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alguns textos inéditos que passaram por leituras e revisões dos organizadores.
Desse modo registramos o nosso agradecimento aos colegas que nos últimos
meses se dispuseram, com entusiasmo, a participar deste projeto.
A intenção de reunir estes artigos em forma de livro foi dar sentido cole-
INTRODUÇÃO
tivo a essa produção e promover o acesso mais amplo a um conjunto de
contribuições teóricas e empíricas sobre políticas públicas que, a nosso ver,
demonstra o grau de amadurecimento crescente da disciplina no pais e indica
caminhos por onde ela está se desenvolvendo. É, portanto, um panorama da
produção em políticas públicas que não esgota a agenda de pesquisa e as
possibilidades da área, mas, certamente, contribuirá para o desenvolvimento O estudo do Estado esteve sempre no centro das preocupações das aná-
do campo de análise de politicas públicas no Brasil. lises sobre o Brasil. Até o início dos anos 1980, a agenda da pesquisa sobre o
O livro também é resultado do esforço e apoio de inúmeros colegas que Estado em ciências sociais no Brasil esteve concentrada na análise de suas
nesta década têm se dedicado à organização institucional e acadêmica do cam- macrocaracterísticas e de seu papel no desenvolvimento da nação, de uma
po, seja na Anpocs ou na Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). Em ordem politica moderna e de um capitalismo de base nacional, ainda que com
primeiro lugar, destacamos e agradecemos aos demais co-organizadores do características periféricas no sistema mundial. Os trabalhos clássicos de Olivei-
GT desde 2001: Soraya Vargas Côrtes, Washington Bonfun e Celina de Souza. ra Via na, Vitor Nunes Leal e Rairnundo Faoro, assim como os de Luciano
Gostaríamos de registrar nosso agradecimento ao apoio que o GT Políticas Martins, Bresser Pereira e Fernando Henrique Cardoso - já nos anos 1970 -
Públicas e a área receberam de Argelina Cheibub Figueiredo, Elisa Pereira são reveladores de uma agenda de pesquisa em que o estudo do funciona-
Reis, Maria Hermínia Tavares de Almeida e Sônia M. Draibe, Por último, mento do aparelho estatal estava orientado a interpretar suas bases sociais e
esperamos que um projeto editorial que envolveu intensamente tantas pessoas 'suas relações com o sistema político, dando relativamente menor ênfase às
e instituições resulte não apenas num livro, mas também na ampliação da rede características das políticas desenvolvidas. O referencial analítico para os estudos
de pesquisadores interessados no tema, no estreitamento de relações das ações do Estado, assim como as dimensões explicativas das análises, eram
institucionais e profissionais, em novos projetos e iniciativas e, o que é melhor, então de natureza macrossociológica e fortemente influenciados pelo marxismo
em bons amigos. e por orientações estruturalistas.
O final dos anos 1970 e os anos 1980 marcaram o início efetivo dos estu-

Os organizadores dos de políticas públicas no Brasil, com a publicação de trabalhos seminais sobre
a formação histórica das policies, entendidas em si mesmas como objeto de aná-
lise. Diversos trabalhos convergiram para esquadrinhar criticamente as políticas
públicas - e, em particular, as politicas sociais -, examinando desenhos de políti-
ca e suas relações com a cidadania, a cultura politica, os padrões de financiamento
estatal ete. O legado de politicas de Vargas e dos governos militares nas mais
variadas áreas - como industrialização e desenvolvimento, saúde, previdência,
habitação e planejamento urbano, entre outras - passaram a ser objeto de estudo
dos cientistas sociais, com objetivos ao mesmo tempo políticos e acadêmicos.

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Nesse período, realizaram-se análises que não apenas investigaram as Nos anos 1990, ocorreu um novo deslocamento na agenda de pesquisa

características gerais das políticas no país, como também trouxeram luz aos em políticas públicas no Brasil. Sob influência da literatura sobre processo

atores, interesses e processos presentes em cada política setorial, construindo decisório - e, mais particularmente, da literatura neo-instirucionalista em suas
um corpo de conhecimentos substancial sobre o padrão brasileiro de produ- várias vertentes -, a análise da produção de políticas públicas passa a ser exa-

ção de políticas públicas. minada dominantemente pelo ângulo de suas relações com as instituições po-

Nas análises do final dos anos 1970 e dos anos 1980, a interpretação líticas. Sua capacidade de afetar as estratégias dos atores e as decisões tomadas

sobre as especificidades do Estado brasileiro - particularmente de suas - sob a forma de desenhos de políticas - passaram a ser a variável explicativa

bases sociais e de seus fundamentos doutrinários - permanece ainda uma central. Em associação com os deslocamentos na agenda política nacional -

pergunta central na literatura nacional. Assim, análises que investigaram a em especial, a reforma do Estado -, a forma de governo (presidencialista) ea

natureza da ação social do Estado no Brasil e a concepção de cidadania a forma de Estado (federativa) ganharam grande centralidade nas interpreta-

ela associada, bem como as bases societais de seu padrão de intervenção - ções sobre as reconfigurações de políticas específicas.

o corporativismo, a formação e o papel das burocracias, os movimentos Adicionalmente, as preferéncias normativas da comunidade de ciências
sociais, os grupos de interesses - foram tremendamente influentes na pro- sociais por formas mais inclusivas de participação política adensaram uma
dução acadêmica das ciências sociais. Além disso, os trabalhos seminais de agenda de pesquisa que buscou interpretar as políticas estatais sob a ótica de
Wanderley Guilherme dos Santos e Sônia Draibe apresentaram à comuni- seu potencial de transformação da cultura política e das relações entre o Esta-
dade de ciências sociais uma agenda de pesquisa em que a análise das do e os cidadãos. Nesse contexto, ganharam destaque, no Brasil, as análises
características institucionais das políticas era uma variável-chave para o mais voltadas para as transformações, tais como a descentralização, as refor-
entendimento das relações entre o Estado e seus cidadãos. mas de políticas específicas, o poder local, a emergência de novos formatos

Assim, as características das políticas setoriais entraram para a agenda de de participação política ete.

pesquisas em políticas públicas, em um esforço de abrir a 'caixa-preta' do Nessa agenda de pesquisa, o desenho das políticas, seus mecanismos con-
funcionamento do Estado brasileiro, pelo exame das características institucionais cretos de operação e seu impacto sobre a ordem social foram examinados
de suas políticas, tendo a estrutura interna do Estado, de suas bases sociais e de como expressão de processos políticos referentes à natureza das instituições
seus fundamentos doutrinários como variáveis explicativas centrais. políticas brasileiras, da cultura política nacional, das possibilidades de mudança

A centralidade das características institucionais das políticas na agenda de na ordem social e política brasileiras, bem como das relações entre atores

pesquisa da comunidade de ciências sociais foi também afetada pela agenda políticos e o Estado. As arenas decisórias; suas regras e sua capacidade de

política do país. O processo de redemocratização, nos anos 80, e a preocupa- afetar as estratégias e a força relativas dos atores sociais ganharam grande

ção em "reformar o Estado" no sentido de democratizar o acesso a serviços relevância na análise dos processos de formulação de políticas. Nos anos re-

e à participação política deram impulso a uma grande quantidade de trabalhos centes, os estudos sobre o Legislativo como arena relevante de análise tiveram

que centrararn seu esforço analítico no exame de políticas setoriais, não apenas um grande desenvolvimento, sendo que o papel das idéias permaneceu relati-

para interpretá-Ias, mas, sobretudo, para propor alternativas de desenho vamente subdesenvolvido.

institucional. Datam desse período uma enorme quantidade de trabalhos em O trabalho realizado por departamentos de ciência política e sociologia e
que a descentralização e a participação eram encaradas como a forma por instituições acadêmicas e governamentais, associado ao esforço desenvol-
institucional "superior" para o enfrentamento da então chamada "dívida social" vido no interior do Grupo de Trabalho de Políticas Públicas da Anpocs, e
do Estado brasileiro para com seus cidadãos. também da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), visou explicita-

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mente a enfrentar os desafios teóricos e metodológicos dos estudos em polí- A primeira seção se inicia com o trabalho de Sônia Draibe, "Estado de

ticas públicas no Brasil. Embora a tarefa seja certamente aberta e de longo bem-estar, desenvolvimento econômico e cidadania: algumas lições da litera-

prazo, nossa avaliação é que avanços consideráveis foram obtidos. tura contemporânea". A autora apresenta a trajetória da literatura comparada

Neste livro, pretende-se apresentar à comunidade de ciências sociais uma sobre os sistemas de proteção social. Após resenhar as contribuições que

parte dessa produção recente, ainda que não faça justiça à qualidade e quantidade enfatizaram os determinantes econômicos e societais deste fenômeno, bem

de excelentes trabalhos que circularam nesses espaços de discussão. Reunidos em como os trabalhos clássicos sobre os sistemas de proteção social, Draibe se

quatro partes, os artigos incluídos nesta coletânea pretendem dar conta da diver- detém sobre os debates recentes, que enfatizaram as especificidades dos Esta-

sidade de enfoques e de agendas de pesquisa. Embora seja desnecessário lem- dos de bem-estar mediterrâneos e do Leste Asiático, bem como as principais

brar que toda seleção é inevitavelmente incompleta, acreditamos que a que ofe- contribuições dos trabalhos contemporâneos sobre família e gênero. O con-

recemos ao leitor representa bastante fielmente as direções que está tomando o junto dessas questões nos auxilia a localizar as transformações recentes pelas

campo de políticas públicas no Brasil nas áreas de ciências sociais. quais passaram os sistemas de proteção, em especial na América Latina.

Na primeira parte, "Conceitos", estão incluídas contribuições conceituais O trabalho de Celina Souza, "Estado da arte da pesquisa em políticas

e de resenha da literatura. São enfocadas as literaturas sobre formação da públicas", resenha as principais contribuições da literatura de análise de políti-

agenda e o processo de decisão, assim como a temática mais recorrentemente cas públicas, acompanhando o surgimento da disciplina, definindo os seus

tratada nas análises sobre políticas públicas no Brasil, que diz respeito ao siste- principais conceitos e discutindo as relações entre o campo de conhecimento e

ma de proteção social no Brasil e na América Latina. a literatura neo-ins titucionalis ta, que tem recebido tanta atenção recentemente.

Na segunda parte, "Processos decisórios", apresentam-se estudos Dada a pequena consolidação da literatura da área em língua portuguesa, o

empíricos sobre os condicionantes institucionais do desenho de políticas pú- artigo contribui significativamente para a sistematização da pesquisa em estu-

blicas setoriais. Ainda que as políticas setoriais examinadas, bem como as insti- dos futuros.

tuições políticas que explicam os resultados encontrados, sejam diferentes, Em seguida, Ana Cláudia Capella, em "Perspectivas teóricas sobre o pro-
estes artigos têm em comum a preocupação analítica de explicar decisões e cesso de formulação de políticas públicas", resenha a literatura que trata de
desenhos de políticas com base em configurações institucionais específicas. formação de agenda, com especial destaque para os modelos dos fluxos

A terceira parte, "Condicionantes e efeitos das políticas públicas", inclui J


múltiplos (multiple streams) de ohn Kingdon e do equilíbrio pontual (punctuated

análises empíricas que tomaram como objeto central o gasto público. Sua equilibrium) de F rank R. Baumgartner e Bryan Jones, I assim como as principais

contribuição consiste em examinar as determinantes políticas do gasto ou, críticas a esses trabalhos. O primeiro modelo se concentra naexplioaçâo das

alternativamente, o impacto de estratégias de gasto sobre o desempenho das condições necessárias à entrada de um tema na agenda de governo, dando
políticas públicas. Estão presentes contribuições sobre os principais continuidade ao "modelo da lata do lixo", de March e Olsen e explicitando-o.

condicionantes dos gastos sociais, realizando comparações internacionais e A crítica ao modelo o trata como excessivamente aberto e tendendo a explica-

nacionais e envolvendo diferentes unidades federativas brasileiras. ções ad hoc. O segundo modelo tenta dar conta simultaneamente do

A quarta e última parte "Implementação e avaliação", apresenta contri- incrementalismo que marca grande parte das decisões políticas e dos momen-

buições sobre implementação e avaliação de políticas, áreas de estudo que têm


I A expressão pJlncluoted eouilibrium é traduzida por alguns autores como equilíbrio interrompido e
crescido bastante em período recente no país. Reúne trabalhos ernpíricos que por outros como equilíbrio pontuado. Dentre os trabalhos incluídos neste livro, Celina Souza
utiliza a primeira expressão e Ana Cláudia Capclla, a segunda. Como a questão não envolve
assumem que a avaliação elou implementação constituem fases independentes meramente a tradução do inglês, mas o conceito considerado, optamos por manter as diferentes
traduções, após consulta às autoras,
do ciclo de uma política, o que requer abordagens analíticas específicas.

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tos de intensa mudança que caracterizam pontos específicos de sua trajetória. O trabalho de Sidney da Silva e Rafael Cortez, "Interação sindicalismo-
A analogia neste caso é com a biologia e os processos evolutivos, associados, governo na reforma previdenciária brasileira", analisa a interação estratégica

segundo as teorias contemporâneas da evolução, a processos si,rnilares a cur- entre setores do sindicalisrno e o Executivo federal no processo de tramitaçâo

vas em S, associando longas estabilidades com mudanças intensas concentra- legislativa de uma das mais importantes iniciativas recentes de reforma de

das no tempo. O processo de produção das políticas seria dividido entre os políticas, que está no centro da agenda de reformas do Estado brasileiro.
subsistemas especializados, encarregados da operação e dos detalhes das ações Tomando como objeto a reforma da previdência no governo Fernando
governamentais, e as lideranças políticas mais centrais; seria ainda influenciado Henrique Cardoso, os autores investigam as relações entre a decisão final e a
pela associação de contextos institucionais com idéias sobre as políticas (ima- interação das estratégias dos atores envolvidos, em especial o sindicalismo,
gens), tanto no sentido de informações empíricas quanto dos apelos emotivos com as regras do processo decisório. Demonstram como a limitada capacida-

associados às idéias (tone). de de influência dos sindicalistas na arena legislativa brasileira limitou a capaci-

As lutas políticas nesse caso se conformam também como lutas pela dade das centrais sindicais de desenvolverem estratégias bem-sucedidas de

formação das "imagens das políticas", em que a importância dos empreende- veto à proposta de reforma previdenciária de Fernando Henrique.

dores de políticas na promoção de associações entre problemas e soluções, tal N a verdade, as regras do processo decisório favoreceram o Executivo
corno em Kingdon, tem relevância explicativa central. federal, permitindo a aprovação de sua proposta. Um elemento adicional,

A segunda seção se inicia com o trabalho de Soraya Côrtes, ''Viabilizando segundo os autores, foi a aprovação da emenda constitucional que permitiu a

a participação em conselhos de política pública municipais: arcabouço reeleição do presidente concomitantemente ao processo de trarnitação da re-

institucional, organização do movimento popular e policy communitid'. Trata-se forma previdenciária. Esta alterou o cálculo político dos parlamentares e au-

de um estudo ernpirico sobre os conselhos municipais da região de Porto mentou o cacife político do Executivo. Dado o formato da arena decisória

Alegre (RS), que investiga seu funcionamento, buscando identificar os fato- que processou a reforma - o Congresso Nacional -, os atores sindicais não

res que afetam a participação popular. A contribuição deste trabalho consis- conseguiram fazer transformar seus interesses e a sua capacidade de pressão

te em testar as proposições explicativas de diferentes correntes teóricas e em capacidade de afetar negativamente a proposta de reforma do presidente.

integrá-Ias em uma explicação que combina e articula diferentes variáveis Marta Arretche e Eduardo Marques, no artigo "Condicionantes locais da
institucionais e societais. A autora afirma que a disseminação dos conselhos descentralização das politicas de saúde", tomam como objeto a municipalização
foi promovida pelos processos de descentralização, que condicionaram a da política de saúde no final dos anos 1990, medindo seu alcance em termos
transferência de recursos financeiros para os níveis subnacionais de governo de capacidade de produção de serviços, bem como na redução de suas desi-

à criação desses fóruns. gualdades horizontais. O artigo testa a hipótese de que sistemas de políticas

No entanto, sua existência não é sinônimo de participação. Para que esta coordenados nacionalmente tenderiam a reduzir as desigualdades entre as uni-

aconteça, é necessária a combinação favorável de diferentes fatores, quais se- dades subnacionais.

jam: características institucionais específicas da área de política de pública em Como é amplamente conhecido, a implantação do Sistema Único de
questãO; a capacidade organizativa dos movimentos popular e sindical e de Saúde (SUS) no país signifIcou a descentralização de atividades diretas de pres-
grupos de interesses de usuários na cidade; posições favoráveis das autorida- tação de serviços mantendo um grau elevado de coordenação das politicas no
des municipais em relação à participação; a natureza da policy communiry em govemo federal. Essa coordenação foi conseguida através das regras de distri-
cada área, identificada principalmente pelo tipo de relação existente entre pro- buição de recursos federais. Os autores utilizam um amplo conjunto de infor-

fissionais e lideranças populares. mações relativas à prestação de serviços para avaliar se a introdução da Norma

