Você está na página 1de 215

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
DOUTORADO EM SOCIOLOGIA

JONATHA VASCONCELOS SANTOS

CIDADES REIVINDICADAS:
EMERGÊNCIA E DIFUSÃO DAS OCUPAÇÕES CULTURAIS COMO FORMA DE
REIVINDICAÇÃO DO DIREITO À CIDADE

SÃO CRISTÓVÃO
2022
JONATHA VASCONCELOS SANTOS

CIDADES REIVINDICADAS:
EMERGÊNCIA E DIFUSÃO DAS OCUPAÇÕES CULTURAIS COMO FORMA DE
REIVINDICAÇÃO DO DIREITO À CIDADE

Tese submetida à banca de Doutorado, no


Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal de Sergipe.
Orientador: Prof. Dr. Wilson José Ferreira de
Oliveira

SÃO CRISTÓVÃO
2022
JONATHA VASCONCELOS SANTOS

CIDADES REIVINDICADAS:
EMERGÊNCIA E DIFUSÃO DAS OCUPAÇÕES CULTURAIS COMO FORMA DE
REIVINDICAÇÃO DO DIREITO À CIDADE

Tese submetida à banca de Doutorado, no


Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal de Sergipe.
Orientador: Prof. Dr. Wilson José Ferreira de
Oliveira

Banca Examinadora

_______________________________
Prof. Dr. Wilson José Ferreira de Oliveira (PPGS/UFS – Orientador)

_______________________________
Prof.ª Dr.ª Luciana Ferreira Tatagiba (Unicamp – examinadora externa)

_______________________________
Prof. Dr. Matheus Mazzilli Pereira (CEM/SP – examinador externo)

_______________________________
Prof. Dr. Marco Aurélio Dias de Souza (PPGS/UFS – examinador interno)

_______________________________
Prof. Dr. Paulo da Costa Neves (PPGS/UFS – examinador interno)
AGRADECIMENTOS

Uma Tese não se faz com duas mãos, muito menos uma cabeça. É antes, e
assim foi no meu caso, um processo fundamentalmente coletivo. Não tinha como ser
diferente. Essa coletividade é afetiva na medida em que envolve muita felicidade,
acalento, frustrações e paixões. É também intelectual, pois envolve uma rede de
debate. Em momentos de ataques às universidades e, especialmente, às Ciências
Humanas, todos os coletivos foram fundamentais na escrita deste trabalho. Dito isso,
agradeço, inicialmente, à Capes, por fomentar e tornar possível esta pesquisa.
Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFS, pela formação e todo
o aprendizado concedido.
Ao meu orientador, o prof. Dr. Wilson José Ferreira de Oliveira, pelos
ensinamentos transmitidos ao longo de nove anos de parceria acadêmica. Nessa
caminhada, aprendi uma forma que julgo extremamente necessária de se enxergar o
mundo.
A Jonatas Aguiar e à Dayane Silva, pela atenção, estima e dedicação ao
programa e seu corpo docente e discente.
Ao Laboratório de Estudos do Poder e da Política (LEPP), por me proporcionar
tantas experiências e aprendizados ao longo desses anos. Aqui, agradeço à Prof.ª
Dr.ª Fernanda Rios Petrarca; ao trio – Adrielma, Géssica e Pâmella – que me
recepcionou e apresentou o dia a dia da pesquisa; e aos demais colegas pelos
diálogos enriquecedores.
Aos meus amigos Saulo, Lucas, Eduardo e Felipe, pelos sorrisos, poesia,
conversas sem fim (que insistam em não ter fim) e pelas ciências da academia e da
vida.
Ao Grupo Abaô de Capoeira Angola, por ter me concedido parte fundamental
do axé que tornou possível a realização da Tese e mostrar a graça de uma vida que,
sendo trabalho, também é dança.
À Iara, pela parceria, amor, paciência, confiança e me mostrar, com o modo
como ela mesma vive, que é possível viver em um tempo que não é o da pressa.
À minha família, especialmente à minha mãe, por nunca, apesar da rigidez,
desconfiar dessa trajetória iniciada em 2012. Obrigado, Dona Vera, pela vida, régua e
compasso.
Aos meus entrevistados e entrevistadas, pelas amizades construídas,
confiança e por tornar esse trabalho possível.
Muito obrigado!
A gente combinamos de não morrer!
Conceição Evaristo
RESUMO

Esta pesquisa analisa o processo de emergência e difusão da reivindicação do direito


à cidade em Sergipe entre os anos de 2013 e 2020. De modo mais específico,
investigamos as lógicas de ação coletiva, as redes de movimentos sociais e as
carreiras militantes vinculadas à pauta. Com base nisso, as bases teóricas utilizadas
neste trabalho têm o objetivo de aprofundar três pontos. Primeiro, os processos de
difusão de uma ação coletiva em dois níveis: o prático e o narrativo. Assim, analisamos
as formas como a reivindicação do direito à cidade foi performatizada e enquadrada
por diversos grupos em seus diferentes contextos de ação. Segundo, a construção e
a caracterização das redes de movimentos sociais. Nesse aspecto, demonstramos
como a consolidação da reivindicação do direito à cidade possibilitou a emergência –
entre movimentos sociais, partidos políticos, coletivos e gestões governamentais – de
diferentes redes de mobilização. Terceiro, a construção de carreiras militantes a partir
do envolvimento de atores sociais neste tipo de mobilização, assim como a
reconversão do prestígio acumulado nesses espaços para a inserção desses ativistas
em cargos institucionais ou a participação em campanhas políticas. As conclusões da
pesquisa apontam para como a combinação entre um contexto de crise das formas
de ação coletiva, em que uma das expressões concerne aos protestos de junho de
2013, e o fortalecimento da pauta do direito à cidade, também naquele período,
possibilitaram o surgimento e a difusão das ocupações culturais em Sergipe. Desta
forma, este trabalho permite compreender, para além do caso analisado, um conjunto
de mudanças no ativismo brasileiro na última década, a exemplo da construção de
modelos (nos âmbitos organizacionais, de formas de engajamento e ação) alternativos
às formas tradicionais de ação coletiva.

Palavras-chave: Ação coletiva. Movimentos sociais. Direito à cidade. Ocupações


culturais.
ABSTRACT

This research analyzes the process of emergence and diffusion of the claim for the
right to the city in Sergipe between the years 2013 and 2020. More specifically, we
investigate the logics of collective action, the networks of social movements and the
militant careers linked to the agenda. Based on this, the theoretical bases used in this
work aim to deepen three points. First, the processes of diffusion of collective action
on two levels: the practical and the narrative. Thus, we analyze the ways in which the
claim for the right to the city was performed and framed by different groups in their
different contexts of action. Second, the construction and characterization of social
movement networks. In this regard, we demonstrate how the consolidation of the claim
for the right to the city enabled the emergence – among social movements, political
parties, collectives and government administrations – of different mobilization
networks. Third, the construction of militant careers based on the involvement of social
actors in this type of mobilization, as well as the reconversion of the prestige
accumulated in these spaces for the insertion of these activists in institutional positions
or participation in political campaigns. The research conclusions point to how the
combination between a context of crisis in the forms of collective action, in which one
of the expressions concerns the June 2013 protests, and the strengthening of the right
to the city agenda, also in that period, enabled the emergence of and the diffusion of
cultural occupations in Sergipe. In this way, this work allows us to understand, in
addition to the analyzed case, a set of changes in Brazilian activism in the last decade,
such as the construction of models (in organizational spheres, of forms of engagement
and action) alternative to traditional forms of collective action.

Keywords: Collective action. Social movements. Right to the city. Cultural occupations.
LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Prédio do Iphan ocupado pelo OcupaMinc ……………………………....39


Imagem 2 – Gráfico sobre o nível de confiança nos partidos políticos no Brasil ..........43
Imagem 3 – Cartaz Ocupa Aracaju ………………………………………………………45
Imagem 4 – Distribuição espacial das ocupações culturais em Aracaju (2013-2020)
………………………...…………………………………………………………49
Imagem 5 – Apresentação do Flow Minas, Sarau de Quebrada, dia 21 de outubro de
2017 ……………………………………………………………………….……65
Imagem 6 – Sarau de Quebrada, dia 22 de julho de 2017 ..........................................65
Imagem 7 – Mesa de som do Sarau de Quebrada, dia 22 de julho de 2017 ................66
Imagem 8 – Coreto ocupado pelo Sarau do Coreto ....................................................69
Imagem 9 – Cartaz da edição de março de 2017 ……………………………………..…71
Imagem 10 – Cartaz da edição de outubro de 2014 ………………………………….…72
Imagem 11 – Música no Sarau da Caixa D´água, 28 de maio de 2016 .......................74
Imagem 12 – Malabares no Sarau da Caixa D´água, 28 de maio de 2016 ..................74
Imagem 13 – Cartaz da 6.ª edição do Ocupe a Praça ………….…………………….…78
Imagem 14 – Ocupe a Praça, 13 de agosto de 2016 ………………………………....…78
Imagem 15 – Praça General Valadão e Centro Cultural de Aracaju ……………….…87
Imagem 16 – O Liquidifica Diálogos, debate que ocorre no cinema localizado no
Centro Cultural …………………………………………………………..….…88
Imagem 17 – Apresentação musical do Ocupe a Praça na praça General Valadão ...89
Imagem 18 – Cartaz de divulgação do Colóquio Cidades ………………………….…98
Imagem 19 – Coletivo Contra Corrente nas mobilizações pelo Fora Temer, setembro
de 2016 …………………………………………………………………….…114
Imagem 20 – Coletivo Contra Corrente em mobilizações nas ocupações
secundaristas, novembro de 2016 ……………………………………….…114
Imagem 21 – Cartaz do festival da juventude unidade e luta, organizado pelo Cultura
da Periferia …………………………………………………………….….…117
Imagem 22 – Edição “Chega de Fiu Fiu” do Ocupe a Praça ……………………….…125
Imagem 23 – Divulgação do Sarau do Coreto pela prefeitura de Simão Dias ……....134
Imagem 24 – O reconhecimento do Sarau do Coreto como Patrimônio Cultural e
Imaterial do Município de Monte Alegre de Sergipe ……………………135
Imagem 25 – Reunião entre vice-prefeita Eliane Aquino e entidades do movimento
negro ………………………………………………………………….…136
Imagem 26 – Cartaz das Pré-conferências de igualdade racial, ocorridas em 2017
……………………………………………………………………………..137
Imagem 27 – Roda de conversa realizada pela prefeitura de Aracaju em parceria com
a Nação Hip-Hop Brasil e o Sintonia Periférica no bairro Industrial ………….………138
Imagem 28 – Parceria entre a Seit e o Slam Mulungu divulgada no portal de notícia
oficial do governo de Sergipe ………………………………..………….…140
Imagem 29 – Realização do Slam Mulungu no Espaço Zé Peixe ……………….…141
Imagem 30 – Recital no Slam Mulungu no Espaço Zé Peixe …………………….…141
LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Rede 1 ......................................................................................................109


Mapa 2 – Rede 2 ......................................................................................................110
Mapa 3 – Rede 3 ......................................................................................................113
Mapa 4 – Rede 4 ......................................................................................................116
Mapa 5 – Rede 5 ......................................................................................................119
Mapa 6 – Rede 6 ......................................................................................................123
Mapa 7 – Rede 7 ......................................................................................................127
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13
ESTRUTURA DA TESE .............................................................................................21
CAPÍTULO 1 – JUNHO DE 2013, UM SISTEMA POLÍTICO EM CRISE E OS
“OCUPES” COMO EXPRESSÃO DE MUDANÇAS NO ATIVISMO BRASILEIRO
CONTEMPORÂNEO .............................................................................................24
1.1 JUNHO DE 2013: UM REGIME EM CRISE, EMERGÊNCIA E DIVERSIFICAÇÃO
DE ESTILOS DE ATIVISMO ................................................................................24
1.2 OS “OCUPES” COMO UM ESTILO DE ATIVISMO EMERGENTE ......................35
1.3 AS OCUPAÇÕES CULTURAIS E A REIVINDICAÇÃO DO DIREITO À CIDADE
EM SERGIPE (2013-2020) ..................................................................................44
CAPÍTULO 2 – CIDADES REIVINDICADAS: DIFUSÃO DA OCUPAÇÃO
CULTURAL E TRANSFORMAÇÕES NO ENQUADRAMENTO DO DIREITO À
CIDADE ...............................................................................................................54
2.1 UMA INCURSÃO DE OBSERVAÇÃO MARCADA POR DIFERENÇA E PADRÕES
.............................................................................................................................54
2.2 AS QUEBRADAS E OS PERIFÉRICOS: O CASO DO SARAU DE QUEBRADA
.............................................................................................................................60
2.3 OS CORETOS E OS AGITADORES CULTURAIS: O CASO DO SARAU DA
CAIXA D’ÁGUA EM LAGARTO ...........................................................................68
2.4 OS SECUNDARISTAS E AS PRAÇAS: OS CASOS DO OCUPE A PRAÇA E O
CULTURA DA PERIFERIA ..................................................................................75
2.5 OS COSMOPOLITAS, AS PRAÇAS E OS PARQUES: OS CASOS DO OCUPE-
SE TODOS PELA CULTURA E DO ENSAIO ABERTO .......................................79
2.6 O OCUPE A PRAÇA: DE AÇÃO CONTESTATÓRIA À FORMA DE
INTERVENÇÃO URBANA DA PREFEITURA DE ARACAJU ..............................86
2.7 PARA ALÉM DAS RUAS: A REPERCUSSÃO EM EVENTOS ACADÊMICOS E A
PRODUÇÃO AUDIOVISUAL ...............................................................................93
CAPÍTULO 3 – DE REPERTÓRIO DE AÇÃO CONTESTATÓRIA À ESTRATÉGIA
DE MOBILIZAÇÃO: REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS NAS OCUPAÇÕES
CULTURAIS EM SERGIPE (2013-2020) ..........................................................103
3.1 DOS REPERTÓRIOS ÀS REDES DE ORGANIZAÇÕES ..................................103
3.2 REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS: ATORES, LIDERANÇAS E
ORGANIZAÇÕES ENDÓGENAS E EXÓGENAS ..............................................106
3.2.1 Os periféricos: redes 1 e 2 ............................................................................108
3.2.2 Os estudantes secundaristas: as redes 3 e 4 ..............................................112
3.2.3 Os cosmopolitas: a rede 5 ............................................................................118
3.2.4 Os agentes estatais: a rede 6 ........................................................................121
3.2.5 Os agitadores culturais: a rede 7 .................................................................126
3.3 DE REPERTÓRIO DE AÇÃO CONTESTATÓRIA À ESTRATÉGIA DE
MOBILIZAÇÃO ................................................................................................129
CAPÍTULO 4 – ENGAJAMENTO E EXPERIÊNCIAS URBANAS: AS CARREIRAS
MILITANTES DAS LIDERANÇAS ..................................................................145
4.1 HISTÓRIAS DE VIDA, CARREIRAS MILITANTES E PADRÕES DE ATIVISMO
...........................................................................................................................145
4.2 LIDERANÇA A, OCUPE-SE TODOS PELA CULTURA .....................................153
4.3 LIDERANÇA B, O SARAU DE QUEBRADA E O COLETIVO ENTRE BECOS ...156
4.4 LIDERANÇA C, SOM DE QUEBRADA ..............................................................161
4.5 LIDERANÇA D, O OCUPE A PRAÇA E O COLETIVO CONTRA CORRENTE ..166
4.6 LIDERANÇA E, O OCUPE A PRAÇA E A FUNCAJU .........................................170
4.7 LIDERANÇA F, O SARAU DA CAIXA D’ÁGUA ..................................................173
4.8 ATIVISMO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA: DAS RUAS ÀS INSTITUIÇÕES .178
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................182
REFERÊNCIAS .......................................................................................................189
ANEXOS ..................................................................................................................198
13

INTRODUÇÃO

Os protestos de junho de 2013 têm sido considerados como um acontecimento


histórico fundamental para a reflexão acerca de temas que atravessam esta pesquisa.
As mudanças em torno do perfil dos ativistas, dos repertórios organizacionais e de
ação, a heterogeneidade e a polarização das ruas enquanto espaço de indignação, o
impacto das mídias sociais em possibilitar novos arranjos na ação coletiva de
movimentos sociais e a visibilidade de pautas e enquadramentos são alguns dos
tópicos e questões que analisam as transformações do ativismo contemporâneo.
Logo, esta agenda de pesquisa também identificaria, principalmente no campo do
ativismo, os protestos ocorridos em 2013 como uma demonstração de um conjunto
de fissuras que aconteceram paulatinamente desde meados da primeira década do
século XXI.
O surgimento de formas de ativismo e ação coletiva que se propunham
enquanto uma alternativa à base de movimentos sociais vinculados ao PT, o
crescimento de grupos vinculados à direita começava a quebrar a hegemonia de
grupos à esquerda em espaços como a universidade e a ideia dos coletivos enquanto
formas organizacionais que pretendiam resolver os dilemas da participação em
organizações tradicionais, como os partidos políticos e os sindicatos, sinalizavam que
aspectos do associativismo, principalmente os menos profissionais e mais juvenis,
estavam em transformação. Neste sentido, os protestos de junho de 2013 se
constituem mais como um sintoma do que um processo capaz de explicar essas
mudanças que, como ressaltam Bringel (2013) e Bringel e Players (2015), aconteciam
nos bastidores do cotidiano dos movimentos sociais.
Nesse cenário, junho de 2013 não somente seria um símbolo de processos
sociais em curso, como mencionamos acima, mas também seus efeitos e significados
se prolongariam no tempo. Em pesquisa sobre um coletivo organizado ao ciclo de
protestos de 2013, Santos (2017) apresentava a ideia de que, a partir de um relato de
entrevista, junho não tinha acabado. Um jovem, líder do coletivo em análise, dizia que
“pra gente junho não acabou”. Em 2018, para a BBC News, Angela Alonso repetia
uma expressão e argumento que era considerada ponto pacífico entre os
pesquisadores: “Junho de 2013 é um mês que não terminou”1.

1 Ver em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44310600.


14

É certo que junho de 2013 não terminou naquele ano, mas nem por isso tudo
o que segue é uma consequência direta desses eventos. Apesar disso, os eventos
ocorridos naquele período são responsáveis por estimular a experimentação em torno
das formas de ativismo. Neste aspecto, experimentações de práticas e gramáticas
políticas adquirem espaço e visibilidade.
Com base nisso, algumas agendas de pesquisa adquirem força nos últimos
anos e, de modo geral, buscam entender as novas configurações do ativismo no Brasil
contemporâneo. Esses interesses de pesquisa que fundamentam a realização deste
trabalho também estão relacionados com um conjunto de trabalhos realizados no
Laboratório de Estudos do Poder e da Política, o LEPP. Nele, desde as minhas
pesquisas de iniciação científica, dissertação de mestrado, além de outros planos de
trabalho elaborados e realizados pelos demais integrantes do laboratório, o estudo
sobre as formas de ativismo, os contextos de contestação e os modelos de
engajamento individual construíram a base teórico-metodológica desta pesquisa.
Em consonância com isso, o argumento central desta pesquisa é a de que
o ciclo de mobilizações baseado na ocupação cultural do espaço público em
Sergipe é resultado de uma janela de experimentação de ativismo emergente em
um contexto de crise das formas de mobilização mais tradicionais à esquerda,
do qual os protestos de junho de 2013 são uma de suas maiores expressões.
Neste caso, a ideia de ciclo de mobilizações não está relacionada com o conceito de
ciclo de protestos (TARROW, 2009), mas antes busca ressaltar a ideia de que houve
um processo marcado por um momento de experimentação, reprodução e
desengajamento em torno de uma forma de ação coletiva.
O ponto de partida de pesquisa surge de uma observação realizada no final da
dissertação (SANTOS, 2017; SANTOS, OLIVEIRA, 2018) sobre a emergência do
Coletivo Debaixo após o ciclo de protestos de 2013 ocorrido no Brasil, inclusive em
Aracaju. Naquela ocasião, o interesse de pesquisa estava direcionado na análise do
surgimento do coletivo e os repertórios de ação mobilizados pelo grupo para
reivindicar a cidade. Era muito comum, naquele momento, que os ativistas – também
autoidentificados como “poetas marginais” ou “trabalhadores da cultura” – do coletivo
falassem que “as manifestações de junho não acabaram”. E, com isso, o coletivo
cumpria, segundo o grupo, uma função de manter a chama da euforia e do sentimento
de revolta daquele período acesa.
15

A partir disso, o Coletivo Debaixo realizou um conjunto de ações mensais


embaixo do viaduto do Distrito Industrial de Aracaju (DIA), que fica localizado em uma
região de ampla movimentação na cidade. A essas ações, o coletivo intitulou de Sarau
Debaixo. Os saraus ocorriam toda a terceira terça-feira do mês, a expressão virou
quase um trava-língua e popularizou o termo e uma agenda cultural e de contestação
na cidade. A ideia de realizar um sarau mensal teve como consequência, parcialmente
planejada, a concretização daquilo que intitulei de rotina de contestação.
Nesse único dia, a parte debaixo do viaduto ganhava novas imagens, novos
sons, as pessoas circulavam naquele espaço que antes era um estacionamento sem
utilização. As ocupações culturais rompiam uma rotina e criavam outra. Os ativistas e
militantes de diversos coletivos, partidos políticos e aqueles que apenas eram
simpatizantes de causas progressistas se encontravam para se divertir e conversar
sobre política. A conversa sobre política acontecia a partir de uma performance
específica que era a do sarau: palco aberto para a declamação de poesias,
encenações teatrais, eventualmente uma roda de conversa, exibição de
documentários e alguns outros recursos.
Todo esse fluxo acontecia em um período posterior aos protestos pelo aumento
da passagem de ônibus, a crítica à forma como os governos geriam os recursos
públicos, a busca por novas formas de mobilidade urbana e uma democratização do
espaço público.
Diante desse cenário, três coisas aconteceram e me chamaram atenção.
Primeiro, o processo de difusão de saraus e outros tipos de ocupação cultural em
Sergipe. Em vários casos, como é o Sarau da Caixa D’água, em Lagarto, ou o Ocupe
a Praça, organizado pelo Contra Corrente, que é um coletivo da Juventude do Partidos
dos Trabalhadores (JPT), os grupos que emergem têm o Coletivo Debaixo como uma
referência. Segundo, a construção de um discurso político sobre as ocupações e os
saraus; aquilo que era concebido enquanto um espaço de lazer por excelência
adquiriu um tom reivindicatório. E terceiro, alguns agentes da prefeitura que possuíam
uma relação estreita com alguns coletivos e perceberam a dimensão das ocupações
culturais transformaram a ação de contestação em política municipal com o projeto
Ocupe a Praça.
Essas transformações, que ocorreram desde a emergência do Coletivo
Debaixo em 2013 até a percepção de que a ideia de “ocupar a rua” e “ocupar a cidade”
em Aracaju, também ocorriam paralelamente a dois movimentos nacionais que
16

utilizaram desse mesmo repertório para a reivindicação de outras causas: o Ocupa


Minc e a ocupação das escolas secundaristas, ambos ocorridos em 2016.
A pauta do Ocupa Minc ou #OcupaMinc aconteceu com o propósito de
enfrentar a decisão de acabar com o Ministério da Cultura. Em Aracaju, uma rede de
movimentos sociais, coletivos e artistas ocuparam a sede do Iphan, o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. E a ocupação das escolas secundaristas
ocorreu em todo o Brasil a partir de uma pauta específica de São Paulo, o
remanejamento de alunos da rede estadual de ensino. E em algumas semanas, várias
escolas são ocupadas pelo país a partir de outras pautas e reivindicações como a
melhoria das condições de ensino e da estrutura escolar. A questão é que a ocupação
se tornava, pouco a pouco, um repertório capaz de ser mobilizado em diversas
ocasiões, principalmente pelos jovens, a partir da utilização da cultura. É exatamente
essa difusão do repertório da ocupação que é objeto da indagação central desta
pesquisa.
Com base nessa breve apresentação do ponto de partida da investigação, a
problemática teórica desta pesquisa consiste na análise do processo de emergência
e difusão de uma reivindicação coletiva caracterizada por uma gramática política e
repertórios de ação específicos a partir de um ciclo de protesto.
A fim de proceder na investigação do objeto de pesquisa e problemática teórica
expostos acima, os objetivos deste trabalho estão divididos em principal e secundário.
O objetivo principal compreende na análise do processo de difusão da ocupação
cultural em Sergipe. E os objetivos secundários são:

1. Mapear as redes de movimentos sociais e os padrões de mobilizações


relacionados com a ocupação do espaço público e a reivindicação do direito
à cidade em Sergipe;
2. Identificar, a partir do mapeamento acima, os processos de experimentação
e difusão desse tipo de ação coletiva;
3. Apreender as diferentes formas de performatização e enquadramento
envolvidos nas mobilizações;
4. Mapear as lideranças e identificar os principais tipos de carreiras militantes.

A estrutura dos objetivos mencionados acima se vincula aos objetivos principais


desenvolvidos nos quatro capítulos que serão destacados ainda na Introdução. A ideia
17

central que sintetiza os objetivos secundários pode ser traduzida na busca pela
compreensão de quatro níveis da replicação da ocupação como ação contestatória:
as práticas, os enquadramentos, os grupos e os atores.
Neste sentido, a relevância desta pesquisa pode ser dividida em três
momentos: empírica, teórica e política. A necessidade empírica deste trabalho está
relacionada aos poucos trabalhos em níveis locais que busquem analisar o processo
de difusão da ocupação enquanto modelo de ação contestatória entre coletivos, e sua
transformação em política municipal. Além disso, em nível nacional, este estudo
cumpre com uma agenda de pesquisa ainda em andamento que busca compreender
os impactos do ciclo de protestos de 2013 para a emergência de novos estilos de
ativismo2 no Brasil. Nesse último ponto, posso afirmar que a pesquisa permite situar
as ocupações e a reivindicação da cidade como um desses estilos de ativismo que se
difunde nos últimos anos. E permite responder algumas questões sobre a
reorganização do ativismo no Brasil a partir da ruptura da hegemonia dos movimentos
sociais vinculados à rede de contestação do Partido dos Trabalhadores. Essa ruptura
que acontece a partir da reafirmação cada vez mais contundente de dois campos de
estilos de ativismo denominados por autonomistas e patrióticos (ALONSO; MISCHE,
2017). No caso desta pesquisa, o que fica mais latente são as rupturas e
continuidades entre os estilos de ativismos dos autonomistas e os socialistas; este
último se refere ao ativismo tradicional dos partidos e movimentos sociais de
esquerda.
Em segundo lugar, a relevância teórica desta pesquisa se apresenta à
proporção em que busca desenvolver um esquema teórico que: i) escapa dos
determinismos estruturais das análises que caracterizam a produção recente; ii)
propõe um modelo analítico sobre o processo de difusão de modelos de ação coletiva;
e iii) escapa do caráter normativo nos estudos dos movimentos sociais e analisa
fenômenos que ocorrem no limiar de concepções normativas como “autonomia” e
“cooptação” e “ação institucional” e “ação não institucional”.
E em terceiro, a relevância política deste trabalho emerge em paralelo com a
necessidade de acompanhar as transformações no ativismo em contexto de crise e
ameaça dos movimentos sociais.

2 Compreende-se estilos de ativismos enquanto os elementos que caracterizam um modo de ação


coletiva mais ou menos estabelecido. Entre esses elementos, podemos destacar: os tipos de
performance, a gramática política, os perfis da carreira dos ativistas e os modelos de organização.
18

Os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa são compostos pela


observação participante e direta, realização de entrevistas semiestruturadas e
biográficas e análise de documentos.
Diante do objetivo geral, que consiste na análise da difusão da ocupação
cultural como forma de contestação em Sergipe, o uso da observação participante e
direta foram fundamentais para a apreensão do processo de replicação da forma de
mobilização em questão.
A observação foi tanto participante quanto direta. No caso de uma inserção no
campo, em que o diálogo com os interlocutores foi mais intenso, não somente estive
na posição e no lugar de pesquisador como também de integrante ou parceiro desses
grupos. Sendo assim, a minha participação, em vários momentos, foi um componente
fundamental para a inserção e a realização da pesquisa. Em outros casos,
principalmente naqueles em que a inserção era acompanhada de um distanciamento
maior, a observação foi direta, ou seja, apesar de face a face, não tinha o elemento
da participação nos grupos.
O ato de acompanhar os grupos por meio da observação, seja participante ou
direta, possibilitou que, pouco a pouco, fosse sendo desenhada a “cena” das
ocupações culturais. Uma espécie de snowball aplicada aos eventos. A cada evento,
os interlocutores indicavam onde outros eventos semelhantes estavam acontecendo.
Nesse momento, não somente ficava ciente de que havia um fenômeno de ocupação
cultural que se estendia pelo estado, mas também tinha acesso às dinâmicas de
parceria entre os grupos.
Para além dessa dinâmica processual que só foi possível apreender por meio
da observação participante – inclusive em sua temporalidade efêmera, pois alguns
grupos não se sustentavam por muito tempo –, a observação direta e participante
viabilizou, por meio do mecanismo da fotografia e do diário de campo, a apreensão
de duas dimensões que orientam esse trabalho. Primeiro, a análise do modo como o
repertório da ocupação cultural foi performatizado pelos diversos grupos. E segundo,
as diferentes formas de narrar a ideia de “direito à cidade”.
O uso das entrevistas, por sua vez, possibilitou o aprofundamento da
apreensão de dados referentes às diferentes narrativas sobre a cidade, como também
a análise das biografias e das redes de movimentos sociais emergentes em torno
dessa forma de mobilização. No caso das entrevistas semiestruturadas e biográficas,
as perguntas tinham como objetivo final identificar o modo como cada um dos
19

interlocutores construíram sua carreira militante, iniciaram o ativismo vinculado às


ocupações culturais e quais as consequências desses envolvimentos políticos em
suas vidas. Esse último ponto surge de uma observação empírica, mas também
amplamente debatida nos estudos sobre ativismo e engajamento militante (GAXIE,
1977). Foi muito comum observar, ao longo da pesquisa, como vários dos ativistas
em algum momento ocuparam cargos na administração pública. Não bastasse isso,
era também recorrente que essa nova ocupação, quase sempre vinculada a um cargo
comissionado, estivesse atrelada ao tipo de ativismo que eles desenvolviam. O fato
de estarem ligados, por exemplo, a grupos juvenis em vulnerabilidade ou à área da
cultura, tornava-os aptos a ocuparem cargos que têm como característica principal
lidar com jovens vulneráveis ou gestão cultural. Além disso, havia aqueles que, por
seu protagonismo em diversos territórios de uma cidade, se candidataram a cargos
eletivos como o de vereador e deputado estadual.
Ao todo foram entrevistadas dez lideranças, além de outros interlocutores que,
por intermédio de conversas informais, contribuíram para a construção do objeto de
pesquisa e da argumentação que norteia o estudo. A escolha para a realização das
dez entrevistas esteve vinculada ao fato de que esses atores sociais eram lideranças
que representavam os grupos em análise. De modo geral, eram fundadores ou co-
fundadores das ocupações investigadas ou gestores públicos que, no âmbito da
administração pública, foram responsáveis pela elaboração de parcerias entre
prefeituras e os coletivos.
Assim, os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa estão
associados aos objetivos geral e específicos mencionados acima. Da observação
participante à entrevista semiestruturada e biográfica, buscamos identificar os
diversos elementos relacionados com a difusão de uma ação coletiva, problema
teórico e empírico da pesquisa.
O estudo da difusão de uma ação coletiva consiste em um problema de
pesquisa que tem adquirido relevância em um contexto de mobilizações que se dão
em redes de organizações nacionais e transnacionais, em grande medida
influenciadas pela capacidade de comunicação entre os movimentos sociais por meio
das redes sociais virtuais.
Ao focar a análise na replicação das práticas e das narrativas em torno de um
tipo de mobilização, cinco grupos de literatura dão suporte à pesquisa. A seguir, os
20

apresentamos de modo breve, pois os conceitos e abordagens teóricas serão


aprofundados ao longo do trabalho.
Primeiro, os trabalhos que analisam a emergência da ocupação do espaço
público enquanto um repertório de ação disponível nas últimas duas décadas
(ANDRADE, LINS, LEMOS, 2014; BARRETO, MEDEIROS, 2017; COMBES,
GARIBAY, GOIRAND, 2015; DECHEZELLES, OLIVE, 2017; DELLA PORTA, ATAK,
2017; SOUZA, 2017). Junto a isso, buscamos analisar como esse fenômeno está
vinculado a mudanças no ativismo contemporâneo, com o objetivo de demonstrar as
condições em que emergem.
Segundo, a agenda de pesquisa em torno da difusão de uma prática
contestatória, a exemplo do conceito de repertório modular (TILLY, 2005, 2006;
WADA, 2012) e performance (JASPER, 1997, 2016), foi fundamental para a
compreensão de como os repertórios são apropriados por grupos em um contexto de
difusão de uma forma de reivindicação.
Terceiro, a investigação do nível narrativo dessa ação coletiva teve como
principal approach teórico os estudos sobre os enquadramentos interpretativos
(BENFORD, 1997; BENFORD, SNOW, 2000; SILVA, COTANDA, PEREIRA, 2017).
Mediante o conceito de enquadramento interpretativo, apresentado e debatido no
Capítulo 2, analisamos a construção e a transformação do enquadramento do “direito
à cidade” nos diversos territórios e grupos sociais. Nesse caso, o enquadramento,
como propõe Benford (1997), não é um fenômeno social estático e consensual. Pelo
contrário, como demonstramos ao longo da pesquisa, os enquadramentos são formas
de nomear e narrar “questões sociais” em disputa. Não é diferente com o direito à
cidade. À medida que a cidade é experimentada de modo distinto pelos diversos
atores que trazem em si marcadores sociais – a exemplo do de classe, racial e de
gênero –, os constrangimentos e motivações para a reivindicação da cidade também
são igualmente distintos. Neste sentido, o conceito de enquadramento interpretativo
chamou atenção para uma análise mais sistemática do modo como os grupos narram
a cidade. No caso das pistas empíricas desta pesquisa: quanto mais difusa uma pauta,
mais diversa ela se torna.
Quarto, a literatura sobre as redes de movimentos sociais (DIANI, 1992; DIANI,
BISON, 2010). Neste aspecto, a difusão de uma ação coletiva consiste também na
construção de uma variedade de redes de mobilização. Nas redes, grupos se
relacionam em formas de aliança e disputa em torno de uma reivindicação. O estudo
21

das redes de movimentos sociais permitiu a esta pesquisa identificar não somente a
extensão e o alcance da pauta em questão, mas também os padrões de relações
estabelecidos pelos grupos.
E quinto, os estudos sobre a construção de carreiras militantes. Para isso,
foram utilizados os trabalhos que, entre o conceito de carreira e trajetória militante,
contribuem para a compreensão do engajamento de diversos atores na reivindicação
do direito à cidade.

ESTRUTURA DA TESE

A pesquisa está dividida em quatro capítulos, além da Introdução e das


Considerações Finais. De modo geral, os capítulos do trabalho demonstram, por meio
das dimensões analíticas a seguir, como a crise das formas tradicionais de ativismo –
que podem ser identificadas desde o desgaste do sistema político às novas formas de
ativismo – constituiu um ambiente importante de experimentação política. Nesse
ambiente, a ocupação cultural e a reivindicação do direito à cidade podem ser
consideradas uma expressão da renovação – seja no nível da visibilidade de novas
causas, como também na diversificação das redes e das carreiras militantes – do
ativismo contemporâneo.
No primeiro capítulo, intitulado Junho de 2013, um sistema político em crise e
os “ocupes” como expressão de mudanças no ativismo brasileiro contemporâneo,
analiso, por meio de uma revisão da literatura nacional acerca do ativismo
contemporâneo, como os “ocupes” expressam alguns dilemas da participação no
Brasil. Para isso, inicialmente identificamos três dos sentidos dos protestos de junho
de 2013 e que são determinantes para a compreensão do ativismo no país. Tanto a
crise no sistema político em crise, quanto os limites da participação institucional e o
resgate de uma ação de mobilização fora do Estado estarão presentes nas invenções
de ativismos emergentes na década de 2010, como ressaltam os autores citados
neste capítulo. Junto a isso, apresentamos uma sociogênese das ocupações culturais
em Sergipe, inserindo-as em um contexto nacional e internacional de mobilizações
pelo direito à cidade. Apesar dessa relação com mobilizações nacionais e globais, o
que se busca no primeiro capítulo é demonstrar quais foram os eventos locais que
propiciaram a emergência dessas ações em Sergipe.
22

Em Cidades reivindicadas: difusão da ocupação cultural e transformações no


enquadramento do direito à cidade, segundo capítulo, analisamos o processo de
difusão da ocupação cultural enquanto uma forma de mobilização em Sergipe. A ideia
central é demonstrar como a ocupação cultural foi um repertório de ação
performatizado em diversos contextos. Essa replicação envolveu um conjunto de
mudanças na forma como a reivindicação do direito à cidade, mediante a ocupação
cultural, foi colocada em prática e narrada pelos grupos. Aqui, busca-se analisar o
fenômeno nas dimensões prática e narrativa. Os conceitos de repertório de ação
coletiva, performance e enquadramento interpretativo foram as ferramentas teóricas
utilizadas para a compreensão das mudanças, no nível da ação coletiva, operadas
nos diversos contextos. É também nesse capítulo que apresentamos uma
classificação dos grupos analisados a partir das suas diferenças práticas e narrativas:
os agitadores culturais, os cosmopolitas, os agentes estatais, os periféricos e os
secundaristas. Cada um desses grupos mobilizou a ideia de ocupação cultural e
direito à cidade de modo específico e correspondente com o perfil do grupo.
No terceiro capítulo, De Repertório de Ação Contestatória à Estratégia de
Mobilização: Redes de Movimentos Sociais nas Ocupações Culturais em Sergipe
(2013-2020), analisamos uma terceira dimensão dessa cena de mobilização: as redes
de mobilização. A aproximação com os grupos analisados permitiu identificar um
conjunto de redes de ocupações que podemos definir enquanto relação de afinidade
entre coletivos que realizaram, entre 2013 e 2020, ocupações culturais em Sergipe.
Em parte, a classificação operada no capítulo anterior – os agitadores culturais, os
cosmopolitas, os agentes estatais, os periféricos e os secundaristas – se refere a
essas redes. Para além disso, à medida que a ocupação cultural se difundia por
Sergipe e adquiria capacidade de mobilização, especificamente entre os jovens,
vários partidos políticos, movimentos sociais, juventudes partidárias, prefeituras e
coletivos passaram a criar a sua própria ocupação. Sendo assim, essas redes de
movimentos sociais constituem o objeto de reflexão no terceiro capítulo e permitem
compreender: i) a difusão da cena das ocupações culturais; e ii) os padrões de
relações desses grupos entre si e com atores externos, a exemplo de partidos
políticos.
Por fim, no quarto capítulo, Engajamento e experiências urbanas: as carreiras
militantes das lideranças, analisamos, à luz do conceito de carreira militante, a
construção do engajamento político de alguns dos interlocutores. Para isso, utilizamos
23

o material coletado por intermédio das entrevistas semiestruturadas e biográficas.


Junto à investigação das motivações e dos sentidos atribuídos pelos atores aos seus
envolvimentos políticos, fato que é examinado paralelamente ao contexto no qual se
desenvolvem esses engajamentos, também apontamos para o modo como essa
experiência de ativismo tornou possível a emergência de representações políticas.
A estrutura da pesquisa, aqui apresentada, tem como objetivo compreender
quatro dimensões da difusão da ação coletiva em questão. Primeira, a prática por
meio do estudo de como a ocupação cultural, enquanto repertório de ação coletiva,
foi mobilizada entre os anos de 2013 e 2020. Segunda, a narrativa que se deu com
base na investigação dos modos como a pauta do direito à cidade foi elaborada e
reelaborada pelos grupos. Terceira, a organizacional, por meio da análise das redes
organizacionais. E quarta, a individual, com a observação das carreiras militantes
desenvolvidas em torno dessa “cena” de mobilização.
Assim, a pesquisa realizada contribui, em alguns aspectos, para o estudo das
mudanças do ativismo contemporâneo. No âmbito nacional, a pesquisa revela como
a pauta do direito à cidade emerge e se difunde em um contexto de fragmentação das
redes do ativismo à esquerda e crise das formas de mobilização mais tradicionais. A
experimentação em termos de mobilização, que ocorre nas duas primeiras décadas
do século XXI, revela como os ativistas buscaram, nesse período, elaborar novas
formas de ação coletiva que fossem capazes de responder à crise dos modelos de
reivindicação.
No âmbito local, ao nos debruçarmos no estudo de como diversos grupos se
envolveram na luta pelo direito à cidade, percebemos que esse tipo de mobilização
adquiriu diferentes sentidos, tanto narrativo quanto prático. Desta forma, ao optar pelo
estudo da difusão das ocupações culturais, a pesquisa revelou que não há somente
uma cidade reivindicada, mas cidades reivindicadas. A depender do grupo mobilizado
e do contexto da reivindicação, o sentido e a prática se alteram.
Por fim, e vinculado ao segundo ponto, este trabalho também contribui aos
estudos das formas de ativismo na medida em que apresenta um caminho de
pesquisa possível para a investigação de um fenômeno frequente nas formas de ação
coletiva: a difusão de uma mobilização.
24

CAPÍTULO 1 – JUNHO DE 2013, UM SISTEMA POLÍTICO EM CRISE E OS


“OCUPES” COMO EXPRESSÃO DE MUDANÇAS NO ATIVISMO BRASILEIRO
CONTEMPORÂNEO

Os estudos sobre mobilizações e movimentos sociais apontam para os


protestos de junho de 2013 enquanto um ponto crucial de mudanças no ativismo
brasileiro contemporâneo. A diversificação nos repertórios organizacionais e de ação
coletiva, a crítica ao status quo do sistema político e a heterogeneidade do perfil dos
atores sociais que participaram dos protestos daquele ano, e nos anos seguintes,
constituem alguns dos sintomas dessa mudança. Este fenômeno não somente indica
as transformações do ativismo brasileiro, como também sinaliza para novas formas
de indignações de caráter global. Neste sentido, este capítulo tem dois objetivos.
Primeiro, analisa os sentidos e as razões dos protestos de junho de 2013 na literatura
nacional. E segundo, localiza os “ocupes” e a reivindicação do direito à cidade, objeto
empírico desta pesquisa, como expressões de um ativismo que adquirem visibilidade
em um momento de crise das formas de participação forjadas desde o período da
redemocratização.

1.1 JUNHO DE 2013: UM REGIME EM CRISE, EMERGÊNCIA E DIVERSIFICAÇÃO


DE ESTILOS DE ATIVISMO

Os protestos ocorridos em junho de 2013 adquiriram diversos sentidos e


provocaram um conjunto amplo de experimentações em formas de participação e
organização política. Para além de um fenômeno nacional, junho de 2013 se inscreve
também em uma lógica de indignação internacional que sinaliza para o processo de
crise no modelo de representação política e da democracia liberal (CASTELLS, 2018).
No entanto, Bringel (2013) também aponta para as particularidades nacionais.
Segundo ele, diferentemente dos protestos ocorridos nos Estados Unidos no Occupy
Wall Street ou na Europa com os Indignados, os protestos de junho de 2013 apontam
para a não consolidação de um conjunto de direitos ou para a necessidade de
conquista de novos direitos estabelecidos na Constituição de 1988. Neste sentido, em
nível nacional, os eventos representariam a exigência de uma nova cultura cívica
democrática não realizada.
25

A literatura nacional acerca de junho de 2013 intitulou esse evento a partir de


diversas nomenclaturas como ciclo de protestos, revolta, manifestações, levante
popular e ondas de protestos. De todo o modo, tais definições trazem consigo as
diversas possibilidades analíticas em torno desse evento, mas também a dificuldade
de circunscrever esse período a causas e efeitos específicos. Diante desta produção,
analisaremos duas dimensões dos protestos que interessam a este trabalho. Primeiro,
os sentidos dos protestos que foram analisados a partir das formas como os
manifestantes e grupos enquadraram os sentimentos de indignação. E segundo, os
impactos de junho de 2013 enquanto uma “abertura societal”, segundo Bringel (2013),
capaz de causar mudanças no sistema político e na configuração do ativismo
brasileiro.
Em Imobilismo em movimento e razões da revolta, Marcos Nobre (2013a,
2013b) compara os eventos de protestos ocorridos em 2013 a outras duas intensas
mobilizações de rua no Brasil: as campanhas pela Diretas Já e as manifestações pelo
impeachment de Collor3. Para Marcos Nobre, esses três momentos possuem o
sentimento de indignação com o sistema político brasileiro como um elemento comum.

As Revoltas de Junho de 2013 não foram raio em céu azul. Em


nenhum momento a sociedade deixou de protestar contra a blindagem
do sistema político, segundo diferentes pautas e reivindicações.
Greves, ocupações, resistência a ações policiais, protestos, não
deixaram de acontecer. Porém o caráter de massa e nacional das
Revoltas de Junho conseguiu por fim abrir um enorme rombo na
blindagem pemedebista tão cuidadosamente construída ao longo de
todo o processo de redemocratização. Confrontaram o sistema político
e sua lógica de funcionamento desde a base, exigindo sua reforma
radical. (NOBRE, 2013b, p. 142-143).

Essa análise do autor acerca da crítica ao sistema político promovido pelos


protestos se inscreve em uma análise do sistema político do autor marcada pela
dinâmica do pemedebismo. Para Nobre (2013), o sistema político brasileiro, do
nacional desenvolvimentismo da década de 1930 até os governos do Partido dos
Trabalhadores iniciados em 2002, é caracterizado pelo governismo, a produção de
super maiorias legislativas, uma dinâmica de vetos e o bloqueio de oponentes definido
enquanto pemedebismo.

3 Esta comparação também é operada por outros pesquisadores como Tatagiba (2014).
26

Para encontrar contrapartidas do pemedebismo em outros sistemas


políticos, seria preciso ver reunidos pelo menos cinco elementos
fundamentais: o governismo (estar sempre no governo, seja qual for
ele e seja qual for o partido a que se pertença); a produção de
supermaiorias legislativas, que se expressam na formação de um
enorme bloco de apoio parlamentar ao governo que, pelo menos
formalmente, deve garantir a “governabilidade”; funcionar segundo um
sistema hierarquizado de vetos e de contorno de vetos; fazer todo o
possível para impedir a entrada de novos membros, de maneira a
tentar preservar e aumentar o espaço conquistado, mantendo pelo
menos a correlação de forças existente; bloquear oponentes ainda nos
bastidores, evitando em grau máximo o enfrentamento público e
aberto (exceto em polarizações artificiais que possam render mais
espaço no governo e/ou dividendo eleitoral). (NOBRE, 2013a, p. 14).

O sistema de vetos, a blindagem política e as alianças por governabilidade


constituem três variáveis do conceito de pemedebismo de Nobre (2013a) que são
fundamentais por sustentar uma dinâmica política, principalmente institucional,
marcada pela sensação de um “imobilismo em movimento”. Dito de outro modo, é
como se o sistema político brasileiro estivesse em constantes reformas sociais e
políticas sem efeitos estruturais, pouca renovação política e a ausência de oposições.
No Brasil contemporâneo, mais especificamente nos governos do Partido dos
Trabalhadores (2002-2016), o tema da reforma gradual versus mudanças estruturais
será fundamental no campo progressista brasileiro. Neste sentido, André Singer
(2012, 2018) traz um conjunto de considerações para pensar o fenômeno do lulismo.
A capacidade conciliatória, a distribuição de renda e o pouco impacto na
transformação de uma estrutura de desigualdade e os eventos de corrupção são
alguns dos elementos que Singer (2012, 2018) analisa para apontar como esse
sentimento de imobilismo será responsável pela construção de campos de
mobilização em oposição ao fenômeno do lulismo.
Deste modo, a proposta analítica de Nobre (2013a, 2013b) como também a
análise de Singer (2018), apesar das diferenças que podem ser encontradas nos
diversos diálogos que realizam, possuem um elemento comum. Ambos apontam para
um dos sentidos que protagonizaram os protestos de junho de 2013, o da crise do
sistema político brasileiro. Para Nobre (2013a), o sentimento de falência adquiriu
expressão nas ruas daquele ano com base na crítica generalizada acerca da “forma
como operam e funcionam os partidos políticos e o sistema partidário existentes”
(NOBRE, 2013a, p. 143).
27

Essa sensação não é uma particularidade brasileira. Segundo Castells (2018),


por exemplo, a Europa também experimenta o sentimento de desgaste e, em muitos
casos, de desaprovação da democracia enquanto forma de governo. Sobre isso, o
autor aponta para o crescimento do descrédito dos partidos na Espanha. Entre 2000
e 2016, os cidadãos espanhóis que desconfiam dos partidos políticos – grupos de
representação política nos sistemas democráticos – saem de 65% para 88%. Para
ele, e este é o argumento central de seu livro, esse fenômeno está vinculado à ruptura
– em níveis de representação – entre os governados e governantes na crise da
democracia liberal.
Desta forma, o primeiro sentido dos protestos de 2013 que destacamos é o de
um sistema político em crise. Essa sensação, como buscamos estabelecer, pode
ser encontrada em um conjunto de reflexões internacionais, mas particularidades
nacionais. Os escândalos de corrupção, a crítica ao caráter conciliatório do
pemedebismo e a incapacidade do Estado responder a questões estruturais da
sociedade brasileira como a desigualdade social e a mobilidade nas grandes cidades
são alguns dos fatores que compõem o cenário de descrédito do sistema político no
Brasil (SINGER, 2018; NOBRE, 2013a, 2013b ; ARANTES, 2014; SAFATLE, 2012).
Essas interpretações podem ser classificadas em três e, apesar das diferenças,
apontam para elementos que possibilitam pensar realinhamentos no sistema de
alianças e participação política.
Primeiro, a crise do sistema político enquanto um processo de enfraquecimento
do lulismo. O lulismo constitui um fenômeno caracterizado por um realinhamento
eleitoral no qual uma fração de classe, o subproletariado, torna-se central no processo
eleitoral. No início dos anos 2000, essa fração de classe encontra-se com uma
liderança, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, capaz de representá-la. As
políticas de reforma social e combate à desigualdade – aspectos contraditórios do
lulismo à medida que reduz a pobreza, mas não combate a desigualdade social –
criaram, segundo Singer (2012), uma nova polarização política. No lugar de uma
disputa ideológica entra direita e esquerda, para o autor, a nova polarização contrapõe
os ricos e os pobres. Essa agenda de reforma social, diante do apoio da população e
dos índices de aprovação dos dois primeiros governos de Lula, extrapola o Partido
dos Trabalhadores e os governos lulistas.
Apesar do lulismo se consolidar enquanto uma forma de manter
governabilidade e apoio popular, este fenômeno, segundo Singer (2018, p. 18, grifo
28

do autor), foi “profundamente contraditório e se presta a inúmeros gêneros de


mistificação, por ser regressivo e progressivo ao mesmo tempo”. Esta contradição
está representada na capacidade do governo, sob o signo das “duas almas do PT”
(SINGER, 2012), negociar com diversos setores sociais. A exigência por reformas
sociais profundas, a crise econômica e os escândalos de corrupção são algumas das
variáveis que provocaram o enfraquecimento do lulismo. Essa crise seria marcada,
finalmente, pela criação de dois campos de indignação em torno dos governos Dilma
Rousseff (2011-2016): uma esquerda não petista e os movimentos sociais à direita.
Esses grupos serão responsáveis por compor, junto com a base de mobilização do
PT, os protestos de junho de 2013. Desta forma, a crise do lulismo é, para Singer
(2018), a crise de um modelo de governabilidade.
A segunda interpretação da crise do sistema político é a de Nobre (2013a,
2013b). Tal como mencionado anteriormente, a crise do sistema político está
fundamentada no desgaste de um sistema de aliança que o autor definiu como
pemedebismo. Baseado em um sistema de vetos que torna incapaz a renovação
política e a institucionalização de insatisfações sociais, os protestos de junho de 2013
podem ser considerados um momento de indignação à forma como o sistema político
se organiza.
Para Nobre (2020), a construção, por exemplo, de uma noção de política
“antissistêmica” e representada pela candidatura de Jair Messias Bolsonaro nas
eleições de 2018 resulta da crise do pemedebismo sustentar-se enquanto um sistema
de aliança capaz de estruturar, nas instituições e nas ruas, a política. Paralelamente
a isso, podemos acrescentar que também à esquerda surgem expressões de formas
de ação política “antissistêmica”. O uso de uma tática de ação Black Bloc nos
protestos de 2013 é um exemplo.
A terceira interpretação, vinculada a uma tradição do pensamento crítico
uspiano e representado por autores como Safatle (2012) e Arantes (2014), tem como
argumento central a ideia de que os protestos de 2013 expuseram uma “democracia
inacabada” e os “limites do lulismo”. Uma ideia comum aos autores e outros
representantes dessa tradição é a de que o lulismo também significou uma
“estatização dos conflitos”. Essa estatização dos conflitos sociais consiste na ideia de
que, na busca por um consenso entre os movimentos sociais e o Estado por meio da
institucionalização de ativismos, o lulismo diminuiu as possibilidades de uma ação
política gestada fora dos gabinetes. Com base nos depoimentos recorrentes de que
29

“não queremos mais ser governados”, Arantes (2014) propõe a seguinte reflexão que
contrapõe os protestos de junho de 2013 aos regimes normativos dominantes:

Numa palavra, nunca fomos tão governados. Gestão sem governo,


então? Por enquanto, um enigma, de cuja solução apenas
encaminhada dispomos, desde Junho, de um imenso ensaio geral.
Fica a descoberta atônita de que a insurgência que vem, ou está
chegando, envolve um momento perturbador de desgoverno, de abalo
sísmico do regime normativo dominante: simplesmente não
queremos mais ser governados, ou não mais assim. (ARANTES,
2014, p. 424, grifo do autor).

