mas continuaram em processo de elaboração, e 50% regride
a ponto de não declarar nem processo de elaboração, nem plano em 2018.
Comportamento semelhante é identificado no Brasil, em proporções diferentes.
133

A análise em longo prazo, novamente sofre com o problema adaptação das


variáveis, visto que em 2006 a questão sobre planos é simplificada. Como já foi
constatado na análise do período 2006-2014, houve redução de planos (com e sem
lei) em quase todos os grupos (exceto no GCA Rio). É válido relembrar que na análise
longitudinal, os GCs mudam, sendo constituído por aqueles que não aderiram ao SNC
até setembro de 2018. E, nessa perspectiva, até mesmo o GC Rio teve desempenho
negativo na criação de planos, mostrando-se o comportamento como tendência.

Tabela 9- Existência de Planos Municipais de Cultura (2006-2014-2018)


(continua)
Brasil Rio de Janeiro
Existência de planos e ano de Brasi
GA GCA GCA
criação (%) l GA Rio Rio
Brasil Brasil Rio
(total long (total)
long long long
)
Período inicial (MUNIC 2006)
existe 16,4 7,7 11,6 21,4 17,6 18,5
não existe 83,6 92,3 88,4 78,6 82,4 81,5
Período médio (MUNIC 2014)
Plano com lei 11,4 2,2 5,9 16,1 5,9 14,1
Plano sem lei 3,2 2,1 2,6 1,8 5,9 3,3
Em elaboração 40,6 12,6 23,6 55,4 35,3 44,6
Não há 44,8 83,0 67,9 26,8 52,9 38,0
Período final (MUNIC 2018)
Plano com lei 19,5 3,3 9,7 48,2 11,8 41,3
Plano sem lei 2,5 1,7 2,0 3,6 0,0 3,3
Em elaboração 23,3 10,1 17,5 19,6 23,5 20,7
Não há 54,6 84,9 70,8 28,6 64,7 34,8
Desempenho 1º período
(2014-2006)
existência (com ou sem lei) -1,8 -3,3 -3,2 -3,6 -5,9 -1,1
inexistência (em elaboração/não
1,8 3,3 3,2 3,6 5,9 1,1
há)
expectativa 1º período (redução
38,8 9,3 20,5 51,8 29,4 43,5
da inexistência)
Desempenho 2º período
(2018-2014)
Plano com lei 8,1 1,1 3,9 32,1 5,9 27,2
Plano sem lei -0,7 -0,4 -0,6 1,8 -5,9 0,0
Em elaboração -17,3 -2,5 -6,2 -35,7 -11,8 -23,9
Não há 9,9 1,9 2,8 1,8 11,8 -3,3
expectativa 2º período (redução
-9,9 -1,9 -2,8 -1,8 -11,8 3,3
da inexistência)
Desempenho total (2018-2006)
existência (com ou sem lei) 5,6 -2,7 0,1 30,4 -5,9 26,1
134

(conclusão)
inexistência (em elaboração/não
-5,6 2,7 -0,1 -30,4 5,9 -26,1
há)
expectativa total (redução da
inexistência de planos de 2006 28,9 7,5 17,6 50,0 17,6 46,7
a 2018)
Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Entretanto, a despeito dos resultados negativos na criação de planos do


primeiro período, no segundo período observa-se o crescimento de planos em lei em
todos os grupos, com grande diferencial para o grupo que aderiu, conforme observado
no gráfico abaixo:

Gráfico 28 - Aumento de planos de cultura com lei em GA longitudinal e Grupos


Controle, de 2014 a 2018 (%)

Aumento de planos de cultura com lei em GA longitudinal e


Grupos Controle, de 2014 a 2018 (%)
40,0
32,1
30,0

20,0

8,1
10,0 5,9
1,1
0,0

Brasil (total) GA Brasil long GCA Brasil long Rio GA Rio long GCA Rio long
(total)

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Dada a limitação estabelecida pela MUNIC 2006, não é possível fazer a


trajetória apresentada acima, referente a planos com lei, desde 2006. Para uma
análise de longo prazo, é preciso equiparar os planos com e sem lei. E nesse caso,
observa-se a prevalência de planos nos grupos que fizeram a adesão. Os que não
aderiram, ao contrário, em longo prazo, tenderam a reduzir estas instituições:
135

Gráfico 29- Comportamento dos planos de cultura (com e sem lei) Brasil e no
Estado do Rio de Janeiro, 2006-2014-2018 (%)

Aumento/redução de planos de cultura (com e sem lei) Brasil


e Rio, 2006-2014-2018 (%)
40 33,9
30,4
30

20

10 7,4 5,6
0,7 0,0
-1,8 -3,3 -2,7
0
desempenho 1º período desempenho 2º período desempenho total
-10 -3,6
-5,9 -5,9
Brasil (total) GA Brasil long GCA Brasil long Rio (total) GA Rio long GCA Rio long

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007,2015, 2019) e SNC (2021).

O gráfico abaixo demonstra que o atendimento à expectativa da política,


medida pela redução do indicador “não há plano”, é melhor alcançado pelos
municípios que aderiram, embora os GCs demonstrem comportamento no mesmo
sentido.

Gráfico 30- Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-2014-2018


(%) - planos de cultura

Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-2014-


2018 (%) - planos de cultura
60,0 51,8 50,0
50,0
38,8
40,0 29,4 28,9
30,0
17,6
20,0 9,3 7,5
10,0 -9,9
-1,9 -1,8 -11,8
0,0
-10,0 1º período 2º período período total
-20,0

Brasil (total) GA Brasil long GCA Brasil long Rio GA Rio long GCA Rio long
(total)

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).
136

É válido relembrar que a mensuração dessa expectativa indiretamente


inclui “planos em elaboração” e planos com e sem lei como resultado positivo,
demonstrando resultados otimistas, já que ter planos em elaboração, como dito, não
garante que de fato venham a se tornar planos com o passar dos anos. Assim, para
além do atendimento dessa expectativa, é necessário tecer análise mais crítica, que
desconsidere os planos em elaboração.
Nessa análise mais criteriosa, os gráficos abaixo demonstram a evolução
dos municípios brasileiros de 2006 a 2018, passando por 2014. O destaque é para
área em vermelho que representa o somatório de planos inexistentes e de planos em
processo de elaboração. A intenção de equiparar essas duas variáveis é aguçar o
olhar para os resultados efetivos da indução.

Gráfico 31- Comportamento dos planos de cultura nos municípios brasileiros


que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018

Evolução de planos nos municípios brasileiros que


aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%
90% 16,4 11,4 19,5
80%
70%
60%
50%
40% 83,6 85,3
78,0
30%
20%
10%
0%
2006 2014 2018

Não há Plano com lei Plano sem lei

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).
137

Gráfico 32- Comportamento dos planos de cultura nos municípios brasileiros


que não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018

Evolução de planos nos municípios brasileiros


que NÃO aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100% 2,2 3,3
7,7
80%

60%
92,3 95,7 95,0
40%

20%

0%
2006 2014 2018

Não há Plano com lei Plano sem lei

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Observou-se claramente a área vermelha em curva decrescente, ainda que


pouco acentuada, no gráfico dos municípios brasileiros que aderiram. Entre os
municípios do grupo controle, ao contrário, a curva é crescente, demonstrando um
leve aumento da inexistência de planos.
Entretanto no caso do Rio de Janeiro o resultado da indução da política
parece ainda mais relevante. Entre os municípios que aderiram ao SNC num primeiro
momento, a área em vermelho é reduzida drasticamente, demonstrando que após
2014 eles finalmente conseguem apresentar planos. E esse comportamento não
ocorre nos municípios do GC, que apresentaram pequeno aumento de planos
inexistentes.
138

Gráfico 33- Comportamento dos planos de cultura nos municípios


fluminenses que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Evolução de planos nos municípios flumienses que


aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%
21,4 16,1
80%
48,2
60%

40% 78,6 82,1

20% 48,2

0%
2006 2014 2018

Não há Plano com lei Plano sem lei

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Gráfico 34- Comportamento dos planos de cultura nos municípios fluminenses


que não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Evolução de planos nos municípios fluminenses


que não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%
11,8
90% 17,6 5,9
80%
70%
60%
50%
88,2 88,2
40% 82,4
30%
20%
10%
0%
2006 2014 2018

Não há Plano com lei Plano sem lei

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Por fim, a avaliação em longo prazo específica dos municípios de GA Long


que apresentaram plano em elaboração em 2014, havia ficado em aberto quando se
fez a análise do período 2006-2014. Essa resposta é dada com o gráfico abaixo. Nem
139

todos os municípios que aderiram e declararam planos em elaboração em 2014,


conseguiram ter sucesso. Dos municípios brasileiros que apresentaram essa
condição, apenas 19,9% conseguiram concluir seus planos até 2018, e 45,2% no caso
dos municípios fluminenses:

Gráfico 35 - Acompanhamento em longo prazo dos municípios que declararam


plano de cultura "em elaboração" (%), de 2014 a 2018

Acompanhamento em longo prazo dos municípios que


declararam plano "em elaboração" (%), de 2014 a 2018

GCA Brasil long 5,4 74,6

GA Brasil long 19,9 45,2

GCA Rio long 20,0 40,0

GA Rio long 45,2 25,8

0% 20% 40% 60% 80% 100%

finalmente criaram plano


continuaram em processo de elaboração
criaram plano, mas sem lei
não tem plano, nem processo de elaboração

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Embora os percentuais de sucesso não cheguem à metade dos municípios,


importa frisar que nos GCs a criação de planos é bem mais tímida; e os percentuais
de retrocesso para a condição de encerramento dos processos de elaboração sem a
existência de plano, são muito maiores.
Visto os vários fatores implicados nas análises de 2006-2014, 2014-2018 e
2006-2014-2018, inclusive com o olhar crítico para os planos com declarados “em
elaboração”, constata-se que a indução do SNC na elaboração de planos municipais
parece ter sido determinante. Ainda que os resultados pudessem ter sido melhores
entre os municípios que aderiram, a comparação com o parâmetro posto pelos GCs
140

leva a crer que a indução do SNC representa sim impacto nas municipalidades no que
se refere a instituição de planos, principalmente em longo prazo, com ainda mais
ênfase no estado do Rio de Janeiro.

5.4 Fundos Municipais de Cultura

A expectativa gerada pela adesão ao SNC é a de que fossem criados fundos


específicos para a cultura, sendo consequentemente, reduzidos os municípios com
inexistência deles (AQUINO, 2018; BEZERRA, 2017). A tabela abaixo ilustra a análise
do período 2006-2014, mostrando tendência à criação de fundos em todos os
municípios, tanto nos que aderiram à política, quanto nos GCs.

Tabela 10 - Existência de Fundos de Cultura (2006-2014)


Brasil Rio de Janeiro
Existência de Brasi
Rio
fundos (%) GA GCA l
GA Rio GCA Rio (total
Brasil Brasil (total
)
)
Período inicial (MUNIC
2006)
possui 8,2 3,4 5,1 3,6 19,4 9,8
não possui 91,8 96,6 94,9 96,4 80,6 90,2
Período final (MUNIC 2014)
possui 33,7 12,5 19,9 35,7 22,2 30,4
não possui 66,3 87,5 80,1 64,3 77,8 69,6
Desempenho (2014-2006)
criação de fundos
25,4 9,1 14,8 32,1 2,8 20,7
(expectativa da política)
Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

Como fica claro no gráfico abaixo, o fenômeno ocorreu com muito mais
intensidade nos grupos que aderiram ao SNC.
141

Gráfico 36 - Comportamento dos fundos municipais de cultura,


de 2006 a 2014 (%)

Aumento de fundos municipais de cultura, de 2006 a


2014 (%)
35,0 32,1
30,0
25,4
25,0 20,7
20,0
14,8
15,0
9,1
10,0
5,0 2,8
0,0
exclusivo

Brasil GA Brasil GCA Brasil Rio GA Rio GCA Rio

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

GA-Rio apresentou um aumento de fundos de 32,1%, enquanto que GCA-


Rio foi de apenas 2,8%. Assim, GA-Rio apresenta resultado mais próximo à
expectativa da política, superando seu grupo controle em 29,4%. No Brasil também
ocorre comportamento semelhante, sendo a superação de GA Brasil de 16,3% em
relação ao GC.
No período seguinte, 2014-2018, observa-se situação parecida, sendo
maior a criação de fundos entre os municípios que fizeram adesão. Porém a
discrepância é menor, GB Brasil supera seu Grupo Controle em 9,1%, enquanto GB
Rio, em 3,4%:

Tabela 11- Existência de Fundos de Cultura (2014-2018)


(continua)

Brasil Rio de Janeiro


Existência de Brasi
Rio
fundos (%) GB GCB l
GB Rio GCB Rio (total
Brasil Brasil (total
)
)
Período inicial (MUNIC
2014)
possui 17,0 11,5 19,9 21,1 23,5 30,4
não possui 83,0 88,5 80,1 78,9 76,5 69,6
Período final (MUNIC 2018)
possui 35,5 20,8 32,2 42,1 41,2 51,1
142

(conclusão)
não possui 64,5 79,2 67,8 57,9 58,8 48,9
Desempenho (2018-2014)
criação de fundos
18,5 9,4 12,3 21,1 17,6 20,7
(expectativa da política)
Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Na análise em longo prazo dos municípios que aderiram no primeiro


momento é possível observar a tendência para a criação de fundos, tal como nos
Grupos Controle.

Tabela 12 - Existência de Fundos de Cultura (2006-2014-2018)


Brasil Rio de Janeiro
Brasi
Existência de fundos (%) GA GCA
l GA Rio GCA Rio
Brasil Brasil
(total long Rio long (total)
long long
)
Período inicial (MUNIC
2006)
possui 8,2 2,6 5,1 3,6 11,8 9,8
não possui 91,8 97,4 94,9 96,4 88,2 90,2
Período médio (MUNIC
2014)
possui 33,7 11,5 19,9 35,7 23,5 30,4
não possui 66,3 88,5 80,1 64,3 76,5 69,6
Período final (MUNIC 2018)
possui 48,3 20,8 32,2 53,6 41,2 51,1
não possui 51,7 79,2 67,8 46,4 58,8 48,9
Desempenho 1º período
(2014-2006)
criação de fundos 25,4 8,9 14,8 32,1 11,8 20,7
Desempenho 2º período
(2018-2014)
criação de fundos 14,6 9,4 12,3 17,9 17,6 20,7
Desempenho total (2018-
2006)
criação de fundos 40,1 18,3 27,1 50,0 29,4 41,3
Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Os gráficos abaixo ilustram esse comportamento, destacando-se a curva


mais acentuada dos que aderiram:
143

Gráfico 37- Aumento dos fundos de cultura nos municípios brasileiros que
aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Aumento dos fundos nos municípios brasileiros


que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
48,3
20% 33,7
10%
8,2
0%
2006 2014 2018

tem fundo não tem fundo

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Gráfico 38- Aumento dos fundos de cultura nos municípios brasileiros que
não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Aumento de fundos nos municípios brasileiros que


NÃO aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10% 20,8
11,5
0% 2,6
2006 2014 2018

tem fundo não tem fundo

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

O mesmo ocorre entre os municípios fluminenses, muito embora o GC


apresente um comportamento bem próximo aos municípios que aderiram.
144

Gráfico 39- Aumento dos fundos de cultura nos municípios fluminenses que
aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Aumento dos fundos nos municípios fluminenses


que aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%

80%

60%

40%
53,6
20% 35,7

0% 3,6
2006 2014 2018

tem fundo não tem fundo

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Gráfico 40- Aumento dos fundos de cultura nos municípios fluminenses que
não aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Aumento de fundos nos municípios fluminenses


que NÃO aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%

80%

60%

40%

20% 41,2
23,5
11,8
0%
2006 2014 2018

tem fundo não tem fundo

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

As diferenças no desempenho em cada período são ilustradas no gráfico


abaixo. Em longo prazo, houve criação de fundos em todos os grupos, inclusive os
que não fizeram adesão à política até setembro de 2018. Porém em longo prazo
observa-se que nos municípios brasileiros que fizeram a adesão houve um percentual
145

de 21,8% a mais de criação em relação aos que não aderiram. E entre os municípios
fluminenses que aderiram, houve um percentual maior de 20,6% de criação, se
comparado aos que não aderiram.

Gráfico 41- Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-2014-2018


(%) - fundos de cultura

Atendimento à expectativa gerada pela política, 2006-2014-


2018 (%) - fundos de cultura
60
50,0
50
40,1
40 32,1 29,4
30 25,4
17,9 17,6 18,3
20 11,8 14,6
8,9 9,4
10
0
desempenho 1º período desempenho 2º período desempenho total

Brasil (total) GA Brasil long GCA Brasil long Rio (total) GA Rio long GCA Rio long

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Assim, considera-se que embora a criação de fundos específicos para a


cultura fosse uma tendência nos municípios desde 2006, o SNC acelerou
enfaticamente este processo.

5.5 Análise sobre os CPF

Todas as análises desenvolvidas até aqui consideraram o aumento das


instituições de modo isolado. Entretanto, para avaliar o potencial de indução da
política do SNC é importante observar o conjunto das instituições, afinal tanto a
narrativa do Ministério da Cultura, como também os documentos de orientação e o
ACF determinam a implementação do CPF da cultura, junto a um órgão gestor, para
que um SMC seja consolidado.
Em 2006 observam-se percentuais ínfimos da existência de CPF nos
municípios brasileiros e no Brasil. Embora em 2014 este quantitativo continue tímido
foi possível observar um aumento.
146

Tabela 13- Existência de CPFs da Cultura (2006-2014)


Brasil Rio de Janeiro
Existência de
CPF (%) GA GCA Brasil GCA Rio
GA Rio
Brasil Brasil (total) Rio (total)
Período inicial (MUNIC
2006)
possui 2,8 0,9 1,6 1,8 2,8 2,2
não possui 97,2 99,1 98,4 98,2 97,2 97,8
Período final (MUNIC
2014)
possui 7,2 1,4 3,5 10,7 5,6 8,7
não possui 92,8 98,6 96,5 89,3 94,4 91,3
Desempenho (2014-
2006)
criação de CPF 4,4 0,5 1,9 8,9 2,8 6,5
Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

É possível visualizar o aumento comparativamente entre os grupos no


gráfico abaixo. Como era de se esperar, entre os municípios que aderiram à política
num primeiro momento é maior a criação de CPF, sendo que o GA Brasil supera seu
GC em 3,9%, e GA Rio em 6,2%.

Gráfico 42- Comportamento dos CPF da cultura nos municípios brasileiros e


fluminenses, 2006-2014 (%)

Aumento de "CPF" da cultura nos municípios


brasileiros e fluminenses, 2006-2014 (%)
10,0 8,9

8,0
6,5
6,0
4,4
4,0 2,8
1,9
2,0
0,5
0,0

Brasil (total) GA Brasil GCA Brasil Rio (total) GA Rio GCA Rio

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015) e SNC (2021).

Entre os municípios que aderiram ao SNC no segundo momento também


é maior a criação de CPF quando comparado aos grupos que não aderiram,
comportamento este, disposto na tabela abaixo:
147

Tabela 14- Existência de CPF da Cultura (2014-2018)


Brasil Rio de Janeiro
Existência de
"CPF" (%) GB GCB Brasil GCB Rio
GB Rio
Brasil Brasil (total) Rio (total)
Período inicial (MUNIC
2014)
possui 3,1 1,1 3,5 10,5 0,0 8,7
não possui 96,9 98,9 96,5 89,5 100,0 91,3
Período final (MUNIC
2018)
possui 5,9 1,7 6,7 31,6 11,8 29,3
não possui 94,1 98,3 93,3 68,4 88,2 70,7
Desempenho (2018-
2014)
criação de CPF 2,8 0,6 3,3 21,1 11,8 20,7
Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2015, 2019) e SNC (2021).

Ressalta-se que em GB Rio a situação anterior à adesão já não é tão


desfavorável quando nos outros grupos deste período e do período anterior. De todo
modo, quando a contagem considera somente o aumento de CPF, observa-se 21,1%
dos municípios deste grupo que não o e passaram a criá-lo. O GB Rio supera seu
Grupo Controle em 9,3%, e o GB Brasil em 2,1%:

Gráfico 43- Comportamento dos CPF da cultura nos municípios brasileiros e


fluminenses, 2014-2018 (%)

Aumento de CPF nos municípios brasileiros e


fluminenses, 2014-2018 (%)
25,0
20,7 21,1
20,0

15,0
11,8
10,0

5,0 3,3 2,8


0,6
0,0

Brasil (total) GB Brasil GCB Brasil Rio (total) GB Rio GCB Rio

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2015, 2019) e SNC (2021).
148

Por último, ao observar a análise em longo prazo, é constatado que o grupo


de municípios que aderiu no primeiro momento de fato é mais estimulado a criar CPF,
sobretudo no Rio de Janeiro.