18 19
Operacional Básica 98 levou à municipalização das capacidades e, alternativa- ao invés de suas causas. O autor analisa os efeitos do Fundef, entre 1998 e
mente, à equalização dos serviços prestados. 2006, na promoção de eqüidade no gasto em educação.
Os resultados sugerem um aumento da participação dos municípios na Como se sabe, um dos objetivos do Fundef era reduzir as desigualdades,
prestação dos serviços ambulatoriais na grande maioria dos estados, assim por meio de um fundo que capturava parte das receitas estaduais e municipais
como um aumento da presença dos municípios também na prestação de ser- e as distribuía segundo o número de matrículas oferecidas por estados e mu-
viços hospitalares, embora nesse caso a presença do setor privado ainda con- nicípios, no interior cada estado. A política definia ainda um mínimo nacional
tinuasse amplamente predominante. de gasto por aluno, sendo o governo federal responsável pela complementação
A desigualdade entre municípios, entretanto, não sofreu redução significa- dos valores, quando os patamares de gasto de um dado Fundef fossem infe-
tiva. Se isso não representa um problema em si para a política, orientada princi- riores ao minimo.
palmente para promover a descentralização de responsabilidades, demonstra O autor demonstra que, apesar de ter ocorrido convergência nos valores
uma limitação do efeito do conjunto de incentivos construido para a promoção anuais de investimento por aluno dentro dos estados, os baixos valores esta-
de uma maior igualdade entre entes federados. belecidos como mínimos nacionais reduziram o impacto de equalização entre
A terceira parte inclui contribuições que avaliam os condicionantes e efei- unidades estaduais. Isso ocorreu por uma interpretação minimalista por parte
tos do gasto social. No primeiro trabalho, "Internacionalização econômica, do Ministério da Educação, com relação à definição deste mínimo, por razões
democratização e gastos sociais na América Latina, 1980-1999", de George fiscais, tanto no segundo governo Fernando Henrique Cardoso quanto no
Avelino, David S. Brown e Wendy A. Hunter, avalia-se o impacto dos proces- primeiro governo Lula. Durante o primeiro, entretanto, as desigualdades entre
sos recentes de abertura econômica e democratização sobre a estrutura de estados tenderam a aumentar e no segundo tenderam a se reduzir, embora
gastos de paises latino-americanos. Utilizando medidas de abertura financeira não como efeito do aumento dos repasses do governo federal.
e dos regimes politicos - classificados pela presença ou não de abertura à O trabalho de Gilmar Rodrigues, "Democracia e partidos políticos: os
contestação -, os autores avaliam a dinâmica dos gastos sociais em geral e em . gastos públicos municipais como instrumento de análise politico-ideológica",
educação, saúde e previdência, em particular. avalia o comportamento do gasto público nos municípios do estado de Santa
Embora a utilização de medidas diferentes de abertura leve a resultados Catarina ao longo de duas gestões de 1993 a 2000. O autor pretende avaliar a
distintos, a democracia tem efeito positivos sobre os gastos sociais e, ao con- existência de padrões diferentes de gasto por função em administrações de
trário do que expressa uma parte importante do debate politico, a abertura direita, centro e esquerda, considerando o partido a que pertence o prefeito
. financeira não os irnpacta negativamente. A observação das informações de municipal, assim como os comportamentos de gasto de diferentes partidos
gasto desagregadas sugere ainda que a abertura comercial impacta favoravel- analisados separadamente.
mente os gastos previdenciários e em educação e que as relações entre abertu- O autor não encontra diferenças entre os perfis de gasto de administra-
ra, democracia e gastos são mais complexas do que considerado usualmente ções posicionadas ideologicamente de forma distinta, embota os gastos te-
pelo debate em torno do tema. nham apresentado grande regularidade e seguido um perfil cíclico. Os parti-
O impacto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino dos politicos apresentam comportamentos diferentes, embota esses não se-
Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) sobre as desigualdades jam estáveis entre as duas gestões, impedindo a delimitação de preferências
no financiamento da educação é analisado por Daniel Arias Vazquez. Diferen- alocativas partidárias.
temente dos demais trabalhos desta parte, a contribuição de Arias está na A quarta e última seção do livro, por fim, apresenta contribuições associadas
análise dos efeitos de desenhos específicos de regulação das finanças públicas, à análise da implementação e à avaliação de políticas. A seção se inicia pelo

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11'10 de Teima Menicucci, "A implementação da reforma sanitária: a for- Em seguida, Carlos Aurélio Pimenta de Faria e Crisrina Filgueiras analisam
trllb~o de uma política", que analisa a implementação da política de reforma a avaliação de políticas do Chile e do Brasil no artigo "As políticas dos sistemas
rOlI'Í:cor Saúde no Brasil dos anos 1990, problematizando análises anteriores de avaliação da educação básica do Chile e do Brasil", Os autores investigam de
dO 5 iflterpretam o avanço do setor privado no período como sinônimo de forma comparada as políticas de avaliação da educação no Chile e no Brasil em
que 50 da política de reforma, tal como colocada no final da década de 1980 período recente e traçam um amplo panorama do surgimento da avaliação e
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fr sagrada na Constituição de 1988. das suas características, considerando diferentes objetivos, Em seguida, discutem
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e c j\ssim como no caso de Vazquez, o pano de fundo do trabalho é o a constituição dos sistemas e a utilização de seus resultados nas demais políticas
"to de reestruturação do padrão de financiamento das políticas do de educação nos dois países, As políticas foram implementadas em conjunturas
te"
cOO do brasileiro na década e as restrições orçamentárias que caracterizaram políticas e com finalidades distintas nos dois países.
:6st!1-o01ento de intenso ajuste fiscal. Nesse caso, entretanto, o que está em No caso do Chile, o sistema foi pensado no interior de estratégias
o to são os atores políticos mobilizados no processo, associados a constru- mercantilizantes do setor Educação. Seus resultados também têm implicações
foCO cognitivas e percepções sobre igualdade e sobre os seus direitos especi- muito diferentes, sendo apropriados de forma mais intensa e mais pública no
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ÇO ~ente. Chile e quase meramente rirualística no caso brasileiro, embora não seja des-
fie A autora destaca intensamente a importância dos legados anteriores, não prezível o efeito de responsabilização que a divulgação de resultados pode ter
lIS em termos de políticas, mas também considerando a distribuição de sobre o setor Educação e sobre os principais gestores.
lIPcJ1(leios às categorias e atores mais bem organizados. É nesse sentido que Por fim, Gilberto Hochman, em ':Agenda internacional e políticas nacionais:
beJ1ej'lll espeCla
. I re Ievancia
' . o acesso d os atores mais.. orgal11za d os aos panos
I uma comparação histórica entre os programas de erradicação da malária e da varíola
gllJ1 dos de assistência no interior do modelo dual de assistência médica, que no Brasil", aborda, do ponto de vista histórico, questões cada vez mais centrais e
'</lI
pó ticui um dos mais importantes legados para a compreensão de nosso contemporâneas que versam sobre as possibilidades e desafios de politicas dornésti-
oJ1S
c "'lIde saúde, Essa situação teria reforçado o caráter híbrido de nosso .cas autônomas em um mundo cada vez mais interdependente. O objetivo geral é
,Ste'"
si ",a pela erosão do apoio de amplas categorias (principalmente de funcio- contrastar determinadas respostas politicas e institucionais do Estado brasileiro em
, te ••'
5i~JOS públicos) à constituição de um sistema público. Essa característica dual sua longa, complexa e variada relação com agências internacionais envolvidas com a
J111forçada pelas percepções dos usuários sobre as redes pública e privada, saúde, e suas recomendações, financiamento e ações, O contraste se dá entre progra-
é ,e especial de quem usa e não usa o serviços públicos (e tende mais mas nacionais (contra a malária e contra a varíola) que tiveram objetivos semelhantes
rfl
e i,ientemente a considerá-los de pior qualidade), (erradicar essas doenças), interagiram com as agências da saúde internacional (OMS)
f,eq por outro Ia d o, ao ana lisar o equacionamento
' d a questao- fiinanceira. do e tiveram resultados bastante diversos em termos de objetivos alcançados.

r na década de 1990, a autora sugere ter ocorrido por parte de atores A análise sugere que as políticas estatais de saúde no Brasil pós-H Guerra
tO'
se oetantes, notadamente das áreas fiscais e da Presidência da República, uma Mundial devem ser compreendidas pela sua dinâmica interna, mas também
ir!lIvçãO das políticas realizada via estrangulamento financeiro, diante dos altos como condicionadas por essas interações. A perspectiva histórica é considera-
,e tOSpolíticos de redução explícita no contexto da década, No bojo desta da crucia! para a compreensão e a comparação entre esses dois programas ea
vs agenda internacional.
c gtégia, uma parcela significativa das políticas teria sido repassada para as
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e' al~sinferiores da federação, inclusive em termos de responsabilidades fi- Esperamos que este livro contribua para o desenvolvimento da área de
eSC'ceiras,A ausência de apoio mais amplo de atores organizados importantes políticas públicas, estimule o debate teórico e metodológico e incentive novas
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ri ,OUessa trajetória política possível. agendas e objetos de investigação.


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I
"1 Estado de Bem-Estar,
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Desenvolvimento Econômico e
Cidadania: algumas lições da
literatura contemporânea'

Sônia M. Draibe

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III
Apresenta-se,
tados de bem-estar
aqui, um panorama da literatura contemporânea
social, na perspectiva da análise histórica e comparada
sobre Es-
e
do ponto de vista de sua potencial contribuição para futuros estudos sobre a
realidade latino-americana. Como se sabe, a literatura acadêmica é bastante
1 controversa a respeito do tema da proteção social nos países latino-americanos.
Existe ou teria existido na América Latina algo que pudéssemos definir como
. Estado de bem-estar social ou como sistema nacional de proteção social? Em
caso afirmativo, de que tipo ou regime de bem-estar se trataria? E ainda,
como tratar as marcadas diferenças entre os países? Estas, que parecem ter
sido as questões polares dos primeiros estudos na região, encontram-se atual-
mente sobredeterminadas por outros dois conjuntos de interrogantes e de-
safios intelectuais: as reformas recentes por que passaram os sistemas de políticas
sociais da região, e as indagações sobre alternativas futuras.
Como interpretar as mudanças recentes? O que ocorreu com os sistemas
de políticas sociaís, após 25 anos, aproximadamenre, de restrições fiscais, au-
mento de demandas e reformas institucionais de diversas orientações e matizes?
:~
,li Houve mudança de regimes? Nossos sistemas de proteção social tornaram-se

'j
I
Originalmente apresentado como paper no XXX Encontro Anual da Anpocs, GT 19 . Políticas
Públicas, Sessão 1 . Reformas lnstitucionais e Políticas Sociais, realizado em Caxambu em 24·28 de
outubro de 2006. O trabalho resume ensaio de mesmo título, escrito em colaboração com
Manuel Riesco e publicado em Draibe & Riesco, 2006.

27
n
I'
!I POlíTICAS PÚBlIC ..••S NO ~RASIL Estado de Bem-Estar, Desenvolvimento Econômico e Cidadania

I
I
! socialmente mais inclusivos, ou experimentaram nada mais que os conhecidos A Análise Integrada da Economia e da Política Social
r
processos de retrencbment próprios da gestão neoliberal? É longa a tradição da análise integrada da econom.ia e da política social.
Por outro lado, que futuro projetam nossos sistemas de políticas sociais? Constituiu o eixo analítico das grandes vertentes da moderna sociologia histó-
I
''IV I
Já são muitos os sinais, captados aqui e ali, que indicam um certo esgotamento rica e dos estudos do desenvolvimento econômico, de Marx a Weber, a
do ciclo recente de transformações impulsionadas pelo paradigma neoliberal Durkheim e a Polanyi. No campo da teoria econômica, ela pode ser identificada
marcado pelo baixo crescimento e pelo desemprego crônico; pelo aumento nos postulados do pensamento neoclássico, que relaciona a política social a
da desigualdade e pela incapacidade de redução significativa da pobreza; pela seus efeitos redistributivos e de inversão em capital humano. Seguramente, sua
imposição e/ou crença em um. único ou poucos modelos de reformas de formulação mais sofisticada encontra-se no pensamento keynesiano, que cap-
~ programas sociais (pró-mercado). Estaríamos vivendo um novo momento tou com precisão o círculo virtuoso com que o econômico e o social se inscre-
i
de escolhas, de decisões a respeito de outros modelos e alternativas? Esse foi, vem na dinâmica de crescimento econômico e desenvolvimento social, visível
I aliás, o lema do recente
o qual a região pareceria
foro "As Américas
encontrar-se,
em uma Encruzilhada",'
uma vez mais, em um momento
segundo
de
no capitalismo regulado do pós-guerra. Por distintas que sejam, correntes inte-
lectuais como as mencionadas, além de remeter à questão da eqüidade, não
eleições e decisões cruciais a respeito de um novo modelo de desenvolvimento, perderam de vista a relação entre as modernas instituições da politica social e o
que venha a equacionar de modo mais progressista a relação entre crescimento processo de desenvolvimento e modernização capitalistas.

I econômico, progresso
Estaria emergindo,
social e democracia.
na região, um novo círculo virtuoso entre crescimento
Diferentemente,
tratamento
durante as últimas décadas, assistimos
dissociado da economia e da politica social, com cla.ro prejuízo de uma
ao predomínio do

I econômico, welfare State e democracia, uma nova onda de política e outra, mais ainda quando orientado, como o foi, pelas correntes formalistas e

I
~
'I
desenvolvimentista

papel desempenhariam
progressista,
dido por um Estado neodesenvolvirnentista
as políticas
enfim, um novo desenvolvimentisrno,
de bem-estar? Se assim fosse, que
sociais na nova etapa? Com que padrões
presi- abstratas, de forre-viés quantitativista.? Mas o atual ressurgimento
bre desenvolvimento econômico
dos estudos so-
parece abrir um novo e valioso curso de investi-
gações, no qual a política social é pensada no quadro mais amplo de relação entre
de proteção social conviveria a região, considerando as instituições herdadas e Estado, desenvolvimento econômico e sistemas de proteção 'social' e, mais ainda,
os desafios de uma nova articulação do crescimento econômico e a estruturação a dinâmica é examinada a partir dos efeitos dos sistemas de políticas sociais sobre
democrática das nossas sociedades, nas condições e nos limites hoje impostos o crescimento econômico, e não somente ao contrário, como tradicionalmente se
pela globalização? postulou (Mkandawire, 2002). Mais que as bases materiais do progresso social,
As perguntas são ambiciosas e dificilmente seriam bem respondidas no enfatizam-se as capacidades dos sistemas de política social em promover e facilitar
âmbito deste trabalho. Não se trata disso, e sim de apresentar, por meio delas, o crescimento econômico, simultaneamente ao desenvolvimento social. Aqui tam-
quadros teóricos e perspectivas analíticas pouco utilizados na região, é verda- bém, como seria de esperar, variam muito as vertentes e perspectivas analíticas.
de, mas certamente indispensáveis ao tratamento dos temas que motivam este Para os objetivos deste trabalho, mais que realizar exegeses de conceitos e autores,
artigo. É o caso dos eixos analíticos por meio dos quais a literatura contempo- é interessante registrar a evolução desta linha de estudos, resgatando certos concei-
rânea foi examinada e resenhada: a análise integrada da economia e da política tos e relações que se incorporaram ao debate e à linguagem das políticas sociais.
social; os padrões e tipos de Estados de bem-estar social; as dimensões de
Entre os fatores que podem explicar tal evolução, além desse predomínio, tem sido forte a
gênero e família na estruturação e nas variações dos regimes de bem-estar. fragmentação e especialização das disciplinas. No caso da política social, verifica-se predominân-
cia das análises administrativas e organizacionais de! programas sociais individuais, mais que dos
Fórurn "As Américas em uma Encruzilhada: pela reinserção do trabalho digno na agenda do
sistemas de políticas sociais, e quase sempre sob o prisma unilateral da eficácia econômica e da
desenvolvimento". Série do Foro "Globalização e Desenvolvimento" do Carnegie Council,
avaliação de resultados.
realizado em Bogotá, Colômbia, 26-27 set. 2005. Ver <www.carnegiecouncil.org>.

28 29
~
I

Estado de Bem-Estar, Desenvolvimento Econômico e Cidadania


Porincxs PU6tK ..•.S NO BR. ..•.:>IL
1
"I

,,~:I Provavelmente, coube ao sistema das Nações Unidas e suas agênClas o A concepção do "bem-estar mediante a inserção produtiva" apresenta-se
I
,I crédito maior de retomar, reconceituar e disseminar ativamente tal enfoque, sob as mais diferentes versões, manifestas, por exemplo, em lemas como "bem-

sob a conhecida tese de que a politica social constitui condição do desenvolvi- estar produtivo" ou "bem-estar pelo trabalho" ou ainda o "novo bem-estar

mento econômico. Formulada há mais de quarenta anos sob o conceito "de- social" (productivist we!fare, 1I1orkfare or we!fare to work, neu/ we!farism) (l'aylor-Gooby,
i senvolvimento social", a tese ganhou amplitude e complexidade, impregnada 1998,2001), o "bem-estar social positivo" (positive we!fare) (Giddens, 1998) ou
.11
iYi\
mais recentemente pelos princípios dos direitos sociais e dos direitos huma- "bem-estar social ativo" (adive we!fare) (Vandenbroucke, 2005), E tem sido
!

nos, e fertilizada ainda pelos novos conceitos de "desenvolvimento humano", freqüentemente associada aos partidos social-democratas europeus dos anos
--' 1990, em especial à "terceira via" e a suas propostas de um Estado de bem-estar
"investimento nas pessoas", "inclusão social" e, de modo mais amplo, "coe-
ativo (active we!fare State); entendido como aquele que enfatiza a redução dos
são social".'
riscos sociais mediante a educação e a capacitação, com o objetivo de trans-
No plano conceitual, o enfoque integrado ganhou centralidade em outras
~ formar os cidadãos de meros receptores passivos de benefícios sociais em
matrizes analiticas: a "inserção produtiva'" como alternativa ótima de desenho
i-' pessoas independentes, ativas, co-produtoras da sua própria proteção social.
dos programas sociais e, por outra parte, o "desenvolvimentismo" como atri-
buto de certos tipos de Estado de bem-estar. Em torno de um suposto co- Tal corno outras correntes, esta concepção valoriza o tipo de política

mum - as relações mutuamen te dinâmicas entre politicas sociais e econômicas social que contribui para ampliar o crescimento econômico e a participação

_ confluem aqui concepções bem distintas, desde as que pensam a politica das pessoas na geração da própria renda, Entretanto, sua mais alta ambição -

social como subordinada à política econômica até as comprometidas com o a de instituir um novo modelo de we!fare State - foi criticada exatamente por

desenvolvimento efetivo e centrado nas pessoas; desde posturas que valori- reduzir o bem-estar a pouco mais que algumas regras morais e normas de
.1
~I,
'j zam políticas macroeconômicas promotoras do emprego e da renda até as conduta, com forte desprezo das questões de justiça social, universalidade e

i
,I:
que preferem programas sociais que promovem a incorporação econômica igualdade, com o que, em última instância, encobriria sob roupagens da pós-
1, das pessoas e ao mesmo tempo geram positivas taxas de retomo na economia modernidade um real ataque ao Estado de bem-estar (Sabel & Zeitlin, 2003)S É
>II,li
I1
(Midgley, 1995, 2003; Sherraden, 1991; Midgley & Sherraden, 2000), de se notar que, mesmo não tendo alcançado objetivos tão ambiciosos, a pers-