O regime normativo dominante ao qual o autor se refere consiste nos diversos


mecanismos de participação elaborados pelos governos no período após a
redemocratização em 1985 e que institucionalizaram atores e reividicações. Essas
formas de participação, como destacaremos a seguir, será uma tônica nos governos
do Partido dos Trabalhadores.
De modo geral, apesar das diferenças e, em alguns casos antagonismos, os
modelos de interpretação sinalizam para os protestos de junho de 2013 como
expressão da crise do sistema político. Segundo os autores, essa crise passa por
instabilidades em modelos de governabilidade (SINGER, 2018), sistemas de alianças
políticas (NOBRE, 2013a, 2013b) e da incapacidade do estado brasileiro do pós-
redemocratização concretizar uma democracia para além dos consensos (ARANTES,
2014; SAFATLE, 2012).
Paralelamente ao sistema político em crise, os protestos apontam para os
limites da participação política institucional. A literatura sobre participação política e
mobilizações identificam o processo de institucionalização dos movimentos sociais
enquanto um fenômeno do Brasil no período de redemocratização. Esse novo padrão
de participação consiste na criação de canais de diálogos entre o Estado e a
sociedade civil. Em âmbito nacional, este fenômeno se torna em uma nova agenda de
pesquisa que busca identificar esses canais de participação. Os conceitos de ativismo
institucional e de repertórios de interação (ABERS, SERAFIM, TATAGIBA, 2014),
além do pressuposto de que é preciso “analisar os movimentos sociais através da
fronteira entre o Estado e a sociedade” (ABERS, BULLOW, 2011) são alguns dos
resultados teórico-metodológicos desse novo padrão de participação que emerge no
período da redemocratização. Para além de um fenômeno nacional, os estudos de
Goirand (2009) sobre os partidos, movimentos, trânsito militante e múltiplo
30

engajamento apontam para o fato de que esse tipo de participação institucionalizada


também acompanha outros processos de abertura política na América Latina.
Apesar dos avanços em termos de construção de políticas públicas, conselhos
participativos e fóruns, os estudos do início da década de 2010 sinalizam para o
impacto do aumento da participação institucional na diminuição das mobilizações de
rua e nos constrangimentos causados à participação não institucional.
Em uma análise dos impasses democráticos no Brasil contemporâneo, Avritzer
(2016) mostra três fenômenos importantes no padrão de mobilização e participação
que emerge no período de redemocratização. Primeiro, a derrota e a consequente
exclusão da direita brasileira da participação, principalmente institucional. Segundo, o
fortalecimento do modelo da participação institucional. E terceiro, o fim de um
equilíbrio entre participação institucional e não institucional e a predominância do
ativismo institucional.
Deste modo, Avritzer (2016) sintetiza os padrões de participação dos últimos
40 anos e lança luz para a compreensão do segundo sentido dos protestos de junho
de 2013: os limites da participação institucional e o resgate de uma ação de
mobilização fora do Estado. O uso da ação direta, o princípio da horizontalidade e
autonomia são alguns dos sintomas presentes nos estilos de ativismo contemporâneo
e que apontam para os limites da participação institucionalizada.
No período relativo aos governos do Partido dos Trabalhadores (2002-2016),
autores como Arantes (2014) e Safatle (2012) apontaram para aquilo que ficaria
conhecido enquanto “os limites do lulismo”. Esses limites podem ser encarados a
partir de diversos olhares como, por exemplo, a incapacidade de desenvolver políticas
públicas capazes de enfrentar problemas estruturais no Brasil como a desigualdade
social; mas também a diminuição de um campo de oposição e de formas de
mobilizações não mediadas pela participação institucional.
Nesse entremeio, alguns eventos marcam tais limites. No campo do ativismo
estudantil, em 2009 surge a Assembleia Nacional dos Estudantes Livres (Anel) em
oposição à União Nacional dos Estudantes (UNE), esta última caracterizada pela alta
capilaridade em estruturas do Estado. A Anel possui uma intensa participação de
ativistas vinculados ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU) e
surge como uma organização marcada pela autonomia em relação ao Estado. No
campo do ativismo partidário, em 2004 surge o Partido Socialista e Liberdade (PSOL)
enquanto uma dissidência do Partido dos Trabalhadores e constitui um dos campos
31

de ativismo à esquerda em alternativa à base de mobilização do PT. No campo do


ativismo sindical, Trópia, Galvão e Marcelino (2013) sinalizam para as novas
dissidências e a emergência do CSP-Conlutas enquanto uma expressão desse
fenômeno. Tais exemplos demonstram como os anos 2000 representam não somente
o processo de aproximação entre organizações da sociedade civil e o Estado, mas
também de grupos que confrontam esse estilo de ativismo.
Para esses estudos, o lulismo consiste em um regime político ou em um
sistema de alianças onde foram tecidas diversas formas de relação entre movimentos
sociais e o Estado. O estudo de Costa (2009) sobre líderes cuja trajetória política se
inicia em movimentos sociais e sindicatos na década de 1980 e alcança cargos
eletivos nos anos 2000 em Sergipe elucida esse período de institucionalização de
pautas e atores políticos.
Anos mais tarde, e ainda no cenário local, um conjunto de trabalhos apontam
para como determinados grupos organizados contestam a relação estabelecida entre
lideranças de movimentos sociais e o Estado, este último identificado de modo mais
específico com as administrações municipais e estadual. No âmbito do movimento
estudantil universitário entre os anos de 2000 e 2015, a pesquisa de Santos (2016)
identifica a emergência de grupos que contestam esta relação, a exemplo dos
“puristas”, entre o diretório central dos estudantes e os partidos políticos. No
movimento negro, Silva (2016) apresenta a construção de grupos que contestam os
“militantes que estão no poder” e constroem grupos cuja atuação ocorre fora das
instituições. Por fim, a partir de pesquisa sobre os movimentos feministas, Souza
(2017) apresenta esta mesma noção a partir da horizontalidade das “auto-
organizações” de mulheres. O objetivo em trazer esses estudos é o de indicar como
as duas primeiras décadas de 2000 são marcadas por experiências de ativismo que
denunciam os limites do arranjo participativo construído na redemocratização e
intensificado nos governos do Partido dos Trabalhadores.
Os argumentos destacados até esse momento nos permitem afirmar, seja pela
noção de lulismo ou de pemedebismo, que os protestos de junho de 2013 se
configuram como um momento de crise de um regime e abertura para novas formas
de participação e alianças políticas. Tilly (2006), em Regimes and repertoires,
apresenta algumas reflexões sobre como a mudança ou a crise de um regime político
consiste em um momento de abertura para a emergência de novos padrões de ação
política.
32

Para Tilly (2006, p. 19), um regime pode ser definido como interações fortes e
repetidas entre os principais atores políticos, incluindo um governo. Desta forma, um
regime se refere às formas predominantes de relação entre atores políticos e um
governo. Em uma reflexão sobre a relação entre formas de mobilização e os regimes,
Tilly (2006) demonstra como um regime permite cristalizar formas e relações entre
movimentos sociais e um governo. Para além disso, o autor chama a atenção para
dois fenômenos sobre as mudanças nas formas de participação. Primeiro, os padrões
de relações políticas permitem a emergência de modelos de mobilização não inseridos
nesse padrão. E segundo, a crise de um regime constitui um momento propício para
a construção de novos repertórios. Sobre este último aspecto, o autor estabelece uma
relação entre a crise de um regime e mudanças nas formas de ação contestatória:

In particular, changes in the multiplicity of independent centers of


power within the regime, openness of the regime to new actors,
instability of current political alignments, availability of influential allies
or supporters, and the extent to which the regime represses or
facilitates collective claim-making (which together comprise political
opportunity structure, or POS) strongly affect the levels and loci of
claim-making within the regime. (TILLY, 2006, p. 23).

Neste sentido, as pesquisas citadas e que apontam para emergência de formas


de organização e ação que se contrapõem a um tipo de relação entre governo e
movimentos sociais4 no período pós-redemocratização constituem um prenúncio da
crise de um regime político.
É nesse cenário caracterizado por um padrão de participação social
institucional e um sistema político que produz blindagens e vetos capazes de limitar a
capacidade de ser reformado que emergem os protestos de junho de 2013.
O conceito de ciclo de protesto (TARROW, 2009) foi bastante utilizado para
compreender as manifestações de 2013 (SILVA, 2014; TATAGIBA, 2014; ALONSO,
MISCHE, 2017; DOWBOR, SZWAKO, 2013). De modo geral, os autores utilizaram o
conceito para caracterizá-lo como um período de intenso conflito, rápida difusão de
uma indignação que atinge diversos setores sociais, construção e transformação das
narrativas produzidas sobre os protestos e pelos manifestantes e a convergência de

4 Para além do impacto desse padrão de participação institucional em um processo de fragmentação


do campo ativista progressista, vários autores (AVRITZER, 2016; SINGER, 2018; NOBRE, 2013;
ALONSO, 2017; TATAGIBA, GALVÃO, 2019; TATAGIBA, 2018; SOUZA, 2016) também identificam
o surgimento e difusão de movimentos sociais à direita e a participação desses grupos em protestos
de rua.
33

diversos estilos de ativismos. Neste sentido, esses estudos nos permitem entender
como aquele período pode ser compreendido enquanto uma fissura capaz de tornar
visíveis novas formas de ação política.
De modo semelhante, Bringel e Pleyers (2015) apresentam a ideia de que esse
período possibilitou abertura societária. Segundo os autores:

Seja como for, é crucial entender Junho de 2013 como um momento


de abertura societária no país. Uma vez aberto o espaço de protesto
pelas mobilizações iniciais, outros atores se uniram para fazer suas
próprias reivindicações, sem necessariamente manter os laços com as
mobilizações originais e repetir as formas, a cultura organizacional, as
referências ideológicas ou os repertórios de ação dos iniciadores
dessas mobilizações. (BRINGEL; PLEYERS, 2015, p. 7-8).

Esse momento de abertura societária, por sua vez, ao propiciar um processo


de bricolagem entre culturas e estilos de ativismo sem um vínculo com os iniciadores,
termo para se referir aos movimentos sociais e grupos que iniciaram os protestos de
2013 a exemplo do Movimento Passe Livre (MPL) e outros, permitiu eventos de
inventividade não previstos.
Os protestos possuem diversos elementos que compõem um roteiro pelo qual
as lideranças são orientadas. O repertório de ação que será utilizado, o horário e o
local de concentração, o caminho a ser percorrido, os gritos de ordem, as músicas, a
cor das vestimentas também pode importar e os atores que terão direito à fala no
microfone são algumas das variáveis que integram as regras estabelecidas nos
bastidores de uma mobilização.
O que as noções de abertura societária e transbordamento societário
(BRINGEL, 2013; BRINGEL; PLEYERS, 2015), como também a de ciclo de protesto
(TARROW, 2009), destacam um processo de indefinição dessas regras e de qualquer
tipo de padrão mobilizatório. É como se as regras e o roteiro estivessem em disputa.
Neste sentido, o texto de Dowbor e Swzako (2013) traz um conjunto de reflexões para
compreender, à luz de uma abordagem interacionista, os processos de disputa em
torno da definição de um padrão de mobilização nos protestos de 2013.
O encontro de diversos estilos de ativismo, além daqueles que não possuíam
engajamento prévio, foi uma das condições dessa indefinição. Neste sentido, Alonso
e Mische (2017) caracterizaram três diferentes campos de ativismo: o socialista, o
autonomista e o patriótico. O socialista aquele é herdeiro de um estilo de ativismo
34

derivado de movimentos sociais e partidos políticos progressistas e emergentes no


período da redemocratização, a exemplo do Partido dos Trabalhadores. O
autonomista, por sua vez, se refere aos grupos cujo estilo de ativismo é caracterizado
pelo uso de símbolos vinculados aos protestos antissistema de Seattle em 1999, que
aparece novamente no Occupy Wall Street em 2008 e por uma recusa às formas de
ação mais hierarquizadas e institucionais e o uso de repertórios de ação coletiva mais
diretos. Os patrióticos são identificados como os grupos que mobilizam, naquele
período, símbolos e sentimentos nacionalistas, como também reivindicam a pauta da
luta contra a corrupção. Esses três campos disputaram as pautas, os repertórios de
ação coletiva, os signos, os manifestantes, o protagonismo e, posteriormente, a
memória dos protestos.
Para Bringel e Pleyers (2015), esse processo convergência entre diferentes
campos em eventos de protestos marcados pela indefinição impactaram o ativismo
contemporâneo em duas dimensões: na reconfiguração do ativismo e na geração de
novos “enquadramentos sociopolíticos”. E, podemos acrescentar, nas formas de ação
contestatória.
Neste sentido, a interpretação proposta Bringel e Pleyers (2015) por meio das
noções de abertura e transbordamento societário nos possibilita pensar nos protestos
de junho enquanto uma estrutura de oportunidade política. Esta fissura provocou uma
estrutura de oportunidade caracterizada pelo: i) incentivo às novas formas de
participação política em níveis de enquadramento, organização e repertório de ação
coletiva; e ii) constrangimento às instituições políticas tradicionais. Desta forma, os
protestos de junho não são apenas resultados de uma fissura política representada
por um sistema político em crise (SINGER, 2018; NOBRE, 2013b, AVRITZER, 2016),
mas também possibilitam uma oportunidade para que haja uma reconfiguração do
ativismo mediante novas formas de ação coletiva. De alguma maneira, seja ela mais
incisiva ou não, esses modelos de ativismo que adquirem visibilidade também buscam
responder à crise do sistema político. E como buscamos demonstrar a partir da
literatura, essa crise se refere tanto às instituições políticas como também aos padrões
de ativismo vigentes naquele período.
Dito isso, a presente pesquisa compartilha do argumento de que os protestos
de junho de 2013 possibilitaram a visibilidade de expressões associativas, modelos
de engajamento, repertórios de ação e organização e pautas mobilizadoras
emergentes. Na fissura provocada pela crise dos padrões de ativismo, alguns desses
35

estilos de ativismo adquiriram projeção. Também é necessário ressaltar que as


expressões de indignação projetadas nesse período não iniciam com junho de 2013,
apenas adquiriram projeção.
Entre essas diversas formas de ativismo, o objeto empírico deste trabalho, as
ocupações culturais em reivindicação ao direito à cidade em Sergipe, é um exemplo
dessas experimentações desse período em três níveis.
Primeiro, as ocupações culturais são realizadas por grupos que se articulam
em torno do coletivo como repertório organizacional. A noção de coletivo será
difundida e, como demonstramos ao longo deste trabalho, ela responde aos impasses
de modelos de ativismos mais burocratizados e institucionalizados.
Segundo, as ocupações se inserem em um repertório de ação coletiva que será
amplamente mobilizado por movimentos sociais e coletivo. Com isso, não significa
dizer que a ocupação é um repertório de ação inédito, a luta pela moradia e mesmo
as experiências dos núcleos de cultura dos movimentos sociais estudantis no Brasil
mostram o contrário, mas será utilizada com mais frequência. Esse uso é ainda mais
recorrente nas mobilizações juvenis em reivindicação ao direito à cidade.
E terceiro, a pauta do direito à cidade será uma espécie de signo pela qual
diversas insatisfações serão articuladas em 2013. As pautas da mobilidade urbana e
das discriminações e violência contra a mulher, grupos LGBTQI+ e a população negra,
por exemplo, estarão articuladas à reivindicação do direito à cidade.
Portanto, o que demonstramos até aqui é que os protestos de junho de 2013
adquiriram três sentidos: o de um sistema político em crise, os limites da
participação institucional e o resgate de uma ação de mobilização fora do
Estado. Podemos afirmar que, diante da polissemia que foi junho de 2013, esses três
sentidos foram capazes de forjar um momento de experimentação em termos de
formas de participação e organização política. Entre as diversas experimentações, os
coletivos que promovem ocupações culturais em reivindicação do direito à cidade
constituem uma expressão à medida que carregam um conjunto de significados e
dilemas da participação política.

1.2 OS “OCUPES” COMO UM ESTILO DE ATIVISMO EMERGENTE

As ocupações enquanto uma forma de contestação têm sido mobilizadas


naquilo que os autores têm chamado de ciclos globais de indignação
36

(DECHEZELLES, OLIVE, 2017, COMBES, GARIBAY, GOIRAND, 2015; MARICATO


et al., 2013; DELLA PORTA, ATAK, 2017; GOHN, 2014). O uso desse repertório de
ação coletiva, neste sentido, passa a ser replicado em diversos espaços públicos e,
inclusive, tem provocado um spatial turn nos estudos sobre os movimentos sociais.
Este giro na produção teórica esteve articulado às provocações decorrentes das
diferentes dinâmicas espaciais das ocupações.
Nas diferentes partes do mundo, as ocupações também estiveram articuladas
às mais distintas pautas de mobilização. No Ocuppy Wall Street, em 2010, as
reivindicações denunciavam as desigualdades sociais provocadas pelo capitalismo
em meio à crise econômica que atingia os Estados Unidos. Em 2011, a ocupação
também é utilizada pelos movimentos espanhóis, conhecidos como 15 M, que exigiam
maior participação em processos decisórios e sinalizavam para a intensificação da
crise de representação política. A Primavera Árabe, termo pelo qual ficaram
conhecidos os protestos realizados em países do Oriente Médio entre os anos de
2010 e 2012, também foi caracterizada pelo uso das ocupações em praças públicas.
Estes eventos, ocorridos principalmente no início da década de 2010, apontam para
a ideia de um ciclo global de indignação ou de ocupações. Neste sentido, Dechezelles
(2017), em apresentação de dossiê na Politix, periódico francês de ciência política,
escreve sobre reivindicações baseadas no uso da ocupação como repertórios de ação
coletiva:

Au final, cette hypothèse pourrait porter à considérer les occupations


protestataires comme un mode d’action singulier, bien que connecté à
des formes classiques de structuration et de mise en oeuvre de la
protestation, doté de ses propres significations et produit par la
rencontre d’univers militants hétérogènes, susceptible d’émerger dans
des contextes politiques et des modes de répression des mobilisations
assez divers 55. La multiplication récente des pratiques occupantes,
notamment dans le sillage du mouvement Occupy, mais aussi et
surtout la différenciation des lieux, des revendications et des contextes
dans lesquels elles se déploient, créditent cette hypothèse, tout en
ouvrant de nouveaux chantiers de réflexion. Mais en dépit de
nombreux cas d’étude, il manque encore dans la littérature
internationale consacrée aux occupations protestataires une réelle
capacité de démonstration des effets supposés de mimétisme et de
diffusion. (DECHEZELLES, 2017, p. 33).

Para o autor, a “prática dos ocupantes” adquire visibilidade principalmente a


partir do Ocuppy, um repertório de mobilização disponível principalmente em grupos
37

de ativismo protagonizado por jovens. Sendo assim, a ocupação passa por processos
de adaptação às localidades, mas mantém a sua principal característica enquanto
forma de ação coletiva: a ocupação dos espaços. Dechezelles (2017) aponta ainda,
paralelamente a outros dossiês como o livro organizado por Combes, Garibay e
Goirand (2015), para a necessidade de estudos capazes de analisar os processos de
mimetismo e difusão no uso da ocupação como repertório de ação coletiva. Desta
forma, o presente trabalho tem como objetivo apresentar uma análise desse problema
teórico e empírico que é a difusão de uma forma de indignação.
No Brasil, os protestos de junho de 2013 constituíram o contexto no qual as
ocupações adquiriram visibilidade e foram replicadas em diversas situações. A
remoção de determinadas populações vulneráveis para a construção de estádios que
sediaram, no Brasil, os jogos da Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016;
os eventos de confronto entre os policiais e os protestos em junho de 2013 e as
discussões acerca do direito de manifestação em via pública; o protagonismo da pauta
da mobilidade urbana a partir da tarifa do transporte público; e o uso de novos espaços
públicos nas grandes cidades derivados da diversificação dos públicos em protesto,
também em 2013, tudo isso possibilitou a emergência de “novos lugares políticos”.
Essas três variáveis que estabelecem uma relação entre as manifestações de junho
de 2013 e os debates sobre a cidade não somente contribuíram para a emergência
de novos atores e organizações, mas também de “novos temas em cena” (SOUZA,
2017; VICINO, FAHLBERG, 2017).
Em artigo sobre o modo como a “questão urbana” é analisada no ciclo de
protestos de 2013, Souza (2017) aponta para duas interpretações. A primeira se refere
aos estudos que analisam aos fatores estruturais do fenômeno como, por exemplo,
os impactos do capitalismo na construção de uma cidade desigual. E a segunda
àqueles que investigam os processos de significação dos “novos lugares políticos”.
Neste último ponto, apresentamos algumas reflexões desenvolvidas em pesquisa de
dissertação (SANTOS, 2017, 2018, 2019) sobre como o Coletivo Debaixo, em cenário
local e após junho de 2013, promove ações de ocupações no Viaduto Carvalho Déda
localizado em Aracaju. Essas ações que foram realizadas entre os anos de 2013 e
2016 têm como consequência a criação de um novo lugar político e que será palco de
protestos nos anos seguintes.
38

Após o intenso período de protestos, as capitais brasileiras apresentaram uma


diversidade de experiências de ocupações urbanas. As motivações pelas quais essas
ações emergem são variadas.
Em alguns casos, como o Ocupe Estelita em Recife (BARRETO, MEDEIROS,
2017; ANDRADE, LINS, LEMOS, 2014), o Ocupe Cocó em Fortaleza (PINHEIRO,
2014) e o Ocupe o Cais Mauá em Porto Alegre, as mobilizações ocorreram em
resposta aos impactos sociais e ambientais causados por construções imobiliárias.
Paralelamente a esses fatos em torno dos quais são organizadas essas ações, esses
grupos também se vinculam a um enquadramento mais geral da crítica ao capitalismo.
Diferente dos ocupes citados acima, também podemos encontrar diversas
insurgências cuja motivação da ação é confrontar determinadas lógicas de habitar a
cidade ao mesmo tempo em que denunciam as expressões de desigualdade e
opressão do espaço público. Os saraus, a exemplo do Sarau Debaixo em Aracaju
(SANTOS, 2017; FUSARO, 2017; SANTANA, 2017) e os slams nas periferias e nos
centros das capitais brasileiras (SILVA, LOSEKANN, 2020) são algumas dessas
experimentações. Nesses casos, não há um evento disparador dessas ações como o
despejo de moradores durante a construção dos megaeventos ou a destruição de
espaços de sociabilidade e patrimônios históricos nas cidades.
Os anos de 2013 e 2014, então, foram marcados por essas insurgências de
uso da ocupação enquanto um repertório de ação coletiva mobilizado em diversas
situações e cuja semelhança era a dimensão pública. Essas ações coletivas
aconteciam em praças, viadutos e calçadas. No entanto, os estudantes secundaristas
em diversas cidades do Brasil (MEDEIROS; JANUÁRIO; MELO, 2019) levaram as
ocupações para as escolas entre os anos de 2015 e 2016. Inicialmente, em 2015, o
ciclo de ocupações esteve relacionado à contestação de um plano de governo do
estado de São Paulo cuja consequência era o fechamento de unidades de ensino e o
remanejamento de alunos na rede estadual de ensino. No entanto, no ano seguinte,
em 2016, o uso da ocupação como repertório de contestação dos estudantes
secundaristas se vincula às pautas mais diversas em torno da qualidade do ensino e
da estrutura escolar.
O movimento é nacionalizado e as escolas em Sergipe, tanto na capital quanto
no interior, também foram ocupadas por estudantes secundaristas. A nomenclatura
utilizada é a mesma dos demais ocupes. Em Aracaju, capital de Sergipe, as
39

ocupações ficam conhecidas pelo nome das instituições escolares como, por
exemplo, o Ocupa Dom Luciano e Ocupa Petrônio Portela.
A extinção do Ministério da Cultura, também em 2016, e a sua transformação
em Secretaria Especial da Cultura por meio do argumento de diminuição da estrutura
do Estado e dos gastos públicos, provocou uma nova mobilização cujo repertório de
ação coletiva também foi a ocupação. O Ocupa Minc, como ficou conhecido, teve
como estratégia de ação a ocupação das sedes estaduais do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em Sergipe, esta ação foi organizada por
estudantes e artistas, alguns deles envolvidos em outras expressões de ocupações
culturais iniciadas entre os anos de 2015 e 2016. Na ocasião5, ocuparam a sede do
Iphan no estado, localizada no centro de Aracaju, por algumas semanas com aulas
públicas a estudantes secundaristas, apresentações artísticas e debates sobre a
conjuntura política do momento e os impactos sociais da extinção do Ministério da
Cultura.

Imagem 1 – Prédio do Iphan ocupado pelo OcupaMinc

Fonte: https://infonet.com.br/noticias/cultura/estudantes-ocupam-predio-do-iphan-em-sergipe/.

5 Ver: https://infonet.com.br/noticias/cultura/estudantes-ocupam-predio-do-iphan-em-sergipe/.
40

Essas ocupações, pontuais ou sustentadas em um longo período, chamam


atenção para o fato de que este repertório de ação se tornou disponível para vários
grupos e foi mobilizado a partir de uma estrutura semelhante. Dechezelles (2017), ao
identificar a variedade do uso da ocupação enquanto forma de ação contestatória,
propõe um conceito que é capaz de representar os exemplos apresentados
anteriormente. Segundo ele,

l’ensemble des actions, matérielles ou cognitives, par lesquelles des


acteurs s’emploient à (ré)investir, de manière éphémère ou durable,
un espace physique de pratiques et de significations pour y créer une
autre forme d’espace de vie (ou de survie), de débat et de rencontres,
de revendication, d’affirmation d’un droit, de fabrique d’une parole
collective, de construction d’une communauté ou d’un (nouveau) sujet
politique. Ces opérations s’adossent aussi bien à des modes d’action
routinisés de la revendication protestataire qu’à des pratiques sociales
en apparence plus ordinaires (dormir, se laver, cuisiner, jardiner, etc.),
qui peuvent néanmoins faire du lieu occupé un espace de possible
remise en cause radicale ou, du moins, de proposition alternative
d’organisation sociale ou de participation politique. (DECHEZELLES,
2017, p. 13).

A ideia das ocupações enquanto ação material e cognitiva em Dechezelles


(2017) acompanha algumas reflexões mais recentes que identificam a ocupação
enquanto um repertório, mas também um “léxico”. Apesar das diversas adaptações,
como mencionaremos no capítulo 3 ao analisar o processo de difusão dessas ações
em Sergipe, há um vocabulário comum entre as ocupações urbanas emergentes
desde 2010. A crítica anticapitalista, a centralidade da reivindicação do direito à
cidade, o uso de expressões artístico-culturais, a presença de uma dinâmica festiva
articulada à resistência política e a dimensão efêmera do ativismo são alguns
elementos que forjam a ocupação enquanto uma ação material e vocabular. Para além
da semelhança no uso do repertório de ação coletiva e dos enquadramentos, as
ocupações urbanas, principalmente nos exemplos dos ocupes associados à
reivindicação do direito à cidade, também possuem uma base organizativa
predominante que é a do coletivo. Como os estudos demonstram, o coletivo torna-se,
nos últimos anos, uma expressão organizativa predominante entre os jovens.
Em análise sobre a relação entre os coletivos e os protestos de junho de 2013,
Perez (2019) identificou o registro de 725 páginas de coletivos criadas entre os anos
de 2012 e 2017. Do total, 65,5% das páginas foram criadas entre 2012 e 2016, com
destaque para o ano de 2016 com 16,7% de novos coletivos. Para a autora, este dado
41

é um reflexo dos novos arranjos organizacionais que emergiram em um momento de


tensionamento com as organizações políticas mais tradicionais naquele período.

[...] Junho e os protestos posteriores incentivaram mais coletivos.


Nota-se que os coletivos já existiam antes e estavam presentes
inclusive nos protestos de 2013. Mas os dados mostram que as
Jornadas incentivaram mais mobilizações que se caracterizaram pelo
distanciamento discursivo com relação a organizações tradicionais tais
como partidos, defendendo práticas mais horizontais, inclusivas e
próximas à população. (PEREZ, 2019, p. 591-592).

Os coletivos não são repertórios organizacionais que emergem nos protestos


de 2013, apesar de adquirirem visibilidade em momento posterior às manifestações
daquele ano. O estudo de Mesquita (2008) sobre os coletivos culturais já sinalizava
para esse tipo de organização nos movimentos estudantis, assim como as pesquisas
de Carrano (2012) sobre as mudanças na participação política juvenil. De todo o
modo, os resultados de pesquisa nos últimos anos têm indicado para o aumento desse
repertório organizacional em grupos vinculados às pautas identitárias, de gênero e
étnico-raciais protagonizadas por jovens.
Diferentemente das narrativas apresentadas por esses grupos ou por alguns
analistas, os coletivos possuem uma forma de organização pouco uniforme. Apesar
disso, podemos caracterizá-los enquanto grupos marcados por um discurso crítico em
relação às organizações mais tradicionais como os partidos políticos e os sindicatos.
São fluidos, desburocratizados, recusam a ideia de hierarquia, a liderança é
contextual, possuem uma dinâmica de ação diversificada em frentes de atuação e
valorizam a autonomia e a ação direta. Nos coletivos, os seus componentes nem
sempre se definem como militantes e preferem a denominação de ativistas ou apenas
integrantes de um determinado coletivo. Para eles, a diferença entre militância e
ativismo está na temporalidade e fidelidade que caracterizam o tipo de envolvimento
e engajamento. E, por fim, sua atuação nem sempre é direcionada à contestação
conflituosa; ou seja, às vezes a função de um coletivo é o estabelecimento de uma
rotina de leituras ou a realização de atividades festivas em algum espaço da cidade.
A noção de velhos, novos e novíssimos movimentos sociais em Gohn (2014, 2017),
por exemplo, ajuda a entender essas diferentes formas de ativismo na
contemporaneidade.
42

Em análise dos tipos organizacionais presentes nas manifestações ocorridas


entre 2013 e 2016, Gohn (2014, 2017) identifica e diferencia três padrões: os
clássicos, os novos e os novíssimos movimentos sociais. Os clássicos se referem aos
grupos herdeiros dos modos de organização e ação das reivindicações trabalhistas.
Os novos podem ser localizados teoricamente nos estudos de novos movimentos
sociais (MELUCCI, 1980) e no tempo, pois estão relacionados às lutas identitárias e
culturais das décadas de 1970 e 1980. E os novíssimos estariam vinculados a
movimentos emergentes no final dos anos 2000, possuem o coletivo enquanto
repertório organizacional e suas ações são marcadas por uma hibridização de
ambientes off-line e on-line.
No entanto, esta caracterização, seja ela de coletivo ou de novíssimos
movimentos sociais, é mais homogênea em nível discursivo do que prático. No dia a
dia desses agrupamentos podemos encontrar, por exemplo, lideranças que atuam, ao
mesmo tempo, em partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos e coletivos.
De toda forma, o argumento que buscamos desenvolver neste capítulo é o de
que, para além de uma correspondência prática em relação à homogeneidade
discursiva, o coletivo constitui uma resposta organizativa ao padrão de participação e
sistema político em crise apontados no início deste capítulo. Assim, os protestos de
junho de 2013 representam o ponto alto na visibilidade da ambivalência entre os
partidos políticos – organizações que representam o sistema político – e os
movimentos sociais (ALONSO, MISCHE, 2017).
As pesquisas sobre confiança nas instituições políticas como o congresso e os
partidos políticos no Brasil nos auxiliam a compreender, ainda com os limites de dados
coletados em pesquisas de percepção e opinião, o contexto de descrédito do sistema
político.
Desde 2018, o Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação
(INCT) tem realizado a pesquisa A cara da democracia no Brasil com o objetivo de
identificar, entre outras coisas, o nível de confiança da população brasileira em relação
às instituições políticas e à democracia. Em um relatório divulgado nesse mesmo ano,
o INCT compara dados de pesquisas do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas
(Nupps), da Universidade de São Paulo (USP), e do Centro de Estudos de Opinião
Pública (Cesop), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para mostrar
como o Brasil experimenta o crescimento da desconfiança em relação aos partidos
políticos entre os anos de 2006 e 2018.
43

Imagem 2 – Gráfico sobre o nível de confiança nos partidos políticos no Brasil

Fonte: Nupps/Cesop (2006); Nupps (2014); INCT (2018). Margens de erro: 2006 (2,0); 2014 (2,0);
2018 (2,0). I.C. 95%. Autoria: Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação.

É nesse contexto de aumento da descrença nos partidos políticos e outras


instituições políticas tradicionais que a noção de coletivo adquire visibilidade. De modo
mais específico, a difusão do coletivo como base organizativa de diversos modelos de
ação, como apontam Perez (2019) e Gohn (2017), constitui uma tentativa
contemporânea de criar novos arranjos capazes de responder aos dilemas de uma
estrutura de participação em crise.
A seguir, identificamos como emerge o ciclo de ocupes em Sergipe. Para isso,
dividiremos esse processo de difusão e mimetismo da ocupação cultural enquanto
repertório de ação contestatória em duas fases: a dos iniciadores e dos difusores.
Nesta primeira fase, os grupos começam a mobilizar este repertório com intensa
experimentação em um cenário sem a consolidação de uma ação semelhante. A
segunda resulta no processo de apropriação da ocupação cultural e da pauta da
reivindicação do direito à cidade em novos territórios e por outros coletivos. Nesse
momento, o repertório é mantido em sua estrutura básica de ação, mas é
performatizado de outras formas. Além disso, o enquadramento do direito à cidade
44

passa por um conjunto de mutações, a depender dos territórios e grupos que a


mobilizam.

1.3 AS OCUPAÇÕES CULTURAIS E A REIVINDICAÇÃO DO DIREITO À CIDADE


EM SERGIPE (2013-2020)

A referência aos protestos de junho de 2013 no Brasil e os estudos que


analisam seus impactos no ativismo contemporâneo estão vinculados com a
emergência do ciclo de ocupações em Sergipe que ocorre meses após as
manifestações.
A primeira tentativa de articulação das reivindicações que vão às ruas naquele
período é o Ocupa Aracaju6, que acontece no dia 06 de julho de 2013. O evento foi
uma espécie de plenária na qual representantes de partidos políticos como o PT e o
PSOL tentam atribuir um sentido às manifestações. Isso não é uma particularidade de
uma estratégia gestada em Sergipe, mas é um fenômeno nacional de instituições e
agentes políticos que buscaram canalizar a indignação daquele momento em direções
específicas.

6 Ver imagem 1.
45

Imagem 3 – Cartaz Ocupa Aracaju

Fonte: Facebook.

Desde o início de julho, os termos e expressões “ocupação”, “ocupe a cidade”,


“ocupa Aracaju” e “ocupa” já apareciam enquanto categoria mobilizatória e
46

apresentavam a “ocupação dos espaços públicos” como um princípio considerado


pelo grupo. Essa assembleia não tem sucesso no processo de mobilização e
canalização da indignação daquele período e se repetirá mais duas vezes, segundo
Zezito de Oliveira. Zezito é um importante ativista local que desde a década de 1980
tem desenvolvido ações de base em comunidades periféricas de Aracaju como, por
exemplo, o Bairro América. Em suas ações, ele tem a arte e a educação como
principais eixos no processo de construção de seu ativismo de base.
Apesar dessa tentativa realizada pelo Ocupe Aracaju, o ciclo de ocupes tem
marco espacial e temporal bem definido em Sergipe. Em setembro de 2013, alguns
meses após os protestos de junho daquele ano, o Coletivo Debaixo inicia suas
atividades de ocupação do Viaduto Carvalho Déda. Essas ações aconteceram até
2016 de forma mensal, estabelecida uma rotina de contestação por meio do Sarau
Debaixo. Nesses três anos este grupo desenvolve um enquadramento mobilizatório a
partir de uma pauta que será difundida em todo o estado, a do direito à cidade.
O enquadramento elaborado pelo grupo é resultado da convergência de
experiências de jovens com inserção no ensino superior, todos estiveram nos
protestos de junho de 2013, alguns tinham participado de movimentos como o Não
Pago7 e partidos políticos como o PSOL e, por fim, eram vinculados às expressões de
contracultura.
A ação do coletivo se concentrava no Viaduto Carvalho Déda e, em raras
ocasiões, eles utilizavam outros espaços públicos. A ideia central em manter as ações
no viaduto tinha como objetivo criar um espaço de contestação que representasse os
protestos de junho de 2013 que eram finalizados naquele espaço. De certa forma, foi
uma maneira encontrada pelos integrantes do coletivo para manter viva a memória
das manifestações daquele ano. A afirmação de que “pra gente os protestos de junho
de 2013 não acabou” (SANTOS, 2017) representa essa intenção.
Em um desses momentos, o Coletivo Debaixo realizou um ato em frente a um
dos teatros mais importantes de Aracaju, o Teatro Atheneu, no dia do aniversário da
cidade. A mobilização deste espaço estava vinculada a uma das suas principais
pautas que era a de pensar a democratização da cidade a partir da democratização
da cultura. Ali, na frente do Teatro Atheneu, alguns artistas juntaram-se ao coletivo e

7 Como ressaltam Santos e Oliveira (2017), o Movimento Não Pago é uma organização local com
intensa ligação com o Movimento Passe Livre (MPL) e ficou conhecido por sua atuação em pautas
relacionadas com o transporte público.
47

denunciaram o teatro enquanto um símbolo da desigualdade do acesso à cidade.


Entretanto, o debate sobre o direito à cidade não se restringia à democratização da
cultura. O coletivo produziu (SANTOS, 2018) diversos fanzines8 onde podemos
encontrar essas diversas expressões da desigualdade urbana.
A fase dos iniciadores foi acompanhada por meio de pesquisa que realizamos
entre os anos de 2015 e 2017. Entretanto, naquele mesmo período percebemos o
surgimento de vários coletivos que utilizavam a mesma estrutura de ação, a ocupação
cultural. Nesse momento, as ações já não ocorriam somente em Aracaju, capital de
Sergipe, mas também atingiam a região metropolitana e cidades do interior. Iniciava
assim uma nova fase desse ciclo e que nomeamos de difusores.
Nesse segundo momento do ciclo de ocupes, como demonstramos no quadro
abaixo, constatamos um aumento do uso desse repertório de ação que se torna
disponível no contexto local.

Quadro 1 – Ocupações culturais e reivindicação do direito à idade em Sergipe


(2013-2019)
Ocupações culturais e reivindicação do direito à cidade em Sergipe (2013-
2019)
Nome das ocupações
Cidade Ano de surgimento
culturais
Sarau Debaixo Aracaju 2013
Sarau de Quebrada Aracaju 2015
Ocupe a Praça Aracaju 2015
Cultura da Periferia Aracaju 2017
Arte na Praça Aracaju 2016
Arte no Farol Aracaju 2016
Ensaio Aberto Aracaju 2015
Ocupe-Se – Mente Vazia Aracaju 2016
Ocupe-Se – Todos pela Aracaju 2016
Cultura
Sarau Cortejo na Feira São Cristóvão 2016
Sarau da Caixa D’água Lagarto 2014

8 Um tipo de pequeno livro produzido de forma não profissional, não oficial e artesanal.
48

Sarau do Coreto Simão Dias 2015


Cultura das Quadras Nossa Senhora do 2017
Socorro
Sintonia Periférica Aracaju 2007/2015
Sarau de São Cristóvão São Cristóvão 2016
Sarau do Calçadão Itabaiana 2015
Sarau de Fora Tobias Barreto 2015
Slam do Mangue Aracaju 2018
Slam Mulungu Aracaju 2019
Slam do Tabuleiro Aracaju 2017
Mulheres de Luta Aracaju 2016
Sarau das Flores Nossa Senhora do 2016
Socorro
Som de Quebrada Nossa Senhora do 2019
Socorro
Ocupe a Praça – NPDOV Aracaju 2017
Fonte: Elaboração própria.

A difusão, identificada a partir do surgimento de coletivos e pela criação de


rotinas contestatórias – termo pelo qual nomeamos o processo de sustentação dessa
ação em determinados espaços (SANTOS, 2019) –, é marcada por alguns elementos.
Entre os elementos que marcam esse mimetismo, podemos identificar: o coletivo
como base organizacional, uma difusão com temporalidade e espacialidade
específica, a construção de projetos da prefeitura de Aracaju baseados no uso da
ocupação cultural como forma de disponibilizar espaços de lazer à população local,
uma intensa estetização das formas de ação e, por fim, diferentes capacidades de
sustentação da ação.
No total, entre os anos de 2013 e 2019, identificamos o surgimento de 24
ocupações culturais em Sergipe. A organização e realização dessas ocupações é
protagonizada predominantemente por coletivos e, em menor proporção, por
movimentos sociais e partidos políticos. Dessas ocupações, 15 estão localizadas em
Aracaju, cinco na região metropolitana e quatro no interior do estado. Essa difusão
tem seu ponto alto em 2015 e 2016 com o surgimento de seis e sete novas ocupações
culturais nos respectivos anos. Nessa temporalidade, o Sintonia Periférica é um ponto
49

fora da curva, pois surge em 2007, mas a sua atuação é retomada em 2015 a partir
de um formato semelhante aos demais grupos em atividade.

Imagem 4 – Distribuição espacial das ocupações culturais em Aracaju (2013-2020)

Fonte: Elaboração própria.

Entre essas ocupações, o Ocupe a Praça – Núcleo de Produção Orlando Vieira


(NPDOV) é uma exceção, pois é uma ação da prefeitura de Aracaju sustentada entre
os anos de 2017 e 2020. Esta ação, como analisamos no capítulo seguinte, é um
marco na medida em que insere um novo enquadramento às ocupações: o da
revitalização do centro histórico da cidade.
O uso das mídias sociais, característica mobilizada para pensar os coletivos
(MESQUITA, 2008; PEREZ, 2019; GOHN, 2017), dá-se nesses coletivos
primordialmente enquanto forma de comunicação interna e divulgação externa. No
caso da divulgação externa, esses coletivos, principalmente até 2018 quando
começam a migrar para outras plataformas como o Instagram, criavam eventos
virtuais no Facebook. Nesses eventos, eles anunciavam os dias e as temáticas das
ocupações, mas também publicavam os registros fotográficos. Suas ações no meio
50

virtual se resumiam a isso, mas o impacto foi ainda maior e marca outra característica
das ocupações culturais: a intensa estetização dos atos.
A estetização das ocupações pode ser identificada em suas dimensões off-line
e on-line. No caso específico da dinâmica on-line, os coletivos têm uma atenção muito
grande em relação à construção visual de suas ações. A arte dos cartazes, as
fotografias que são divulgadas na internet, o cenário e, literalmente, o palco onde
acontecem as ocupações são esteticamente pensados.
As ocupações demonstraram, principalmente no momento de intensa difusão
nos anos de 2015 e 2016, pouca capacidade de sustentação da ação. Em alguns
casos, como foi o Sarau Debaixo e o Sintonia Periférica, conseguiram manter suas
ações por mais de dois anos. Em outros, a exemplo do Mulheres em Luta, o Arte na
Praça e o Arte no Farol tiveram vida curta e encerraram suas atividades com menos
de um ano. Este fenômeno não está somente articulado às dificuldades de
sustentação, mas também aos modos de ação desses coletivos. Bringel (2013), ao
analisar as mudanças na configuração do ativismo brasileiro a partir de junho de 2013,
aponta para uma dinâmica de “política de eventos”. A política de eventos seria
caracterizada por ações pontuais, com pouca capacidade e interesse de sustentação
ao longo do tempo e, por fim, pela centralização da indignação em formas de eventos.
A partir de 2017, uma nova forma de performatizar a ocupação cultural é
inserida nesse circuito de mobilizações: o slam. Os slams são espaços de competição
de poesia que, nos últimos anos, com a popularização iniciada com o Slam das Minas
fundado em 2015 em Brasília, são marcados pela produção de narrativas cotidianas
de jovens da periferia.
Em Sergipe, essa expressão ainda é pouco difundida. Em 2017 surge o
primeiro slam, o Slam do Tabuleiro. O Slam do Tabuleiro foi realizado entre os anos
de 2017 e 2018 em três espaços: o Elenildo Rock Bar, a praça do Rosa Elze e o
Viaduto Carvalho Déda. O espaço mais mobilizado foi o Elenildo Rock Bar que fica
localizado no centro de Aracaju e é frequentado por grupos identificados com
expressões da contracultura. A praça do Rosa Elze é um espaço de sociabilidade dos
estudantes da Universidade Federal de Sergipe e, além do Slam do Tabuleiro, outros
coletivos acionaram essa praça para ocupações culturais. E o Viaduto Carvalho Déda,
ou Viaduto do DIA, como já mencionamos, é, neste ciclo de ocupações, o primeiro
espaço a ser mobilizado por três anos pelo Coletivo Debaixo. Além disso, o uso deste
viaduto tem mais significado, pois parte dos integrantes que construíram o Slam do
51

Tabuleiro também compuseram o Coletivo Debaixo. Desta forma, podemos afirmar


que, em 2017, a linguagem do slam se populariza em Aracaju pelas mãos daqueles
que iniciaram o ciclo de ocupes em 2013. Nos anos seguintes, em 2018 e 2019,
surgem outros dois slams, o Slam do Mangue e o Slam Mulungu.
Nesse primeiro momento analisamos as características mais gerais do contexto
de emergência e difusão das ocupações culturais enquanto repertório utilizado para a
reivindicação do direito à cidade em Sergipe. Esta dinâmica foi marcada pela presença
do Coletivo Debaixo na fase iniciadores. Esse momento ocorre logo em seguida aos
protestos de 2013. Uma rede de ativistas e partidos políticos, o Ocupa Aracaju, é uma
das tentativas de articulação da indignação presente nas ruas naquele período, mas
é o Coletivo Debaixo que sustenta entre 2013 e 2016 uma ação de ocupação cultural
em Aracaju. Essa ação, paralelamente à rotina de contestação mantida nesses três
anos, estabelece um enquadramento que será, como veremos no capítulo seguinte,
mobilizada e transformada pelos grupos da fase difusores.
Na fase difusores, a ocupação cultural se apresenta como um repertório
disponível a ser mobilizado por diversos grupos. Por meio da insígnia do “sarau”, a
ocupação passa a ser difundida principalmente em Aracaju e na região metropolitana,
mas também em cidades do interior do estado. Entre os anos de 2015 e 2016 é
identificado o pico desse processo com o surgimento de 13 das 24 ações coletivas
registradas. Paralelamente às ações às quais se restringe o objeto de pesquisa, as
ocupações culturais em reivindicação do direito à cidade, outros grupos mobilizam
repertório da ocupação. Em 2016, os secundaristas usam a ocupação para a
reivindicação de melhor qualidade de ensino e estrutura escolar. E, nesse mesmo ano,
coletivos, movimentos sociais e artistas ocupam a sede estadual do Iphan em
demonstração de insatisfação em relação à extinção do Ministério da Cultura. Entre
2017 e 2019, uma nova linguagem de ocupação urbana baseada em concursos de
versos, o slam, emerge em Aracaju enquanto parte de um movimento nacional de
slams. Um aspecto importante desse fenômeno, ao menos em âmbito local, é o fato
de que os organizadores do primeiro slam eram integrantes do Coletivo Debaixo, o
grupo responsável pelas primeiras experimentações em torno da ocupação cultural
do espaço público em Aracaju.
Essas expressões que intitulamos de “ocupes”, como buscamos ressaltar no
início deste capítulo, estão vinculadas a um estilo de ação coletiva que traz consigo
52

algumas inquietações presentes no ativismo do Brasil das últimas duas décadas. Para
isso, articulamos dois caminhos percorridos pela literatura nacional nesse período.
Primeiro, os estudos que apontam para a crise de um sistema político e padrão
de participação emergente no período de redemocratização (AVRITZER, 2016;
NOBRE, 2013a, 2013b; SINGER, 2012, 2018; ARANTES, 2014; SAFATLE, 2012).
Essa literatura não possui uma interpretação convergente – por vezes são
antagônicas se considerarmos as críticas de Arantes (2014) e Safatle (2012) – mas
sinalizam para os diversos impasses produzidos pelo sistema de participação pós-
constituinte.
E segundo, a literatura que considera os protestos de junho de 2013 como um
momento paradigmático na medida em que expõe as fraturas desse sistema de
participação (AVRITZER, 2016, 2018; TATAGIBA, 2014; ALONSO, MISCHE, 2017;
BRINGEL, 2013; BRINGEL, PLEYERS, 2015; SILVA, 2014; NOBRE, 2013b;
DOWBOR, SWZAKO, 2014; OLIVEIRA, 2020). Essa literatura traz diversos elementos
para analisarmos a importância daquele período de intensa mobilização para a
reconfiguração do ativismo. Entre essas variáveis podemos identificar o processo de
diversificação dos atores em mobilizações públicas e o tensionamento dos
manifestantes em relação às estruturas de participação mais tradicionais como os
partidos políticos e centrais sindicais.
Ao analisar a configuração da ação coletiva após os protestos de 2013, Bringel
(2015) indica algumas transformações no ativismo que se consolidava nos anos
seguintes às manifestações. O maior descentramento dos sujeitos e das
organizações, a presença de novas tecnologias de informação e comunicação, a
emergência de manifestantes com experiência de vida e cultura política distintas do
campo democrático popular das décadas de 1970 e 1980, o uso de práticas políticas
mais libertárias e expressividades culturalmente orientadas, transversalização das
pautas, novas matrizes discursivas e uma tendência à política de eventos.
Deste modo, articulamos duas literaturas que analisam a crise do sistema
político e a reconfiguração do ativismo contemporâneo para localizar os ocupes como
uma das expressões das novas formas de ação coletiva emergentes pós-junho de
2013. Com isso, consideramos que o processo de emergência e mimetismo
apresentado nesta pesquisa nos permite apreender, a partir de um modo de se fazer
política gestado nos ocupes, um conjunto de mudanças do ativismo contemporâneo.
53

No próximo capítulo, apresentamos o processo de difusão das ocupações em


Sergipe. Para isso, recorremos às anotações de diários de campo que resultaram da
observação direta e participante realizadas entre os anos de 2015 e 2019 e às
entrevistas semiestruturadas realizadas com lideranças de alguns dos coletivos
identificados. Nesse momento, focamos no modo como o repertório de ocupação é
utilizado nos diferentes territórios e indicamos como a difusão dessa forma de ação
coletiva provocou a construção de diversos enquadramentos interpretativos acerca da
reivindicação do direito à cidade.
54

CAPÍTULO 2 – CIDADES REIVINDICADAS: DIFUSÃO DA OCUPAÇÃO


CULTURAL E TRANSFORMAÇÕES NO ENQUADRAMENTO DO DIREITO À
CIDADE

O objetivo deste capítulo consiste em apresentar como a ocupação cultural e a


reivindicação do direito à cidade serão apropriadas por grupos em territórios
diversificados. Para isso, o material empírico utilizado consiste em notícias de jornais,
observação participante e direta, como também entrevistas semiestruturadas. Desta
forma, diferentemente do capítulo anterior, no qual apresentamos um olhar de aviador
(CERTEAU, 2014) sobre o fenômeno em tela, neste momento apresentamos uma
narrativa “de perto e de dentro” (MAGNANI, 2002) acerca da difusão das ocupações
culturais. Para organizar a diversidade de grupos e territórios onde esta forma de ação
coletiva foi utilizada, classificamos os grupos em seis tipos: periféricos,
cosmopolitas, agitadores culturais, secundaristas e agentes estatais. O
argumento central deste capítulo é que a difusão desta cultura política dos ocupes
será responsável por uma transformação das motivações iniciais e do enquadramento
acerca da noção de direito à cidade. A diversidade em torno das narrativas sobre a
cidade e também do modo como a ocupação será performatizada está vinculada: i) a
uma abertura à experimentação de novas formas de mobilização em
consequência da crise dos modelos de ação coletiva; ii) às experiências de vida
dos integrantes dos coletivos em relação à cidade; iii) aos territórios nos quais
a ocupação será mobilizada. É neste sentido que o capítulo concebe a ideia de
cidades reivindicadas, pois as distintas experiências de vida desses coletivos com a
cidade apontam para os diferentes modos como o signo do direito à cidade será
elaborado entre os grupos analisados.