Tabela 15- Existência de CPF de Cultura (2006-2014-2018) (%)


Brasil Rio de Janeiro
Existência de "CPF" (%) GA GCA GCA
Brasil GA Rio Rio
Brasil Brasil Rio
(total) long (total)
long long long
Período inicial (MUNIC
2006)
possui 2,8 0,7 1,6 1,8 5,9 2,2
não possui 97,2 99,3 98,4 98,2 94,1 97,8
Período médio (MUNIC
2014)
possui 7,2 1,1 3,5 10,7 0,0 8,7
não possui 92,8 98,9 96,5 89,3 100,0 91,3
Período final (MUNIC
2018)
possui 14,6 1,7 6,7 33,9 11,8 29,3
não possui 85,4 98,3 93,3 66,1 88,2 70,7
Desempenho 1º período
(2014-2006)
aumento de "CPF" 4,4 0,4 1,9 8,9 -5,9 6,5
Desempenho 2º período
(2018-2014)
aumento de "CPF" 7,4 0,6 3,3 23,2 11,8 20,7
Desempenho total (2018-
2006)
aumento de "CPF" 11,8 1,0 5,1 32,1 5,9 27,2
Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

O gráfico abaixo demonstra em verde o aumento gradativo de criação


desse conjunto de instituições. Ainda que a curva seja tímida, ela ocorre, enquanto
entre os municípios que não aderiram esse movimento é insignificante.
149

Gráfico 44- Comportamento dos CPFs da cultura nos municípios brasileiros


que aderiam ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Aumento de "CPF" nos municípios brasileiros que


aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%

80%

60%

40%

20%
7,2 14,6
0% 2,8
2006 2014 2018

tem "CPF" não tem "CPF"

Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Gráfico 45- Comportamento dos CPFs da cultura nos municípios brasileiros


que não aderiam ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Aumento de "CPF" nos municípios brasileiros que NÃO


aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%

80%

60%

40%

20%

0% 0,7 1,1 1,7


2006 2014 2018

tem "CPF" não tem "CPF"

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007,2015, 2019) e SNC (2021).

Já no caso do GC fluminense, diferentemente do panorama brasileiro, há


algum movimento no segundo período que aponta para a criação de CPF, mas nota-
se que entre os que aderiram o aumento é maior é mais constante.
150

Gráfico 46- Comportamento dos CPFs da cultura nos municípios fluminenses que
aderiam ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Aumento de "CPF" nos municípios fluminenses que


aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%

80%

60%

40%

20% 33,9
10,7
0% 1,8
2006 2014 2018

tem "CPF" não tem "CPF"

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

Gráfico 47- Comportamento dos CPFs da cultura nos municípios fluminenses


que não aderiam ao SNC, 2006-2014-2018 (%)

Aumento de "CPF" nos municípios fluminensens que


NÃO aderiram ao SNC, 2006-2014-2018 (%)
100%

80%

60%

40%

20%
11,8
0% 5,9 0,0
2006 2014 2018

tem "CPF" não tem "CPF"

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

O gráfico abaixo ilustra a diferença no desempenho da criação do conjunto


de estrutura CPF, demonstrando que os que aderiram comportam-se mais em direção
à expectativa da política. De modo geral esse movimento para criação talvez seja
151

mais brando do que o esperado pelos propósitos da política34. Entre os municípios


brasileiros que aderiram, somente 11,8% conseguiram instituir o CPF. Apesar o baixo
percentual, observa-se que este movimento é praticamente inexistente entre os que
não aderiram. Ou seja, é possível afirmar que há indução do SNC na constituição
desse conjunto de estruturas, embora ele seja baixo.

Gráfico 48- Atendimento à expectativa da política, 2006-2014-2018 (%) - CPFs


da cultura

Atendimento à expectativa da política, 2006-2014-


2018 (%) - CPFs da cultura
40,0
32,1
30,0 27,2
23,2
20,7
20,0
11,8 11,8
8,9 7,4
10,0 6,5 5,1 5,9
4,4 3,3
1,9 0,4 0,6 1,0
0,0
1º período 2º período período total
-10,0 -5,9
Brasil (total) GA Brasil long GCA Brasil long
Rio (total) GA Rio long GCA Rio long

Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

No Rio de Janeiro, o percentual de sucesso entre os municípios subiu ao


longo dos anos, alcançando 32,1% ao final de 2018. É bem maior que o grupo que
não aderiu, embora não se possa ignorar que eles também se encaminham para a
criação dessas estruturas, talvez por fatores de influência regionais que corroboram
com essa movimentação.

5.6 Síntese da análise quantitativa da institucionalização dos SMCs

No intuito de sistematizar toda a pesquisa quantitativa acima relatada, os


quadros abaixo elencam os grupos que mais se aproximaram da expectativa da
política e o percentual de vantagem em relação aos que menos se aproximaram, em

34A primeira meta do Plano Nacional de Cultura previa que 60% dos municípios tivessem os sistemas
de cultura institucionalizados e implementados até 2020.
152

cada período e em cada instituição aqui investigada. Assim é possível observar não
só que na grande maioria das ocorrências os municípios que aderiram superam os
GCs, mas também em que medida isso ocorre.
No Brasil os municípios que aderiram sempre superam o Grupo Controle
na instituição de órgãos gestores exclusivos, à exceção do período 2014-2018, em
que GCB teve desempenho superior em 1,7% no atendimento à expectativa da
política. Há que se ressaltar, entretanto, que nessa instituição, os percentuais de
diferença do grupo que apresentou melhor desempenho são baixos, indicando que a
adesão ao SNC exerce pouca influência para indução de criação de órgãos gestores
exclusivos. E, se isso ocorreu num primeiro momento, não se sustentou nos períodos
seguintes.

Quadro 6- Síntese do desempenho na institucionalização dos SMCs, Brasil


BRASIL
Grupo com Grupo com Diferença do
Instituição do SMC Período melhor pior melhor
desempenho desempenho desempenho
(%)
Órgão gestor 2006-2014 GA GCA 9,4
aumento de
estruturas 2014-2018 GCB GB 1,7
exclusivas +
redução de 2006-2018 GA long GCA long 2,0
inexistência
Conselhos 2006-2014 GA GCA 24,4
redução de dos
2014-2018 GB GCB 9,5
anteriores a 2002 +
redução de 2006-2018 GA long GCA long 30,6
inexistentes
Planos 2006-2014 GA GCA 28,3
redução da 2014-2018 GB GCB 15,1
inexistência 2006-2018 GA long GCA long 21,5
2006-2014 GA GCA 16,3
Fundos
2014-2018 GB GCB 9,1
criação
2006-2018 GA long GCA long 21,8
2006-2014 GA GCA 3,9
CPF
2014-2018 GB GCB 2,1
criação
2006-2018 GA long GCA long 10,7
Fonte: Elaboração da autora, com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

No que tange às instituições conselho, plano e fundo CPF, de forma


isolada, é sempre maior o desempenho na criação destas entre os municípios que
153

aderiram à política. As diferenças de percentuais no desempenho são consideráveis,


indicando que a política do SNC exerceu efeito de indução. No caso de conselhos e
fundos, foi observada uma provável tendência ao aumento dessas instituições,
independente da política do SNC. Essa tendência, porém, parece ter sido acelerada
pela adesão. Já no caso dos planos, os dados levam a crer que não havia tendência
para criação dessas instituições e que esse comportamento foi motivado pela adesão.
O mesmo ocorre com o conjunto das estruturas CPF que só passa a existir entre os
municípios que aderiram, ainda que em percentual muito baixo, algo que não ocorre
(ou ocorre de forma irrisória) entre os municípios que não aderiram.
No estado do Rio de Janeiro de igual modo, em quase todas as situações
há melhor desempenho dos municípios que aderiram ao SNC, no atendimento à
expectativa da política, exceto nas análises dos órgãos gestores, em que os Grupos
Controle GCB e GCA-long criam mais estruturas exclusivas que aqueles que
aderiram. Nesse caso, a criação e redução das estruturas exclusivas da administração
pública parece estar relacionada mais a variáveis de âmbito local (como a crise na
administração pública pela diminuição da arrecadação dos royalties do petróleo) que
aos efeitos de indução do SNC. Já nas instituições de conselhos, planos e fundo,
isoladamente, tal como ocorreu no Brasil, o SNC parece ter acelerado o processo de
criação de conselhos e fundos em uma tendência já existente, e estimulado a criação
de planos, algo que não parecia ser tendência.

Quadro 7- Síntese do desempenho na institucionalização dos SMCs/ RJ


(continua)

Estado do RIO DE JANEIRO


Grupo com Diferença do
Grupo com
pior melhor
Instituição do SMC Período melhor
desempenh desempenho
desempenho
o (%)
Órgão gestor 2006-2014 GA GCA 8,3
aumento de
2014-2018 GCB GB 11,1
estruturas
exclusivas +
redução de 2006-2018 GCA long GA long 11,6
inexistência
Conselhos 2006-2014 GA GCA 7,5
redução de dos
2014-2018 GB GCB 10,5
anteriores a 2002 +
redução de 2006-2018 GA long GCA long 29,5
inexistentes
154

(conclusão)

Planos 2006-2014 GA GCA 21,2


redução da 2014-2018 GB GCB 43,3
inexistência 2006-2018 GA long GCA long 32,4
2006-2014 GA GCA 29,4
Fundos
2014-2018 GB GCB 3,4
criação
2006-2018 GA long GCA long 20,6
2006-2014 GA GCA 6,2
CPF
2014-2018 GB GCB 9,3
criação
2006-2018 GA long GCA long 26,3
Fonte: Elaboração da autora , com base em IBGE (2007, 2015, 2019) e SNC (2021).

O conjunto das estruturas CPF aumenta com maior intensidade entre os


municípios fluminenses que aderiram à política. Mas não é irrelevante que os
municípios do GC também apontem para um crescimento. Assim parece claro que o
SNC exerce influência positiva na criação ou aceleração da criação desse conjunto
de instituições.
A pesquisa quantitativa mostra que o nível de institucionalização das
políticas culturais, nas estruturas relacionadas ao SMCs ocorrem em maior
intensidade entre os municípios que aderiram à política. Mas como frisado nos
primeiros capítulos, essa constatação não tem poder explicativo sobre seus processos
de criação e funcionamento. Reflexões sobre estes processos são apresentados no
capítulo a seguir, a partir da investigação qualitativa de 4 estudos de caso.
155

6 PERSPECTIVAS DE GESTORES E CONSELHEIROS SOBRE OS SISTEMAS


MUNICIPAIS DE CULTURA

A segunda etapa da pesquisa é constituída por 4 estudos de caso.


Considerando as limitações de tempo e de recursos desta pesquisa, para estes
estudos de caso foram utilizadas a análise documental (das leis criadas em cada um
desses municípios), os panoramas socioeconômicos e entrevistas, para observar
aspectos processuais e qualitativos a respeito da criação e funcionamento das
instituições. O primeiro critério para escolha dos estudos de caso foi a existência do
conjunto de leis municipais que criassem e dispusessem sobre SMC, plano, conselho
e fundo de cultura, ou seja, os municípios deveriam ter institucionalizado todos esses
elementos. Para tanto, foram levantadas todas as leis vigentes e publicadas em diários
oficiais de municípios fluminenses, que regrassem os seus sistemas de cultura.
Apenas 19 municípios dispunham desse conjunto de leis acessíveis35 de forma on-
line.
Para estes 19 municípios foi pensado outro recorte, tendo por objetivo
capturar perspectivas mais diversas sobre o sistema de cultura dos estudos de caso,
busquei 2 municípios que tivessem seus sistemas de cultura em pleno funcionamento,
e outros 2, que embora tivessem institucionalizado seus sistemas em leis, não
conseguiram, de fato, implementá-lo em todos os níveis. Para escolha dos municípios
que tiveram seus sistemas melhores sucedidos, foi observado, dentre os 19, aqueles
que chegaram a operacionalizar o fundo de cultura: somente 6 declaram o Cadastro
Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) do fundo de cultura na plataforma (até
dezembro de 2020) e destes, foram localizados os decretos regulamentadores do
instrumento apenas em: Barra Mansa, Rio das Ostras e Nova Iguaçu. A escolha foi
pelos dois primeiros, já que a complexidade da região metropolitana do estado
fluminense, onde se localiza Nova Iguaçu, poderia implicar mais variáveis, que esta
pesquisa, com suas limitação de tempo e recurso, não conseguiria contemplar.
Para a escolha dos 2 municípios que comporiam o cenário onde o SMC
apresenta dificuldades de implementação, foram extraídos, dos 19, os 6 municípios

35Ressalta-se que para esse levantamento foram consideradas as leis disponíveis na internet, e
comprovadamente publicadas em Diários Oficiais. A indisponibilidade das leis nas redes virtuais não
significa sua inexistência.
156

que declararam o CNPJ dos seus fundos de cultura. Restaram 13 municípios, cuja
escolha se deu aleatoriamente por dois deles: Macaé e São Fidélis.
Compuseram os estudos de caso os municípios destacados no mapa
abaixo:

Mapa 1- Estado do Rio de Janeiro, destaque para os municípios


estudos de caso

Fonte: Elaborado pela autora.

Os 4 municípios foram observados a partir de um panorama que reúne


características socioeconômicas, datas de adesão ao SNC, leis referentes aos seus
SMCs, além de entrevistas com agentes que participaram ativamente das instituições
criadas, inquirindo-os sobre sua perspectiva a respeito da criação e funcionamento de
cada uma delas. Através de um roteiro semiestruturado, foram entrevistados agentes
envolvidos com o assunto em cada município, caracterizados por um tipo de perfil: a)
ligado à gestão pública (que atua ou atuou na gestão pública de cultura); e/ou, b)
ligado ao conselho de cultura (conselheiro ou ex-conselheiro).
As respostas foram analisadas à luz da teoria neoinstitucionalista,
considerando o perfil dos agentes entrevistados em seu local institucional. As
perguntas visaram capturar: a) elementos conceituais da política e suas instituições,
157

a fim de averiguar se os agentes internalizaram e aceitaram o que foi proposto, e se


buscam orientar seus comportamentos por essa lógica, conforme abordado por Levi
(1991); b) o processo de criação e funcionamento das instituições, a fim de esclarecer
os processos de mudança institucional, e identificar se elas conseguem, de fato, se
sobrepor ao cenário institucional anterior e provocar a obediência dos agentes,
considerando a norma fairness; e por fim c) em uma perspectiva avaliativa, foi pedido
para os agentes que comparassem , sob diversos aspectos, o antes e o depois da
implementação nas formas de fazer políticas culturas, com o intuito de entender se na
perspectiva desses agentes envolvidos, as instituições que agora organizam o setor
foram bem sucedidas no que se propunham.
É válido salientar que os entrevistados não se configuram em uma
amostragem e que suas respostas não são necessariamente deduzíveis a todos que
ocupam o mesmo perfil institucional. Eles foram escolhidos em decorrência da
atuação relevante na implantação/funcionamento do SMC em seu município,
contatados e entrevistados individualmente pelo google meet. Embora alguns não se
opusessem à divulgação de seus nomes, outros admitiram sentir-se mais à vontade
sob o anonimato, portanto todos aparecem na pesquisa nesta condição.
Destaco que a ideia inicial era ter quantidades iguais de perfis de
entrevistados em cada município: dois entrevistados ligados à gestão e dois
entrevistados ligados ao conselho. Nesse formato, o conteúdo trazido pelos
entrevistados poderia gerar comparações interessantes entre as perspectivas de
gestores e conselheiros dos diferentes municípios. Infelizmente, como será relatado
adiante, no decorrer da pesquisa houve muita dificuldade em conseguir agentes
disponíveis para entrevista, em parte pelo distanciamento social provocado pela
pandemia da COVID-19, em parte pelo conflituoso período eleitoral, no qual muitos
agentes estavam envolvidos com campanhas e tinham receio de que, de algum modo,
sua entrevista comprometesse suas relações políticas, ou gerasse alguma
perseguição posterior.
Nesses termos, foram 8 entrevistados, distribuídos pelos perfis e
municípios, conforme demonstra o quadro abaixo.
158

Quadro 8- entrevistados por perfil e município


Perfil do entrevistado
Município
gestor/ex-gestor conselheiro /ex-conselheiro
Barra Mansa 1 1
Macaé 0 2
Rio das Ostras 2 1
São Fidélis 0 1
Fonte: Elaborada pela autora.

A seguir serão detalhados cada estudo de caso, com foco nas entrevistas,
e logo após, apresento uma síntese de todos eles, na qual é também abordada a
percepção avaliativa dos impactos ocasionados pela adesão ao SNC.

6.1 Estudo de Caso: Barra Mansa

Situada na região do Médio Paraíba, Barra Mansa formou-se como base


de abastecimento de fluxos migratórios da atividade mineradora, a partir de fins do
século XVIII. Sua localização propiciou, aos poucos, a expansão das funções
comerciais e no início do século XIX, a cafeicultura tornou-se uma produção
econômica relevante e junto com a pecuária e a produção leiteira. Sua criação como
município data de 1832, originada do desmembramento do município de Resende. A
partir do final da década de 1930, ocorreram transformações socioeconômicas
relevantes com o desenvolvimento industrial no município, a princípio com indústrias
alimentares, e em seguida com a instalação da indústria siderúrgica, metalúrgica e
mecânica na região36
No cenário socioeconômico mais recente, os indicadores mais relevantes
deixam Barra Mansa município em uma posição mediana, se comparado aos demais
municípios fluminenses. Apresenta 177.813 habitantes (censo 2010), sendo o 16º
município mais populoso do estado do Rio de Janeiro, e ocupa a 23ª posição, em
relação à densidade demográfica. Em 2019, o salário médio mensal era de 2,1 salários
mínimos e a proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de
21.3%, situando-se na 34ª e 29ª posição nesses quesitos. O PIB per capita é o 32º
maior. Em relação aos índices educacionais, Barra Mansa encontra-se na 26ª posição

36 Informações disponíveis em: https://www.barramansa.rj.gov.br/historia/. Acesso em: 01 dez. 2021.


159

na taxa de escolarização de 6 a 14 anos e seu Índice de Desenvolvimento da


Educação Básica (IDEB) não apresenta destaque, sendo o 62º do estado37
Atualmente o município é dirigido pelo prefeito reeleito, Rodrigo Drable
Costa, do partido Democratas, que anteriormente pertencia ao PMDB. De 2013 a 2022
o município apresentou três gestores de cultura, sendo que Graça Dias só assumiu o
cargo porque Cláudio Chiesse afastou-se para ser candidato nas eleições de 2016.

Quadro 9- Prefeitos eleitos e gestores da cultura nomeados, Barra Mansa/RJ

Fonte: Elaborado pela autora a partir de informações do TSE e do Diário Oficial do município de Barra
Mansa.

A partir da gestão de 2013 o órgão gestor da cultura foi reestruturado para


uma fundação de cultura, sendo antes disso uma fundação de cultura, esporte e lazer.
O formato de órgão da administração indireta permanece até o momento. Em
14/08/2013 Barra Mansa aderiu ao SNC, mas a instauração formal do SMC só foi
concretizada com a aprovação da Lei 4.602 de 19/12/2016, que criou o SMC, instituiu
o Plano Municipal de Cultura e reestruturou o Conselho Municipal de Cultura e o
Fundo Municipal de Cultura. Esses dois últimos já existiam, pelas Leis municipais nº
1018 de 03/04/1970 nº 2.283 de 27/12/1970, mas com formato inadequado à proposta
do SNC e foram totalmente reformulados. Cabe acrescentar que o Fundo Municipal
de Cultura, foi regulamentado pelo Decreto 9.156 de 07/05/2018, e a lei do Conselho
foi novamente reformulada pela lei nº 4.848/2020.

37 Informações disponíveis em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/barra-mansa/panorama). Acesso em:


01 dez. 2021.
160

A adesão de Barra Mansa, em 2013, não significou a imediata instauração


de seu Sistema de Cultura, o que ocorreu, em grande parte, com a ação do estímulo
da SEC/RJ, pois o município foi, em 2015, participante da ação da Dinamização, já
relatada no capítulo 4. A gestão do Conselho Municipal, que assumia naquele ano,
tomou como ação principal a instauração do SMC, seguindo rigorosa agenda de
trabalhos para construção da minuta da lei. Nas atividades eles incluíram o
levantamento de leis e instituições previamente existentes, buscando sua
reformulação ou extinção em lei; promoveram encontros e debates internos e
públicos; e articularam-se com agentes do Poder Executivo e Legislativo para dar
celeridade ao trâmite da aprovação.
Vale sublinhar que o texto da lei do SMC, embora contemple toda a
proposta do SNC, apresenta-se com bastante autonomia, em relação ao modelo
fornecido pelas cartilhas da União. Nota-se alguma influência do texto da lei do
Sistema Estadual de Cultura (Lei estadual nº 7.035/2015), mas claramente foram
inseridas mais fundamentações, mais elementos integradores, mais competências a
cada uma das instituições, dando bastante especificidade àquele Sistema, mas sem
se desvencilhar dos preceitos e orientações do SNC38. A lei também cria, naquele
município, o Programa de Formação, o Sistema de Informações, Indicadores Culturais
e o Sistema de Monitoramento e Avaliação, e o Programa do Patrimônio Histórico-
cultural e do Tombamento.
A cuidadosa elaboração do texto transparece o envolvimento de agentes
para formulação e adequação da proposta do SNC ao âmbito local, algo feito,
aparentemente, de maneira coletiva, como consta no preâmbulo do texto: “os Poderes
Executivo e Legislativo Municipal, o Conselho Municipal de Cultura, a sociedade civil
e as comunidades de Barra Mansa/RJ elaboraram e aprovaram, de forma democrática
e participativa, a presente Lei”. Observou-se que os munícipes envolvidos
aproveitaram o ensejo para, de fato, revisitar as legislações e as instituições
envolvidas na temática das políticas culturais com fins a reformular/refundar um novo
um arcabouço jurídico.
Neste município foram entrevistados 2 agentes, um do perfil ligado a gestão
pública, que será chamado de G1, e outro perfil ligado ao conselho, que será chamado

38A única escrita equivocada em relação às orientações é o artigo 1º que diz: “O Sistema Municipal de
Cultura norteará as políticas culturais de Barra Mansa por dez anos”; uma confusão de conceitos ou
termos, já que pelas orientações é o Plano que deve ter dez anos.
161

de C1. Devo mencionar que G1 também é um artista, e ativista no campo da cultura


antes mesmo da implementação do sistema, tendo sido também conselheiro
representante da sociedade civil. Ainda como sociedade civil, foi bastante atuante nas
ações de mobilização para elaboração da minuta do SMC e submissão do projeto de
lei ao Legislativo. C1 é um agente cultural que assumiu a função de conselheiro mais
recentemente. Ambos os entrevistados mostraram ao longo da entrevista muito
envolvimento com a temática, disponibilidade de fornecer ricos detalhes sobre o
assunto. Também é importante destacar que, embora suas posições sejam
institucionalmente diferentes, apresentam uma narrativa bastante alinhada entre si.
A seguir são sintetizados os conteúdos das entrevistas, primeiramente no
que tange à apropriação conceitual da política e suas instituições, seguidos de uma
narrativa sobre as dificuldades do processo de criação e funcionamento das
instituições.