I
pectiva disseminou-se amplamente, orientando reformas ou inovações de pro-
Foi Gunnar Myrdall quem explicitou originalmente tal conceito de desenvolvimento social
quando coordenou, em 1966, no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, o grupo de
gramas sociais no mundo todo, e sob governos das mais variadas orientaçôes."
especialistas encarregado de elaborar o estudo sobre a estratégia unificada de desenvolvimento
No plano conceitual, é de ampla difusão e de não menor influência a

.~
social e econômico) orientada por quatro principies normativos básicos: a) que nenhum segmen-
~ to da população seja deixado à margem do desenvolvimento e das transformações sociais; b) que contribuição de Amartya Sen. Concebido também no campo da teoria do
o crescimento seja objeto da mobilização de amplas camadas da população e que se assegure sua
participação no processo do desenvolvimento; c) que a eqüidade social seja considerada igual- capital humano, mas em clara divergência com concepções pouco criticas
~ mente importante no plano ético e no da eficiência econômica, e d) que se confira alta prioridade
do crescimento e de seus efeitos sociais e ambientais, o enfoque integrado, em
II ao desenvolvimento
desnutrição
das potencialidades
precoce, ofertando-se
humanas. especialmente das crianças, evitando-se
serviços de saúde e garantindo· se a igualdade de oportunida-
a
Sen, concebe a politica social como inversão em capital humano, em capital
des (Kwon, 2003). Desde então, tal perspectiva evoluiu com êxito, transformando-se em referên-
cia estratégica de outras agências multilaterais, corno O demonstra a sucessão de eventos interna-
~ cionais tais como: a Declaração Mundial sobre a Proteção das Crianças (1990); a Cúpula de
11 Exemplos de tal orientação podem ser encontrados em conhecidos slogans, utilizados por Blair,
Desenvolvimento Social de Copenhague (1995); as Metas do Milênio; a Carta de Lisboa de 2000, da
União Européia; a Carta Social de lslamahad (2004) (Midgley, 1995; Draibe, 2004; Güendell & Clinton, Giddens e outros, tais como: "Não mais direitos sem responsabilidades!"; "Que o
trabalho pague!"; "Trabalho para os que podem; proteção para os que não podem!"; "Acabar com
Barahona, 2005),
~ o bem-estar social tal como o conhecemos!"; "Menos para os pais, mais para os filhos!" etc. (Sabel
Em inglês. O termo produclinsm tem sido usado com variadas conotaçôes, desde as visões ortodo- & Zeitlin, 2003).
~ xas que valorizam o crescimento como objetivo primeiro, passando ainda pelos que o utilizam ~.
j11 crítica ou pejorativamente para se referirem àquela mesma concepção, Usamos aqui a expressão A experiência latino-americana recente registra incontáveis exemplos de orientações deste tipo.
em programas educacionais, de capacitação ou ainda os que favorecem o emprego produtivo e o

~l
"inserção produtiva» para nos referirmos ao produdinJ" welfare Stat«, conscientes, entretanto) da
auto-emprego, como os de microempresas ou microcrédiro,

t
distância que separa os dois conceitos.

30 31

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Estado de Bem-Estar. Desenvolvimento Econômico c Cidadania
POliTIC ..•.'i PÚBLLC."S NO BI{ASIl

social, ou nas capacidades humanas, mediante programas sociais orientados a A Análise Histórica Comparada dos Tipos e Regimes de Bem-
\ Estar Social
1 ampliar as capacidades das pessoas para participar com liberdade do proces-
:1\
I
so produtivo (Sen, 1999; Taylor-Gooby, 1998, 2001; Holliday, 2000; Giddens, Visto de outro ângulo, o desenvolvimentismo como atributo de certos
1998). Nesse plano, aproxima-se da perspectiva dos direitos humanos e até tipos de Estado de bem-estar remete ao plano analítico da análise histórica e
mesmo a fundamenta7 dos regimes de bem-estar. Como se sabe, o Estado de bem-estar, por muito
A análise integrada, em suas recentes e variadas versões, avançou e ama- tempo e em bom número de estudos, foi postulado como uma instituição
dureceu através de amplo debate sobre as relações entre a economia e a poli- exclusiva dos países desenvolvidos, quem sabe tão-somente de alguns países
tica social, especialmente sobre os aspectos cambiantes e desafiantes do cresci- europeus ou, de modo ainda mais restrito, como uma criatura própria da
"r'l mento econômico nas condições atuais da globalização, confrontados com as social-democracia européia. Tal não é a compreensão que se pode derivar do
potencialidades e limites da política social (Esping-Andersen, 2002). Além das desenvolvimento atual das teorias e conceitos sobre o ].I)elfare State, em pers-
~:
incontestáveis virtudes da articulação e integração propriamente ditas, aquela pectiva comparada.
perspectiva recolocou, e com legitimidade, o 'tema do desenvolvimento eco- Já a análise histórica e integrada, mencionada na seção anterior, abre espaço
nômico' no próprio domínio da política social. Por outro lado, revalorizou a para a compreensão dos processos de emergência e configuração de distintos
'dimensão sistêmica da política social', ou seja, são os sistemas de políticas Estados de bem-estar em países e regiões que se modernizaram tardiamente.
sociais ou, mais especificamente, o Estado de bem-estar os focos a partir dos Mas são os recentes estudos sobre "regimes de bem-estar" e as categorias teó-
quais se elaboram as análises, sempre e quando se trata de pensar articulada- ricas de nível intermediário em que se baseiam (middfe-range categonú) os que
mente o desenvolvimento econômico e a política social. Isto porque, muito permitem examinar sob novos conceitos as experiências tardias de transição à
mais que a fragmentada visão de um ou outro programa social, é a perspecti- modernidade urbano-industrial, sob instituições também modernas, como as
va do sistema de proteção social como um todo a que permite examinar, no da proteção social.
tempo, os efeitos dinâmicos da política social, simetricamente à abordagem
I dinâmica com que usualmente se examina o desenvolvimento econômico. Em Busca de Categorias Intermediárias: o enfooue dos regimes de
I Por tudo isso, e quiçá com maior importância, o enfoque integrado en- I bem -esta r

volve um ineludível chamado à 'perspectiva histórica de longo prazo'. Ao Os estudos comparados de Estados de bem-estar desenvolveram-se
11
relacionar sistemas de política social e desenvolvimento econômico, imediata- notavelmente nos últimos 15 anos, aproximadamente, e em geral sob a pers-
mente se impõem questões a respeito do crescimento econômico, de suas pectiva do assim chamado "enfoque dos regimes de bem-estar", ou mais
\'.
fases, de suas qualidades, de seus requerimentos e efeitos no emprego e no amplamente o "enfoque comparativo de nível intermediário" (Esping-
I: bem-estar das pessoas, seus êxitos passados, suas perspectivas futuras etc. Um Andersen, 1990; Gough, 1999; Pierson, 2093). Além de introduzir certa ruptura
1\ tal chamado à visão histórica de longa duração se revela com claridade na com tradições até então dominantes, esta vertente de estudos ampliou consi-
!j
!1 perspectiva 'desenvolvimentista' com que recentemente têm sido analisados deravelmente as possibilidades de exame, sob novas categorias, das experiên-
~I certos tipos de Estados de bem-estar, comentada a seguir. cias de países em desenvolvimento, que transitaram mais tardiamente para a
:i modernidade.
Referência especial cabe à perspectiva dos direitos humanos, especialruenre impulsionada por
\i princípios da democracia e da eqüidade social, enfoque que nas palavras de Güendell e Barahona Não é novo o reconhecimento de que o Estado de bem-estar se manifes-
1I (2005: 4), logrou reunir "três coisas que normalmente estiveram separadas: o acesso à riqueza, isto
é, o problema das necessidades; o acesso à liberdade como autonomia, isto é, O problema do tou de distintas formas nos países desenvolvidos, mas foi reconhecidamente o
'li exercício das capacidades, e O acesso ao poder, que alude ao problema da participação social e
trabalho de Esping-Andersen, no início dos anos 1990, que inaugurou a nova
11 política".

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geração de estudos comparados iruerriacronais sobre tal Estado, apoiados di- 110, J saber, o grau de "desfarniliarização" (defamiliansation)U Elaborações
reta ou lndiretamente na sua tipologia dos três "regixncs de bem-estar", sob os posteriores deste autor (Esping-Andersen, 1999) e de outros ampliaram tais
quais teria se manifestado o we!fare State nos países desenvolvidos: o "regtme critérios, per miurido-rios hoje afirmar que um regime de bem-estar social
liberal",B o "regime conservador-corporativo,,9 e o "regime social-dcmocrata'L'" corresponde às seguintes características e processos:
Tributário da longa tradição da sociologia histórica comparada em politica
• Um dado padrão de provisão SOCial, mais precisamente "ao modo
social," o "enfoque dos regimes de bem-estar" estabeleceu inquestionavelrnente
combinado e l11terdependente corno o bem-estar é produzido e
os termos contemporâneos da investigação comparada neste campo clistribuido entre o Estado, o mercado e a família" (Esping-Andersen,
(Orloff, 2003; Amenta, 2003; Skocpol, 2003). Mediante intensos debate e
1999: 35). Freqüentemente, soma-se um quarto componente,
desenvolvimento intelectuais (Abrahamson, 1999; PoweU & Barrientos, 2002), genericamente referido como "terceiro setor" (ou setor voluntário, ou
abriu fecunda senda de estudos sobre os modernos sistemas de proteção
a comunidade ou as organizações da "sociedade civil", ou enfim as
SOCIal em países e regiões que se modernizaram mais tardiamente, como orgaruzações não governamentais, as ONGs).
Japão e outros países do Leste Asiático e, em menor medida, também os
• Certo modelo ou estrutura do sistema público de políticas sociars
países latino-americanos (Draibe, 1989; Barrientos, 2001; Filgueira, 2005). Além
(Gough, 1999), em geral compos to pelos programas de previdência
de resultados substantivos, registraram-se importantes avanços nos planos
social, pelos serviços de educação, saúde (mais ou menos univers ais);
teórico e metodológico, que nos interessa destacar.
assistência social e programas (eventuais) de transferências monetárias a
Como se sabe, foram três os critérios utilizados por Esping-.i\ndersen
grupos SOCIaiSdeterminados.
para identificar e distinguir os regimes: a relação público-privado na provisão
• Um modelo ou tipo predominante de família, segundo características
social, o grau de "desrnercantilizaçâo'Y (de-(ommodification) dos bens e serviços
da estrutura familiar de poder e da divisão sexual de trabalho
sociais e seus "efeitos na estratificação social". Mais tarde, agregou outro crité-
prevalecente (Sai.nsbury, 1999).

• Como resultado daquelas composições e das instituições que Ihes dão


Cujos atributos são principalmente os seguintes: o mercado como lócus de uma SOLidariedade de
base individual; a predominância do mercado na provisão social, da qual participam com menos corpo, corresponde também a certos graus de independência ou
peso a família e o Estado. Neste regime se enquadrariam países como os Estados Unidos, o
Canadá, a Austrália, a Nova Zelándia, a Irlanda e o Reino Unido.
autonomia do bem-estar das familias e pessoas em relação ao mercado
Fundado em uma solidariedade de base farniLiar,caracteriza-se por uma provisão social na qual a de trabalho (de-commodification) e em relação aos sistemas domésticos de
família desempenha papel central em relação ao caráter marginal do mercado e à ação subsidiária
do Estado, tendo ainda por referências O status, O mérito e a sanção de atores coletivos e cuidados e proteção (defamiliansatzOn) (Esping-Andersen, 1999).
corporativos diferenciados. Países como Alemanha, Itália, França e outros da Europa continental
e xernplt ijcartarn este regime. . • Um modelo dominante de solidariedade (individual, ou baseado no mérito
10 Fundado em uma solidariedade de base universal, sendo o Estado o seu lócus principal, e ou universal) e o efeito resultante em termos do grau de estratifIcação
caracterizado por uma composição da provisão social na qual O Estado desempenha papel central
em relação às posições marginais da família e do mercado. Aqui se classificam tjpicarnerttc os social, isto é, em como e em que extensão o sistema de políticas sociais
países nórdicos, Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia (Esping-,~nJersen, 1990, 1999).
traduz, reforça ou reduz as desigualdades, os interesses e o poder na
11 iniciada com o pioneiro trabalho de Titrnus de 1958 e ampliada por escudos corno os de MarshaU
(1964), Briggs (1961), Rimlingcr (1971), l-leclo (1974), Wilenskt (1975) e, lá na segunda onda de SOCIedade (Esping-Andersen, 1990, 1999; Gough, 1999) 14
investigações dos anos 1980, peito, trabalhos, entre outros, de Flora (1986), Flora e Heidenheirner
(1986), Alber (1986), Ferrera (l984) e Ascoli (1984). Il Traduzido também com cerra liberdade como "desfarnilrarizaçâo", o conceito de defamdian·zation
De-(ommodification foi aqui Livremente traduzida por deJmen:anti!i:::..ação. Outra cara do direito social expressa o grau de redução da dependência do indivíduo em relação à família ou, inversamente,
da cidadania, o conceito designa o grae em que o Estado de bem-estar debilita o vínculo
monetário, garantindo o direito independentemente
auferidas).
da participação no mercado (e das rendas ai
Bens e serviços sociais perderiam, sob tal mecanismo, parcial ou totalmente, seu
J.. 1-4
o aumento
mente das
da capacidade de comando do indivíduo sobre recursos
reciprocidades familiares ou conjugais (Esping-Andersen,
econômicos, independente-
1999).
Gough ("l999) didaticamente registra que em termos esping-andersianos, um regime de bem-estar
i
caráter de mercadoria (Espcng-i\ndersen, 1999).

34
l.. poderia ser equacionado como ulfare regime:::: u!fare mix: + welfare oiacomes + strat~ljmtion 1ft,;ts.

3S
I
~;;;,' ,.~
POLÍTICAS PÚIHKAS NO BtitA'itl
Estado de Bem-Estar. Desenvolvimento Econômico e Cidadania

• Expressando todo o anterior, corresponde também a um dado modelo "mistos" (Theret, 1998, 2002);" ao Iaro de se tratar de uma metodologia
de fmanciamento: solidário ou não; voluntário ou compulsório; de base estática de comparação, pouco sensível a movimentos, mutações, câmbios de
contributiva ou fiscal (ou diferentes composições destas formas de modelo e de seus atributos (Esping-Andersen, 1999; Gough, 1999; Pierson,
financiamen to). 2003; Orloff, Clemens & Adams, 2003).16 Por sua vez, as teóricas feministas, que

• Características e traços culturais, sistemas de valores, credos e regulações comentaremos mais adiante, criticaram a inadequada ou ausente consideração

religiosas, em especial referidos à esfera familiar da reprodução social do papel estrururante da família, da dimensão de gênero e da divisão sexual do

(as atividades de cuidados domésticos), à estrutura familiar de poder e trabalho na configuração dos regimes (Odoff, 1993,2003; Skocpol, 1992; Lewi.s,

à situação da mulher na sociedade, relativa ao trabalho remunerado e 1997; O'Connor, Odoff & Shaver, 1999; Esping-Andersen, 1999)17 Finalmen-
""I te, é bastante generalizada a crítica à "inaplicabilidade" destes conceitos, justificada
não remunerado (Castles, 1993; Sainsbury, 1999; Walby, 2001).
por razões distintas: as peculiaridades ou o "excepcionalismo" do caso conside-
~' Idéias, interesses e forças políticas dominantes na sociedade nas distintas
rado (Skocpol, 1992; Odoff, 2003; Esping-Andersen, 1997; l\1iyamoto, 2003); o
!?ll
etapas de emergência, desenvolvimento e mudanças dos sistemas
insuficiente grau de desenvolvimento socioeconômico do caso a considerar, ou,
"~:
~iI nacionais de proteção social. enfim, insuficiências ou limites dos próprios conceitos de regimes, por exces-
J, il

,I • Condicionantes históricos e institucionais peculiares, segundo a sivas ou por insuficientes raizes históricas."
í
411
I compreensão de que o regime é condicionado pela trajetória (path- I' Com exceção da crítica feminista, todos os argumentos se referem, em
dependent), isto é, por estruturas institucionais e capacidades estatais última instância, às possibilidades e limites do uso das categorias de Esping-
pretéritas (pofiry feedback), refletindo em cada momento do tempo o Andersen com respeito a países ou regiões distintos dos originalmente consi-
poder relativo, as preferências e as decisões de diferentes grupos de derados pelo autor, o que, portanto, remete o problema ao estatuto teórico e
interesse e coalizões políticas. à abrangência das categorias de regime. Afinal, são aqueles três regimes uma
mera construção ideal, de valor heurístico, com o auxilio da qual poderiam ser
• Influências, efeitos e impactos do sistema internacional, seja mediante
apreendidas e estudadas as mais distintas realidades? Ou cada um deles se
processos de difusão e aprendizagem institucional, seja mediante impulsos,
refere a configurações históricas concretas, cujas características comuns foram
incentivos ou vetos que favorecem ou inibem, nos países individualmente,
captadas e generalizadas a um determinado nível?
o desenvolvimento, as orientações e as mudanças de seus sistemas de
políticas sociais. O sistema internacional opera então como janela de
oportunidade para tais processos (Esping-Andersen, 1990, 1999; Pierson, rs Théret ressalta ser esta uma dificuldade inerente à metodologia de clusters, construidos mediante
alguns grandes tipos de equivalência que se supõem representativos do conjunto de países,
I 1994; Gough, 2003; Pierson, 2003; Sabe! & Zeitlin, 2000). devendo cada país ser classificado em uma e somente uma das classes estabelecidas. Razão pela
qual emerge imediatamente o problema dos casos de difícil classificação nos regimes de Esping-
Este complexo e variado conjunto de dimensões e processos amplia con- Andersen, como seria o caso do Reino Unido e do Japão (Thérer, 1998, 2002)
sideravelmente a abrangência da tipologia original, uma prova a mais da vita- !6 Não por acaso, tem sido difícil para o autor, e para outros que o tentaram, estudar as reformas
recentes dos Estados de bem-estar segundo a mesma metodologia dos regimes e as classificações
~ lidade intelectual do enfoque dos regimes. Porém, tal enfoque não esteve nem correspondentes dos países.
j'
está isento das necessárias limitações próprias de toda tipologia (powell & 17 Sensível à critica, Esping-Andersen (1999) reformulou parcialmente sua matriz analítica, atribuin-
l do um maior peso ao corte d.e gênero e à economia dornésrica/farniliar como esfera da reprodu-
Barrientos, 2004; Gough, 2000; Odoff, 2003). Do ponto de vista da ção social, juntamente com as outras instituições da política social.