2.1 UMA INCURSÃO DE OBSERVAÇÃO MARCADA POR DIFERENÇA E


PADRÕES

A primeira vez que observei os ocupes em Sergipe com mais sistematicidade


foi entre os anos de 2015 e 2017. Nesse período, discente do curso de mestrado em
Sociologia na Universidade Federal de Sergipe, analisei o Coletivo Debaixo e o
fenômeno emergente da ocupação do espaço público e reivindicação do direito à
cidade. Enquanto dedicava toda a atenção especificamente às ações do Coletivo
55

Debaixo, tinha a percepção de que aquele modo de ação não se restringia mais ao
grupo que estudava.
Desta forma, o trabalho de pesquisa e escrita da dissertação foi acompanhado
de uma imersão descompromissada, ainda que cheia de novas perguntas de
pesquisa, em outros grupos que construíam seus ocupes. Naquele momento também
já vislumbrava a possibilidade de pesquisar este processo de repetição de uma
mesma forma de ação coletiva e discurso em territórios e grupos tão diferentes.
Paralelamente a esta replicação, outro fenômeno chamava a atenção. O
Viaduto Carvalho Déda se transformava, pouco a pouco, em cenário de contestação
para outros coletivos, movimentos sociais e partidos políticos. Em artigo desenvolvido
com dados coletados posteriormente à dissertação (SANTOS, 2017), apontei para o
fato de que a efetivação de uma rotina de contestação naquele período, entre os anos
de 2013 e 2016, construiu um novo “lugar de contestação”. Para diversos ativistas
locais, o estacionamento localizado embaixo do viaduto já não era somente um
estacionamento. Ele tinha adquirido significado de contestação. Assim, o viaduto
passou a ser mobilizado por outros grupos nos anos seguintes, até os dias de hoje.
À medida que finalizava a dissertação e construía o projeto de pesquisa do
doutorado, comecei a frequentar com mais recorrência os ocupes. A necessidade de
estar próximo e, em alguns casos, dentro dessas ocupações estava vinculada também
ao fato de que essas ações eram fluidas e pontuais. O afastamento deste ciclo de
ocupações, principalmente em seu ponto alto, era também perder uma oportunidade
empírica de observar essas ações e construir um acúmulo de notas de campo.
Sendo assim, as observações de campo que compõem este capítulo são
realizadas principalmente entre os anos de 2016 e 2018. Entretanto, como já foi
salientado, a minha presença no campo se mantém de 2015 até 2020. O processo de
seguir os interlocutores e os ocupes foi marcado por duas experiências pessoais e
acadêmicas.
Primeiro, acompanhar os ocupes também foi descobrir várias cidades,
principalmente em Aracaju e região metropolitana. À proporção que os eventos
aconteciam em regiões periféricas da capital e região metropolitana, eu era convidado
para transportar os equipamentos e algumas atrações das ocupações, e me
surpreendia com as várias cidades dentro de uma cidade. Em alguns casos, seguido
de avisos de cuidado para “não ter o carro roubado”.
56

Ainda que tivesse nascido em uma região periférica de Aracaju, o bairro


Industrial, aquela não era “a minha cidade”. Os meus interlocutores, as lideranças dos
ocupes, eram reconhecidos nessas regiões. Logo, o sentimento de que o trabalho de
campo era marcado pela violência era seguido do conforto de estar ao lado de uma
liderança prestigiada. Talvez essa tenha sido a primeira vez que a violência aparece
como um elemento com o qual tive que lidar em uma pesquisa. A violência aqui é
somente um exemplo das diferenças que marcavam os ambientes que eu
acompanhava. Muitas outras coisas mudavam: o estilo de música, o modo como as
pessoas se vestiam, a estrutura das casas, as gírias usadas para se cumprimentar, a
cor da pele, as tatuagens que cobriam a pele, a presença (ou não) de um policiamento
ostensivo, a infraestrutura do espaço, etc. Tudo isso mudava e chamava atenção para
os signos de diferença dos territórios e dos grupos que mobilizam essa forma de ação
coletiva.
Assim, aquilo que era um dado óbvio e há muito tempo investigado
analiticamente pela sociologia, a ideia das cidades dentro de uma cidade, pouco a
pouco se transformava em uma pista de pesquisa. Cada vez mais era preciso pensar
em “cidades reivindicadas” ou na ideia do “direito à cidade” enquanto um signo aberto
capaz de ter o sentido transformado em cada uma dessas cidades que eu visitava ao
fazer as observações.
Paralelamente às mudanças de territórios e grupos, essas diferenças também
estavam inseridas em uma estrutura mais ampla de padronização. Este é o segundo
ponto que marca minha inserção no campo.
Os padrões que emergiam dessa experiência de campo se referiam
fundamentalmente ao perfil dos grupos e dos territórios. Desta forma, aos poucos
encontrava uma correspondência entre ocupes realizados em locais distantes como,
por exemplo, o Sintonia Periférica no bairro Industrial e o Sarau de Quebrada no bairro
Santa Maria. Esses dois bairros localizados em regiões opostas, Zona Sul e Norte, de
Aracaju, se encontravam na condição de periféricos.
O início das entrevistas indicava que essas proximidades revelavam redes de
mobilizações e de amizade. Os interlocutores citavam uns aos outros, indicavam
entrevista e buscavam se distinguir de outros ocupes. Alguns elementos eram
utilizados para demarcar essas fronteiras: a identificação territorial, a classe social, a
condição étnico-racial, o gênero, o estilo de vida e, em menor proporção, as
vinculações políticas. Em alguns casos, essas variáveis de diferenciação são
57

articuladas. Este é o caso do Mulheres em Luta e o Sarau das Flores, ambos


realizados em regiões periféricas das cidades de Aracaju e Nossa Senhora de
Socorro, cujos ocupes traziam a pauta do direito à cidade articulada à condição das
mulheres no espaço público. Não qualquer mulher, mas especificamente a mulher
periférica.
Desta forma, este capítulo pretende discutir aquilo que, em termos teóricos, se
refere ao processo de difusão de um repertório de ação coletiva e de enquadramentos
interpretativos nas mobilizações em torno do direito à cidade em Sergipe. Para tanto,
utilizaremos dois conceitos que se revelaram pertinentes. Primeiro, o conceito de
repertório modular (TILLY, 2005; TARROW, 2009). E segundo, o de frames ou
enquadramento interpretativo (BENFORD, 1997; BENFORD, SNOW, 2000).
O conceito de repertório modular pode ser definido como uma forma de ação
coletiva dotada de uma intensa capacidade de adaptação em contextos distintos da
sua origem. A passeata, por exemplo, é um repertório modular na proporção em que
mobilizações com perfis variados em termos de organização, local em que a ação é
realizada e pauta, podem utilizá-lo em suas reivindicações. Já uma greve, ainda que
esteja disponível para as diversas categorias trabalhistas, impõe um conjunto de
constrangimento, por exemplo, aos trabalhadores da rede privada. Deste modo, a
greve é um repertório de ação mobilizado com mais frequência por trabalhadores do
serviço público e vinculados a sindicatos ou centrais trabalhistas. Diferente dos
trabalhadores da rede privada, os custos para a utilização desse repertório são
menores. Os atores estão resguardados juridicamente por um sindicato e têm, a
depender do contexto, uma possibilidade de diálogo maior com seus dirigentes. Com
isso, o conceito modular nos permite identificar formas de ação coletiva mais
propensas à difusão em contextos diversos. E esse é o caso das ocupações culturais.
Segundo Tarrow (2009), uma característica básica dos repertórios modulares
é a capacidade de transformação dessa forma de ação coletiva. O repertório modular
é alterado segundo o contexto, pois não tem compromisso direto com as suas origens.
Neste sentido, são repertórios cosmopolitas, como destaca o autor:

Nesses lugares, desenvolveu-se um novo repertório que era


cosmopolita em vez de provinciano; autônomo em vez de dependente
de rituais herdados ou de ocasiões específicas; e modular em vez de
particular. Concentrando-se em algumas poucas rotinas-chave de
confronto, ele poderia ser adaptado a um número de ambientes
diferentes e seus elementos combinados em campanhas de ação
58

coletiva. Uma vez usado e compreendido poderia ser difundido para


outros atores e ser empregado no interesse de coalizões de
desafiantes. O resultado era possibilitar que até mesmo grupos
espalhados de pessoas que não se conheciam agissem
conjuntamente em desafios sustentados a autoridades e criassem o
movimento social moderno. (TARROW, 2009, p. 59).

Ainda que originalmente esteja vinculado ao modo como Tilly (2005) identificou
o surgimento de formas de ação coletiva nacionais nos séculos XVIII e XIX, o conceito
de repertório modular chama atenção para algumas variáveis que compõem este
problema teórico e empírico da difusão de formas de ação coletiva.
Para Tilly (2005), a difusão e a inovação ocorrem a partir da combinação de
alguns eventos e articulações identificadas em cinco variáveis: a inovação tática, a
negociação, a difusão negociada, os mediadores, a certificação e a adaptação local.

1. A inovação tática é caracterizada pela mudança na rotina de interação entre


os grupos mobilizadores, o objeto da reclamação e o público.
2. A negociação se refere à avaliação dos grupos em relação ao desempenho
dessa nova rotina.
3. A difusão negociada está relacionada com a avaliação de um determinado
grupo sobre o uso de um repertório de contestação em um contexto
específico e o planejamento de como realizar essa apropriação local.
4. Os mediadores são atores responsáveis por criarem a rede de atores e
grupos para o estabelecimento dessa nova rotina.
5. A certificação é o apoio do Estado para o fortalecimento desse novo
repertório. O contrário, a descertificação, é o constrangimento do Estado.
6. A adaptação local que consiste no modo como o repertório é adaptado aos
interesses e contextos locais.

Desta forma, demonstraremos neste capítulo como a difusão da ocupação em


reivindicação do direito à cidade é responsável pela criação de uma rotina de
mobilização que inicialmente se desenvolve na cidade de Aracaju, capital de Sergipe,
e posteriormente é interiorizada. Nesse processo, seja nos diferentes territórios em
Aracaju ou no interior do estado, a estrutura do repertório e, principalmente, o modo
de performatizá-lo passam por processos de adaptação às localidades.
59

O segundo conceito-chave que norteia este capítulo é o de enquadramento


interpretativo. A origem do enquadramento interpretativo é o conceito de frame de
Goffman (2012), cuja definição consiste nas formas como as pessoas organizam
subjetivamente suas experiências de vida. Para este autor, esses princípios são
fundamentais, por exemplo, no modo como os atores definem as situações e, uma
vez em um contexto interacional, se comportam em um contexto de interação.
A análise dos quadros de experiência por Goffman (2012) foi, neste sentido,
fundamental para a construção dos frames analysis no campo de estudo da ação
coletiva (BENFORD, SNOW, 2000; SILVA, COTANDA, PEREIRA, 2017). As
principais adaptações dos autores são: i) conceber os enquadramentos interpretativos
como um fenômeno coletivo; e ii) identificar os diferentes mecanismos em torno da
construção de frames em um contexto de ação coletiva. Assim, o enquadramento
interpretativo nos estudos dos movimentos sociais estabelece a forma como
determinados agrupamentos organizam experiências coletivas e constroem, por
exemplo, diagnósticos e prognósticos acerca de problemas sociais.
Na medida em que os enquadramentos representam experiências coletivas, os
frames também se tornam objetos de disputa. Benford (1997), um dos autores
responsáveis pela construção dos frames analysis, em uma revisitação crítica ao
modelo analítico, identifica alguns problemas acerca de como se desenvolveu esse
campo de estudos. Entre eles, o autor aponta para a coisificação dos
enquadramentos, ou seja, a não identificação dos processos de mudança que um
determinado frame opera em diferentes contextos e períodos.
Neste sentido, este capítulo enfrenta esses problemas identificados nos
estudos dos enquadramentos interpretativos à medida que demonstramos como a
reivindicação do direito à cidade é construída, e reelaborada, em diferentes grupos
sociais e territórios. É com base nisso que afirmamos que o direito à cidade pode ser
pensado enquanto um signo no qual cidades são reivindicadas por grupos com
perfis sociais distintos e situados em diferentes territórios. Assim, o direito à
cidade torna-se uma categoria que, paralelamente ao repertório da ocupação, se
transforma ao passo em que é mobilizado por outros grupos.
Com base na premissa de que “o real é relacional” (BOURDIEU, 2011;
BECKER, 2007), este capítulo apresenta o modo como esses diversos coletivos
envolvidos nos ocupes construíram diferentes noções de cidade, direito à cidade e
adaptaram um repertório de ação contestatória às suas realidades. Essas ações
60

políticas e enquadramentos não foram construídos isoladamente, pelo contrário,


fazem parte de um processo de mimetismo. A difusão e repetição de uma forma de
ação coletiva marcada por alianças, mas também conflitos e disputa em torno da
própria ideia de direito à cidade.

2.2. AS QUEBRADAS E OS PERIFÉRICOS: O CASO DO SARAU DE QUEBRADA

Inicialmente, as ocupações culturais em Aracaju, utilizando como marco inicial


as ações desenvolvidas pelo Coletivo Debaixo em 2013, atraíram principalmente um
público e coletivos preocupados com o processo de democratização da cultura e a
reivindicação de espaços de lazer. Tais espaços, marcados predominantemente por
jovens da classe média, artistas e estudantes universitários, estiveram localizados
principalmente em áreas centrais como, por exemplo, a praça Fausto Cardoso e o
viaduto do DIA. A ideia central desse coletivo era, intencionalmente, atribuir novos
sentidos a espaços ociosos da cidade de Aracaju (SANTANA, 2017; FUSARO, 2018)
e sustentar uma indignação revelada nos protestos de junho de 2013 (SANTOS, 2017,
2019).
Paulatinamente, essas ocupações começam a ser replicadas em outros
espaços e a partir de novos perfis de atores, preocupações e narrativas. Localizados
nas periferias de Aracaju ou região metropolitana, como bairros da cidade da Barra
dos Coqueiros, o bairro Santa Maria e o bairro Industrial em Aracaju, o conjunto
Fernando Collor em Nossa Senhora de Socorro e o centro histórico de São Cristóvão,
esses jovens, identificados com o fato de se enxergarem – e serem rotulados
(BECKER, 2008) – como periféricos, utilizam um conjunto de expressões mais
próximas de uma cultura hip-hop como o break e, principalmente, a batalha de rimas
como bases estéticas das ocupações nas periferias. Ao padrão da dinâmica espacial
dessas ocupações, atribuímos o nome de “quebradas”.
A noção de periférico, tal como esses grupos e atores a mobilizam, está
vinculada a uma dupla referência. Primeiro, a um estilo de vida marcado por um
consumo cultural mais ou menos homogêneo. O fato de escutar um determinado estilo
de música, vestir-se de uma forma que aproxima os grupos de alguns marcadores
relacionados às diversas vertentes da cultura negra e periférica, que vão da cultura
hip-hop até os turbantes das tradições afro-brasileiras.
61

E segundo, a uma identificação com territórios considerados periféricos. E ser


“considerado” periférico também está relacionado com o modo como os “não
periféricos” rotulam os espaços periféricos. A retomada de termos como “quebradas”
para se localizar diante de territórios que ultrapassam a sua significação geográfica,
mas também se referem a condições de vida específicas, nos permite compreender a
ideia de periféricos enquanto uma identificação com territorialidades específicas.
Neste sentido, ainda que a ideia de periférico esteja comumente associada à
cor de pele e outros critérios étnico-raciais, é necessário salientar que a
expressividade cultural adquire ainda mais sentido e identificação quando associada
ao sentimento de pertencimento a uma territorialidade e estilo de vida específicos.
O Sarau de Quebrada, por exemplo, é uma ocupação cultural organizada pelo
Coletivo Entre Becos desde o ano de 2015. Localizado no Bairro Santa Maria,
especificamente na avenida Alexandre Alcino, o Sarau de Quebrada ocorre em um
bairro da Zona de Expansão de Aracaju e que é altamente estigmatizado por ser um
dos locais mais violentos da capital sergipana9.
O Coletivo Entre Becos, segundo o Entrevistado 210 e liderança do coletivo,
surge em 5 de julho de 2013 com a necessidade de ampliar as ações de mobilização
e espaços de lazer no Santa Maria. A principal referência do grupo é o Aliados Pelo
Verso (ALPV), grupo que já atuava, também a partir das linguagens do hip-hop, no
Bairro Industrial. A partir de encontros com amigos no local onde seria realizado o
Sarau de Quebrada e de sua experiência política no movimento estudantil como o
Levante Popular da Juventude e o Aliados Pelo Verso, surge o coletivo. É somente no
final de 2015 que, após sair do Levante Popular da Juventude, inicia sua atuação,
agora, por meio dos saraus.

Entrevistado 2: Houve uma época em que nós tivemos um pico [vários]


de sarau, nem todos conhecidos.
Jonatha Vasconcelos: Em que época assim?
Entrevistado 2: Sarau Debaixo, Ensaio Aberto... E aí esses saraus
aconteciam periodicamente; tanto o Sarau Debaixo, quanto o Ensaio
Aberto e o Som de Calçada. Mas também tinham outros saraus
bombando como o Contra Corrente que era do PT (Partido dos
Trabalhadores), tinha o Cultura da Periferia se pensando... E eu vim
da cultura, do trabalho com a cultura, eu vim do hip-hop, de trazer a
cultura para a periferia. E a gente chegou à conclusão, à seguinte
avaliação, de que há só três ferramentas de trabalho para a gente: as

9 Ver Imagem 4.
10 Consultar o quadro de entrevistados.
62

cooperativas é da renda para essa molecada; a educação e daí que


surge a ferramenta de cursinho popular; e a cultura. [...] Em nosso
caso, tínhamos poucas pessoas que tinham acesso ao movimento de
sarau...
Jonatha Vasconcelos: E onde você descobriu os saraus?
Entrevistado 2: Mano, eu ia no Sarau Debaixo e no Ensaio Aberto.
Jonatha Vasconcelos: E foi aí que você aprendeu a mecânica de como
fazer um Sarau...
Entrevistado 2: Não, eu aprendi a mecânica em 2014 quando a gente
fez o QG das Quebradas Invadindo suas Calçadas no Coqueiral [...]
Quem coordenava era Sinho [da ALPV], eu e outros colegas.
(Entrevistado 2, liderança do Coletivo Entre Becos e Sarau de
Quebrada).

O relato do Entrevistado 2 nos permite compreender que, principalmente no


caso dos periféricos, a difusão da ocupação ocorre com base em um conjunto de
mobilizações que já ocorriam no cenário local. Portanto, ainda que houvesse uma
experiência de ocupação cultural da cidade, este acúmulo é reativado a partir dos
diversos saraus. É por isso que consideramos a ideia de “ocupação” e o “direito à
cidade” como uma metáfora de indignação em que as localidades e suas
consequentes especificidades se expressam. E os periféricos constituem apenas um
desses grupos que se apropriam da ocupação como forma de mobilização. Essas
especificidades aparecem, por exemplo, na expressão “sarau periférico”, que foi
utilizada por diversos grupos.

Jonatha Vasconcelos: Existe alguma diferença entre Sarau Periférico


e esses outros saraus como o Debaixo?
Entrevistado 2: Tem. Tem uma diferença muito grande no sentido de...
Primeira grande diferença é o público que você quer atingir. Você pode
ter duas metas de um sarau periférico. Uma, sua ideia pode ser trazer
gente de fora para a quebrada. Outra, fazer algo para a própria
quebrada. [...] Outra grande diferença... O Sarau Debaixo... Quem
você chama para tocar? Eu nunca chamaria determinadas pessoas
que eles chamavam, para tocar no Sarau de Quebrada... com todo o
respeito do mundo com o trabalho dessas pessoas, mas não seria
latente. Todo o sarau é político. Mas o sarau dentro da periferia precisa
ser feito em uma política que se comunique com os moradores
daquele bairro. É por isso que a gente leva tanto rap ou tanto reggae.
É porque isso atrai os moradores do bairro. E mais outra diferença: é
muito mais difícil que a gente faça um sarau do que para quem tem o
conforto e a garantia da estrutura e do som, tá ligado? [...] O sarau
[periférico] é fazer algo feito pelo povo, do povo e para o povo, tá
ligado? Pelo, com e para o povo, o termo correto é esse. (Entrevistado
2, líder do Coletivo Entre Becos e do Sarau de Quebrada).
63

De modo semelhante a muitos saraus e ocupações culturais, o Sarau de


Quebrada também possui uma estratégia de realizar essas intervenções no espaço
público a partir de temas específicos e que refletem os problemas sociais da
comunidade. Entre eles, podemos destacar os saraus Contra a Reforma da
Previdência, ocorrido no dia 22 de abril de 2017; Contra a PEC (Proposta de Emenda
Constitucional) 241 – mais conhecida como a PEC do Teto dos Gastos Públicos, que
limitava os gastos públicos e que foi interpretada pelos movimentos sociais
semelhantes ao Coletivo Entre Becos como uma forma de limitar as políticas de
redução de desigualdades – no dia 17 de dezembro de 2016; Contra o Genocídio da
Juventude Negra, em 22 de julho de 2017; A Rua Pela Educação, no dia 23 de julho
de 2016; e Mulheres de Quebrada Respeite Nossa Vez realizado, no dia 21 de outubro
de 2017. Esses são alguns exemplos das questões que mobilizam a participação dos
jovens do Coletivo Entre Becos.

A gente precisa de cultura, a gente precisa de lazer, a gente precisa


de educação, a gente precisa de esporte... a gente precisa de coisa
pra caralho e não estão dando pra gente. Então a gente está buscando
isso. A gente está ocupando a cidade com a meta de ver o jogo virar,
tá ligado? Com a meta de... de ver, fazer e viver mudanças reais. A
cultura é de extrema importância, mano... A gente tem que ocupar a
cidade para eles [os moradores da periferia] se sentirem parte da
cidade. E conseguirem sentir a necessidade de estarem organizados
nessa cidade. Então já que eles não estão fazendo o serviço deles
bem feito, nós estamos ocupando a cidade. (Entrevistado 2, liderança
do Coletivo Entre Becos e do Sarau de Quebrada).

O relato desse integrante do Sarau de Quebrada nos permite identificar as


experiências coletivas de vida e que impulsionam e atribuem sentido ao uso da
ocupação cultural entre os periféricos. José Murilo de Carvalho (2002), em seu estudo
sobre a desigualdade no exercício da cidadania, traz algumas reflexões ao categorizar
os cidadãos em “doutor”, “cidadão simples” e “elemento”. Termo retirado do cotidiano
policial, os periféricos estariam entre os “elementos”, ou seja, a parte da população
que não tem acesso a nenhuma possibilidade de prática cidadã. E essa prática cidadã
estaria limitada pela incapacidade do Estado em reconhecer esses sujeitos enquanto
cidadãos. Jessé Souza (2018), em uma abordagem semelhante e que enfatiza a
construção da desigualdade social no Brasil, intitula essa população de “subcidadã”.
No entanto, diferentemente de Carvalho (2002), Souza (2018) elenca a escravidão
como a principal instituição formadora dos subcidadãos.
64

Essas diferentes experiências na cidade, como buscamos ressaltar neste


capítulo, são o que nos permite identificar as mudanças em torno desses
“enquadramentos” ou gramáticas sobre a cidade. Este aspecto, o da capacidade de
transformação de um enquadramento no tempo e no espaço, consiste em um dos
desafios do frame analysis. Ainda no final da década de 1990, Benford (1997)
chamava atenção para o processo de “naturalização” e “coisificação” dos
enquadramentos. Segundo o autor, considerar um enquadramento como algo estático
entre as ações coletivas que mobiliza é negligenciar a pluralidade da história, do perfil
e dos interesses dos grupos em torno, por exemplo, de uma pauta. Neste sentido, ao
analisar simultaneamente os diversos grupos e espaços que mobilizam a pauta do
“direito à cidade” e tomar como objeto de reflexão os enquadramentos produzidos por
essas coletividades, esta pesquisa busca desenvolver uma abordagem relacional dos
frames.
O público do Sarau de Quebrada pode ser dividido em três subpúblicos. O
primeiro é formado por jovens da comunidade em que é realizada a ocupação. O
segundo público é composto por ativistas de movimentos sociais, coletivos e partidos
políticos com pouco vínculo em relação às ocupações culturais – e esse elemento é
fundamental para diferenciar do terceiro subpúblico. Ainda sobre o grupo dos ativistas
com pouca filiação, eles comparecem à ocupação por estarem nas redes de relações,
em nível organizacional, do Coletivo Entre Becos. Podemos utilizar como exemplo
alguns ativistas do Levante Popular da Juventude – parte dos integrantes do Coletivo
Entre Becos também era do Levante –, Camilo Feitosa, que é uma importante
liderança do Partido dos Trabalhadores em nível local, e ativistas de outros partidos,
que visualizam no coletivo uma forma de ação que mobiliza perfis diferentes de jovens
e merece atenção. Por fim, o terceiro público é aquele com um forte vínculo e
identificação com as ocupações, podemos defini-los como “periféricos”. Nesse grupo
estão os jovens que se identificam com as ocupações realizadas nas periferias e
participam desse circuito das ocupações que estamos categorizando como
“quebradas”. Por exemplo, entre os periféricos estão o DJ que auxilia na mesa de som
e algumas atrações como o grupo Flow Minas, que está identificado na imagem a
seguir. Esses três subgrupos que conformam os periféricos compartilham alguns
elementos que nos permitem afirmar uma identificação comum.
65

Imagem 5 – Apresentação do Flow Minas, Sarau de Quebrada, dia 21 de outubro de


2017

Fonte: Registro autoral.

Imagem 6 – Sarau de Quebrada, dia 22 de julho de 2017

Fonte: Registro autoral.


66

Imagem 7 – Mesa de som do Sarau de Quebrada, dia 22 de julho de 2017

.
Fonte: Registro autoral.

A identificação desse grupo para se declararem ou autodenominarem-se como


periféricos está articulada a algumas variáveis. Entre elas, (i) o consumo cultural e um
estilo de vida comum; (ii) a gramática utilizada para expressar suas preferências e
justificativas políticas; (iii) os territórios e espacialidades aos quais se vinculam
enquanto moradores – a periferia – são alguns desses elementos; e (iv) o sentimento
de pertencimento a uma classe social.
No caso do consumo cultural, podemos caracterizá-lo pela intensa inserção
desses jovens no universo do hip-hop, tal questão foi objetivo de investigação na
dissertação de Silva e Freitas (2018). A presença constante das batalhas de rima
nessas ocupações, e também outras linguagens vinculadas ao hip-hop como o break,
são algumas pistas desses elementos comuns ao estilo de vida dos periféricos. Para
o Entrevistado 9, tais elementos de pertencimento associados a uma ideia de periferia
podem ser traduzidos naquilo que chama de periferia enquanto “estado de cultura”:

A periferia, para muitos, é só o espaço de casas inacabadas, de ruas


esburacadas, prédios abandonados, ruas escuras... Não, a periferia é
o nosso estado de cultura. É o lugar onde negaram tudo e a gente fez,
daquele lugar, nosso espaço de resistência. (Entrevistado 9, relato de
entrevista).
67

A própria categoria descritiva mobilizada, a dos periféricos, nos ajuda a


compreender que há aqui uma forte presença de uma cultura periférica como
orientadora das ações desses jovens. Tais elementos são mobilizados para também
criar distinções entre os grupos que serão analisados a seguir.
Não obstante, esse estilo de vida também é fundamental para a construção de
um estilo de ativismo. O estilo de vida orienta o estilo de ativismo e vice-versa. A busca
por um tipo de ação direta, a recusa parcial pelas instituições políticas mais
estabelecidas, como os partidos políticos ou alguns movimentos sociais mais
consolidados, e a constante vocalização da ideia do “nós por nós” são algumas
representações de uma ideia de fazer e pensar a política compartilhada pelos
“periféricos”. A fala de Mano Brown em um comício realizado 28 de outubro de 201811,
um dos vocalistas do Racionais MC’s, grupo de rap que é um dos objetos de consumo
comum aos periféricos e uma referência do rap nacional, é representativa dessa
mentalidade política que denominamos de periférica.

Tá tendo quase 30 milhões de votos pra tirar. Não estou pessimista.


Sou realista. Não consigo acreditar pessoas que me tratavam com
carinho, se transformaram em monstros. Se algum momento a
comunicação falhou aqui, vai pagar o preço. A comunicação é alma.
Se não conseguir falar a língua do povo, vai perder mesmo. (FOLHA
DE SÃO PAULO, 10 de outubro de 2018).

A narrativa do “nós por nós”, do “nós para nós” ou “É a quebrada pela quebrada,
aqui é periferia pela periferia”, frequentemente relatada entre os periféricos, seja em
entrevistas, conversas informais ou em falas públicas, nos permite acessar e
compreender que a emergência dos saraus nas periferias também está vinculada a
uma necessidade de autorrepresentação em um ciclo maior das ocupações culturais
na cidade de Aracaju. Além disso, tais questões se referem a alguns dilemas da
participação que resultam de um sentimento comum aos periféricos de uso dos
problemas sociais das comunidades mais pobres para favorecimentos políticos.
O descontentamento da fala de Mano Brown do Racionais MC’s, em outubro
de 2018, e a narrativa de indignação em relação aos usos da pobreza como forma de

11Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/em-comicio-no-rio-mano-brown-critica-


pt-e-e-defendido-por-chico-e-caetano.shtml.
68

alcançar objetivos eleitorais estão vinculados a dois processos que ocorrem


paralelamente.
Primeiro, e de ordem da experiência imediata, a percepção primeira de
abandono político e silenciamento dos periféricos enquanto sujeitos capazes de
protagonizar a resolução de seus problemas sociais.
E segundo, a percepção de incapacidade de representação institucional. Essa
percepção extrapola as experiências cotidianas, mas reflete uma crítica de origem
mais ampla e que acompanha discussões mais gerais de sub-representação da
população negra ou dos periféricos na política.
Esses são alguns dos elementos que caracterizam a forma de ação, os
agrupamentos (público e coletivos), as performances e o enquadramento elaborado
pelo estilo de ativismo dos periféricos em torno das ocupações culturais e a
reivindicação do direito à cidade em Sergipe.

2.3 OS CORETOS E OS AGITADORES CULTURAIS: O CASO DO SARAU DA


CAIXA D’ÁGUA EM LAGARTO

Em 2014, as ocupações culturais ultrapassam os limites geográficos de Aracaju


e região metropolitana e, com o Sarau da Caixa D’água, começam a atingir novos
públicos localizados em cidades do interior de Sergipe. O Sarau da Caixa D’água em
Lagarto, o Sarau do Coreto em Simão Dias, o Sarau do Calçadão em Itabaiana e o
Sarau de Fora em Tobias Barreto são alguns exemplos do fenômeno da interiorização
desse modelo de ação coletiva. Diante disso, nesse tópico utilizaremos o Sarau da
Caixa D’água como exemplo dos coretos e agitadores culturais que é a
classificação para o modo como as ocupações foram apropriadas no interior do
estado.
O termo coretos é uma referência à imagem de estruturas cobertas localizadas
nas praças de pequenas cidades interioranas. Nesses locais, normalmente situados
no centro, tradicionalmente eram realizados comunicados às comunidades,
aconteciam os comícios políticos e também eram – e ainda são – palcos para eventos
festivos. Sendo assim, a interiorização desse modo de ação coletiva acompanha a
ressignificação, como podermos ver na Imagem 8, desses coretos, que passam a ser
utilizados por esses grupos.
69

Imagem 8 – Coreto ocupado pelo Sarau do Coreto

Fonte: http://conexaogloriense.com.br/monte-alegrenses-festejarao-o-aniversario-do-sarau-no-coreto/.

Por sua vez, a escolha da expressão agitadores culturais está vinculada ao


modo como as lideranças desses coletivos se denominam e também são
denominadas. Diferentemente dos periféricos, das ocupações realizadas nas
escolas secundaristas ou do Coletivo Debaixo e o Sarau Debaixo, a ideia de uma ação
política contestatória perde espaço entre os agitadores culturais à proporção que
tais atores se consideram enquanto promotores de uma “cena cultural” local. Com
isso, não pretendemos afirmar que a ação política sai de cena, no entanto, o teor
contestatório deixa de ser o elemento que protagoniza a motivação da ação.
O Sarau da Caixa D’água tem a sua primeira edição em 2014, com o nome de
Sarau Debaixo da Caixa D’água. Inicialmente, o termo “debaixo” está associado ao
Sarau Debaixo realizado desde 2013 em Aracaju, um dos “iniciadores” desse tipo de
ação coletiva, como destacamos no Capítulo 1. Nas próximas edições, a organização
retira o termo “debaixo” e nomeia o sarau como Sarau da Caixa D’água, que se refere
ao fato de o evento ocorrer embaixo de uma caixa de água localizada na Praça Arthur
Gomes, também conhecida como praça da Caixa D´água, no centro da cidade de
Lagarto. Sobre a criação do sarau, Afonso Augusto, uma das lideranças do coletivo,
fala em entrevista a um portal eletrônico local de notícias:
70

A princípio eu criei, em parceria com amigos, o Sarau pensando na


cena musical e artística em Lagarto, a qual não tinha assistência
nenhuma, e eu me sentia na necessidade de recriar algo aqui que fazia
no passado, quando eu ainda não tinha voz.
Aí eu trouxe uma ideia que vi em Aracaju, que era o Sarau Debaixo,
para o Sarau Debaixo da Caixa D’água. Daí criamos o Sarau para
atender à necessidade de expressão de toda a juventude dessa
cidade. (Entrevistado 1, liderança do Sarau da Caixa D’água, Lagarto
Notícias, 2016).

O processo de difusão que, de modo geral, está relacionado às apropriações


mais diversas desse repertório de ação coletiva possui uma particularidade: a
estrutura do repertório e da performance é acessível e permite que as ocupações
sejam replicadas com mais facilidade. Diferentemente de outros repertórios que
exigem um know-how e uma expertise mais específica. Uma categoria profissional
que decide entrar em greve, o faz após ampla negociação com lideranças de setores
que compõem um determinado grupo profissional e, além disso, exigirá atores
capacitados para responder juridicamente às questões dos setores públicos e
privados à greve. O mesmo ocorre quando populares decidem ocupar um prédio
público ou um terreno ocioso, em parte o sucesso dessas ações está relacionado a
intensas negociações entre profissionais habilitados.
Algo que é comum a todos os grupos, independentemente dos diferentes perfis,
é a ideia de que o fato de participarem de outros saraus como público foi fundamental
para imaginar tais ações em seus bairros e cidades. Entretanto, o que diferencia de
alguns eventos, e que é muito evidente no caso dos saraus dos coretos e agitadores
culturais, são os níveis de participação de instâncias do Estado e do patrocínio de
setores privados, como o comércio local. Uma comparação entre os dois cartazes
destacados a seguir nos permite compreender como, ao longo dos anos, o Sarau da
Caixa D’água conquista o mercado local. Tal fato tem como consequência que, no
interior, as ocupações extrapolam o limite contestatório da ação coletiva e tornam-se
espaços, também, de lazer.
71

Imagem 9 – Cartaz da edição de março de 2017

Fonte: Facebook do Sarau da Caixa D’água.


72

Imagem 10 – Cartaz da edição de outubro de 2014

Fonte: Facebook do Sarau da Caixa D’água.

O apoio do comércio local, como também de parcerias da administração


municipal de Lagarto, pouco a pouco contribui para a limitação do caráter contestatório
da ocupação, característica que podemos visualizar nos casos dos periféricos e dos
cosmopolitas.
73

Neste sentido, a autonomia e a capacidade de contestação dos saraus


diminuem na medida em que são estabelecidos compromissos com determinados
grupos e atores. Paralelamente a isso, podemos visualizar um processo de
transformação de uma ação contestatória para uma atividade de lazer. No caso das
ocupações, isso ocorre em maior proporção porque esse repertório de ação permite
ser convertido enquanto uma atividade de lazer. Esse tipo de conversão, por exemplo,
não pode ocorrer com maior facilidade em outros repertórios de ação coletiva como
uma ocupação de terra ociosa e a reivindicação pelo direito à moradia.
O público do Sarau da Caixa D’água ou das demais ocupações culturais que
intitulamos de coretos e organizadas pelos agitadores culturais pode ser
decomposto em dois.
De um lado, os telespectadores, grupo formado pelos curiosos e residentes do
centro da cidade de Lagarto. Esse público assiste ao Sarau da Caixa D’água como se
estivesse participando de outra atividade festiva ocorrida na praça. No máximo, o
constrangimento que limita a presença desse público é o fato de que a praça, nos dias
do sarau, estará ocupada por alguns grupos identificados com estilos de vida e
condutas diferentes dos tradicionais, a exemplo dos rockeiros e dos LGBTQIA+. Em
uma das visitas a Lagarto para fazer observação direta de um dos saraus, foi
interessante perceber que havia inquietações de algumas pessoas com o fato de ter
casais lésbicos na cidade ou alguém fumando maconha.
E do outro lado, os artistas e jovens simpatizantes com o movimento de
ocupações culturais que, para utilizar o termo mobilizado pelo Entrevistado 2 do
Coletivo Entre Becos, já estava “no pico”. O fato de estar no “pico”, no sentido de um
repertório e conteúdo com alta capacidade de mobilização de jovens, é um dos
motivos para que outros grupos e coletivos também utilizem a ocupação cultural.
74

Imagem 11 – Música no Sarau da Caixa D´água, 28 de maio de 2016

Fonte: Registro autoral.

Imagem 12 – Malabares no Sarau da Caixa D´água, 28 de maio de 2016

Fonte: Registro autoral.


75

Diferentemente do modo como as motivações e os objetivos para ocupar a


cidade são traduzidos entre os periféricos das quebradas, os agitadores culturais,
como foi possível observar em suas ações públicas e entrevistas, relacionam as
ocupações culturais com a necessidade de criar espaços de lazer que possibilitem
uma “cena cultural” local. Sendo assim, a reivindicação do direito à cidade é a busca
por espaços de lazer com protagonismo juvenil e que possibilitem uma maior
visibilidade aos “artistas da terra”. De um lado, os periféricos conferem a ausência de
espaço de lazer à desatenção política e à discriminação étnico-racial e de classe
expressada na periferia enquanto território empobrecido. Do outro lado, os agitadores
culturais atribuem a ausência de espaços de lazer e a reivindicação do direito à cidade
à ausência de protagonismo juvenil no processo de ocupação do espaço público. O
que está em jogo é exatamente a distinção dos modos de tradução de uma
reivindicação em territórios e contextos distintos. Nestes casos, a cidade de interior e
as periferias de Aracaju.
No próximo tópico, retomamos a cena da capital de Sergipe a partir das
ocupações realizadas nas praças pelos secundaristas. Esses espaços são os mais
mobilizados por diferentes grupos cujos perfis vão desde o movimento estudantil
secundarista e universitário, artistas e agentes da prefeitura de Aracaju.

2.4 OS SECUNDARISTAS E AS PRAÇAS: OS CASOS DO OCUPE A PRAÇA E O


CULTURA DA PERIFERIA

Os secundaristas constituem outro grupo caracterizado pelo envolvimento de


estudantes do ensino médio da rede pública, seja municipal ou estadual, de Aracaju.
Neste caso, os secundaristas também possuem algumas semelhanças em suas
narrativas de mobilização, a exemplo da noção de cidade, que se assemelha à dos
periféricos.
O Ocupe a Praça, iniciado em 2015, é uma das ocupações culturais vinculadas
a jovens estudantes. A ação é organizada pelo coletivo Contra Corrente, que é
composto por jovens engajados no movimento estudantil secundarista e vinculados à
tendência da Articulação de Esquerda do Partido dos Trabalhadores representada,
em Aracaju, por políticos como Iran Barbosa e Ana Lúcia.
Nesse mesmo ano, as ocupações culturais, como podem visualizar no quadro
apresentado no início deste capítulo, já começavam a ser mobilizadas por diversos
76

coletivos, tanto em Aracaju quanto no interior do estado. E, além de ser um modelo


de ação possível e disponível no período em questão, a ocupação cultural
demonstrava uma alta capacidade de mobilização do público juvenil.
A ocorrência de uma greve dos professores entre maio e junho de 201512, em
protesto contra a chamada “máfia da merenda escolar”13, foi um dos eventos
disparadores para o início do Ocupe a Praça. A “máfia” foi objeto de reportagem de
um programa de grande audiência da emissora SBT, o Conexão Repórter,
apresentado pelo jornalista Roberto Cabrini. A reportagem intitulada “Os Senhores da
Fome” revelava o escândalo da merenda escolar em Sergipe, no qual os gestores
públicos fraudavam as licitações envolvendo a compra de alimentos para as escolas
públicas do estado. Em resposta aos diversos problemas da educação e à “máfia da
merenda escolar”, termo como ficou conhecido o escândalo denunciado pelo
programa do SBT, os professores do Estado deflagraram uma greve em maio do
mesmo ano. Diante disso, os movimentos estudantis secundaristas também se
mobilizaram em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do
Estado de Sergipe (Sintese), a partir, principalmente, da pauta da qualidade da
merenda das escolas.
A greve, naquele momento, foi acompanhada de uma “ocupação” ou “vigília”,
termos pelos quais os professores nomeiam o ato de manter-se presente em um
determinado espaço por tempo indeterminado, em frente ao Palácio dos Despachos.
Esse palácio é o local onde são realizadas as reuniões com o governador para decidir,
entre outras coisas, as demandas que serão atendidas para o fim de uma greve.
A ocupação cultural, que ainda não existia, emerge nesse cenário de greve dos
professores. A fim de participar e intervir nesse espaço que durou dias, o Entrevistado
5, liderança do coletivo Contra Corrente, e alguns jovens “resolvem fazer um sarau”
com apresentações musicais em um dia de sábado, na ocupação dos professores. No
dia seguinte, um domingo de exibição do programa Conexão Repórter do SBT, a
reportagem “Senhores da Fome” é televisionada. Na semana posterior, após a
publicação da esperada reportagem14, o sarau é realizado de forma independente às

12 Ver: http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2015/06/professores-de-se-vao-peitar-o-que-contra-luta-
pelos-seus-direitos.html.
13 Ver: https://infonet.com.br/noticias/educacao/reportagem-do-sbt-expoe-fraudes-na-merenda-
escolar-em-se/.
14 É importante ressaltar que o processo de entrevistas de Roberto Cabrini em Sergipe já antecipava o

teor da reportagem. Sendo assim, os efeitos do programa foram anteriores à transmissão do conteúdo
em rede nacional.
77

ações dos professores. Nesse momento, a ideia do coletivo Contra Corrente já estava
mais estabelecida e projetada pelos estudantes.

Entrevistado 5: No domingo estourou o documentário do SBT da máfia


da merenda. Na quarta-feira a gente pegou a mesma caixa de som [do
sarau realizado na greve dos professores] e foi para essa praça aqui
em frente... qual é o nome dela? [a entrevista foi realizada na
Assembleia Legislativa de Sergipe, no gabinete de um deputado para
o qual o entrevistado trabalhava.]
Jonatha Vasconcelos: A Fausto Cardoso?
Entrevistado 5: Isso, a Fausto Cardoso. Nós estendemos um varal,
colocamos uns papéis em branco. Colocamos essa mesma caixa de
som e um violão para quem quisesse tocar. E ficava sempre alguém
tocando. O varal era para as pessoas escreverem e desenharem
sobre o que queriam para a educação pública e para o seu futuro e
penduravam em nosso varal. Poderia ser anônimo, poderia assinar,
poderia gravar vídeo... E esse foi primeiro sarau que a gente fez e que
foi em 2015. E por isso o nome do nosso sarau foi o Ocupe a Praça
porque o objetivo era ocupar a praça com poesia, música... ocupar o
espaço público... Foi em junho de 2015. (Entrevistado 5, liderança do
coletivo Contra Corrente, 2019).

O trecho de entrevista, destacado acima, demonstra como a ocupação cultural


enquanto um modus operandi esteve, principalmente a partir de 2014, como um
repertório de ação coletiva possível entre as mobilizações juvenis em Sergipe.
O Ocupe a Praça, cuja primeira ação ocorre na Praça Fausto Cardoso,
localizada no Centro de Aracaju, passa a ser realizado na Praça Tobias Barreto. Esta
última situada no bairro São José, região próxima do centro da cidade e palco de
intervenções culturais há décadas atrás por grupos alternativos como os rockeiros e
os punks.
78

Imagem 13 – Cartaz da 6.ª edição do Ocupe a Praça

Fonte: Facebook do coletivo Contra Corrente.

Imagem 14 – Ocupe a Praça, 13 de agosto de 2016

Fonte: Facebook do coletivo Contra Corrente.

O Ocupe a Praça teve como projeto a realização do sarau uma vez por mês e
manteve-se com essas ações, além de intervenções em escolas públicas, entre 2015
79

e 2017. A ocupação acontecia aos finais das tardes de domingo na praça Tobias
Barreto, em um formato semelhante ao do Sarau Debaixo, Sarau da Caixa D’água, o
Ensaio Aberto, Sintonia Periférica e Sarau de Quebrada.
No caso específico do Ocupe a Praça, o perfil do público e daqueles que
compõem o Coletivo Contra Corrente é estudantil. No entanto, se a pauta da educação
é a primordial para promover a associação desses jovens e da ocupação cultural
promovida pelo coletivo, aquilo que é reivindicado pelo grupo é mais amplo. Em 2015,
a pauta do direito à cidade já havia sido reinterpretada e traduzida para as cidades do
interior do estado, mas também foi adotada por outros grupos na capital Aracaju.
Apresentamos a seguir uma fala do Entrevistado 5 sobre como o debate do direito à
cidade e a ideia de ocupar a cidade aparecem no coletivo.

A cidade é para além do direito de ir e vir. E nós nem temos o direito


de ir e vir. O Sarau [o Ocupe a Praça], ele acabava exatamente...
exatamente não, ele acabava entre às 20:00 e 21:00 porque se
terminasse depois as pessoas corriam o risco de não conseguir chegar
em casa porque o nosso transporte público para às 23:00. Então é
você ter direito a usar a sua cidade. Ter direito à cultura. Ter direito ao
transporte. Ter direito aos serviços que a Constituição diz que você
tem. E ter direito para além do papel... que ele funcione. (Entrevistado
5, liderança do Ocupe a Praça, 2019).

O direito à cidade sempre foi negado à gente. Nós temos um


transporte público que funciona para a gente em horário de trabalho.
Nós temos um serviço cultural que a gente tem que escolher se irá
utilizar ele... ou vamos trabalhar ou vamos nos alimentar porque o
preço é exorbitante. (Entrevistado 5, liderança do Ocupe a Praça,
2019).

No próximo tópico, destacaremos um outro perfil de ocupação cultural e


reivindicação do direito à cidade que intitulamos de cosmopolitas. Diferentemente dos
secundaristas, os cosmopolitas possuem um perfil de jovens com inserção no ensino
superior e em carreiras militantes mais institucionalizadas.

2.5 OS COSMOPOLITAS, AS PRAÇAS E OS PARQUES: OS CASOS DO OCUPE-


SE TODOS PELA CULTURA E DO ENSAIO ABERTO

O caso das praças e dos parques de Aracaju, e diferentemente dos grupos


anteriores, é marcado por uma diversidade de perfil dos grupos e dos locais
80

mobilizados. Entretanto, as narrativas que justificam tais ocupações são homogêneas.


Alguns grupos podem ser enquadrados na classificação das praças e parques, como
o Ensaio Aberto, realizado pelo coletivo que recebe o mesmo nome; o Ocupe a Praça,
organizado pelo Coletivo Contra Corrente, o Arte no Farol e o Arte na Praça, criados
pelo Levante Popular da Juventude; o Cultura da Periferia e o Ocupe-Se, que resulta
de uma articulação de diversos coletivos em busca de uma unidade na reivindicação
do direito à cidade.
A caracterização desses grupos como também de seus públicos, tal como foi
feita anteriormente, é, entre os demais, o exercício mais difícil de classificação. Esse
obstáculo se refere ao fato, já mencionado, de que o perfil desses grupos e públicos
se distingue em diversos pontos. Há aqueles que emergem em um contexto estudantil
secundarista ou universitário e suas lideranças possuem uma trajetória de
engajamento dos movimentos estudantis, como é o caso dos coletivos Contra
Corrente, Cultura da Periferia, o Arte no Farol e o Arte na Praça. E também há os
demais, cuja origem está mais vinculada ao Coletivo Debaixo, no qual os integrantes
experimentaram, enquanto público, o Sarau Debaixo iniciado em 2013 e também
compunham o círculo de amizades em torno desse sarau. Esses grupos, como o
Ensaio Aberto e o Ocupe-Se, são compostos por jovens da classe média de Aracaju
que não se identificam ou possuem uma trajetória no movimento estudantil, seja ele
secundarista ou universitário, e se vinculam com base em uma crítica à cidade a partir
dos seus modos de urbanização e modernização.
Entre os grupos e ocupações descritas, podemos classificar as narrativas sobre
a cidade e o direito à cidade em quatro.
Primeiro, os periféricos e a reivindicação de uma cidade, vista da periferia,
menos desigual. Ao situar a ideia de vista da periferia, buscamos ressaltar que
estamos afirmando um tipo de desigualdade marcado pela incapacidade de inclusão
de determinadas classes sociais, como os mais pobres e negros residentes nas
periferias de Aracaju. As experiências de humilhação, a ausência do Estado enquanto
serviços públicos como os de saúde, educação e lazer ou a discriminação e as
limitações derivadas de ser um jovem periférico constituem algumas das experiências
sociais que formam o cenário no qual emerge essa noção de cidade e direito à cidade.
Segundo, os agitadores culturais e a demanda de uma cidade com
espaços de lazer e oportunidade aos “artistas locais”. Para esses, a reivindicação
do direito à cidade está vinculada a um contexto de raros espaços para a expressão
81

cultural juvenil e transgressora nas pequenas cidades do interior de Sergipe. Os


saraus realizados em cidades como Lagarto, Simão Dias, Tobias Barreto, Monte
Alegre e Itabaiana são alguns desses exemplos.
Terceiro, os secundaristas e a busca por uma cidade com espaços de lazer
e democratização da cultura. Esse grupo tem algumas semelhanças com os
cosmopolitas, os agitadores culturais e os periféricos. Diferentemente dos agitadores
culturais, podemos identificá-los principalmente na capital e com poucas expressões
no interior do estado, além de que expandir sua pauta deriva da ideia de uma cidade
capaz de fornecer espaço para a cultura local. No caso dos cosmopolitas e dos
periféricos, a aproximação com um desses públicos deriva do perfil dos coletivos. No
caso do coletivo Cultura da Periferia, há uma forte semelhança com os periféricos na
medida em que o perfil envolve estudantes da escola pública e com uma maior
identificação com uma cultura da periferia. De toda a forma, os secundaristas são
caracterizados pelo perfil escolar e de uma carreira militante fundamentada no
movimento estudantil.
E quarto, os cosmopolitas e a busca por uma cidade com o direito a ter
direitos. Esse grupo é caracterizado por jovens escolarizados, de classe média e com
inserção em linguagens artísticas como o rock, o punk rock, o hip-hop e outros estilos
de música alternativos. O uso do termo cosmopolitas está vinculado ao sentido
atribuído por Velho (1998) aos jovens analisados nas camadas médias cariocas, pois,
em ambos os casos, o sentido de direito e política adquirem um aspecto global e
abstrato. Ou melhor, se para os periféricos a noção de “cidade desigual” está
vinculada a experiências concretas e referenciadas em suas histórias de vida, para os
cosmopolitas há uma noção abstrata de cidade-comunidade a ser perseguida.
Os cosmopolitas se dedicaram a maior tempo para uma reflexão abstrata, ainda
que acompanhada de experiências práticas, sobre a cidade. Auxiliados por leituras e
discussões a partir de autores como David Harvey e Henry Lefebvre, como também
experiências de mobilizações anteriores a exemplo do Sarau Debaixo, esses atores
possuem algo de diferente em suas narrativas, que é uma análise teoricamente mais
sofisticada. E aqui, o sentido de sofisticação teórica está em contraste aos discursos
marcados por uma gramática da experiência. Esta última, ainda que pouco inteirada
dos processos de produção do espaço público, possui um conhecimento prático que
é caracterizado pela percepção, via experiência, das desigualdades das cidades. O
Ensaio Aberto e a articulação do Ocupe-Se são exemplos dos cosmopolitas que – não
82

por acaso, tendo em vista suas proximidades – são dissidências diretas do Sarau
Debaixo.
O Ocupe-Se Todos Pela Cultura surge em dezembro de 2016 após algumas
restrições às ocupações culturais que já aconteciam em Aracaju como o Sarau
Debaixo, o Ensaio Aberto e o Som de Calçada. Esses constrangimentos foram
resultados de ações de instâncias da prefeitura de Aracaju motivadas, ao menos nos
discursos oficiais, pelo transtorno provocado pelo volume do som e pelo lixo produzido
durante as ocupações. O Ocupe-Se teve poucas edições, mas cumpriu com o objetivo
projetado pela rede de coletivos que era o de articular diversos grupos a fim de
traçarem estratégias institucionais para resguardar a realização das ocupações. Por
um lado, houve a reunião de diversos coletivos. Por outro lado, as pressões
institucionais não ocorreram tal como foi a intenção do grupo. O Coletivo, ainda em
suas primeiras edições e nas redes sociais como o Facebook, se apresentava da
seguinte maneira:

Nada para mim, tudo para TODXS!