Aspectos conceituais
Para análise dos aspectos conceituais, foi solicitado que os entrevistados
definissem os termos da política, onde foi constatada a proximidade das falas com a
cartilha distribuída pelo Ministério da Cultura. Ambos demonstraram grande domínio
conceitual sobre o SNC e SMC e as instituições que o compõem (órgão gestor,
conselho, conferência, plano e fundo), com apropriação e uso do aparato trazido pela
política, e contido na publicação de governo.
A respeito do SNC e SMC, ambos se associam à ideia de federalismo e
descentralização e ao alinhamento de políticas federal/estadual/nacional, sendo que
G1 sublinha em sua fala, termos como “institucionalização”, “estruturação” e
“desenvolvimento do setor cultural”. Já C1 sublinha a importância da sociedade civil,
e se associa à distribuição justa de recursos para fomento de artistas que não têm
tanta expressão para angariarem recursos da iniciativa privada. Em relação ao órgão
gestor, G1 ressalta a competência de execução das metas do plano, monitoramento,
produção de indicadores e mapeamentos e publicização dessa informação. C1 frisa
a importância do órgão gestor em coordenar o SMC, e dar condições para
funcionamento dos conselhos, conferências e fóruns, tornando mais viável a
participação social.
162

Sobre Conselho, conceitualmente, C1 sublinha o trabalho voluntário, a


doação, e missão do conselheiro em representar seu pares e seus setores, para
melhor desenvolvê-los. G1 destaca o Conselho como um local de troca de
encaminhamentos, desejo, anseios e respostas, e salienta a missão de fiscalizar o
órgão gestor. Igualmente chama atenção para a função do conselheiro em
representar, pois do contrário, ele atrapalhará o desenvolvimento do setor, na medida
em que o gestor público entende que ele é o porta-voz do seu segmento. Por último
G1 problematiza a falta de consenso sobre o que significa o termo deliberativo, já que
cada instituição tem competências determinadas, e deliberar sobre as competências
de outro órgão provoca conflitos administrativos.
Conceitualmente, a Conferência foi associada por G1 ao poder da
sociedade civil de transformar intenções em políticas públicas, através de metas para
o plano e das eleições para delegados e reforçou que por isso ela é um estado
constante, e não um momento eventual. Este olhar também foi trazido por C1: “a
conferência é um momento que o povo vai levar suas necessidades até a instituição”,
acrescentando que é uma ocasião importante para olhar e avaliar o que foi decidido
no passado, como conferências anteriores.
Por último em relação aos instrumentos de gestão, G1 traduz o Plano como
uma ferramenta para gestão pública para atuação do mandato do gestor, enquanto
C1 o entende como mecanismo democrático para atender as demandas “da ponta”,
com fiscalização e transparência. C1 atrela ao Fundo a competência de fomentar a
cultura municipal, organizar e ajudar na fiscalização, e G1 o associa com exatidão
àquilo que é determinado em lei, destacando que deve ser algo constantemente
trabalhado – arrecadado e utilizado.

Os processos de criação do SMC e suas instituições


Nos relatos sobre a criação do SMC busquei observar as dificuldades de
entendimento sobre a proposta do SNC por parte de outras instituições e atritos no
processo de formulação das leis e sua implementação, seja por parte do Poder
Executivo ou do Legislativo. G1 narrou que não houve maiores obstáculos na
institucionalização em lei. A minuta – que incluía todos os elementos do Sistema –,
passou pelo Poder Executivo de forma célere: o procurador do município demonstrava
pouco entendimento sobre o assunto e indiferença, inclusive sobre o caráter paritário,
163

eleito e deliberativo do conselho, assuntos que costumam causar estranhamento. O


prefeito encaminhou o Projeto de lei (PL) para o Legislativo no final do seu mandato,
aparentemente sob a motivação de não ter que lidar com sua implementação, já que
isso caberia à próxima gestão.
No Legislativo, o PL foi rapidamente aprovado, na opinião de G1, por uma
conjunção de dois fatores: desconhecimento do tema e a imperatividade do pleito
(cultura é uma pauta favorável, mesmo sem que se tenha conhecimento aprofundado
da questão) em um projeto que estava muito bem fundamentado. O plano foi feito
pautando-se na participação social, reunindo resultado de várias conferências, e nos
planos estadual e nacional (o que para o entrevistado, inclusive, veio a causar
problema em seu funcionamento). Ele também narrou que não houve dificuldade para
a criação e regulamentação do Fundo, ao contrário, teve aceitação por parte do poder
Executivo, porque foi visto como um mecanismo mais viável que o incentivo fiscal, sob
o argumento de que o município não tem arrecadação suficiente para tal. Faz se
necessário mencionar que os envolvidos com a elaboração da minuta transitaram
pela Câmara Municipal (sobretudo junto ao vereador relator do PL) explicando a
proposta e angariando apoio.
Após a aprovação da lei, as instituições logo começaram a ser
implementadas. Assim, em Barra Mansa não parece ter havido atrito relevante entre
a nova proposta institucional com a lógica anterior. Mas neste ponto é muito
importante sublinhar a opinião de G1, que considera que a institucionalização em lei
não implica no funcionamento e no reconhecimento da cultura frente às outras
instituições: “não é necessariamente a lei aplicada e aprovada, que promoveu essa
facilidade de diálogo [com as outras instituições de governo]. Foi um entendimento
sobre ela, a interpretação a respeito dessa lei, que partiu dessa equipe que ocupou a
gestão naquele momento do primeiro ano, e também um conselho aguerrido, que não
deixava esses assuntos ou a lei desaparecer da agenda da política pública”. E
completa: “a gente só percebe a existência da lei quando a gente precisa dela. A
cultura precisou muito de uma lei como essa, para poder ser respeitada em Barra
Mansa”.
Assim, sua afirmação vai no sentido de que as instituições só foram de fato
implementadas no município porque houve interesse da gestão e do Conselho de
Cultura, para efetivá-las. Ou seja, um conjunto de atores interessados, que se
164

apropriou da lei para fazê-la funcionar, tensionando outras instituições, ainda que esse
tensionamento não tenha sido conflitivo, pois foi criado um contexto favorável
principalmente porque o prefeito da época abraçou a proposta e a transformou em
agenda de governo.
C1, embora tenha se informado sobre o processo de criação, não o
vivenciou, e por isso não quis entrar em detalhes sobre aquilo que não presenciou
diretamente. Mas, de sua fala é importante destacar que “o sistema municipal de
cultura só foi realmente implementado [...] em função de todo esse desdobramento da
galera que veio antes de mim”. Ele afirmou que sua atual conduta de conselheiro só
é possível pela continuidade de uma trajetória anterior.

O funcionamento do SMC e suas instituições


A respeito do funcionamento das instituições, levei em consideração a
capacidade dos órgãos em executar suas competências e articulações entre si,
conforme estabelece a proposta do SNC. As respostas dos entrevistados demonstram
alinhamento e complementaridade, ou seja, ainda que cada um exalte os pontos de
vista de seu local institucional, as falas não se contrapõem e também demonstram
forte relação com aquilo que foi previsto nas cartilhas. A seguir destaco alguns pontos
de ambas as entrevistas que mostram que as instituições têm exercido os papeis que
lhes competem.
Considerando que uma das tarefas do órgão gestor é fortalecer a pasta da
cultura frente às outras instituições da administração pública, o G1 considera que a
Fundação passou a ser mais respeitada e valorizada e as políticas culturais ganharam
mais espaço, na medida em que os outros setores passaram a enxerga-la como
elemento institucional, ou como lei a ser cumprida. Também narrou que o órgão gestor
consegue ser ativo no planejamento das leis orçamentárias e pontuou que até mesmo
o Poder Legislativo passou a respeitar mais a pauta da cultura – já que antes as leis
se restringiam a assuntos de datas comemorativas e nomes de logradouro, e agora
passaram a ter um conteúdo mais propositivo.
No entanto, sinalizou que particularidades das políticas culturais, tal como
seu vocabulário próprio e os impactos simbólicos, sua subjetividade, ainda não é do
entendimento de outros setores, e já se frustrou tentando fazê-los compreender.
Passou a não se importar com isso, adotando como estratégia, argumentações
165

pautadas na obrigatoriedade da execução da lei, para angariar os recursos


necessários à pasta. Já C1 não quis entrar em detalhes sobre as relações internas no
órgão gestor, mas narrou como vê o Legislativo, que em sua opinião, está muito
ausente do conselho. Entretanto, investido das responsabilidades de conselheiro,
sente-se à vontade para enviar ofícios à Câmara Municipal, e a cada eleição do
conselho faz questão de ir pessoalmente aos gabinetes dos legisladores se
apresentar, apresentar os conselheiros e explicar o que é o Conselho, o SMC e suas
competências.
Questionado se o órgão gestor entende as competências do Conselho em
sua missão de propor monitorar e fiscalizar, C1 respondeu positivamente, mas se
questiona se isso não estaria atrelado à um posicionalmente pessoal do atual gestor
(e não à instituição). De fato, G1 disse que o órgão gestor comrpeende o papel do
Conselho em dialogar com as instâncias participativas, e que este diálogo nunca
esteve tão bom (ressaltando que ele já exerceu a função de conselheiro durante
alguns anos). Ele frisa que a boa relação não significa a ausência de conflitos, ruídos,
indisposições, mas sim, que isso não compromete o andamento do diálogo. Para ele,
o importante é que existe escuta e que as críticas geram comportamentos
propositivos. Ele destaca que os ocupantes do local institucional da gestão não
devem interpretar as eventuais críticas agressivas como ofensa, e sim como forma de
expressão, e cabe ao gestor entender isso e se propor a resolver a demanda.
Ambos relataram a frequência das reuniões do Conselho, com maior
assiduidade entre os membros da sociedade civil, do que com o poder público. G1
destacou que alguns dos setores são historicamente mais organizados, e que
inclusive participaram da construção do SMC e ainda estão envolvidos. Mas outros
entraram recentemente, com a inclusão de novas cadeiras de representação e estão
bem inteirados e atuantes no SMC. Ao ser questionado se os conselheiros conseguem
de fato fazer o papel de representar o seu segmento, G1 assumiu que nem todos
conseguem atuar dessa maneira, mas a maioria é bem representativa, sendo na sua
opinião, a atual gestão do Conselho uma das melhores nesse quesito.
G1 disse que os membros do poder público que não são da pasta cultura,
não assumem uma postura de enfrentamento para com os conselheiros da sociedade
civil, mas também não participam ativamente, mas sim com vistas a apoiar o gestor
com um sentido de fraternidade. Admite que por um lado isso facilita a continuidade
166

dos trabalhos, mas por outro, essa ausência crítica deixa de imprimir uma leitura
específica de sua área sobre algo que poderia contribuir. C1 parece confirmar isso
quando diz que não vê enfrentamento com os membros do poder público, apenas que
eles são “mais distantes”. Já entre os membros da sociedade civil, G1 relata que no
passado as relações foram bem conflituosas, mas recentemente passaram a ficar
harmoniosas, sentindo que os conselheiros mesmo nas circunstâncias em que
discordam, se unem para as deliberações finais sempre contribuindo com o outro. De
fato, C1 confirma esse apoio mútuo e relata que eles têm articulados grupos para que
o órgão seja mais representativo e que atentam para as pautas urgentes da
população: “E assim a gente vai caminhando, dando a mão para o outro, cada um traz
a sua demanda, a sua necessidade, e tem funcionado dessa maneira”. Em sua opinião
a relação entre os membros da sociedade civil é de cumplicidade, mesmo que haja
margem para ser ainda melhor.
C1 narrou que no funcionamento do Conselho, os membros se articulam,
buscam o contato com os gestores, convocam reuniões extraordinárias, levam as
questões ao conhecimento público, e tentam chegar a um consenso; e que têm feito
essa mobilização com autonomia:

a engrenagem principal é a mobilização e a gente não deixa essa peteca cair


de maneira nenhuma. ... Então, pelo menos, assim tem funcionado. Nós
temos perturbado a cabeça dos gestores, temos levado os nossos anseios
até eles, independente do que eles pensem ou não das nossas vontades, a
gente leva lá porque o conselho é para atender o artista. Ele é para atender
os segmentos e não para atender a instituição, prefeitura ou estado ou
federal, não importa.(C1, Barra Mansa).

E complementa, demonstrando preocupações entre a autonomia e os


limites estabelecidos pelas normativas e lei:

Eu acredito que nem todos devam gostar de ver a sociedade civil ali ditando
tantas regras, mas dentro do conselho municipal de cultura, em Barra Mansa,
quem manda são os conselheiros, o gestor está ali para direcionar, para
orientar de acordo com as necessidades, dogmas e preceitos da instituição.
Porque também nós temos algumas regras, algumas leis que nós temos que
seguir e isso não dá para fugir. Agora, o que a gente pode fazer através de
mobilização é modificar aquilo que não estiver de acordo com as nossas
necessidades e demonstrar e deixar bem claro que o poder civil está ali e
para se fazer representar e principalmente para ser ouvido, porque não
adianta a gente só falar e ninguém ouvir. Mas a gente tem sido escutado. (C1,
Barra Mansa).
167

Por último, C1 manifesta que, em sua percepção, as ações do Conselho


causam impacto nas políticas públicas em Barra Mansa, mas admite que isso não
ocorre em todos os municípios, pelo que tem conversado com agentes de outras
localidades.
As Conferências são a outra instância de participação que, de acordo com
ambos os entrevistados, têm funcionado conforme a legislação. Neste município essa
instância apresenta algumas diferenças da cartilha, ao dividir parte das competências
desse órgão com os fóruns. G1 ressaltou que ambas as instâncias estão cada vez
mais maduras, apresentando crescente qualidade nos debates e nas proposições,
frisando que a sociedade tem aderido aos eventos. Os últimos Fórum e Conferência
foram bastante movimentados, ainda que tivessem que ser feitos na modalidade on-
line. Afirmou ter relatório final publicado, o que C1 confirmou e complementou dizendo
que são documentos importantes para o conselheiro saber o que é preciso cobrar do
poder público. Porém, G1 admitiu que, por vezes, essas demandas são esquecidas
pelo Conselho, mas percebe que curiosamente elas fazem fixar conceitos e
demandas-chave e algum conjunto de metas que são levadas adiante. Por último, C1
ressaltou que a Conferência poderia ser melhor se o povo participasse mais, mas
atribui esse comportamento ao descrédito na política cultural dos anos anteriores ao
Sistema e que o Conselho tem tentado reverter essa descrença.
No que tange ao funcionamento do Plano, G1 ofertou informações mais
detalhadas que C1. Criticou o alinhamento excessivo com o formato dos planos
nacional e estadual o que conduziu à elaboração de metas em um formato de difícil
monitoramento. Disse que ele foi feito de forma democrática, mas que naquela época
a própria sociedade civil tinha dificuldade de entender suas demandas. Mas esse
entendimento tem melhorado e as novas propostas de metas têm refletido as
necessidades da população. A resposta corrobora com C1, que também é da opinião
que o documento contempla as demandas, ressaltando a necessidade de ser revisto
para colocar novas necessidades que venham a surgir, e é o que vem sendo feito.
Para o G1, o Plano, que inicialmente foi um documento para cumprir as
etapas do CPF na implementação do Sistema, tem de fato se constituído em um
instrumento de planejamento, que orienta a gestão e a fiscalização do Conselho. Para
ele a aprovação em lei ajuda na inserção em leis orçamentárias: “hoje a gente tem
dotações orçamentárias relacionadas a calendário cultural, economia criativa,
168

aquisição de acervo, higienização, conservação de patrimônio, enfim, e isso


acomodado entre serviços de pessoas jurídicas, contratação de terceiros de pessoas
físicas, aquisição de bens e insumo, enfim. Só existem essas dotações no PPA da
cultura hoje, ou o que a gente chama de QDD (Quadro Demonstrativo de Despesas),
por causa do plano”; e frisou que todas as ações políticas têm justificativa escritas
com embasamento na lei do Plano.
Sobre o Fundo de Cultura, G1 disse que há uma captação lenta, pois o
orçamento municipal não é muito direcionado, já que esse instrumento não pode
destinar recurso para a manutenção e pagamento de folha. Narrou que há
participação do Conselho na gestão do Fundo através do Comitê Gestor, que faz a
análise contábil, mas também através de comissões temporárias que elaboram as
diretrizes e até mesmo editais. A informação foi confirmada por C1, que exemplificou
esses procedimentos para execução do recurso da Lei Aldir Blanc. G1 também
ressaltou que o Fundo se orienta por três instrumentos: as metas do Plano, os
decretos que regulamentam a lei, e os programas setoriais (lançados recentemente),
sendo mais do que normativas orientadoras, e sim determinantes. Destacou que o
Fundo funciona com bastante autonomia, sem nem precisar apresentar solicitações à
procuradoria/controladoria quando as disposições já estão previstas em lei, pois há
controle interno, contabilidade e tesouraria na própria Fundação que se responsabiliza
pelo Fundo.
G1 afirmou que o Fundo funciona por seleções públicas, como editais
elaborados pelo Conselho, informação confirmada por C1, que reconhece que ainda
há dificuldade para que todos entendam essa forma um pouco burocrática de seleção,
mas defende ser a alternativa mais democrática que têm encontrado. Relatou que
muitos deixam de se inscrever no edital pela descrença na política fruto das tradições
anteriores ao Sistema, mas que com a atuação do Conselho esse quadro tem sido
revertido.
Sobre a prestação de contas do Fundo, G1 mencionou que ela se faz
através do balancete que é apresentado para a Câmara Municipal e para o Tribunal
de Contas Estadual (TCE), e C1 mencionou a transparência do órgão via portal da
transparência. Além disso também relatou que qualquer movimentação suspeita, o
conselho já se mobiliza para averiguar e corrigir antes que se concretize alguma
ilicitude (antes do período de encerramento de prestação de contas do beneficiário,
169

por exemplo), para evitar problemas. Ressalto que o C1 demostrou muita seriedade
no que tange às responsabilidades e comprometimentos estabelecidos em um edital,
tanto no que tange à gestão pública, como também com os beneficiários
contemplados.

6.2 Estudo de Caso: Macaé

Situada na Região Norte Fluminense, Macaé originou-se do


desmembramento dos municípios de Cabo Frio e Campos dos Goytacazes, sendo
criada em 1813. A colonização da região, por volta da segunda metade do século XVI,
inicialmente tinha o propósito de inibir o contrabando do pau-brasil, período em que
passou por dificuldades decorrentes dos conflitos com indígenas. Somente anos
depois, por volta de 1630, a atividade da cana de açúcar se instalou, e no século XVIII
iniciou-se também a atividade pecuária e de cultivo de alimentos para abastecimento
do mercado interno. Em fins da década de 1820, a cafeicultura ganhou espaço até o
século seguinte.
Em 1875, a construção da Estrada de ferro Macaé-Campos trouxe algum
impulso para a cidade, mas ela permaneceu sem mudanças profundas até a
exploração da indústria petrolífera a partir da década de 1970. Foi então que o
município começou a passar por enormes mudanças na economia e cultura, se
urbanizando e aumentando sua população39.
No panorama socioeconômico, observa-se prósperos índices, ao menos no
que se refere a aspectos estritamente econômicos. No último censo (2010) a
população de habitantes era de 206.728 pessoas, sendo o 13º município mais
populoso do estado. Em relação à densidade populacional, ocupa a 38ª posição entre
os municípios fluminenses. Em 2019, o salário médio mensal era de 6.1 salários
mínimos e a proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de
47.6%, o que lhe confere a 1ª posição em ambos os casos, se comparado a outros
municípios fluminenses e 76ª entre os brasileiros. O PIB per capita lhe dá a 14ª
posição e a 280ª no país. A taxa de escolarização entre 6 a 14 anos de idade é de

39Informações disponíveis em: https://macae.rj.gov.br/conteudo/leitura/titulo/historia. Acesso em: 12


fev.
2022.
170

96,9%, dando-lhe a 68ª posição entre os municípios fluminenses e o IDEB, de 6,3 lhe
concede a 5ª posição40.
Atualmente o município é governado por Welberth Rezende (CIDADANIA),
candidato que foi indicado por Aluízio dos Santos, prefeito anterior. É importante
observar também a enorme troca de gestores na pasta da cultura, que de 2013 a 2022
já contabiliza 8. Ou seja, quase um por ano.

Quadro 10- Prefeitos eleitos e gestores da cultura nomeados, Macaé/RJ

Fonte: Elaborado pela autora, a partir de informações do TSE e do Diário Oficial do município de
Macaé.