metodologia comparativa, os argumentos críticos freqüentemente se referem ta 1\ critica, curiosamente, aponta excessos, mas também carências de "hiscoricidade", isto é, tanto
1 ao formalismo das definições, que dificultaria classificar os casos "difíceis" ou
um suposto "curocentrisrno"
variáveis históricas
na caracterização dos regimes como, pelo contrário, a ausência de
tais como traços culturais ou tradições familiares, que distinguiriam países e
grupos de países ainda na região européia.
11
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Pocn :c.•.
5 PÚBLICAS NO BRt'I~!l Estado de Bem-Estar. Desenvolvimento Econômico t" Cidadaru.,

Muito freqüentemente, os tipos elaborados por Esping-Andersen sao o Estado de Bem-Estar Mediterrâneo e o Estado
tomados como conceitos típico-ideais, meros instrumentos destinados à com- Desenvolvimentista de Bem-Estar do Leste Asiático: pondo à prova
o enfooue dos regimes?
paração, operando como referentes ou descritores de configurações possíveis
do Estado de bem-estar, ou como o prisma que ilumina e ressalta aspectos A complexidade e a diversidade dos critérios e dimensões sugerem que o
distinguíveis dos mesmos (Ebbinghaus & Manow, 2001; Sainsbury, 1999). Como conceito de regime de bem-estar, em Esping-Andersen e outros, envolve os
tal, foram utilizados em incontáveis estudos de países distintos dos da Europa, peculiares fundamentos sociopolíticos e as estruturas de valores de uma so-

inclusive na América Latina (Draibe, 1989). ciedade dada. De nenhum modo a diferenciação de regimes se reduziria a

Entretanto, construções teóricas como a de Esping-Andersen e outros uma mera combinação de tipos de políticas sociais, que pudessem ser medidos

autores (Castles, 1993; Therborn, 2002, 2004a, 2004b; Gough, 1999, 2000) com o 'metro do mais ou menos', com o auxílio de umas poucas variáveis

admitem uma compreensão mais complexa e sofisticada, com maior poder quantitativas. Por outro lado, o regime é uma construção histórica, que traz

explicativo. Elaboradas em um nível teórico intermediário de abstração (midd!e consigo, nas suas instituições e formas, a história passada de embates entre

range theory), tais categorias não se confundem nem com categorias gerais e classes, grupos sociais, coalizões políticas, movidos cada qual por seus sistemas

mais abstratas (por exemplo, a de Estado de bem-estar em geral) nem com de interesses e valores, atuando segundo suas distintas capacidades de apro-

conceitos particulares, referidos a casos ou situações concretas (por exemplo, priação de porções do bem-estar gerado e institucionalizado, em uma dada

o Estado de bem-estar francês). Ao contrário, construidos no espaço da tensa sociedade (Davis, 2001).
relação entre teoria e história, entre categorias gerais (abstratas) e o nível empírico, Como já referido, dois são os argumentos mais freqüentemente utiliza-
conceitos intermediários como os de regime, ao mesmo tempo que retêm os dos, quando se postula a impossibilidade de "aplicar" ou usar os paradigmas
atributos gerais de um fenômeno dado, captam e retêm, por generalização, de bem-estar social (welfare paradigm) em situações distintas daquelas sobre as
atributos próprios de um conjunto dado de casos particulares. Se este é seu quais foram construídos: a especificidade, de um lado, e o insuficiente grau de
estatuto teórico, pode-se concluir que os tipos ou modelos elaborados com tal desenvolvimento socioeconômico, por outro. O argumento da especificidade
instrumental não constituem modelos tipo-ideais, disponíveis para uma gene- ou do "excepcionalismo" (Skocpol, 1992; Orloff, 2003) ou ainda do "caso

ralizada aplicação." I único" (Esping-Andersen, 1997; Miyamoto, 2003) envolve duas dimensões:
Precisamente por tais razões, o enfoque de regimes de bem-estar social de um lado, as supostamente irredutíveis particularidades das situações históri-

contribuiu decisivamente para que fossem evitados os dois riscos mais co- cas em relação às quaisse objeta, e por isso mesmo, a aplicação dos conceitos;

muns em matéria de comparação histórica, a generalização indevida e o I de outro, as particularidades (que não se repetem) do ponto de partida sobre

historicisrno." Como poderia ser utilizado em situações distintas daquelas so- os quais estariam baseados os conceitos e as tipologias de Esping-Andersen,

bre as quais foram construídas as tipologias? I


!
ou seja, as democracias industriais ocidentais." Não é raro que "casos difíceis",
isto é, que não se adaptam muito bem' aos regimes ou tipos, tenham sido
19 Os critérios e o processo de elaboração de Esping-Andersen não dão margem a dúvidas, já que
envolvem componentes históricos tais como valores e determinações de trajetórias (path-dependenl). classificados então como "casos mistos". Também não é raro que sejam
S3.0, nesse sentido, conceitos carregados de "historicidade" e, portanto, não podem e não devem
invocadas categorias descritivas, quase sempre de muito baixo poder analítico,
ser estendidos a outras experiências, pelo menos até que seu estudo e confrontação com as
originais O autorizassem. Não por acaso, o autor foi sempre cauteloso ao classificar, por exemplo, entre as quais podem ser citadas as categorias de "dualidade" (Skocpol, 1992),
o Japão em qualquer dos três regimes, optando por identificá-Ia como tipo "misto".
20 O primeiro risco se refere à postulação de leis gerais, ou de único caminho, ou etapas de
21 O argumento da especificidade ou do "excepcional" pode abarcar poucos ou muitos dos fatores
desenvolvimento necessariamente seguidas por todos os países. O risco contrário diz respeito ao
e dimensões indicados nos critérios de elaboração dos regimes. Estados Unidos, os países
"historicisrno" como particularização ou redução indevida, que considera a história particular de
mediterrâneos, os países do Leste Asiático, os países latino-americanos foram, todos eles, em
cada pais corno caso único, excepcional, irredutivel e resistente a análises mediante categorias de
algum momento, vistos como "excepcionais".
mais alto grau de generalização.

38 39
POI inCM r.JÚ~1 !CA~ NO BItAStl Estado de Bem-Estar. Desenvolvimento Econômico e Cidadania

de "hibridismo" (Esping-Andersen, 1997) ou ainda a "vía media" (Moreno & Tratando dos casos dos países mediterrâneos, Castles (1993) desenvolveu
Sarasa, 1992; Moreno, 2000a, 2000b), destinadas a caracterizar países o grupos a noção de "família de países", por meio da qual buscou enquadrar os países
de países gue, supõe-se, apresentam simultaneamente características de duas sul-europeus, dotados de características gl!'e os distinguiriam de outras "famí-
ou mais classes originais." lias", em particular pelos seus peculiares condicionantes histórico-culturais, re-

Por sua vez, o argumento do grau de desenvolvimento postula a feridos especialmente a seus sistemas de valores, às suas tradições familiares e
inaplicabilidade dos tipos ou paradigmas, devido, em última instância, ao insu- religiosas, além das pertinentes às políticas e às instituições. Foi com tal pers-
ficiente nível de desenvolvimento da sociedade, da economia ou do próprio pectiva ampla que os sistemas de proteção social de países como Portugal,
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sistema de proteção social, comparado ao "desenvolvimento ótimo" alcança- Espanha, Itália e Grécia foram, desde então, qualificados e classificados como
do nos regimes originais. São recorrentes as referências mediante as quais ga- um tip-o 'ou regime particular, referido por meio de conceitos como "modelo
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ji nha corpo o argumento: "desenvolvimento embrionário", "incompleto", "baixa de bem-estar social do sul" (Ferrera, 1996, 1997,2000), "Estado ou regime de
I: extensão do assalariamento", "altos graus de exclusão social", "baixa cobertu- bem-estar mediterrâneo" (Ferrera, 1996, 1997; Moreno, 2000a), "vía media"
il

-.I: 1:
ra dos programas sociais" etc. Isso mesmo quando as evidências empíricas e de desenvolvimento do bem-estar" (Moreno & Sarasa, 1992; Moreno, 2000b).

I: as comparações históricas tenham demonstrado não haver correlação estreita Há aqui um claro esforço para ir além do entendimento destes casos tão-
~1
entre graus de modernização (graus de industrialização, urbanização etc.) e somente como subtipos dos regimes previamente definidos, ou então como
.~ a emergência e a expansão do Estado de bem-estar social, indicando ademais a formas ainda não desenvolvidas, atrasadas ou incipientes dos mesmos (Rhodes,
importância dos pré-reguisitos internos, dos fatores políticos e dos mecanis- 1997; Flaquer, 2000). Ao contrário, o regime de bem-estar do sul da Europa
~~ mos internacionais de difusão na "antecipação" de tal emergência." constituiria, para os autores citados, uma configuração histórica própria, legiti-
I'
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Resistindo aos dois tipos de argumentos, vários autores trataram de ex- mamente identificada por características históricas e culturais comuns, as quais
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plorar a possibilidade de construção de novas categorias de regimes e ou constituiriam, portanto, os fundamentos de um quarto tipo ou regime, que se
de tipos de Estados de bem-estar, mais sensíveis às peculiaridades históricas agregaria aos anteriormente elaborados por Esping-Andersen.
I1
de países e regiões não bem enquadrados nas classificações estabelecidas, como Mais que agregar dimensões critérios de Esping-Andersen, a marca

I é o caso dos países do sul da Europa e do Leste Asiático. metodológica dos autores foi identificar, nos quatro países, características prin-
cipais e predominantes, que redefinern o conjunto dos componentes e proces-
I 22 É clássica a caracterização que fez Theda Skocpol da dualidade do sistema de proteção social dos sos de seus sistemas de bem-estar, diferenciando-os dos outros regimes. São
I Estados Unidos (lhe lwo-lrafk 'lslem), por apresentar simultaneamente características de um Estado
as seguintes as características apontadas: "a dualidade da sociedade, em relação
de bem-estar do tipo patriarcal, que protege o homem - provedor -, e do tipo rnarernalista, que
protege a mulher enquanto mãe. Esping-Andersen (1997) chamou a atenção para a singularidade à proteção social";" "o decisivo papel da família na provisão social
~ do caso japonês, quali ficando-o como "híbrido" por combinar características dos regimes liberal
11 e conservador. Luis Moreno denomina "na media" o Estado de bem-estar espanhol, que incorpo- (familisrno)";" "a peculiar estrutura da provisão social?" e a "significativa pre-
1 raria elementos tanto das tradições bismarckianas como da tradição beveridgeana (M.oreno, 2oooa,
2000b).
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2~ I)adas a grande extensão da economia informal e, mais recentemente, do desemprego, os sistemas
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j 2} Além da não-correlação entre nível/duração da industrialização e extensão do Estado de bem-
de proteção social dos países do sul da Europa tendem a cobrir apenas uma parte da população,

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estar, as evidências indicam maior relação com a urbanização que com a industrialização assina-
segmentada então entre protegidos e não protegidos.
'1 iando, por exemplo, gue, na Europa, sua emergência se deu antes na Alemanha de Bismarck,
menos industrializada na época que a Inglaterra e os Estados Unidos. Na América Latina, surge já 25 Referida como "familisrno", a característica indica o papel desempenhado pela família no bem-
nos primeiros momentos da industrialização, ames, portanto, das fases em que surgiu nos países estar de seus membros, por meio de transferências intrafamiliares de natureza material e irnaterial.
europeus ou nos Estados Unidos. Emerge mais tardiamente no Japão do que em outros países especialmente das atividades de cuidados prestadas pelas mulheres. O alto valor con ferido à
menos industrializados do Leste Asiático (pierson, 2003; Kuhnle & Hort, 2003). Antecipação de familia e o baixo grau de individualização de seus membros expressariam tal característica.
demandas e respostas a déficirs de legitimação são argumentos cornurnente utilizados por autores ~6 Referência à composição específica da provisão social, que combina benefícios ocup acionais a
que enfatizam a intervenção de fatores políticos na precoce emergência dos modernos sistemas um programa universal de saúde (além da educação básica) e à ausência de programas de assistên-
de políticas sociais. cia social e apoio familiar, sempre em estruturas organizacionais marcadas por forte fragxnf:ntí.\'ião.

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POLi nc. .•..
s PUBUCI\S NO HJiASlt Fstado de Rem-Estar. Dcscnvolvuncnto Econômico e Cid:.ldania

sença de mecanismos políticos discricionários na distribuição dos benefícios de abordar as particularidades culturais, tais estudos destacaram, naquelas ex-
sociais':" (Castles, 1993; Ferrera, 1996, 1997; Flaquer, 2000). periências, a peculiar relação entre desenvolvimento econômico e política social,
Ferrera (1996, 1997,2000) e Rhodes (1997) qualificam ainda o modelo relação retratada por muitos como a "dimensão desenvolvimentista" dos
mediterrâneo com base nas seguintes características: alta fragmentação Estados de bem-estar ali construídos (Esping-Andersen, 1997; Goodman, White
corporativa do sistema de seguridade social, internamente polarizado e bas- & Kwon, 1998; Gough, 1999, 2000; Kuhnle, 2002; Holliday, 2000; Kwon,
tante generoso com grupos privilegiados (funcionários públicos, por exem- 1997, 1999, 2002, 2003; Aspalter, 200]; Chang, 2002; Pcng & Wong, 2002;
plo); reduzida presença do Estado e confLitiva ação de atores e instituições; Uzuhashi, 2003; Miyamoto, 2003; Kim, 2005; Kuhnle, 2002; Davis, 2001)
forte influência da Igreja católica; persistência do cLientelismo e de "máquinas Com pequenas diferenças, os autores tendem a concordar serem os se-
de patronagem" na distribuição seletiva das transferências monetárias; um sis- guintes os atributos básicos de seus sistemas de proteção social: a predomi-
tema universalista (não-corporativista) de saúde; gestão burocrática pouco efi-
I
nância dos objetivos do crescimento econômico sobre os sociais, retratada
ciente, burocratizada e politizada. nos modestos níveis do gasto social (Kwon, 2003; Peng & Wong, 2002); o
Como se pode supor, há dissenso entre os autores sobre vários aspectos papel relativamente reduzido do Estado na provisão social, sendo maior a
tais como a inclusão ou não da Grécia; a diferenciação interna entre os países, participação da família, das empresas e das organizações filantrópicas (Kwon,
os ibéricos de um lado, Itália e Grécia de outro; a homogeneidade de critérios 1999, 2002, 2003); os reduzidos direitos sociais universais e o direcionamento
ete. (Ferrera, 2005; Ebbinghaus & Manow, 2001)28 Por outro lado, as elabora- da proteção social apenas aos trabalhadores assalariados dos setores público e
ções são ainda embrionárias, requerendo amplas e profundas investigações privado; e finalmente a posição central da família como valor e referência,
históricas. Entretanto, a tradição dos estudos "mediterrâneos" sobre o Estado promovendo a independência dos seus membros em relação ao Estado."
de bem-estar parece não só ter se afirmado, como suas contribuições i Entre tais características, destaca-se a especificidade da articulação entre
metodológicas já se mostram bastante úteis. política econômica e política social, mais precisamente a incorporação da po-
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Os países do leste e do sul da Ásia - cujos estudos sobre o welfare State lítica social à estratégia estatal de desenvolvimento econômico, tendente a ca-
foram postergados por muito tempo em razão das fortes diferenças com os nalizar recursos da seguridade social para os investimentos em infra-estrutura
países ocidentais - constituem hoje outro estimulante laboratório no qual vêm I (Goodman & White, 1998; Kwon, 2003). Dadas estas peculiaridades comuns,
sendo testadas a força e as debilidades dos regimes de bem-estar social, como grande parte dos autores considera o sistema de proteção social do Leste Asiá-
instrumental para a análise comparativa. Os estudos sobre seus sistemas de tico como um quarto ou tjuinto tipo ou regime de bem-estar, qualificando-o
bem-estar multiplicaram-se notavelmente, na última década." ampliando-se por exemplo como "Estado produtivista de bem-estar" (Holliday, 2000), ou
significativamente o conhecimento sobre cada país, região e sub-regiões. Além "Estado desenvolvimentista de bem-estar" (deve!opmenta! lveifare State) (Gough,
1999,2000; Kuhnle, 2002; Chang, 2002; Kwon, 2002).
:7 Referência a características políticas da dinâmica daqueles sistemas, tais como o corporativisrno,
o dientelismo e as "máquinas de patronagem", controladas por partidos políticos. Além dos positivos avanços do conhecimento, os dois grupos de estudos
211 Para Maurizio Ferrera, O sul da Europa não conforma uma região homogênea, e dificilmente os
quatro países podem ser classificados em uma mesma família de nações, dadas as suas diferenças. aqui comentados vêm desenvolvendo metodologias e conceitos especialmente
Ainda assim, haveria entre eles suficientes evidências de similaridades e experiências comparti-
lhadas, que justificariam sua aproximação, nas análises comparadas especialmente sobre os Esta- JO Os primeiros estudos desenvolveram-se com uma visão positiva do orienralisrno, enfatiz ando as
dos de bem-estar (Ferrera, 2005). tradicionais virtudes do "sistema confuciano de bem-estar" Gones, 1993) - relativas ao rapei da
farnilia e da filantropia privada, sempre com O objetivo de evitar a dependência do Estado .- e, no
:9 Segundo os analistas, os estudos foram motivados sobretudo pelo extraordinário crescimento
plano dos valores, os principies de solidariedade não igualitária, da subsidiariedade, da hierarquia
econômico do Japão e dos N1Cs (N<lv!y Tnduslriali:::.,d Coul/lrier) do pós-guerra em diante; pela
e da ordem. Na segunda metade dos anos 1990, uma nova onda de estudos, em diálogo mais
particular combinação de dinamismo econômico e coesão social; pelos resultados sociais impor-
próximo com o enfoque dos regimes e em perspectiva mais crítica quanto às 'vantagens' do
tantes (em especial em educação, saúde, além dos baixos níveis de criminalidade) e por um baixo
confucionismo, orientou-se por análises mais integradas das variáveis culturais, econômicas,
nível do gasto social (Goodrnan, White & Kwon, 1998).
sociais, políticas e institucionais.