O movimento urbano-artístico OCUPE-SE, propõe uma união de
indivíduos, grupos, coletivos e agentes culturais em torno do objetivo
comum de ocupar os espaços públicos da cidade de Aracaju de
maneira criativa, artística, sustentável e auto-gerida.
Também lutamos pelo direito à cidade através do pensar e propor
políticas públicas permanentes e democratizantes na cultura e na
comunicação, incluindo e integrando toda a sua diversidade e
pluralidade de manifestações, tão essenciais à construção da
identidade de um povo.
O movimento busca criar autonomia e sabedoria para dizermos que a
RUA é o nosso lugar principal de ocupação, de produção de saberes
e de pressão sobre aqueles que produzem apenas para si e negam e
corrompem o que é de todos.
Venha, faça parte e dê a sua valiosa contribuição!!
OCUPE-SE!
#ocupe-se
#nenhumdireitoamenos
#forçapopular (Retirado de publicação do Facebook, Ocupe-se, 2016).

O Ocupe-Se Todos Pela Cultura é resultante direto do Coletivo Debaixo iniciado


em 2013 e do Ensaio Aberto realizado desde 2015. A narrativa é de reivindicação da
cidade enquanto espaço de exigência de direitos. A priori, tal concepção pode soar
como demasiadamente abstrata, tendo em vista que as outras destacadas estão
vinculadas a problemas mais concretos. E talvez seja, mas certamente é um traço que
está relacionado à universalização dos direitos a serem reivindicados a partir do
83

“direito à cidade”. Para esses coletivos, os cosmopolitas, a cidade é o espaço onde


as diversas relações de desigualdades e submissão de direitos emergem a partir da
restrição do seu uso. Sendo assim, é por ela mesma que essas experiências de
indignação devem ser transformadas em ações coletivas. Tal dimensão fica ainda
mais evidente no Manifesto que lançam em uma das edições do Ocupe-SE, realizado
no Parque dos Cajueiros, em Aracaju.

MANIFESTO OCUPE-SE

Nada para mim, tudo para TODOS!

Qual o som da cidade? Dos carros ou da arte sergipana?


Qual a cor da cidade? Do seu povo preto, LGBT, indígena, Serigy ou o cinza do
concreto da urbanização segregadora?
Qual o lugar da arte sergipana? Nos espaços privados ou dando vida aos espaços
públicos?

Reprimir ou burocratizar as ocupações culturais e artistas em espaços públicos da


cidade é deixar politicamente e simbolicamente evidente que a cidade e a cultura têm
DONO. Por isso, um movimento de trabalhadores da cultura e da comunicação
reúnem-se e vem manifestar que compreendemos que a cultura e a cidade são
direitos fundamentais e constitucionais que precisam ser entendidos além da soma
dos indivíduos e dos seus promotores, mas como relação direta de promover os
espaços da cidade para as pessoas e não para o lucro. Por isso, afirmamos
diretamente que nesta luta: NADA para MIM, TUDO para TODOS.

Ruas cheias são sinônimo de segurança, não ao contrário. A cidade ocupação da por
atividades culturais combate a sensação de insegurança na cidade, fruto da
desigualdade social e potencializado por uma indústria do medo que articula agentes
de Estado à mídia hegemônica. É recorrente a opressão policial com acusação de
transtorno ao bem estar social ou outros argumentos palacianos como aconteceu com
o “SaraudeBaixo”, “Ensaio Aberto”, “Som de calçada” entre outros. O que gera
insegurança na cidade são espaços públicos vazios e abandonados de gente. O
parque dos cajueiros, assim como várias praças na cidade, sofre com o descuido do
poder público ou atuação apenas de uma instituição Polícia Militar ou Guarda
municipal opressora e não educativa, são cenas recorrentes no dia a dia dos espaços
públicos na efetivação da cidade dos de cima, uma cidade militarizada.

Por isso o nosso movimento luta pelo direito a cidade, por políticas públicas
permanentes e democratizantes na cultura e na comunicação em toda a sua
diversidade de trabalhos e temos autonomia e sabedoria para dizer que a RUA é
nosso lugar principal de ocupação, de produção de saberes e de pressão sobre
84

aqueles que produzem apenas para si e nega o que é de todos. NADA para mim,
TUDO para TODOS!

Por fim, exigimos uma Audiência Pública com o prefeito de Aracaju e o governador do
Estado e toda a equipe que julgar necessário com o Movimento Cultural de Sergipe a
ser realizada até o dia 20 de dezembro do presente ano, com objetivo de discutir as
reivindicações apresentadas em anexo.

Assinam abaixo, artistas, grupos e coletivos artísticos do Estado de Sergipe.

Essa relação de continuidade é percebida, por exemplo, na semelhança de


perfil dos integrantes, e também se expressa na narrativa de cidade que tinham o
coletivo Ocupe-se Todos Pela Cultura e o inaugurador Coletivo Debaixo. No entanto,
este manifesto está relacionado a dois elementos distintos.
Primeiro, aos eventos de constrangimento realizados pela prefeitura de Aracaju
às ações de ocupações na cidade. Entre essas ações de constrangimentos, podemos
destacar a apreensão de instrumentos musicais ou a restrição da iluminação pública
nos espaços em que eram realizadas as ocupações.
E segundo, a busca por uma maior institucionalização da causa do direito à
cidade e da democratização da cultura. Na edição do Ocupe-se em que foi inaugurado
o manifesto, os integrantes dessa rede de coletivos realizaram uma espécie de
plenária em que os presentes ficaram responsáveis por elaborar propostas de
políticas públicas que seriam encaminhadas ao prefeito em audiência pública. Nesse
momento, os coletivos ensaiavam uma nova etapa da reivindicação do direito à
cidade: a institucionalização. Essa última pretensão não foi adiante, ainda que tenha
estimulado a criação de uma ação que haveria de ocorrer nos próximos anos, o
chamado Ocupe a Praça.
Os eixos de debate (Anexo A) foram enumerados em três direções distintas. O
primeiro eixo, Cultura e Cidade, refletia sobre o estímulo às ocupações culturais na
cidade de Aracaju, o mapeamento dos terrenos sem função social, a ampliação e
melhoria do transporte público, como também a revitalização e gestão dos aparelhos
culturais. O segundo eixo foi nomeado como Cultura e Comunicação, que teve como
objetivo propor direcionamentos para a garantia de veiculação da produção cultural
local nos meios de comunicação públicos, realização de concurso e criação de plano
85

de carreira para a Fundação Aperipê15, criação de fundo estadual de comunicação


pública, renovação de conselho deliberativo e de programação para a Fundação
Aperipê. E no terceiro eixo, Cultura e Economia/Trabalho, destacou-se a valorização
da produção local e o fortalecimento de editais democráticos para a seleção de artistas
nas festividades promovidas pela Secretaria de Cultura e Fundação Cultural Cidade
de Aracaju (Funcaju).
A partir do manifesto elaborado pelo Ocupe-Se Todos Pela Cultura, podemos
identificar que a concepção de reivindicação da cidade resulta fundamentalmente da
exigência de uma maior democratização do uso do espaço público. A ocupação
cultural é, neste sentido, um dos modos de reivindicar tal direito a partir da exigência
de uma gestão da cidade que permita o livre acesso e uso desses espaços.
Da mesma maneira que o perfil das lideranças, o público também é semelhante
ao de outras ações de ocupação cultural como o Ensaio Aberto e o Sarau Debaixo. O
público do Ocupe-Se era composto por jovens da classe média de Aracaju,
identificados com um estilo musical e de vida alternativos. No entanto, para além
desse público que se identificava com as ações do Ocupe-Se e também circulava nas
outras ações destacadas, havia aqueles que orbitavam e eram frequentadores dessa
ocupação enquanto consumidores de um novo espaço de lazer da cidade.
As percepções das ocupações culturais enquanto espaços de lazer ou espaços
de ação política, e inclusive a identificação desses espaços como simultaneamente
de lazer e de ação política, são uma das características dessas ações contestatórias
juvenis. Aquilo que é lazer também pode ser político, eis uma máxima dos
organizadores das ocupações culturais. A definição de “rolê político” ou “rolê militante”
presente entre esses jovens, e aqui nos referimos aos secundaristas, periféricos,
agitadores culturais e aos cosmopolitas, permite compreender a linha tênue entre
os aspectos festivos e políticos nessas ações. Esses eventos nem sempre estão
vinculados a um acúmulo ou projeto político mais expansivo. Bringel e Pleyers (2015)
trouxeram esses tipos de ações coletivas como uma tendência do ativismo pós-
protestos de 2013, os autores intitularam de “política de eventos”: “podemos
denominar como ‘política dos eventos’. Sob a marca da urgência da ação, é realizada
e convocada uma infinidade de atos e eventos que não necessariamente geram
acúmulo social.” (BRINGEL; PLEYERS, 2015, p. 17).

15Fundação de Arte e Cultura do estado de Sergipe, cujo nome é Fundação de Cultura e Arte Aperipê
de Sergipe (Funcap/SE).
86

Diferentemente das narrativas desenvolvidas pelos demais grupos sobre a


cidade, tanto os periféricos quanto os agitadores culturais, os cosmopolitas
constroem uma reivindicação da cidade baseada em uma noção de conquista de mais
direitos. A cidade seria um lócus de direitos, a exemplo da ocupação e da presença
dos corpos femininos e LGBTQI+ nos espaços públicos e da criação de espaços
culturalmente mais democráticos, como podemos identificar no manifesto Ocupe-Se
Todos Pela Cultura. A noção aqui de ação estatal na cidade também se distingue. Os
periféricos e agitadores culturais reivindicam maior presença do Estado na garantia
de serviços sociais não acessados, a imagem da periferia, por exemplo, se baseia em
um território abandonado pelo Estado. Os cosmopolitas, sujeitos detentores de
direitos e que acessam tais serviços do Estado, emergem nesses contextos de
indignação com a postura da exigência da reformulação de políticas da cidade ou,
diante da concepção de um Estado “repressor” ou “opressor” das diversas formas de
sociabilidades urbanas, da negação do Estado.

2.6 O OCUPE A PRAÇA: DE AÇÃO CONTESTATÓRIA À FORMA DE


INTERVENÇÃO URBANA DA PREFEITURA DE ARACAJU

Os quatro modelos de ação coletiva descritos e analisados acima se referem à


diversidade de formas pela qual a ideia de ocupação foi mobilizada por movimentos
sociais, coletivos e partidos políticos. No entanto, no ano de 2017, período que marca
o último ano de efervescência da replicação da ocupação cultural como prática
contestatória entre os agrupamentos destacados, o fenômeno será mobilizado de
forma inusitada. Em junho de 2017, sob a liderança de Carol Westrup, que naquele
momento era coordenadora do Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira (NPDOV)
e integrante do Invervozes, que é um coletivo atuante na área da democratização da
informação e comunicação, é inaugurado o projeto Ocupe a Praça, vinculado à
prefeitura de Aracaju.
O Ocupe a Praça emerge enquanto resultado de uma parceria entre o NPDOV
e a Funcaju. O projeto foi realizado na praça General Valadão, localizada no centro
histórico de Aracaju. Às margens da praça, encontra-se um conjunto de prédios
comerciais, agências bancárias e a travessa Silva Ribeiro, popularmente conhecida
como “Beco dos Cocos”, que conecta a praça a prédios do centro histórico. No ano
de 2009, às sextas-feiras, o beco também foi ocupado com arte, naquilo que
87

poderíamos considerar como os precedentes deste circuito que se estabelece a partir


de 2013 de forma mais sistemática. Na praça General Valadão também está
localizado o Centro Cultural de Aracaju, prédio público onde se concentrarão algumas
das atividades realizadas pelo Ocupe a Praça.

Imagem 15 – Praça General Valadão e Centro Cultural de Aracaju

Fonte: Disponível em: https://camelempreendimentos.com.br/nossas_obras/predio-da-alfandega-


centro-cultural-de-aracaju/.

O projeto adquire, desde a primeira edição, um formato semelhante àquele já


destacado nas ações realizadas pelos grupos anteriores. Antes do lançamento das
edições, o projeto possui um tema que está sempre articulado a um debate cuja
ferramenta mobilizadora é o audiovisual, e aqui está uma das particularidades do
Ocupe a Praça que é a vinculação com as produções de audiovisual sergipanas. Após
isso, divulga-se o evento em diversas mídias, sejam elas vinculadas à prefeitura de
Aracaju ou jornais eletrônicos como a Infonet, que se configura enquanto importante
parceiro de propaganda.
O roteiro do Ocupe a Praça pode ser dividido em dois momentos. Primeiro, o
Liquidifica Diálogos. No “Liquidifica” são debatidas as temáticas das edições a partir,
normalmente, de um suporte de audiovisual como um documentário, curta ou longa-
88

metragem. Esse debate ocorre a partir de pessoas previamente consultadas e, após


as falas oficiais, abre-se o diálogo com o público. Esta etapa é realizada em um
cinema localizado dentro do Centro Cultural (Imagem 16)16.

Imagem 16 – O Liquidifica Diálogos, debate que ocorre no cinema localizado no


Centro Cultural

Fonte: Registro de Edinah Mary, fotógrafa oficial do Ocupe a Praça.

Após o Liquidifica Diálogos, o público se direciona até a praça para assistir às


apresentações artísticas de diversos estilos como bandas musicais, teatro de rua, etc.

16 Ver http://istoesergipe.blogspot.com/2018/11/ocupe-praca-homenageia-lider-do.html.
89

Imagem 17 – Apresentação musical do Ocupe a Praça na praça General Valadão

Fonte: Registro de Edinah Mary, fotógrafa oficial do Ocupe a Praça, 201817.

Este segundo momento possui como principal cenário a própria praça General
Valadão equipada com iluminação, food trucks com alimentação gourmet, palco
coberto para os dias de chuva, caixas de som e projetor. A segurança é reforçada com
agentes da guarda municipal de Aracaju.
Esses elementos destacados acima, desde o cenário interno – aquele existente
dentro do Centro Cultural de Aracaju – até o cenário externo, neste caso, a praça
General Valadão, marcam algumas diferenças com outras ocupações culturais
realizadas pelos demais coletivos. Entre essas distinções, podemos destacar o
espaço selecionado, o formato da ocupação, o perfil do público e dos agentes
organizadores.
A oficialidade tanto do espaço selecionado quanto dos agentes organizadores
são dois aspectos pertinentes e que diferenciam o Ocupe a Praça das demais
ocupações culturais. O evento é um projeto vinculado à prefeitura de Aracaju e
agentes do Estado. Não obstante, a forma como espaço é mobilizado para o Ocupe a
Praça também passa pela oficialidade e formalidade.

17 Ver https://expressaosergipana.com.br/projeto-ocupe-a-praca-comemora-um-ano-de-incentivo-a-
cultura/.
90

Entre os momentos em que fui selecionado, enquanto pesquisador e o


“doutorando” em Sociologia que “compreendia” e “conhecia” as ocupações culturais
na cidade, teve um que foi importante na medida em que permitiu presenciar a tensão
entre esta ação oficial e os movimentos sociais; estes últimos considerados extra
oficiais. Enquanto nos reuníamos eu, os coletivos e a coordenadora do projeto ainda
em suas primeiras edições e alguns dos coletivos que foram mobilizados por mim a
fim de iniciar um diálogo entre esses agrupamentos, um dos líderes do Ocupe-Se
Todos Pela Cultura questionou o sentido da palavra “ocupe” no projeto Ocupe a Praça.
A principal tensão que surgiu naquele momento era a de que o termo ocupação se
refere a uma ação não negociada com agentes públicos e que aquilo que eles
promoviam na verdade era uma “intervenção”.
A ideia da ocupação enquanto uma ação não negociada e a intervenção
enquanto algo que é oficial e, logo, não pode ser caracterizado enquanto uma ação
coletiva contestatória e de “retomada” e ressignificação conflituosa do espaço público,
esteve na mesa de discussão naquele momento. E, mais do que isso, ela fazia
questão em deixar-se percebida enquanto um critério que estabeleceria, desde o
início do projeto, uma fronteira entre essas duas ações.
Tal questão que, para além de uma diferença semântica, também orienta as
ações dos indivíduos, é determinante na construção de um novo público das
ocupações culturais. Este público é formado por estudantes e professores
universitários, alguns atores que também circulam nas ocupações não oficiais e uma
camada social de classe média interessada em consumir esta cultura igualmente
oficial. O consumo, não somente o cultural, mas o alimentar e o de bebidas também
é distinto. O principal elemento que diferencia estes mundos sociais, o da oficialidade
e não oficialidade, neste caso, é o preço derivado da gourmetização da bebida e
alimentação. As queixas de que “não tem como se manter no espaço” e “encher a
cara” eram sempre presentes enquanto mais uma justificativa dos jovens dos coletivos
e movimentos sociais para suas ausências no Ocupe a Praça.
Este público se aproxima do público das quebradas, por exemplo, à medida
que a temática do “Liquidifica Diálogos” se aproxima dos periféricos. Em alguns
momentos tal estratégia foi utilizada pela coordenação com o objetivo de aproximação
com estes grupos.
Apesar dos elementos destacados acima, a ideia do projeto Ocupe a Praça
tinha inspirações também nas ocupações que aconteciam na cidade de Aracaju.
91

Podemos perceber isso a partir da fala do presidente da Funcaju, Cássio Murilo, no


dia 5 de junho de 2018 ao portal eletrônico de notícias Expressão Sergipana 18:

Já tivemos diversas questões que estão em evidência na sociedade


brasileira, eu diria. Existe, aqui, uma produção cultural nos territórios,
na periferia, que é muito forte, mas não será no gabinete que nós
vamos identificar isso. É preciso que a gente dialogue com as ruas,
que a gente dialogue com o que está sendo produzido pelos jovens.
O Ocupe a Praça, inclusive, tem essa característica de revelar, de
trazer para a cena o que está sendo produzido de melhor. Não é só
ocupação, ele começa com a ocupação do centro histórico, mas
termina por trazer os debates, dialogar e misturar as linguagens,
trazendo para nós o que há de mais profundo em nossa identidade
cultural. (EXPRESSÃO SERGIPANA, 2018).

Em edição intitulada “A resistência do rap”19, em julho de 2017, o depoimento


de Carol Westrup, coordenadora do projeto naquele período, também reafirma o
objetivo de vinculação com estes grupos.

O Ocupe a Praça mostra cada vez mais que quer fazer um diálogo
com os diversos coletivos culturais da cidade e ser bem democrático.
Agora chegou a vez do rap, com uma nova cena no rap sergipano que
está sendo construída e mostrando a importância que estes artistas
estão dando à produção audiovisual para o trabalho deles. Vamos
exibir os videoclipes e prestigiar o show de cada um. (INFONET,
2017).

As falas oficiais dos dois articuladores do Ocupe a Praça nos permitem


compreender três fenômenos que estão articulados à emergência deste projeto.
Primeiro, o reconhecimento da capacidade de mobilização das ocupações. A
primeira vez que encontrei Carol Westrup, uma das idealizadoras do projeto, foi no
Sarau de Quebrada organizado pelo Coletivo Entre Becos no bairro Santa Maria,
região periférica de Aracaju. Naquela ocasião, em conversa informal, ela já destacava
sobre essa sua circulação nas ocupações e por seu “interesse” e “reconhecimento”
da potencialidade daquela forma de mobilizar os jovens. A ideia da juventude,
especialmente a periférica, era um termo muito presente em sua fala.
Um segundo aspecto é a busca por incorporar estes grupos e lideranças na
estrutura político-administrativa do município de Aracaju. Em alguns casos, a exemplo

18 Ver https://expressaosergipana.com.br/projeto-ocupe-a-praca-comemora-um-ano-de-incentivo-a-
cultura/.
19 Ver https://infonet.com.br/noticias/cultura/ocupe-a-praca-tera-como-tema-rap-sergipano/.
92

do Sintonia Periférica, estes coletivos já possuíam líderes com cargos na prefeitura a


partir de setoriais como a educação e os direitos humanos. Essa circulação se
intensifica levando em conta o prestígio e reconhecimento acumulado por esses
jovens a partir de suas ações em seus bairros. Este é o caso de mais três lideranças,
representantes de coletivos como o Cultura da Periferia, Entre Becos e Sintonia
Periférica, que destacaremos no próximo capítulo.
E terceiro, a inclusão da pauta do direito à cidade nas ações da prefeitura de
Aracaju. Isso ocorre após a gestão de João Alves (2012-2016), que foi
responsabilizada pela ausência de diálogo entre as ocupações culturais na capital
sergipana. Nesse período, alguns coletivos tiveram suas ações interrompidas
enquanto eram realizadas. A inclusão e o fortalecimento da pauta do direito à cidade
ocorrem também a partir de uma adaptação.
As narrativas apresentadas a partir dos agitadores culturais, os periféricos e os
cosmopolitas são incorporadas ao projeto Ocupe a Praça, principalmente a
democratização da cultura, e é acrescentada a ideia de “revitalização do centro
histórico de Aracaju”. O depoimento de Graziele Ferreira20, coordenadora que substitui
Carol Westrup, no jornal eletrônico Infonet, demonstra essa nova narrativa, haja vista
a da revitalização do centro histórico.

O Carnaval de rua é uma festa da cidadania, e a proposta do Ocupe a


Praça é ser algo para além de um evento, é ser um processo. Algo
diferente está realmente acontecendo no centro da cidade, integrando
o projeto do prefeito de revitalização do centro histórico, com a
culminância desse processo de formação. Esse Grito de Carnaval é a
culminância do ocupe de fevereiro que passou por ações de formação,
fomento e difusão, para mexer com a autoestima dos aracajuanos, que
é a missão principal do Ocupe a Praça. (INFONET, 2019).

A mobilização da ocupação cultural enquanto forma de contestação, como foi


demonstrado ao longo do capítulo, atende a um conjunto muito variado de interesses.
No caso do processo da transformação da ocupação em um repertório de ação
institucional, as principais narrativas mobilizadas pelos agentes da prefeitura de
Aracaju foram a democratização do acesso à cultura e a revitalização do centro
histórico da cidade.

20Ver https://infonet.com.br/noticias/cultura/ocupe-a-praca-vai-misturar-musica-eletronica-carnaval-e-
forro/.
93

Até aqui, buscamos destacar como a ocupação cultural se difunde em diversos


contextos da cidade de Aracaju e do interior do estado de Sergipe. Em cada um
desses cenários, são atribuídos a essa forma social (SIMMEL, 2006) ou repertório
modular (TILLY, 2005) novos conteúdos, a exemplo dos frames, que derivam dos
contextos sociais aos quais estão inseridos. De qualquer modo, nos detemos em
mostrar como a ocupação cultural é performatizada e narrada no espaço público. No
próximo tópico analisaremos a repercussão desses atores e dos diversos sentidos em
torno da reivindicação do “direito à cidade” no debate público. E, para isso,
investigamos alguns debates públicos ocorridos em espaços como a universidade,
debates com gestores culturais e na produção audiovisual local.

2.7 PARA ALÉM DAS RUAS: A REPERCUSSÃO EM EVENTOS ACADÊMICOS E A


PRODUÇÃO AUDIOVISUAL

Nos tópicos anteriores demonstramos como a ocupação cultural e a


reivindicação do direito à cidade se difundem entre os públicos e contextos mais
distintos, mas a repercussão local extrapolou os limites da replicação de uma forma
de ação contestatória. Nesse mesmo período, entre 2014 e 2020, ocorreram dois
fenômenos paralelos, haja vista a realização de eventos acadêmicos que debateram
a intensa repercussão das formas de reivindicação do direito à cidade e o surgimento
de uma produção audiovisual local com o objetivo de registrar o “boom” das
ocupações.
Entre os diversos debates acadêmicos, podemos destacar as mesas-redondas
ocorridas no evento promovido pelo Departamento de Psicologia da Universidade
Federal de Sergipe e o Grupo de Estudos em Psicologia Interdisciplinar, o Interpsi,
intitulado “De quem é o espaço da cidade: de quem constrói ou de quem ocupa?”, que
ocorreu no campus de São Cristóvão.
A mesa-redonda principal do evento foi composta por professores vinculados
às áreas de Psicologia e Arquitetura e Urbanismo. O evento, e estarei utilizando essa
mesa-redonda como referência tendo em vista que era a principal atividade, trouxe
algumas reflexões sobre a cidade a partir de três eixos. Primeiro, o processo de
modernização e desumanização da cidade. Segundo, os impactos comportamentais
do modo como as cidades são construídas. E terceiro, a relação entre especulação
imobiliária e qualidade de vida.
94

O evento, como destacado pela professora de Psicologia na abertura da mesa-


redonda, havia sido uma requisição dos alunos da graduação daquele curso e tinha,
entre outros objetivos, promover um debate sobre o processo de reivindicação do
direito à cidade na contemporaneidade.
Paralelamente a este, também em julho de 2017, outro evento ocorreu no
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe,
localizado no campus da cidade de Laranjeiras. A VII Semana de Arquitetura e
Urbanismo, a Semanau, teve “Suburbanos: resistência do direito à cidade” como tema
principal e subtítulo do evento. Segue abaixo a matéria em que o evento foi divulgado
no site da Universidade Federal de Sergipe21.

Centro Representativo Independente de Arquitetura (CRIAR) Promove a VII


Semana de Arquitetura e Urbanismo (SEMANAU).

VII Semana de Arquitetura e Urbanismo


Ocorreu na terça-feira (11/07) a abertura da VII Semana de Arquitetura e
Urbanismo no Campus de Laranjeiras da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
O evento teve como tema: Suburbanos: Resistência do direito a cidade, que
representa as pessoas que são marginalizados pela sociedade, a minoria que são
excluídos pela forma de como a cidade formal é produzida.
A mesa de abertura foi conduzida pela professora Sara Lucia Alves do
Departamento de Arquitetura e Urbanismo (UFS), que abordou o direito a cidade,
falando sobre as conquistas que o direito a cidade trouxe, como a constituição de
1988, o estatuto da cidade, o rebatimento dessa legislação na cidade e como esse
direito é observado no espaço urbano brasileiro. Trouxe também uma reflexão
sobre a luta dos movimentos populares, da participação popular, da gestão
democrática em prol de um bem coletivo, de uma cidade mais justa mais igualitária
que abrace cada vez mais as pessoas e assim amenizem as desigualdades e a
segregação no espaço.
O evento contou com a participação de membros dos movimentos sociais
que atuam no estado de Sergipe como Dalva, Jorge Edson e Jack do MOTU, Alexis
do Movimento Não Pago e Ana Cristina da Marcha Mundial das Mulheres.

21Ver http://laranjeiras.ufs.br/conteudo/58690-suburbanos-resistencia-do-direito-a-cidade-foi-o-tema-
proposto-pela-vii-semana-de-arquitetura-e-urbanismo-semanau-da-ufs.
95

A palestra “Quem produz essa cidade” buscou sair da visão da academia


de pesquisa do que é cidade, do que é resistência e o direito a cidade, para a
visão da pratica por luta por moradia e o direito da cidade, buscando ouvir
pessoas que agem em movimentos sociais a exemplo do “Motu” (Movimento
Organizado dos Trabalhadores Urbanos) que busca a luta e resistência no
espaço urbano, por moradia digna para as pessoas e o Movimento “Não Pago”
que busca melhorias no transporte público. A mesa buscou trazer um debate
sobre qual o papel do estado, quem é que produz a cidade, quem é realmente o
dono da cidade e que faz a cidade acontecer.
Sobre a experiência do evento o visitante e integrante do Motu Samuel
Santos de Jesus, relata: “Estou gostando muito do evento e achando o tema
“suburbanos” muito interessante, pois como convivo em uma ocupação sei muito
bem o que isso significa, fiquei muito feliz pelo convite pois nem sempre temos
a oportunidade de participar de eventos que buscam tratar dos nossos
interesses”.
Felipe Severino, estudante do 7.º período de Arquitetura (UNIT) também
comentou sobre o evento: O debate desse tema é de grande importância para
que possamos dialogar mais, pois infelizmente a sociedade atua pouco dentro
dos interesses da cidade, vimos sempre as ações das empresas, dos políticos,
e a sociedade sempre ficando de fora, precisamos construir uma cidade que
atenda mais a diversidade das pessoas, e esse tipo de evento age como
facilitador para que essas ideias possam estar sendo discutidas, os
organizadores do evento estão de parabéns, e que eles proporcionem mais
eventos como esse”.
O evento continuou até a sexta 14 de julho com palestras e oficinas que
aconteceram tanto em Laranjeiras como no município da Barra dos Coqueiros.

Além das organizações e militantes representando aquilo que chamaram no


evento de “comunidade” ou “sociedade civil organizada”, os pesquisadores
palestrantes foram Sarah França (UFS), Regina Bienenstein (UFF), Alexandre
Hodapp (Peabiru SP) e Heloisa Resende (Unit).
96

Os temas abordados e que intitulam as mesas-redondas foram: i) quem produz


essa cidade?; ii) eu pertenço a essa cidade? Mulheres e cidade; iii) eu pertenço a essa
cidade? Trans e cidade; iv) eu pertenço a essa cidade? Negros e cidade; v) assistência
técnica e processo participativo; e vi) a palestra Direito à cidade.
No dia 11 de julho, momento da abertura da semana, acompanhei a palestra
intitulada “Direito à cidade” e a mesa-redonda “Quem produz essa cidade?”. A palestra
foi composta pela professora Sarah França, do Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da UFS, e o geógrafo Jorge Edsón e ativista do Movimento Organizado
dos Trabalhadores Urbanos (Motu). A mesa, por sua vez, foi composta por Dalva
Angélica Santos da Graça, liderança do Motu; Gerfferson Santos Santana, mais
conhecido como MC Mano Sinho, do Aliados Pelo Verso (ALPV); Alexis Pedrão,
representante do PSOL e com engajamento em causas como a luta pelo direito à
moradia a partir de experiências de ocupação em Aracaju e o da gratuidade do
transporte público; Débora Arruda, representante do Coletivo Debaixo; e o Jhon Eldon,
do Coletivo A Casinha. De modo geral, todos os palestrantes, incluindo a professora
e doutora Sarah França, tinham forte engajamento com a causa multifacetada do
direito à cidade.
A proposta do evento era apresentar, em um primeiro momento, a história do
conceito de direito à cidade, como também os seus marcos institucionais vinculados
ao processo de democratização do espaço urbano. Em nível nacional, por exemplo,
foi exposto o processo de luta por meio do resgate dos movimentos sociais urbanos
até a criação do Ministério da Cidade, em 2003. Em um segundo momento,
principalmente vinculado à mesa-redonda “Quem produz essa cidade?”, a abertura da
semana teve como objetivo expor ao público, composto principalmente por estudantes
de arquitetura e urbanismo, algumas experiências de mobilização em torno da pauta.
Débora Arruda, representante do Coletivo Debaixo e também idealizadora de um dos
primeiros Slams de Aracaju, o Slam do Tabuleiro, fez uma intervenção que, em linhas
gerais, representava a crítica à noção de “cidade empreendedora” que o evento se
propunha.

Eu vou tentar falar sobre a minha experiência enquanto poeta e artista


que esteve e está na rua ainda e também enquanto mulher porque se
estamos pensando em quem produz na cidade, eu sou mulher e estou
nessa mesa e precisamos enfatizar que quem produz a cidade são os
homens. [...] A gente paga impostos muito caros pela cidade e pra
poder transitar por ela toda e não só por pedaços. E a partir dessas
97

demandas, nós artistas e poetas que construímos o Coletivo, nós


também temos direito à cultura. (Débora Arruda, 2017).

Nos limites das diferenças das reivindicações em torno do direito à cidade


articuladas às questões da moradia, ao acesso ao transporte público e à presença de
corpos discriminados no espaço público, o relato de Débora Arruda traz uma reflexão
vinculada à questão central da abertura da semana, haja vista o processo de produção
de uma cidade desigual.
Além dos dois eventos citados acima, salientamos um terceiro, o I e II Colóquio
Cidades: Coexistências e Interfaces, que teve edições nos anos de 2017 e 2019. A
programação, nas duas edições, teve como proposta apresentar um conjunto de
pesquisas acadêmicas e experiências de mobilização.
Na edição de 2017, podemos destacar uma mesa-redonda que foi composta
por artistas urbanos, termo utilizado na programação, como Yuri Alves Vieira, Allan
Jones de Souza Araújo e Débora Arruda, todos envolvidos em ações de ocupação do
espaço público e os dois últimos integrantes e fundadores do Coletivo Debaixo, e uma
representação do Instituto Banese. A presença do Instituto Banese esteve vinculada
ao fato de que a instituição tem sido responsável pelo estímulo à cultura local, além
de ter disponibilizado o espaço em que ocorreu a mesa. Segue, abaixo, a divulgação
do I Colóquio Cidades: Coexistências e Interfaces, no site da Universidade Federal de
Sergipe22.

I Colóquio Cidades: Coexistências e Interfaces

Entre os dias 6 e 9 de junho será realizado o “I Colóquio Cidades:


Coexistências e Interfaces”. Organizado pela professora Maria Cecília Tavares e
pelos professores Cesar Matos e Márcio da Costa Pereira, do Grupo de Pesquisa
Laboratório da Cidade do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da UFS,
o evento tem como tema principal a cidade enquanto foco de reflexão, debate e
intervenção prática, buscando promover o diálogo sobre questões urbanas entre
diferentes áreas de conhecimento para além da Arquitetura e Urbanismo. A partir da
premissa de que a cidade é um complexo produto da vida em coletividade, busca-
se em especial dar visibilidade à multiplicidade de olhares sobre a cidade
contemporânea.

22 Ver link: http://www.ufs.br/agenda/319-i-coloquio-cidades-coexistencias-e-interfaces-2017-6-6.


98

No último dia do colóquio, 9 de junho, foi realizado, enquanto encerramento do


evento, o Sarau do I Colóquio Cidades em que havia, ao fundo do cenário montado
na praça General Valadão, um cartaz com o termo “Ocupa Aju”; o “Aju” é uma
referência a Aracaju, nome da capital sergipana.

Imagem 18 – Cartaz de divulgação do Colóquio Cidades

Fonte: . Disponível em: https://www.facebook.com/coloquiocidades.

A segunda edição do Colóquio Cidades: Coexistências e Interfaces ocorreu


entre os dias 06 e 08 de novembro de 2019, nas cidades de Aracaju e Laranjeiras. A
realização do evento manteve-se com a idealizadora, a professora Maria Cecília
Tavares, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de
Sergipe. A seguir, o texto de divulgação disponibilizado no site da UFS23.

23 Ver link http://laranjeiras.ufs.br/conteudo/64327-ii-coloquio-cidades-coexistencias-e-interfaces.


99

II Colóquio Cidades: Coexistências e Interfaces


Evento acontecerá entre os dias 06 e 08 de novembro
A segunda edição do Colóquio Cidades: Coexistências e Interfaces, terá como
tema “Cidade e Democracia”. A partir da premissa de que a cidade é um
complexo produto da vida em coletividade, busca-se em especial dar
visibilidade à multiplicidade de olhares sobre a cidade contemporânea.
Para isso, a reflexão, o debate e a proposição de estratégias de trabalho irão
convergir para questões urbanas, abarcando diferentes áreas do
conhecimento, sejam elas acadêmicas ou não. O colóquio está ancorado no
“Direito à Cidade” com profissionais das áreas da Arquitetura, do Direito e da
Medicina.
O formato proposto para o evento prevê além das palestras e das mesas
redondas, as provocações suscitadas pelas apresentações 20 x 20 (vinte
slides, vinte segundos cada) com a participação de estudantes,
pesquisadores e grupos da sociedade civil. E na última noite de Colóquio
estará sendo lançado o livro “Dimensões do intervir em favelas”
O evento acontecerá nas cidades de Aracaju e Laranjeiras, dentro da Semana
Acadêmica (Semac) da UFS.

Neste ano, recebi o convite de participar de uma mesa-redonda que buscava


apresentar, mediante experiências acadêmicas e de mobilização, as diversas
expressões das ocupações culturais em Aracaju. Entre outros temas, a reincidência
de assuntos vinculados às ocupações culturais e saraus apareceu por meio da minha
apresentação de algo que seria mais tarde este capítulo do trabalho, a participação
de uma liderança do Coletivo Entre Becos e o Sarau de Quebrada, além de outras
pesquisas, inclusive algumas estavam sob a orientação da idealizadora do evento.
Além da intensificação de um debate acadêmico que refletia, paralelamente,
aquilo que Bringel (2010, 2011) identifica a partir dos estudos sobre movimentos
sociais, mas que se estende para as demais áreas enquanto um spatial turn nas
ciências humanas, e também a busca dos pesquisadores locais em entender esse
fenômeno de difusão das ocupações culturais em Aracaju. Esses eventos, como
apontamos, não discutiram exclusivamente as ocupações culturais, objeto empírico
desta pesquisa, mas também as outras formas de mobilização vinculadas ao direito à
cidade. O que é interessante perceber, e podemos vincular ao processo de
diversificação das formas de ação coletiva identificado no primeiro capítulo, é que
100

esses novos atores e organizações entram na cena do debate público. Agora,


diferentemente do início da década, o direito à cidade se amplia a, por exemplo, o
debate do direito à moradia.
Simultaneamente aos debates e narrativas acadêmicas ou de autoridades
vinculadas à cultura, tendo em vista que a Fundação Cultural Cidade de Aracaju
também participou desse processo por meio do Ocupe a Praça, ao longo desses anos
surgiram algumas produções de documentários sobre as ocupações. Alguns mais
amadores, outros mais profissionais, em todos os casos a preocupação era latente: é
preciso registrar as ocupações e fomentar o debate público sobre o direito à cidade.
Entre os documentários, podemos citar: i) Ocupe a Cidade (2016), de Kaippe
Reis e Thaís Ramos, resultado de um trabalho de conclusão de curso em
Comunicação Social; ii) Aracaju, o que há em você e falta em mim, de Ivy Almeida,
também resultado de uma pesquisa de conclusão de curso; iii) um vídeo colaborativo
de autoria não identificada e intitulado Ocupe-se Todos Pela Cultura; e iv) uma série
de episódios gravados por Dominique Mangueira, cineasta e integrante do Sintonia
Periférica, sobre as ocupações culturais realizadas pelo coletivo. Além desses
documentários, que estão mais diretamente vinculados ao fenômeno da difusão das
ocupações culturais em Sergipe, ainda que a produção apresente o cenário de
Aracaju e região metropolitana, o documentário Uma Cidade Muda, Não Muda, de
Erna Barros, naquele momento discente do curso de doutorado em Sociologia e
desenvolvendo o projeto "Uma cidade muda não muda: a presença das mulheres no
espaço público através da prática do graffiti”, traz algumas reflexões a partir da mulher
e o graffiti na cidade de Aracaju. Não à toa, o cenário inicial desse documentário é
uma das principais representações desse ciclo de ocupações culturais que é o Viaduto
Carvalho Déda.
A sinopse dos documentários Ocupe a Cidade e Aracaju, o que há em você e
falta em mim, por exemplo, além dos episódios da série Sintonia Periférica, se referem
diretamente ao fenômeno das ocupações culturais em Aracaju.

O documentário aborda as ocupações culturais em Aracaju tendo


como base o evento Ensaio Aberto, que aconteceu entre 2015 e 2016
no último domingo de cada do mês no Parque dos Cajueiros. O evento,
construído pelo coletivo de mesmo nome, foi uma das diversas formas
de escoar a produção de arte local que aconteceram em Aracaju pós
manifestações de Junho de 2013. Somado a isso, o evento também
reivindica o espaço urbano economicamente delimitado na cidade.
101

Devido a afronta aos limites socialmente impostos, o Ensaio Aberto


começou a ser podado pelo poder público que iniciou perseguições e
ameaças ao coletivo. (OCUPE a cidade, 2017).

De algum tempo para cá a rua vem sendo ocupada não só por


protestos, mas também iniciativas que buscam o fomento da cena
cultural aracajuana. O filme “Aracaju, o que há em você e o que falta
em mim”, feito por Ivy Almeida como sua conclusão de curso, expõe
duas iniciativas para ocupar o espaço público da capital consumindo
arte da própria terra: o Sarau Debaixo e o Maré-Maré. (ALMEIDA,
2014).

A grande intenção dos documentários, como é possível perceber por meio dos
vídeos, é a busca por ressaltar os diversos processos de ressignificação do espaço
público. Em parte deles, tal processo de atribuição de novos significados a locais como
o Viaduto Carvalho Déda, a Ponte Construtor João Alves ou até mesmo o Parque dos
Cajueiros.
Deste modo, este capítulo teve dois principais objetivos relacionados ao
processo de difusão da ocupação cultural em Sergipe.
Em primeiro lugar, e utilizando conceitos como repertório modular (TILLY,
2005) e forma social (SIMMEL, 2006), descrevemos o processo de mobilização dessa
forma social, a ocupação cultural, em diversos contextos de reivindicação do direito à
cidade. Para além disso, também apontamos para os diversos conteúdos, a exemplo
dos enquadramentos sobre a cidade, que preencheram essa forma social e
classificamos em periféricos, cosmopolitas, secundaristas, agitadores culturais e
agentes estatais. A finalidade desta classificação foi a de sinalizar para as diferenças
e aproximações em torno do fenômeno do ciclo de ocupações culturais ocorridas entre
os anos de 2014 e 2020. Um dos fatores determinantes para o rápido processo de
difusão dessa forma de ação coletiva está vinculado a um dos elementos destacados
no capítulo anterior: a crise das formas de participação dos movimentos sociais. Como
demonstramos com base na literatura mencionada no primeiro capítulo, o Brasil
experimentou nos últimos anos um processo de fragmentação das formas de ativismo
no país. Tal fato foi importante para que, principalmente após os protestos de 2013,
um conjunto de experimentações de mobilização fosse elaborado e apropriado por
diversos grupos. Na ausência de uma referência de ativismo mais consolidada, a
pauta do direito à cidade e as ocupações culturais tornaram-se uma forma de ação
coletiva disponível.
102

Por fim, neste tópico apontamos para os efeitos da mobilização realizada por
esses grupos identificados anteriormente no debate público a partir, por exemplo, dos
eventos acadêmicos e da produção audiovisual local. Sendo assim, demonstramos
como esses atores e organizações adquirem autoridade, principalmente de fala, em
outros espaços para além das ocupações culturais e os seus pares, como também
seus processos de mobilização se tornam objeto de estudo e atenção em outros
setores.
Nas ocupações também foram desenvolvidas redes de organizações e
trajetórias de engajamento social. Com base nisso, no próximo capítulo analisamos
as redes de organizações e atores que orbitam em torno dos coletivos que
promoveram as ocupações em Sergipe e as diferentes carreiras militantes das
lideranças desses agrupamentos.
103

CAPÍTULO 3 – DE REPERTÓRIO DE AÇÃO CONTESTATÓRIA À ESTRATÉGIA


DE MOBILIZAÇÃO: REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS NAS OCUPAÇÕES
CULTURAIS EM SERGIPE (2013-2020)

Nos capítulos anteriores demonstramos como a ocupação cultural se


transforma em um repertório disponível para movimentos sociais, coletivos, partidos
políticos e outros grupos mobilizarem em seus processos de reivindicação,
especialmente na luta pelo direito à cidade. Além de um repertório de mobilização,
também sinalizamos, ainda que não seja o foco desta pesquisa, para como essa
cultura de contestação também pode ser identificada em um circuito de espaços
colaborativos nos quais mantém-se presente a ideia de ocupação do espaço público.
Para isso, analisamos o processo de difusão desse repertório de ação contenciosa e
do enquadramento interpretativo do direito à cidade. Desta forma, acompanhamos a
trajetória de uma forma de mobilização que foi replicada em Sergipe entre os anos de
2013 e 2020. Assim, neste capítulo saímos da análise dos repertórios e
enquadramentos e iniciamos uma análise das redes de movimentos sociais
construídas nas ocupações culturais em reivindicação do direito à cidade. Com base
em entrevistas semiestruturadas e biográficas, este capítulo tem como objetivo
apresentar como em torno dessas mobilizações foram construídas redes de
mobilização. Essas redes podem ser definidas como os padrões de interação entre
partidos políticos, movimentos sociais, coletivos e representantes de administrações
públicas com lideranças, no caso em tela, e grupos que promoveram ocupações
culturais em Sergipe.

3.1 DOS REPERTÓRIOS ÀS REDES DE ORGANIZAÇÕES

Até o momento, demonstramos como a ocupação cultural se consolidou


enquanto um repertório de contestação em Sergipe. O processo de difusão esteve
vinculado a dois aspectos fundamentais para o fenômeno.
Primeiro, as ocupações culturais possuem as características de intensa
adaptabilidade e ressignificação. Isso permite que os grupos mobilizados com os
perfis mais diversos se apropriem desse repertório. Charles Tilly (2005) intitula esses
repertórios de “modulares”, haja vista a capacidade de moldar aos cenários e grupos
que os mobilizam.
104

As passeatas, greves e atos públicos, por exemplo, também são repertórios


modulares, ainda que o modo como são performatizados sejam distintos e restritos.
Uma passeata pode ser realizada de forma mais pacífica, mas também de modo
conflitivo; neste último caso por meio de bloqueio de avenidas com pneus queimados.
No entanto, somente alguns grupos estarão dispostos a enfrentar as restrições
derivadas do processo de maior ruptura da ordem. Parte disso está vinculada com o
perfil desses grupos, a relação que possuem com o Estado que pode ser identificado
pelo nível de institucionalização e a presença, ou não, de atores e organizações
mediadoras. Neste sentido, é mais provável que moradores em protesto a um
processo de reintegração de posse radicalizem na performatização de uma passeata
do que um grupo de juristas exigindo aumento de salário ou melhores condições de
trabalho.
E segundo, as possibilidades de ressignificação de um repertório, ou seja, a
capacidade dos grupos conseguirem exprimir sua indignação a partir de uma
determinada forma de protesto também é uma característica desses modelos de
contestação modular como a ocupação cultural. Desta forma, a ocupação cultural,
como demonstramos no capítulo anterior, permite expor, por intermédio dessa forma
de ação coletiva, diversas pautas, como a luta pela desigualdade de gênero, a
reivindicação do direito à cidade, mas também o combate ao genocídio da juventude
negra.
No caso específico da ocupação cultural, os recursos materiais exigidos para a
sua realização são mínimos. Algumas caixas de som, microfone e um espaço aberto
são suficientes. A energia facilmente é propiciada a partir de pontos adquiridos
clandestinamente. Todavia, três dificuldades são enfrentadas pelos grupos que a
mobilizam: o tempo livre para a organização, o recurso humano e, a depender do perfil
do coletivo, o dinheiro para o aluguel do som. Alguns dos grupos que deixaram de
organizar as ocupações, por exemplo, assim o fizeram por não ter pessoas
disponíveis e com tempo livre.
O protagonismo juvenil nesses coletivos traz uma intensa volatilidade de suas
ações. Esta pesquisa, para além do período de pesquisa oficial do doutorado, foi
realizada entre os anos de 2015 e 2020. Durante esses cinco anos, eventos como
gravidez, inserção no mercado de trabalho ou no ensino superior e a aceitação de
cargos em estruturas estatais afetaram alguns dos interlocutores e foram também
responsáveis pelo fim de alguns coletivos e ações. De toda a forma, o fato da atividade
105

militante não se tornar algo central – e tal evento passa, substancialmente, pela
capacidade de ser recompensado financeiramente por esse compromisso – em suas
biografias torna o engajamento e as suas ações menos sustentadas.
Para além das qualidades que incluem a ocupação cultural enquanto um
repertório modular, o fenômeno da difusão desse repertório ocorre paralelamente à
popularização, em níveis local, nacional e internacional, da reivindicação do direito à
cidade. A coleção de pesquisas publicada por Combes, Garibay e Goirand (2015) e
no dossiê da Politix (DECHEZELLES; OLIVE, 2017) evidencia como, na Europa e em
países do Oriente Médio, a ocupação de ruas e praças torna-se uma forma de
contestação capilarizada entre diversos grupos.
Em nível nacional, a coleção de Maricato et al. (2013) e a pesquisa de Rafael
Souza (2017) comprovam o mesmo fenômeno em nível nacional. De modo geral, os
autores demonstram uma relação de causalidade com a diversificação dos usos de
espaços para protestos em junho de 2013 e o surgimento de novos espaços de
contestação. Entre 2015 e 2016, esse modelo de ação contestatória é utilizado nas
reivindicações dos estudantes secundaristas em todo o Brasil. O conjunto de
pesquisas publicadas no livro organizado por Medeiros, Januário e Melo (2019) traz
como o a ocupação é mobilizada em estados como São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro,
Ceará, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo.
Em nível local, alguns estudos apontam especificamente para o uso da
ocupação cultural dos espaços públicos como forma de mobilização. As pesquisas de
Fusaro (2018), Santos (2017) e Pereira (2016) no campo das Ciências Sociais, e de
Santana (2017), no curso de Arquitetura e Urbanismo, apresentam algumas reflexões
sobre o fenômeno em Sergipe, especialmente em Aracaju. Esses trabalhos podem
ser caracterizados por estudos de caso que analisam, seja com base na experiência
de um grupo em específico ou de grupos com perfil semelhante, os processos de
reivindicação do direito à cidade, principalmente em Aracaju. Neste sentido, a
presente pesquisa avança na medida em que: a) identifica um processo de difusão de
uma forma de ação coletiva; b) analisa as tensões resultantes dos diferentes perfis
dos grupos e territórios nos quais esta pauta e repertório de ação são mobilizados; c)
amplia a análise inserindo como esse fenômeno ocorre nas cidades do interior do
estado; d) identifica como agentes estatais mobilizaram a pauta; e d) investiga as
diferentes redes de movimentos sociais e trajetórias de ativismo formadas em torno
dessas ocupações. Esse último ponto destacado é o objeto de análise deste capítulo.
106

3.2 REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS: ATORES, LIDERANÇAS E


ORGANIZAÇÕES ENDÓGENAS E EXÓGENAS

Os estudos sobre redes sociais face a face possuem uma longa trajetória nas
pesquisas sobre ação coletiva e movimentos sociais. De modo geral, esta proposta
se estabelece enquanto uma abordagem teórico-metodológica a partir de autores
como Diani (1992) e Diani e Bison (2010) que, em diálogo com a noção de redes
sociais, propõe uma definição de movimento social. Para o autor: “A social movement
is a network of informal interactions between a plurality of individuals, groups and/or
organizations, engaged in a political or cultural conflict, on the basis of a shared
collective identity.” (DIANI, 1992, p. 13).
Nessa definição, os movimentos sociais estão vinculados às redes de vínculos
caracterizadas por: i) um padrão de conexões sociais; ii) uma identidade coletiva
compartilhada; iii) ação coletiva e pauta reivindicatória; e iv) demonstrações públicas
que ocorrem fora de estruturas institucionais. Apesar da última característica limitar a
definição de movimentos sociais às ações e organizações cuja dinâmica ocorrem
estritamente na “sociedade civil” em oposição ao “Estado”, a definição de Diani (1992)
permite avançar nos estudos que buscam evidenciar como determinadas redes de
organizações se estabelecem em torno de pautas e questões sociais. Nos últimos
anos, a dimensão das redes (OLIVEIRA, 2010) nos estudos sobre movimentos sociais
tem estimulado a investigação dos diferentes padrões de redes, como também as
distintas extensões. Assim, é possível identificar em torno de uma pauta ou forma de
ação coletiva, as redes locais, nacionais, internacionais e transnacionais.
A difusão da ocupação cultural e da reivindicação do direito à cidade
possibilitou a emergência de algumas redes de movimentos sociais, partidos políticos,
coletivos e outras organizações que atuaram de diversas formas em torno dessa
pauta. Essas redes de movimentos sociais permitem que sejam identificados os
padrões de vínculos de alianças e conflitos, como também o desenvolvimento de
biografias em torno dessas redes.
A classificação proposta no capítulo anterior – os periféricos, os
secundaristas, os agitadores culturais, os cosmopolitas e os agentes estatais –
em parte constitui essas diferentes redes sociais. Essas redes são compostas por
atores e grupos com diversos níveis de institucionalização.
107

A dinâmica das redes, para além de evidenciar vínculos sociais, também


aponta para o modo como os movimentos sociais dinamizaram suas ações. Por um
lado, uma rede de movimento social pode ter várias organizações concentradas e
lideradas por um ator e tal constatação sinaliza para uma dinâmica de hierarquização
e concentração de poder em um determinado ator. Por outro lado, uma rede de
movimentos sociais pode ser atomizada e diversificada, seja em lideranças ou grupos,
e este fenômeno indica menor hierarquização e concentração de poder. Assim, e
como expomos neste capítulo, as redes podem adquirir diversas dinâmicas de
dispersão de atores e grupos.
O material utilizado para a construção das redes de movimentos sociais
envolvidos na reivindicação do direito à cidade em Sergipe foi confeccionado
manualmente, ou seja, não houve processamento de dados em softwares. Sendo
assim, as redes sociais são resultados de anotações, observações participantes e
relatos de entrevistas.
De modo geral, o resultado apresentado neste capítulo surge de observações
coletadas em cinco anos de trabalho de campo. Desde a pesquisa de dissertação, em
que estudei o Coletivo Debaixo, foi-se acumulando um conjunto de anotações que
apontavam para relações de parceria e conflito entre esses grupos. Como se diz na
linguagem utilizada pelos atores, “não é em todo lugar que se cola”. Aqui, a ideia de
colar é sinônimo de estar presente em um determinado lugar. Desta forma, fui
indagando sobre os motivos de encontrar sempre as mesmas pessoas no mesmo
espaço. Com o passar do tempo, as categorias de diferenciação apresentadas no
capítulo anterior foram se impondo à pesquisa e permitindo a visualização dessas
fronteiras. Inicialmente essas fronteiras demarcavam os diferentes perfis dos atores,
da filiação ao território até questões vinculadas aos distintos estilos de vida. E depois,
as ocupações também revelaram mais do que diferenças no modo de utilização desse
repertório de ação coletiva ou nas múltiplas narrativas sobre a cidade; eles também
constituíam diferentes vínculos de amizade e políticos.
Para a elaboração das redes, classificamos os objetos que a compõem em: a)
lideranças endógenas; b) lideranças exógenas; c) organizações endógenas; d)
organizações exógenas; e e) ocupações culturais.
As lideranças endógenas se referem aos atores que são fundadores dos
coletivos e ocupações analisadas. As lideranças exógenas são, por exemplo, políticos
e agentes estatais que apoiam os grupos. As organizações endógenas são os grupos
108

que organizam as ocupações culturais. As organizações exógenas podem ser


definidas enquanto grupos, a exemplo de movimentos sociais, partidos políticos e
outras instituições externas, que apoiam as ocupações. E as ocupações culturais são
os eventos realizados.
Ao utilizar essas categorias pretendemos demonstrar os diferentes padrões de
vínculos políticos institucionais e de ativismo em torno desse tipo de mobilização em
Sergipe. Definimos como vínculos políticos institucionais a relação desses diversos
grupos com partidos políticos, secretarias de prefeituras e do Estado, como também
agentes inseridos nas instituições. Os vínculos de ativismo se referem ao modo como
diferentes movimentos sociais, coletivos e grêmios estudantis interagem, seja para a
construção de alianças, como também de um campo de conflitualidade. De modo
geral, esta divisão, como demonstraremos a seguir, serve a níveis didáticos, ou seja,
explicar e categorizar a realidade social em questão. No entanto, é muito comum que
os ativistas também sejam agentes institucionais. Como há grupos que não possuem
esse trânsito institucional, a diferenciação serve para demonstrar o impacto dessa
mobilidade, ou a ausência dela, das instituições para a mobilização em torno das
ocupações culturais e a reivindicação do direito à cidade em Sergipe.