Foi no último ano do primeiro governo Aluízio dos Santos Júnior que o
órgão gestor, até então Fundação de Cultura, passou a ser uma Secretaria de Cultura,
sendo Tânia Jardim, anteriormente presidente da Fundação, alçada à secretária de
cultura, em 2016. Esse modelo de órgão gestor se mantem até o momento.
Macaé aderiu ao SNC em 14/12/2012, mas a instauração formal do SMC
só foi efetivada com a aprovação da Lei nº 4.447 de 23/03/2018. O Conselho, no novo
formato, foi instituído pela Lei nº 4.446 de 23/03/2018; o Plano pela Lei nº 4.448 de
28/03/2018 e o Fundo existe desde 2012, com a Lei nº 3.818 de 31/05/2012, mas
nunca foi regulamentado. A lei do SMC é bastante semelhante ao modelo fornecido

40
Informações disponíveis em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/macae/panorama. Acesso em: 16
mar. 2022.
171

pela cartilha, com apenas algumas adaptações e cortes em relação ao modelo


proposto, tornando-se uma versão mais simplificada, mas que não exclui ou contraria
os principais fundamentos e orientações do SNC.
A lei do Conselho Municipal de Cultura substituiu a de 2012 (nº 3.817/2012),
que já assegurava a representação paritária da sociedade civil, mas com a nominação
de entidades específicas do município. A lei atual é mais densa, amplia e formaliza as
competências do órgão, mencionando a realização da Conferência de Cultura, a
avaliação e fiscalização do Fundo Municipal de Cultura e do Sistema Municipal de
Informações e Indicadores Culturais, uma reformulação que foi feita (ALVES, 2021).
Entrevistei neste município 2 agentes, ambos ligadas ao perfil Conselho
(C1 e C2). Infelizmente ninguém ligado ao perfil Gestão se dispôs a conceder
entrevista, mesmo com repetidas tentativas, em abordagens pessoais e pela via
institucional ao órgão. O quadro de funcionários sofre constantes alterações de
equipes a cada mudança de gestão do prefeito e/ou do secretário de cultura, e tanto
funcionários quanto ex-funcionários parecem ter algum receio de se comprometerem
concedendo entrevista, ou (o que parece mais frequente) receiam conceder a
entrevista e deixar transparecer total desconhecimento sobre o assunto. A recente
morte do vereador de Macaé, Thales Coutinho, em consequência da COVID-19, foi
uma perda para o campo da cultura, como também para esta pesquisa. Ele, que tinha
um perfil político, com trajetória pouco vinculada às artes/cultura, assumira a
Secretária de Cultura, em 2018, no período da aprovação das leis referentes ao
Sistema, e como vereador, mantinha relações com o Poder Executivo e continuava
levando adiante questões da cultura no Legislativo. Havia mostrado disposição em ser
um dos entrevistados, o que infelizmente não foi possível.
C1 e C2 mostraram bastante envolvimento com a temática da cultura e do
sistema, e visões bastante parecidas sobre a questão. Conceitualmente alinhados,
não se aprofundam nos detalhes técnicos, afinal isso geralmente é do domínio de
quem coordena o Sistema na gestão pública. Em vários momentos de suas falas, fica
transparente a ausência de institucionalidade em prol de um personalismo político
arraigado. Inclusive, essa é a razão de algumas das perguntas da entrevista serem
de difícil resposta, já que o (pouco) funcionamento daquilo que se refere ao Sistema
é muito personificado nas pessoas que estão nos cargos em dado período. Ou seja,
tudo depende de cada gestor público ou conselheiro que está no cargo em
172

determinando momento, e como eles não se apropriam da definição e competências


que foram estabelecidas nas normativas, as trajetórias institucionais passam longe de
serem lineares.

Aspectos conceituais:
No que tange aos conceitos, os entrevistados mostraram domínio daquilo
que é proposto na política. C2 compara SNC e SMC ao SUS, sublinhando o termo:
organização do planejamento com escuta e diálogo. C1 associa a um grande guarda-
chuva que compreende mecanismos e práticas para se pensar, propor, implementar
e avaliar políticas públicas de cultura e sabe que deveria haver uma articulação com
sistema estadual e nacional, mas nem sempre funciona assim.
Em relação ao órgão gestor, ambos os entrevistados mencionam a
responsabilidade de formular e organizar recursos humanos e financeiros para
executá-las e avaliá-las. C1 também frisa a importância do órgão em se articular tanto
com outras instâncias do poder público como da sociedade civil.
C2 define o conselho como um lugar em que a sociedade civil está junto
com o poder público, em paridade, através de representações eleitas, para construção
conjunta de política pública. C1, responde no mesmo sentido, acrescentando que
também cabe ao órgão acompanhar e avaliar as políticas propostas. As Conferências
são tradas por C2 como a instância de encontro entre municípios, estados e União,
nos quais estão presentes poder público e sociedade civil para debater, dialogar e
construir propostas. E mencionou também a eleição de delegados de representação
(do poder público e da sociedade civil) nas conferências estadual e nacional. C1 diz
que é uma instância de escuta ampliada, o que a diferencia do conselho, que é menor.
Por isso, é uma oportunidade para toda a sociedade civil, de todos os segmentos,
participar, discutir, levantar demandas coletivamente, e não somente de forma
individual.
Em relação aos instrumentos de gestão, C2 associa o plano a diretrizes e
estruturação em longo prazo, com fins a pensar políticas mais perenes e mais
seguras, com projeção para o futuro. C1 o compara a um projeto cultural, que se
coloca no papel para realizar, com descrição das metas que se quer alcançar. Já o
Fundo é explicitado por C2 como uma forma de se ter recursos específicos para a
política cultural, de forma mais independente do Poder Executivo e do orçamento da
173

pasta da cultura, sendo um recurso que não pode ser gasto com qualquer despesa,
demandando aprovação do conselho. Acrescenta que deve receber recursos do
próprio município, mas também de outras instâncias. C1 responde no mesmo sentido,
acrescentando que o órgão também demanda quase uma gestão à parte, com
contador e presidente, e que isso dá mais liberdade no atendimento à subjetividade
da cultura.

Os processos de criação do SMC e suas instituições


Os entrevistados relataram alguns entraves no processo de criação das
instituições, não relacionados à elaboração e aprovação de suas leis, mas sim no
momento de implementá-las. Vale lembrar que os primeiros movimentos para criação
do SMC foram em 201241, ano da adesão e a aprovação das leis do Conselho e do
Fundo. C2 relatou que, naquele momento, o trâmite entre a minutas da lei até sua
sanção foi facilitado porque a gestora responsável pela pasta de cultura era casada
com o presidente da Câmara de Vereadores, e a procuradora da cultura tinha sido
procuradora geral do município, o que acelerou o processo.
Entretanto, essa facilidade não ocorreu no momento da instauração do
Conselho, nos moldes paritário e deliberativo. O entrevistado relatou que os gestores
pareciam querer manter a lógica do conselho de indicados notáveis e que era
necessário estar com as cartilhas do Sistema “embaixo do braço” e sempre mandando
por e-mail este material, na expectativa de que os gestores lessem. As reuniões eram
exaustivas, inclusive com alguns episódios de intimidação aos conselheiros, o que
ocorreu por vários anos, durante várias gestões.
E no processo de reformulação (em 2018) a institucionalização também
apresentou dificuldades. Para elaboração da minuta, o conselho se reunia, incluindo
um representante do Legislativo que auxiliava a readequação da redação e nos
processos de entrada da proposta no órgão gestor, mas mesmo assim o órgão gestor
não a aceitava. Neste caso o entrave foi no órgão gestor, que não era adepto a ideia
e nem chegava a mandar a minuta para a Procuradoria. Depois de algum tempo,
após a aceitação do gestor, a minuta da lei e seu trâmite no Legislativo caminharam
rapidamente, isso porque o gestor da época era filho do presidente da Câmara.

41As leis de 2012 referem-se apenas ao Conselho paritário e ao Fundo. Curiosamente, ambos os
entrevistados associaram todo o Sistema a essas leis, como se elas o tivesse instituído e o processo
de 2018 fosse uma atualização/adequação.
174

C2 acrescenta que para além desse alinhamento político, o trabalho do


Conselho anterior (referente à lei de 2012) já tinha conseguido inserir esse formato na
rotina das pessoas, causando menos estranhamento. Outro fato que contribuiu, foi ter
elegido uma conselheira do Conselho Estadual de Política Cultural residente na
cidade, que ilustrava na prática aos gestores e demais agentes envolvidos que esses
moldes de Conselho e o próprio Sistema de Cultura estava sendo recomendado em
nível de país e não era “invenção” de agentes culturais do município. Isso tudo
contribuiu para alcançar mais convencimento e pressionar o poder público.
C1 preferiu não falar do processo de criação das leis, mas destacou o
processo eleitoral do conselho, em 2018, como positivo, pois conseguiram realizar
pré-fóruns. Ocorre que o conselho de 2012 colocava como representantes da
sociedade civil, algumas instituições da cidade, enquanto o de 2018 trazia o formato
de representação eleita por seus segmentos, e isso veio a mobilizar a participação
social no processo eleitoral. O entrevistado destaca, ainda mais, as eleições de 2021,
que foi capaz de envolver bastante gente e movimentou os segmentos em pré-fóruns,
no quais os participantes tiveram a oportunidade de debater o Conselho; e em sua
organização estavam os seus ex-membros (cujo mandato já tinha se encerrado) e
houve também envolvimento da gestão municipal. Isso parecia transparecer algum
amadurecimento do Conselho e seus vínculos com a sociedade civil e com a própria
gestão municipal, ao que o entrevistado atribui, em parte, às consequências da
mobilização acarretada pela Lei Aldir Blanc. Infelizmente, como será visto adiante,
essa evolução não vem dando sinais de sustentação.
Segundo os entrevistados, o Plano foi elaborado pelo Conselho, reunindo
resoluções de conferências e fóruns, em um longo processo, que finalmente
conseguiu aprovação por lei, em 2018. Não foi feito nenhum diagnóstico para
contribuir com o documento, e na verdade, essa é uma demanda antiga do Conselho,
que reivindicava um mapa da cultura, mas nunca houve alguma ação do município
nesse sentido, exceto o cadastro realizado para a Lei Aldir Blanc. C2 pontuou que o
processo de aprovação em lei não enfrentou problemas, dada a vinculação política do
gestor de 2018.
O Fundo é o elemento mais emblemático do SMC de Macaé, pois é capaz
de desvelar muitas das relações institucionais do município. Ele foi instituído em lei no
ano de 2012, no mesmo trâmite da primeira lei do Conselho, sem enfrentar muitos
175

problemas, dadas as vinculações políticas da gestora e da procuradora de cultura da


época. Porém, os entrevistados relatam que desde então nada mais foi feito para
implementá-lo, ou seja, dez anos se passaram com uma lei do fundo que não é efetiva.
Tanto C1 quanto C2 mencionaram a incapacidade técnica para o funcionamento do
Fundo, na ausência de equipe própria, sobretudo um contador, e esses cargos não
existem no organograma do município e nem foram criados. Segundo C1, o fundo
precisaria no mínimo de contador, tesoureiro e gestor, e os funcionários do órgão
gestor não aceitaram acumular as funções, sem a designação específica e adicional
de remuneração. C2 complementa o relato dizendo que estes cargos não existem em
decorrência de uma reforma administrativa anterior, advinda do prefeito, que extinguiu
uma estrutura específica na prefeitura que se dedicava à gestão de todos Conselhos
do município, e isso acabou prejudicando também a cultura, e nunca foi tomada
qualquer atitude para reparar essa deficiência e regulamentar o Fundo de Cultura42.
C2 acredita que a falta de iniciativa em relação ao Fundo decorre do receio
da gestão ter que passar todas as deliberações referentes à instância pelo Conselho.
Em sua análise, os gestores não compreendem conceitualmente o Fundo, e devem
imaginar que com ele, todos os recursos (orçamentário, inclusive) da Secretaria de
Cultura teriam que ser submetidos à aprovação do conselho. Relatou episódios do
passado, em que tentava explicar o Sistema e suas instituições aos gestores, mas
sem sucesso. Como exemplo mencionou uma gestora não conseguia diferenciar o
Conselho de Cultura do Conselho Diretor da Fundação de Cultura (na época
Fundação e não Secretaria) e frequentemente confundia as atribuições desses
órgãos.

O funcionamento do SMC e suas instituições


Os relatos sobre o funcionamento das instituições ligadas ao SMC
deixaram claro que os elementos do SMC não funcionam, e o Fundo como foi visto,

42Estranhando o relato sobre Fundos municipais sem funcionamento por falta de estrutura, averiguei o
fato, constatando sua veracidade. E mais, identifiquei que o reparo dessa falha foi feito pela
administração pública na mais recente reforma administrativa (Lei Complementar nº 309/2022,
publicada no Diário Oficial em 01/04/2022), que dispõe os vários Fundos Municipais e cria seus cargos
vinculados. Curiosamente, o Fundo Municipal de Cultura não está entre eles, o que corrobora em
muito com o relato dos entrevistados, e leva a crer que o Fundo Municipal de Cultura é
deliberadamente mantido sem efetividade pela gestão pública.
176

sequer foi implementado. Órgão Gestor e Conselho são as instâncias em


funcionamento, mas ao que tudo indica, longe da proposta do SNC, e sim sob a
mesma lógica da política tradicional da cidade, que pauta-se na personificação das
pessoas e suas vinculações políticas. Assim, como será relatado a seguir, as
instâncias de coordenação e participação do SMC parecem sumir atrás de seus
gestores, que na maioria das vezes, possuem pouco entendimento das competências
de seus cargos e instituições que deveriam representar.
A respeito do órgão gestor, C1 diz que a capacidade de diálogo com outras
secretarias e instâncias da administração pública varia, porque depende estritamente
do gestor que está à frente da pasta. Se este tem vinculações políticas com outros
gestores, com o prefeito e com o Poder Legislativo, a comunicação ocorre e os
processos andam facilmente. Mas, se o gestor não tem esse tipo de bagagem, a
cultura torna-se um setor isolado e sem força no município, e até mesmo passa a ser
informalmente gerenciado por outra pessoa mais influente, que não necessariamente
está lotado na Secretaria de Cultura. Menciona que o órgão não tem autonomia para
gerenciar suas questões, e está sempre dependendo de outros setores do governo,
seja da procuradoria, seja da controladoria (na parte de licitações e contas). Destaca,
como agravante, que nos últimos 8 anos, 9 gestores passaram pela pasta da cultura,
e assim nada das políticas de cultura consegue ser continuado. Para o entrevistado,
o Sistema não mudou o tipo de relação entre as instâncias do poder público, que
continuam sob a lógica da conexão política habitual no município.
O entrevistado relatou também que são raríssimos os funcionários que
conseguiriam explicar, ainda que vagamente, o que é o SMC. Portanto, se dentro da
própria Secretaria não há esse entendimento, em outras instâncias não há qualquer
chance, e menciona como exemplo, a dificuldade de implantar a Lei Aldir Blanc, em
explicar, por exemplo, o que é um edital cultural para as instâncias pelas quais
passariam os processos. São termos, práticas e questões da área cultural que o poder
público local não está habituado a tratar, e não há aprendizado sobre isso, num
cenário que funciona sob a lógica da conexão política.
C2 endossou essa percepção sobre a dificuldade do entendimento da área
da cultura, mencionado por C1, e admite que a Lei Aldir Blanc trouxe alguns ganhos,
porém o aprendizado provocado por ela se perdeu na troca de equipe e transição de
gestores da cultura. Exemplificou a questão com um episódio recente em que, na
177

tentativa de regulamentar a Lei do Artista de Rua, a Procuradoria do Município, sem


escutar os artistas, elaborou uma minuta complemente desconexa com a demanda
do objeto, incluindo em seu texto a necessidade do artista solicitar previamente
autorização e nada opor – quando, sabidamente, a arte de rua traz em seu âmago a
espontaneidade, que estaria inibida pela proposta.
C2 mencionou que a Lei Aldir Blanc até abriu espaço para escuta (e não
diálogo) frente à essas instâncias mais rígidas, mas não vê grandes ganhos porque o
órgão gestor não irá se apropriar disso, uma vez que não consegue argumentar sobre
a própria cultura, sobre a importância e o impacto do setor, e sua capacidade de fazer
circular recursos no município.
No exemplo sobre a regulamentação da lei do artista de rua, o Conselho
pediu (e conseguiu) reformulação da minuta pelo setor jurídico da cultura, mas o
quadro desse setor já havia sido todo alterado, e os novos funcionários, sem qualquer
bagagem nas questões da cultura, terão que passar novamente por um processo se
sensibilização – que muitas vezes pode não ser bem recebido pela pessoa. Nesse
caso, o Conselho foi uma peça fundamental para o exercício de uma política mais
efetiva, mas ambos os entrevistados veem que o Órgão Gestor não entende que é
exatamente esse o papel do Conselho, como veremos adiante.
No mais, os entrevistados também relataram que o Órgão Gestor faz um
planejamento orçamentário sem o compromisso de que seja uma ferramenta de
planejamento e gestão, com um “copia e cola” dos mesmos documentos de anos
anteriores, algo que segundo C2, é comum também em outras pastas do município.
C1 disse que, ao que tudo indicava, o último PPA foi um documento de gabinete –
somente entre o gestor e o setor de compras – , e não passou pelo conselho, nem
mesmo pela equipe de funcionários da Secretaria. Acrescentou que em geral, o órgão
ainda tem uma visão bastante estrita da cultura, associando-a com eventos e essa foi
a agenda para a cultura do candidato eleito a prefeito em 2020.
Em relação ao funcionamento do Conselho, C2 relata que o órgão teve uma
difícil trajetória de 2012 até a reformulação da lei em 2018 (e em sua avaliação,
continua tendo), passando constantemente pela falta de entendimento dos gestores
sobre o papel do órgão, que não compreendem que determinadas deliberações
devem passar por essa instância. Na sua opinião, os gestores não veem o Conselho
como órgão que pode contribuir, construir junto, ao contrário, ele é associado
178

estritamente às coisas que lhes são prejudiciais, a exemplo do termo “fiscalizador”.


Disse que, tradicionalmente, no município, as secretarias não tem um caráter técnico,
e sim político, ocupadas por vereadores ou cabos eleitorais, e isso faz com que o
poder público tenha receio das instâncias de controle popular que estariam ali e
poderiam presenciar negociatas e, (C1 complementa) tornar claras as falhas técnicas
daquele trabalho: “de repente chega alguém que é voluntário e entende mais do seu
trabalho do que você. Ficha chato”. Por isso, no município, os conselhos não são
vistos como potencial parceiro e sim como problema.
Ao seu relato, C2 acrescenta que se o Conselho sempre enfrentou
dificuldades para exercer as competências de proposição, elaboração e
acompanhamento das políticas públicas, nunca conseguiu chegar a exercer a
fiscalização. C1 discorda e acha que o Conselho à época da Lei Aldir Blanc conseguiu
exercer bem as proposições, elaborações e fiscalização da política e foi bastante ativo
nessas cobranças. Disse que isso acabou se estendendo um pouco à atual gestão do
órgão, mas que seus membros não parecem exercer essas funções com tanta
harmonia e de forma articulada, e sim individualizada.
Ambos os entrevistados disseram que o conselho, após a reforma da lei,
assumiu um formato interessante, e vinha ganhando espaço e conseguindo exercer
suas competências, até por consequência da Lei Aldir Blanc. Porém, a gestão mais
recente de conselheiros não parece ter compreendido muito bem suas competências.
Ainda existem cadeiras vagas que não foram preenchidas pelas últimas eleições, e
alguns conselheiros eleitos abandonaram seus cargos em um início de gestão bem
conturbado. Os conselheiros novos assumem uma posição parecida com o conselho
de notáveis, pois não cobram com maior ímpeto alguns compromissos básicos do
órgão gestor, de questionar e de trazer informações de fora – como do Conselho
Estadual, de webinários (que têm sido realizados com as expectativas de recebimento
de recurso da União pelas Leis Paulo Gustavo e Lei Aldir Blanc 2) e de outros sistemas
de cultura, por exemplo. Isso é em parte, avaliado pelos entrevistados como
consequência da falta de qualificação e pela falta de condução do órgão gestor, mas
também pela impressão de que alguns desses conselheiros têm expectativa de
trabalhar na gestão pública futuramente e teriam receio de contrariá-la agora. Assim,
tal como ocorreu no órgão gestor, o aprendizado e espaço angariados com a Lei Aldir
Blanc parecem estar se perdendo também neste órgão de participação.
179

C1 pondera que a gestão atual é bem representativa em suas cadeiras, e


alguns dos conselheiros têm mantido constante contato com suas bases. As reuniões
– que inclusive são transmitidas ao vivo no youtube – , apresentam quórum e
transparecem um clima amistoso. Mas, em concordância com C2, avalia que os
conselheiros não têm levado proposições mais impactantes para as políticas. O
entrevistado tem a impressão de que a postura do poder público “de amigo” do
Conselho é uma estratégia para que ele se iniba de assumir seu papel de cobrança e
fiscalização. Aliás o atual gestor tem se mostrado muito disponível ao diálogo, seja
com o conselho, seja recebendo representações e agentes culturais na Secretaria e
tenta manter uma imagem de boas relações com todos. Mas não tem certeza se todo
esse conteúdo é ou será canalizado em ações propositivas, ou até que ponto tais
ações beneficiariam a classe cultural/artística como um todo, e não apenas a
interesses individuais: “A sensação que eu tenho é que a gente voltou para um modo
de fazer política e pensar a cultura dos anos 1990”.
Em relação ao funcionamento das Conferências, os entrevistados
compartilham da opinião de que o poder público não apoia o evento. Em anos
anteriores, os gestores e funcionários pouco participavam ou mesmo compareciam.
C2 exemplificou essa afirmativa com a ocasião de uma conferência passada em que
estavam presentes representantes do Ministério da Cultura e da Funarte, mas o gestor
não compareceu. C1 acrescentou que não tem visto nenhuma mobilização do poder
público para realização do evento em 202243, e acha que poucos da equipe atual da
gestão devem saber o que é uma conferência de cultura. E disse que em 2018 a
Conferência foi bem esvaziada e os que compareceram eram aqueles que já estão
em uma posição mais tradicional da cultura, portanto o evento não contemplou muito
a diversidade cultural. Ele atribuiu a baixa adesão da sociedade civil ao evento pela
descrença nas políticas culturais do município: “por causa dessa rotatividade grande
de gestores, nenhum gestor consegue implementar uma ação efetiva para o setor.
Então rola um descrédito muito grande. Porque todo gestor entra falando que vai fazer
acontecer, e 6 meses depois, é outra pessoa que entra na pasta, falando que vai fazer
e acontecer e falando mal do anterior”.