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Po:"Í1!CAS Pll!:lUCAS NO BRASil
Estado de Bern-Esrar. Desenvolvimento Econômico e Cidadania

interessantes para investigações similares em outros países e regiões, especial- mecanicistas da clássica teoria da modernizaçáo " ou nas suas várias traduções
mente para o estudo do Estado de bem-estar na América Latina." Entretanto, quantitativistas?33 Incorporando a critica a tal teoria, o ressurgimento contem-
a dimensão histórica e temporal não parece esgotar-se no enfoque dos regi- porâneo da problemática da moderrudadc'" coloca em outros termos a inves-
mes, claramente limitado quando se trata de captar características da dinâmica tigação histórica sobre o Estado de bem-estar, tratando de identificar desde
do Estado de bem-estar social, na sua relação com a estrutura social. Enfren- suas origens as variadas rotas seguidas por grupos de paises na sua transição
tar tal desafio pareceria ser o passo intelectual de autores que buscam em para a modernidade.
renovadas versões das teorias da modernização e do desenvolvimento o ins- Goran Therborn, no seu ambicioso estudo European Modernity and Bryond:
trumental analítico adequado para o tratamento histórico e integrado dos pro- the trajectory of European soaeties 1945-2000 (Therborn, 1995), examina as raizes
cessos de transformação econômica e desenvolvimento social das sociedades das características regionais em quatro diferentes rotas de transição, segundo as
modernas. condições e temporalidades com que cada região se incorporou ao processo
'dI
I geral de modernização capitalista (Therborn, 1995, 2004b): a "rota européia
!
Raizes Históricas dos Tipos e Regimes de Bem-Estar: distintas endógena"," as "sociedades de colonos nos Novos Mundos" (em suas ver-
rotas da modernidade
tentes de "colônias de genocídio e colônias de assentamento")," a "zona colo-
Tal como aqui é entendido, o Estado de bem-estar é um fenômeno nial da África e da maior parte da Ásia"37 e os "países de modernização reativa,
histórico moderno, isto é, as instituições da política social acompanharam o induzida desde o exrerior'l."
processo de desenvolvimento e modernização capitalistas em sentido preciso. Elaboradas segundo critérios próprios da dinâmica histórica, as rotas re-
Ao provocar a migração de grandes massas humanas do campo para as cida- metem às configurações histórico-institucionais presentes no ponto de partida
des, tal processo introduz desequilíbrios e mesmo destruição das comunidades ta Resumidamente, o núcleo de tal teoria é o processo de mudança de um a outro modelo de
sociedade, ao longo do qual sociedades "agrícolas tradicionais" - marcadas por estrutura social
locais, de seus sistemas culturais e familiares, de seus tradicionais mecanismos
pouco complexa e pouco alterada no tempo, nas quais predominam a família estendida e relações
de proteção social. primárias entre as pessoas - se transformam em "sociedades urbano-industriais" - de estrutura
social drversificada e complexa, na qual predominam a família nuclear e relações secundárias,
Mas tal processo traz também consigo formas institucionais novas que, a mediadas por instituições, sociedades que se destacam ainda pelo seu dinamismo, isto é, por
estarem freqüentemente submetidas às inovações e à mudança. Em coerência com tais postula-
longo prazo, evitam ou reduzem a anomia em sociedades que se modernizam. dos, o Estado de bem-estar social tendeu a ser analisado segundo a "lógica da convérgência",
como se guardasse relações quase automáticas com os processos sociais maiores, a urbanização, a
Típicas da segunda metade do século passado, as instituições do moderno
industrialização, a transição demográfica, a estrururação de classes, o regime salarial e a nova
sistema de proteção social constituem em países de desenvolvimento tardio o institucionalidade do Estado que os acompanham (Amenta, 2003).
33 Com base em supostos gerais e nas abstrações da teoria da modernização, nada mais natural que
principal instrumento de compensação ou reequilíbrio, já que seus sistemas de 'medir' as diferenças de níveis de desenvolvimento entre países mediante algumas variáveis
seguridade social, educação e outros serviços sociais viabilizam o trânsito e a socioeconômicas e com o auxilio do 'rnetro' do contínuo tradicional-moderno, rural-urbano ou
outros.
incorporação das massas rurais na vida urbana na condição salarial 34 Referimo-nos especificamente às teorizações no campo da história econômica e social, particu-
lanncnrc ao debate sobre a "história global" e ô entrelaçamento de distintos processos e tempos
Como compreender tal processo e, mais ainda, como capturar as dife- de modernização (Chakrabarty, 2000: Therborn, 2004a, 2004b; Costa, 2005).
rentes situações históricas, sem cair nos conhecidos desvios e generalizações 35 Na qual as forças da moderrudade e da antimodernidade eram arribas internas, mobilizadas pelos
processos da industrialtzação, urbaniz açâo, a transição demográfica, a secularização, além das
novas instituições da democracia parlamentar, da centralização e da intervenção estatais.
36 Na qual as forças da rnodermzaçâc atuam simultaneamente contra as populações indígenas locais e
li Em outros trabalhos, buscamos demonstrar, por exemplo, a fertilidade analítica do conceito de contra o tradicionaLsrno de seus países de origem. Aqui se incluem as Américas do Norte e do Sul.
Estado desenvolvimentisra de bem-estar social, retomando o debate latino-americano sobre o " À qual a modemidade chegou de fora, em geral pela ponta do fuzil, mas logo se voltou contra os
tema e propondo o conceito de Estado latino-americano desenvolvimentista de bem-estar social
conquistadores coloniais.
como o conceito-chave para captar, ao longo do século X'X, as especificidades dos sistemas de
38 Países cujas elites, desafiadas e arneaçadas por potências imperiais externas, importaram seletiva-
proteção social da região, obviamente com a devida atenção para as diferenças que guardam entre
si (ver Draibe & Riesco, 2007). mente os modelos de moderuidade do exterior (por exemplo, o Japão).

44 45
,..,.

POlil,CAS PÚBLICAS NO 860:"51' Estado de Bem-Estar. Desenvolvimento Econômico e Cidadania

II do processo de modernização, quando se embatem forças pró e contra a ças, idosos, portadores de deficiências, assim como o acesso a recursos c ati-

II, modernidade. Ai também se enraízam características distintivas


sistemas de bem-estar. De particular utilidade é a sugestão do autor sobre o
dos futuros vos sociais, econômicos e simbólicos, internos e externos à instituição familiar.
Para facilitar a referência futura, denominaremos cuidados domésticos a este
"11 entrelaçamento entre instituições tradicionais de proteção social e as novas conjunto de tarefas e atividades.
r instituições que começam a se construir, com a modernização. Entre as pri- O papel da família na provisão social foi enfatizado já nas primeiras levas
mei.ras, destaca e explora, com ricas sugestões, os tradicionais sistemas de de estudos comparados sobre o welfare State, em especial nas abordagens fun-
regulação familiar e demográfica, confrontados com os sistemas e tradições dadas na sociologia histórica e nas várias versões das clássicas teorias da mo-
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I
que trazem consigo os "modernos". dernização. Muito resumidamente, pode-se afirmar serem dois os argumen-
As interessantes elaborações de Therborn foram exploradas com relativo tos principais: o reconhecimento de que, desde tempos imernoriais, a família
êxito por Ian Gough (1999, 2000), que tratou de estabelecer relações entre os cumpre funções cruciais na reprodução, desenvolvimento e sociali.zação de
padrões de modernização e as atuais configurações dos Estados de bem-estar. seus membros e, em segundo lugar, o entendimento de que o longo ciclo
Do mesmo modo, Draibe e Riesco (2007) exploraram esta vertente em rela- histórico de transição das sociedades tradicionais às sociedades modernas e
ção à América Latina. contemporâneas registra significativas mudanças na porção da reprodução
social que se mantém sob responsabilidade familiar. Reduções em tal partici-
As Dimensões de Família e Gênero do Estado de Bem-Estar: pação se dariam na medida em que fossem sendo transferidas a outras institui-
desenvolvimentos teóricos recentes ções da sociedade as funções e tarefas antes realizadas exclusivamente no espa-

Sabidamente, gênero e familia são dimensões constitutivas do Estado de ço familiar ou na comunidade de entorno (Gough, 1979; Flora &

bem-estar. Definem suas estruturas, interferem em seus efeitos e impactos e, ao Heidemheimer, 1981; Flora, 1986; Therborn, 1985).

mesmo tempo, são afetadas por eles. De um ponto de vista dinâmico, é impor- Mais tardio foi o reconhecimento do papel constitutivo da relação de

tante reconhecer que mudanças nas estruturas das famílias e na situação social da gênero nas estruturas e efeitos do Estado de bem-estar, processo intelectual
mulher acompanham de perto as mudanças nas estruturas e dinâmicas do Estado que resultou, aliás, da crítica feminista à teorização dos "regimes de bem-
de bem-estar. Por outro lado, do ponto de vista comparativo, as variedades de estar" de Esping-Andersen (Skocpol, 1992; Lewis, 1992; Sainsbury, 1994, 1999;

tipos e regimes de Estado de bem-estar tendem a refletir também as variações Odoff, 1993, 1996; Odoff, Clemens & Adams, 2003).39 Muito sinteticamente,
das estruturas familiares e da situação social das mulheres. são os seguintes os argumentos manejados pelas teóricas feministas, nas suas

É nesta perspectiva que se examinam, nesta seção, as contribuições da leituras e narrativas críticas sobre as tipologias dominantes.

produção teórica contemporânea para a análise comparada dos regimes de Do ponto de vista da provisão social, os sistemas de proteção social se
bem-estar. erigem sobre urna dada divisão sexual do trabalho, que reflete, na realidade, a
estrutura de poder predominante nas t"amiLias.O patriarcado, ou a família
Família, Gênero e Estado de Bem-Estar: dimensões e conceitos patriarcal, constitui o modelo típico de família, fundado na superioridade hie-
rárquica do homem sobre a mulher e reforçado ainda pela legislação c pelas
Família e gênero se assentam em uma base conceitual comum, com rela-
tradições relativas ao matrimônio.
ção aos sistemas de políticas sociais: a esfera doméstica da reprodução social e
a divisão sexual do trabalho que a fundamenta. Em termos contemporâneos,
39 Orloff (1996) e Walby (2001) minimizam tal critica, recordando que, embora não central, a
tal porção da reprodução social abarcaria as atividades de procriação, a ali- dimensão de gênero sob a forma família ocupava importante espaço nas npologias de Esping-
Anderson, em especial na sua caracterização dos regimes liberal e conservador.
mentação, os cuidados de proteção física dos membros dependentes, crian-

46 47
"!t ,
POLÍTlC"*I.S PÚP.UCA$ NO BRASil

brado de Bem-Estar. Desenvolvimento Econômico t: Cidadania

Em tal estrutura de poder e divisão sexual do lrabalho, a posição


de bem-estar, o tipo do homem provedor! mulher cuidadora, revelando-se
social da mulher tende a se fixar sob o primado de dois princípios: o
teoricamente insensíveis a outros modelos, às mudanças nos padrões predo-
"princípio da manutenção", ou seja, a regra pela qual cabe ao homem (por
minantes, assim como aos processos geradores de mudanças."
isso mesmo, o homem provedor) a responsabilidade pela manutenção da
Partindo de tal constatação, a vertente feminista de estudos sobre o Esta-
mulher e da fanúlia, e o "princípio dos cuidados domésticos", isto é, a
do de bem-estar deu lugar a uma volumosa e bem disseminada produção
regra pela qual cabe à mulher a responsabilidade pelas atividades de cuidados
intelectual, ainda que heterogênea, dividida em incontáveis correntes e orienta-
dos filhos, esposo, membros mais velhos, dependentes e/ou enfermos
ções. É também indiscutível o êxito com que impactou as teorizações prévias
ete. (Sainsbury, 1999). Ora, se se considera que, em termos da economia
que, explícita ou implicitamente, passaram a incorporar as dimensões de gêne-
capitalista, as atividades de cuidado doméstico 'constituem trabalho não
ro e família em suas forrnulaçôes."
remunerado, pode-se concluir que sob as instituições capital.istas da prote-
Para a análise comparada dos Estados de bem-estar, a contribuição dos
ção social, isto é, sob o Estado de bem-estar, a oferta de bens e serviços
estudos feministas é definitiva. Afastando-se de posições simplistas, negativas
sociais se apóia em uma dada composição de trabalho remunerado e tra-
e mecanicistas que eventualmente marcaram as primeiras ondas de estudos
balho não remunerado:o cabendo preponderantemente à mulher a realiza-
ção deste último. feministas sobre o tema, a literatura contemporânea defende com argumentos
convincentes que:
Como pensar, nestas condições, a evolução do Estado de bem-estar e,
sobretudo, suas variações nacionais? O processo de elaboração das tipologias As relações entre gênero e família, de um lado, e instituições da politica

clássicas de Estado de bem-estar, segundo a argumentação das teóricas femi- social, de outro, são biunívocas. Os efeitos e impactos são mútuos e

nistas, privilegiou a relação Estado-mercado, as dimensões econômicas, assim devem ser arialisados.f

institucionais e politicas e, especialmente no caso de Esping-Andersen, os pro-


• As mulheres se relacionam com o Estado sob distintos perfis e uma
cessos de estratificação social e desmercantilização dos bens e serviços sociais.
rnultiplicidade de relações: como cidadãs, como esposas dependentes
I Ao deixar de lado as dimensões familiares e de gênero, tal elaboração teria
de marido, como mães, viúvas, mulheres sós com responsabilidade de
também deixado de considerar fatores explicativos cruciais para o entendi-
II chefia de família, trabalhadoras assalariadas, clientes e/ ou consumidoras
mento tanto da evolução e mudança do welfare State ao longo do tempo,
i: (Sainsbury, 1996). Dinamicamente, agem como atores, agentes e/ou

lli
!
quanto da sua variação nas distintas experiências nacionais. Fatores como os
valores ético-culturais e ideológicos; as representações sociais de feminilidade/
sujeitos da ação social (Odoff, Clemens & Adams, 2003; Korpi, 2000).

masculinidade e maternidade; as estruturas de obrigações e deveres para com • Igualdade e identidade polarizam as demandas das mulheres por
II reconhecimento e direitos, projetando uma matriz de tensão ou
os membros mais velhos e menores; a desigual distribuição sexual do tempo
de trabalho, todos eles se traduziram e se materializaram, no plano das politi- contradição nem sempre passíveis de solução (Pateman, 1988;

ri cas sociais, nas desigualdades entre homens e mulheres quanto aos direitos e ao
~l Lewis (1992) argumenta que a desigual divisão sexual do trabalho remunerado e não remunerado
I'I acesso aos programas e benefícios sociais, enfim, na definição da própria cida- rompe com as fronteiras da "mcrcantilizaçâo" c "desrnercantiliz açâo". Segundo a autora, do
ponto de vista da mulher, a cidadania social e a autonomia se apoiariam em processos distintos,
li dania (Orloff, 1996). Em razão de limitações intelectuais como estas, as referi- entre eles a "desfarniliarizaçâo" das atividades de cuidados domésticos.
I! das tipologias puderam captar, no melhor dos casos, um tipo único de Estado ~::! Bem conhecida. foi a reação de Esping-Andersen às críticas das feministas. Em trabalho posterior,
O autor incorporou, ao lado da desmercantilização, os graus de desfamiliarização como atributos
11
distintivos dos regimes (Esping-Andersen, 1999).
li "3 Leis relativas ao matrimônio, à política fanLiliar e às instituições da política social produzem
Além dos bens e serviços da oferta pública universal.

I
.4(}
efeitos na situação da mulher, nas relações e papéis de gênero. mas os efeitos do Estado podem
ser tanto negativos corno pOSitiVOS, em relação à emancipaçâo feminina (Sainsbury, 1996).