3.2.1 Os periféricos: redes 1 e 2

A primeira rede se refere ao conjunto de organizações, atores e ocupações que


se articulam a quatro lideranças que fundam três ocupações culturais, o Sintonia
Periférica, o Som de Quebrada e o Sarau das Flores, nos bairros Industrial e Porto
Dantas, ambos localizados na zona norte de Aracaju, mas também a região
metropolitana com ocupações nas cidades de Barra dos Coqueiros e Nossa Senhora
do Socorro.
109

Mapa 1 – Rede 1

REDE 1
Som de Quebrada Sintonia Periférica
(Porto Dantas)
Som de Quebrada
(Barra dos Coqueiros) Prefeitura de Socorro

Secretaria da Assistência
Som de Quebrada
Social de Aracaju
(Parque dos Faróis)

PCdoB
ALPV
Liderança A

Legenda

Círculo azul: ocupações


Círculo preto: lideranças
Liderança
endógenas
Círculo vermelho: Lideranças B e C
lideranças exógenas
Círculo verde:
organizações exógenas

Sarau das Flores

Fonte: Elaboração própria.

A Rede 1, como podemos notar, tem como principais características uma


variedade de ocupações vinculadas a poucas lideranças. As lideranças A, B e C
conformam um grupo bastante circunscrito de três ativistas, um homem e duas
mulheres, também poderiam ser acrescentados mais um homem e uma mulher, todos
do universo do hip-hop. Esta última é uma característica dos grupos periféricos ao
qual a rede está vinculada.
Deste modo, a Rede 1 possui como característica expandir os espaços de
mobilização a partir da criação de ocupações culturais em uma região específica que
é a Zona Norte de Aracaju e as cidades de Nossa Senhora do Socorro e Barra dos
Coqueiros. Os vínculos são diversificados e refletem algumas inserções institucionais
dessas lideranças que serão destacadas na análise das carreiras militantes. As
110

organizações às quais estão vinculados se estendem aos movimentos sociais e


partidos políticos como o Aliados Pelo Verso e o PCdoB até secretarias municipais e
prefeituras. A Liderança A é, entre todas, o principal ator que articula as organizações
e os apoiadores. Junto com a liderança externa, um apoiador, são as principais
referências do hip-hop em Sergipe, tendo a Liderança A se candidatado a vereador
de Aracaju pelo PCdoB em 2016.
A Rede 2, por sua vez, está localizada na Zona Sul de Aracaju, no bairro Santa
Maria. A rede tem como organização articuladora local o Coletivo Entre Becos que é
responsável pela realização do Sarau de Quebrada.

Mapa 2 – Rede 2

REDE 2

Sarau Entre Guetos

Sarau de Quebrada
Liderança B Slam do Mangue
Liderança D
Juventude do PT Coletivo Entre
Becos

Liderança A
Liderança C
Legenda

Círculo azul: ocupações


Círculo preto: lideranças
Funcaju Levante Popular da
endógenas Juventude
Círculo vermelho: lideranças
exógenas
Círculo verde: organizações Secretaria de Estado da
exógenas Inclusão, Assistência
Círculo amarelo: organização Social e do Trabalho
endógena

Fonte: Elaboração própria.


111

Diferentemente da rede anterior, esta possui uma dinâmica de maior


diversificação e descentralização da liderança. Em consequência disso, o Mapa 2
sinaliza para dois fenômenos derivados desta rede. Primeiro, um processo de
emergência de novas ocupações culturais com o protagonismo de lideranças
exógenas, como é o caso da Liderança D e a construção do Slam do Mangue. E
segundo, a criação de novas ocupações que se originam de uma experiência anterior.
Sobre esses dois aspectos, inclusive presentes também na primeira rede, é
necessário salientar que essa dinâmica deriva do fato de que as ocupações, com o
acúmulo de experiência por parte dos coletivos organizadores, passam a ser
replicadas em regiões próximas. Por exemplo, na Rede 1 este fenômeno aparece a
partir da ampliação da primeira ocupação cultural, o Sintonia Periférica, localizado no
bairro Industrial, para outras regiões próximas como o Sarau das Flores e o Som de
Quebrada, realizados na região metropolitana de Aracaju. No caso da Rede 2, essa
dinâmica é percebida a partir do Slam do Mangue que ocorre, geograficamente,
próximo ao Sarau de Quebrada.
A ideia central, para além da motivação de popularizar as ocupações culturais
enquanto processo de democratização da cultura e criação de espaços de lazer,
também está vinculada com o objetivo de ampliação das redes. O aumento do alcance
das redes adquire diversos significados para os coletivos, como: i) a construção e
expansão de identidades coletivas; ii) maior capacidade de mobilização; e iii) a
aquisição de poder de representação de uma determinada comunidade. Sobre esse
último ponto, quanto maior a rede maior é a capacidade de representação.
As redes 1 e 2 também demonstram como organizações políticas tradicionais,
principalmente os partidos políticos, participam das ocupações culturais. A presença
dos partidos políticos se limita, basicamente, enquanto instâncias que são mobilizadas
para a aquisição de recursos materiais e humanos por caminhos institucionais ou
enquanto representações políticas formais dos coletivos e ocupações culturais.
No primeiro caso, a capacidade de mobilização de recursos ocorre, por
exemplo, por meio da requisição de espaços institucionais, estrutura de som e até
mesmo recursos financeiros para a organização das ocupações culturais. No entanto,
a publicização da relação entre coletivos e partidos políticos é bastante tencionada,
ficando restrita entre as lideranças. De modo geral, para o público das ocupações
culturais, como demonstramos no capítulo anterior, são estruturas políticas
caracterizadas pelo oportunismo e pouca vinculação com as localidades.
112

A ideia de que os partidos políticos são representações políticas formais dos


coletivos e ocupações culturais está vinculada ao caso de que em determinados
momentos as lideranças utilizam o fato de ser de um ou outro partido político para se
candidatar ou alcançar determinados cargos. Esse é o caso da Liderança A da Rede
1 e da Liderança A da Rede 2.
A Liderança A da Rede 1 se candidatou a vereador de Aracaju em 2016. A
Liderança A da Rede 2 foi convidada a ocupar um conjunto de cargos na prefeitura de
Aracaju e no governo, que serão destacados posteriormente nas análises das
carreiras militantes.
Assim, as redes 1 e 2, ambas inseridas no grupo que categorizamos como
periféricos, revelam como foram construídos os campos de mobilização em duas
diferentes regiões de Aracaju e região metropolitana.
Na zona norte e na cidade de Nossa Senhora de Socorro, as redes foram
construídas em torno de uma liderança específica que é responsável pela reprodução
dessa forma de ação coletiva em diversos pontos daquela região. Essa liderança é
também uma referência na zona norte, pois é um dos primeiros ativistas em torno do
hip-hop não somente em Sergipe, como também nacionalmente (MARCON; SOUZA
FILHO, 2013).
Na zona sul, região oposta ao local no qual é desenvolvida a Rede 1, constrói-
se outra rede de mobilização vinculada aos periféricos. Os ativistas da zona sul, mais
especificamente no bairro Santa Maria, são de uma geração posterior à liderança que
promove as ações na zona norte. Ambos possuem experiências de vida comum, a
começar pelo fato de que nasceram e cresceram em regiões vulneráveis da cidade.
A principal liderança da Rede2 tem a Liderança A da Rede1 como uma referência. No
entanto, se diferem desde as experiências de vida marcadas por aspectos geracionais
distintos até os vínculos políticos. Tais fatos foram fundamentais para que tivéssemos
feito a escolha pela divisão dessas redes em duas.

3.2.2 Os estudantes secundaristas: as redes 3 e 4

As redes secundaristas envolvem um conjunto de atores e organizações que


se diferenciam dos periféricos em relação a variáveis como: i) o padrão de origem e
investimento constante em um ativismo secundarista; e ii) os espaços mobilizados.
113

A Rede 3 é a primeira expressão das ocupações culturais que se identificam


como sendo uma representação secundarista do fenômeno em análise. Esta rede
começa a ser construída em 2015 a partir de escândalos envolvendo a merenda
escolar no estado e, por consequência, as lideranças são representantes estudantis.

Mapa 3 – Rede 3

REDE 3

Ocupe a praça Grêmios estudantis


Liderança C

Liderança B
Coletivo Contra Corrente

Liderança A
Juventude do
PT
Legenda

Círculo azul: ocupações


Círculo preto: lideranças
endógenas Ocupações
Círculo vermelho: lideranças secundaristas de 2016
exógenas
Círculo verde: organizações
exógenas
Círculo amarelo: organização
União Brasileira dos
endógena
Estudantes Secundaristas
(Ubes)

Fonte: Elaboração própria.

Nessa rede, a Liderança A, responsável pelas mobilizações em torno do


escândalo da merenda, é o principal articulador dos grupos envolvidos. Assessor
político de um deputado estadual do Partido dos Trabalhadores, integrante da
juventude do PT e de movimentos estudantis de nível nacional, essa liderança
mobilizou o prestígio adquirido no ativismo secundarista na fundação do coletivo
Contra Corrente e no Ocupe a Praça.
114

Diferentemente das outras redes apresentadas até o momento, essa é menos


fragmentada e concentrada em um coletivo, o Contra Corrente. Apesar disso, o
coletivo esteve presente enquanto apoiador de outras mobilizações estudantis como
as ocupações secundaristas ocorridas em Sergipe. Além das ocupações, estiveram
presentes nos protestos do Fora Temer em setembro de 2016.

Imagem 19 – Coletivo Contra Corrente nas mobilizações pelo Fora Temer, setembro
de 2016

Fonte: Facebook do Contra Corrente.

Imagem 20 – Coletivo Contra Corrente em mobilizações nas ocupações


secundaristas, novembro de 2016

Fonte: Facebook do Contra Corrente.


115

Não somente a rede de organizações em torno do Ocupe a Praça é


secundarista, como também os protestos e as mobilizações nas quais o coletivo
Contra Corrente está envolvido, realizador da ocupação em questão, possui um
caráter secundarista. O envolvimento nas ocupações secundaristas e protestos Fora
Temer, ambos em 2016, como também as mobilizações ocorridas em 2019 contra os
cortes na educação são alguns exemplos. A vinculação com a Articulação de
Esquerda, uma das tendências do PT, em Aracaju, por meio dos deputados estaduais
Iran Barbosa (PT) e Ana Lúcia (PT) e a União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas, compõe a base de organizações e lideranças exógenas dessa rede.
Como demonstraremos adiante, a próxima rede, também secundarista, se difere
dessa na medida em que possui vínculos com outras tendências do movimento
estudantil do estado.
A Rede 4 tem o Cultura da Periferia e a Liderança A como principal ator e
organização articuladora. Nessa rede, como podemos notar, aparecem outros
agrupamentos secundaristas, inclusive da juventude do PT.
116

Mapa 4 – Rede 4

REDE 4

Liderança C Cultura das Quadras


Liderança B

Uses Coletivo Para Todos


Cultura da Periferia
Secretaria de
Assistência
Social de Aracaju
Liderança A Cultura do
Cultura do
Empoderamento Empoderamento em
Legenda
em Itaporanga Aracaju
Círculo azul: ocupações
Círculo preto: lideranças
endógenas Juventude do PT
Círculo vermelho: lideranças
exógenas Ocupações
Círculo verde: organizações secundaristas de 2016
exógenas
Círculo amarelo: organização
União Brasileira dos
endógena
Estudantes Secundaristas
(Ubes)

Fonte: Elaboração própria.

No caso do movimento estudantil, a União dos Estudantes Secundaristas de


Sergipe (Uses) é a organização secundarista com maior protagonismo nessa rede.
Diferentemente do caso anterior, no qual a Ubes aparece com maior evidência. A Uses
é a principal organização que atua na mediação dos conflitos e reivindicações dos
estudantes em Sergipe. A Ubes, por sua vez, é uma organização nacional. A priori,
essas duas organizações realizam mobilizações em instâncias distintas, no entanto,
em nível estadual há uma disputa entre esses grupos. A juventude do PT também
está presente nessa rede, por exemplo, por meio do Coletivo Para Todos e dos
próprios jovens filiados e atuantes no Partido dos Trabalhadores.
117

Imagem 21 – Cartaz do festival da juventude unidade e luta, organizado pelo Cultura


da Periferia

Fonte: Facebook do Cultura da Periferia.

O cartaz acima é muito representativo da dimensão estudantil dessa rede, tal


como também demonstramos no caso do coletivo Contra Corrente e o Ocupe a Praça.
Os apoiadores, a utilização de locais estudantis como ginásios escolares até a
realização de uma atividade que compõe um dos congressos da maior organização
estudantil do estado são alguns dos elementos que constatam esta dinâmica
contestatória altamente vinculada a uma cultura de ativismo estudantil. Essa
vinculação a grupos estudantis, que também compõem grupos de rap, a exemplo do
Direito Correto que será organizador da ocupação cultural Cultura das Quadras,
118

possibilitou que surgissem novas experiências de mobilização e reivindicação do


direito à cidade a partir da atuação do Cultura da Periferia.
Do Cultura da Periferia, organização central da Rede 4, surgem novos atores
como a Liderança C. Essa liderança será responsável pela articulação de alguns
movimentos que classificamos como periféricos, a exemplo do Cultura das Quadras,
que aconteceu entre 2016 e 2018 na cidade de Nossa Senhora do Socorro, região
metropolitana de Aracaju.
Desta forma, o que é importante notar é como as mobilizações em torno da
reivindicação do direito à cidade em Sergipe passaram, com o correr dos anos, por
um processo de fragmentação.
Parte dos grupos juvenis, a exemplo de coletivos e juventudes partidárias,
“fundaram” sua ocupação. A ocupação, como desenvolvemos no capítulo anterior,
não somente se tornou um repertório de ação coletiva disponível como também uma
forma de mobilização de jovens. A linguagem que mistura elementos festivos e
políticos, a presença da música e de uma estética juvenil capaz de mediar o processo
de engajamento, como também a capacidade desse tipo de ação coletiva em permitir
o surgimento de jovens reconhecidos entre seus pares são algumas das variáveis que
contribuíram para a transformação desse repertório em uma forma de mobilização.
A depender do perfil dos organizadores e dos públicos aos quais eles se
direcionam, as linguagens variam ainda que seja preservada a estrutura básica do
repertório de ação e o objetivo da mobilização: a ocupação cultural como repertório
de mobilização para debater a cidade. Desta forma, demonstramos, até então, como
os periféricos e os secundaristas desenvolveram redes de movimentos sociais em
torno dessa pauta. A seguir, descrevemos e analisamos a rede dos chamados
cosmopolitas.

3.2.3 Os cosmopolitas: a rede 5

A rede cosmopolitas é a mais atomizada. Desde 2013, quando o Coletivo


Debaixo iniciou as ações embaixo do Viaduto Carvalho Déda, percebemos a
emergência de outras ocupações e coletivos com perfil semelhante. São jovens de
classe média, a maioria com acesso ao ensino superior, uma história de vida que
passa pelo envolvimento em expressões musicais da contracultura e, em alguns
casos, com passagem em um ativismo vinculado a causas da mobilidade urbana,
119

direito à moradia e direito à cidade. Além disso, alguns possuem envolvimento em


partidos políticos progressistas como o PSOL e outros movimentos sociais que se
diferenciam da base de redes de movimentos sociais mais vinculadas ao PT.

Mapa 5 – Rede 5

REDE 5

Sarau da Caixa D’água Ensaio Aberto


Ensaio Secreto
Sarau Debaixo

Legenda

Círculo azul: ocupações


Círculo preto: lideranças
endógenas Liderança A Ocupe-Se Todos
Círculo vermelho: lideranças
eB Pela Cultura
exógenas
Círculo verde: organizações
exógenas
Círculo amarelo: organização
endógena
Slam do
Tabuleiro

Fonte: Elaboração própria.

Nessa rede, podemos identificar como ocorreu, especialmente entre os


cosmopolitas, um intenso processo de replicação dessa forma de mobilização
caracterizado pelo surgimento de diversos grupos com lideranças independentes. Por
exemplo, o Sarau Debaixo, movimento que inaugura essa rede, foi um espaço de
experimentação no qual outros grupos também desenvolveram uma expertise em
torno dessa mobilização.
É do Sarau Debaixo que surgem diretamente o Ensaio Aberto, o Ensaio Secreto
e o Sarau da Caixa D’água. De todas as ocupações citadas, o Ensaio Secreto é aquele
120

que inicia uma atividade de difusão cultural em espaços semiabertos, mas a liderança
desse coletivo é um ativista com trânsito em todos os grupos citados anteriormente.
Além disso, dessas ocupações culturais, o Sarau da Caixa D’água, realizado na
cidade de Lagarto, localizada na região Centro-Sul de Sergipe, é o responsável pelo
processo de interiorização dessa forma de mobilização. E o Ocupe-se Todos Pela
Cultura, por sua vez, e como buscamos demonstrar na rede, resulta de uma
articulação de lideranças de todas essas ocupações.
De modo geral, e diferentemente das demais redes, a relação entre as
ocupações e com pouca mediação de lideranças, com exceção do Slam do Tabuleiro,
demonstra como as ocupações culturais constituíram espaços de experimentação. O
que mais importou na construção desses novos espaços foi a visualização e a vivência
de diversos atores no Sarau Debaixo. É desse espaço que surgem os demais. Tal fato
fica mais evidente no caso do Sarau da Caixa D’água, inicialmente chamado de Sarau
Debaixo da Caixa D’água, que inicia suas atividades com base na experiência de uma
das suas lideranças do Sarau Debaixo.
Para além desses casos cuja relação é mais direta, há uma outra série de
ocupações culturais que, indiretamente, emergem influenciados pelo Sarau Debaixo,
como o Arte no Farol e o Arte na Praça. Nem sempre essa relação direta é assumida
entre os grupos e parte disso se deve ao fato de que havia uma disputa acerca da
independência, autonomia e originalidade entre eles. Por vezes, essa independência
não era necessariamente entre os grupos, mas entre os segmentos que buscamos
demonstrar no capítulo anterior: os cosmopolitas, os periféricos, os agitadores
culturais, os secundaristas e os agentes estatais. Cada uma dessas redes de
movimentos sociais buscou, a seu modo, demonstrar como “descobriram” essa
mobilização de forma autônoma. Entretanto, e ainda que isso não constitua o objetivo
central deste trabalho, seja na análise do modo como temporalmente se desenvolveu
o processo de difusão dessa forma de ação coletiva ou nas observações acerca de
como diversos atores frequentaram e experimentaram esses espaços de contestação,
é possível identificar essas relações de influência entre os grupos.
Em suma, o processo de surgimento da rede de movimentos sociais que
intitulamos de cosmopolita se difere das demais em um aspecto. Enquanto
encontramos um protagonismo de atores sociais específicos no processo de
expansão das redes periféricos e secundaristas, na rede cosmopolita é o processo
de experimentação de ocupações já existentes que impulsiona o surgimento de novas
121

ocupações culturais. Isso fica constatado na rede na medida em que é possível


estabelecer uma relação, e buscamos demonstrar isso no Mapa da Rede 5, entre
eventos e não entre atores que criam novos espaços de contestação. Com isso, não
queremos diminuir o impacto, por exemplo, das redes de amizades e sociabilidade
entre os cosmopolitas. Eles também formam um espaço de sociabilidade
caracterizado por vínculos de amizade, entretanto tal vínculo não constituiu também
uma relação direta entre os grupos e a emergência de novas ocupações culturais.

3.2.4 Os agentes estatais: a rede 6

A rede dos agentes estatais se refere ao modo como um conjunto de


instituições como fundações, secretarias e equipamentos públicos foram mobilizados
para a construção do projeto Ocupe a Praça. Como já explicamos no capítulo anterior,
o Ocupe a Praça foi um projeto iniciado em 2017 pela Prefeitura de Aracaju, por meio
da Fundação Cultural Cidade de Aracaju. O evento consistiu em ações culturais
realizadas no centro histórico da cidade, mais especificamente na praça General
Valadão.
O projeto foi idealizado por Ana Carolina Westrup, na ocasião era coordenadora
do Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira (NPDOV) que ficava sediado no Centro
Cultural de Aracaju, localizado na mesma praça onde era realizado o Ocupe a Praça.
Ana Carolina não somente será a coordenadora do NPDOV, como também será a
idealizadora do Ocupe a Praça. Esse fato possui vinculação com a trajetória de
jornalismo, comunicóloga e ativista de Ana. Para além de sua carreira profissional
enquanto jornalista, Ana terá uma atuação intensa em torno de pautas como a
democratização da cultura e produção da informação. Tal fato está concretizado em
diversos momentos de sua carreira ativista como, por exemplo, em sua inserção no
Coletivo Intervozes. O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social é uma
organização fundada em 2003 com o objetivo de disputar uma agenda política em
torno da comunicação como direito humano.
A idealização desse projeto, é importante ressaltar, não acontece em um vazio.
Antes do Ocupe a Praça ser lançado e idealizado, o processo de difusão da ocupação
cultural e da reivindicação do direito à cidade já tinha se estabelecido em Aracaju e
no interior de Sergipe com muita intensidade. O modo como conheço Ana Carolina no
122

trabalho de campo permite compreender a relação entre esse circuito de ocupações


em Aracaju e região metropolitana e o projeto Ocupe a Praça.
O trabalho de campo desta pesquisa, seja com observação participante ou
direta, se intensifica principalmente em 2016. Eu ainda não tinha passado no processo
seletivo para o doutorado e produzia o trabalho de dissertação. No entanto, foi nesse
momento que ocorre o aumento da replicação dessa forma de ação coletiva e eu não
poderia perder a oportunidade empírica de entender o mimetismo que estava
acontecendo na cidade. Foi em uma dessas observações no Sarau de Quebrada,
promovido pelo Coletivo Entre Becos no bairro Santa Maria, que conheci Ana Carolina
Westrup. Naquele momento, ela realizara o papel de mediadora entre essas
lideranças e a prefeitura, de modo mais específico, representando a Funcaju.
Além disso, havia na cidade o Ocupe a Praça, realizado pelo Coletivo Contra
Corrente. Neste sentido, o Ocupe a Praça realizado pela Prefeitura de Aracaju não se
conforma como mais um local no qual será desenvolvida uma rede de mobilização.
Essa rede, diferente das demais, será muito institucional, mas não somente isso.
123

Mapa 6 – Rede 6

REDE 6
Juventude do
Prefeitura Coletivo Contra
PT
Municipal de Corrente
Aracaju

Núcleo de Produção
Digital Orlando
Fundação Cultural Vieira (NPDOV) Deputada Ana
Cidade de Aracaju Lúcia (PT)
(Funcaju)
Kian Lemos
Anderson Hot Black
Ocupe a Praça

Ana Carolina Westrup


Legenda
(idealizadora e 1.ª
Círculo azul: ocupações coordenadora do projeto)
Círculo preto: lideranças
endógenas Graziele Ferreira (2.ª
Círculo vermelho: lideranças coordenadora do projeto)
exógenas Cassio Murilo (Presidente da
Círculo verde: organizações Funcaju na 2.ª gestão do projeto
exógenas
Componente do quadro do Partido
Círculo amarelo: organização
endógena
dos Trabalhadores em Aracaju)

Silvio Santos (Presidente da Funcaju na 1.ª gestão do


projeto e ex-presidente do PT em Aracaju)
Fonte: Elaboração própria.

Em torno da Rede 6, como podemos observar, está localizado um conjunto de


atores institucionais como burocratas e ex-presidentes do PT, deputados estaduais,
presidentes de setoriais do PT e também lideranças de movimentos sociais. Na
representação dessa rede, podemos notar três tipos de atores.
Primeiro, os realizadores que são aqueles responsáveis pela gerência e
realização dos projetos. Entre eles, podemos destacar Silvio Santos, Cassio Murilo,
Ana Carolina Westrup e Graziele Ferreira. Essas pessoas são aquelas que estão
lotadas em cargos públicos e que tornam possível o processo de institucionalização
dessa forma de ação coletiva. Sem eles, por exemplo, o Ocupe a Praça não se iniciaria
e, muito menos, seria sustentado a médio prazo. Em parte, esses atores compõem
uma burocracia da gestão pública e, no caso de Cassio Murilo e Silvio Santos, também
124

de partidos. No caso da Funcaju, como podemos notar, as duas últimas gestões foram
protagonizadas por uma burocracia do Partido dos Trabalhadores. Ao qualificar tanto
o Cassio Murilo quanto o Silvio Santos como “burocratas” da gestão pública e
partidária, estamos destacando o fato de que esses atores estão estrategicamente
lotados em cargos de gestão pública. Sendo assim, não queremos com isso criar uma
dicotomia entre ativistas e burocratas. Pelo contrário, eles também são ativistas. Mas,
nesse caso específico, aqueles que adquirem um caráter de ativista são a próxima
categoria: os mediadores.
Segundo, os mediadores, cujo papel é o de mediar a relação entre os
movimentos sociais e o projeto Ocupe a Praça. O Ocupe a Praça é um projeto cuja
realização também tem a função de tornar visível um conjunto de questões sociais ou
aquilo que Cefaï (2017a; 2017b) define como problemas públicos. A discriminação
LGBTQIA+, a produção cultural do hip-hop nas periferias, a democratização do
audiovisual, a violência doméstica, o desrespeito aos povos originários são algumas
das questões já presentes no Liquidifica Diálogos. O Liquidifica Diálogos é um
momento no qual, em cada edição do Ocupe a Praça, essas pautas são debatidas
publicamente. É nesse momento que os atores políticos, os mediadores, se
pronunciam em apoio aos temas e, junto com eles, podemos observar suas bases de
ativismo. E a cada temática, no Teatro João Costa, localizado na parte interna do
Centro Cultural de Aracaju, novas bases de ativismo são convidadas ao evento. No
dia 11 de setembro, o Ocupe a Praça, na ocasião de lançamento do documentário
Chega de Fiu Fiu, problematizou a participação das mulheres no espaço público.
125

Imagem 22 – Edição “Chega de Fiu Fiu” do Ocupe a Praça

Fonte: Infonet, https://infonet.com.br/noticias/cultura/ocupe-a-praca-prepara-edicao-


dedicada-ao-empoderamento-feminino/.

Na manhã desse mesmo dia, o Infonet, jornal eletrônico local, trouxe a seguinte
descrição do evento e que nos ajuda a entender o papel de mediação exercido pelo
projeto.

O mês de setembro é dedicado às conquistas das mulheres ao acesso


de direitos iguais entre os homens. Com o intuito de fortalecer as lutas
pelas condições dessas igualdades, o ‘Ocupe a Praça’ preparou uma
edição dedicada ao feminismo. Intitulado ‘Chega de Fiu Fiu’, o evento
acontece nesta quarta-feira, 12, no Centro Cultural de Aracaju. O
projeto é uma iniciativa do Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira
(NPD), unidade vinculada à Fundação Cultural Cidade de Aracaju.
A programação inicia às 18h com o ‘Liquidifica Diálogos’, que trará um
momento de provocação e reflexão relacionado à arte e ao feminismo,
sob a orientação da artista multimídia, Andrea May; da advogada e
coordenadora do Grupo de Trabalho da Comissão de Defesa dos
Direitos da Mulher da OAB/SE, Bruna Menezes; da professora mestre
do Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de
Sergipe, Maíra Ezequiel; da coordenadora do projeto da ‘Patrulha
Maria da Penha’, Vaneide Oliveira, e da educadora social e ativista da
Unegro Sergipe, Thaty Meneses.
Em seguida, às 19h, será exibido o filme ‘Chega de Fiu Fiu’, dirigido
por Amanda Kamancheck Lemos e Fernanda Frazão, que expõe
questões como a participação das mulheres no espaço público, em
126

especial o assédio sexual. “O tema foi escolhido devido o lançamento,


no início do ano, deste documentário, porque está sendo muito
comentado nos espaços de cinemas. Como somos do audiovisual,
temos essa missão de pensar e trazer os filmes brasileiros para a
população de Aracaju. E isso compactua com o empoderamento
feminino, que é algo que cabe ao Ocupe sintonizar com as questões
contemporâneas que acontecem no Brasil e no mundo”, ressalta a
coordenadora do NPD, Graziele Ferreira. (INFONET, 2018).

O texto acima é uma espécie de prólogo oficial escrito pelos realizadores do


Ocupe a Praça e enviado para divulgação em jornais e blogs locais. Nesse texto,
podemos identificar como o projeto foi capaz de trazer para si um conjunto de
representantes de movimentos sociais. O caso do Ocupe a Praça, edição Chega de
Fiu-Fiu, encontramos diversas lideranças engajadas com a pauta do empoderamento
feminino, o combate à violência de gênero e do feminismo negro, este último sendo
representado por Thaty Menezes, da União de Negros pela Igualdade (Unegro).
Por último, temos uma terceira classificação de atores sociais, haja vista as
lideranças de movimentos sociais. Nessa rede, trouxe os exemplos do presidente da
juventude do Partido dos Trabalhadores e as lideranças do Ocupe a Praça, Sarau de
Quebrada e Sintonia Periférica. Esses atores já tinham relações estabelecidas com
os realizadores e os mediadores, mas tal vínculo era fundamental para o processo de
legitimidade do Ocupe a Praça. No fundo, uma das ideias que estavam subjacentes
ao enquadramento oficial de revitalização do centro histórico, analisado no capítulo
anterior, era a de tornar o Ocupe a Praça um espaço capaz de reunir e mobilizar essas
juventudes e artistas que já ocupavam a cidade.
Sendo assim, essas três classes de atores, os realizadores, os mediadores e
as lideranças de movimentos sociais, compõem a Rede 6. Essas pessoas mobilizaram
as instituições por meio de fundações, secretarias e o Centro Cultural, todos
vinculados diretamente à prefeitura municipal de Aracaju.

3.2.5 Os agitadores culturais: a rede 7

A Rede 7 é caracterizada por um conjunto de mobilizações em torno das


ocupações culturais e da reivindicação de espaços de lazer e difusão da cultura local
que emerge no interior do estado. Essa rede de movimentos sociais é construída após
a exportação desse modelo da ação coletiva para o interior de Sergipe,
especificamente pelo Sarau da Caixa D’água, em Lagarto, no ano de 2014. A rede
127

secundaristas desenvolveu algumas experiências em cidades como Poço Redondo


e Itaporanga D’ajuda, ambas também situadas no interior do estado, no entanto são
aqueles que definimos como agitadores culturais que sustentaram ao longo dos
anos um tipo de ação coletiva. E como buscamos ressaltar no capítulo anterior, a
sustentação de uma ação em cidades pequenas possibilitou uma nova tradução sobre
a ideia de direito à cidade.

Mapa 7 – Rede 7

REDE 7

Sarau do Calçadão (Tobias Barreto)

Partido dos Trabalhadores Som na Caixa (Salgado)

Sintese
Sarau Debaixo (Tobias
Coletivo Quilombo Barreto)
Comerciantes
Locais Prefeitura de
Sarau Debaixo Som na Praça Simão Dias
(Lagarto) (Lagarto)

Legenda

Círculo azul: ocupações


Sarau do Coreto (Simão Dias)
Círculo preto: lideranças
endógenas
Lideranças A
Círculo vermelho: lideranças eB
exógenas
Círculo verde: organizações
exógenas Sarau do Coreto (Monte
Círculo amarelo: organização Alegre)
endógena Sarau Debaixo
(Aracaju)
Prefeitura de
Monte Alegre
Fonte: Elaboração própria.

A Rede 7, como podemos identificar no Mapa 7, nos permite entender três


aspectos dos processos pelos quais essa rede de movimentos sociais foi construída.
Primeiro, como dissemos no capítulo anterior, essa rede resulta do fenômeno da
interiorização dessa forma de mobilização. A experiência do Sarau Debaixo em
128

Aracaju será fundamental para a replicação das ocupações culturais no interior do


estado. Segundo, o Sarau da Caixa D’água constitui a principal experiência a ser
replicada no interior, considerando este fenômeno a partir da região Centro-Sul de
Sergipe. Por exemplo, é do Sarau da Caixa D’água que surgem o Sarau do Calçadão
na cidade de Itabaiana, o Som na Praça em Lagarto, o Som na Caixa em Salgado, o
Sarau Debaixo em Tobias Barreto, o Sarau do Coreto em Simão Dias e, influenciado
por este último, o Sarau do Coreto em Monte Alegre. O terceiro aspecto e que constitui
uma diferença entre as demais redes é a apropriação explícita das prefeituras dessas
cidades, a exemplo de Simão Dias e Monte Alegre, acerca do fenômeno.
O modo como essa mobilização é traduzida nas pequenas cidades passa pela
adaptação da ideia de direito à cidade e a reivindicação de espaços de lazer e difusão
da cultura local. Assim, o modo como a pauta e o repertório de ação coletiva se realiza
nessas cidades possibilita uma maior apropriação das prefeituras. Em última
instância, apoiar os saraus ocorridos no interior do estado foi considerado pelas
administrações locais como forma de demonstrar o apoio e incentivo a esses que
seriam os novos espaços de lazer e divulgação cultural. Diferentemente de como
essas mobilizações ocorrem entre os cosmopolitas e os periféricos, nos quais
houve uma maior confrontação tanto nos usos da cidade que conflitam de modo mais
acentuado com as rotinas estabelecidas no espaço público quanto pela mobilização
de performances culturais e políticas mais conflituosas, os agitadores culturais
conquistaram maior inserção e aceitação de agentes políticos locais.
No caso do Sarau da Caixa D’água, o expoente entre os agitadores culturais,
a resistência encontrada em entrevista com uma de suas lideranças e fundadores
também está vinculado às relações políticas que esse coletivo estabeleceu com o
Partido dos Trabalhadores, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do
Estado de Sergipe (Sintese) e coletivos como o Quilombo. Além disso, uma das
lideranças, como demonstraremos no tópico posterior no qual discutiremos as
histórias de vida e perfil de ativismo desses atores, também foi candidata nas eleições
de 2018 e 2020. Nas eleições de 2018 se candidatou ao cargo de deputado estadual.
E em 2020, ao cargo de vereador.
De toda a forma, e essa é uma reflexão que pode se estender aos demais
grupos, a flexibilização em torno da possibilidade de permitir que as ocupações sejam
apropriadas por outros órgãos como prefeituras está relacionada à força dos vínculos
políticos dos grupos. Portanto, este trabalho sinaliza que quanto mais politizado o
129

grupo é, menor é a probabilidade de que a mobilização seja apropriada por órgãos


externos como partidos políticos, prefeituras, etc. Entretanto, essa máxima não é
válida para casos em que haja um alinhamento político entre os grupos externos e o
coletivo que promove a ocupação. Na rede secundaristas, por exemplo, as
ocupações culturais nascem como expressão de juventudes partidárias e grêmios
escolares com forte relação com partidos políticos e agentes políticos como deputados
e vereadores.
A construção dessas redes que, entre os anos de 2013 e 2020, ultrapassa os
limites de grupos contestatórios, a exemplo dos coletivos que organizaram as
ocupações culturais, se tornou um fenômeno que passou a chamar atenção durante
a pesquisa. Aquilo que era um repertório de ação contestatória passava, pouco a
pouco, a se transformar em uma estratégia de mobilização. Classificamos essas
estratégias em dois tipos. Primeiro, a mobilização de base, na qual os coletivos e
organizações utilizaram a ocupação cultural para conquistar novos sujeitos engajados
nos diversos espaços da cidade. E segundo, a mobilização institucional. Essa última
tem como principal mecanismo de mobilização estabelecer e sustentar relações entre
setores das administrações públicas e as lideranças que fomentaram, ao longo desses
anos, as ações de ocupação e reivindicação de direitos.

3.3 DE REPERTÓRIO DE AÇÃO CONTESTATÓRIA À ESTRATÉGIA DE


MOBILIZAÇÃO

Neste capítulo, analisamos como emergiram, em torno das ocupações


culturais, redes de mobilizações distintas. Essas redes são compostas por diversos
tipos de organizações como, por exemplo, movimentos sociais, coletivos, partidos
políticos, prefeituras, secretarias de cultura, fundações de cultura, sindicatos e grupos
de hip-hop. Nas redes de mobilizações investigadas, as organizações com os diversos
níveis de institucionalização se comunicam por intermédio de atores sociais capazes
de transitar entre esses diversos espaços.
Para além dos distintos perfis das redes que se desenvolveram nesse período
de difusão desse repertório de ação contestatória, outro fenômeno adquire relevância:
a transformação da ocupação cultural em uma estratégia de mobilização. Com isso,
afirmamos que a difusão dessa ação coletiva também esteve vinculada ao fato de que
a sua popularização entre artistas e jovens se transformou em uma possibilidade de
130

mobilizar esses grupos sociais. A realização de um sarau ou a criação de um “ocupe”


nos territórios espalhados pela cidade foi também uma oportunidade de ter novos
sujeitos engajados em coletivos, movimentos sociais, partidos políticos e
administrações públicas. No caso específico da experiência do Ocupe a Praça em
Aracaju, uma oportunidade para institucionalizar um tipo de ação coletiva em
crescente visibilidade. Nessa situação, a institucionalização dos ocupes significou
também ter grupos e demandas sociais representadas nas administrações públicas.
Nem todo repertório de ação tem, em sua estrutura performática, uma alta
capacidade de engajar novos sujeitos. Em alguns casos, como por exemplo uma
paralisação de motoristas de ônibus reivindicando aumento salarial, a pontualidade
da ação diminui a possibilidade da criação de vínculos entre os manifestantes. Em
uma passeata realizada por um sindicato dificilmente atores e grupos não
sindicalizados estarão dispostos a acompanhar a ação daquele grupo. Os motivos
pelos quais um determinado repertório de ação coletiva tenha menor capacidade de
mobilização de novos sujeitos são os mais variados: os custos e constrangimento à
participação daquele ato, a restrição à presença de pessoas outsiders, o descrédito
das organizações realizadoras, a previsibilidade e a pouca legitimidade desse
repertório de ação por diversos grupos são alguns dos fatores que tornam uma ação
com menor capacidade de atrair novos adeptos.
Esses elementos também são contextuais. O descrédito das organizações, a
legitimidade de um tipo de ação e o constrangimento à participação em determinados
eventos de protestos se alteram no tempo, no espaço e variam entre os grupos
sociais. Para alguns, repertórios de ação mais burocratizados não possuem
legitimidade. Para outros, ir a uma passeata organizada por um coletivo pode significar
descrédito, tendo em vista a menor capacidade de atender aos objetivos previstos.
O modo como as ocupações culturais se conformaram em Sergipe também tem
seus limites. Apesar disso, essas ocupações foram capazes de mobilizar um grupo
amplo: os jovens de vários perfis e origens sociais. Como demonstramos até aqui, as
juventudes, em sua diversidade, foram mobilizadas pelas ocupações culturais. Entre
esses grupos juvenis, destacamos os diversos territórios como as regiões nobres e
periféricas de Aracaju e cidades do interior do estado, os secundaristas também
aderiram a esse tipo de ação, os jovens negros cuja trajetória de ativismo se vinculam
especificamente às questões étnico-raciais e a diversidade no nível de escolaridade
demonstra como essa ação também atravessou jovens com diversas origens sociais.
131

A mobilização de jovens é sempre uma questão para as organizações políticas


e as administrações públicas. Por um lado, os movimentos sociais e os partidos
políticos se deparam com a necessidade de atingir o público jovem, renovar seus
quadros políticos e demonstrar publicamente sua capacidade de atingir os diferentes
grupos sociais. Por outro lado, para as administrações públicas, no caso dessa
pesquisa representadas pelas prefeituras, mobilizar esses grupos se transformou em
um símbolo de atendimento às demandas juvenis e criação de um canal de diálogo
com os movimentos sociais. Com base nisso, podemos pensar a transformação da
ocupação cultural em uma estratégia de mobilização em dois níveis: a de base e a
institucional.
Neste caso, definimos como mobilização de base a estratégia utilizada por
movimentos sociais, coletivos e partidos políticos de criar ocupações culturais com o
objetivo de sensibilizar possíveis novas pessoas engajadas. Em um relato de
entrevista, uma liderança diz que no momento de intensa replicação desse repertório
de ação “todos tinham seu sarau, sua ocupação”. A facilidade de atingir principalmente
os grupos juvenis, seja pela linguagem festiva ou pelo uso de aspectos culturais
comuns a esses grupos, é o elemento fundante da emergência das ocupações como
estratégia de mobilização. Pouco a pouco, começamos a ver coletivos como o Levante
Popular da Juventude, partidos políticos como o Partido dos Trabalhadores e o Partido
Socialismo e Liberdade ou coletivos e movimentos vinculados a esses partidos
presentes nessas ocupações, vereadores e deputados registravam sua presença
nesses espaços, como também lideranças de movimentos estudantis secundaristas e
universitários também demonstravam interesse pelas ocupações.
Assim, a vinculação entre as ocupações e os territórios aos quais se vincularam
permitiu a construção de espaços de representação política. O Sintonia Periférica é
um exemplo. Apesar de sua relação primeira com o bairro Industrial, zona norte e
periférica de Aracaju, a principal liderança desse coletivo também conseguiu realizar
ações semelhantes na Barra dos Coqueiros, região metropolitana de Aracaju.
O entrevistado 2, liderança do Coletivo Entre Becos, cuja atuação em
movimentos sociais como o Levante Popular da Juventude e a Juventude do Partido
dos Trabalhadores sempre foi concentrada em mobilizar representações juvenis em
diferentes territórios, nos traz algumas informações sobre isso que estamos
chamando de mobilização de base. Para ele: “[...] nossa ideia sempre foi mobilizar a
juventude onde a juventude está”, e assim era feito por meio das ocupações culturais.
132

A estratégia utilizada pelas lideranças que promovem as ocupações, como


buscamos ressaltar no relato de entrevista anterior, já nos indica como esses espaços
também serviram de mobilização dos novos atores engajados. As lideranças desses
grupos, normalmente jovens vinculados aos territórios nos quais ocorrem as
ocupações culturais e os saraus, não estão alheias em níveis organizacionais. Eles
são membros de coletivos, movimentos sociais, partidos políticos e juventudes
partidárias. Neste sentido, obter reconhecimento nas comunidades em que estão
inseridos é também acumular prestígio nas organizações das quais participam.
Como a desconfiança com as organizações políticas tradicionais aparece em
diversos relatos desse público do qual estamos falando, normalmente uma forma de
alcançar os jovens é por meio do coletivo. Esse modelo organizacional, como
destacamos no Capítulo 1, ganha credibilidade entre diversos grupos sociais no início
do século XXI, e principalmente após os protestos de junho de 2013, por dois motivos
principais. Primeiro, conseguem se distanciar de organizações políticas mais
tradicionais como os partidos políticos e, em alguns casos, os movimentos sociais
tradicionais, a exemplo de sindicatos. E segundo, possuem uma flexibilidade
organizacional na qual os custos do engajamento são menores – a priori demanda
menos tempo de vida dedicado às organizações e não exige-se nenhum tipo de
filiação e compromisso mais intenso – e as hierarquias menos definidas. Assim, é
nesse modelo organizacional que esses grupos mobilizam jovens com diversos perfis
sociais, econômicos e culturais.
Esses coletivos, como destaca Perez (2019), nem sempre correspondem às
características comumente adotadas para definir esse modelo organizacional, haja
vista a autonomia, a ausência de hierarquia e uma dinâmica de ações reivindicatórias
pontuais e múltiplas. Alguns deles estão diretamente vinculados a partidos políticos
ou movimentos sociais mais tradicionais, como os grêmios estudantis e sindicatos.
Essa vinculação pode ser em nível organizacional ou no nível das lideranças do
coletivo.
Em entrevista com uma liderança do Ocupe-se Todos Pela Cultura, ele fala dos
“coletivos impulsionadores”. Os “coletivos impulsionadores” são organizações que
emergem em outras organizações como partidos políticos e servem para estimular
determinadas reivindicações. Por exemplo, o Coletivo Contra Corrente e o Cultura
Pela Periferia estão diretamente envolvidos com o Partido dos Trabalhadores e
movimentos estudantis locais e nacionais. Com a intensa replicação da ocupação
133

cultural e dos saraus em Sergipe, e vislumbrando a capacidade de mobilização desse


repertório, aquilo que era um movimento estudantil se transforma em um coletivo e
inicia sua atuação na luta pela reivindicação do direito à cidade.
A mobilização de base, então, resulta de uma oportunidade política gerada a
partir do intenso alcance que esse repertório adquire entre alguns grupos sociais. Ao
citar o Ocupe-se Todos Pela Cultura, o Coletivo Contra Corrente e o Cultura Pela
Periferia, não queremos restringir a ideia de “coletivos impulsionadores” a esses
grupos. Pelo contrário, esta dinâmica se torna frequente entre os coletivos. No fundo,
podemos afirmar que ter um coletivo ou uma ocupação era considerado uma
demonstração pública de que os diversos partidos e movimentos sociais estavam
atendendo à demandas provocadas por essas mobilizações.
O segundo tipo de mobilização é a institucional. No referido campo de pesquisa,
podemos definir mobilização institucional no modo como as secretarias de educação,
assistência social, cultura e juventude se aproximaram desses coletivos e ocupações
culturais com o objetivo de criar vínculos de representação com esses grupos.
No interior do estado, esse tipo de mobilização ocorre principalmente com base
em uma relação estabelecida entre os coletivos com as secretarias de cultura. Esse
tipo de relação via secretaria de cultura está relacionado com o enquadramento
mobilizado pelos agitadores culturais, haja vista a democratização da cultura e a
criação de espaços de divulgação da cultura local. Os casos do Sarau do Coreto
realizado nas cidades de Monte Alegre e Simão Dias, ambos inspirados no Sarau
Debaixo que inicia o processo de interiorização, nos ajuda a pensar nesse tipo de
mobilização.
Na Imagem 23, retirada do site da Prefeitura Municipal de Simão Dias,
podemos identificar como o Sarau do Coreto foi vinculado à secretaria de cultura da
cidade. Esse fato irá ocorrer de forma direta ou indireta em outras cidades do interior,
como Lagarto e Itabaianinha. Aqui há um fenômeno a se destacar: a transformação
da ocupação em uma estratégia de mobilização ocorre por meio da inclusão dela em
uma política pública da prefeitura.
Diferentemente do que ocorreu em Aracaju e região metropolitana, nas cidades
do interior houve uma predominância no uso das ocupações culturais como espaço
de lazer e/ou manifestação cultural local. O Sarau do Coreto em Simão Dias é um
caso exemplar da transformação do sarau em um evento oficial da prefeitura. Por sua
vez, o Sarau do Coreto – de nome semelhante ao de Simão Dias – de Monte Alegre,
134

para além de ter sido mobilizado pela prefeitura enquanto um evento cultural que se
tornou parte da agenda da cidade, a prefeita Marinez Silva Pereira Lino reconheceu o
sarau como Patrimônio Cultural e Imaterial do município (ver Imagem 24 ).

Imagem 23 – Divulgação do Sarau do Coreto pela prefeitura de Simão Dias

Fonte: https://simaodias.se.gov.br/primeiro-sarau-do-coreto-de-2019-sera-realizado-no-proximo-
sabado/.