43
No momento dessa entrevista, a Secretaria Especial de Cultura havia feito uma recente convocatória
para a Conferência Nacional de Cultura, com prazo para que os municípios realizassem os eventos
em seu âmbito, mas Macaé não chegou a adotar qualquer iniciativa para realizar sua Conferência.
Tempos depois esse cronograma foi estendido para o ano de 2023, pelo Governo Federal.
180

Ambos entrevistados comentam não ter certeza se relatórios ou


deliberações do evento foram publicadas em Diário Oficial ou outros meios, somente
que foram enviadas ao governo estadual. C2 aproveitou para reclamar da ausência
de uma plataforma que dê mais publicidade às questões do sistema, tais como essas
produções realizadas em conferências. C1, por exemplo, disse que nunca teve acesso
ao resultado das mesmas.
Ambos os entrevistados utilizaram o termo “engavetado” para falar do
funcionamento do Plano. C2 disse que provavelmente ninguém da equipe atual sabe
que ele existe, ou mesmo o que seja um Plano de Cultura. E que toda vez que muda
o gestor e equipe, a sociedade civil tenta explicar conceitualmente o Sistema e as
peças que o município já institucionalizou em lei, mas isso não parece chamar muito
atenção dos gestores, e essa constante troca prejudica a retomada do documento
como um instrumento de planejamento de longo prazo. Ele não foi considerado na
elaboração do PPA e o Conselho não cobrou que fosse.
Ambos os entrevistados defenderam que o documento possui bases
democráticas uma vez que foi elaborado pelo Conselho e este tinha em vista os
debates ocorridos em conferências e outras instâncias sociais. Porém, ele está
desatualizado já que foi construído há cerca de 8 anos. C1 pontua que não se lembra
de nenhuma ação que conste no Plano ter sido concluída.

6.3 Estudo de Caso: Rio das Ostras

Rio das Ostras, localizada na Região das Baixadas Litorâneas, foi alçada
ao status de município recentemente, em 1993, com o desmembramento do município
de Casimiro de Abreu. Seu passado esteve ligado, inicialmente, às atividades dos
jesuítas, responsáveis pelas primeiras construções na região, e depois, já no século
XIX, se tornou rota de tropeiros e comerciantes, fazendo prosperar diversas atividades
econômicas e a pesca. A construção da Rodovia Amaral Peixoto (década de 1950), a
expansão turística da Região dos Lagos e a instalação da indústria do petróleo (a
partir da década de 1970) na região, acarretaram profundas transformações
socioeconômicas, incluindo um rápido crescimento populacional, que se mantém até
hoje44.

44 Informações disponíveis em: https://www.riodasostras.rj.gov.br/. Acesso em: 15 fev.2022.


181

Seus dados socioeconômicos indicam uma posição privilegiada em


comparação aos demais municípios do estado. Sua população no Censo de 2010 era
de 105.676 pessoas, sendo o 26º com maior população do estado do Rio de Janeiro
e o 15º, em relação à densidade demográfica. Em dados de 2019, o salário médio
mensal era de 3.2 salários mínimos e a proporção de pessoas ocupadas em relação
à população total era de 20.4%, ocupando a 6ª e a 33ª na comparação com os outros
municípios do estado. O PIB per capita é o 19º maior do estado. A taxa de
escolarização entre os 6 e 14 anos de idade é de 98,2%, sendo a 32ª maior do estado
e o IDEB, de 6,6, lhe confere a segunda posição45.
Atualmente o município é governado por Marcelino Borba (PV), reeleito,
tendo assumido o cargo de prefeito pela primeira vez em 2018, numa eleição
suplementar convocada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ),
em consequência da cassação do prefeito eleito em 2016. Tratava-se de Carlos
Augusto Balthazar (PMDB), que teve seu registro de candidatura cassado pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por ter exercido abuso de poder econômico e político
e por uso indevido de veículo de comunicação ainda nas eleições de 2008. Quem
assumiu o cargo de prefeito após sua deposição foi Carlos Alberto Afonso Fernandes
(PSB), presidente da Câmara Municipal. No que tange à cultura, de 2013 a 2022, o
órgão gestor do município, que é uma Fundação Cultural, apresentou três gestores:

45Informações disponíveis em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/rio-das-ostras/panorama. Acesso


em 01 fev. 2022.
182

Quadro 11- Prefeitos eleitos e gestores da cultura nomeados, Rio das


Ostras/RJ

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do TSE e do Diário Oficial do município.

A adesão do município ao SNC data de 30/07/2014. A lei que cria o SMC é


a nº 1.949 de 22/07/2016, e também criou o Conselho, que anteriormente não existia,
embora houvesse menção ao órgão na Lei Orgânica do Município. O texto da lei do
SMC é uma versão bastante simplificada do modelo proposto pela cartilha. Nota-se
também, bastante semelhança com o texto do estadual, mas em uma versão mais
simplificada. É uma peça sucinta que objetiva apenas implantar o SMC e suas peças
integrantes, fazendo referência a outras leis que instituirão os demais elementos. O
Fundo foi institucionalizado pela Lei nº 1.950 de 22/07/2016, regulamentado pelo
Decreto nº 1.764/2017; e o Plano pela Lei nº 2.048 de 24/11/2017.
A instauração do SMC em Rio das Ostras foi um processo estimulado pela
convocatória da III CNC, em 2013. Na ocasião, os agentes do Poder Público optaram
pela não realização da conferência municipal, mas por pressão da sociedade civil
acabaram cedendo e realizaram o evento. Em seguida, apesar das mobilizações da
sociedade civil para formalização da adesão ao SNC e a elaboração das leis do SMC,
o poder público não se engajou na proposta, o que veio a ocorrer somente em 2015,
por iniciativa da sociedade civil juntamente com um grupo de trabalho organizado
pela Universidade Federal Fluminense (UFF), que debateu e elaborou as minutas das
leis que foram formuladas e debatidas (COSTA, 2015). Depois de prontas, as minutas
183

não enfrentaram trânsito fácil tanto no Executivo, quanto no Legislativo, como será
relatado adiante pelos entrevistados.
Neste município foram entrevistados 2 agentes ligados ao perfil Gestão (G1
e G2), e 1 do perfil relacionado ao perfil Conselho (C1). É interessante observar que
ambos os agentes do primeiro perfil estiveram fortemente envolvidos nos primórdios
da implementação do Sistema, ainda na condição de sociedade civil. O entrevistado
do perfil Conselho também esteve atuante no mesmo processo, na condição de
sociedade civil, e anos depois veio a assumir o cargo de conselheiro. Todos
demonstraram extremo envolvimento com a causa, profundo domínio conceitual da
política (inclusive com bastante segurança para problematizar os conceitos da
cartilha), como também dispostos a fornecerem minuciosos detalhes sobre os
desafios do processo de implementação e funcionamento das instituições. Diferente
de Barra Mansa, os entrevistados nem sempre mostram concordância em seus pontos
de vista, e isso independe do local institucional de fala. A seguir serão apontados as
informações mais relevantes das entrevistas.

Aspectos conceituais:
No que tange ao entendimento conceitual da política todos demonstraram
pleno alinhamento ao conteúdo das cartilhas, destacadas algumas ênfases: G1
sublinha a noção de federalismo, comparando com o SUS, na ideia da articulação
entre os entes federados, e no funcionamento desse modelo em âmbito municipal. Já
a ênfase de G2 é na ideia de democratização da gestão e do planejamento, de modo
compartilhado com a sociedade civil, e destaca que isso deve ser feito de forma a
priorizar o município, independentemente da conduta dos governos estadual e
federal. C1 frisa a necessidade de traduzir os conceitos da política tornando-os mais
acessível às bases, que não entendem a linguagem burocrática. Então ele faz a
associação com o SUS, mas prefere comparar o desenho da política a um
condomínio, que tem um posto de gerenciamento e unidades as quais os agentes
culturais devem ocupar. O entrevistado também mostrou clareza da necessidade das
três instituições funcionando ao mesmo tempo: conselho, plano e fundo.
A respeito do órgão gestor, G1 o associa à sua competência fazer os
componentes do sistema funcionarem, tal como G2, mas este vai mais além do que
a própria descrição da cartilha, detalhando que o Sistema demanda do órgão gestor
184

a implantação de uma máquina administrativa completa, com instrumentos de


controle, de procuradoria e de licitação, para que os processos não tramitem junto
com os de outras políticas, como obras e saúde, e respeite-se as particularidades da
cultura. C1 tem clareza sobre a função do órgão gestor em gerenciar o sistema, mas
sublinha também sua função de fazer a sociedade civil e o poder público se
comunicarem, porque sem isso o sistema não se desenvolve. E, apesar de entender
as competências do órgão na teoria, confessa que não entende direito a forma como
isso ocorre, pois às vezes vê um excesso de atenção a determinadas demandas, e
omissão em relação a outras e não sabe o porquê.
O Conselho é associado à ideia de co-gestão por todos os entrevistados.
Tanto G1 quanto G2 destacam a importância desse órgão representativo para que o
poder público tenha melhor entendimento da realidade e implementem políticas mais
assertivas. C1, além desses aspectos já mencionados, também qualifica o órgão
como espaço de escuta, não só do poder público para com a sociedade civil, como é
repetido com frequência, pois cabe ao conselheiro representante da sociedade civil
um duplo papel, escutar o poder público, e também seus representados da sociedade
civil.
A Conferência foi definida por G1 como a instância máxima das
deliberações da sociedade civil, que vão servir de fundamentos para o plano e também
para a eleição do Conselho. Para G2, a conferência é o lugar de desenhar a gestão e
apontar caminhos, de levantamento de demandas (com representatividade) que vão
orientar o conselho. O entrevistado também aponta que o processo deveria durar
mais tempo do que o usualmente praticado, para melhor amadurecer o debate e
esclarecer sobre a inviabilidade de algumas propostas. C1, usando sua metáfora, diz
que a conferência seria como a reunião do condomínio, onde se votam os síndicos e
se encaminham as deliberações sobre as urgências de cada prédio. Em sua fala,
destaca-se a frase: “é um lugar onde se educa o ativismo cultural”, pois para ele é a
ocasião em que as pessoas aprendem formas de reivindicar direitos. Por último, afirma
que, em geral, é um local de desconforto para o gestor, uma vez que ele vai ouvir as
reclamações.
A conceituação do Plano, não apresentou discrepâncias, de modo que
todos o associam a um planejamento, que objetiva a organização de ações culturais
para o desenvolvimento cultural do município em longo prazo. G2 acrescenta que, em
185

sua opinião, o plano deveria ser algo mais sucinto do que o recomendado pela cartilha,
para que seu entendimento seja mais acessível à população e que os temas sejam
mais amplos em atendimento ao dinamismo da sociedade num horizonte de 10 anos.
Disse criticamente que são documentos filosoficamente lindos, com vocabulário
admirável, completos, mas um discurso que as vezes fica longe da prática.
Em relação ao Fundo, G1 pontua a diferença entre esse mecanismo e o
orçamento do órgão gestor, com a importância de legitimá-lo em uma lei própria que
institua a destinação de seu recurso à projetos culturais, enquanto a destinação do
orçamento vai depender do gestor que assume o órgão gestor. Frisa que o fundo é
mais democrático, pois utiliza como meios de distribuição editais em que todos podem
participar. G2 lembra que o Fundo deve se atrelar às metas do plano, que por sua vez
vinculam-se às conferências. E acrescenta que é também um mecanismo de
recebimento de receitas, como de arrecadação de origem do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), para que se tenha uma
retroalimentação desse recurso.
Antes de encerrar a parte conceitual ressalto que G2, fez uma análise
crítica às orientações do SNC dizendo que as cartilhas são muito filosóficas e não têm
um capítulo prático. Exemplifica a dificuldade que é lidar com as questões do fundo,
que é um tema tangente às áreas de orçamento e contabilidade e não se faz essa
abordagem nas orientações. A organização desse instrumento demandará um PPA,
uma Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), uma Lei Orçamentária Anual (LOA) para
o Fundo, e sua inserção na organização financeira do município, mas o gestor não
tem o entendimento do que é isso e nem de como fazer. Sem esse aparato
institucional, ter a lei do fundo significa somente ter um papel, quando na verdade,
para efetivá-lo, é necessária uma série de outros procedimentos que não são
esclarecidos.

Os processos de criação do SMC e suas instituições


Os relatos sobre a criação do SMC apresentam similaridades, afinal, todos
os entrevistados participaram do mesmo processo, ainda na condição de sociedade
civil, quando foram iniciados os debates acerca do SMC, em 2013. Eles narraram a
indisposição do poder público daquele momento em dialogar e implementar o sistema,
186

e depois a morosidade no processo de elaboração e aprovação da minuta pelo Poder


Executivo, o que levou a implementação somente a partir de 2017.
C1 narrou as mobilizações iniciais, frisando que foi um processo
encabeçado pela sociedade civil, num momento de insatisfação com a gestão da
cultura. Disse que antigamente, Rio das Ostras era um município pequeno e com
poucos habitantes e por isso a comunicação com a gestão pública era próxima e fácil,
mas com o crescimento da cidade a gestão foi ficando mais distante, sendo
interrompida de vez com a chegada de um gestor de fora, em 2013, que não conhecia
as demandas das bases e se recusava a recebê-los. Na ausência de escuta, a classe
cultural e artística foi em busca de outras estratégias para dialogar: “E aí a gente se
mobilizou para que o Sistema fosse nosso documento de diálogo. E isso mudou as
estruturas de relação”.
As relações mudaram inclusive entre os próprios artistas, que começaram
a se conhecer e formar redes, até com outros segmentos artísticos que antes não se
comunicavam: “A gente teve que baixar as guardas das vaidades, das disputas [...] e
aí em 2014 (sic: 2013) a gente conseguiu se mobilizar para fazer conferência”. Em
sua opinião, a conferência foi um grande ganho para que os artistas entendessem a
importância do ativismo “o grande ganho para Rio das Ostras foi ter um corpo artístico
ganhando corpo político”.
G2 narrou processo semelhante sobre a insatisfação com a gestão de
2013, acrescentando que a partir de 2002 o município investiu muito no setor cultural
em decorrência da arrecadação de royalties, e isso decaiu a partir de 2012. Somado
a isso, a gestão não mantinha diálogo com a classe artística, pelo contrário, havia uma
comunicação muito ruidosa, desencadeando uma mobilização da sociedade civil, que
ainda não tinha ideia do que era o SNC. Até que alguém trouxe a proposta ao
município, (inclusive pelas mobilizações da Conferência Nacional naquele ano). Para
ele, embora tenha havido a realização da Conferência em 2013, o poder público, que
deveria desdobrar o evento em ações, não deu muita atenção à causa, nem mesmo
publicou os resultados em Diário Oficial. Mas realçou a importância do evento,
inclusive por terem sido eleitos delegados que compuseram a delegação da
conferência estadual e depois da nacional, em Brasília: “Então isso é incrível, porque
aí começa a gente a estar de perto das pessoas que discutem, que estavam se
posicionando, e aí gente começa a aprender”.
187

G1 deu sequência a estes acontecimentos, mencionando que após a


conferência de 2013, ocorreu a solicitação da adesão ao SNC, tendo sido aprovada
em 2014. Foi então a sociedade civil que se mobilizou para elaborar a minuta da lei,
no prazo de 2 anos estabelecido pelo ACF e se apegaram muito a esse prazo. Para
tanto, professores do curso de Produção Cultural da Universidade Federal
Fluminense, promoveram grupos de trabalho e reuniões periódicas para a elaboração
da minuta da lei. Depois de pronta, foi enviada ao Poder Executivo, enfrentando
alguns problemas para aprovação. A criação do Conselho, em si, não foi um
estranhamento, já que o órgão estava previsto em lei orgânica, mas seu caráter
deliberativo e paritário não foram aceitos pelo procurador e pelo prefeito. G1 narrou o
episódio em que, ainda na condição e sociedade civil e representante do Fórum de
Cultura, solicita uma reunião com procurador e o prefeito do município:

a gente teve reuniões de quatro horas, eu levei meu computador e mais duas
pessoas do fórum [..] durante quatro horas com procurador, todo mundo na
minha frente e o prefeito falando: ‘não’. E a gente com a cartilha do Ministério
– aquela cartilha que dizia que o conselho tinha que ter que ser paritário, tinha
que ser... – aí eu falava: ‘mas tá aqui’, aí o procurador: ‘mas minha jovem, eu
tenho mais de vinte anos de experiência com conselho de saúde, com
conselhos ‘de não sei o que’, com conselhos ‘de não sei o que lá’’. E eu falava
‘meu senhor, eu não tenho nenhuma experiência com conselho, mas não sou
eu que estou dizendo. A cartilha está dizendo. Se a gente mudar isso na lei
[no projeto de lei], o conselho não vai não vai servir pro sistema, moço. (G1,
Rio das Ostras).

Mesmo assim, o poder executivo enviou o projeto para a Câmara Municipal


com um formato de Conselho não paritário e o Fórum se mobilizou parando a sessão
de votação e solicitando reunião imediata com os vereadores. Eles não entendiam o
porquê dos manifestantes pararem a sessão, a última do ano antes do recesso, eles
queriam a aprovação da lei. Novamente os representantes do Fórum explicaram toda
a ideia do SMC e do Conselho nos moldes da proposta do SNC, até que por fim os
legisladores entenderam que os manifestantes queriam a lei, mas que aquele trecho
precisava ser alterado. Então o projeto de lei voltou ao Executivo, e houve mais uma
longa reunião para convencimento do prefeito, que finalmente alterou a redação e
solicitou uma sessão extraordinária da Câmara, aprovando a lei ainda em 2016. G2
também relatou essa dificuldade, atribuindo-a ao já estremecido diálogo entre
sociedade civil e poder público desde 2013, e rememorou o episódio de interrupção
188

da sessão de votação dizendo que reuniram cerca de 150 pessoas para participar
dessa manifestação e da sessão extraordinária que foi convocada.
A elaboração do Plano de Cultura, de acordo com G1, foi uma iniciativa
interna do órgão gestor já no novo governo, de 2017, pois a gestão teve a
incumbência de elaborar o PPA e optaram por fazê-lo de forma atrelada ao Plano de
Cultura. O entrevistado ressaltou que nas gestões anteriores não se fazia um PPA,
apenas replicava-se um documento modelo que por fim não servia como ferramenta
de planejamento. A gestão reuniu as demandas das conferências anteriores e demais
pleitos para elaborar o Plano, mas que mesmo assim a minuta foi apreciada e
aprovada em conferência. G2 admite que o Plano poderia ter sido melhor construído,
tecnicamente, considerando um diagnóstico, mas que optaram por aproveitar o
período favorável à aprovação das leis da cultura para institucionalizarem a peça o
quanto antes.
Na sequência, o trâmite seguiu tranquilamente, ao que G1 atribui o fato de
o novo prefeito não dar muita atenção ao setor, minimizando a sua importância, e
passou o documento adiante. Relatou que a fácil aprovação por parte da Câmara
Municipal foi fruto de desentendimento e desinteresse pelo tema, e em boa medida
pelas boas relações com o prefeito (lobby). Processo semelhante ocorreu com a lei
do Fundo, que vale destacar, enfrentou dificuldades, ainda no governo anterior [antes
de 2016], pois não queriam ter Comitê Gestor, nem qualquer órgão participativo
paritário, e sim sempre maior representação do poder público. O argumento utilizado
naquela época não se vinculava à perda de poder, e sim ao engessamento das
decisões, travando a utilização do recurso. G2 complementou dizendo que depois de
aprovada a lei do fundo, também houve alguma morosidade para publicar a
regulamentação, já que aquele governo de 2016 não dava abertura.
Destaco que todos os entrevistados corroboram com a importância da
sociedade civil na implantação do Sistema em Rio das Ostras. Sublinho o depoimento
de G2, quando defende as redes geradas na mobilização da sociedade civil e seu
aprendizado. Disse que as pessoas que estavam ocupando os cargos da gestão em
2013 não se mexeram para aprender, naquele momento, e nem sem mexeram depois,
o que é comprovado pelo espaçamento dos eventos: a conferência ocorreu em 2013,
o acordo de adesão em 2014 e a lei somente em 2016 e a conferência para eleger o
primeiro Conselho somente em 2017, já em outro governo. Na opinião do entrevistado,
189

o governo de 2013 a 2016 é paradoxalmente ruim e bom, “porque é na crise que a


gente se movimenta, é na crise que a gente se reinventa”. Se a gestão tivesse
conduzindo como vinham conduzindo os gestores anteriores, não haveria sistema. O
entrevistado continua:

então foi uma trajetória muito curiosa. Porque aquela galera que é da
sociedade civil que estava brigando com a gestão, se mobiliza, cria o fórum,
traz pra si o dever de casa de implantar o sistema, trabalha isso enquanto
sociedade civil, porque nós tivemos vários seminários, construímos minutas,
que o prefeito da época destruiu, e enfim foi, voltou, foi, voltou, foi, voltou...
Mas essa galera, em 2017, entra pro poder público (G2, Rio das Ostras).