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49
Estado de Bem-Estar. Desenvotvtmeruc Econômico e Cidadania
PoLÍrlCA,S Púuucxs NO BRASil

Sainsbury, 1996; Odoff, Clemens & Adams, 2003)44 Se as mulheres Provavelmente, o mars ambicioso objetivo dos estudos feministas foi o
querem ser reconhecidas como cidadãs, portadoras de direitos iguais de fundar em seus conceitos e categorias específicas uma nova tipologia de
aos dos homens, demandam também, e cada vez mais, o Estados ou regimes de bem-estar. Se, a princípio, se tratava de identificar tra-
reconhecimento da diferença, ou seja, da sua identidade especifica, ços ou variações dentro dos regimes gerais - por meio de conceitos tais corno
especiahnente dos seus direitos reprodutivos como mães. patriarcado, maternalismo," ou uma combinação destes _,48 posições contem-
porâneas bem mais radicais tratam, no limite, de substituir as tipologias criticadas
• Em relação ao trabalho, as mulheres se encontram em uma desigual e
por novas, fundadas em categorias de gênero.49 Certamente, as teorizações
contraditória situação: os trabalhos de cuidado são realizados praticamente
sobre os regimes de bem-estar na ótica de gênero não lograram se constituir
só por elas, sem remuneração; no mercado de trabalho sofrem
ern alternativas consistentes às tipologias que criticavam, limitação aliás admiti-
discriminação de salário e de posições. A distribuição do tempo de trabalho
da por várias teóricas feministas (Orloff, 2003; Sainsbury, 1999; Walby, 2001).
entre trabalho não remunerado (cuidados domésticos) e trabalho
E dificilmente poderiam sê-lo, enquanto mantivessem longe de suas conside-
remunerado tende a ser tensa, mas não definitivamente contraditória,
rações as relações Estado-mercado, o trabalho assalariado, a estrutura social,
dependendo de políticas de conciliação por parte do Estado."
os processos de mercantilização e estratificação social, ou seja, as relações
• As politicas sociais para as mulheres e as famílias obedecem a duas estruturantes e deterrninantes não somente da economia, mas em geral da
vertentes: as que enfatizam a eqüidade, favorecendo a participação sociabilidade capitalista, terreno social no qual se armaram e se redefinirarn as
da mulher no mercado de trabalho em condições idealmente iguais estruturas do Estado de bem-estar. Levada a suas últimas conseqüências, tal
às do homem, e as que enfatizam a diferença, favorecendo a separação apontaria, na verdade, para a impossibilidade de qualquer diálogo
permanência da mulher junto à família e no desempenho dos com as tipologias de regime de bem-estar, alternativa aliás defendida por cor-
cuidados domésticos. Medidas conciliatórias podem minimizar a rentes feministas radicais, de orientação culturalista extremada.
contradição entre os dois tipOS.46
47 De modo pioneiro, a tradição nórdica de estudos feministas elaborou dois modelos ideal-típicos
opostos, diferenciados segundo seus efeitos negativos ou positivos sobre a posição da mulher
• Entre as estratégias de conciliação, está o reconhecimento do trabalho em termos de benefícios sociais: o Estado de bem-estar patriarcal e o Estado de bem-estar
favorável às mulheres (Larsen, 1996). Com o foco em objetivos e estratégias, os modelos arque típicos
de cuidados como trabalho decente (Standing & Daly, 2001), como mãe-esposa e de igualdade de sexo são de uso generalizado (Daúne- Richard, 200 J). Eiriin Larsen
interação humana de qualidade (Williams, 2003), que requer (1996) faz uma boa resenha da evolução histórica dos estudos feministas sobre ideologia e
politicas maternalistas. De especial interesse é o seu resumo da interpretação maternalis ta do
remuneração elou apoio em programas como o de renda mínima Estado de bem-estar elaborada por Theda Skocpol, e o debate que gerou no meio acadêmico
feminista, ern especial sua discussão com Linda G ordon.
universal (Fraser, 1994). " O rrabalho de Skocpol foi pioneiro na demonstração da dualidade do sistema estadunidense de
proteção (lhe two-tiers ou lhe tno-trace ljJtem) e de que tal estilo de políticas resultou do ativisrno
t\ tensão (ou o Wol!stonecrcift~' di!emma, segundo Carole Pateman) assim se expressaria: ou a mulher
de por valores do e demandas de
se iguala ao homem, corno cidadã plena, o que de fato não se pode lograr nas estruturas patriarcais
exitos o mulheres reformistas, mobilizadas ma tern alismo

cidadania baseada em suas capacidades como mães responsáveis pelo cuidado de seus filhos,
da família e sob a norma salarial "masculina", ou sehrue a cargo do trabalho doméstico, que não
enfatizando, portanto, as diferenças mais que a igualdade com o homem. Por outro lado, a autora
conta para a cidadania e ademais a mantem marginalizada no mercado de trabalho (Pateman, 1988).
enfatiza que jamais se materializou nos Estados Unidos um Estado de bem-estar puramente
-lS A transferência para a esfera pública de parte dos trabalhos de cuidados domésticos, simultanea- matemalista (Skocpol, 1992; Odoff, 1996).
mente a um maior equilíbrio na distribuição dessas ativ-idades no interior da família, pareceria ser
Criticando o procedimento de meramente adicionar dimensões de gênero às tipologias corren-
a alternativa que permitiria ir além da dicotomia igualdade-diferença (Korpi, 2000), junto com
tes, Lewis e Ostner (1991) definem ü regime de bem-estar, em geral, como o "modelo do hornern
políticas de mercado de trabalho faciliradoras da conciliação entre trabalho remunerado e cuida-
provedor" (MHP), que diferenciam em seguida em forte (MHPF), moderado (MHPM) e débil
dos domésticos.
(Ml IPD), de acordo com o "grau de incidência" dos atributos do modelo crn cada país. Com base
Políticas que favorecem a par tici p acào da mulher no mercado de trabalho (políticas de em invesrigaçôes empíricas, Lewis (1992) classificou a Irlanda e o Reino Unido como tvfHP Forre,
"desfamilianzaçâo") e políticas que favorecem a permanência da mulher nos cuidados domésti- a França como MHP Moderado e a Suécia como MHP Débil. Em trabalho posterior, a mesma
cos (políticas conservadoras pró-família) produzem impactos distintos segundo os tipos, a com- autora (Lewis, 1997) propôs o conceito de "regime de cuidados domésticos", afirmando a
posição e os ciclos das farnilias: segundo a condição de esposa, viúva ou só da mulher; segundo centralidade do trabalho doméstico não remunerado na identificação das variações do Esr.ado de
a chefia das famílias, a presença e idade dos filhos ete. (Millar, 1996; Misra & Moller, 20(4). bem-estar.

50 5!
PmiTtCAS PU8! It.AS NO BR .•..5tl Estado de Bem-Estar. iJesenvolvimento Econômico e Cidadania

Mais recentemente, a possibihdade, mesmo que difícil, de integrar categoria; Vale mencionar ainda outras correntes femin.istas L]Uese dedicaram exata-
de gênero aos tipos de regimes de bem-estar foi explorada de modo destacado mente a explorar, em maior profundidade, as relações entre Estado de bem-
por Ann Schola Odoff (1993, 1996). Considerando de inicio a tripla base da estar e os gender regimes, concluindo em geral que as dimensões de gênero
provisão social - o Estado, o mercado e a família -, a autora propõe quatro recortam ou fragmentam os vários tipos ou regimes de bem-estar. Em outras
critérios para a identificação das "lógicas de gênero" nos distintos regimes de palavras, as lógicas de gênero (ou os regimes de bem-estar de gênero) nem
bem-estar: a situação do trabalho não remunerado; a diferenciação e a desi- sempre coincidem com os tipos ou regimes gerais de bem-estar, mesmo quan-
I gualdade de gênero na estratificação social, gerada por diferenças no plano dos do estes tenham sido requalificados na perspectiva de gênero, nos moldes de
direitos; o acesso ao mercado de trabalho remunerado e a capacidade de formar Esping-Andersen (pelos graus de desfamiliarização).
.11 e manter autonomamente a familiaso Alternativas conceitualrnente sofisticadas Entretanto, afirmam, a distribuição dos atributos de um ou outro padrão
foram também buscadas por autores que tentam integrar de modo sistemático as não é absolutamente aleatória, obedecendo antes a certos padrões de coerên-
1I dimensões de gênero e as categorias gerais dos regimes, valendo-se de outras cia, dadas a base empírica e certas defin.ições comuns às duas configurações, a
categorias de nível in terrnediário, como a de gender policy regimeY Diane Sains bury de regime de bem-estar e a de regime de gênero. Coerências que podem ser
,I (1994, 1999) distingue três tipos-ideais de policy gender regimes: o do homem pro- identificadas, ainda que não sÍ!nultaneamente, nos vários planos da cultura, dos
vedor, o dos papéis separados por gênero e o do indivíduo provedor-cuidador.r' valores, da ideologia, assim como nas próprias políticas públicas ou ainda nos
I A alta capacidade analítica dos conceitos pode ser comprovada na competente efeitos cruzados entre atributos do regime de bem-estar, tradições e políticas
identificação de diferenças significativas entre países anteriormente classificados familiares, padrões e relações de gênero ete.
pelas tipologias correntes em um mesmo regime de bem-estar social, como era
Por exemplo, Walby (2001) caracteriza o regime de gênero mediante a
o caso dos países nórdicos (Sainsbury, 1999).53
trama de atributos relacionados a emprego, trabalho não remunerado, Estado,
violência masculina, sexualidade e, especialmente, as características culturais,
50 Este último critério - capacidade de formar e manter autonomamente a família - parece particu-
larmente interessante por sugerir a possibilidade de se estimar o grau de independência do chefe entre elas as ideologias relacionadas a família e gênem. Ora, estas não são,
da família, mulher ou homem, independentemente das variadas formas que podem fundamentar
afinal, as mesmas características que também e simultaneamente distinguem os
tal independência: trabalho remunerado, transferências monetárias baseadas em direitos, ou
outras. regimes de bem-estar? Pois então, ainda que não se esgotem um no outro,
5\ O poliry gCllder regime se define pelo conjunto dos seguintes atributos diferenciais: a divisão sexual
do trabalho (homem provedor/mulher cuidadora); igualdade ou diferença de gênero na defini-
os regimes de bem-estar e os regimes de gênero se interpenetram. Para Sa.iosbury
I ção do entitlement; o recipiente do benefício (se o chefe da família, ou o homem provedor, ou a
mulher cuidadora, ou cada um dos indivíduos, sejam os dependentes, sejam os autônomos);
(1999), tal interpenetração é real, ocorrendo principalmente por meio dos prin-

"~I regras e incentivos fiscais (base matrimonial ou individual da taxação de impostos, com ou sem
deduções dos gastos familiares); políticas salariais e de emprego; esfera pública/privada dos
cípios de direitos que definem os regimes de bem-estar - os princípios de

serviços de cuidados; remuneração ou não das atividades de cuidados etc. (Sainsbury, 1999). manutenção; cuidados domésticos; necessidade; trabalho/situação profissio-
52 Em Sainsbury (1999), o ma/e breaduanner regime se baseia em uma estrita divisão sexual do trabalho, nal; cidadania/residência -, assim como os efeitos que produzem sobre as
no modelo do homem provedor e no princípio da manutenção. Já o regime de papéis separados
por gênero se apóia igualmente na estnta divisão sexual do trabalho, mas se organiza segundo Os relações de gênem e as estruturas de demanda que engendram (Sainsbury,
dois princípios, o de manutenção t: o de cuidados, reconhecendo, neste último, os direitos da
mulher como cuidadora (direitos reprodutivos e de mães) .. Diferentemente, o regime do indivi- 1999). Reações que autorizam a autora a afirmar que o policy gender regime varia
duo provedor-cuidador se apoiaria em funções compartilhadas por homens e mulheres tanto segundo o regime de bem-estar e ainda segundo a distância que um deterrni-
como provedores quanto como cuidadores, e em iguais direitos fundados em sua condição de
cidadão. Em trabalho anterior, a autora trabalhou apenas com o primeiro e o ulumo dos modelos nado país guarda em relação ao regime sob o qual se classifica.
referidos (Sainsbury, 1994).
II As tipificações de gênero, como lógicas ou como regimes, enfrentam
I' " O instrumental dos poli':) gender regimes permitiu a Sainsbury (1999) identificar importantes diferen-
ças de gênero entre os paises escandinavos (Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia) - qualifica-
il também as conhecidas limitações do formalismo e das generalizações ideal-
dos, todos eles, entretanto, como regimes social-democratas ele bem-estar, segundo a tipologia de
fi Esping-Andersen . típicas. Enfrentam com dificuldades os casos especificas, discordantes ou de-

•I! 52 S3
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POliIIC ..•.
S PÚBlIC ..•.
S NO BRASil Estado de Bem-Estar, Desenvolvimento Econômico e Cidadanl<l

rivados, e ademais se mostram insuficientes quando se trata de entender, no, própria da Europa e dos assentamentos europeus de ultramar.v "a família
estudos comparados, as relações causais - o porquê das diferenças, para dizê- islârnica" da Ásia Ocidental e da África do Norte;" "a família hinduísta" da
10 rapidamente -, ou quando se trata de explicar a mudança ent.re regimes ou Ásia do Sul;57"a familia confuciana" da Ásia Oriental- Japão, Coréia, Vietnã,

II' no interior de um mesmo regime.


A busca das raizes históricas das diferenças de gênero e familia nos siste-
China" e "o conjunto familiar da África Subsaariana"."
sistemas intersticiais, que resultam da interação de dois ou mais dos anteriores:
Classifica ainda dois

mas de políticas sociais, conjuntamente com a investigação dos fatores dinâ- "a família do Sudeste Asiático" (Sri Lanka, Filipinas, Myanmar, Tailândia, Malásia,
I, micos que impulsionam as mudanças, abriram uma nova frente de pesquisa Indonésia, Vietnã do Sul)60 e "o modelo familiar crioulo", das Arnericas'"
I:
I'
histórica para os estudos comparados dos regimes de bem-estar. Curiosa- (Therborn, 2004b).

J,J mente, foram em parte os estudos feministas, e suas fecundas contribuições,


que motivaram as novas linhas de investigação, apoiadas também, diga-se de
passagem, nas tradições de estudos históricos comparados em antropologia,
Os sistemas

localizar-se
familiares

no centro
guardam
ção; por outro lado, as relações intergeneracionais
do embate
relação com as rotas de moderniza-

entre modernidade
das famílias costumam
e antimodernidade
demografia e sociologia. (Therborn, 2002).
I:
Para os estudos comparados sobre o Estado de bem-estar, a linha de
..li Sistemas de Famílias e Tipos de Estado de Bem-Estar: raízes
investigação aberta por Therborn parece vital. Inscritos na tradição das
históricas dos sistemas de proteção social
li
I'
análises integradas e históricas da sociedade, conceitos como o das rotas da
I' O conhecimento acumulado pelos estudos de gênero e outros mostrou,
I' S5 Caracterizada pela regulaçâo bica (ou semilaica) das relações familiares; matrimônio contratual,
I:
11
entre outras coisas, que a família é parte inseparável das estruturas do Estado monogámico, COm livre escolha do par; parentesco bilateral; ausência de obrigação com os
ancestrais; avaliação moral negativa da sexualidade como tal (Therborn, 2004b).
liI
de bem-estar. Que os sistemas familiares são complexos, envolvem aspectos
36 Caracterizada pela regulação por meio de lei sagrada das relações de família; matrimônio contrarual,
econômicos, morais, culturais, religiosos, todos eles com fortes correspon- poligamia masculina delimitada, superioridade masculina (pertencirnenro patrilinear dos filhos,
divórcio por repúdio da mulher); proteção das mulheres (capacidade legal, direitos de proprie-
I dências em regras, normas e instituições que presidem a estruturação familiar. dade e herança das filhas); sexualidade regulada pela ordem marital (com variações segundo as
correntes do islamismo) (fherborn, 2004b).
Por isso mesmo, mudanças nas estruturas familiares tendem a ser lentas, quase
57 Caracterizada pela regulaçâo por lei sagrada das relações de família (hinduísmo); matrimônio por
seculares. É de esperar, portanto, que o conhecimento sobre os Estados de lei sagrada, indissolúvel e monogâmico, obedecendo a acordos por regras de endogami. de casta
e exogamia de linhagem; família patriarcal de estrutura patrilinear extensa, incluindo os filhos
bem-estar indague também sobre suas mais remotas raizes, suas configura- casados, com propriedade comum (Therborn, 2004b).
ções socioculturais originais, en tre elas a ins tituição familiar. se Caracterizada por regulação por lei sagrada das relações de famiLa (confucionismo); matrimônio
contratual, dissolúvel (por acordo mútuo ou por iniciativa do esposo); 'familia patriarcal, de
Esta é, aparentemente, a agenda de Therborn (2002, 2004a, 2004b), quan- linhagem patrilinear extensa (China) ou 'troncal O.pão), organizada por fortes relações
intergeracionais, veneração dos anciãos, valor das obrigações familiares e visão instrumental
do busca conhecer distintas configurações históricas das familias, ou os siste- masculina da sexualidade (Therborn, 2004b).

mas familiares, como os denomina, tal como se apresentavam no início do 59 Conjuntos de famílias regulados por sistemas e normas; matrimônio por alianças com pagamen-
tos de bens pela noiva; poligamia em grande escala, fecundidade valorizada; herança entre gera-
processo de modernização, para em seguida examinar seus ciclos de mudan- ções e membros do mesmo sexo; culto aos anciãos e ancestrais. (Variantes: o subsiste-na da Costa
Ocidental, com notável autonomia socioeconômica intramarital da mulher. e o do Sudeste e
ças ao longo do século XX. Sua metodologia" lhe permite identificar cinco
Centro-Oeste muçulmano, estritamente patriarcal. Entre os dois, se localiza a área matcilinear da
sistemas familiares e dois sistemas intersticiais, a saber: "a família cristã européia", África Central) (Therborn, 2004b).

Caracterizada pelo pluralismo religioso; matrimônio regulado por regras flexíveis de seleção do
par e de divórcio; estrutura familiar patriarcal; laços de parentesco bilateral (Therborn, 2004b).
61 Caracterizado por resultar da inrerpenetração entre o patriarcado europeu cristão dos coloniza-
S.. Inspirado na análise institucionalista, o autor privilegia três dimensões para a identificação dos
dores e as estruturas familiares das duas classes dominadas, os indígenas e os escravos negros
sistemas de famílias: o poder familiar interno (o patriarcado e suas variações), a regulação da
(variantes indo-crioula e afro-crioula); marcado pela dualidade de regras matrimoniais, por forte
ordem sexual (o matrimônio, a coabitação e os Limites entre sexualidade marital e não marital) e
proporção de pares informais e acentuada proporção de filhos fora do casamento (Therborn,
o comportamento da fecundidade {Therborn, 2004b). 2004b).