Imagem 24 – O reconhecimento do Sarau do Coreto como Patrimônio Cultural e


Imaterial do Município de Monte Alegre de Sergipe
135

Fonte: https://camarademontealegre.se.gov.br/camara-aprova-e-reconhece-o-sarau-patrimonio-
cultural-e-concessao-de-titulos/.

Em Aracaju e região metropolitana, a mobilização institucional dessas ações


ocorreu não a partir da ideia de valorização da cultura como demonstramos acima,
mas por intermédio de políticas de incentivo baseadas nas ocupações culturais
enquanto formas de denúncia das desigualdades e possibilidades pedagógicas.
Essa diferente mobilização institucional pode ser percebida a partir de dois
fenômenos. Primeiro, o modo como importantes lideranças são incorporadas em
setores da prefeitura municipal de Aracaju e Nossa Senhora do Socorro e as parcerias
estabelecidas entre determinadas secretarias e as ocupações culturais.
136

Em janeiro de 2017, por exemplo, Eliane Aquino, vice-prefeita e secretária


municipal da Assistência Social e Cidadania, e a diretoria de Direitos Humanos, se
reuniram com algumas lideranças do movimento negro (ver Imagem 25). Nessa
reunião, estavam presentes algumas dessas lideranças.

Imagem 25 – Reunião entre vice-prefeita Eliane Aquino e entidades do movimento


negro

Fonte: http://sergipenoticias.com/pimentas/2017/01/3603/eliane-aquino-se-reune-com-entidades-do-
movimento-negro.html.

Mais do que uma reunião com entidades do movimento negro, acima temos
parte da rede mobilizada pela vice-prefeita em torno dessa pauta. Não é possível
137

afirmar que todas as pessoas e organizações presentes nessa reunião compõem uma
rede de compromissos políticos como, por exemplo, a atuação na prefeitura de
Aracaju. Entretanto, esses grupos estabelecem diversos tipos de relação e
engajamento com a prefeitura. Naquele mesmo ano, em 2017, ocorreria embaixo da
Ponte Construtor João Alves, local onde acontecia a ocupação cultural do Sintonia
Periférica, uma das edições das Pré-conferências de igualdade racial, coordenada
pela rede de organizações citadas acima (ver Imagem 26). Uma parceria semelhante
aconteceu, também em 2017, em um evento realizado pelo Sintonia Periférica e a
prefeitura de Aracaju sobre políticas públicas raciais e de gênero (ver Imagem 27).

Imagem 26 – Cartaz das Pré-conferências de igualdade racial, ocorridas em 2017

Fonte: Disponível em:


https://www.aracaju.se.gov.br/noticias/72939/prefeitura_de_aracaju_realiza_pre-
conferencias_de_igualdade_racial.html
138

Imagem 27 – Roda de conversa realizada pela prefeitura de Aracaju em parceria


com a Nação Hip-Hop Brasil e o Sintonia Periférica no bairro Industrial

Fonte: Facebook do Sintonia Periférica.

O que queremos destacar com essa reunião é como alguns representantes das
ocupações paulatinamente são chamados a realizar determinadas ações em nome da
prefeitura de Aracaju ou governo de Sergipe ou a ocupar determinados cargos
estratégicos. O caso contrário também ocorre, que é quando lideranças das
ocupações culturais buscam parceria com a prefeitura a fim de realizar atividades,
principalmente em torno do campo da educação e assistência social, baseado, por
exemplo, naquilo que alguns interlocutores chamaram de “pedagogia da cidade”. Essa
pedagogia pode ser pensada enquanto uma educação baseada em uma reflexão das
vivências desses sujeitos na cidade. É por meio dela, por exemplo, que os jovens
139

conseguem provocar reflexões acerca das desigualdades sociais, da política


enquanto ferramenta de construção de um bem viver democrático, do racismo, da
cultura como forma de lazer e educação, etc. É com base nessas experiências
acumuladas que os entrevistados 2, 3, 6 e 8 foram chamados pela prefeitura para
realizar atividades como educadores sociais com jovens internos e em escolas da
rede pública. O que há de comum entre esses atores sociais? Todos estão localizados
naquilo que classificamos como periféricos e, com base em linguagens culturais da
periferia, são chamados para ações vinculadas com jovens de perfil social
semelhante.
A parceria realizada em 2019 entre a Secretaria de Estado da Inclusão, da
Assistência Social e do Trabalho (Seit) e o Slam Mulungu nos sinaliza para o modo
como essas ocupações culturais estabelecem diálogo com o Estado (ver Imagem 28).
140

Imagem 28 – Parceria entre a Seit e o Slam Mulungu divulgada no portal de notícia


oficial do governo de Sergipe

Fonte: https://www.se.gov.br/noticias/inclusao-social/poesia-negra-movimenta-espaco-ze-peixe-em-
primeira-edicao-do-slam-mulungu.
141

Imagem 29 – Realização do Slam Mulungu no Espaço Zé Peixe

Fonte: https://www.se.gov.br/noticias/inclusao-social/poesia-negra-movimenta-espaco-ze-peixe-em-
primeira-edicao-do-slam-mulungu.

Imagem 30 – Recital no Slam Mulungu no Espaço Zé Peixe

Fonte: https://www.se.gov.br/noticias/inclusao-social/poesia-negra-movimenta-espaco-ze-peixe-em-
primeira-edicao-do-slam-mulungu.
142

Em dois trechos da matéria acima divulgada no site oficial do governo de


Sergipe, podemos observar como a desigualdade social e a reivindicação por direitos
são as narrativas que justificam tal aproximação entre esses coletivos e instâncias do
Estado. Neste caso, vale destacar que há uma correspondência identitária e de
engajamento militante (NAUJORKS; SILVA, 2016) entre a liderança institucional que
media a interlocução e os ativistas dos coletivos destacados. Sônia Oliveira é uma
destacada liderança do movimento negro de Sergipe e, na ocasião, era referência
técnica de igualdade racial, povos e comunidades tradicionais da Secretaria de Estado
da Inclusão, da Assistência Social e do Trabalho (Seit).

Além de ceder o espaço cultural, a Seit apoiou o evento através da


diretoria de Inclusão e Promoção de Direitos. “Nós estamos sempre
junto de atividades como esta, protagonizada pelo movimento da
juventude negra, uma população normalmente de grande
vulnerabilidade social. É importante sempre incentivar que esses
jovens possam despertar através da poesia, inclusive com ações
empreendedoras envolvendo a sua arte. Para nós, é uma grande
oportunidade de diálogo com o movimento social organizado. Não tem
como se fazer uma gestão na área de inclusão de direitos, sem fazer
com que a sociedade se aproxime de nós”, disse Sonia Oliveira,
referência técnica de igualdade racial, povos e comunidades
tradicionais da Seit. (GOVERNO DE SERGIPE, 2019).

Esse recorte da notícia completa (ver Imagem 28) nos chama atenção para os
diferentes modos como as diferentes instâncias do Estado incorporaram os coletivos
e movimentos sociais que promoveram ocupações entre os anos de 2013 e 2020 em
Sergipe.
De um lado, as ocupações culturais do interior do estado conquistaram espaços
de atuação nas prefeituras por meio das ideias de “valorização cultural” e “espaços de
sociabilidade e lazer para a juventude”. Este tipo de diálogo entre os coletivos e as
prefeituras localizadas no interior não ocorre coincidentemente, pois, pelo contrário,
está vinculado ao modo como a ocupação cultural é enquadrada por tais grupos, como
demonstramos no capítulo anterior. Do outro lado, os periféricos transformaram um
conjunto de saberes adquiridos a partir de suas experiências de vida em estratégias
de intervenção pedagógica e cultural com grupos juvenis em situação de
vulnerabilidade. Tal fato, que também expressa a diferença de experiências de vida
desses jovens, foram fundamentais para que houvesse caminhos distintos de
aproximação entre esses coletivos e as prefeituras.
143

Em suma, o presente capítulo teve como objetivo investigar o modo como, em


torno dessas mobilizações, foram construídas redes de mobilização. Tendo em vista
que um dos problemas centrais desta pesquisa é a análise do processo de difusão de
uma forma de ação contestatória, os capítulos 1, 2 e 3 se relacionam à medida que
analisa esse fenômeno em três dimensões.
As duas primeiras dimensões, e descrevemos tais fenômenos nos dois
primeiros capítulos do trabalho, constituem o processo de difusão de uma narrativa e
prática de contestação. Analisamos os diferentes modos como a ideia de direito à
cidade foi mobilizada por diversos grupos e contextos sergipano. Paralelamente a
isso, a ocupação cultural paulatinamente tornou-se um repertório de ação coletiva
disponível e apropriado por esses grupos. Com base nessas informações,
classificamos esses grupos em cinco: os periféricos, os agitadores culturais, os
cosmopolitas, os secundaristas e os agentes estatais. Esses grupos representam
também estilos de ativismos distintos que se diferenciam em variáveis como perfil dos
atores e organizações, contextos sociais em que estão inseridos e narrativas acerca
do direito à cidade.
A partir disso, e as informações podem ser localizadas neste capítulo,
analisamos uma terceira dimensão desse processo de difusão desse tipo de ação
coletiva: a emergência de redes de mobilizações. Essas redes de mobilizações são
marcadas pelo surgimento de coletivos vinculados à pauta e forma de mobilização em
questão, mas também e principalmente pela construção de vínculos desses coletivos
com movimentos sociais, partidos políticos e instâncias do Estado, como secretarias
municipais e estaduais. Tais redes, e baseado nas contribuições de uma literatura que
chama atenção para essa dimensão da ação coletiva (DIANI, 1992; DIANI, BISON,
2010), foram fundamentais para que aquilo que era uma ação coletiva contestatória
se transformasse em uma estratégia de mobilização. O fato de que no período de
2013 a 2020 a ocupação cultural adquire adesão principalmente entre os jovens é um
aspecto que estimula que outros grupos, como partidos políticos e as prefeituras,
utilizem este repertório de ação enquanto uma forma de mobilização. A isso
chamamos de um processo de transformação de um repertório de ação contestatória
em estratégia de mobilização.
A diversificação das redes apontadas, como também a transformação dessa
forma de ação em estratégia de mobilização, sinaliza para como, nesse período de
desconfiança e crise dos modelos de ativismo mais tradicionais, a reivindicação do
144

direito à cidade e as ocupações adquiriram alta capilaridade entre os espaços de


ativismo. Coletivos, partidos políticos, gestões públicas, movimentos sociais e os
debates organizados por professores universitários na Universidade Federal de
Sergipe demonstram como a pauta do direito à cidade conseguiu, nesse período,
articular uma rede diversificada e fragmentada em torno da causa.
No próximo capítulo analisamos, com base em entrevistas semiestruturadas e
biográficas, os diferentes perfis de carreiras militantes que foram desenvolvidas
nesses espaços de contestação. Junto a isso, investigamos também fenômenos
como, por exemplo, o de emergência de novas representações políticas dotadas de
um prestígio político adquirido nas ocupações culturais.
145

CAPÍTULO 4 – ENGAJAMENTO E EXPERIÊNCIAS URBANAS: AS CARREIRAS


MILITANTES DAS LIDERANÇAS

Neste capítulo analisamos como o contexto de difusão das ocupações culturais


como forma de reivindicação do direito à cidade proporcionou um ambiente favorável
para a construção de carreiras militantes. Para isso, demonstramos como as
diferentes carreiras militantes apresentadas apontam para a diversidade dos públicos
que foram mobilizados nesse período. Paralelamente à diversidade de carreira das
lideranças estudadas, observamos, por meio das entrevistas biográficas e
semiestruturadas realizadas, como as experiências desses atores sociais com o
espaço público, normalmente marcadas por eventos de injustiça, constituem um fator
determinante na inserção desses atores nessa rede de mobilização. Além daqueles
que iniciaram suas carreiras militantes nesses espaços, o presente capítulo também
demonstra como militantes cuja carreira está vinculada a outras esferas do ativismo
converteram um prestígio adquirido em outros espaços militantes para se inserir nas
ocupações culturais enquanto lideranças. Por fim, com base na constatação de um
certo deslocamento dessas lideranças que passam a transitar entre as ocupações e
os espaços institucionais, este capítulo também analisou os processos de
reconversão de um prestígio militante acumulado na realização dos “ocupes” em
capacidade de ação em secretarias e campanhas políticas.

4.1 HISTÓRIAS DE VIDA, CARREIRAS MILITANTES E PADRÕES DE ATIVISMO

Do início da pesquisa até aqui, planejamos e percorremos um desenho de


pesquisa capaz de analisar desde os amplos cenários, ainda que locais, das formas
de contestação até os atores que promovem o tipo de ação coletiva que é objeto de
investigação deste capítulo. Para isso, a pesquisa analisou os seguintes aspectos.
Em primeiro lugar, analisamos o modo como a ocupação cultural se insere no
cenário descrito anteriormente e apresentamos, a partir do conceito de repertório
modular de Tilly (2005, 2006), os processos de reinterpretação da ocupação cultural
em diversos contextos sociais. Para isso, demonstramos como o processo de difusão
da ocupação cultural enquanto repertório de contestação estimulou, como
consequência, uma diversidade de performance em torno da reivindicação do “direito
à cidade”.
146

Em segundo lugar, demonstramos como essa diversidade das práticas em


torno desse tipo de mobilização também era acompanhada de diferenças nos modos
de enquadrar a reivindicação do direito à cidade. Dessa diversidade de práticas e
enquadramentos, categorizamos os grupos em periféricos, agentes estatais,
secundaristas, cosmopolitas e agitadores culturais. Ao longo do trabalho de pesquisa,
ficou evidente como esta constelação de formas de narrar e colocar em prática a
reivindicação do direito à cidade entre as ocupações culturais estava vinculada aos
diversos tipos de experiência (coletiva e individuais) desses atores com a cidade. E,
no caso dos agentes estatais, ao modo como o Estado traduziu essa pauta
reivindicatória.
No caso da influência dos diversos tipos de experiência que estão imbricadas,
sejam coletivas ou individuais, elas nos revelaram como esses grupos sociais juvenis,
com diversos marcadores identitários, enquadraram e colocaram o repertório da
ocupação cultural com base em “estoques de disposições” (LAHIRE, 2002, 2005,
2016). O “estoque de disposições”, para o autor, consiste em esquemas de
gestualidades corporais, formas de percepção e sentir o mundo e uma gramática que
cada indivíduo acumula ao longo de suas histórias individuais, evidentemente
localizadas em contextos sociais. São os diferentes “estoques de disposições” que
tornaram a reivindicação do direito à cidade tão múltipla no contexto analisado. Esses
são os casos dos cosmopolitas e a busca por um ideal de estilo de vida urbana
anticapitalista; dos periféricos e a reivindicação de uma cidade antirracista e com
espaços de lazer nas comunidades mais pobres; dos secundaristas e a busca por
uma cidade acessível aos estudantes; dos agentes culturais e a busca pela
valorização da cultura local no interior do estado; e dos agentes estatais e a
revalorização do centro histórico.
No terceiro momento, iniciamos com a exposição das redes de atores e
organização com o objetivo de examinar os diversos tipos de agrupamento que se
envolveram nesse tipo de mobilização ao longo desses seis anos, haja vista que a
difusão ocorre entre os anos de 2014 e 2020. Agora, analisaremos os padrões de
engajamento das principais lideranças com o objetivo de trazer à luz as histórias de
vida e de ativismo, as variáveis que permitem entender: a) as diferentes motivações
para o envolvimento no tipo de mobilização analisada; b) os modelos de carreira
militante; e c) os processos de reconversão de um prestígio social e político adquirido.
147

Após esse percurso, o presente capítulo tem como objetivo analisar as carreiras
militantes das lideranças envolvidas nas mobilizações. Tal investigação nos permitirá
entender três fenômenos. Primeiro, como o contexto de ocupações culturais permitiu
a construção de carreiras militantes iniciadas nesse período. Segundo, a reconversão
de saberes e experiências de ativistas para o tipo de ação coletiva analisada. E
terceiro, como determinadas trajetórias de ativismo vinculadas às ocupações culturais
e a reivindicação do direito à cidade conseguiram acessar outros espaços com base
no acúmulo de prestígio social e político adquirido nessas mobilizações.
No campo da ação coletiva, as biografias dos ativistas têm sido analisadas a
partir de duas abordagens distintas: os estudos de trajetórias e carreiras militantes
(FILLIEULE, 2010, 2015; BECKER, 1960, 2008; DARMON, 2008; OLIVEIRA, 2010;
SILVA, RUSKOWSKI, 2010). Essa tendência, que não é uma particularidade do
campo do ativismo e movimentos sociais, antes consiste nos principais modos de
analisar os relatos e histórias de vida nas Ciências Sociais a partir de perspectivas e
tradições sociológicas diferentes.
O conceito de trajetória, por exemplo, possui uma origem francesa e adquire
forma nos estudos biográficos de Pierre Bourdieu. Para o autor, uma trajetória
consiste em uma sucessão de eventos orientados pela posição objetiva – a exemplo
da classe social à qual pertence – de um indivíduo em um campo. Um campo, por sua
vez, pode ser definido enquanto um espaço social no qual os indivíduos disputam o
seu domínio a partir de estratégias de acúmulo de recursos. Aplicado ao campo do
ativismo, nós podemos dizer que uma trajetória militante se constrói com base na
localização de um determinado ativista no campo dos movimentos sociais. As
possibilidades de ativismo, seguindo a lógica de Bourdieu, estão vinculadas à posição
desse sujeito nos campos – tendo em vista que eles são potencialmente autônomos,
logo os diversos campos também se relacionam – sociais. Um ativista cuja origem
social é de classe baixa possivelmente trilhará, numa abordagem bourdiana, uma
trajetória militante condizente com sua “herança social” que representa sua posição
de classe e, quase que consequentemente, militante. É com base nisso que o autor
define uma história de vida como

colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais


precisamente nos diferentes estados sucessivos da estrutura da
distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no
campo considerado. O sentido dos movimentos que conduzem de
148

uma posição a outra (de um posto profissional a outro, de uma editora


a outra, de uma diocese a outra, etc.) evidentemente se define na
relação objetiva entre o sentido e o valor, no momento considerado,
dessas posições num espaço orientado. (BOURDIEU, 2011, p. 190).

Essa reflexão está inserida em um escopo teórico do autor no qual as estruturas


sociais, representadas principalmente pela variável da origem social, possuem um
caráter definidor da construção e desenvolvimento das histórias de vida. Apesar do
imenso peso “estrutural” nas biografias e que será relativizado pelos pós-
bourdieusianos, a exemplo de Luc Boltanski, Margaret Archer e, principalmente,
Bernard Lahire (VANDENBERGHE, 2016), há uma questão teórica de fundo na
abordagem do autor: as biografias não se desenvolvem em um vácuo social. Essa
argumentação será fundamental na crítica que o autor desenvolve no clássico texto A
ilusão biográfica (BOURDIEU, 2002) como forma de desnaturalização dos relatos e
das histórias de vida.
Tanto a crença em uma concepção de biografia caracterizada pela coerência e
presente em estilos literários, quanto as formas mais tradicionais de tratamento dos
relatos orais que revelam histórias de vida na sociologia, em sua dimensão
metodológica, dos relatos de vida, conduziria, segundo Bourdieu (2002), a uma ilusão
retórica ou uma ilusão biográfica. A desnaturalização do fenômeno consistiria na
capacidade do sociólogo em identificar o sentido artificialmente elaborado pelos
agentes e as condições sociais que possibilitam o desenvolvimento daquela trajetória.
De um lado, a ruptura epistemológica com um tipo de concepção biográfica marcada
pela coerência permite que o estudo ultrapasse os limites de uma noção de história
de vida linear. Do outro lado, a desconfiança em relação aos relatos proporciona que
o pesquisador ultrapasse a “sociologia espontânea” dos estudos que apenas descreve
e não analisa a fala dos interlocutores (BOURDIEU, 1983, 2015).
Paralelamente à proposta de trajetória para a análise das biografias e histórias
de vida representada pela sociologia de Pierre Bourdieu e os bourdianos
(PASSERON, 1990; DUBAR, 1998), a noção de carreira militante se desenvolveu nos
EUA a partir das influências do interacionismo e pragmatismo. Segundo Becker
(2008),

Originalmente desenvolvido em estudos de ocupações, o conceito se


refere à sequência de movimentos de uma posição para outra num
sistema ocupacional, realizados por qualquer indivíduo que trabalhe
149

dentro desse sistema. Além disso, inclui a noção de “contingência de


carreira”, aqueles fatores dos quais depende a mobilidade de uma
posição para outra. Contingências de carreira incluem tanto fatos
objetivos de estrutura social quanto mudanças nas perspectivas,
motivações e desejos do indivíduo. (BECKER, 2008, p. 35).

O conceito de carreira, apesar de não estar explicitamente destacado no trecho


acima, nos ajuda a entender uma biografia desenvolvida em um determinado universo
social, a exemplo do ativismo ou de uma profissão, com base em duas dimensões.
Primeiro, a dimensão objetiva que pode ser definida por meio da “sequência de
movimentos” ocorridos em um determinado universo social. Neste sentido, a
dimensão objetiva da carreira estudantil universitária pode ser delineada a partir dos
diversos envolvimentos e posições estabelecidas por um indivíduo na universidade:
laboratórios, grupos de pesquisa, vinculação com orientador, engajamento em centros
acadêmicos, etc. Além da dimensão objetiva, uma carreira também é composta pela
dimensão subjetiva que consiste nos modos como um indivíduo justifica seus atos,
elabora uma gramática e uma forma de percepção do mundo.
Em parte, essas duas dimensões estão relacionadas. No caso de um estudante
que ingressa desde cedo e permanece até a pós-graduação em um laboratório de
pesquisa que utiliza a sociologia weberiana como parâmetros teóricos e
metodológicos, certamente terá incorporado uma forma de se fazer sociologia
específica a essa tendência. Deste modo, a noção de carreira busca identificar, em
uma abordagem construtivista, os processos de “interiorização do exterior” e de
“exteriorização do interior” (CORCUFF, 2001). Neste caso, a influência do
pragmatismo de John Dewey e George Herbert Mead, o interacionismo simbólico do
Herbert Blumer e a fenomenologia de Alfred Schultz serão fundamentais para o maior
interesse da Escola de Chicago, locus de invenção e desenvolvimento do conceito de
carreira, em investigar a construção de subjetividades em uma biografia.
A atenção dos estudos de carreira, como podemos observar nos estudos sobre
os grupos desviantes em Becker (2008), se concentra nos processos de socialização
que compõem uma história de vida. Assim, as socializações constituem uma das
variáveis fundamentais para o acesso aos eventos que constituem uma carreira.
É com base nas socializações, sejam elas mais formais no caso de uma análise
das posições profissionais ou mais informações como é exemplo dos grupos
desviantes, que os estudos de carreira objetivam uma história de vida. Segundo
Darmon (2008), o conceito de carreira é também um instrumento de objetivação
150

sociológica interacionista que se divide em duas etapas: a agregação qualitativa e a


comparação.
A agregação qualitativa é o ato da coleta de dados sobre diversas carreiras que
se desenvolvem em um universo social específico. No caso deste capítulo, a
agregação qualitativa ocorreu à medida que foram coletados, por meio de entrevistas
semiestruturadas, conversas informais e observação participante, os diversos relatos
sobre os envolvimentos políticos de lideranças das ocupações culturais. O passo
seguinte à agregação qualitativa é a comparação.
A comparação acontece com base nas particularidades das carreiras e dos
contextos sociais nos quais elas foram desenvolvidas. Darmon (2008) destaca uma
particularidade da comparação no processo de objetivação das carreiras que é a não
equivalência. Não há um parâmetro ou um tipo ideal de carreira, mas uma
multiplicidade de carreiras que se desenvolvem em um campo de possibilidades de
um universo social específico. Por exemplo, ainda que o período entre os anos de
2013 e 2020, como buscamos destacar, constitua um momento propício para o
envolvimento de jovens no ativismo cultural de reivindicação do direito à cidade, as
carreiras desenvolvidas nesse espaço social são diversas.
A nível didático, podemos situar essas duas propostas em dois extremos de
uma agenda de pesquisa construtivista: os estudos de trajetória e a análise dos
processos de “interiorização do exterior”; e o conceito de carreira e a investigação da
“exteriorização do interior”. Apesar disso, os usos contemporâneos dos conceitos para
o estudo das biografias, inclusive no Brasil, ocorrem por intermédio de uma intensa
bricolagem e flexibilidade (REIS, BARREIRA, 2018).
Nos estudos sobre o engajamento militante, as noções de trajetória e carreira
também possuem um uso flexível que é reflexo do aprimoramento na forma de
tratamento desses conceitos, seja pela tradição da Escola de Chicago por meio de
Howard Becker (2008) ou via herança bourdieusiana a partir da sociologia
disposicionalista de Bernard Lahire (2002, 2005, 2016). Entre essas apropriações para
o campo do ativismo, a análise processual do engajamento militante de Fillieule (2010,
2015) parte dos elementos comuns às análises a fim de entender como um indivíduo
desenvolve um compromisso político. Segundo o autor:

Los conceptos de trayectoria y de carrera se inscriben por tanto en una


misma tradición y comparten un certo número de propiedades, es
151

decir, una igual atención a los procesos y a la dialéctica permanente


entre historia individual e institución y, de forma más general, también
a los contextos. (FILLIEULE, 2015, 199).

Aplicado ao estudo do engajamento e do ativismo, Fillieule (2015) destaca que


a noção de carreira:

[...] permite comprender cómo en cada etapa de la biografía las


actitudes y los comportamientos están determinados por actitudes y
comportamientos pasados y, condicionan, a su vez, el campo de los
posibles venideros, contextualizando así, los periodos de compromiso
dentro del conjunto del ciclo de vida. La noción de carrera permite
entonces, más allá de una petición de principio, poner en práctica una
concepción de la militancia como proceso, o dicho de otro modo,
trabajar conjuntamente las cuestiones de las predisposiciones a la
militancia, del paso a la acción, de las formas asumidas, diferenciadas
y variables, en el tiempo que adopta el compromiso, de la multiplicidad
de los compromisos a lo largo del ciclo de vida -desvinculación(es) y
desplazamientos de un colectivo al otro, de un tipo de militantismo a
otro- y de la contracción o extensión de los compromisos. (FILLIEULE,
2015, p. 200).

A ideia de entender o engajamento enquanto um fenômeno marcado por uma


história que, por sua vez, é atravessada por um conjunto de predisposições derivadas
de comportamentos e eventos biográficos que condicionam o engajamento ajuda a
problematizar os ativismos desta pesquisa em duas dimensões.
Primeiro, as trajetórias de ativismo, como será explorado a seguir, demonstram
como as experiências de interação desses jovens com a cidade e suas vinculações
com os diversos espaços sociais são fundamentais para entendermos os modos como
os ativismos serão efetivados e construídos. Por exemplo, um jovem nascido em uma
periferia da cidade de Aracaju ou região metropolitana cujos principais espaços de
socialização são os grupos de hip-hop e, com base nisso, os movimentos sociais
negros e do hip-hop terá uma função de “iniciação” no ativismo do direito à cidade
diferente de um jovem produtor cultural de classe média. Nesta perspectiva, podemos
dizer que há uma correspondência entre as disposições sociais adquiridas pelos
jovens e o circuito de ativismo do direito à cidade ao qual se vinculará.
Ao longo dos capítulos anteriores, demonstramos como o circuito do ativismo
pelo direito à cidade é diverso e acompanha um conjunto de grupos, coletivos e redes
de mobilizações distintas. No caso desse jovem do exemplo mencionado, é certo que
sua inserção nesse ativismo do direito à cidade que será difundido em Sergipe entre
152

os anos de 2013 e 2020 será por meio dos periféricos ou dos secundaristas.
Dificilmente, mas não impossível tendo em vista os fluxos e contatos sociais, seria
com base no circuito dos chamados cosmopolitas.
O segundo aspecto é que essas disposições biográficas, marcadas pelas
experiências de vida desses jovens na cidade, constituem um aspecto central no
modo como esses indivíduos atribuem sentido ao seu ativismo. A plasticidade ou, nos
termos de Tilly (2005, 2006) e Wada (2012), o caráter modular do repertório, como
mencionamos ao longo da pesquisa, possibilitou que pessoas com diversas trajetórias
de ativismo convertessem suas experiências na reivindicação do direito à cidade. O
jovem envolvido com grupos de hip-hop, um militante pelo direito à moradia, os
ativistas pela mobilidade urbana e transporte público do período anterior aos protestos
de junho de 2013 e os estudantes secundaristas, por exemplo, estiveram envolvidos
nas ocupações culturais. Os diferentes espaços de socialização, paralelamente ao
estoque de disposições acumulado em suas experiências de vida, foram fundamentais
para o modo como converteram tais esquemas de pensamento e percepção de mundo
para esse ativismo específico.
Juntamente com esses dois aspectos da experiência de vida que compõe a
carreira militante em sua dimensão subjetiva e que impactam: a) o sentido atribuído
ao ativismo; e b) o modo como essas carreiras são iniciadas; também analisaremos a
dimensão “objetiva” da carreira. Como variáveis objetivas, consideramos
especialmente as vinculações desses atores sociais com espaços sociais a exemplo
de movimentos sociais, coletivos, partidos políticos, cursos universitários, cargos em
prefeituras, etc.
Por fim, o último aspecto a ser objeto de reflexão neste capítulo se trata das
reconversões de uma expertise decorrente do ativismo e prestígio sociopolítico
acumulado para a ocupação de cargos, candidaturas e outros atividades políticas e
profissionais.
Com base nisso, analisamos seis carreiras de ativismos de atores sociais
envolvidos com as ocupações culturais e a reivindicação do direito à cidade entre os
anos de 2013 e 2020 em Sergipe. Para isso, foram realizadas entrevistas
semiestruturais e biográficas com o objetivo de captar os diversos tipos de
envolvimento político – dos mais formais e sustentados em um longo período de tempo
aos mais informais e efêmeros –, os desengajamentos, como também as motivações
e a inserção desses atores no ativismo pelo direito à cidade.
153

4.2 LIDERANÇA A, OCUPE-SE TODOS PELA CULTURA

A Liderança A é um homem, em 2016 quando aconteceram as edições do


Ocupe-se Todos Pela Cultura tinha 29 anos e se autodenomina enquanto mestiço. A
carreira militante desta liderança é marcada pelo envolvimento em diversos tipos de
movimentos sociais e, nos últimos anos, tem se dedicado à luta pelos direitos à
moradia, comunicação e cultura.
O primeiro envolvimento político, segundo ele, ocorreu aos 16 anos, ou seja,
em meados de 2002. Naquele ano, o candidato à presidência do Brasil Luís Inácio
Lula da Silva (PT) tinha sido eleito. Em Aracaju, Marcelo Déda Chagas (PT) era o
prefeito da capital e João Alves Filho (DEM), naquele ano, era eleito ao governo de
Sergipe. A importância desse cenário aparece na própria fala dessa liderança. Para
ele, seu envolvimento político emerge em meio ao consumo de músicas de
contestação e o “clima” dos governos progressistas nos âmbitos da prefeitura de
Aracaju, governos de Sergipe e do Brasil. Naquele momento, o governo era
conquistado por João Alves Filho (DEM), mas nos anos seguintes Aracaju e Sergipe
terão, conjuntamente, governos progressistas. Essas administrações ficam na
memória de uma geração de lideranças e militantes dos anos 2000 enquanto a gestão
de Edvaldo Nogueira (PCdoB) e Marcelo Déda (PT). Em grande medida, a carreira
militante de parte dessa geração que tem seu primeiro contato político nos anos 2000
sofre os impactos da grande visibilidade dos movimentos sociais vinculados a partidos
políticos como o PCdoB e o PT. Mais tarde, isso será denunciado, inclusive por essa
liderança, enquanto a hegemonia dos movimentos progressistas em Aracaju.
A partir disso, os movimentos sociais e partidos políticos nos quais esta
liderança se envolve são os mais diversos. Entre os anos de 2004 e 2006, ele se
encontra engajado no Movimento Passe Livre (MPL), grupo protagonista dos
protestos de junho de 2013 no Brasil e que se tornará o Movimento Não Pago em
Aracaju (SANTOS, 2014; SANTOS, OLIVEIRA, 2017). Nesse mesmo período,
participa do Movimento Resistência e Luta (MRL), que consiste em um movimento
estudantil universitário existente na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e na
Universidade Tiradentes (Unit). Em 2009, a Liderança A participa do Barricadas – Abre
Caminho, que é um coletivo impulsionado pela juventude do Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) e participa da coordenação da Executiva Nacional dos Estudantes
154

de Comunicação Social (Enecos). Nesse momento, ele tem seu primeiro engajamento
político partidário que é com o PSOL, ao qual se filiará no ano seguinte, em 2010.
Ainda em 2009, a Liderança A estabelece contatos de formação política com o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a partir de pautas como a
juventude na cidade e no campo. Desde lá, questionava sobre a necessidade de
mobilizar a pauta da democratização do acesso à terra e à moradia na cidade. Por
fim, tem seu primeiro contato, ao lado de uma importante liderança que iniciará as
ocupações culturais em Aracaju com o Coletivo Debaixo, com os movimentos de
direitos humanos e saraus de São Paulo.
As experiências estabelecidas por essa liderança com os saraus de São Paulo
foram fundamentais para o desenvolvimento de uma performance de ocupação
cultural. Essa performance, como destaquei no capítulo anterior por meio dos
cosmopolitas, está presente nos padrões da poética utilizada, da forma como ocupam
o espaço público e também no modo como enunciam a própria noção de cidade.
A participação em processos de luta pelo direito à moradia nos anos de 2011,
2013 e 2017 também será fundamental para o engajamento futuro desta liderança no
Ocupe-Se Todos Pela Cultura. Desses eventos, o principal deles é a participação dele
no Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o seu protagonismo na fundação
do MTST em Sergipe no ano de 2017. Antes disso, em 2016, ele articularia o Ocupe-
Se Todos Pela Cultura.
Antes mesmo de tentar entender sua inserção e articulação dentro do Ocupe-
Se Todos Pela Cultura, há um outro evento biográfico de ordem acadêmica que é
importante para entender a carreira militante desta liderança.
Durante sua carreira acadêmica na graduação em jornalismo e no mestrado
em Comunicação, ele desenvolveu um conjunto de estudos sobre a ocupação na luta
pelo direito à moradia. No caso da dissertação, projeto de pesquisa que desenvolvia
enquanto articulou o Ocupe-SE, buscou destacar como as ocupações permitem a
emergência de novas formas de sociabilização que intitulou de “contra hegemônicas”
(GONÇALVES, 2017). Nesse período, esteve novamente em São Paulo, entrevistou
a principal liderança do MTST, o ex-candidato à presidência da república Guilherme
Boulos (PSOL), e participou de algumas ocupações em comunidades como Capão
Redondo e Embú das Artes. Nesse momento, acompanhei algumas das suas
reflexões em torno da construção de sua dissertação, tendo em vista que é um antigo
interlocutor e amigo, que foi defendida em 2017.
155

Entre a produção da dissertação, ocorrida entre os anos de 2015 e 2017, ele


acompanha o período de crescente replicação das ocupações culturais em
reivindicação do direito à cidade em Sergipe. Naquele momento, ocorria o Ensaio
Aberto, o Sarau Debaixo deixava de existir, outros coletivos emergiam nas regiões
periféricas de Aracaju e alguns, a exemplo do Ensaio Aberto e do Som de Calçada,
eram constrangidos por agentes da prefeitura de Aracaju. Na ocasião, João Alves
(DEM) era o prefeito da cidade. É nesse cenário que emerge a ideia de uma
articulação entre diversos coletivos de cultura em uma espécie de “federação”, como
define a Liderança A, capaz de aglutinar diversos grupos e lideranças.
O Ocupe-Se Todos Pela Cultura surge, paralelamente, a outras articulações
entre esses coletivos, a exemplo de alguns eventos de protestos intitulados Fora
Temer Todos Pela Cultura e o Ocupa Minc. Este último protestava contra o fim do
Ministério da Cultura no governo Michel Temer.
O Ocupe-Se Todos Pela Cultura articulou alguns artistas e coletivos culturais
como o Coletivo Debaixo, o Ensaio Aberto, o Som de Calçada e o restaurante Blend
Burguer que realizava, naquele período, o Blend Parque. O Blend Burguer ficava
localizado no Parque dos Cajueiros, local em que ocorria o Ensaio Aberto e onde
também foi realizada parte dos eventos do Ocupe-Se Todos Pela Cultura.
Segundo esta liderança, a ideia de organizar uma federação e não um coletivo
tinha por objetivo ampliar o debate sobre o direito à cidade. Para ele, o direito à cidade
deveria se vincular a uma pauta maior do que “a realização de eventos” organizados
por pequenos agrupamentos.
A forma como esta liderança percebe e concebe as lutas se explica, entre
outros fatores, pelo seu tipo de trajetória. Anteriormente ao seu envolvimento com o
Ocupe-Se Todos Pela Cultura ou outros coletivos culturais, a Liderança A teve
engajamento ativo em partidos políticos e movimentos sociais “mais tradicionais”.
Para ele, a estrutura fragmentada de luta, que pode ser percebida tanto nas formas
de ação quanto de organização contemporâneas, é resultado de uma geração que se
mobilizou em coletivos.
É a partir dessa crítica a um processo de “individualização” e “fragmentação”
dos coletivos que esta liderança contribui para a tentativa de um novo modelo
organizacional baseado na ideia de uma “federação”. Em outras palavras, a federação
consiste em um “coletivo de organizações” e não mais um agrupamento de poucos
indivíduos em torno daquilo que comumente se intitula de “coletivo”.
156

Além do formato proposto de “federação”, algo que podemos perceber na


observação direta aos eventos propostos pelo Ocupe-Se Todos Pela Cultura é que
havia, na performance elaborada pelo grupo, um maior espaço de tempo dedicado à
reflexão e proposição de ideias que pudessem ser transformadas em políticas
públicas. O Anexo A com os eixos e as pautas reivindicatórias, tal como o modo como
estão escritos, nos indica como o Ocupe-Se Todos Pela Cultura tinha o interesse de
alcançar as instituições a partir de uma linguagem próxima das instituições. Não por
acaso, ao final do manifesto, solicitam uma audiência pública:

Por fim, exigimos uma Audiência Pública com o prefeito de Aracaju e


o governador do Estado e toda a equipe que julgar necessário com o
Movimento Cultural de Sergipe a ser realizada na até o dia 20 de
dezembro do presente ano, com objetivo de discutir as reivindicações
apresentadas em anexo.
Assinam abaixo, artistas, grupos e coletivos artísticos do Estado de
Sergipe. (MANIFESTO OCUPE-SE, 2016).

Para além de uma forma de linguagem, o que identifica a carreira da Liderança


A e podemos ampliar ao público do Ocupe-se Todos Pela Cultura, é como a
capacidade de se direcionar às instituições reflete o perfil social dos públicos, esses
também destacados no capítulo anterior, mas também das redes de organizações e
das lideranças.
O fato da Liderança A ter alcançado em sua história de vida e carreira militante
determinados espaços como partidos políticos, a coordenação estadual do Movimento
de Trabalhadores Sem Teto (MTST) e, ao longo dos últimos dez anos, ter negociado
processos de ocupação e reapropriação de terra na reivindicação pelo direito à
moradia com setores da prefeitura de Aracaju e do governo de Sergipe, permite um
tipo de reivindicação que extrapola os limites das ocupações culturais enquanto
“realização de eventos”.

4.3 LIDERANÇA B, O SARAU DE QUEBRADA E O COLETIVO ENTRE BECOS

A Liderança B é um homem e em 2015 quando iniciou, junto com uma amiga e


dois amigos – sendo um deles, um homem transsexual –, o Sarau de Quebrada tinha
18 anos. O histórico de engajamento e ativismo dessa liderança é marcado
principalmente pelo envolvimento, como costumeiramente se refere em entrevistas e
157

outros encontros, na cultura. Enquanto cultura, destaca-se a participação em


associações de hip-hop como a Aliados Pelo Verso (ALPV) e setores da cultura de
movimentos sociais como o Levante Popular da Juventude (LPJ), o Movimento Negro
Unificado (MNU) e o Partido dos Trabalhadores (PT).
O envolvimento político desta liderança é antigo e remonta um conjunto de
experiências localizadas na esfera da família. Segundo ele, uma mãe anarquista e um
tio político. Já o seu tio é uma prestigiada liderança do movimento negro e LGBT em
Sergipe da geração da década de 1980. É fundador da União de Negros pela
Igualdade (Unegro) em Sergipe e foi coordenador nacional da instituição entre os anos
de 2011 e 2016 e atualmente é presidente da União Nacional LGBT, a UNALGBT, do
PCdoB (Partido Comunista do Brasil). Além de ter atuado, em quase quatro décadas,
em outros diversos movimentos sociais que articulam as pautas LGBTQIA+ e étnico
racial.
Para esta liderança, as duas figuras familiares, a mãe e o tio, foram
fundamentais na construção daquilo que poderíamos chamar de uma disposição ao
ativismo. Mas, para além disso, um evento foi crucial para a decisão de que “fazer
política” era a atividade que ele desejava.
Em 2012, o motorista Leidson Reis dos Santos teve a coluna vertebral fraturada
e foi morto dentro de um dos maiores shopping center de Aracaju, o Shopping
Jardins24. A vítima era um homem negro de 32 anos e que circulava pela parte interna
do shopping no fim do expediente e, como os jornais e a investigação anunciaram e
denunciaram na época, a ação dos seguranças foi provocada por uma desconfiança
de que o motorista fosse um assaltante. Este evento provocou diversas reações e
intensificou o debate da opinião pública local sobre o fenômeno do racismo e seus
impactos na violentação dos direitos da população negra e, paralelamente a isso, o
Levante Popular da Juventude realizou uma ação de protesto. Primeiro, fizeram um
graffite coletivo na praça Zilda Arns, localizada próximo ao Shopping Jardins. E
segundo, tentaram entrar com sua bateria (um conjunto de pessoas que se dedicam
a tocar e cantar durante os protestos) no shopping enquanto forma de protesto. Na
ocasião, cantavam a música Negro Nagô que faz referência às origens e
consequências do racismo no Brasil. A Liderança B esteve nessa ação, um dos
primeiros contatos com o Levante Popular da Juventude a partir da ALPV, e a

24Disponível em: http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2012/09/pericia-faz-reconstituicao-do-crime-


que-matou-homem-em-shopping-de-se.html.
158

considera como determinante. Para ele: “Naquele dia eu decidi que era isso que eu
queria fazer pelo resto da minha vida. Ali eu decidi que queria fazer política.”
(LIDERANÇA B, 2019).

Eu conheci o “levante” a partir da ALPV que significa Aliados Pelo


Verso [...]. Fui grafitar nessa manifestação. A gente grafitou a praça
Zilda Arns que fica na frente do Shopping Jardins. E depois o “levante”
fez uma batucada com lata de tinta e pedaço de pau de cabo de
vassoura quebrado e tentou ocupar o shopping, mas desligaram o
sensor de calor do shopping. E aí a galera ficou na saída B do
shopping, tocando na saída do shopping e começaram a tocar a
música Negro Nagô. Eu nunca tinha escutado essa música antes e aí
os b-boys começaram a dançar a música Negro Nagô com a galera do
“levante” tocando a batucada de lata. Foi aí que eu decidi que era isso
que eu queria fazer pelo resto da minha vida. Ali eu decidi que queria
fazer política. (LIDERANÇA B, 2019).

Se até o momento, ele conhecia as linguagens mais tradicionais da política


como o PCdoB e o PT, ou algumas experiências isoladas como o MST, a aproximação
com a ALPV e, nesse protesto, com o Levante Popular da Juventude, tem um impacto
em sua carreira militante que é o de demonstrar como as linguagens culturais às quais
sempre esteve vinculado podem ser mobilizadas para “projetos de transformação
política”. Esse é um elemento destacado por essa liderança, na medida em que afirma
que sentia falta de estar vinculado a projetos políticos mais amplos.
A partir desse evento de protesto, em 2013, ele cria o Coletivo Entre Becos,
diminui a relação com o Levante Popular da Juventude, participa do Movimento Negro
Unificado (MNU) de Sergipe e se engaja no Partido dos Trabalhadores.
Nos próximos anos, entre 2014 e 2015, a relação desta liderança com alguns
movimentos sociais, a exemplo do Levante Popular da Juventude que é composto,
em grande parte, por jovens inseridos no ensino superior, será tensionada. Essa
inquietação está vinculada ao fato de que, na percepção dele, havia uma
desigualdade de protagonismo político marcada pelas diferenças de origem social. Tal
fato será fundamental para a saída do Levante Popular da Juventude e sua maior
dedicação ao Coletivo Entre Becos e a nova atividade que surgia, o Sarau de
Quebrada. Um espaço onde, segundo ele, é possível ser “pensado e construído por
nós”.

Liderança B: A Entre Becos me colocou uma compreensão da coisa


de que o trabalho em conjunto com movimento estudantil não estava
159

dando certo... que era o caso do “levante”. Então, a gente precisava


ter algo, uma ferramenta nossa. Pensada pela gente, protagonizada
pela gente e construída pela gente.
Entrevistador (eu): O que você quer dizer com pensada por nós? Com
o “levante” não seria assim?
Liderança B: Então, eu acho que o movimento estudantil como um
todo tem o déficit muito grande que é se achar o dono da certeza. E
tem uma deficiência muito grande em qualquer movimento estudantil
que pense em fazer trabalho de base dentro da periferia. Eles chegam
com um produto pronto e querem aplicar esse produto dentro da nossa
“quebrada” sem nunca terem pisado lá... sem nem saber quantas
pessoas morrem e quantas a gente já perdeu. Eles querem aplicar
esse produto para a gente e a gente não quer isso. A gente queria
pensar algo nosso, nem que fosse somente um sarau. (LIDERANÇA
B, 2019).

Assim, o contato e o engajamento, ainda que em curto espaço de tempo,


fizeram do Levante Popular da Juventude uma organização da rede do Coletivo Entre
Becos. É preciso salientar que essa postura não é compartilhada por todos os
integrantes do coletivo, pois alguns permaneceram engajados no “levante”.
Em algumas edições do Nós Por Nós, evento organizado pelo Levante Popular
da Juventude nacionalmente, esta liderança do Coletivo Entre Becos na condição de
dirigente nacional do LPJ, estabeleceu uma parceria para a realização da edição do
Nós Por Nós.
Nessas relações de parcerias e também de muito tensionamento que, pelo que
podemos destacar da interpretação da Liderança B, resultam de um processo de
disputa por espaço de poder e protagonismo dentro dos movimentos sociais, o
Coletivo Entre Becos, fundado em 2013, começa suas atividades com sarau no início
de 2014.
O fato de o Coletivo Entre Becos ter iniciado suas atividades com sarau no
início de 2014 poderia nos supor a ideia de que há uma relação de impacto e influência
direta entre o Sarau Debaixo e o recém-inaugurado Sarau de Quebrada. E talvez haja,
tendo em vista que essa relação de difusão nem sempre pode ser tão precisamente
mapeada, pois as ocupações culturais também refletem, como demonstramos nos
capítulos anteriores, tendências nacionais, transnacionais e locais. De todo o modo, o
que chama atenção são as diferentes filiações que os atores estabelecem em suas
trajetórias. No caso dessa liderança com uma carreira militante marcada pelo
envolvimento com o hip-hop e movimentos culturais da periferia, a vinculação
construída é com referências da periferia. Apesar de ter vivenciado, e aqui temos um
160

aspecto de influência indireta, o Sarau Debaixo, para ele, são eventos como o QG
(Quartel General) das Quebradas organizado pela ALPV, e outros a exemplo do
Ocupe a Praça promovido pelo coletivo Contra Corrente, que fornecem um modelo de
ocupação cultural.

Mano, eu ia para o Sarau Debaixo, tá ligado? E fui no Ensaio Aberto.


[...] Eu aprendi a mecânica em 2014 quando a gente fez o QG das
Quebradas – Invadindo suas calçadas com a ALPV no Coqueiral
(loteamento localizado no bairro Porto Dantas, região periférica de
Aracaju). A gente pegou um trevo do coqueiral e fizemos o QG das
Quebradas. (LIDERANÇA B, 2019).

A vinculação para essa tradição do movimento hip-hop é fundamental para a


diferença que esta liderança faz entre os saraus como o Ensaio Aberto e o Sarau
Debaixo, marcados por um público de jovens da classe média de Aracaju, e os “saraus
periféricos”. E, de fato, ter acompanhado todos esses saraus permitiu identificar e
diferenciar as linguagens culturais e políticas mobilizadas pelos grupos que
organizavam essas ações. Essas linguagens, que também poderiam ser percebidas
no perfil social do público, apontavam para as diferentes carreiras militantes e histórias
de vida das lideranças e do público.
A visibilidade adquirida pelo Coletivo Entre Becos e suas ações no Sarau
Debaixo impulsionou as oportunidades políticas, em especial, da Liderança B. Em
2018, foi assessor técnico da Secretaria Municipal da Defesa e da Cidadania
(Semdec) e participou de projetos em parceria com o Núcleo de Produção Digital
Orlando Vieira (NPDOV), unidade da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).
E entre 2019 e 2020, tornou-se uma referência técnica de juventude da diretoria de
Inclusão e Direitos Humanos da Secretaria de Estado da Inclusão, Assistência Social
e do Trabalho (Seit) e liderança estadual da juventude do Partido dos Trabalhadores
(PT).
No caso específico da Liderança B, o que pudemos notar foi a transformação
da sua capacidade de transformação da sua potência representativa, principalmente
em bairros periféricos de Aracaju e região metropolitana, em cargos que exigem tal
representação. Destacamos, no capítulo anterior, como há uma desconfiança de
grupos organizados em relação às lideranças exógenas, em nível socioespacial, às
periferias. Sendo assim, a presença de figuras como a Liderança B é uma forma de
ampliação da representação na prefeitura e no governo.
161

4.4 LIDERANÇA C, SOM DE QUEBRADA

A Liderança C é um homem adulto, nascido em Aracaju no ano de 1978, cujo


envolvimento político está tradicionalmente vinculado ao movimento hip-hop no Brasil,
sendo um precursor local, e ao circuito dos periféricos. A particularidade dessa
liderança e de algumas outras é o fato de que são atores sociais adultos, com longa
trajetória de ativismo e que conseguiram converter seu envolvimento pregresso no
ativismo vinculado à ocupação cultural e ao direito à cidade. Entre os anos de 2013 e
2020 houve algumas tentativas por parte de outros atores políticos que tentaram
converter suas experiências com o objetivo de aproveitar o contexto de difusão dessa
forma de ação política, mas não obtiveram reconhecimento capaz de sustentar suas
mobilizações. Tal impedimento ocorreu principalmente pela recusa desses grupos à
qualquer liderança que trazia em si vestígios de uma trajetória militante “tradicional”.
A tentativa do Ocupa Aracaju, mobilização organizada durante o protesto de 2013 e
mencionada no Capítulo 1, por meio de uma importante liderança local, é um exemplo
disso.
Apesar desses constrangimentos à política e lideranças “tradicionais” que são
alguns dos dilemas das formas de mobilização e organização que compõem a
geração seguinte aos protestos de 2013, a Liderança C conseguiu converter sua
trajetória militante e participou de algumas experiências de ocupas em Aracaju e
região metropolitana.
O primeiro envolvimento político desse ativista inicia ainda em meados da
década de 1990 por meio, como é comum entre os periféricos, dos círculos de
sociabilidade escolar que possuem em comum o interesse pela cultura do hip-hop.

Me reconhecer politicamente é no hip-hop. Isso acontece quando, dos


rolês de skate, eu me interesso pela música rap. [...] Quando eu
encontro o rap, a sua narrativa na primeira pessoa, o seu jeito de falar,
eu me identifico com as dúvidas sobre quem eu era nesse espaço [a
família]. Ser o único corpo negro entre brancos. Minha mãe branca,
meus avós brancos. A família de minha mãe é branca. Eu cresci sem
pai, não conheci meu pai. Então tinha aí alguns conflitos, inclusive, de
identidade. [...]. De negar minhas origens de pertencimento e de lugar.
Assim, foi no rap que eu tive o primeiro olhar para entender que eu sou
um ator político, só que isso não foi instantâneo. (Liderança C, relato
de entrevista).
162

Essa não instantaneidade mostra como, ao longo de suas relações com os


grupos de sociabilidade vinculados ao rap e, posteriormente, ao hip-hop, foi criando
processos de “reafirmação” de suas origens. Para ele, o divisor de águas é a imersão
que faz em 1995 na cultura rap e a importância do disco Sobrevivendo no Inferno, do
Racionais MC’s, em sua vida.