E com isso o Sistema é rapidamente implementado e se desenvolve:

2017 é um ano ímpar, porque o volume de marcos legais que foram


conquistados é gigantesco e fundamental. Num ano em que o prefeito,
quando assumiu, decretou estado de calamidade financeira, e estava
preocupado com outras questões, a gente passou tudo que a gente queria,
sem resistência. A gente fez a II Conferência, na II Conferência aprovamos
o plano, botamos o plano pra frente na mesa do Prefeito, levou pros
vereadores, eles não mudaram linha, não mudaram vírgula. Votaram,
passaram pra frente, regulamentou o fundo. Aí já tínhamos conselho, já
discutimos no conselho a lei de fomento, botamos pra frente, foi sem mudar
linha. Discutimos os decretos, tanto do fundo, quanto da lei de fomento, foi
pra frente, o Prefeito colocou sem mudar linha. E foi e foi assim que a gente
foi conquistando, mas foi necessário migrar da sociedade civil pra dentro, sem
se alterar nos seus objetivos. Mantendo levantar a bandeira que estava
levantada lá enquanto sociedade civil, entende? Sem se corromper (G2, Rio
das Ostras).

O funcionamento do SMC e suas instituições


Os relatos que compreendem o funcionamento das instituições, diferente
dos referentes à criação, apresentam algumas opiniões e perspectivas diferenciadas
entre os entrevistados. O órgão gestor, na percepção de C1, tem conseguido facilitar
o trâmite frente a outras instâncias de governo, dizendo que o pensamento desses
órgãos externos à cultura ainda está arraigado em leis que não dão conta do setor
cultural, e para ele o Conselho seria a instância que poderia aproximar esses campos,
mas isso é impedido porque o poder público ainda tem muito receio da gestão
compartilhada. G1 ao contrário, defende que com o Sistema o órgão gestor ampliou a
comunicação da cultura com outras secretarias, uma consequência de ter que
transitar por vários setores para a aprovação de lei – procuradoria, prefeito –
legislativo. Na sua percepção, as reuniões para explicar conceitualmente as
propostas, o Sistema e as políticas culturais, já trouxeram um grande avanço.
190

Exemplificou que atualmente a Secretaria de Fazenda, e seu responsável, sabem


mais de políticas de cultura que anteriormente, principalmente com a chegada da Lei
Aldir Blanc. A Secretaria de Turismo também e atribui esse trânsito ao processo de
implantação do Sistema. Mas, de fato, admitiu que não há muita participação na
elaboração das leis orçamentárias, pois tal como em outros municípios, elas são
feitas por uma secretaria (como a de planejamento ou fazenda) e depois sofrem as
adaptações necessárias pelos setores.
O entrevistado comentou que o órgão gestor, por se tratar de uma
fundação, acaba tendo mais autonomia frente as outras instâncias, tendo seu próprio
controle interno, ao invés de ter que mandar determinados processos à procuradoria.
E quando isso é necessário o corpo técnico da fundação tem a iniciativa de explicar
as causas as outras, mas confessa que esse diálogo ainda não é tão tranquilo, já que
falta entendimento de cultura e política cultural, que são medidas sob os mesmos
parâmetros de leis direcionadas a outros bens e serviços que não abarcam o setor.
G2 enfatizou este sintoma em sua fala, considerando que embora tenha se
ampliado o entendimento de cultura – que antes se restringia a evento – e que a
fundação, por ser fundação, ter muita autonomia em relação aos outros órgãos, ainda
acha que há pouco entendimento de cultura perante a outras instâncias da
administração pública. E relatou que isso ocorre, inclusive dentro do próprio órgão
gestor, onde há embates para alinhamento do setor jurídico e do controle interno no
sentido de explicar, por exemplo que “a baiana que faz acarajé é cultura” que
“pescador tradicional é cultura”, etc.; e aproveita para destacar que a Lei Aldir Blanc
foi muito importante por promover esse debate. Nesse sentido, fez veementes críticas
à falta de qualificação, ou mesmo de estimulo à qualificação para que os servidores
deixem de entender o Sistema como algo que simplesmente onera o seu trabalho. O
entrevistado diz que é urgente um programa de qualificação da gestão, pois vislumbra
a estagnação do Sistema se esta falha não for corrigida.
No mais, o entrevistado tece outras críticas sobre o funcionamento do
órgão gestor, como a não elaboração de um orçamento participativo, que ao final, se
faz em um processo de gabinete, com muito “copia e cola”, uma destinação mínima
para o Fundo, em escolhas que em sua opinião, não são prioridade da população. E
reclama que a fundação deveria assumir o papel de angariar recursos de outras fontes
para o Fundo, coisa que tem sido feita até pela população, mas não pelos gestores.
191

Menciona que o diálogo com a sociedade civil não está dos melhores, nunca foi
perfeito, mas vinha se aprofundando e após a Lei Aldir Blanc e as eleições municipais
as relações ficaram um pouco estremecidas.
Ao falar do funcionamento do conselho, C1 teceu críticas cobre como o
atual grupo tem tratado o órgão. Em seu entendimento, o prefeito não considera o
conselho como importante, já que ignora algumas demandas urgentes para o bom
funcionamento do Sistema. Ações como a morosidade para dar posse aos
conselheiros, para publicar alguma alteração necessária ao regimento interno, são
tomadas pelo entrevistado como um movimento intencional de desmobilizar o órgão,
que estava muito forte no período anterior – durante a aplicação da Lei Aldir Blanc.
Na sua avaliação, a gestão pública ainda tem muito receio da gestão compartilhada,
e justamente por isso, faltam com a publicidade das informações e das ações. G2, de
fato, relata que tem percebido atritos no diálogo entre poder público e sociedade civil,
até por impactos do período eleitoral para a prefeitura. Nesse sentido G1 sublinha ser
frequente, em muitos municípios e não só em Rio das Ostras, que pessoas tomem as
instituições para levar anseios e causas particulares, a exemplo dos atritos partidários
por consequência de posicionamento de oposição ao prefeito no período eleitoral, o
que dificulta o diálogo de ambas as partes, mesmo após as eleições.
O entrevistado manifestou decepção dizendo que comportamentos como
esse acabam enfraquecendo tanto a gestão quanto o Conselho, institucionalmente,
pois esses conflitos dificultam ainda mais seu entendimento por parte das outras
instâncias da prefeitura, cabendo ao gestor o papel de mediar essas questões.
Ressalta que é preciso muito cuidado tal questão, para que não se caia no deslize de
atribuir comportamento inapropriado ao Conselho [como instituição] e não a
determinado conselheiro, seja ele da sociedade civil ou do poder público. Em sua fala:
“a gente tem que proteger o Conselho, como instituição”. Esse mesmo
posicionamento foi defendido por G2: “quando alguém fala assim: ‘o Conselho é muito
chato, porque aquele conselheiro é intragável’, eu já falo: o Conselho não é chato. O
conselheiro que é chato. Mude a fala, por favor, porque você está manchando e
carimbando o Conselho de uma situação que ele nem nasceu para isso”.
Quando questionados se o poder público compreende as competências do
Conselho, G1 e G2 afirmam que sim, embora isso parta mais de um entendimento
pessoal do gestor. Ou seja, institucionalmente – na estrutura do poder público – esse
192

papel ainda não foi internalizado. Assim, G2 diz que, com frequência, o órgão é visto
como algo que atrapalha, e não como colaborador e como parceiro, e chamou atenção
para o fato de que o Conselho conseguiu “sobreviver” à transição da gestão, pois
pensou que isso não seria possível.
Na opinião dos entrevistados o Conselho tem funcionado. As reuniões
continuam acontecendo mesmo com as dificuldades da pandemia e apesar do quórum
esvaziado – muito mais pela ausência dos representantes do poder público, inclusive.
Para C1, os membros do poder do poder público não comparecem às reuniões, exceto
quando há na pauta alguma votação importante para o poder público, o que causa
desconforto e desmobilização no órgão. Criticou os integrantes do poder público, que
não sua concepção, não entendem de cultura. Além disso, a relação entre os
membros da sociedade civil não chega a ser tão harmoniosa, embora não sejam
apontados graves desentendimentos. C1 atribui esse comportamento ao
favorecimento de algumas cadeiras da sociedade civil pelo poder público (seja por
afinidade, seja por estratégia de desmobilização do poder público), o que gera atritos
com os demais membros. Já G1 diz que pequenos conflitos ocorrem por que o órgão
é um espaço político também e alguns tentam se colocar mais em evidência que
outros.
G1 relatou o abandono de cargo pelos conselheiros da sociedade civil ao
longo da gestão, atribuindo a essa desmobilização uma possível frustração com um
trabalho que às vezes não os atinge diretamente (porque com frequência a pauta
refere-se a outro segmento, que não o daquele conselheiro) e demoram a serem
vistos, já que os resultados produzidos pelo Conselho não são imediatos e demandam
muitas horas de reuniões e trabalho voluntário. Também sobre a participação no
órgão, C1 menciona a dificuldade em manter a participação ampliada, uma vez que
após elegerem seus representantes, as bases deixam de participar e cobrar,
delegando toda a função ao conselheiro, e essa falta de contato dos representantes
com a base traz prejuízos à função de representação. Apesar disso, todos os
entrevistados consideram que o formato do Conselho atende à representação da
diversidade do município.
Os entrevistados também foram unânimes ao afirmar que os conselheiros
veem que seus trabalhos impactam na formulação e implementação de políticas
públicas, mas com diferentes ênfases. G1, por exemplo, mencionou que isso ocorre,
193

mas que nas ações do Fundo isso vai muito pela vontade da gestão, pois a obrigação
legal é que os processos decisórios passem somente pelo Comitê Gestor, mas nessa
gestão isso acabou se estendendo ao Conselho, o que inclusive produz resultados
melhores.
C1, entretanto, pondera que se há algum espaço para atuar nas temáticas
de formulação de políticas, há pouco para o cumprimento do papel de fiscalização,
até mesmo por falta maturidade e qualificação dos conselheiros, que não têm
conhecimento sobre os procedimentos burocráticos para fiscalizá-los, ou ainda não
sabem as instâncias às quais recorrerem em cada situação de reclamação. E assim
ela enfatiza a necessidade de formação do conselheiro, e ressalta que ele não precisa
chegar ao cargo sabendo, mas o modelo de gestão do SNC precisa estabelecer
melhores estratégias para qualificação deste agente, que já faz um trabalho voluntário
e não pode arcar também com sua própria qualificação. G2 considera que o impacto
do Conselho nas políticas não alcançou o ideal, mas reconhece, por exemplo, a
influente atuação do órgão na elaboração da lei do fomento, de seu decreto
regulamentador e na implementação da Lei Aldir Blanc. E em total alinhamento com
C1 diz não haver fiscalização por parte dos Conselho, por faltar maturidade, tanto da
gestão pública, quanto dos conselheiros.
Por último sublinho a fala de C1, de que nos últimos tempos foi se
construindo uma forte relação entre o Conselho Municipal e o Conselho Estadual de
Política Cultural, assim como com o Fórum Regional de Cultura da Baixada Litorânea,
e isso tem ajudado bastante no funcionamento do órgão de Rio das Ostras. Essas
relações tem dado suporte aos conselheiros, sobretudo para os da sociedade civil,
com aportes mais técnicos, para que cobrem certas demandas do poder público. E
mencionou, negativamente, o fato de conselheiros da sociedade civil serem chamados
a trabalhar no órgão gestor, deslegitimando a representação do órgão.
Em relação à Conferência, os entrevistados narraram ela tem ocorrido com
a periodicidade determinada, embora, na visão de C1, seja necessário haver alguma
pressão da sociedade civil para que ocorra a convocatória e G2 também diz ter a
impressão de que o poder público realiza o evento mais por obrigatoriedade da lei do
que por motivação real. C1 reclamou da ausência do Poder Legislativo no evento,
aproveitando para criticá-lo pelo fato de nada entender o que é cultura e o que é o
Sistema.
194

Sobre a representatividade da instância, G1 admite que alguns segmentos


não aderem ao evento, sendo mais frequentado por segmentos tradicionais, e que a
gestão estava buscado mais descentralização das ações até serem interrompidos
pela pandemia. A expectativa era que segmentos de outros bairros mais distantes
começassem a aderir à prática. G2 observa que o evento consegue ser bastante
representativo, embora reúna também alguns grupos bastante desalinhados com o
ativismo político, que comparecem apenas a pedido de algum amigo, não para
participar de fato. As resoluções da conferência são registradas e publicadas em diário
oficial, mas na opinião de G1 e C1 os conselheiros têm dificuldades de retomar essas
demandas como norteadoras de suas gestões. Nesse ponto, C1 defende que cabe
também à gestão manter este objeto em vista do Conselho e retomou a importância
da capacitação dos conselheiros para que estes mantenham-se alinhados com suas
competências, inclusive de retomar os resultados da Conferência, transformando-os
em políticas públicas.
A respeito do funcionamento do Plano, todos os entrevistados admitiram
que ele não se transformou, de fato, em uma ferramenta de gestão, planejamento e
orientação das ações; e acaba ficando à parte (ou “engavetado”). C1 não acha que
isso seja algo intencional da gestão pública, e sim consequência da falta de
qualificação da equipe, principalmente da equipe de gestão do fundo. G1 admite que
o Plano acaba não sendo orientador das ações, pois termina sendo deixado de lado
enquanto as ações são feitas, sendo revisitado tempos depois para averiguar se (por
acaso) foi cumprido. Ou seja, uma inversão da lógica, de algo que era para ser
utilizado como planejamento de ações, só é utilizado como verificação. Diz que ele
acaba sendo cumprido por consequência das ações que são realizadas (tais ações
inclusive por decorrência do próprio Sistema), mas que elas não são intencionalmente
vinculadas ao Plano no momento em que são decididas. G2 demonstrou grande
insatisfação com a subutilização da ferramenta, e relatou atritos quando, com
frequência, rememorava a existência dos decretos que trazem as metas do Plano, até
mesmo nas tentativas de alinhamento com os planos de governo para a área da
cultura. Para o entrevistado o Plano e suas metas tiveram bases extremamente
democráticas e talvez por isso atualmente enfrente resistências do poder público. O
entrevistado concordou com G1 dizendo que o Plano não orienta as ações realizadas
pela gestão, e somente depois são “encaixadas” nele; e quando não encontram
195

encaixe “são feitas mesmo assim”. Ele pensa que o Plano deveria ser algo construído
coletivamente e criticou que no SNC, em geral, depois de construídos, os planos se
tornam um documento legal (lei), mas deixam de ser publicizados, sendo que aí o
momento em que mais deveria ser divulgado às demais instâncias do governo e à
sociedade civil. Mas ao invés disso, ele é engavetado.
Por fim ainda cabem registrar algumas críticas ao funcionamento do Plano:
C1 aponta a falta de monitoramento e ferramentas de diagnóstico (menciona inclusive
que o cadastro de artistas feito para a Lei Aldir Blanc precisa ser continuado e
aprimorado). G1 ressalta que gostaria que algumas temáticas fossem mais
aprofundadas, mas a população tem dificuldade em identificar algumas demandas
para que elas sejam alocadas no Plano, como por exemplo, a formação de plateia.
Em relação ao funcionamento do Fundo, C1 relatou conflitos graves,
quando da morosidade para a posse do Comitê Gestor, o mecanismo estava sendo
manipulado, situação que o Conselho conseguiu reverter depois. Em sua opinião, o
Fundo é subutilizado, seja pela falta de destinação de recursos do orçamento, seja
porque não foram acionados todos os mecanismos de arrecadação. Disse que ele
possui autonomia apesar de ter havido alguma tentativa de outros setores de
impedirem determinadas deliberações, o que ao final não ocorreu. Em sua opinião
acha que a atuação do Comitê Gestor é precária, em semelhança às falas de G1 e
G2 que admitem que o Comitê não se reúne muito, e acaba sendo um órgão mais
burocrático, somente para assinatura. Ambos justificam isso dizendo que as
deliberações acabam sendo tomadas pelo Conselho (que compreende o Comitê
Gestor).
Todos confirmaram que a destinação de recursos do Fundo é feita por
editais e seleções públicas, e G1 sublinha que é impossível burlar essa conduta, já
que existe um sistema de Tecnologia de Informação (TI) que impede a alteração de
notas nos processos seletivos, que inclusive são atribuídas por pareceristas externos
ao município. G2 defendeu que as propostas de editais acabam sempre saindo do
poder público e sem muita relação com as metas do Plano, quando gostaria que
partissem também dos conselheiros da sociedade civil, mas que ainda falta
maturidade e qualificação para tal. Por último todos afirmam a existência da prestação
de contas, mas C1 e G2 gostariam que elas fossem mais inteligíveis para
entendimento ampliado da população. G2 menciona, com positividade, o portal virtual
196

da Fundação como canal de transparência e acesso à informação, mas admite que


ainda precisa ser melhorado.

6.4 Estudo de Caso: São Fidélis

Localizada na Região Norte Fluminense e criada em 1855 por


desmembramento do município de Campos dos Goytacazes, São Fidélis teve seu
passado ligado à implantação de uma aldeia indígena, conduzida por frades
capuchinhos por volta dos anos 1780. O empreendimento tinha por objetivo abrigar
índios dos interiores da capitania, de maneira que os fazendeiros pudessem se
instalar na região com suas lavouras e criação de gado, e inclusive ter acesso à mão
de obra indígena. Ao longo dos anos, dedicou sua economia ao cultivo da cana-de-
açúcar e agropecuária (gado de corte e pecuária leiteira)46.
Seus indicadores sócio econômicos apontam o município como pouco
próspero, quando comparado aos demais do Estado do Rio de Janeiro. Sua
população, no censo de 2010, era de apenas 37.543 pessoas, sendo o 42º município
mais populoso do Estado. Sua densidade demográfica é baixa, dando-lhe a 78ª
posição. Em 2019, o salário médio mensal era de 1.7 salários mínimos e a proporção
de pessoas ocupadas em relação à população total era de 14.3%. Na comparação
com os outros municípios do estado, essas marcas lhe dão, respectivamente, as
posições 84º e 67º do total de 92. Seu PIB per capita é o 73º maior do estado, a taxa
de escolarização de 6 a 14 anos é de 97,1%, ou a 64ª; e o IDEB, de 4,9; é o 75º.
Assim, São Fidelis é, dentre os estudos de caso, o município menos privilegiado e
também o mais distante da região metropolitana.
Atualmente o município é governado pelo prefeito reeleito Amarildo
Alcântara, filiado ao partido Solidariedade, em uma coligação que inclui seu partido
das eleições anteriores, o Partido da República (PR) que passou a se chamar Partido
Liberal (PL). De 2013 a 2022 o município dispôs de 4 gestores para a cultura.

46Informações disponíveis em: https://saofidelis.rj.gov.br/ e http://www.pensario.uff.br. Acesso em:


02maio 2022,
197

Quadro 12- Prefeitos eleitos e gestores da cultura nomeados, São Fidélis/RJ

Fonte: Elaborado pela a partir de dados do TSE e do Diário Oficial do município.