54 55
PoLÍ1ICA':. PURUCAS NO BRA~1l Estado de Bem-Estar. Desenvolvtrnento Econômico e Ctdadarua

modernização e o de sistemas familiares contribuem para superar, pelo menos identificadas raizes particulares das modernas estruturas e instituições da polí-
em parte, o formalismo das tipologias de regimes, oferecendo ainda uma tica social.
interessante alrernativa à compreensão de suas origens e dinâmica. Os estudos de gênero e família sobre os Estados de bem-estar avançam
Com respeito à América Latina, as investigações do autor constituem na mesma direção. Precisamente, o complexo e sofisticado corpo conceitual
ainda importante ponto de partida para a caracterização das estruturas familiares desenvolvido pelos estudos feministas amplia consideravelmente as capacida-
(fherborn, 2004a, 2004b, 2002). des analíticas referentes às dimensões estruturantes dos sistemas de proteção
social: os sistemas familiares e o papel da mulher na provisão social; os siste-
Observações Finais mas de valo.res e as regulações que estruturam o poder na familia e organizam
Mais que conclusões, estas notas finais chamam a atenção para o objetivo do os comportamentos matrimoniais e demográficos. 'Aqui também os novos

trabalho aqui apresentado: estimular e promover estudos futuros sobre os Esta- desenvolvimentos conceituais vêm gerando um fértil terreno que permite cap-
dos de bem-estar social na América Latina, convenientemente em investigações turar, com precisão, as características específicas e as variações históricas com

enraizadas em terreno conceitual amplo e comum, ou seja, no campo da análise que emergem, se desenvolvem e mudam os sistemas de proteção social.
internacional comparada sobre as formas e tipos de Estados de bem-estar. Dito de outro modo, todo o anterior constituiu um conjunto estimulante
Ninguém desconhece as grandes dificuldades que enfrenta um tal trata- de temas e sugestões metodológicas de inegável utilidade. Longe de sugerir
mento do tema. Entretanto, como pretendemos ter demonstrado ao longo qualquer inadequada 'aplicação' de conceitos, o objetivo deste balanço ou es-
do texto, o desenvolvimento recente das teorias sobre tipos e regimes de Es- I tado da arte foi o de explorar as potencialidades analíticas abertas pela literatu-
tadOs de bem-estar possibilita precisamente resgatar os traços específicos com ra contemporânea, tratando de identificar conceitos e matrizes analíticas que
que emergem as modernas instituições da proteção social em diferentes regiões venham a permitir uma profícua releitura dos variados sistemas latino-arneri-

do mundo, e em distintos momentos das suas histórias modernas. . canos de bem-estar.

Ao relacionar os distintos regimes de bem-estar com os padrões de mo-


dernização e de desenvolvimento econômico, a literatura contemporânea esti-
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r
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papers/ finland_oct2003.doc>. Acesso em: 07 mar. 2005. regras e modelos que regem sua decisão, elaboração, implementação e avalia-
ção. Vários fatores contribuíram para a maior visibilidade dessa área em países
como o Brasil. O primeiro foi a adoção de politicas restritivas de gasto, que
passaram a dominar a agenda da maioria dos países, em especial os em desen-
volvimento. A partir dessas politicas, o conhecimento sobre o desenho, a
implementação e o processo decisório das políticas públicas ganhou maior
importância e visibilidade. O segundo fator é que novas visões sobre o papel
dos governos substituíram as políticas keynesianas do pós-guerra por políticas
restritivas de gasto.

Assim, alguns governos p~ssaram a condicionar suas politicas públicas ao


cumprimento do ajuste fiscal e do equilíbrio orçamentário entre receita e despesa,
restringindo, de certa forma, a intervenção do Estado na economia e transfor-
mando as politicas sociais de universais em focalizadas. Essa agenda passou a
dominar corações e mentes a partir dos anos 80, em especial em países com
longas e recorrentes trajetórias inflacionárias como os da América Latina .:

O terceiro fator, mais diretamente relacionado aos países em desenvolvi-


mento e de democracia recente ou recém-democratizados, é que na maioria

Versão revista c ampliada de dois artigos publicados anteriormente. Ver Souza (2003, 2006).

64 65
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POdllCAS PlIBIIC..\S NO BRASil
Estado da Arte da PesQ.uis:l em Políticas Públic.as

desses países, em especial os da América Latina, ainda não se conseguiu for- então, mais na análise sobre o Estado e suas instituições do que na produção
1 mar coalizões políticas capazes de equacionar, minimamente, a questão de dos governos.

r como desenhar políticas públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento Assim, na Europa, a área de política pública vai surgir como um desdo-
I'
econômico e de promover a inclusão social de grande parte de sua população.
li
r
Respostas a esse desafio não são fáceis, nem claras ou consensuais. Elas depen-
bramento dos trabalhos baseados
Estado e de uma das mais importantes
em teorias explicativas sobre o papel do
instituições do Estado - o governo _,
dem de muitos fatores externos e internos. No entanto, o desenho das políti- produtor, por excelência, de políticas públicas. Nos Estados Unidos, ao con-
1
l cas públicas e as regras que regem suas decisões, elaboração e implementação, trário, a área surge no mundo acadêmico sem estabelecer relações com as
assim como seus processos, também influenciam os resultados dos conflitos bases teóricas sobre o papel do Estado, passando direto para a ênfase nos
:11 inerentes às decisões sobre política pública. Esses fatores contribuíram, assim, estudos sobre a ação dos governos.
para que a área de políticas públicas passasse a receber grande atenção, tanto O pressuposto analítico que regeu a constituição e a consolidação dos
em estudos acadêmicos como em trabalhos técnicos. estudos sobre poLíticas públicas é o de que, em democracias estáveis, aquilo
Este artigo trata dos principais conceitos e modelos de análise de políticas que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser (a) formulado cientifica-
:lIll
públicas, buscando sintetizar o estado da arte da área, ou seja, mapear como a
,,,I
I mente e (b) analisado por pesquisadores independentes.'
literatura clássica e a mais recente tratam o tema. Busca-se, também, construir
I algumas pontes entre as diferentes vertentes das teorias neo-institucionalistas e Os 'Pais' Fundadores da Área de Políticas Públicas
!
a análise de políticas públicas. O objetivo do artigo é modesto: tentar minimizar
I a lacuna da ainda escassa tradução para a língua portuguesa da literatura sobre
Considera-se que a área de políticas públicas contou com quatro grandes

il
'I
politicas públicas e, ao rever as principais formulações teóricas e conceituais
'pais' fundadores: H. Laswell, H. Simon, C. Lindblom e D. Easton. Laswell
(1936) introduz a expressão paliO' anatysis (análise de política pública), ainda nos
~I mais próximas da literatura específica sobre políticas públicas e da literatura
anos 30, como forma de conciliar conhecimento científico e acadêmico com
!II ! neo-institucionalista, contribuir para seu teste empirico nas pesquisas sobre
a produção ernpírica dos governos e também como forma de estabelecer o
políticas públicas brasileiras.
diálogo entre cientistas sociais, grupos de interesse e governo.
O texto está dividido em três partes. Na primeira, se rnapeia o surgimento
Sirnon (1957) introduziu o conceito de racionalidade limitada dos decisores
da área e se introduzem os principais conceitos, modelos analíticos e tipologias
públicos (paliO' makers), argumentando, todavia, que essa limitação poderia ser
passíveis de aplicação nos estudos sobre politicas públicas. Na segunda, apre-
minimizada pelo conhecimento racional. Para Simon, a racionalidade dos
sentam-se as principais distinções entre política pública e política social. Na
decisores públicos é sempre limitada por problemas tais como informação
terceira, discutem-se as possibilidades de aplicação da literatura neo-
incompleta ou imperfeita, tempo para a tomada de decisão, auto-interesse dos
institucionalista à análise de políticas públicas.
decisores ete., mas a rac.ionalidade, segun,do ele, pode ser rnaximizada até um
ponto satisfatório pela criação de estruturas (conjunto de regras e incentivos)
Como e Por Que Surgiu a Área de Políticas Públicas?
que enquadrem o comportamento dos atores e modelem esse comportamen-
Entender a origem e a ontologia de uma área do conhecimento é impor- to na direção de resultados desejados, impedindo, inclusive, a busca de
tante para melhor compreender seus desdobramentos, sua trajetória e suas rnaximizaçâo de interesses próprios.
perspectivas. A politica pública como área de conhecimento e disciplina aca-
dêmica nasce nos Estados Unidos, rompendo ou pulando as etapas seguidas
Para uma síntese da trajetória da área de politicas públicas, inclusive sua inserção acadêmica, ver
Parsons (1997).
pela tradição européia de estudos e pesquisas nessa área, que se concentravam,
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66 67
11

:11
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POLÍTICAS PÚBLICAS NO HKASll


Estado da Arte da Pe:s<.tuisaem Políticas Públicas

Lindblom (1959, 1979) questionou a ênfase no racionalismo de Laswell e da politica pública, isto é, o embate em torno de idéias e interesses. Por con-
Simon e propôs a incorporação de outras variáveis à formulação e à análise de centrarem o foco no papel dos governos, essas definições deixam de lado o
políticas públicas, tais como as relações de poder e a integração entre as diferentes seu aspectO conflituoso e os limites que cercam as decisões dos governos.
fases do processo decisório, o qual não tena necessariamente um fim ou um prin- Deixam também de fora possibilidades de cooperação que podem ocorrer
cípio. Daí porque as políticas públicas precisariam incorporar outros elementos à entre os governos e outras instituições e grupos sociais.
sua formulação e à sua análise além das questões de racionalidade, tais como o
No entanto, definições de políticas públicas, mesmo as mirurnalrstas, guiam
papel das eleições, das burocracias, dos partidos e dos gmpos de interesse.
o nosso olhar para o lócus onde os embates em torno de interesses, preferências
Easton (1965) contribuiu para a área ao definir a política pública como e idéias se desenvolvem, isto é, os governos. Apesar de optar por abordagens
um sistema, ou seja, como uma relação entre formulação, resultados e o am- diferentes, as definiçôes de politicas públicas assumem, em geral, uma visão
biente. Segundo ele, políticas públicas recebem inputJ dos partidos, da rnidia e holística do tema, uma perspectiva de que o todo é mais unportante do que a
dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos. soma das partes e que indivíduos, instituições, interações, ideologia e interesses
contam, mesmo que existam diferenças sobre a importância relativa desses
o Que São Políticas Públicas fatores.

Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política A política pública em geral e a política social, em particular, são campos
pública. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política multidisciplmares, mas cada qual adota um foco diferente, o que será discutido
que analisa o governo à luz de grandes ques tões públicas e Lynn (1980) como adiante. Por isso, uma teoria geral da política pública implica a busca por sinte-
um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters tizar teorias construídas no campo da sociologia, da ciência política e da eco-
(1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos go- nornia. Políticas públicas repercutem na economía e na sociedade, daí porque
vernos, que agem diretamente ou por delegação, e que mfluenciam a vida dos qualquer teoria da política pública precisa também explicar as inter-relaçôes
cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como "o que o entre Estado, política, economia e sociedade.
governo escolhe fazer ou não fazer"." A definição mais conhecida continua Essa é também a razão pela qual pesquisadores de tantas disciplinas -
sendo a de Laswell, ou seja, decisôes e análises sobre política pública im- economía, ciência política, sociologia, antropologra, geografIa, planejamento,
plicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que gestão e ciências sociais aplicadas - partilham um interesse comum na área e
diferença faz. ] á a definição mais clássica é atribuída a Lowi apud Rezende têm contribuído para avanços teóricos e ernpiricos.
(2004: 13): política pública é "uma regra formulada por alguma autoridade
, Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento
governamental que expressa uma intenção de influenciar, alterar, regular, o que busca, ao mesmo tempo, colocar o 'governo em ação' elou analisar essa
comportamento individual ou coletivo através do uso de sanções positivas ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo

J ou negativas". ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públi-


J Muitas definições enfatizam o papel da política pública na solução de cas constitui-se no estágio em que governos democráticos traduzem seus
J problemas. Críticos dessas definições, que superestimam aspectos racionais e propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações, que produzirão
proceclimentais das políticas públicas, argumentam que elas ignoram a essência resultados ou mudanças no mundo real.

Se admitirmos que a política pública é um campo holístico, isto é, uma

I 2 Há mais de quarenta anos, Bachrach e Baratz (1962) demonstraram


a um problema também é uma forma de política pública

68
que nào fazer nada em relação área que situa diversas
implicações i\ primeira
unidades em totalidades
é que, corno referido anteriormente,

69
organizadas, isso tem duas
a área torna-se

I
~, ~
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PatinC".5 Púe uc .•." NO ~"",S!l Estado da Arte da Peco ...


uisa em Políticos Públicas

território de varias disciplinas, teorias e modelos analíticos. Assim, apesar de () que distingue uma pesquisa em política pública de uma em política
possuir suas próprias modelagens, teorias e métodos, a polirica pública, embora social? Existem importantes diferenças, notadamente nos seus focos. Enquan--
tenha nascido como uma subárea da ciência política, a ela não mais se resume, to estudos em políticas públicas concentram-se no processo e em responder
podendo também ser objeto analítico de outras áreas do conhecimento, inclusive questões como "por quê" e "como", os estudos em políticas sociais tomam o
da econometria, já bastante influente em uma das subáreas da política pública, a processo apenas como 'pano de fundo' e se concentram nas conseqüências da
da avaliação, que também vem recebendo influência de técnicas quantitativas. política, ou seja, o que a política faz ou fez.
A segunda implicação é que o caráter holístico da área não significa que Essa aparentemente simples distinção tem, no entanto, implicações na
ela careça de coerência teórica e metodológlca, mas sim que comporta vários agenda de pesquisa. Estudos sobre política pública não focalizam necessaria-
'olhares'. Por último, políticas públicas, depois de desenhadas e formuladas, se mente o conteúdo substantivo da política, dai porque não assume importância
desdobram em planos, programas, projetos, bases de dados ou sistema de fundamental o objeto da política pública, dado que qualquer produção do
informação e grupos de pesquisa.' Quando postas em ação, ficam submetidas governo em qualquer área/setor pode ser tomada como ilustração do pro-
a sistemas de acompanhamento e avaliação. cesso. Estudos sobre política social, ao contrário, são demarcados pelo objeto
da política pública, focalizando, sempre, as questões que a política busca "re-
Política Pública e Política Social solver", os problemas da área e seus resultados.

Poucas vezes temos clareza de que existem distinções importantes entre


os estudos sobre política pública e aqueles sobre política social. Sabemos, como o Papel dos Governos

já referido, que ambos compõem um campo multidisciplinar, mas seus obje- Debates sobre políticas públicas implicam responder à questão sobre o
tivos e focos são diferentes. Estudos sobre políticas públicas buscam explicar espaço que cabe aos governos na definição e implementação de políticas pú-
a natureza da política analisada e seus processos. As primeiras pesquisas acadê- blicas. Não se defende aqui que o Estado (ou os governos que decidem e
micas sobre política social discutiram o Estado do bem-estar social, sua ori- implementam políticas públicas ou outras instituições que participam do pro-
gem e conseqüências e, diferentemente da política pública propriamente dita, cesso decisório) reflete tão-somente as pressões dos grupos de interesse, como
sua origem está mais na academia européia do que na norte-americana. A diria a versão mais simplificada do pluralisrno.
partir dos estudos pioneiros sobre o Estado do bem-estar, pesquisas sobre Tampouco se defende que o Estado opta sempre por políticas definidas
políticas sociais expandiram-se rapidamente. Essas pesquisas abrangem, na atua- exclusivamente por aqueles que estão no poder, como nas versões também
lidade, principalmente as seguintes áreas: política e gestão de serviços sociais, simplificadas do elitismo, nem que servem apenas aos interesses de determina-
principalmente saúde e educação no caso brasileiro; problemas sociais diver- das classes sociais, como diriam as concepções estruturalistas e funcionalistas
sos, mas, no caso brasileiro, pesquisas sobre segu.rança pública estão rapida- do Estado.
mente ganhando espaço na agenda; estudos relacionados com grupos
No processo de definição de políticas públicas, sociedades e Estados
rninoritários e excluídos - raça, gênero, pobreza, desigualdade social, todos
complexos como os constituídos no mundo moderno estão mais próximos
também bastante estudados no Brasil. Estudos sobre política social têm sido
da perspectiva teórica daqueles que defendem que existe uma "autonomia
particularmente abundantes e são, provavelmente, os que mais têm recebido
relativa do Estado", o que faz com que este tenha um espaço próprio de
atenção acadêmica no Brasil, assim como são, também, os mais disseminados.
atuação, embora permeável a in fluências externas e internas (Evans, Rueschmeyer
& Skocpol, 1985). Essa autonomia relativa gera determinadas capacidades, as
Muitas vezes) a política pública também requer a aprovação de nova legislação.
quais, por sua vez, criam as condições para a implementação de objetivos de

70 71
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j!'
(1
POlÍTtt.:.3S PÚtltlCA<; Nc) RR.,,'jIL
Estado da Ar te da Pe~Qpjsa em Polürcas Públicas

r.
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poJiticas públicas. A margem dessa autonomia e o desenvolvimento dessas Para Lowi, a política pública pode assumir quatro formatos. O primeiro
capacidades dependem, obviamente, de muitos fatores e dos diferentes mo- ~ é o das políticas dis tributivas, decisões tomadas pejo governo que
mentos históricos de cada pais.
t.
li desconsideram a questão dos recursos limitados, gerando impactos mais
I

I'
Apesar do reconhecimento
nos se envolvem na formulação
de que outros segmentos que não os gover-
de políticas públicas e no seu processo, tais
I individuais
em detrimento
do que universais, ao privilegiar certos grupos sociais ou regiões
do todo. O segundo é o das políticas regulatórias, mais visi-
I

I
como os grupos de interesse e os movimentos sociais, cada qual com maior veis ao público, envolvendo burocracia, políticos e grupos de interesse. O
I
L ou menor influência a depender do tipo de política formulada e das coalizões terceiro é o das políticas redistributivas, que atinge maior número de pessoas
que integram o governo, e apesar de uma certa literatura argumentar que o. e impõe perdas concretas e a curto prazo para certos grupos sociais e ganhos
papel dos governos tem sido encolhido por fenômenos como a globalização, K incertos e futuro para outros. São, ·em geral, as politicas sociais universais,

I
a diminuição da capacidade dos governos de intervir, formular políticas pú- o sistema tributário, o sistema previdenciário e são as de mais difícil encami-
ji
blicas e de governar não está cmpiricarnente comprovada. Visões menos nhamento. O quarto é o das políticas constitutivas, que lidam com proce-
I1
I,
ideologizadas defendem que apesar da existência de limitações e constrangi- f, dimentos. Cada uma dessas políticas públicas vai gerar pon tos ou grupos
ji mentos, estes não inibem a capacidade das instituições governamentais de go-

~ de vetos e de apoios diferentes, processando-se dentro do sistema político de
li
vernar a sociedade (Peters, 1998), apesar de tornarem a atividade de governar forma também diferente.