É aí que eu vou construir, de fato, as minhas referências. Eu comecei


a falar que eu morava no Porto Dantas e não próximo ao centro. Me
identificava como preto e não como moreno. Já não ria mais das
piadas sobre a minha raça. Então essa questão de se descobrir preto
acontece muito no Brasil. “Nascer é consequência, ser é consciência”,
dizia o verso de Sergio Vaz25. Então essa consciência foi chegando, e
chegando junto com o mergulho em leituras. (Liderança C, relato de
entrevista).

Assim, a década de 1990 será do acúmulo de um conjunto de experiências e


disposições (LAHIRE, 2002, 2005, 2016) que fortaleceram, ainda que informalmente,
sua vinculação com um modo de se pensar a política comum à época, que era o
advindo do movimento hip-hop. A ideia de reafirmação racial, o reconhecimento com
uma cultura periférica, a leitura de lideranças políticas negras como Mandela e
Malcom-X e consideração de que o movimento hip-hop é política são alguns dos
elementos que compõem o conjunto de experiência e disposições que essa liderança
adquiriu nesse período. Então, é na virada dos anos 2000 que acontecem os primeiros
vínculos com organizações políticas partidárias ou movimentos sociais.

Eu fui percebendo que os meus posicionamentos políticos convergiam


muito para o que a gente chama de orientação de esquerda socialista.
Também já era muito do que foi cantado pelos caras... por homens e
mulheres ao longo desse processo, não tem como isso não interferir
em sua vida. Então é aí que eu encontro a militância juvenil que, nesse
caso, eu mergulho na UJS porque a UJS tinha um núcleo de
juventude, periferia e bairro. Depois isso resultou na fusão que a gente
chama de organização das posses e fundamos a Nação Hip-Hop em
2005. (Liderança C, relato de entrevista).

No início dos anos 2000 foi para a 2.ª Bienal da União Nacional dos Estudantes
(UNE) e participou do I Encontro da Juventude Negra Periférica do Alto da Vera Cruz
em Belo Horizonte, com o objetivo de articular um plano de ação a ser desenvolvido
nas periferias do país. O resultado dessa experiência é que, em 2001, no período que

25 Sergio Vaz é um importante poeta brasileiro e referência da poesia periférica do país.


163

antecede a fundação da Nação Hip-Hop – em 2005 – e já vinculado à União da


Juventude Socialista (UJS) e ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), essa liderança
participa de uma articulação do movimento hip-hop de Aracaju e região metropolitana
chamado Grito da Periferia, do qual surge a posse Família Ativista e o grupo de
mulheres chamado Mulheres do Morro.
Nesse período, o que estava em questão, segundo ele, é a consciência de que
é preciso criar coletivos capazes de realizar ações políticas na periferia e de
autofinanciamento cultural. Em 2003, integra a Fundação Cultural Cidade de Aracaju
(Funcaju), vinculado à Prefeitura de Aracaju como diretor de esporte. No ano seguinte,
em 2004, atua como educador social na Secretaria Municipal de Assistência Social de
Aracaju. Esse novo momento, um ponto importante na carreira da Liderança C, o
coloca em espaços institucionais no qual utilizou a expertise adquirida nas
mobilizações periféricas.

Eu já tinha passado pela militância da UJS como direção nacional, já


estava filiado ao partido e também tinha vivenciado uma série de
coisas e tinha mergulhado no processo de construção de projeto
política para a cidade... pensando que lugar da cidade a gente podia
ocupar. Eu já tinha passado pela Funcaju como diretor de esportes em
2003 [...]. Pensamos em que espaço ocupar e fomos ocupar o espaço
da cultura porque a gente já fazia [cultura]. Então eu fui para a Funcaju
e trabalhei como diretor de esportes. Nessa função, eu consegui trazer
para o Projeto Verão [importante festival de cultura que ocorria em
todo o verão nos anos 2000] o espaço democrático para a periferia
ocupar aquele lugar. [...] Principalmente coisas vinculadas à música e
ao hip-hop. (Liderança C, relato de entrevista).

Entre os anos 2000 e 2008, até mesmo posteriormente, surge um contexto


favorável a essa inserção institucional dessa liderança. Nesse período, a cidade foi
administrada pela prefeitura de Marcelo Déda (PT) e Edvaldo Nogueira (PCdoB), que
estabeleceu vínculos e levou para a administração pública importantes lideranças de
movimentos sociais. Entre eles, ativistas do movimento negro e periférico. Desta
forma, o entrevistado em questão faz parte dessa geração que participou dessa
gestão da cidade de Aracaju.
Em 2007, após a vitória de Marcelo Déda (PT) ao governo de Sergipe, é
convidado a realizar o programa de televisão chamado Periferia e de rádio, o Império
Periférico, na Fundação Aperipê. E, ainda como produtor cultural, participa da série
“De quebrada em quebrada”, transmitido na TV Brasil no ano 2019. Paralelamente a
164

essa projeção na segunda década dos anos 2000, foi também candidato a vereador
de Aracaju pelo Partido Comunista do Brasil em 2016.
Esse trânsito que atravessa e conecta espaços como os coletivos culturais, os
partidos políticos, as juventudes partidárias, o movimento hip-hop e o Estado – este
último por meio de secretarias e fundações de cultura – é um movimento que essa
liderança chama de “força centrípeta”. Para isso, ele apresenta uma associação entre
essa mobilidade com o movimento do vinil:

Essa força centrípeta, a gente simboliza muito do que é um circuito do


que o vinil faz, né? Uma música no disco ela começa da periferia para
o centro. Ele conta uma história e a gente tem o poder de voltar à
periferia para contar novamente essa história porque você nunca
entende o disco de uma vez só. Então eu sempre dizia para os caras
que no dia que a gente não entender o que a gente fez no centro, a
gente volta para a base para entender novamente o problema e voltar
para o centro. [...] A força centrípeta é isso. É a gente ir para o centro.
E não é o centro da cidade, é o centro da discussão. E ainda que eles
nos mantenham sempre nas periferias, esse não lugar, para a gente,
é um lugar. (Liderança C, relato de entrevista).

O “centro da discussão”, que também é o centro das decisões, representado


pela possibilidade de intervir nas periferias por meio de políticas e ações públicas que
saem do Estado, é um lugar, uma possibilidade de atuação com o objetivo de atender
às suas bases. Esse movimento é marcado por um contínuo duplo movimento de
acesso ao Estado e retorno à periferia.
A trajetória da Liderança C, como demonstramos até aqui, esteve vinculada às
áreas da cultura e assistência. E, em ambos os casos, associado a grupos sociais
juvenis e residentes nas periferias de Aracaju.
É com base nesse referencial e carreira que, em 2015, período em que as
ocupações culturais se espalhavam pela cidade de Aracaju, essa liderança participa,
junto com a Família Mil Grau, do Sintonia Periférica. O Sintonia Periférica é um projeto
de ocupação do espaço público realizado embaixo da Ponte Construtor João Alves,
mais conhecida como Ponte Aracaju-Barra.
Paralelamente a essa experiência do Sintonia Periférica, em que a Liderança
C estará envolvida, ele também acompanha outras duas ocupações culturais, como
apoiador, protagonizada por mulheres. A primeira é a Mulheres de Luta, mobilização
organizada durante os anos de 2016 e 2017 no mesmo local onde acontecia o Sintonia
Periférica: embaixo da Ponte Aracaju-Barra. E a segunda é o ocupe Sarau das Flores,
165

cuja organização, tal qual a Mulheres de Luta, é do Nação Mulher. Parte desses jovens
que organizaram essas ações entre os anos de 2015 e 2018 no bairro Industrial eram
vinculados, em menor ou maior grau, ao Nação Mulher.
Desde os primeiros anos da década de 2000, juntamente com outras lideranças
locais, essa liderança será um ator fundamental em Aracaju e região metropolitana na
construção de redes de ativismo que articulam a União da Juventude Socialista (UJS),
o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e a Nação Hip-Hop. Com isso, não quero e
não é possível afirmar que todos estavam vinculados a todas essas estruturas. A
recusa ao modo de se fazer política partidária presente entre os jovens, principais
atores sociais desses coletivos, é um dos grandes impedimentos a um engajamento
mais institucionalizado.
Em 2018, essa liderança inicia um outro projeto paralelamente à sua atuação
na Fundação Cultural Cidade Aracaju (Funcaju). O nome do projeto é Som de
Quebrada, projeto de ocupação cultural realizado na Orla do Porto Dantas, um novo
equipamento urbano inaugurado em 2018. Desde aquele ano até 2020, quando as
atividades foram interrompidas pela pandemia provocada pela Covid-19, essa
liderança transferiu o Sintonia Periférica que acontecia embaixo da Ponte Aracaju-
Barra para a nova orla. Inclusive, os jovens que iniciaram as ações do Sintonia
Periférica também estiveram nessa nova ação.
De modo semelhante ao Sintonia Periférica e à gramática que acompanha o
modo de ocupar a cidade dos periféricos, para ele grande parte de sua trajetória pode
ser traduzida na busca por um lugar que não seja o “não lugar”. Ao longo da entrevista,
vários fatos são articulados na busca pela explicação dessa experiência de vida, e
que é comum aos demais periféricos, marcada pela ausência de lugar. O “não lugar”
é o sentimento de não pertencimento ao transitar por áreas nobres da cidade, é o não
reconhecimento por suas origens periféricas quando ainda era jovem e é também a
falta de espaços de sociabilidade para os jovens pretos e negros da periferia. Essa
ideia de “não lugar” é definidora, e isso aparece em todos os coletivos e espaços
mencionados nos capítulos anteriores em que nos dedicamos a entender os
enquadramentos em torno da pauta do direito à cidade, uma das motivações para as
ocupações culturais na periferia. Ela não somente diz acerca da experiência desses
jovens com a cidade, mas também com outros aspectos de suas histórias de vida já
mencionados e que caracterizam o modo de inserção do ativismo e a noção de cidade
por eles elaborada.
166

4.5 LIDERANÇA D, O OCUPE A PRAÇA E O COLETIVO CONTRA CORRENTE

A liderança D é um homem e tem 25 anos de idade, o que significa dizer que


quando organizou o Coletivo Contra Corrente e o Ocupe a Praça, em 2015, tinha 20
anos. A carreira militante desta liderança tem como principal característica o
envolvimento em pautas, movimentos sociais e coletivos estudantis secundaristas,
além do Partido dos Trabalhadores.
O movimento estudantil secundarista em Sergipe, como foi possível perceber
em outras pesquisas sobre juventudes e participação política, é marcado pelo
predomínio do setor de juventude do Partido dos Trabalhadores por meio da União
Sergipana de Estudantes Secundários (Uses). A Uses é a principal organização que
media as reivindicações dos secundaristas em Sergipe. Em conversa informal com
uma de suas lideranças, esta afirmou como a organização possui, em diversas regiões
do estado, atores vinculados à União com o objetivo de incentivar a mobilização
estudantil. Isso pode acontecer de duas formas.
Primeira, em uma determinada escola um grupo de estudantes organiza o
bloqueio de uma rua para reivindicar melhores condições na estrutura da instituição.
Para aumentar o alcance da pauta e da mobilização, os estudantes movimentam o
grêmio estudantil da escola que, por sua vez, busca mediadores como o Sindicato dos
Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe (Sintese) e a Uses. Nos
casos em que a União é contactada, alguma liderança da organização é encaminhada
até a escola não somente para acolher e impulsionar a mobilização local, mas também
para, na oportunidade, criar uma “célula” da Uses naquele local. A segunda forma,
mais direta, é com ações que a União realiza, por iniciativa própria, nas escolas.
Agindo dessas formas, a Uses tornou-se a principal organização de
mobilização dos estudantes secundários de Sergipe e tem uma intensa articulação
com o Partido dos Trabalhadores.
Segundo a Liderança D, seu primeiro engajamento aconteceu aos 12 anos
quando, acompanhado por estudantes de uma escola municipal da sua cidade natal,
Santo Amaro das Brotas, em Sergipe, foi reivindicar um conjunto de reformas na
estrutura da escola. Naquela ocasião, entre 2005 e 2006, esta liderança participava
da fundação do grêmio estudantil daquela instituição. No mesmo ano, em nome desse
167

grêmio, disputaria a Uses em seu congresso estadual, em que são reunidos diversos
grêmios estudantis de Sergipe com a pauta “Reconquistar a Uses”.

A gente construiu uma tese que era Reconquistar a Uses nesse


congresso... porque a gente não acreditava nos rumos que a entidade
tomava até então que era de submissão aos governos, às prefeituras...
que era de achar que o papel do movimento estudantil era fazer um
grande arrastão e trazer aluno e pautar só a meia entrada como
passagem de ônibus e achar que está tudo certo. (LIDERANÇA C,
2019).

O seu ingresso no ensino médio é acompanhado por sua inserção em um


colégio historicamente marcado por uma intensa vida política e atuação de grêmio
escolar, o Atheneu Sergipense. Essa mudança de colégio em 2009 ocorre
paralelamente à percepção de como a Uses mantém-se presente em diversas
instituições, inclusive no Atheneu. Diante disso, ainda que vinculado ao público
estudantil, o seu ativismo é direcionado para outro tipo de pauta e organização que
são os coletivos culturais. Entre eles, podemos destacar o coletivo “Um Quê de
Negritude”, que consiste em uma ação organizada por uma professora do Atheneu
Sergipense com o objetivo de construir e divulgar peças de teatro sobre aspectos da
cultura e história da população negra no Brasil.
À distância dos movimentos estudantis, sua base de formação ativista se
mantém entre os anos de 2009 e 2014. Nesse período, mais precisamente em 2012,
ele é aprovado e inicia o curso de Engenharia Química na Universidade Federal de
Sergipe. Os estudos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a rotina de
um pré-vestibulando – definição utilizada para se referir aos alunos que estão em
preparação para o vestibular – são fatores determinantes para o afastamento
temporário dos jovens em relação ao ativismo.
Em 2014 retorna ao movimento estudantil para a disputa da campanha do
plebiscito popular. Essa campanha ocorreu no ano seguinte ao ciclo de protestos de
junho de 2013 e tinha como objetivo central, liderada pela ex-presidente Dilma
Rousseff, consultar a população acerca da proposta de reforma política. Nessa
ocasião, atuando em âmbito nacional na União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas (Ubes), que em Sergipe atuava em oposição à Uses, participou da
campanha a partir de mobilização entre os secundaristas.
168

No ano seguinte, em 2015, ocorreu a mobilização que será responsável pela


emergência do coletivo Contra Corrente e o Ocupe a Praça, a greve dos professores
da rede estadual de ensino de Sergipe. Essa greve, como salientamos nos capítulos
anteriores, esteve vinculada, entre outras pautas, ao escândalo da “máfia da merenda”
denunciada em redes nacionais de televisão. Foi nesse movimento grevista que houve
a primeira experimentação daquilo que seria o “Ocupe a Praça”.
O coletivo Contra Corrente era uma organização com diversos núcleos em
Sergipe, a exemplo de Canindé de São Francisco e Japaratuba, e tinha uma
participação de integrantes que possuíam uma característica comum, haja vista que
todos eram estudantes secundaristas. Além das ocupações vinculadas à reivindicação
do direito à cidade, o coletivo também participou do ciclo de ocupações contra a
reforma da educação ocorrido em várias capitais do Brasil em 2016; a participação do
coletivo Contra Corrente se deu tanto em Aracaju quanto em cidades do interior do
estado, como Simão Dias.
Também é filiado ao PT desde 2015, tendo sua participação mais intensificada
à corrente da articulação de esquerda do partido, cujos representantes em nível
estadual são os deputados estaduais Iran Barbosa e Ana Lúcia, ambos parceiros do
coletivo Contra Corrente.
Antes de sua atuação no coletivo Contra Corrente, esta liderança tinha uma
proximidade muito grande com o então vereador Iran Barbosa (PT) e a deputada
estadual Ana Lúcia (PT). Entre os exemplos, a participação no debate sobre o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e o direcionamento
de emendas parlamentares para a educação faziam parte dessa aproximação por
meio de um debate mais institucional sobre a pauta da juventude e educação.
Depois da atuação no coletivo Contra Corrente e já filiado ao Partido dos
Trabalhadores, algumas oportunidades também surgem para esta liderança. Entre
2017 e junho de 2019, ele foi eleito diretor de extensão da União Nacional dos
Estudantes, a UNE, e tais elementos conferiram um acúmulo de representatividade
em relação aos jovens e estudantes em Sergipe. Em 2019, paralelamente à atuação
na UNE, também é convidado a atuar no gabinete do deputado estadual Iran Barbosa
que, segundo ele, é resultado de “um acúmulo na pasta... no debate em educação e
juventude”.
O coletivo era o modelo de organização do Contra Corrente, como também o
dos demais grupos mencionados e analisados neste trabalho. Este modelo é baseado
169

na ideia de que se refere a um agrupamento que pretende realizar ações


contestatórias pontuais e cujo comprometimento individual e coletivo é menor que em
um movimento social. Em um determinado momento da entrevista, esta liderança
afirma que em um coletivo a dinâmica do grupo é também “a dinâmica da vida”.
Inclusive, este é um aspecto que compromete a estabilidade do grupo.
Tendo em vista o histórico de envolvimento político desta liderança no
movimento estudantil que, como destaquei acima, possui uma relação muito próxima
ao Partido dos Trabalhadores e à Juventude do Partido dos Trabalhadores (JPT), o
coletivo Contra Corrente estabelecia relações também com partidos políticos ou
pessoas filiadas a partidos. Ou seja, ainda que os coletivos sejam resultados
organizacionais de um tempo cujo “espírito”, para se referir ao termo utilizado por Della
Porta e Atak (2017) ao analisar as ocupações de praças na Europa, é marcado por
uma intensa crítica às formas de organização política tradicionais como sindicatos e
partidos, neste caso o Contra Corrente possui uma posição mais apartidária. Nesses
casos, todos os partidos políticos, ainda que haja uma tendência à presença de filiados
ao PT, podem se aproximar dos coletivos por meio de seus filiados. Sobre esse tema,
que também é um dilema da participação, principalmente juvenil, na
contemporaneidade, esta liderança sinaliza para algumas reflexões a partir das
tomadas de decisão do Contra Corrente:

As pessoas começaram a optar por essa onda de “boom” de coletivos


foi para você esconder seu partido... esse “boom” de você criar um
coletivo, você criar um movimento, você criar uma ONG... é para você
reunir todo mundo, fazer aquele “curralzinho” de quadros e depois
você levar para o seu partido. Para a gente era totalmente o inverso.
A gente falava que a gente era daquele partido, mas que a gente era
daquele coletivo e quem quisesse participar [do coletivo] não tinha
problema nenhum e que não estávamos chamando ninguém para
aquele partido. (LIDERANÇA C, 2019).

Você tem um partido e você apresenta aquele partido que você


constrói sem apresentar ele. Você cria um nome fictício, aproxima
aquelas pessoas dizendo que você é apartidário e depois você leva
para o partido. [...] É isso que tem acontecido muito. (LIDERANÇA C,
2019).

A definição de coletivo destacada por esta liderança está localizada em um


histórico de ativismo marcado por um trânsito institucional intenso. Neste sentido, as
formas organizacionais, na definição de forma social atribuída por Simmel (2006), são
170

preenchidas por diversos conteúdos e que derivam, entre outras coisas e no caso
específico das organizações políticas, do perfil dos componentes desse agrupamento.
Sendo assim, ainda que os coletivos estejam impregnados do espírito de seu tempo,
a exemplo da crítica às formas de participação tradicionais e da busca por formas mais
autônomas e menos hierarquizadas, a forma como esses dilemas contemporâneos
são elaborados se distingue entre os grupos.
A característica “estudantil” do perfil de ativismo também influencia diretamente
o modelo de ocupação realizado por coletivos como o Contra Corrente. A dimensão
educativa, em seu sentido escolar, está presente em formas de ação como discutir a
educação e distribuir livros, mas também em uma ética comportamental – não se usa
psicoativos, sejam eles legalizados ou não, nos eventos de ocupação –, são
elementos que caracterizam os coletivos com modelo de ativismo semelhante a este.

4.6 LIDERANÇA E, O OCUPE A PRAÇA E A FUNCAJU

Diferente de todos os casos analisados neste capítulo, esta liderança é a


responsável por importar a mobilização do direito à cidade por meio das ocupações
culturais para a esfera estatal, especificamente na prefeitura municipal de Aracaju.
Assim, não estamos falando, neste caso, de uma liderança cujo envolvimento e
reconhecimento dá-se “nas ruas” com base em um engajamento desenvolvido nas
ocupações culturais, como os demais.
A Liderança E é uma mulher adulta e com uma carreira militante marcada pelo
envolvimento em um campo do ativismo: a democratização da cultura e dos meios de
comunicação. Apesar disso, seu envolvimento político passa por um conjunto de
espaços de atuação, inclusive partidários.
Em 2000, essa liderança identifica o seu primeiro engajamento em atuação ao
qual esteve vinculada junto ao movimento estudantil da Universidade Tiradentes
(Unit). Nessa universidade, graduou-se em Publicidade e Propaganda com trabalho
de conclusão de curso com o título Comunicação sindical: Sindicatos dos
trabalhadores em Educação do Estado de Sergipe. Nesse período, ao mesmo tempo
em que cursava a graduação também participou, pela primeira vez e tal engajamento
será fundamental em sua trajetória, do Encontro Nacional de Estudantes de
Comunicação Social (Enecos).
171

O meu ativismo começa ali no movimento estudantil. Eu participo da


executiva nacional dos estudantes de comunicação, a Enecos, e sou
representante aqui do Nordeste. E eu acho que parte da minha
militância tem início aí. Eu estou falando de 2002, 2003... por aí. [...]
Eu entro no movimento estudantil, também já começo a entrar na
militância partidária também. Me filio ao Partido dos Trabalhadores e
participo do setorial de mulheres do PT ligado à tendência da
Articulação de Esquerda. (Liderança E, relato de entrevista).

É necessário salientar que o início dos anos 2000 é um período de intensa


participação do Partido dos Trabalhadores na militância estudantil, seja ela
universitária ou secundarista. Tal configuração do ativismo em Sergipe, em grande
medida protagonizado pelo Partido dos Trabalhadores, faz com que vários
engajamentos estabelecidos no final dos anos 1990 e nos primeiros anos da década
de 2000 cruzem com esse partido. Configuração essa, por exemplo, que se diversifica
ao longo da década de 2000, com base no ativismo estudantil na Universidade Federal
de Sergipe (SANTOS, 2017), no movimento negro (SILVA, 2016) e no movimento
feminista de Aracaju (SOUZA, M., 2017).
Nos últimos anos da década de 2000, essa liderança estabelece um segundo
vínculo de ativismo também importante em sua carreira e que nos permite identificar
a pauta da democratização da comunicação como central em sua trajetória. Entre
2007 e 2008, após concluir o curso de Publicidade e Propaganda, se insere no
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Logo depois que eu me formo, eu faço parte do coletivo Intervozes que


é um coletivo de comunicadores ao redor do Brasil que tem como
principal pauta o direito humano à comunicação; entendendo esse
direito como um direito que vai fortalecer as outras bandeiras.
Entendendo essa coisa da midiatização da vida e de como você
constrói estereótipos a partir de discursos midiáticos, né? Então a
gente defendia a tese do acesso aos meios de comunicação. [...]
Então já participo do fórum da democratização da comunicação aqui
em Sergipe já em 2009. A gente vai trabalhar com a Conferência
Nacional de Comunicação que aconteceu no finalzinho de 2009. Então
aí eu já entro na perspectiva da discussão da democratização da
comunicação representando o coletivo Intervozes aqui em Sergipe. E
esse é o grande centro da minha vida enquanto ativista. Até hoje sou
faço parte do coletivo Intervozes. (Liderança E, relato de entrevista,
2021).

A experiência de envolvimento no debate sobre a democratização da


comunicação por meio de sua participação no coletivo Intervozes, iniciada em 2009,
será, segundo a liderança, importante para outros dois momentos de sua carreira
172

militante, acadêmica e profissional. A partir de sua participação no Intervozes e no tipo


de ativismo vinculado ao grupo, participará do Fórum Sergipano de Audiovisual e a
produção de uma dissertação no mestrado de Comunicação na Universidade Federal
de Sergipe.
O Fórum Sergipano de Audiovisual, especialmente, marca a sua inserção de
modo mais intensivo na outra pauta que, apesar de articulada à democratização da
comunicação, é distinta: a democratização do acesso à cultura.

Esse espaço [do coletivo Intervozes] também me levou a outro espaço


que foi o do Fórum Sergipano de Audiovisual que fazia parte de uma
perspectiva do Intervozes mais ligada à cultura. O audiovisual como
uma expressão cultural. Então essas são as duas principais estruturas
que me fazem, que me definem enquanto ativista... enquanto militante.
Nesse período, também continuo a fazer parte da Articulação de
Esquerda e do Partido dos Trabalhadores. (Liderança E, relato de
entrevista).

Com base nessas “duas estruturas”, para seguir as pistas dadas pela
interlocutora, em 2015 essa liderança apresenta a sua pesquisa no curso de mestrado
em Comunicação intitulada 1ª Conferência Nacional de Comunicação e o mercado de
televisão no Brasil : propostas, interesses, atores e resultados (WESTRUP, 2015). A
orientação da dissertação – ponto importante para entender o trajeto dessa liderança
e de outros intelectuais – é de um professor da Universidade Federal de Sergipe
responsável por orientar trabalhos sobre comunicação e movimentos sociais a partir
de uma chave interpretativa marxista da economia política da comunicação. Além
dela, a Liderança A também teve orientação do mesmo professor (GONÇALVES,
2017).
Em 2017, com a vitória do candidato Edvaldo Nogueira (PCdoB) 26 para a
prefeitura municipal de Aracaju, essa liderança é convidada a participar da Funcaju.
Desde então, passa a integrar o Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira (NPDOV),
situado no Centro Cultural de Aracaju (ver Imagem 15). O Centro fica localizado na
praça General Valadão, região no qual será realizado o Ocupe a Praça.
Inicialmente, a ideia de sua participação no NPDOV era a de criar políticas de
incentivo à produção e divulgação do cinema sergipano. E isso de fato irá acontecer

26 Em 2020, Edvaldo Nogueira se desliga do PCdoB e se filia ao PDT.


173

a partir de exibição de filmes e mostras que serão sediadas no Centro Cultural, que é
um prédio público equipado com sala de cinema e teatro.
É com base nessa trajetória que, em 2017, a liderança E idealiza e inaugura o
projeto Ocupe a Praça. É importante ressaltar que tal projeto também acompanha uma
experiência coletiva que é a emergência e sustentação das ocupações culturais em
Aracaju. E essa liderança também circulava por essas ocupações, estabelecendo um
conjunto de vínculos com os agentes que realizavam essas ações coletivas e que,
posteriormente, serão apoiadores e frequentadores do Ocupe a Praça.

4.7 LIDERANÇA F, O SARAU DA CAIXA D’ÁGUA

A Liderança F é um homem, artista profissional, e tinha 29 anos de idade


quando iniciou, em 2014, as ações da ocupação cultural que ficaria conhecida como
Sarau da Caixa D’água, no município de Lagarto, localizado na região Centro-Sul de
Sergipe. A carreira militante desta liderança é marcada inicialmente por ativismo: i)
cultural, a partir da criação de espaços de divulgação da cultura local; ii) estudantil,
vinculado a mobilizações secundaristas quando ainda era adolescente; e iii) político
institucional. Este último ocorre principalmente em consequência da projeção política
alcançada com o Sarau da Caixa D’água.
Para essa liderança, a origem de seu gosto pelo debate político, e ele registra
enquanto primeiro envolvimento político, ocorre na adolescência. Na ocasião, ele era
um estudante de uma escola municipal localizada no centro do município de Lagarto,
sua cidade natal. Esse envolvimento ocorre, de modo semelhante aos demais, a partir
da exigência de melhores condições na estrutura da escola, espaços de lazer e a
presença de professores na sala de aula. Entretanto, uma particularidade difere esse
tipo de envolvimento político de outros, inclusive do perfil nomeado no trabalho
enquanto secundarista, ele não tinha vínculo com grêmios ou outros tipos de
organização de representação. Para ele, os grêmios não representavam os
estudantes e poderiam ser caracterizados enquanto organizações que
instrumentalizam as pautas reivindicadas pelo público estudantil. Em parte, esta
concepção acerca das organizações políticas acompanha essa liderança até a
formação do coletivo Sarau da Caixa D‘água.
Em 2006, com 21 anos, a carreira militante dessa liderança se direciona em
direção a um ativismo cultural com base na ideia de que a cidade de Lagarto, marcada
174

por um “conservadorismo e tradicionalismo político e cultural”, precisava de espaços


de cultura mais democratizados.

A cidade não tinha acesso a todos os gostos [...]. A cidade não tinha
espaço para os poetas recitarem, para os músicos tocarem com
exceção daqueles que já tinham uma carreira em barzinho e pizzaria.
Não havia espaço para desabafar... aonde descarregar aquela
energia, afinal a arte é uma válvula de escape para artistas... para a
juventude... para todo mundo. Expressar-se é uma necessidade.
Esses [juntamente com a experiência nas mobilizações estudantis]
são os meus primeiros contatos com a política. (Relato de entrevista,
2020).

A primeira experiência, uma versão embrionária do Sarau da Caixa D’água,


ocorreu em 2006 e chamava-se Ajunta Tudo. Estes eventos se assemelhavam a
amostras culturais que envolviam diversas linguagens como o teatro, a poesia, a
música, exposições fotográficas e de telas de pintura no auditório da Secretaria
Municipal de Educação e Cultura Adalberto Fonseca. Mais tarde, em consequência
do Ajunta Tudo, essa mobilização de artistas se vincula com os bares locais; esse
fenômeno ficou conhecido como Gente, Bares e Poesia. De modo geral, entre 2006 e
2014, essa liderança, como destaquei acima, esteve envolvida em um ativismo
cultural local. Em parte, esse ativismo também esteve vinculado à sua atividade
profissional enquanto artista. Apesar dessas mobilizações político-culturais, é
somente em 2014 que se consolida, ao menos na geração dessa liderança, um
discurso em torno da democratização cultural associado aos debates sobre o espaço
público.
Entre 2010 e 2014, ele reside, temporariamente, em Aracaju. Nesse período,
principalmente no final de 2013, após participar dos protestos de junho daquele ano,
se aproximou do Coletivo Debaixo e frequentou o Sarau Debaixo. Essa aproximação,
segundo ele, será fundamental para a construção do Sarau da Caixa D’água em
Lagarto, cujo primeiro nome é Sarau Debaixo da Caixa D’água, em alusão ao Sarau
Debaixo realizado em Aracaju.
Em 2014 é lançada a ideia do Sarau da Caixa D’água e o ativismo da Liderança
F é centralizado em uma discussão da democratização da cultura a partir de um
debate também vinculado àquilo que estamos denominando de “direito à cidade”.
Diferentemente dos coletivos mencionados anteriormente e existentes na capital
sergipana, suas experiências anteriores ao ativismo no Sarau da Caixa D’água – a
175

exemplo das vivências no Ajunta Tudo – serão fundamentais para a construção de


uma nova narrativa para a reivindicação do direito à cidade associada, dessa vez, à
pauta da visibilidade da cultura local. Paralelamente ao Sarau da Caixa D’água, essa
liderança é responsável pela criação de outro espaço de ocupação cultural no centro
de Lagarto, segundo ele “menos politizado que o Sarau da Caixa D’água” e com o
objetivo central de divulgar artistas locais, o Som na Praça.
Entre os anos de 2014 e 2020, a carreira de ativismo deste líder adquire novos
contornos e proporções. Aos poucos, a visibilidade política, adquirida principalmente
pelo Sarau da Caixa D’água, atrai atores engajados em movimentos sociais e partidos
políticos, a exemplo do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Coletivo Quilombo, o
Levante Popular da Juventude, grêmios estudantis locais, o Sindicato dos
Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe (Sintese) e o Partido dos
Trabalhadores.
Nesse momento, tanto o coletivo quanto a trajetória de ativismo dessa liderança
se alteram. Até então, e isso foi destacado por outros integrantes do coletivo em
observação participante realizada em 2016 quando estive em Lagarto para
acompanhar uma das ações do grupo, o coletivo recusava a presença de partidos
políticos e movimentos sociais. Isso ocorre por dois motivos.
O primeiro, de dimensão local, era o constrangimento provocado pela elite
política local que ameaçava a realização do Sarau da Caixa D’água. Isso é
determinante no modo como a reivindicação local elabora estratégias de protesto mais
conciliatórias. Segundo ele, não era necessário “bradar”, pois haviam impedimentos
que ameaçavam a existência de suas ações:

Quando a gente fala em combater o sexismo, o machismo e a


homofobia, estamos levantando bandeiras do PCdoB, do PT e do
PSOL, né? Ou seja, estamos levantando bandeira da esquerda. Não
precisa bradar. E esse não bradar em Lagarto é estratégia para que a
gente possa continuar acontecendo porque hoje o Sarau da Caixa
D’água é bem visto pela polícia militar, a galera do Sintese. É bem
visto pelos estudantes, é bem visto pelos comerciantes. Tentamos
fazer o máximo para não desagradar, sem deixar de informar que é
um movimento político. Um movimento de esquerda. (Liderança F,
relato de entrevista).

E segundo, este se refere ao “espírito” do momento, que estava vinculado a


uma recusa das organizações tradicionais da política. Sentimento este que
176

acompanha um conjunto de experiências contestatórias, a exemplo do grupo que


inspira e orienta o movimento, que foi o Coletivo Debaixo.
De modo geral, o impacto da aproximação dessas organizações trouxe uma
reavaliação em nível de organização e trajetória de ativismo. No âmbito da sua
trajetória de ativismo, aspecto que nos interessa nesse momento, o fato de ter se
tornado uma representação de grupos sociais diversos, como artistas e a juventude
local. Para além desses grupos mais delineados, o impacto das ações do Sarau da
Caixa D’água atinge outros grupos mais difusos, como alguns comerciantes locais e
famílias que apoiaram as ações a partir da ideia de que o sarau se tornava uma
atração e espaço de lazer ou uma forma de geração de renda para os pequenos
comerciantes.
Esse aumento da capacidade de representação foi responsável pela filiação
dessa liderança, em 2018, ao PCdoB. Nesse mesmo ano, ele sai candidato a
deputado estadual pela legenda, mas não é eleito, obtendo o resultado de 500 votos
e sendo o décimo candidato a deputado estadual mais votado em Lagarto. Para
entendermos a expressão dessa liderança, quando comparado a outros deputados
estaduais com expressão em Sergipe, ele adquire uma quantidade de votos
semelhantes, se filtrado o número de votos restritos ao território de Lagarto, a políticos
eleitos como Iran Barbosa (PT), Zezinho Sobral (Podemos) e Luciano Pimentel (PSB).
Outra expressão da notabilidade que a Liderança F adquire em Lagarto são os
usos do capital político adquirido por outros políticos locais naquilo que ele chama de
“política de palanques”.

Nas eleições municipais de 2016, por exemplo, muitos políticos


usaram o nosso evento [o sarau] para fazer promessas. Não o nosso
palco. Mas falaram e usaram em comícios. Alguns diziam “não, nós
vamos ajudar o Sarau da Caixa D’água”. Ou seja, a nossa
reivindicação foi usada na política de palanques. (Relato de entrevista,
2020).

Em abril de 2020, momento em que é novamente consultado para possível


candidatura a vereador por alguns partidos do campo progressista, em uma edição
comemorativa de “10 anos de resistência” de uma revista cultural de Lagarto, essa
liderança sintetiza um pouco da motivação e das consequências desses espaços de
mobilização político-cultural. Tal fato contribui para pensar não somente como ele
resgata uma história, mas também reafirma a vinculação de sua biografia com as
177

ações que foram responsáveis pela emergência de um sujeito que, além de artista e
fundador do Sarau da Caixa D’água, também possui um capital político.

Uma década se passou. Ocupamos espaços, avançamos, recuamos


e tornamos a seguir em frente. Novos talentos surgiram e com ele um
novo público. Nesses dez anos, a cena cultural de Lagarto teve perdas
que deixaram um rombo em nossas almas e na cidade. Mas também
teve permanências, evoluções e reinvenções. [...]
Tivemos muito – e o desejo de mais memórias e de mais presenças
ainda existe. A força renasce com os novos talentos, e os caminhos
estão mais abertos a pluralidade das nossas expressões se encarrega
de colocar cada expressão em seu lugar. Que tudo isso seja
ferramenta para revelar e cuidar dos nossos artistas e, acima de tudo,
que haja maior crescimento intelectual da nossa juventude, com
inclusão social.
Apesar de toda essa quantidade de agentes culturais neste exemplar,
Lagarto ainda tem muito mais. Aqui, busquei registrar os que
estiveram de algum modo relacionados aos movimentos mencionados
e conseguiram mandar o material a tempo.
Espero que curtam o nosso manifesto, leiam e guardem com carinho.
Sempre em frente! (REVISTA CULTURAL, 2020).

O ativismo da Liderança F, como buscamos demonstrar, traz algumas


peculiaridades do modo como as ocupações culturais e a reivindicação do direito à
cidade foram traduzidas para o contexto das pequenas e médias cidades. Ainda que
haja continuidades, por exemplo, a partir da ideia de desigualdade no acesso à cultura
e à cidade em contraposição a uma lógica “conservadora” e “tradicionalista” no uso
dos espaços públicos, identificamos também uma diferença expressiva. Essa
distinção pode ser representada enquanto uma reivindicação da valorização da cultura
local. Em parte, tal acontecimento é consequência também da trajetória da liderança
que mobilizou uma experiência vivenciada a partir do contato estabelecido com o
Coletivo Debaixo em Aracaju. Ou seja, tal como nos demais casos, o modo como a
forma de ação – a ocupação cultural – e a pauta – a reivindicação do direito à cidade
– é mobilizada em diversos contextos também está associado ao perfil das lideranças.
Desta forma, os periféricos, os secundaristas, os agitadores culturais e os
cosmopolitas se apropriaram de formas tão distintas quanto o perfil de suas
lideranças.
O estudo das redes e das carreiras militantes, dimensões fundamentais para a
compreensão da circulação da ocupação como repertório de ação coletiva e do direito
à cidade como enquadramento de mobilização, também possibilitou a compreensão
sobre os padrões de relações entre os grupos e o perfil das lideranças. Especialmente
178

neste capítulo, buscamos ressaltar como este ciclo de mobilizações em torno do


objeto de pesquisa em questão teve a participação de atores sociais com carreiras
militantes diversificadas.
A seguir, analisaremos um fenômeno comum às várias carreiras analisadas,
haja vista a circulação dos diversos atores em instituições.

4.8 ATIVISMO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA: DAS RUAS ÀS INSTITUIÇÕES

Este capítulo teve como objetivo demonstrar como as mobilizações em torno


da reivindicação do direito à cidade a partir de ocupações culturais proporcionaram a
emergência de um conjunto de atores e organizações. Os saraus ou “os ocupes” se
expandiram e também se desmobilizaram nesse espaço de sete anos, mais
especificamente entre os anos de 2013 e 2020. Nesse entremeio, alguns atores
sociais adquiriram notabilidade política e ocuparam cargos em algumas instituições
sociais públicas.
As ocupações culturais possuem duas características em sua forma de ação
coletiva que têm consequências no processo de emergência de representações
políticas. Primeira, as ocupações culturais são espaços de representação. E a
segunda característica concerne ao modo como elas se organizam e propiciam um
tipo de representação baseado na territorialidade.
A afirmação de que as ocupações culturais são espaços de representação
deriva do fato de que, assim como um sindicato, elas se constituem enquanto lugares
– no sentindo de um espaço físico significado (TILLY, 2000). Nesses espaços,
principalmente as lideranças, adquirem notabilidade política que deriva principalmente
da capacidade de conquistar recursos (humanos e materiais) em torno dos eventos.
A exposição de determinados atores enquanto aqueles que organizam é fundamental
para o processo de fabricação dessas lideranças. A habilidade de manter uma ação
sendo realizada, e que significa articular uma rede de colaboradores que contribuem
para a aquisição dos recursos necessários à realização das intervenções é, por
exemplo, um dos elementos que importam para a aquisição de uma notabilidade.
Além disso, os líderes, uma vez nesta posição, representam não somente uma
ocupação, mas também um conjunto de atores de um determinado lugar. Isso nos
ajuda a compreender o segundo ponto, que consiste na característica territorial dessa
representação.
179

Para além do fato das ocupações constituírem espaços propícios à fabricação


de lideranças, elas possuem um significado de identificação territorial que impulsiona
a capacidade de representação dos líderes. Como salientaram alguns interlocutores
em entrevista: antes de iniciar alguma ação em uma localidade específica é preciso
criar vínculos com a comunidade. E, em consequência disso, é preferível que haja
uma liderança local pré-estabelecida. Neste sentido, as lideranças, normalmente
jovens, representam a juventude de uma determinada localidade.
Acerca deste tipo de representação construída a partir dos territórios, podemos
pensar em dois exemplos para identificar tal fenômeno.
O caso da Liderança C, por exemplo, nos permite entender o processo de
construção de uma representação social e política dentro de um território a partir das
ocupações culturais. A trajetória dessa liderança que, inclusive, antecede ao ciclo de
ocupes em Aracaju e, principalmente, a região metropolitana, é construída a partir de
um conjunto de mobilizações de ocupação cultural. Assim permanece a partir de 2015,
quando adquire reconhecimento da população do bairro Industrial a partir do Sintonia
Periférica, e em 2018, com as ações do Som da Quebrada no bairro Porto Dantas.
Esses dois bairros estão localizados na zona norte da cidade de Aracaju, que é
também a região na qual essa liderança nasceu e viveu até a vida adulta.
O reconhecimento adquirido por essa liderança está vinculado principalmente
ao público atingido por suas ações. A rede de ativistas do hip-hop, do movimento
negro, de movimentos culturais e de juventude, por exemplo, são os grupos que ele
representa. É com base nesse prestígio acumulado que a Liderança C consegue
transitar entre as ruas e as instituições. E, para isso, os tipos de espaço institucional
e político aos quais se vincula estão diretamente relacionados com os tipos de ação
desenvolvida nas ruas. Neste sentido, há uma correspondência entre as ações de
mobilização e os cargos ocupados.
No caso dessa liderança, os principais espaços que ocupou ao longo de sua
trajetória estão vinculados a dois eixos de atuação, agora, não somente de caráter
político, mas político-profissional. O eixo da cultura e, para isso, atuará como
apresentador de televisão e rádio, mas também como gestor cultural em fundações
municipais como a Funcaju e estaduais como a Aperipê. Sua mobilidade entre essas
fundações municipais e estaduais também estará vinculada a movimentos mais
amplos de candidaturas eleitas nesses níveis da administração pública. Além do eixo
da cultura, também atuará em secretarias de assistência social, tendo em vista sua
180

atuação em regiões e com públicos vulneráveis. Por fim, é com esse mesmo prestígio
que ele sai como candidato a vereador de Aracaju em 2018 pelo Partido Comunista
do Brasil.
O caso da Liderança B é bem semelhante ao da Liderança C e de outros
entrevistados cuja carreira não foi analisada, mas consta entre o material empírico
coletado ao longo da pesquisa. Aqui há um elemento comum entre os periféricos,
que é a conversão de suas experiências de mobilização e prestígio social e político
acumulado na atuação de áreas como a cultura e, especialmente, a assistência social.
Como já mencionado, isso é explicado pelo know-how adquirido por esses e essas
ativistas com grupos vulneráveis.
Uma segunda forma identificada de emergência de representações políticas é
aquela na qual os movimentos sociais, coletivos e partidos políticos planejam e
realizam ocupações culturais em determinadas comunidades, a fim de adquirir
prestígio e criar novos sujeitos de representação. Se no exemplo da Liderança B, as
representações políticas acumulam prestígio e consecutivamente alcançam cargos
em administrações públicas, essa segunda modalidade ocorre por outro caminho.
Principalmente a partir de 2016, quando os ocupes culturais e a reivindicação
do direito à cidade tornam-se comuns em diversas localidades da capital e interior do
estado, percebe-se um movimento de surgimento de ocupações culturais
impulsionado por agrupamentos políticos. Esse é o caso, por exemplo, do Arte na
Praça, do Ocupe o Farol e, posteriormente, do Slam do Mangue. Todos organizados
pelo Levante Popular da Juventude com o intuito de mobilizar determinados grupos
sociais, principalmente juvenis, mas também de construção de representações
políticas “em suas bases”.
Assim, a ocupação cultural começa a ser uma forma de mobilização que entra
na agenda política dos coletivos, movimentos sociais e partidos políticos. Podemos
representar este processo pela seguinte máxima: se a reivindicação do direito à
cidade era uma forma de ação com alta capacidade de mobilização, todos precisavam
estar representados nessa forma de luta. É com base nisso que alguns grupos, a
exemplo do Levante Popular da Juventude, vão fundar suas ocupações culturais e
adquirir reconhecimento por intermédio de atores mediadores.
Paralelamente a essas duas formas de representação fundamentadas em um
princípio territorial – haja vista a importância dos significados atribuídos nessa forma
de ação coletiva às espacialidades para construir processos de reconhecimento –,
181

essas lideranças também adquiriram capacidade de representação a partir de sua


vinculação a determinados segmentos sociais. Esse é o caso da Liderança D e o
segmento dos estudantes secundaristas, como também a Liderança F e os artistas de
uma cidade do interior do estado.
Assim, o fenômeno da ocupação cultural e a reivindicação do direito à cidade
permitiram a emergência de representações políticas. Algumas novas, que emergiram
nesse processo de mobilização. Outras nem tão novas assim, essas converteram sua
experiência de ativismo para adquirir prestígio e notabilidade nesse tipo de ação
coletiva que se difundiu e demonstrou intensa capacidade de mobilizar determinados
grupos sociais.
Ao analisar as carreiras militantes, portanto, demonstramos três aspectos desta
pesquisa: i) os espaços de socialização política aos quais os atores estiveram
envolvidos; ii) o processo de construção de representações políticas e prestígio social;
e iii) os usos desse prestígio na inserção desses atores em novos espaços de atuação
política. Se “A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”, como ressalta Frei Betto,
ao destacar as carreiras também buscamos compreender como a diversidade dos
usos e sentidos das mobilizações culturais pelo direito à cidade estão relacionadas às
mais variadas origens, sejam elas políticas ou sociais, dos atores em questão.
182

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre os anos de 2015 e 2017, quando analisei o primeiro grupo a mobilizar


esta pauta depois dos protestos de 2013, um dos integrantes e idealizadores do
Coletivo Debaixo disse uma frase que seria título da minha dissertação (SANTOS,
2017) desenvolvida naquele período. “As manifestações de junho de 2013 pra gente
não acabou”, disse ele. Em 2018, essa ideia seria vocalizada não mais por um ativista,
mas por uma das grandes analistas das mobilizações daquele período. Em entrevista
à BBC News Brasil, Angela Alonso disse que “junho de 2013 é um mês que não
terminou”27. Em parte, esta pesquisa se vincula à agenda que se inaugura nesse
período que busca compreender esse mês que não acabou. Certamente esse mês
não começa com junho de 2013, pois as mudanças em nível de formas de ativismo
não começam exatamente naquele momento, mas elas também não terminam por ali.
Os olhares tanto para os protestos de junho de 2013 quanto para as
transformações em termos de ativismo foram os mais variados ao longo dos últimos
anos. A análise dos atores sociais mobilizados, as formas de ação coletiva, os usos
das tecnologias de informação e comunicação, as pautas e os enquadramentos
coletivos, os estilos de ativismo, etc. Em uma busca pela síntese, essas abordagens
olharam para as seguintes variáveis: os atores, as ações e o contexto. É nessa agenda
de pesquisa que este trabalho está inserido.
Esta pesquisa demonstrou que os protestos de junho de 2013 constituíram um
momento de inovação das formas de ação coletiva e tiveram, como consequência
local, a emergência e a difusão da ocupação cultural e da reivindicação do direito à
cidade em Sergipe. O fenômeno está vinculado a três características: i) de um
contexto político marcado pela crise de formas de ativismo mais à esquerda e pela
emergência de novos estilos de ativismo, repertórios de ação e pautas de mobilização;
ii) a capacidade (em níveis práticos e narrativos) modular desse tipo de ação coletiva;
e iii) a construção de uma rede de coletivos e organizações locais vinculados a esse
tipo de mobilização. Essas características possibilitaram que entre os anos de 2013 e
2020 houvesse um uso disseminado desse tipo de ação e pauta por diversos
movimentos sociais, partidos políticos e coletivos em Sergipe.

27 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44310600.