A adesão de São Fidélis ao SNC se deu em 26/10/2016. A Lei do SMC é a


1.469 de 30/06/2016, que também implementa o Plano (trazendo-o como anexo). Já
as Leis do Conselho e do Fundo são anteriores, a nº 1.210 de 16/09/2009, com
complementação da lei nº 1.336 de 13/12/2012, ambas referenciadas na Lei do SMC.
O município, tal como Barra Mansa, foi participante da ação de Dinamização da
Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro (2015-2016), que auxiliou na
condução de reuniões públicas, e elaboração da minuta da lei junto a um grupo de
trabalho da sociedade civil. A redação da Lei é bastante parecida com a do Sistema
Estadual, trazendo pequenas adaptações e simplificações, na medida em que não
trazem disposições sobre o conselho e o fundo, apenas referenciam suas leis
anteriores. As Leis do Conselho, embora estabeleçam a paridade, enumeram
determinadas instituições que têm direito às representações nas cadeiras da
sociedade civil, e isso não é condizente com as orientações do SNC, que recomendam
conselheiros eleitos, pelos seus pares, em uma formação que compreenda a
diversidade cultural do município. O órgão gestor do município é constituído por uma
secretaria em conjunto com outras pasta – Secretaria de Cultura e Turismo.
Tal como Macaé, não foram encontrados neste município gestores ou ex-
gestores que estivessem dispostos a conceder entrevista. O contato foi tentado,
individualmente, com atuais gestores e funcionários, assim como outros que já
deixaram os cargos, que atendiam ou viam as mensagens, mas quando se deparavam
com a proposta para participar desta pesquisa paravam de retornar, mesmo com o
198

esclarecimento que os entrevistados ficariam sob anonimato. Também foi enviado um


e-mail, institucionalmente, ao órgão gestor e não obtive resposta; e foi solicitado o
apoio do Fórum Regional de Cultura do Norte Fluminense, para que este pudesse
intermediar o contato, já que o órgão mantém contato com gestores dos municípios
da região. Mas a representante dessa organização relatou que, igualmente, estava
com dificuldades em entrar em contato com os gestores do município, que se afastou
de qualquer iniciativa do Fórum no ano de 2022.
Por isso tal município só terá o relato de um entrevistado vinculado ao perfil
Conselho (C1), que foi bastante atuante no processo de implementação da Lei em
2016. Embora demonstrasse profundo envolvimento, o entrevistado não conseguia
entrar em muitos detalhes conceituais, técnicos ou sobre o funcionamento atual da
gestão ou das instâncias do conselho, por isso, diferente das demais, essa entrevista
não seguiu o mesmo roteiro que os demais entrevistados, mas tentou nortear a
perguntas nas temáticas: conceitos da política, dificuldades da institucionalização e
funcionamento das instituições (que como será explicado, relatou não haver).
C1 não demonstrou grande domínio conceitual, a ponto de pormenorizar
definição e competências do Sistema e suas instituições integrantes de forma a
reproduzir o conteúdo da cartilha. Entretanto, sua resposta menos objetiva e mais
filosófica, contemplou de algum modo os princípios da política, explicando que o
gestor muitas vezes desconhece a realidade e o que as pessoas precisam, e que
gerencia a cultura somente com o que sabe. Para ele o plano ajudaria o gestor a
“construir uma política pública mais próxima do interesse de todos, e não próxima da
visão só dele”, ou em outras palavras, “a gente não precisa de um gestor com apenas
os olhos dele, precisa de alguém que tenha capacidade para enxergar, para gerir e
envolver outras pessoas para um bem maior [em curto, médio e longo prazo], e não
para um bem próprio”. O entrevistado, em sua fala, não distingue “sistema” de “plano”,
tratando toda a política como o plano. Mas seu entendimento sobre Conselho parece
mais claro.
Ao relatar o processo de criação das leis, C1 menciona que inicialmente
faltava apoiadores, pois as pessoas mostravam muita descrença na política, inclusive
foi na época do afastamento e impeachment de Dilma Rousseff, o que piorava o
cenário. É válido mencionar que a ação de Dinamização demandava a solicitação do
gestor à Secretaria Estadual e seu envolvimento no processo e segundo o
199

entrevistado o gesto naquele momento estava esperançoso com a proposta. O


Entrevistado relatou que os envolvidos se mobilizaram e organizaram uma reunião
pública que contou com a presença do promotor do Ministério Público, e
representantes do legislativo, além do dinamizador da Secretaria Estadual, e aos
poucos o processo foi ganhando a credibilidade de agentes culturais. Construíram um
cronograma de trabalho para elaboração da minuta e alguns participantes começaram
a se engajar, congregando colaboradores que eram de “lados opostos” tanto
ideologicamente, quanto na política municipal.
Depois de pronta, a minuta passou por apreciação pública e em seguida foi
enviada pelo gestor da cultura ao prefeito, que a encaminhou como Projeto de Lei ao
Legislativo em um rápido trânsito. O entrevistado narrou que o grupo interessado ficou
sabendo que os vereadores não iriam aprovar o projeto, por não terem participado do
processo de elaboração (sendo que haviam sido convidados, inclusive comparecendo
à reunião pública que deu início aos trabalhos, mas não participaram). Diante dessa
informação a sociedade civil fez campanha pelo “sim” e ocupou a sessão do legislativo
que acabou aprovando a lei por unanimidade.
Depois de aprovado, o entrevistado conta que o grupo imediatamente
comunicou ao Ministério Público sobre a aprovação pelo Legislativo, solicitando que
o órgão fiscalizasse a sanção do prefeito em até 30 dias. Com toda essa mobilização
eles aceleraram os trâmites para institucionalização em lei, que poderiam ter sido
muito morosos. O prefeito rapidamente sancionou a lei, aproveitando um grande
evento de cultura no município para divulgar o fato.
Depois do relato a respeito da criação do Sistema, o entrevistado conta
que, infelizmente, ao final da gestão desse prefeito, que já estava em seu segundo
mandato, não houve mais movimentação em direção à implementação da lei. A nova
gestão que assumiu a prefeitura em 2017 não adotou essa responsabilidade, ao seu
ver, porque não foi algo criado por eles, e sim por outra gestão. Tempos depois, a
pandemia desmobilizou ainda mais o setor. Em sua opinião, o governo atual é muito
autoritário, o que faz com que até mesmo aqueles que aderem à ideia do sistema se
afastem da política. Ele disse que o conselho – que seria a principal ferramenta para
pressionar o governo para implementar a lei, não estava atuante, embora tenha
notícias de que ele fosse ser retomado em 2022. Dessa fala e da indisposição de
200

qualquer agente da gestão em dar entrevista, torna-se claro o parco ou nenhum


funcionamento do SMC no município
Ao ser questionado se acha que a forma de fazer política cultural no
município sofreu alguma diferença a partir da adesão ao SNC e da lei do SMC, o
entrevistado relutou em dizer, mas assumiu que não. Remonta rapidamente a
trajetória das gestões de cultura no município: o prefeito de 2001 a 2008 dedicava
atenção à cultura, principalmente aos eventos (festas nos bairros, nas escolas, no
interior), pois isso promovia seu nome, e com isso, acabava por promover o setor.
Esse prefeito ajudou a eleger seu sucessor, que ficou de 2009 a 2016, e também se
dedicou ao campo, e levou à continuidade do crescimento do setor cultural, gerando
expectativas no gestor da pasta, conselheiros e na classe artística, a respeito da lei
que ajudasse a construir políticas mais contínuas e democráticas. Mas aí “veio o balde
de água fria”. O atual prefeito não apoia a classe artística e não concede espaço ao
Sistema.
Ao ser questionado se ainda mantém esperanças de que essa lei seja
retomada, o entrevistado responde positivamente, pois a lei está pronta, basta retomá-
la. E que gostaria que em nível nacional as políticas de cultura fossem mais
valorizadas, pois isso estimularia o município.

6.5 Síntese das análises qualitativas da institucionalização dos SMCs

A análise qualitativa ilustrou o que é argumentado pelo neoinstitucionalismo


em sua vertente histórica: forças semelhantes não produzem os mesmos resultados
em diferentes contextos, já que envolvem uma conjunção de fatores relacionados com
as estruturas/instituições e as condutas dos indivíduos (NASCIMENTO, 2009). Nos 4
estudos de casos, os SMCs desencadearam rumos diferentes, uns mais próximos à
proposta da política, outros mais distantes. Barra Mansa e Rio das Ostras avançaram
bem seus SMCs, ainda que o segundo deles tenha recebido diversas críticas dos
entrevistados. Os outros dois, Macaé e São Fidelis, não tiveram sucesso na
implementação, pois apesar de dispor das leis, as instituições não funcionam como
deveriam ou nem foram implementadas.
Nessa seara vale rememorar o conceito de path dependence, pois a
trajetória histórica, particular a cada município, possui grande poder explicativo para
entender as razões pelas quais determinado município conseguiu corresponder
201

satisfatoriamente às mudanças institucionais, enquanto outros não. As questões


históricas e políticas de cada município, por limitação de recursos, não foram
aprofundadas nesta tese para além do conteúdo expresso nas falas dos entrevistados,
mas para suprir, em parte, esta demanda, recorri ao panorama municipal fornecido
pelo IBGE, em seus principais indicadores. Mencionados ao longo da tese, tais dados
seguem sistematizados na ilustração abaixo, facilitando o comparação não só entre
os estudos de caso, como também entre os demais municípios fluminenses:

Figura 1- Ranking dos municípios fluminenses nos indicadores socioeconômicos: à


esquerda, primeira posição; e à direita, última.

Fonte: elaboração da autora a partir de dados IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/)

Tais indicadores, somados ao conteúdo das entrevistas, dão indícios do


contexto e das condições históricas e políticas que existem nos municípios, deixando
claro que São Fidélis é desfavorecido em muitos sentidos, não só entre os estudos de
caso, como também entre todas as municipalidades fluminenses. Macaé possui
ótimas condições econômicas, mas que não necessariamente se traduzem em
desenvolvimento social, enquanto Barra Mansa e Rio das Ostras apresentam
condições que os coloca numa posição um pouco melhor que a mediana, quando
comparados aos demais municípios.
Para complementar estas informações, são trazidas outras estatísticas
(quadro abaixo) nas quais novamente, São Fidélis ocupa a retaguarda, sublinhados
aqui os dados mais interessantes: o conjunto de indicadores que transparecem a falta
202

de infraestrutura municipal – seja de equipamentos, seja de profissionais qualificados,


inclusive na administração pública (a distância da capital e a baixa taxa de
urbanização e os ínfimos valores de transferências da União e do Estado); o conjunto
de indicadores que leva a crer que o município apresenta pobreza (alta mortalidade,
baixo IDHM, baixos indicadores educacionais); e por último, o crescimento
populacional do município quase nulo (de fato, o entrevistado mencionou que os
jovens, principalmente, estão abandonando a cidade buscando trabalho e outras
oportunidades), que deve implicar em um processo de decadência econômica, baixos
PIB e arrecadação municipal. Destaca-se positivamente somente a menor
concentração de renda (índice de Gini).
203

Quadro 13- Indicadores sócio econômicos de Barra Mansa, Macaé, Rio das
Ostras e São Fidelis. Na gradação em cores: verde indica melhores
indicadores, e vermelho, piores
Rio das
Barra Mansa Macaé São Fidélis
Ostras
Ano de criação 1833 1814 1993 1855

Distância para a capital (Km) : 2012 127 182 162 278

Área Territorial (Km²) : 2018 548,05 1.216,78 228,07 1.034,82

População residente estimada (Número) : 2019 184.412 256.672 150.674 38.669

Taxa de urbanização (%) : 2010 99,1 98,1 94,5 79,1


Taxa média geométrica de crescimento anual
0,41 4,55 11,24 0,2
(%) : 2010
Taxa bruta de natalidade (Por mil habitantes) :
11,79 16,1 14,47 10,29
2017
Taxa bruta de mortalidade (Por mil habitantes)
7,83 5,3 5,93 8,2
: 2018
Taxa bruta de mortalidade infantil (Por mil
11,81 11,96 9,29 20,56
nascidos vivos) : 2017
IDHM (Indicador) : 2010 0,729 0,764 0,773 0,691

IDHM Renda (Indicador) : 2010 0,72 0,792 0,784 0,685

Renda per capita (Reais) : 2010 705,1 1103,42 1051,19 567,23

IDHM Longevidade (Indicador) : 2010 0,819 0,828 0,854 0,787

Esperança de vida ao nascer (Número) : 2010 74 74 76 72

IDHM Educação (Indicador) : 2010 0,657 0,681 0,689 0,611

Índice de Gini (Indicador) : 2010 0,48 0,56 0,53 0,47

% pessoas vulneráveis à pobreza (%) : 2010 23,04 17,17 17,08 31,55


Taxa de analfabetismo - 15 anos ou mais (%) :
3,94 4,22 3,73 10,18
2010
IDEB em escolas públicas para anos iniciais -
5,5 5,9 6,2 5,2
todas (Indicador) : 2017
IDEB em escolas públicas para anos finais -
4,2 4,5 4,9 4,3
todas (Indicador) : 2017
Produto Interno Bruto per capita (R$ 1,00) :
26.346,46 73.412,55 35.788,18 19.392,35
2016
Transferências da União - FPM (R$ 1000,00) :
51.555,11 51.555,11 36.514,18 18.257,09
2018
Transferências do Estado - ICMS (R$ 1000,00)
140.890,05 2.284.432,71 82.926,83
: 2018 4.746,55
Transferências do Estado - IPVA (R$ 1000,00)
25.809,21 52.198,86 25.760,29
: 2018 3.468,33
Fonte: Elaboração da autora com base em dados disponíveis no Perfil Municipal do Centro Estadual
de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro 47 (CEPERJ).

47 Disponível em: https://www.ceperj.rj.gov.br/node/188, acesso em 05/07/2022.


204

Os indicadores de São Fidélis são indícios de problemas estruturais


associáveis ao insucesso da política do SMC, porém não podem ser interpretados
como determinantes, posto que Macaé apresenta bons indicadores (exceto pela
concentração de renda, ou Índice de Gini) – inclusive melhores que Barra Mansa –, e
ainda assim não obteve resultados positivos na implementação. É válido considerar
ainda, que o município tem sua arrecadação encorpada pelos royalties do petróleo e
isso não se traduz em melhorias para as políticas culturais, nem para implantação do
modelo de gestão do SNC. Nesse caso, é possível supor que a distância da capital e
a trajetória histórica e política do Norte Fluminense (PESSANHA; SILVA NETO, 2004)
vinculada à produção (escravista) do açúcar48 levaram à dominação de tradicionais
elites na política municipal, imprimindo práticas viciosas que se arrastam até os dias
de hoje.
A troca de gestores da pasta da cultura também é um ponto que chama
atenção. Em Macaé, foram 8 gestores em 9 anos, em São Fidélis 4 gestores, sendo
que a mudança de governo e de gestão em 2017 em São Fidélis implicou no total
abandono das ações referentes à política. Isso não ocorreu em Rio das Ostras, que
teve uma mudança na gestão da cultura em 2018, com o novo prefeito eleito em
eleição suplementar. A nova gestão, naquele momento abraçou a ideia, embora,
tempos depois, as eleições municipais de 2020 acabaram por provocar algum
estremecimento nas relações com o SMC. E Barra Mansa é o município com menos
troca de gestor, sendo que aquele que iniciou a implementação do SMC está no cargo
desde 2017.
O conteúdo das entrevistas dos agentes de Macaé e São Fidélis (ambas
situadas no Norte Fluminense) parecem exemplificar, em boa medida, que o
personalismo se sobressai frente às instituições (inclusive aquelas que não estão
ligadas ao SMC). Na verdade, essa parece ser a lógica institucional vigente, já que
todas as estruturas são dominadas internamente por essa rotina, e o modelo de

48O trecho da obra de Rodrigues (2020) ilustra bem o poderio econômico e político das tradicionais
elites aqui mencionados: “A partir de meados do século XIX, a difusão do vapor como força motriz de
engenhos e embarcações que faziam o transporte da produção do açúcar pelo rio Paraíba do Sul e a
introdução de novas técnicas produtivas possibilitaram o enriquecimento dos senhores de engenho
da região de Campos, de São Fidélis, de Macaé e de São João da Barra, e o surgimento dos “barões
do açúcar” em todo o Norte Fluminense. Títulos nobiliárquicos foram concedidos pelo governo
imperial a fazendeiros da região, a pretexto dos serviços prestados à economia nacional, dada a
aplicação de seus recursos na ampliação de seus estabelecimentos, como foi o caso de José Carneiro
da Silva, o Visconde de Araruama, e de Domingos Alves Barcelos Cordeiro, o Barão de Barcelos”.
(2020, p. 81).
205

gestão do SMC não teve força e nem encontrou espaço para modificá-las, mesmo
que a sociedade civil tenha exercido alguma pressão e se dotado de argumentos –
contidos nas publicações do Ministério da Cultura e na ação de Dinamização do
governo Estadual, e até mesmo dos discursos de representantes da SEC/RJ e do
Ministério da Cultura que estiveram presentes em diversas ocasiões. Nesses dois
municípios, o aparato conceitual e a pressão social foram suficientes apenas para a
institucionalização da política em Lei, mas não o bastante para implementá-la e alterar
efetivamente as condutas institucionais e individuais daqueles contextos.
O mesmo não ocorreu em Barra Mansa e Rio das Ostras, nos quais o
suporte da Dinamização e as cartilhas foram essenciais, tendo sido apropriadas pela
sociedade civil e utilizadas para exercer pressão na institucionalização e
implementação das leis ligadas ao SMC. Em ambos os municípios havia uma
sociedade civil insatisfeita com a conduta das políticas de cultura e organizada a ponto
de buscar, coletivamente, caminhos alternativos para a mudança de cenário. Em dado
momento um dos entrevistados menciona que “é na crise que a gente se reinventa”.
O contexto de crise, pode ser relacionado ao estado em que as instituições não mais
suprem a demanda dos implicados, e estes não as veem mais como produtoras de
relações justas (ruptura da norma fairness), e com isso não encontram mais razões
para prestar obediência àquele sistema de valores e normas. Relembrando Levi
(1991), a mudança institucional ocorre quando há um colapso dos fatores subjacentes
ao caráter contingente da obediência. Se para um número substancial de indivíduos
não houver ganho derivado da barganha, não haverá obediência, e não há justificativa
para que a instituição exista, e assim começam as ações para que ela mude.
A autora comenta que o abandono do consenso/obediência origina-se das
insatisfações decorrentes da queda no grau de aprovação de uma barganha social,
por uma mudança de consciência de um grupo que passa a perceber que aquilo não
é mais justo, pela queda de confiança na obediência dos demais partícipes, ou quando
os que possuem poder institucional são flagrados abusando desse poder. E é assim
que indivíduos insatisfeitos começam a buscar meios para a redistribuição de poderes.
Em Rio das Ostras foi relatado que o contexto anterior, embora falho –
pautado nas relações pessoais – atendia os agentes, mas com as mudanças de
contexto (crescimento do município, crise dos royalties e diminuição dos recursos para
a cultura, e a entrada de um gestor que não conhece nem dialoga com a classe
206

artística) desencadearam uma crise, percebida e partilhada por muitos indivíduos, que
se organizaram para buscar novos recursos e para mudar o cenário tido como
insatisfatório. Essa organização se dá com a conscientização e aquisição de novos
recursos de poder que fazem com que eles questionem uma barganha que até então
era aceitável (LEVI, 1991).
Tanto em Rio das Ostras quanto em Barra Mansa, os recursos de poder
foram ofertados pelo modelo de gestão oferecido pelo Ministério da Cultura, nas
publicações distribuídas, na Dinamização, no contato com pessoas de outros entes
federados nas Conferências Estaduais e Nacional, e Levi (1991) também menciona
que fatores exógenos podem servir de indutores de mudanças institucionais locais.
Além de todo esse recurso exógeno, também parece ter sido fundamental a
organização coletiva em torno desse material, em um contexto de sociedade civil
organizada, que se apropriou dos argumentos contidos no modelo de gestão proposto
de forma comungada e convincente, e todos passaram a partilhar das mesmas
narrativas:

O modelo de mudança nas instituições formais que proponho pode ajudar na


tarefa de se atentar para as ocasiões em que os relativamente mais fracos e
desprovidos de poder possuem alguma chance real de sucesso na tentativa
de transformar os arranjos institucionais. No cenário mais vantajoso, eles irão
se aproveitar de qualquer recurso novo encontrado pelo caminho ou de
qualquer redução no poder relativo de barganha daqueles que controlam a
estrutura institucional para, assim, influenciar decisões e políticas que lhes
são favoráveis. (LEVI, 1991, p. 90).

Entretanto, conforme comentou o entrevistado G1 de Barra Mansa, é


preciso muito mais do que uma lei: foi necessário um governo que corroborasse com
o modelo de gestão, além de um conselho ativo, que não deixou a pauta ser esquecida
na agenda política. Ou seja, o sucesso da política demanda a participação social
organizada em longo prazo, mas também parece ser relevante que pessoas que
ocupam posições de poder dentro das instituições existentes aceitem a mudança –
sobretudo o prefeito e o gestor de cultura. É a junção entre um governo que aceita a
proposta e um conselho, organizado, que sustente a narrativa da política, que torna o
contexto favorável politicamente para criação e funcionamento do SMC.
Essa conjunção de fatores parece ter ocorrido em Barra Mansa e Rio das
Ostras, sendo importante mencionar que, em ambos os casos, a gestão de cultura
que levou o compromisso adiante integrou em sua equipe indivíduos que haviam
207

militado pela institucionalização do Sistema no início do processo. Essas pessoas,


dotadas de domínio conceitual e crentes da proposta, e em dívida com seus pares,
foram fundamentais para que a narrativa e a política adentrassem na máquina pública.
Pondera-se também um interessante aspecto a partir das experiências
desses 2 municípios: o contexto dialogado entre as 2 instituições (Órgão Gestor e
Conselho) que buscam o mesmo objetivo (a implementação do SMC) proporcionam o
aprimoramento de seus agentes em questões conceituais, técnicas (e até filosóficas).
Todos os entrevistados passam a dominar o assunto indo muito além do material
contido na cartilha, na qual continuam defendendo o modelo de gestão, mas com uma
análise crítica, passam a ser mais propositivos e fornecendo sugestões inovadoras ao
modelo, a partir dos desafios encontrados.
Apesar da evolução em ambos os casos, é importante considerar que os
processos de mudança institucional não são isentos de conflito e podem não ocorrer
de forma célere. Rio das Ostras exemplifica isso quando as instituições do SMC
continuam em tensão com a lógica vigente na máquina pública, e inclusive
personificando as disputas em determinados indivíduos que estão à frente dos
cargos. O fato de indivíduos ocupantes dos cargos serem reconhecidos antes das
instituições nas relações parece demonstrar que o funcionamento do SMC ainda não
alcançou um elevado nível de desenvolvimento. E isso leva a crer que este Sistema
ainda é assegurado, em grande parte, por pessoas que ainda estão compromissados
com a causa e ocupando as instâncias do SMC. A eventual saída dessas pessoas
(sejam elas da gestão de cultura, sejam do Conselho) pode representar um risco à
efetividade do Sistema, já que suas instituições não parecem ter se consolidado a
ponto de orientarem, por si só, novos comportamentos nas políticas públicas.
Ainda sobre esse aspecto de Rio das Ostras, é muito importante ponderar
que embates são inerentes a esse modelo de gestão, e podem ser interpretados como
bom funcionamento dele, desde que sejam compreendidos em sua institucionalidade
(nos conselhos e conferências e não em brigas pessoais) e sejam propositivos a ponto
de gerar ações – conforme ressaltaram os entrevistados de Barra Mansa. Para
exemplificar o oposto, as reuniões do Conselho de Macaé têm ocorrido sem embates,
num clima demasiadamente amistoso, mas que não se traduz em proposições
relevantes para as políticas culturais, ou seja, não está ocorrendo um bom
funcionamento entre esses órgãos nos parâmetros da política.
208

Ainda é importante mencionar que os recursos da Lei Aldir Blanc foram


quase uma constante nas falas dos entrevistados. À exceção do entrevistado de São
Fidélis, todos afirmaram que os recursos da União proporcionaram não só a
distribuição de recursos através de editais nos moldes da proposta do SNC, como
também mobilizaram muito a participação social. Isso foi um estímulo para todos os
SMCs: naqueles que nunca conduziram esse tipo de processo público – como Macaé,
fez com que a gestão e conselho experimentassem novos processos e
comportamentos e aprendessem aquilo que é previsto no SNC; e em Rio das Ostras
e Barra Mansa, que já haviam vivenciado as práticas de uso do Fundo, o evento da
Lei e a arrecadação de volumoso recurso da União para a pasta proporcionou maior
reconhecimento da cultura por parte dos outros setores da administração pública.
Assim, esse repasse de recurso, junto com os condicionantes de seu uso
(tais como publicidade, seleção pública, transparência e prestação de contas) se
mostraram uma boa forma de estimular os SMCs, tanto no que tange à participação
social, como também no aprimoramento dos processos administrativos. Ações como
a Lei Aldir Blanc aparecem como contraponto a momentos da fala dos entrevistados
do perfil gestor de Barra Mansa e Rio das Ostras, nas quais eles consideram
importante o município ter aderido ao SNC, pelos impactos de organização e
participação que vieram a desencadear em âmbito local, mas criticaram a ausência
do governo federal em iniciativas mais contundentes. É como se o SNC tivesse os
ajudado a organizar suas casas, mas sem qualquer expectativa de receberem
contrapartidas, recursos ou mesmo diretrizes para melhor desenvolverem seus
sistemas e os articularem em âmbito estadual e federal
São Fidelis e Macaé ainda precisam encontrar estratégias para que a
sociedade civil se organize coletivamente, de forma a se apropriar-se do SNC como
recurso de poder e consigam trilhar caminhos mais firmes para imprimir mudanças
institucionais. Alerte-se que nesses municípios, dadas as suas trajetórias políticas
arraigadas vão demandar muito esforço da coletividade e recursos de poder ainda
mais fortes. A transferência da União, assim como a Lei de Regulamentação do SNC
poderiam ser ótimos recursos, mas que devem ser utilizados também no sentido de
angariar apoio de indivíduos que ocupam posições de poder nas instituições
preexistentes (prefeito, gestor da cultura, legisladores).
209

Por último, é importante entender que o sistema só alcança maturidade


quando há funcionamento harmonioso e articulado de todas as instituições – Órgão
Gestor, Conselho, Plano e Fundo – pois suas competências são complementares, e
os debates em uma instância vão acarretando o aprimoramento das outras. Para
tanto, pelo que ficou claro nos estudos de caso, em seus diferentes estágios e
particularidades, o bom funcionamento das instâncias de negociação (de barganha,
no vocabulário do neoinstitucionalismo), sobretudo nos conselhos desses agentes se
mostraram primordiais. A qualificação desses agentes (da sociedade civil e de
gestores) também foi apontado recorrentemente como algo essencial ao bom
funcionamento e aprimoramento do modelo de gestão.
À guisa de conclusão, no sentido de avaliarem os processos em cada
município, os entrevistados foram levados a comparar as políticas culturais e os
períodos antes do processo de adesão e sanção das leis, e depois, em diversas
temáticas. As respostas foram sistematizadas e ilustradas no quadro abaixo.

Quadro 14- Avaliação antes X depois dos entrevistados*

Fonte: Elaboração da autora , com base no conteúdo das entrevistas.

*à exceção de São Fidelis, pois seria uma constante amarela, já que o entrevistado generalizou as
respostas dizendo que nada do sistema foi implementado e, portanto, não causou qualquer impacto. O
conselho já existia antes da adesão, então não pode ser considerado para fins de avaliação do SMC.
210

Em geral as avaliações são positivas, apontando melhorias na maioria das


temáticas. Até em Macaé, cujo processo sofreu duras críticas dos entrevistados, há
uma percepção de melhoria nos aspectos da participação social, diversidade cultural
e na organização e planejamento da cultura. Ainda que o Plano não tenha se tornado
efetivo, a ação de organizar minimamente as ações da cultura foram atribuídas ao
evento do Sistema, sobretudo às pressões feitas pelo Conselho. O mesmo fato
também foi relatado em Rio das Ostras. Isso aponta o Plano como uma ferramenta
difícil de implementar, tanto pelo seu aspecto técnico, quanto pela sua demanda em
dialogar com outras áreas da administração pública, o que nem sempre ocorre.
Em síntese, as avaliações positivas atrelam o Sistema à diminuição de
personalismos e favorecimentos nas políticas públicas, à possibilidade de diálogo com
o poder público, antes inalcançável, a proporcionar na população debates produtivos,
redes, e autoconsciência da categoria. Leves críticas (nos quadros em verde mais
claro) são relacionadas a algo como “melhorou, mas poderia ter sido ainda melhor”.
Ressalvo que G1 de Rio das Ostras quando fala sobre a interface da cultura com
outros setores da administração pública, problematiza se talvez isso não seja mais por
consequência do governo que se abre para tanto, do que por consequência do
Sistema, mas não consegue responder sua reflexão.
Macaé reúne muitas respostas de indiferença, pois os entrevistados
consideraram que, se houve alguma melhoria nessas temáticas, não foi por
consequência do Sistema, e sim por outras causas. O município recebeu críticas mais
ácidas a respeito da distribuição do recuso público, já que ocorreram exclusivamente
pela Lei Aldir Blanc, com recurso e regramento do governo federal, e não por iniciativa
municipal. Para eles, os recursos continuam inacessíveis, nunca se lançou editais, e
a avaliação negativa decorre do fato qualquer expectativa de efetivar o fundo parece
ser intencionalmente minada, já que não há por parte do poder público a vontade de
compartilhar a gestão. Rio das Ostras, embora já tenha utilizado recursos próprios
para o Fundo e lançados editais, a maior parte dessas ações decorrem da Lei Aldir
Blanc, e dois dos entrevistados concordaram que o Fundo deveria receber mais
atenção e verba orçamentária.
A resposta sobre a transparência da gestão foi quase uma constante.
Todos relataram a existência do Portal da Transparência e sua utilização por
obrigatoriedade da Lei da Transparência. Porém todos mencionaram que ações de
211

publicidade e acessibilidade dessas informações ainda são nulas ou precárias. Em


Barra Mansa, G1 comentou que a gestão realiza algo nessa seara, mas é mais por
iniciativa dos indivíduos que estão ocupando os cargos de gestão atualmente, e
menos por obrigatoriedade institucional ou mesmo por cobrança da população.
Em suma, mesmo nos locais avaliados como não efetivos, os impactos do
SNC ocorreram em alguma medida (em São Fidélis não foi possível fazer essa
constatação pela ausência de informantes), ainda que estejam longe de alcançar os
propósitos da política. Naqueles em que não houve conjunção de fatores favoráveis à
mudança institucional, é necessário estabelecer estratégias para angariamento e
apropriação de mais recursos de poder. E naqueles em que foi possível a conjunção
de fatores favoráveis à implementação, o Sistema apresentou maior potencial para
mudar o cenário institucional, mas é importante continuar zelando para que os fatores
mantenham-se favoráveis para que o modelo de gestão consolide frente às demais
instituições, e novos caminhos para o aprimorar seu funcionamento sejam galgados.
212

7 CONCLUSÃO

O objetivo desta pesquisa foi investigar o processo de institucionalização


das políticas culturais municipais, a partir da indução federativa estabelecida pelo
SNC, um modelo de Sistema de Políticas Públicas inserido na lógica do federalismo
cooperativo, que visa a articulação entre entes federados e sociedade civil para uma
gestão de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, que visem o
pleno exercício dos direitos culturais. Municípios localizados no estado do Rio de
Janeiro são os objetos da pesquisa.
O propósito foi observar se os processos de indução – que envolveram os
trabalhos missionários da equipe da SAI/Ministério da Cultura, a promoção de cursos
e seminários, a realização das Conferências de Cultura e a adesão ao SNC – foram
capazes de provocar a institucionalização das políticas culturais nos municípios, onde
o campo é tradicionalmente dominado por personalismos, favorecimentos,
descontinuidades, ações imediatistas, ausência de planejamento e falta de
qualificação.
Para observar se os processos de indução federativa tiveram receptividade
nos municípios, conduzindo à implantação de SMCs, foi realizada a pesquisa
quantitativa, mensurando o crescimento do número das instituições relativas ao SNC:
órgão gestor, conselhos, planos e fundos de cultura. As bases de dados utilizadas
permitiram analisar o comportamento de aumento das instituições em dois momentos
distintos: entre 2006 e 2014; e entre 2014 e 2018. Assim, foi examinado em que
medida os municípios que aderiram à política nesses períodos vieram instituir Órgão
Gestor exclusivo, Conselho, Plano e Fundo. Por fim, também foi observado se os
municípios que aderiram num primeiro momento não só criaram a instituição, como
também a mantiveram em longo prazo.
A vantagem de utilizar bases de dados massivas é que elas abarcam todo
o universo investigado (e não uma amostragem), sendo capazes de minimizar
margens de erro. Permitem também, no caso da presente pesquisa, verificar a
composição de Grupos de Controle, que não receberam a indução da política,
constituindo-se em um parâmetro de comparação. Mesmo considerando que Grupos
Controle nas pesquisas sociais devem ser vistos com cautela, já que mantêm contato
com os demais e podem copiar comportamentos, são um interessante parâmetro de
comparação.
213

Os resultados da pesquisa mostram que, de fato, os processos de indução


via SNC parecem ter exercido forte impacto na institucionalização das políticas
culturais em âmbito municipal. As bases de dados permitiram tecer essa observação
tanto das municipalidades do estado do Rio de Janeiro quanto no Brasil, e
comparando-as imediatamente foi constatado um processo mais enfático no estado
que na média nacional, algo que pode ser explicado no levantamento histórico, que
demonstrou o quão o contexto fluminense estava favorável ao SNC.
Entre os municípios adeptos do SNC, tanto no Brasil, quanto no estado do
Rio de Janeiro foi sempre maior a criação de Conselhos, Planos e Fundos, se
comparado aos municípios que não aderiram à política. As diferenças em percentuais
entre esses dois grupos (os que aderiram e seus Grupos Controle), foram
consideráveis, indicando que a política exerceu forte efeito: no caso de Conselhos e
Fundos, foi observada uma provável tendência ao aumento dessas instituições,
independente da política do SNC, mas esse comportamento foi fortemente acelerado
pela adesão à política. No caso dos Planos, os dados levam a crer que não havia
tendência para criação dessas instituições e que esse comportamento foi motivado
pela adesão.
Já em relação a órgãos gestores, tanto no Brasil como no estado do Rio
de Janeiro, o grupo de municípios que aderiu ao SNC nem sempre se comportou
conforme a expectativa da política, que pregava a criação e manutenção de estruturas
exclusivas para a cultura. E a diferença entre os grupos que aderiram para seus
Grupos Controle foram sempre baixas, o que leva a crer que a adesão ao SNC exerce
pouca influência na indução de órgãos gestores exclusivos.
Se por um lado a pesquisa quantitativa é útil para constatar o impacto na
criação das instituições relativas aos SMCs, por outro, ela pouco contribui nas
reflexões sobre os processos de criação e efetividade dessas instituições. Ainda seria
necessário realizar análises mais aprofundadas que comparam o funcionamento
dessas instituições com aquilo que as orientações da política e as leis locais
estabelecem, observando se o conjunto das instituições proporcionam o alcance dos
objetivos e princípios defendidos pelo SNC em âmbito municipal. Para abarcar esses
aspectos foi adotada uma etapa de pesquisa qualitativa, através da investigação de 4
municípios fluminenses, nos quais foram analisadas as leis de criação dos SMCs,
214

indicadores socioeconômicas e principalmente, relatos de entrevistados envolvidos


com a implantação e funcionamento dos SMCs.
O conteúdo das entrevistas foi essencial para desvelar as disputas
ocorridas na criação das instituições em lei e o quão elas se distanciam/aproximam
daquilo que é estabelecido pelas normativas. Esse material foi analisado à luz do
neoinstitucionalismo que fornece instrumental analítico para análise de estudos
empíricos de médio alcance em processos de mudança institucional. Foi entendido
que, no caso da proposta do SNC, a indução federativa é o elemento exógeno à lógica
institucional existente em âmbito local, que irá (ou não) desencadear processos de
mudança, mas isso ocorrerá de forma diferente em cada contexto. De fato, nos
estudos de caso, a adesão ao SNC suscitou resultados diferentes, 2 mais próximos à
expectativa gerada pela política – Barra Mansa e Rio das Ostras – , 2 mais distantes
– Macaé e São Fidélis.
O referencial teórico embasa o entendimento de que os processos para
institucionalização de um SMC começam a ocorrer quando os elementos trazidos pela
indução federativa se transformam em recursos de poder dos indivíduos que estavam
insatisfeitos com a lógica institucional das políticas culturais locais, tida como injusta
pela maioria das pessoas que estão nelas implicadas. Se os agentes municipais se
organizam coletivamente e se apropriam desses recursos de poder ganhando força
narrativa e de convencimento, podem ser desencadeados processos de mudanças
institucionais, em direção à proposta do SNC, vista como mais justas que as
instituições anteriores.
No caso, o SNC é um forte recurso de poder pois é um modelo de gestão
pronto que vem em alternativa a um cenário que não é muito estruturado, e apresenta-
se como bem fundamentado conceitualmente, pautando-se inclusive na CF88. Por
último traz também o argumento de que o município precisa se alinhar à lógica que os
demais entes federados estão se enquadrando.
Para além disso, ainda é importante ponderar que a mudança institucional
se torna mais viável quando pessoas dotadas de posições de poder um instituições
fortes e pré-estabelecidas (como o prefeito ou o gestor de cultura) são adeptas aos
processos de mudança. Também é válido considerar a trajetória das formas de fazer
políticas públicas – se muito arraigadas a comportamentos políticos tradicionalmente
dominados por elites políticas – também influenciam no processo. Ou seja, há uma
215

conjunção de fatores que parece ter ocorrido em maior medida em Barra Mansa e Rio
das Ostras, mas que não se deu em Macaé e São Fidélis.
Em todos os casos, a organização, qualificação e coletividade de agentes
em prol da proposta foi essencial para a criação, mas destaca-se que para o manter
o funcionamento, essa mobilização precisa ser continuada, a partir das instâncias de
negociação (sobretudo os conselhos). O Sistema irá perdurar quando percebido como
algo justo pela maioria de seus participantes, ser apropriado por essa maioria, e de
mudança de comportamento em direção ao que se propõe. A análises levam a crer
que os Sistemas que mantêm boa articulação entre órgão Gestor – Conselho –
Sociedade Civil, provocam a qualificação dos agentes, e um processo de
autoaprendizagem institucional, que levam a aprimorar o modelo de gestão, inclusive
inserindo inovações para além daquilo que foi descrito nos materiais de divulgação e
orientação dos SMCs.
Na avaliação dos entrevistados a adesão acarretou impactos de melhoria
nas políticas culturais, mesmo naqueles em que os SMCs não foram considerado
efetivos ou ainda recebem duras críticas. A recorrente menção à Lei Aldir Blanc como
impulsionadora do funcionamento dos SMCs deixou claro o quanto faz falta processos
indutores mais contundentes por parte da União. Até nos municípios em que o SMC
foi considerado como mais exitoso, houve manifestação de decepção pela falta de
contrapartidas, de apoio ao aprimoramento de seus Sistemas, ou mesmo pela
ausência de coordenação articulada entre os entes federados.
Embora esta pesquisa tenha apontado para ocorrência do aumento de
instituições em âmbito municipal por consequência do SNC, não se furta em ressaltar
o enorme prejuízo decorrente da inexistência: da lei de regulamentação, de
transferências regulares de fundos, das Comissões Intergestores, de um Sistema
Nacional de Indicadores Culturais que integre os entes federados; e redução dos
cursos de qualificação para gestores, conselheiros e agentes culturais. Todos esses
são elementos de indução federativa que comporiam grandes recursos de poder tanto
para aqueles que querem implementar um modelo de gestão que seja mais justo,
quanto para aqueles que querem consolidar e aprimorar os processos de
implementação em andamento, tornando viável o alcance dos objetivos e princípios
da política, quais seja, sobretudo, a garantia do pleno exercício dos direitos culturais.
216

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224

ANEXO A - ROTEIRO DE ENTREVISTA

Roteiro visa captar perspectivas dos entrevistados em três aspectos


a) Conceitos e definições: sobre o SNC, SMC e suas instituições
b) O processo de implantação do Sistema Municipal de Cultura (dificuldades,
desafios, o que funciona e que deveria melhorar)
c) Mudanças das políticas de cultura depois da instalação do SMC (comparação
antes e depois)

CONCEITOS GERAIS DA POLÍTICA


1- Como você explicaria o Sistema Nacional de Cultura, em poucas palavras?
2- Como você poderia descrever um Sistema Municipal de Cultura em poucas
palavras?
3- A adesão do seu município ao SNC ocorreu no ano de XXXX. Acha importante
que seu município tenha aderido ao SNC? Por quê?

INSTÂNCIA DE COORDENAÇÃO
4- Como você pode resumir a função do órgão gestor de Cultura num SMC?
5- Sabemos que a cultura, em sua forma ampla e profunda não é reconhecida por
muitos agentes do poder público. Como é o diálogo da Secretaria de Cultura
com as outras estruturas do poder público. Acha que a partir do SMC esse
trânsito foi facilitado? Nas outras instâncias há um entendimento de que cultura
(e política cultural) é importante? Que é mais do que evento?
6- Como é a participação do órgão gestor de cultura no planejamento do
orçamento público municipal?
7- Como é o diálogo do poder público com a sociedade civil?
8- A Secretaria consegue executar e agir com tranquilidade as atividades da
cultura, frente às outras instâncias (subjetividade da cultura)?

INSTÂNCIAS DE PARTICIPAÇÃO
Conselho de Políticas Culturais
9- Como você pode resumir a função de um Conselho de Cultura?
10- Como foi o processo de criação/reestruturação do Conselho Municipal de
Cultura nesse formato (paritário, eleito, deliberativo)?
11- Como foram as últimas eleições dos conselheiros?
12- Acha que o poder público entende o papel do Conselho?
13- O conselho atual se reúne periodicamente? Há frequência dos conselheiros?
14- Os conselheiros se sentem motivados a participar e assumirem o
protagonismo?

15- O conselho consegue cumprir suas funções de representação da sociedade


civil, em cumprimento à diversidade cultural e de segmentos?
16- O conselho consegue cumprir sua função de participar efetivamente participar
da formulação e fiscalização das políticas? Há limitadores? Quais? Acha que
as deliberações dos conselheiros tem impacto efetivo nas decisões da gestão
pública?
17- Como é a relação entre os membros do poder público e os membros da
sociedade civil?
225

18- Como é a relação entre os membros da sociedade civil? (atenção: quando o


tema é financiamento!)
19- Acha que o diálogo do poder público para com a sociedade civil melhorou nos
últimos anos, com a implantação do SMC e do Conselho?

Conferência de Cultura
20- Como você descreveria, em poucas palavras uma Conferência de Cultura?
21- A periodicidade das conferências ocorre conforme a lei do SMC?
22- O Poder público apoia a realização de conferências? E a sociedade civil...
adere ao evento?
23- Ela consegue abarcar pessoas dos vários segmentos culturais do município e
das diversas regiões?
24- Vocês conseguem fazer algum tipo de relatório final? Ele é divulgado?
25- Acha que os conselheiros se pautam pelo resultado das conferências na sua
função de conselheiro?
26- A escuta do poder público pelos anseios da sociedade civil melhorou depois da
instauração das conferências? Ou isso já existia de algum modo? (atenção:
preocupação)

INSTRUMENTOS DE GESTÃO
Plano de Cultura
27- Como você pode resumir a função de um Plano de Cultura?
28- No seu município plano de cultura foi feito com a participação do conselho?
Orientou-se pelo acúmulo das demandas feitas em conferência?
29- Para além de conselho e conferência, o plano de cultura foi feito a partir de um
diagnóstico?
30- O processo de elaboração e aprovação (em lei) do Plano de Cultura enfrentou
dificuldades?
31- Acha que o Plano de Cultura orienta as ações do órgão gestor e do fundo de
cultura?
32- Acha que o Plano de Cultura contempla as demandas da população?
33- De fato ele consegue se estender em um planejamento de longo prazo?
34- Acha que o Plano de Cultura é realmente um documento de gestão, capaz de
orientar a gestão e a fiscalização do Conselho? Ou, na prática, há dificuldade
de se concretizar?

35- O Plano de Cultura, aprovado em lei, tem força para se inserir nas Leis
Orçamentárias do Município?
36- Acha que a organização/planejamento de políticas culturais melhorou nos
últimos anos, com a implantação do SMC? Ou antes de um jeito ou de outro,
isso já ocorria bem, com outros modelos de gestão?

Fundo de Cultura
37- Como você pode resumir a função de um Fundo de Cultura?
38- A criação do Fundo enfrentou algum tipo dificuldade ou resistência?
39- Como é a participação do conselho nas decisões do Fundo?
40- A gestão do fundo é orientada pelo Plano de Cultura?
41- O órgão gestor de cultura consegue deliberar com autonomia na gestão do
fundo? Ou fica submisso à normativas e regras de outros setores da
226

Administração Pública? (que em geral não entendem a subjetividade da


cultura)
42- O Fundo permite gasto com estrutura administrativa e de manutenção?
43- Como são destinados os recursos do fundo aos beneficiários? (quais os
mecanismos e processos?)
44- A prestação de contas do Fundo de Cultura é acessível aos conselheiros e à
sociedade civil?
45- Acha que a distribuição de recursos públicos melhorou nos últimos anos, com
a implantação do SMC?

PERGUNTAS DE AVALIAÇÃO (Antes x Depois)


46- Desde a adesão, que tipo de transformação você notou nas políticas culturais
de seu município, nos seguintes aspectos:
a) Participação social:
b) Diversidade cultural:
c) Acessibilidade aos recursos públicos da cultura pela população:
d) Equipamentos culturais (funcionamento, acessibilidade e descentralização):
e) A cultura mediante outros setores da administração pública:
f) Transparência das atividades gestão:
g) Aumento de recursos para a cultura:

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