183

Ao analisarmos o contexto político, consideramos que o objeto de estudo desta


pesquisa é resultado de uma abertura a novas experimentações políticas. É fato, e
isso é um debate na literatura nacional desde 2013, que nada se inicia com os
protestos daquele ano. Para isso, basta um olhar sobre as pesquisas realizadas desde
o início dos anos 2000 sobre: os coletivos como repertório organizacional em
crescente uso e visibilidade, as mobilizações pelo transporte público, a emergência
de grupos à direita em diversos espaços como o movimento estudantil universitário e
em protestos de rua em reivindicação da paz, a emergência de rotinas de contestação
pelo direito à cidade com o uso da cultura como ferramenta principal da ação coletiva,
etc. Entretanto, a visibilidade que essas formas de ação e organização coletivas
adquirem nesse período é uma característica importante.
Essa visibilidade e o prestígio que essas formas vão adquirir durante e após os
protestos de 2013 será considerado pelos autores como um momento de “abertura
societária” e surgimento de “novas oportunidades políticas”. De um lado a outro,
consolida-se a ideia de que esse período marca um momento de inflexão, no qual
variadas formas de ação coletiva adquirem visibilidade e tornam-se disponíveis para
diversos grupos sociais.
Assim, esse contexto de abertura a novas experimentações nas formas de
ativismo – um fenômeno que não se restringe ao Brasil – foi fundamental para que as
ocupações culturais e a reivindicação do direito à cidade se consolidassem,
inicialmente, em Aracaju. É possível que dois questionamentos derivem dessa
afirmação: e não existiram esses tipos de ação antes de 2013? Se sim, por que diz
ser uma novidade? Sim, existiram expressões semelhantes em Sergipe. A questão
em tela é o fato de que a ocupação cultural se tornará um repertório mobilizado por
diversos grupos e, de forma sustentada ao longo dos próximos anos, associado à luta
pelo direito à cidade.
Paralelamente ao contexto que estimulou a emergência desse fenômeno, o uso
e a difusão desta forma de ação coletiva no Brasil e em diversos países, a capacidade
de modulação – expressão pela qual nos referimos à possibilidade de usar um
repertório de ação em diversas situações – também contribuiu para o fenômeno.
Como evidenciamos, principalmente nos capítulos 1, 2 e 3, a ocupação cultural
revelou-se um repertório capaz de ser utilizado em diversas situações. As
mobilizações contra o fim do Ministério da Cultura ou o Ocupa Minc em 2016, os
protestos contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, a ação
184

coletiva chamada de #Mulherescontrabolsonaro em 2018 e a reivindicação da


melhoria da merenda escolar em 2016 são algumas das situações nas quais a
ocupação cultural foi mobilizada como repertório de ação.
Em Sergipe, no caso específico da reivindicação pelo direito à cidade, a
ocupação cultural foi mobilizada em praticamente todas as regiões do estado. Para
isso, classificamos os grupos em cosmopolitas, periféricos, secundaristas,
agentes estatais e agitadores culturais. A ideia de criação dessas categorias
descritivas foi demonstrar como havia uma diversidade de atores utilizando essa
forma de ação coletiva em diversos contextos.
Mais do que revelar um processo de difusão dessa forma de ação coletiva e de
um enquadramento, esse período foi marcado pela consolidação de uma ampla rede
de coletivos, movimentos sociais, partidos políticos e administrações públicas que se
envolveram com essa mobilização. Essa é a terceira característica que explica o
argumento central desta pesquisa.
Ao analisarmos as redes de atores e organizações, como também a carreira
militante das principais lideranças, nos capítulos 3 e 4, demonstramos como essa
pauta ultrapassou os limites das próprias ocupações culturais. Professores
universitários de áreas como as Ciências Sociais, a Filosofia, a Arquitetura e a
Psicologia se envolveram e promoveram debates com o objetivo de pensar os limites
das sociabilidades urbanas vigentes e como os movimentos de ocupação cultural
revelam tais limites e sociabilidades alternativas. Estudantes realizaram trabalhos de
conclusão de curso, dissertações e tese sobre o tema. Secretarias e prefeituras
apoiaram as ações em níveis financeiros e logísticos. No caso de Aracaju, a Fundação
Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju) elaborou e realizou o projeto Ocupe a Praça.
Algumas das lideranças que promoveram essas ações foram inseridas em secretarias
de diversas prefeituras, outras foram candidatas a cargos eletivos. Esses fatos,
reunidos ao longo deste trabalho, reforçam a ideia de como essa forma de ação e
pauta reivindicatória foi mobilizada por diversos tipos de organizações e atores.
Assim, analisamos três dimensões do fenômeno da difusão desse modelo de
ação coletiva. Primeira, o aspecto prático que reside em como a ocupação cultural
tornou-se um repertório de ação coletiva cujas adaptações ocorriam em nível
performático: preservava-se a forma (a estrutura da ação), mas alterava-se o
conteúdo, para nos referir ao Simmel (2006). Segunda, a dimensão discursiva que se
refere à popularização do enquadramento do direito à cidade, mas sua adequação às
185

reivindicações locais que eram paulatinamente articuladas ao signo geral do “direito à


cidade”. E terceira, a dimensão dos atores e organizações nos quais enfatizamos a
presença dessa pauta na ação de diversos grupos.
Diante das escolhas metodológicas e teóricas adotadas, buscamos ressaltar
dois aspectos da agenda de pesquisa que buscam compreender os ciclos globais de
contestação, em especial vinculados à pauta das ocupações e do direito à cidade: as
dinâmicas políticas locais e os múltiplos sentidos que o signo do “direito à cidade”
adquire nos contextos.
A bibliografia sobre os ciclos globais de contestação, especialmente vinculados
ao uso da ocupação como repertório, foi bastante produtiva nos últimos anos. Nesse
período, dossiês e coletâneas foram organizadas em âmbitos nacional e internacional,
impulsionados pelas diversas experiências de reivindicação (ANDRADE, LINS,
LEMOS, 2014; BARRETO, MEIDEIROS, 2017; COMBES, GARIBAY, GOIRAND,
2015; DECHEZELLES, OLIVE, 2017; DELLA PORTA, ATAK, 2017; SOUZA, R.,
2017). Entretanto, um desafio que o acontecimento, cada vez mais frequente, de
protestos ou ciclo de protestos nacionais ou transnacionais impõe às pesquisas é a
construção de um modelo explicativo capaz de circunscrever o que há de “global”,
“nacional” e “local” nessas ações.
Ao analisar o processo de constituição desse tipo de ativismo, assim como os
diversos estilos vinculados, esta pesquisa acessou uma dinâmica local que traduziu a
ideia de “direito à cidade” das mais variadas formas. Neste sentido, há uma
contribuição não somente ao conjunto de investigações já realizadas, como também
a uma agenda de pesquisa que busca compreender os sentidos locais das “ondas” de
mobilização.
No caso da contribuição às pesquisas realizadas em Sergipe, destaco alguns
pontos. Primeiro, e seguindo a pista de Pierre Bourdieu (2011) de que “o real é
relacional”, avançamos ao analisar de modo simultâneo os diversos grupos que
mobilizaram essa pauta e repertório de ação. Diferentemente de outras pesquisas que
analisaram um grupo especificamente e, em consequência das escolhas
metodológicas, não visualizaram os conflitos entre as diferentes formas de narrar o
direito à cidade. Assim, ao invés de falar em “cidade reivindicada”, insistimos na ideia
de que nesse período havia “cidades reivindicadas”. O direito à cidade para os
cosmopolitas, jovens de classe média e com ensino superior, não possui o mesmo
significado para os agitadores culturais, localizados no interior do estado e, muito
186

menos, para os periféricos. Neste sentido, a diferença dessas concepções de direito


à cidade é proporcional às experiências dos diversos grupos sociais analisados com
a cidade e às disposições acumuladas ao longo de suas biografias.
Segundo, e desdobramento do primeiro ponto, é que a pesquisa, com o seu
enfoque qualitativo de imersão em um contexto de ativismo, apresenta um caminho
de investigação capaz de identificar as particularidades locais em situações de
mobilizações influenciadas por pautas transnacionais. Neste aspecto, o acesso aos
contextos nos quais essas ações coletivas estavam localizadas e, principalmente, aos
enquadramentos construídos pelos atores foi fundamental nessa operação. Ao
identificar as justificações para a mobilização e os enquadramentos elaborados em
torno do sentido que o “direito à cidade” nos contextos, pudemos analisar como esta
onda global adquire sentido para os atores. Isso não significou uma ruptura com os
levantes globais e nacionais de protestos pelo direito à cidade ou o uso disseminado
da ocupação como repertório de ação. Antes disso, buscamos enfatizar os sentidos
locais de um “espírito” do tempo.
Para o campo dos estudos sobre os movimentos sociais, este estudo, ao adotar
a análise da difusão de uma ação coletiva como foco analítico e problemática teórica,
apresenta um caminho de pesquisa para esse fenômeno. Como foi ressaltado em
alguns momentos ao longo do trabalho, os ativismos contemporâneos são
caracterizados, entre outras coisas, por uma acelerada difusão de problemas sociais
que se transformam em pautas e mobilizações. O assassinato de um homem negro
por um policial branco nos Estados Unidos, o George Floyd, por exemplo, provocou,
em maio de 2020, uma sucessão de protestos ocorridos no território estadunidense e
em outros países. Em parte, esse fenômeno de replicação de uma ação coletiva se
deve, em grande medida, ao impacto das redes sociais virtuais na capacidade, cada
vez mais intensa, de compartilhamento de eventos capazes de mobilizar a sociedade
civil. É verdade que esse tipo de evento não surge com a internet, mas certamente se
intensifica com o advento das redes sociais, que têm o compartilhamento de
informações como uma de suas características fundamentais.
Ao se dispor a analisar esse fenômeno, este trabalho propõe um modelo
analítico baseado na análise de cinco variáveis que, em parte, se referem a dimensões
dos estudos dos movimentos sociais: o contexto, as práticas, as narrativas, as
organizações e os atores.
187

Em torno do contexto, buscamos demonstrar como os protestos de junho de


2013 consolidaram-se enquanto um momento de inovação de práticas contestatórias,
pautas e modelos organizacionais. Entre essas inovações, a ocupação cultural e a
reivindicação do direito à cidade emergem como uma experimentação no campo dos
movimentos sociais e que traziam, em suas expressões, parte desses dilemas da
participação presentes naquele período. A desconfiança em relação aos partidos
políticos e outras formas de ação política mais tradicionais, a presença dos coletivos
enquanto repertórios organizacionais dos grupos analisados e a busca por um tipo de
ação direta e menos burocratizada são alguns dos dilemas da participação e que
identificamos nesta pesquisa.
No caso das práticas e narrativas, identificamos como, paulatinamente, o
repertório da ocupação cultural e o enquadramento interpretativo do direito à cidade
tornou-se uma forma de reivindicação disponível para determinados grupos sociais.
Essa disponibilidade, que esteve relacionada com a popularização dessa forma de
mobilização, possibilitou o uso desse tipo de ação por diversos grupos no estado de
Sergipe. O que podemos notar na pesquisa é que à medida que esse modelo de ação
se popularizava e era apropriado pelos grupos, a prática e a narrativa inicial também
se transformavam. Em pouco espaço de tempo, as ocupações culturais foram
performatizadas de diversas maneiras e o enquadramento do direito à cidade adquiria
novos sentidos. Essas mudanças estiveram relacionadas, como mostramos, às
especificidades dos grupos que se apropriavam da pauta.
Entre as características organizacionais e dos atores, a pesquisa evidenciou o
processo de expansão das redes de movimentos sociais e analisou como a
emergência do ciclo de ocupações culturais em Sergipe tornou possível a construção
de carreiras militantes e representações políticas. A expansão das redes de
movimentos sociais esteve associada à capacidade de mobilização adquirida por essa
forma de mobilização. Assim, as ocupações culturais deixam de ser uma forma de
ação contestatória de coletivos para também serem utilizadas por movimentos sociais
mais tradicionais e partidos políticos em outras reivindicações para além da luta pelo
direito à cidade. Para além dessa dimensão organizacional, as ocupações culturais
não foram somente um espaço para a experimentação política, como também um
laboratório para a emergência de novas lideranças. Em alguns casos, ainda,
lideranças de movimentos sociais utilizaram seu prestígio anterior ao ciclo das
ocupações culturais para construir suas ações de reivindicação do direito à cidade.
188

Com isso, desejamos que esta pesquisa contribua para os estudos que
crescem em termos qualitativos e quantitativos sobre as diversas facetas das lutas
pelo direito à cidade em níveis locais e nacionais, como também sirva de memória
para aqueles que, seja na condição de protagonistas ou coadjuvantes, se envolveram
nas ações descritas nessas páginas. Por fim, especificamente para a agenda de
investigações sobre os impactos dos protestos de junho de 2013 nas localidades e a
análise do fenômeno da difusão de uma ação coletiva, que este trabalho tenha
conseguido propor um caminho de pesquisa possível.
189

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABERS, Rebecca Neaera; SERAFIM, Lizandra; TATAGIBA, Luciana. Repertórios de


interação Estado-sociedade em um Estado heterogêneo: A experiência na Era Lula.
Dados, v. 57, n. 2, 2014, p. 325-357.

ABERS, Rebecca Neaera; VON BÜLOW, Marisa. Movimentos sociais na teoria e na


prática: Como Entre estudar o ativismo através da fronteira Estado e sociedade?.
Sociologias, v. 13, n. 28, 2011, p. 52-84.

ALONSO, Angela. A política das ruas: protestos em São Paulo de Dilma a Temer.
Novos Estudos – CEBRAP, v. 37, n. 1, 2017, p. 49-58.

ALONSO, Angela; MISCHE, Ann. Changing repertoires and partisan ambivalence in


the new brazilian protests. Bulletin of Latin American Research, v. 36, n. 2, 2017,
p.139-280.

ANDRADE, Érico; LINS, Liana Cirne; LEMOS, Frida. Nem solitárias, nem amargas: a
luta pelo direito à cidade para e pelas pessoas - o caso do #OcupeEstelita. Junho:
potência das ruas e das redes. 1. ed. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert, 2014. p.
135-157.

ARANTES, Paulo. O novo tempo do mundo e outros estudos sobre a era da


emergência. São Paulo: Boitempo, 2014.

AVRITZER, Leonardo. Impasses da democracia no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 2016.

AVRITZER, Leonardo. O pêndulo da democracia. São Paulo: Todavia, 2019.

AVRITZER, Leonardo. Participação na democracia brasileira: a hegemonia popular e


a inovação dos protestos de classe média. Opinião Pública, v. 23, n. 1, 2017, p. 43-
59.

BARRETO, Francisco Sá; MEDEIROS, Izabella. A “ocupação” como léxico da


agência política nas cidades contemporâneas: o caso do movimento ocupe estelita,
em Recife-Pernambuco. 41º Encontro Anual da Anpocs, Caxambú/MG, 2017, p. 1-
30.

BECKER, Howard S. Notes on the concept of commitment. American Journal of


Sociology, v. 66, 1960, p. 32-40.

BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 2008.

BECKER, Howard. S. Segredos e truques da pesquisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


2007.

BENFORD, R. D. An insider’s critique of the social movement framing perspective.


Sociological Inquiry, v. 67, n. 4, p. 409-430, out. 1997.
190

BENFORD, R. D.; SNOW, D. A. Framing processes and social movements: An


overview and assessment. Annual Review of Sociology, v. 26, n. 1, p. 611-639, ago.
2000.

BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. de M. (org.).


Usos e abusos da história oral. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002, p. 183-191.

BOURDIEU, Pierre. Ofício de sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia. 8.


ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Editora Marco Zero


Limitada, 1983.

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11. ed. Campinas:
Papirus, 2011.

BRINGEL, Breno. A busca de uma nova agenda de pesquisa sobre os movimentos


sociais e o confronto político: diálogos com Sidney Tarrow. Política e sociedade, v.
10, n. 18, 2011, p. 51-73.

BRINGEL, Breno. Ativismo transnacional, o estudo dos movimentos sociais e as


novas geografias pós-coloniais. Estudos de sociologia, v. 16, n. 2, 2010, p. 185-215.

BRINGEL, Breno. Miopias, sentidos e tendências do levante brasileiro de 2013. In:


BRINGEL, Breno; DOMINGUES, José. M. (org.). As jornadas de junho em
perspectiva global. Rio de Janeiro: Netsal: Iesp, 2013, p. 16-29.

BRINGEL, Breno; PLEYERS, Geoffrey. Junho de 2013... Dois anos depois:


polarização, impactos e reconfiguração do ativismo no Brasil. Nueva Sociedad:
democracia e política en América Latina, v. 259, 2015, p. 42-53.

CARRANO, Paulo. A participação social e política de jovens no Brasil:


considerações sobre estudos recentes. O social em questão, n. 27, 2012, p. 83-100.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 3. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar,


2018.

CEFAÏ, D. Públicos, problemas públicos, arenas públicas... O que nos ensina o


pragmatismo (Parte 1). Novos Estudos – CEBRAP, v. 36, n. 01, p. 187-214, mar.
2017a.

CEFAÏ, D. Públicos, problemas públicos, arenas públicas... O que nos ensina o


pragmatismo (Parte 2). Novos Estudos – CEBRAP, v. 36, n. 02, p. 128-143, jul.
2017b.
191

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 22.
ed., 2014.

COMBES, Hélène.; GARIBAY, David.; GOIRAND, Camille. Les lieux de la colère:


Occuper l’espace pour contester, de Madrir à Sanaa. Paris: Karthala Éditions, 2015.

CORCUFF, Philippe. As novas sociologias: construções da realidade social. Lisboa:


Sintra, 2001.

COSTA, Joana D’arc. Dos movimentos sociais às funções institucionais: a


consolidação de uma geração política em Sergipe. Dissertação (Mestrado em
Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, 2009, 119 f.

DARMON, Muriel. La notion de carrière: un instrument interactionniste


d'objectivation. Politix, v. 2, n. 82, 2008, p. 149-167.

DECHEZELLES, Stéphanie.; OLIVE, Maurice. Les mouvements d’occupation : agir,


protester, critiquer. Politix, n. 117, 2017, p. 7-34.

DELLA PORTA, Donatella; ATAK, Kivank. The spirit of Gezi: a relational approach to
eventful protest and its challenges. Global diffusion of protest: riding the protest wave
in the neoliberal crisis. Montreal: Amsterdan University Press, 2017, p. 31-59.

DIANI, Mário. The Concept of Social Movement. The Sociological Review, v. 40, n. 1,
p. 1-25, fev. 1992.

DIANI, Mário.; BISON, I. Organizações, coalizões e movimentos. Revista Brasileira


de Ciência Política, v. 3, p. 220-249, 2010.

DOWBOR, Monika; SWZAKO, José. Respeitável público... Performance e


organização dos movimentos antes dos protestos de 2013. Novos Estudos –
CEBRAP, n. 97, 2013, p. 43-55.

DUBAR, Claude. Trajectoires sociales et formes identitaires. Clarifications


conceptuelles et méthodologiques. Sociétés contemporaines, n. 29, 1998. p. 73-85.

FILLIEULE, Olivier. Propuestas para un análisis procesual del compromiso


individual. Intersticios – Revista Sociológica de Pensamiento Crítico, v. 9, n. 2, 2015,
p. 197-212.

FILLIEULE, Olivier. Some elements of an interactionist approach to political


disengagement. Social Movement Studies, 2010, v. 9, n. 1, p. 1-15.

FUSARO, Luana Garcia Feldens. Juventude e ocupações culturais em Aracaju: da


arte ao protesto. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal de
Sergipe, São Cristóvão, 2018, 117 f.

GAXIE, Daniel. Économie des partis et rétributions du militantisme. Revue française


de science politique, v. 27, n. 1, 1977, p. 123-154.
192

GOFFMAN, Erving. Os quadros da experiência social: uma perspectiva de análise.


Petrópolis: Vozes, 2012.

GOHN, Maria da Glória. Manifestações de junho de 2013 no Brasil e praças dos


indignados no mundo. Petrópolis: Vozes, 2014.

GOHN, Maria da Glória. Manifestações e protestos no Brasil: correntes e


contracorrentes na atualidade. São Paulo: Cortez, 2017.

GOIRAND, Camille. Movimentos sociais na América Latina: elementos para uma


abordagem comparada. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 22, n. 44, p.
323-354, julho-dezembro de 2009.

GONÇALVES, Antônio Vinícius Oliveira. Contra-hegemonia, mediação e apropriação


social: um estudo sobre o MTST e a ocupação urbana como meio de comunicação.
2017. 105 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Universidade Federal de
Sergipe, São Cristóvão, SE, 2017.

JASPER, James M. Protesto: uma introdução aos movimentos sociais. Rio de


Janeiro: Zahar, 2016.

JASPER, James M. The art of moral protest: culture, biography, and creativity in
social movements. Chicago: The University of Chicago Press, 1997.

LAHIRE, Bernard. O homem plural: os determinantes da ação. Petrópolis, Rio de


Janeiro, Vozes, 2002.

LAHIRE, Bernard. O homem plural ou a sociologia em escala individual. In:


VANDENBERGHE, Frédéric; VÉRAN, Jean-François. Além do habitus: teoria social
pós-bourdieusiana. 1. ed. Rio de Janeiro: 7Letras, 2016, p. 39-49. (Coleção
Sociologia & Antropologia).

LAHIRE, Bernard. Patrimônios individuais de disposições. Para uma sociologia à


escala individual. Sociologia, Problemas e Problemáticas, n. 49, 2005.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia
urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 49, 2002, p. 11-29.

MARCON, Frank Nilton; SOUZA FILHO, Florival José de. Estilo de vida e atuação
política de jovens do hip-hop em Sergipe. Revista de Antropologia da USP, v. 56, n.
2, 2013, p. 509-544.

MARICATO, Ermínia et al. Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que


tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013.

MATHIEU, L. L’Espace des mouvements sociaux. Sociopo, Éditions du Croquant,


2011.
193

MEDEIROS, Jonas.; JANUÁRIO, Adriano; MELO, Rúrion. (org.). Ocupar e resistir:


Movimentos de ocupação de escolas pelo Brasil (2015-2016). São Paulo: Editora 34,
2019.

MELUCCI, A. The new social movements: A theoretical approach. Social Science


Information, v. 19, n. 2, 1980, p. 199-226.

MESQUITA, Marcos Ribeiro. Cultura e política: a experiência dos coletivos de cultura


no movimento estudantil. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 81, 2008, p. 179-
207.

NAUJORKS, Carlos José; SILVA, Marcelo Kunrath. Correspondência identitária e


engajamento militante. Civitas - Revista De Ciências Sociais, v. 16, n. 1, p. 136-152,
2016.

NOBRE, Marcos. Choque de democracia: razões da revolta. São Paulo: Companhia


das Letras, 2013b.

NOBRE, Marcos. Imobilismo em movimento: da abertura democrática ao governo


Dilma. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013a.

NOBRE, Marcos. Ponto-final: a guerra de Bolsonaro contra a democracia. São


Paulo: Todavia, 1. ed., 2020.

OLIVEIRA, Wilson José Ferreira de. Anti-corruption protests, alliance system and
political polarization. Civitas, v. 20, n. 3, p. 439-453, 2020.

OLIVEIRA, Wilson José Ferreira de. Posição de classe, redes sociais e carreiras
militantes no estudo dos movimentos sociais. Revista Brasileira de Ciência Política,
n. 3, p. 49-77, 2010.

PASSERON, Jean-Luc. Biographies, flux, itinéraires, trajectoires. Revue française de


sociologie, v. 31, n. 1, p. 3-22, 1990.

PEREIRA, Renata de Mello Cerqueira. O que acontece embaixo da ponte?:


juventudes e ocupação de espaço público. 2016. 77 f. Dissertação (Programa de
Pós-Graduação em Sociologia) – Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão,
2016.

PEREZ, Olívia Cristina. Relações entre coletivos com as jornadas de junho. Opinião
Pública, v. 25, n. 3, 2019, p. 577-596.

PEREZ, Olívia Cristina; FILHO, Alberto Luís Araújo S. Coletivos: um balanço da


literatura sobre as novas formas de mobilização da sociedade civil. Latitude, 1. v. 11,
p. 255-294, 2017.

PINHEIRO, Valéria. “#Ocupeococó”. In: MORAES, A. et al. (org.). Junho: potência


das ruas e das redes. 1. ed. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert, 2014, p. 97-121.
194

REIS, Eliane Tavares dos; BARREIRA, Irlys Alencar de. Alusões biográficas e
trajetórias: entre esquemas analíticos e usos flexíveis. BIB - Revista Brasileira de
Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, v. 86, n. 2, p. 36-67, 2018.

SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988.

SAFATLE, Vladimir. Os limites do lulismo. Folha de São Paulo, edição de 17 de abril


de 2012.

SANTANA Mariane Cardoso de. Vislumbres no vazio: apropriações artísticas em


espaços residuais de Aracaju. 2017. 151 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Departamento de Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal de Sergipe,
Laranjeiras, 2017.

SANTOS, Adrielma Fortuna dos. Movimento estudantil universitário de Sergipe:


modelos de organização, redes sociais e engajamento individual (2000-2015). 2016.
233 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Sociologia) – Universidade
Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2016.

SANTOS, Adrielma Silveira dos. Movimento Não Pago: emergência e condições de


representação no cenário público de Aracaju/Se, 2014. Monografia (Ciências
Sociais) – Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, 2014.

SANTOS, Adrielma Silveira F. dos; OLIVEIRA, Wilson José F. de. Eventos de


protesto, repertórios organizacionais e dinâmicas de construção do transporte
público e gratuito como uma causa pública. Dilemas, v. 10, n. 3, p. 599-620, 2017.

SANTOS, Jonatha Vasconcelos. “As manifestações de junho de 2013 pra gente não
acabou”: um estudo sobre as formas de contestação no Coletivo Debaixo em
Aracaju. 2017. 149 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Sociologia) –
Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2017.

SANTOS, Jonatha Vasconcelos. Rotinização de ações contestatórias e a construção


de lugares políticos: O caso do Viaduto do Dia em Aracaju. TOMO/UFS, n. 35, p.
293-315, 2019.

SANTOS, Jonatha Vasconcelos; OLIVEIRA, Wilson José Ferreira de. “A cidade foi
repartida e nós não fomos convidados”: ação coletiva e a construção de uma noção
de cidade no Coletivo Debaixo. Revista Estudos Históricos, v. 31, n. 65, p. 457-474,
2018.

SILVA, Aline Ferreira da. Os militantes no poder: lideranças negras nos espaços
institucionais em Sergipe. 2016. 255 f.Tese (Programa de Pós-Graduação em
Sociologia) – Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2016.

SILVA, Caio Ruano da; LOSEKANN, Cristiana. Slam poetry como confronto nas ruas
e nas escolas. Educação e Sociedade, v. 41, p. 1-19, 2020.
195

SILVA E FREITAS, Mara Raissa Santos. Jovens mulheres, hip-hop, estilo de vida e
feminismo. 2018. 116 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade
Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2018.

SILVA, Marcelo Kunrath. #vemprarua: o ciclo de protestos de 2013 como expressão


de um novo padrão de mobilização contestatória?. In: CATTANI, Antonio David
(org.). #protestos: análises das ciências socias. Porto Alegre: Tomo Editorial, p. 9-21,
2014.

SILVA, Marcelo Kunrath; COTANDA, Fernando Coutinho; PEREIRA, Matheus


Mazzilli. Interpretação e ação coletiva: o “enquadramento interpretativo” no estudo
de movimentos sociais. Revista de Sociologia e Política (Curitiba), v. 25, n. 61, p.
143-164, 2017.

SILVA, Marcelo K.; RUSKOWSKI, Bianca de O. Levante juventude, juventude é prá


lutar: redes interpessoais, esferas de vida e identidade na constituição do
engajamento militante. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 3, p. 23-48, 2010.

SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio


de Janeiro: Zahar, 2006.

SINGER, André. O lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011-


2016). 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. 1. ed.


São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

SOUZA, Cláudio André de. Antipetismo e ciclo de protestos: uma análise das
manifestações ocorridas em 2015. Em debate, v. 8, n.3, p. 35-51, 2016.

SOUZA, Jessé. A subcidadania como singularidade brasileira. In: SOUZA, Jessé.


Subcidadania brasileira: para entender o país além do jeitinho brasileiro. Rio de
Janeiro: Leya, p. 217-272, 2018.

SOUZA, Mária Érica Santana de. Formas de militância feminista em cenário de auto-
organização e ciberativismo no Brasil contemporâneo: tendências atuais a partir do
caso de Aracaju/SE. 2017. 244 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Sociologia)
– Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2017.

SOUZA, Rafael de. Quando novos temas entram em cena: movimentos sociais e a
“questão urbana” no ciclo de protesto de junho de 2013. Revista Brasileira de
Informação Bibliográfica em Ciências Sociais – BIB, n. 82, p. 127-152, 2017.

TARROW, Sidney. O poder em movimento: Movimentos sociais e confronto político.


Petrópolis: Vozes, 2009.

TATAGIBA, Luciana. 1984, 1992 e 2013. Sobre ciclos de protestos e democracia no


Brasil. Política & Sociedade, v. 13, n. 28, p. 35-62, 2014.
196

TATAGIBA, Luciana. Entre as ruas e as instituições: os protestos e o impeachment


de Dilma Rousseff. Lusotopia, v. 17, n. 1, p. 112-135, 2018.

TATAGIBA, Luciana; GALVÃO, Andreia. Os protestos no Brasil em tempos de crise


(2011-2016). Opinião Pública, v. 25, n. 1, p. 63-96, 2019.

TILLY, Charles. Introduction to Part II: Invention, Diffusion, and Transformation of the
Social Movement Repertoire. European Review of History: Revue europeenne
d’histoire, v. 12, n. 2, p. 307-320, jul. 2005.

TILLY, Charles. Regimes and repertoires. Chicago: The University of Chicago Press,
2006.

TILLY, Charles. Spaces of contention. Mobilization: an international journal, v. 5, n. 2,


p. 135-159, 2000.

TRÓPIA, Patrícia Vieira; GALVÃO, Andréia; MARCELINO, Paula. A reconfiguração


do sindicalismo brasileiro nos anos 2000: as bases sociais e o perfil político-
ideológico da Conlutas. Opinião Pública, v. 19, n. 1, p. 81-117, 2013.

VANDENBERGHE, Frédéric. Além do habitus: teoria social pós-bourdieusiana. Ed.


1. Rio de Janeiro: 7Letras, 2016.

VELHO, Gilberto. Anjos e nobres: um estudo de tóxicos e hierarquia. Rio de Janeiro:


Editora FGV, 1998.

VICINO, Thomas S.; FAHLBERG, Anjuli. The politics of contested urban space: The
2013 protest movement in Brazil. Jornal of urban affairs, p. 1-16, 2017.

WADA, Takeshi. Modularity and Transferability of Repertoires of Contention. Social


Problems, v. 59, n. 4, p. 544-571, 2012.

WESTRUP, Ana Carolina. 1ª Conferência Nacional de Comunicação e o mercado de


televisão no Brasil: propostas, interesses, atores e resultados. 2015. 141f.
Dissertação (Pós-Graduação em Comunicação) – Universidade Federal de Sergipe,
São Cristóvão, 2015.

REFERÊNCIAS DE JORNAIS ELETRÔNICOS E MATERIAIS DE AUDIOVISUAL

ARACAJU, o que há em você e o que falta em mim. Direção: Ivy Almeida, Aracaju,
2014. (20 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l82gCSPGyVw.
Acesso em: 8 out. 2017.

I COLÓQUIO Cidades: Coexistências e Interfaces. Ufs.br, Seg, 17 de julho de 2017.


Disponível em: http://www.ufs.br/agenda/319-i-coloquio-cidades-coexistencias-e-
interfaces-2017-6-6. Acesso em: 15 jan. 2020.
197

II COLÓQUIO Cidades: Coexistências e Interfaces. Ufs.br, Sex, 1 de novembro de


2019. Disponível em: http://laranjeiras.ufs.br/conteudo/64327-ii-coloquio-cidades-
coexistencias-e-interfaces. Acesso em: 15 jan. 2020.

OCUPE a cidade. Direção: Kaippe Reis e Thaís Ramos, Aracaju, 2016. (20 min).
Disponível em: https://vimeo.com/211482826?fbclid=IwAR0AdvwROv7Oh2iBdx0Rzt-
-DJY_f6ano7KeMvJGxt265bHqq7sAc2bD6aQ. Acesso em: 8 nov. 2017.

OCUPE a Praça prepara edição dedicada ao empoderamento feminino. Infonet,


Cultura, 10 set. 2018. Disponível em: https://www.aracaju.se.gov.br/noticias/78085.
Acesso em: 19 jan. 2020.

“OCUPE a Praça” terá como tema rap sergipano. Infonet, Cultura, 31 jul. 2017.
Disponível em: https://infonet.com.br/noticias/cultura/ocupe-a-praca-tera-como-tema-
rap-sergipano/. Acesso em: 20 jan. 2020.

OCUPE a Praça vai misturar música eletrônica, Carnaval e forró. Infonet, Cultura,
26 fev. 2019. Disponível em: https://infonet.com.br/noticias/cultura/ocupe-a-praca-
vai-misturar-musica-eletronica-carnaval-e-forro/. Acesso em: 22 jan. 2020.

PROJETO Ocupe a Praça comemora um ano de incentivo à cultura. Expressão


Sergipana, 5 de junho de 2018. Disponível em:
https://expressaosergipana.com.br/projeto-ocupe-a-praca-comemora-um-ano-de-
incentivo-a-cultura/. Acesso em: 20 jan. 2020.

REVISTA CULTURAL. 10 anos de resistência. 20 de abril de 2020. Disponível em:


https://lagartense.com.br/wp-content/uploads/2020/04/Revista-Cultural-
Lagarto_web.pdf. Acesso em: 15 dez. 2020.

SINTONIA Periférica (Episódio 1). Direção: Dominique Mangueira, Aracaju, 2017.


(10 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rTdxBZVS9g8. Acesso
em: 10 dez. 2017.

SINTONIA Periférica (Episódio 2). Direção: Dominique Mangueira, Aracaju, 2017.


(10 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rTdxBZVS9g8. Acesso
em: 10 dez. 2017.

SINTONIA Periférica (Episódio 3). Direção: Dominique Mangueira, Aracaju, 2017.


(10 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rTdxBZVS9g8. Acesso
em: 10 dez. 2017.

SINTONIA Periférica (Episódio 4). Direção: Dominique Mangueira, Aracaju, 2017.


(10 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rTdxBZVS9g8. Acesso
em: 10 dez. 2017.

“SUBURBANOS: Resistência do Direito à Cidade” foi o tema proposto pela VII


Semana de Arquitetura e Urbanismo (SEMANAU) da UFS. Ufs.br, Qua, 26 de julho
de 2017. Disponível em: http://laranjeiras.ufs.br/conteudo/58690-suburbanos-
resistencia-do-direito-a-cidade-foi-o-tema-proposto-pela-vii-semana-de-arquitetura-e-
urbanismo-semanau-da-ufs. Acesso em: 15 jan. 2020.
198

UMA cidade muda, não muda. Direção: Erna Barros, Aracaju, 2018. (20 min).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xxz6yu5WH5o. Acesso em: 20
dez. 2018.

ANEXOS
199

Anexo A

Manifesto Ocupe-Se Todos Pela Cultura

MANIFESTO OCUPE SE.

Nada para mim, tudo para TODOS!

Qual o som da cidade? Dos carros ou da arte sergipana?


Qual a cor da cidade? Do seu povo preto, LGBT, indígena, Serigy ou o cinza do
concreto da urbanização segregadora?
Qual o lugar da arte sergipana? Nos espaços privados ou dando vida aos espaços
públicos?

Reprimir ou burocratizar as ocupações culturais e artistas em espaços públicos da


cidade é deixar politicamente e simbolicamente evidente que a cidade e a cultura tem
DONO. Por isso, um movimento de trabalhadores da cultura e da comunicação
reúnem-se e vem manifestar que compreendemos que a cultura e a cidade são
direitos fundamentais e constitucionais que precisam ser entendidos além da soma
dos indivíduos e dos seus promotores, mas como relação direta de promover os
espaços da cidade para as pessoas e não para o lucro. Por isso, afirmamos
diretamente que nesta luta: NADA para MIM, TUDO para TODOS.

Ruas cheias são sinônimo de segurança, não ao contrário. A ocupação da cidade por
atividades culturais combate a sensação de insegurança na cidade, fruto da
desigualdade social e potencializado por uma indústria do medo que articula agentes
de Estado à mídia hegemônica. É recorrente a opressão policial com acusação de
transtorno ao bem estar social ou outros argumentos palacianos como aconteceu com
o “SaraudeBaixo”, “Ensaio Aberto”, “Som de calçada” entre outros. O que gera
insegurança na cidade são espaços públicos vazios e abandonados de gente. O
parque dos cajueiros, assim como várias praças na cidade, sofre com o descuido do
poder público ou atuação apenas de uma instituição Polícia Militar ou Guarda
municipal opressora e não educativa, são cenas recorrentes no dia a dia dos espaços
públicos na efetivação da cidade dos de cima, uma cidade militarizada.

Por isso o nosso movimento luta pelo direito a cidade, por políticas públicas
permanentes e democratizantes na cultura e na comunicação em toda a sua
diversidade de trabalhos e temos autonomia e sabedoria para dizer que a RUA é
200

nosso lugar principal de ocupação, de produção de saberes e de pressão sobre


aqueles que produzem apenas para si e nega o que é de todos. NADA para mim,
TUDO para TODOS!

Por fim, exigimos uma Audiência Pública com o prefeito de Aracaju e o governador do
Estado e toda a equipe que julgar necessário com o Movimento Cultural de Sergipe a
ser realizada na até o dia 20 de dezembro do presente ano, com objetivo de discutir
as reivindicações apresentadas em anexo.

Assinam abaixo, artistas, grupos e coletivos artísticos do Estado de Sergipe.

EIXOS E PAUTAS DE REIVINDICAÇÃO.

Eixos das pautas:

A. Cultura e CIDADE
B. Cultura e Comunicação
C. Cultura e Economia/Trabalho
D. Cultura e Democracia.

EIXO 1. CULTURA E CIDADE

Formulação de política de incentivo a ocupações culturais contínuas com objetivo


de estimular a produção e o fazer artístico em lugares públicos, como praças, ruas,
bairros e parques, garantindo condições estruturais (eletricidade, equipamentos de
som e video, logística, etc) sem burocratização para o desenvolvimento pleno da
cultura e participação da população sergipana de forma gratuita.

MORADIA DA CULTURA. Mapeamento dos terrenos, casas, propriedade comerciais


que nao atendam a função social urbana e que a Prefeitura através da aplicação do
estatuto da cidade e do Plano Diretor Urbano doe o usufruto desses espaços para
sede de grupos culturais e artisticos, conforme edital público e trabalho comunitário.
201

TRANSPORTE PÚBLICO. Ampliação da frota de transporte público, com mais frotas


e linhas depois da meia noite. E incentivo permanente de campanhas contra assédios
e violência de racial, de gênero e LGBT nos transportes públicos. Garantia de
empréstimo de ônibus para a circulação de grupos de arte ou estudantes de uma
mesma escola. MEIA PASSAGEM para artistas.

Construção imediata de política pública voltada para revitalização de aparelhos


culturais que estão em completo abandonado como Centro de Criatividade, Estação
de Trem e prédios abandonados espalhados pela cidade;

Gestão dos equipamentos culturais: reivindicamos a reformulação do modelo de


gestão de todos os equipamentos públicos de cultura, como por exemplo, o Centro
Cultural de Aracaju, Espaço Zé Peixe, Galerias, Teatro Lorival Batista, Teatro Tobias
Barreto, Teatro Atheneu, Espaço Gonzagão, Centro de Criatividade e galerias de
artes, visando uma maior transparência e adequação no tocante à aplicação de
recursos públicos e ao funcionamento das entidades culturais. Garantir a autonomia
na gestão destes equipamentos e a estrutura necessária que atenda as
especificidades das linguagens artísticas, como salas específicas para cinema,
teatro, circo, música, entre outras linguagens;

EIXO 2 – CULTURA E COMUNICAÇÃO

Garantia de espaço privilegiado para a produção cultural local nos veículos de


comunicação públicos e privados. Conforme a lei da regionalização minimo do
conteúdo nos meios de comunicação.

Realização, em caráter de urgência, de concurso público para a Fundação


Aperipê, como forma de organizar, regularizar e ampliar o quadro funcional da
Fundap e extinção imediata de todos os cargos comissionados;

Criação do Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos, de modo a garantir


estabilidade e autonomia funcional aos servidores da Fundação Aperipê;

Criação do Fundo Estadual de Comunicação Pública, com orçamento oriundo de


diversas fontes, como verbas do Governo do Estado, porcentagens de impostos
estaduais e prestação de serviços e consultorias;
202

Renovação do Conselho Deliberativo da Fundação Aperipê, garantindo


participação expressiva da sociedade civil, através de consulta pública, definindo
mecanismos de eleição direta e mandatos. A partir da renovação do Conselho
Deliberativo, propomos que a Superintendência da Fundap esteja subordinada a este
órgão;

Criação de um Conselho de Programação da Aperipê, nos moldes do Conselho da


Empresa Brasil de Comunicação, composto por servidores da Fundap e
representantes da sociedade civil. Esse Conselho deve ser responsável por definir as
linhas para a programação das emissoras e monitorar o seu conteúdo, a partir dos
princípios de construção da cidadania crítica, consolidação da democracia, garantia
do direito à informação e desenvolvimento da consciência crítica;

EIXO 3 . CULTURA E ECONOMIA/ TRABALHO

Valorização da produção e diversidade artística local: O estado tem o dever de


fomentar a cultura identificando novos talentos nas artes, tendo como base os projetos
de artistas desenvolvidos na região com o foco na construção e manutenção da
identidade cultural. Por isso, reivindicamos a priorização de projetos artísticos autorais
na composição das programações de eventos públicos realizados pelo Estado e
Município.

Toda e qualquer atividade cultural realizada pela Secretária de Cultura e Funcaju


(ex. Aniversário da Cidade, Aniversário dos Teatros, Forró Caju, Arraial do Povo, etc)
devem, estritamente, abrir processos de seleção para garantir, democraticamente, a
participação de artistas de diversos segmentos. Manter as atividades que já se
configuram com esse caráter e ampliar aos demais;

Instituir concurso público para quadro efetivo estatutário para trabalhadores da


cultura e da comunicação na SECULT e na FUNCAJU com autonomia frente as
gestões e com objetivo de universalizar,diversificar,mapear e promover a arte e
cultura sergipana autoral.

Orçamento municipal e estadual especifico em relação a arrecadação com


autonomia para a efetivação de políticas culturais estruturantes, não podendo ter
mais de 40% desse investimento em eventos como festas de grande porte, nem em
festas privadas.
203

NÃO CRIMINALIZAR OU BUROCRATIZAR(Dificultar) o trabalho dos


ambulantes nos espaços públicos da cidade.

CONTRA A PEC55 – que retira investimentos nos direitos sociais

–---A FUNCAJU

Lei n° 1719/91 – LEI MUNICIPAL DE INCENTIVO À CULTURA: Existe uma lei


municipal de incentivo a cultura engavetada. É extremamente necessário que
Prefeitura de Aracaju mobilize uma revisão pública da lei e faça os devidos
encaminhamentos para que a política entre em funcionamento.

A Funcaju elaborou um plano municipal da cultura de gabinete, não representativo


e que também não é posto em prática. A FUNCAJU deve manter um diálogo com a
sociedade civil na construção das políticas públicas. Realizar o Forró Caju não deve
e não pode ser a única função de uma Fundação de Cultura.

A FUNCAJU deve cumprir o Sistema Municipal de Cultura, que prevê a criação de


um Conselho Municipal de Cultura paritário e um Fundo Municipal de Cultura.

Instituição de políticas de editais a serem construídos colaborativamente a


partir das demandas dos trabalhadores da cultura.

–---SECULT

O projeto de lei que prevê a criação da lei estadual a cultura deve ser encaminhada
à assembleia legislativa.

Aumento do orçamento da cultura, que atualmente está voltado 90% para


pagamento de folha e custos administrativos.

Ampliação da política de editais.

Descentralização e interiorização das políticas culturais.

EIXO 4 CULTURA E DEMOCRACIA (combate as opressões).


204

Reformulação e novas eleições para o Conselho Estadual de Cultura com


objetivo de garantir a participação dos artistas e um diálogo constante com os órgãos;

Implementação de lei (estadual e/ou municipal) de concessão de benefício


pecuniário para mestres e mestras dos saberes tradicionais como forma de
garantir o processo de valorização e transmissão de conhecimentos;

Fortalecimento de política cultural e ações valorizando a arte do transformismo


e todas suas vertentes e diversidade, garantindo a produção contínua do trabalho
artístico com o permanente mapeamento cultural de artistas LGBT. Cabe destacar
neste ponto, a necessidade urgente de políticas estaduais para a produção literária
voltadas a luta contra a LGBTfobia;

Inclusão no Plano de Educação da ação de mestres e mestras dos saberes


tradicionais nos projetos pedagógicos das escolas;

Lançamento de editais de promoção de pesquisa e produção de material em


livro, áudio e/ou audiovisual voltado para a promoção da cultura tradicional
afrosergipana em parceria com as secretarias de educação estadual e municipal.
205

Anexo B

Programação do I Colóquio Cidades: Coexistências e Interfaces

Programação
06/06/2017
Auditório Museu da Gente Sergipana
08h30 - Credenciamento
09h00 - Abertura do Colóquio
10h00 – Palestra “Tecendo a Cidade”: Prof. Dr. Marcelo Tramontano (IAU/USP)
14h00 - Mesa redonda: Cidade e Interfaces I
Moderador: Prof. Dr. Marcelo Tramontano
Palestrantes: Artistas Urbanos de Aracaju e representante do museu da gente
sergipana. Confirmados: Marcelo Rangel (Instituto Banese), Yuri Alves Vieira (artista
plástico), Allan Jonnes de Souza Araujo (poeta), Débora Arruda (poeta).

07/06/2017
Auditório Museu da Gente Sergipana
10h00 - Palestra “Enobrecimento urbano e intolerância social”: Prof. Dr. Rogério
Proença (DCS/UFS)
10h50 - Palestra “Qual o lugar do centro?”: Prof. Dr. Cesar Henriques Matos e Silva
(DAU/UFS)
Centro Cultural Aracaju/ Praça General Valadão
14h00 - Saída para Oficinas Erráticas
17h00 - Concentração Praça General Valadão: Rodas de Conversa “A cidade que você
imagina”

08/06/2017
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
08h00 - A Casa de Sergipe recebe e presenteia
Auditório Museu da Gente Sergipana
10h00 - Palestra “A cidade do social”: Profª Drª Maria Cecília Tavares (DAU/UFS)
206

10h50 - Palestra “Mostra de Curtas”: Profª Drª Ana Angela Farias Gomes
(DCOS/UFS)
Centro Cultural Aracaju/ Praça General Valadão
14h00 - Saída para Oficinas Erráticas
16h30 - Visita ao edifício OAB e grupo Burundanga
17h00 - Concentração Praça General Valadão: Rodas de Conversa “A cidade que você
imagina”

09/06/2017
Auditório Museu da Gente Sergipana
10h00 - Palestra Prof. Dr. Igor Guatelli (Universidade Mackenzie - a confirmar)
11h00 - Mesa redonda “Cidade e Interfaces II”
Moderador: Prof. Dr. Márcio da Costa Pereira
Palestrantes: Membros das Instituições Culturais (Circuito Cultural). Confirmados:
Marcelo Rangel (Museu da Gente Sergipana), Giuliana Maria (Escola de Artes
Valdice Teles), Charlie Rodrigues Fonseca (OAB), Nino Karvan (Funcaju)
Centro Cultural Aracaju/ Praça General Valadão
14h00 - Saída para Oficinas Erráticas
17h00 - Concentração Praça General Valadão: Rodas de Conversa “A cidade que você
imagina”
19h00 - Sarau da Praça General Valadão
207

Anexo C

Programação do II Colóquio Cidades: Coexistências e Interfaces

Programação
6 DE NOVEMBRO (QUARTA)
Centro Cultural de Aracaju

Tarde
14:00 hs - Sessão de Abertura: UFS, CAU, OAB, IAB e Funcaju.
15:00 hs – Apresentações 20 X 20
Mediadoras: Marcia Baltazar e Lygia Nunes Carvalho
Noite
19:00 hs - Mesa redonda de abertura
Mediadora: Andrea Depiere. Professora do Departamento de Direito da UFS.
Paulo Renato Vitória, pós-doutorando em Direitos Humanos pela Universidade
Tiradentes (UNIT-SE): Direito à cidade: horizontes e paradoxos desde uma
perspectiva decolonial.
Antonio Dias de Oliveira Neto, advogado, educador popular e militante de Direitos
Humanos: Direito à cidade: sociabilidades invisíveis e (re)existências urbanas.
Maria Cecilia Tavares, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo UFS:
Direito à cidade de Lefebvre às micropolíticas urbanas.

07 DE NOVEMBRO (QUINTA)
Laranjeiras
Manhã
Precariedade habitacional: experiencias práticas. Como planejar e agir?
Tarde
Mesa redonda (Mediador: Márcio da Costa Pereira)
As apresentações ficarão por conta de Karin Leitão, arquiteta, professora da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), pesquisadora
do Labhab FAU-USP e da assessoria técnica Peabiru, tratando do tema a precariedade
habitacional do Brasil.

Acontecerá também apresentação e mostra de experiências práticas e


assistência técnica de habitação de interesse social.
208

E também estará presente Ana Akaishi, arquiteta e doutorando pela FAU-USP,


pesquisadora do Labhab FAU-USP, que falará sobre o tema metodologia de
identificação e dimensionamento da precariedade. Além das arquitetas se apresentará
Frederico Leão Pinheiro, professor do Departamento de Educação em Saúde da UFS
e diretor acadêmico-pedagógico do campus Lagarto-UFS, que abordará sobre o
territorialização e ferramentas de planejamento local para as equipes de saúde da
família.

Acontecerá também apresentação e mostra de experiências práticas e assistência


técnica de habitação de interesse social.
15:00 hs – Apresentações 20 X 20

08 DE NOVEMBRO (SEXTA)
Manhã
VISITAS TÉCNICAS
1. Conjunto Habitacional José Monteiro Sobral, Povoado Salinas, em Laranjeiras-SE;
e
2. Quilombo da Mussuca, em Laranjeiras-SE
Noite
Centro cultural de Aracaju
Palestra de encerramento ficará com Ricardo Mascarello e Heliana Faria Metting
Rocha (UFBA). E durante a programação do dia terá o lançamento do livro
“Dimensões do intervir em favelas”.
209

Anexo D

Roteiro de Entrevista

Juventude, Ocupação Cultural e Reivindicação da Cidade em Aracaju e


Região Metropolitana

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


O senhor (a) está sendo convidada a participar de forma voluntária, da pesquisa
intitulada "Movimentos Sociais e Espaço Público: a reivindicação do 'direito à cidade'
em coletivos culturais na Grande Aracaju", que tem como pesquisador responsável
Jonatha Vasconcelos Santos vinculado ao Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da Universidade Federal de Sergipe orientada pelo Prof. Dr. Wilson José
Ferreira de Oliveira que podem ser contatados nos e-mails:
vasconcelos.jonatha@gmail.com e etnografia.politica@gmail.com. A pesquisa tem
por objetivo geral: investigar as condições de emergência e as formas de organização
dos coletivos culturais de reivindicação do direito à cidade. Ressalta-se que a qualquer
momento da pesquisa e durante a entrevista o participante pode desistir de participar
da mesma. Em relação aos riscos da pesquisa, é importante informar que
determinadas perguntas podem causar desconforto, como também, o participante
poderá ser solicitado mais de uma vez para esclarecer informações que não ficarem
claras em um primeiro contato, demandando mais tempo do que o informado
inicialmente. Em relação aos benefícios da pesquisa para os participantes, será
publicado um estudo científico sobre a temática no estado de Sergipe, como ainda a
pesquisadora se colocará à disposição para orientar de forma gratuita os participantes
com base nos resultados alcançados com a pesquisa, por exemplo, resultados sobre
formas de organização no associativismo. Receberão a tese em formato de PDF e
gravada em CD-ROM, que será entregue aos participantes pessoalmente e via e-mail.
Ressalta-se ainda que na escrita da tese os nomes de todos aqueles que participarem
de forma direta ou indireta serão trocados, caso o participante deseje, como forma de
preservar sua identidade, o que não ocorrerá com os nomes dos movimentos que eles
participarem ou liderarem, uma vez que se tratam de movimentos e organizações
públicas. Observa-se ainda que todo material coletado e fornecido pelos participantes
210

durante a pesquisa serão utilizados exclusivamente para esta pesquisa. A


participação consistirá em fornecer dados sobre minha vida militante, aspectos
relativos às vivências familiares, escolares e profissionais bem como sobre minha vida
acadêmica, profissional, cultural e política. Fornecerei informações também sobre o
movimento social e/ou organização que faço parte, nos seguintes aspectos: origem
do movimento, formas de organização e atuação, interação entre os membros do
movimento e entre estes e outras organizações políticas. Compreendo que este
estudo possui finalidade de pesquisa, que os dados obtidos serão divulgados
seguindo as diretrizes éticas da pesquisa. Sei que posso abandonar a minha
participação na pesquisa quando quiser e que não receberei nenhum pagamento por
esta participação. Caso concorde em participar da pesquisa, assinar abaixo:

___________________________________________________________________
___
Assinatura do Entrevistado

1. Informações Pessoais:

1.1. Nome
completo:______________________________________________________
1.2. Idade:______
1.3. Data de Nascimento:___/___/___
1.4. Bairro e cidade onde mora:
1.5. Sexo/Gênero:
1.6. Autodeclaração étnico-racial:

2. Carreira Militante

2.1. Como e quando ocorreu seu primeiro envolvimento político?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
211

___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

2.2. Em quais grupos, movimento estudantil, movimentos sociais, partidos políticos,


coletivos e etc. você participou anteriormente ao seu envolvimento atual?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

2.3. Em que medida a sua atuação nesses grupos anteriores influenciaram a


construção desse novo coletivo?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

2.4. Atuou em algum cargo na prefeitura? Se sim, como isso aconteceu?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3. A dinâmica do grupo

3.1. Quais foram os motivos que estimularam a criação desse coletivo? Em que ano
o coletivo é criado?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3.2. O que é o coletivo [a depender do grupo e do entrevistado]? Como ele funciona?


Quantas pessoas participam ou participaram do coletivo?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
212

3.3. Por que o nome coletivo? É diferente de um movimento social, partido político,
ONG, etc.? Quais são as diferenças?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3.4. Quais são os maiores impasses de se organizar enquanto coletivo?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3.5. Quais são os princípios de organização e convivência no coletivo? Em que medida


se diferencia de outras formas de organização política?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3.6. O coletivo possui alguma relação com partidos políticos, movimentos sociais ou
outros tipos de organizações?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3.7. Como você entende a relação entre movimentos sociais (ou outras organizações
sociais) e partidos políticos?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3.8. Quais são as principais referências políticas e culturais do coletivo?


___________________________________________________________________
213

___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3.9. É possível dizer que vocês fazem política?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

4. Ocupação e Espaço Público

4.1. Por que ocupar a cidade?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

4.2. Como vocês adotaram a ocupação enquanto modo de contestação? Por que não
protestos ou outras formas?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

4.3. Como acontece as ocupações? Você poderia me descrever um dia de ocupação


[uma espécie de roteiro]?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

4.4. Quais são as principais dificuldades na realização das ocupações?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
214

___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

4.5. Quem são os principais parceiros do grupo?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

4.6. Há algum tipo de financiamento ou auxílio com os equipamentos? Quem


contribui?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

4.7. Qual a concepção de cidade para vocês?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

4.8. Quais são as indicações e sugestões para a construção de políticas públicas em


áreas como cultura, lazer e gestão da cidade para as juventudes?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

4.9. Há alguma pergunta que eu não fiz ou alguma coisa que deseje falar?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você também pode gostar