I
, I

I e de formular políticas públicas mais complexa.


lncrementalismo
Modelos de Formulação e Análise de Políticas Públicas"
A visão da política pública como um processo incremental foi desen-
Dentro do campo
explicativos foram desenvolvidos
governo
específico da política pública, alguns
para se entender melhor como e por que o
faz ou deixa de fazer alguma ação que repercutirá
modelos

na vida dos cida-


iI volvida por Lindblom
Com base em pesquisas
sos governamentais
(1979), Caiden e Wildavsky (1980) e Wildavsky (1992).
ernpiricas, os autores argumentaram
para um programa,
que os recur-
órgão ou uma dada política pública
dãos. Muitos foram os modelos desenvolvidos, e aqui serão mapeados apenas não partem do zero, e sim de decisões marginais e incrementais que
os pnnClpals.
!

I
desconsideram mudanças políticas ou mudanças substantivas nos progra-
mas governamentais. Assim, as decisões dos governos seriam apenas
o Tipo da Política Pública
it' incrementais e pouco substantivas.
A visão incrementalista da politica pública perdeu parte do seu poder
Theodor Lowi (1964, 1972) desenvolveu a talvez mais conhecida tipologia
sobre política pública, elaborada por meio de uma máxima: a política pública
t explicativo com as profundas reformas ocorridas em vários países provocadas

faz a política. Com essa máxima, Lowi quis dizer que cada tipo de política
pública vai encontrar diferentes
em torno de sua decisão passam por arenas diferenciadas.
formas de apoio e de rejeição e que disputas I
~
t
pelo ajuste fiscal. No entanto, os que traba~am nos governos e os que pesquisam
os orçamentos públicos conhecem bem a força do incrementalismo,
tém intactos estruturas governamentais e recursos para políticas públicas que
que man-

!
t
1
deixaram de estar na agenda elos governos. Mas é do incrementalismo
que vem a visão de que decisões tomadas no passado constrangem decisões
~
Para maiores detalhes sobre diversos modelos analíticos, ver Goodin & Klingemann
especial o capitulo 7, Parsons (1997), Sabatier (1999) e Theodoulou
(1998), em
& Cahn (1995). Vários sítios -, futuras e limitam a capacidade dos governos
cas ou de reverter a rota das políticas atuais.
de adotar novas políticas públi-

i
disponibiliz arn estudos e mp iricos sobre políticas públicas, com destaque para <http://
111; , \Vww. policylibrary.com >.

~I
72 !
f
73

1m
r-

Por iTIC":; PÚBlIC ..•..S NO BK .••..SIL Lstado da AI te da Pesouisa em Políticas Pública!'

o Ciclo da Política Pública o Modelo Carbage Csn

Esta tipologia vê a política pública como um ciclo deliberativo, formado O modelo garbage can ou "lata de Lixo" foi desenvolvido por Cohen,
por vários estágios e constituindo um processo dinâmico e de aprendizado. O March e Olsen (1972), argumentando que escolhas de políticas públicas são
ciclo da política pública é constituído dos seguintes estágios: definição de agenda, feitas como se as alternativas estivessem em uma lata de lixo. Ou seja, existem
identificação de alternativas, avaliação das opções, seleção das opções, vários problemas e poucas soluções. As soluções não seriam detidamente ana-
implementação e avaliação. lisadas e dependeriam do leque de soluções que os decisores (poliry makers) têm
Esta abordagem enfatiza sobremodo a definição de agenda (agenda settinj) no momento. Segundo esse modelo, as organizações são formas anárquicas
~
e pergunta por que algumas questões entram na agenda política enquanto ou- ! que compõem um conjunto de idéias com pouca consistência. As organiza-
tras são ignoradas. Algumas vertentes do ciclo da política pública focalizam ções constroem as preferências para a solução dos problemas - ação -, e não
mais os participantes do processo decisório e outras o processo de formula- ~ as preferências constroem a ação. A compreensão do problema e das solu-
ção da política pública. Cada participante
um incentivo ou como um ponto
e cada processo
de veto. À pergunta
podem atuar como
de como os governos
i, ções é limitada e as organizações
Em síntese, o modelo
operam em um sistema de tentativa e erro.
advoga que soluções procuram por problemas. As
tf
definem suas agendas, são dados três tipos de respostas. A primeira focaliza os t escolhas compõem um garbage cem no qual vários tipos de problemas e solu-
f
problemas, isto é, problemas entram na agenda quando assumimos que de- ções são colocados pelos participantes à medida que aparecem. Essa aborda-
vemos fazer algo sobre eles. O reconhecimento e a definição dos problemas gem foi aplicada por Kingdon (1984), combinando também elementos do
~
afetam os resultados da agenda. A segunda resposta focaliza a política pro-
t ciclo da política pública, em especial a fase de definição de agenda (agenda
priamente dita, ou seja, como se constrói a consciência coletiva sobre a ne- [ settinj), constituindo o que se classifica como um outro modelo, o de multiple
cessidade de se enfrentar um dado problema. Essa construção se faria via streams, ou "múltiplas correntes".'
processo eleitoral, via mudanças nos partidos que governam ou via mudan- f
ças nas ideologias (ou na forma de ver o mundo), aliados à força ou fraqueza t~ Coalizão de Defesa
dos grupos de interesse. Segundo esta visão, a construção de uma consciência O modelo da coalizão de defesa (advocary coalition), de Sabatier e Jenkins-
J;
coletiva sobre determinado problema é fator poderoso e determinante na
í Srnith (1993), discorda da visão da política pública trazida pelo ciclo da política
definição
Quando
da agenda.
o ponto de partida da política pública é dado pela política, o
,
f e pelo garbage can pela sua escassa
mudanças ocorrem nas políticas
capacidade
públicas. Segundo
explicativa
esses autores,
sobre por que
a política
consenso é construído mais por barganha do que por persuasão, ao passo que, I pública deveria ser concebida como um conjunto de subsistemas relativamen-
quando o ponto de partida da política pública encontra-se no problema a ser
f te estáveis, que se articulam com os acontecimentos externos, os quais dão os

I
enfrentado, dá-se o processo contrário, ou seja, a persuasão é a forma para a parârnetros para os constrangimentos e 9s recursos de cada política pública.
construção do consenso. Contrariando o modelo do garbage can, Sabatier e Jenkins-Smith defen-
A terceira resposta focaliza os participantes, que são classificados como
i dem que crenças, valores e idéias são importantes dimensões do processo de
visíveis, ou seja, políticos,
tais como acadêmicos
rnídia, partidos,
e burocracia. Segundo
grupos de pressão
esta perspectiva,
etc., e invisíveis,
os participantes
; formulação de políticas públicas, em geral ignorados
Assim, cada subsistema
nos modelos
que integra uma política pública é composto
anteriores.
por um
visíveis definem a agenda e os invisíveis as alternativas.

:1
, o modelo analítico de Kingdon vem sendo [estado no Brasil em algumas reses de doutorado. Ver,
por exemplo, Capella (2006) e Pinto (2004).

l
74
,
I
'btJ
75
'Ir

f
POLÍltCAS Púeuc.cs NO BRA.Sll
Estado da ..Art c da PcsQ..uisa em Polltlcae Púhticas

li número de coalizões de defesa que se distinguem


idéias e pelos recursos de que dispôern."
pelos seus valores, crenças e
estratégias,
deste modelo
mas também as constroem
está na possibilidade
e reconstroem
de investigação
continuamente.
dos padrões
A força
das relações
:f'i
entre indivíduos e grupOs.8
Arenas Sociais
li o modelo de arenas sociais vê a política pública como uma iniciativa dos
~
I Modelo do 'EQuilíbrio Interrompido'
11
I. chamados empreendedores políticos ou de políticas públicas. Isso porque,
f
O modelo do "equilíbrio interrompido" (punctuated equilibrium) foi ela-

:
para que uma determinada
blema, é preciso que as pessoas
circunstância
se convençam
ou evento se transforme em um pro-
de que algo precisa ser feito. É
t
I
borado por Baumgartner J
e ones (1993) com base em noções de biologia e
! computação. Da biologia veio a noção de equilíbrio interrompido, isto é, a
t
quando os poliry makers do governo passam a prestar atenção em algumas
i questões e a ignorar outras. j política
rompidos
pública se caracteriza
por períodos
por longos
de instabilidade,
períodos
que geram mudanças
de estabilidade,
nas políticas
inter-

i Existiriam três principais mecanismos para chamar a atenção dos i anteriores. Da computação e dos trabalhos de Simon, vem a noção de que
decisores e formula dores de políticas públicas: (a) divulgação de indicadores I
F
os seres humanos têm capacidade limitada de processar informação, daí
que desnudam a dimensão do problema; (b) eventos tais como desastres ou porque as questões se processam paralelamente e não de forma serial, ou
repetição continuada do mesmo problema; (c) feedback, ou informações que
I seja, uma de cada vez.
mostram as falhas da política atual ou seus resultados mediocres. Esses em-
Os subsistemas de uma política pública permitem ao sistema político-
preendedores constituem a poliry community, comunidade de especialistas, pes- decisório processar as questões de forma paralela, ou seja, fazendo mu-
soas dispostas a investir recursos variados esperando um retorno futuro
i danças a partir da experiência de implementação e de avaliação, e somente
dado por uma política pública que favoreça suas demandas. Eles são cruciais
em períodos de instabilidade ocorre uma mudança serial mais profunda.
para a sobrevivência e o sucesso de uma idéia e para colocar o problema na
Este modelo, segundo os autores, permite entender por que um sistema
agenda pública.
político pode tanto agir de forma incremental, isto é, mantendo o status
Esses empreendedores podem constituir, e em geral constituem, redes quo, como passar por fases de mudanças mais radicais nas políticas públicas.
sociais.' Redes envolvem contatos, vínculos e conexões que relacionam os agentes Fundamental ao modelo é a construção de uma imagem sobre determinada
entre si e não se reduzem às propriedades dos agentes individuais. As institui- decisão ou política pública (poliry image), e a rnídia teria papel preponderante
ções, a estrutura social e as características de indivíduos e grupos são crista- nessa construção."
lizações dos movimentos,trocas e "encontros" entre as entidades nas múlti-
plas e intercambiantes redes que se ligam ou se superpõern. O foco está no
conjunto de relações, vínculos e trocas entre entidades e indivíduos, e não
nas suas caracterís ticas.
Marques (2000) analisa a Formulação de políticas na área de saneamento básico na Região Metro-
Este método e referencial teórico parte do estudo de situações concretas
politana do Rio de Janeiro por meio do modelo das redes sociais. Sua pesquisa mostra que, ao
para investigar a integração entre as estruturas presentes e as ações, estratégias, contrário do padrão norte-americano de iobbies ou do corporativisrno social-democrata europeu,
I a interrnediaçâo de interesses ocorre aqui de forma disseminada por inúmeros e diversos conta-
j constrangimentos, identidades e valores. As redes constrangem as ações e as tos pessoais entre os integrantes do governo e os interesses privados, interrnediada por uma poliry
.1
comm",ú!y. Também O papel desempenhado por um grupo de médicos san.ita.ristas que se organi-
I,
Esse modelo foi aplicado por Bueno (2005). zou em tomo da reforma do sistema de saúde pública no Brasil, no sentido da sua universalização
I: e descentralização, é um bom exemplo das possibilidades explicativas deste modelo.
II A literatura internacional sobre redes sociais é ampla e diversificada. Para uma revisão dessa
literatura em português, ver Marques (2000). Pesquisa realizada por Fucks (1998) testa este modelo analisando a inserção da temática ambiental
no Rio de Janeiro.
11

I
76
77
J.'OdTlC ..•..
S P(UflrC"S NO BR"srl
Estado da Arte da Pesouísa em Politic<lS Públicas

Modelos Influenciados pelo 'Gerencialismo Público' e pelo Ajuste Como conseqüência, embora indireta, do infl.ucnte trabalho de Olson,
Hscal!?

I
passou-se a enfatiza.r questões como eficiência e racionalidade das políticas
A partir da influência do que se convencionou chamar de "gerencialismo públicas, que seriam alcançadas por novas politicas voltadas, por exemplo,
público" (public managemen~ e da poJitica fiscal restritiva de gasto adotada por para a desregulamentação, privatização e para reformas no sistema social, as
vários governos, novos formatos foram introduzidos nas poJiticas públicas, quais, afirma-se, poderiam diminuiriam os riscos da ação coletiva.
todos voltados para a busca de eficiência. Assim, a eficiência passou a ser vista O elemento credibilidade das políticas públicas também ganhou impor-
como o principal objetivo de qualquer politica pública, aliada à importância tância, ou seja, a prevalência de regras pré-anunciadas seria mais eficiente do que
do fator credibilidade e à delegação. das poJiticas públicas para instituições o poder discricionário de políticos e burocratas contido nas políticas públicas. O
com "independência" politica. Esses novos formatos, que estão guiando o fator credibilidade passou a ser fundamental para políticas como a monetária,
desenho das políticas públicas
nas pesquisas ernpíricas.!'

A ênfase na eficiência
mais recentes,

nasceu da premissa
ainda são pouco

de que as politicas
incorporados

públicas e
, mas também influenciou
áreas. A credibilidade
discricionariedade
o novo desenho das políticas públicas em várias outras
baseia-se na existência de regras claras em contraposição
dos decisores públicos (políticos e burocratas), a qual levaria
à

suas instituições
ou distributivos,
estavam fortemente
na linguagem
influenciadas
de Lowi, desprezando-se
por formatos redistributivos
a questão da sua efi-
l
!
à inconsistência. Além do mais, a discricionariedade
ção. Assim, a discricionariedade,
gera altos custos de transa-
de acordo com essa visão, seria rninirnizada ou
ciência. As razões para tal reconhecimento estão na crise fiscal e ideológica do eliminada, delegando poder a instituições bem desenhadas e "independentes"
Estado e no declínio do sonho pluralista que caracterizou a visão norte-ameri- do jogo político e fora da influência dos ciclos eleitorais.
cana sobre politicas públicas em décadas passadas." A delegação para órgãos "independentes" nacionais, mas também inter-
O primeiro grande ataque às possibilidades das ações coletivas, e onde deci- nacionais, passou a ser outro elemento importante no desenho das politicas
sões sobre políticas públicas podem ser situadas, veio de Olson (1965), ao afirmar públicas. Mas por que políticos (governantes e parlamentares) abririam mão
que interesses comuns, os quais, em princípio, guiariam o processo decisório que do seu poder, delegando-o para agências sobre as quais não têm controle? A
afetam os indivíduos, não resultam necessariamente em ação coletiva e sim em free resposta estaria na credibilidade desses órgãos "independentes" devido à ex-
nding, pois os interesses de poucos têm mais chances de se organizarem do que os periência técnica de seus membros e para que as regras não fossem, aqui tam-
interesses difusos de muitos. Existe, segundo Olson, um interesse público que não bém, submetidas às incertezas dos ciclos eleitorais, mantendo sua continuidade
é a soma dos interesses dos grupos. Assim, a "boa" política pública não poderia e coerência. \3

resultar da disputa entre grupos, mas de uma análise racional. Concorrendo com a influência do "novo gerencialismo público" nas po-
líticas públicas, existe uma tentativa, em vários países do mundo em desenvol-
10 Além da influência do gerencialismo público e do ajuste fiscal, os últimos anos têm sido
marcados também pelo que vem sendo chamado do juristocracia, Ou seja, a transferência para os
vimento, de adotar políticas públicas de caráter participativo. Impulsionadas,
judiciârios e pela via constitucional de parcela considerável de decisão sobre questões antes a
por um lado, pelas propostas dos orgai1ismos multilaterais e, por outro, por
cargo das instituições representativas. Argumenta-se que mudanças sociais e a defesa de direitos
devem ser liberadas do jogo político e da tirania da maioria das instituições representativas. Assim, mandamentos constitucionais e pelos compromissos assumidos por alguns
cortes judiciais nacionais e internacionais passaram a tomar decisões sobre políticas públicas
porque tais poliucas estão, muitas vezes, ccnstitucicnalizadas, Já existe vasta literatura sobre essa
nova tendência (ver, entre outros, Hlrschl, 2004).

" Uma exceção é o trabalho Rezende (2004), que analisou a última reforma administrativa federal \J Exemplos da influência dessa nova visão sobre as políticas públicas já são abundantes, destacan-
tentada no Brasil e suas contradições. Reforma administrativa, embora não seja nenhuma novida- do-se a relevância assumida pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelas organizações
de, é parte crucial do busca da eficiência do "gerencialismo público". não governamentais (ONGs), assim como a defesa de mandato por tempo determinado para os
IZ Na versão mais idealizada do plural.ismo, ti. política publica resultaria do equilíbrio alcançado na diretores das agências de regulação e a defesa da independência operacional ou autonomia dos
luta entre grupos de .interesse concorrentes. bancos centrais.

78 79
11' PüUflO,S iJÚIHIC"S NO RI1."'~ll Estado da Arte da P{"~~<tU!53
em Políticas Públicas
I

~
! partidos políticos, várias experiências foram implementadas visando à inser- o Papel das Instituições/Regras na Decisão e Formulação de
I' ção de grupos sociais e/ou de interesses na formulação e acompanhamento Políticas Públicas
I
I de políticas públicas, principalmente nas políticas sociais. No Brasil, são exem- Não só a produção desenvolvida dentro da moldura teórica especifica da
f'
i plos dessa tentativa os diversos conselhos comunitários voltados para as polí- I, política pública é utilizada nos diferentes estudos sobre o tema. O debate

I ticas sociais, assim como o orçamento participativo. Fóruns decisórios como ,


f
I'
sobre políticas públicas também tem sido influenciado pelas premissas advindas
conselhos comunitários e orçamento participativo seriam os equivalentes poli- i de outros campos teóricos, em especial do chamado neo-instirucionalisrno, o
r
ticos da eficiência. qual enfatiza a importância crucial das instituições/regras para a decisão, for-
Apesar da aceitação de várias teses do "novo gerencialismo público" e da mulação e implementação de políticas públicas.
l
i1, experimentação de delegação de poder para grupos sociais comunitários e/ Uma grande contribuição a esse debate foi dada pela teoria da escolha
I; ou que representam grupos de interesse, os governos continuam tomando
.,I! racional, com o questionamento de dois mitos. O primeiro é o de que, con-

li decisões sobre situações-problema


mesmo que delegando
e desenhando
parte de sua responsabilidade
políticas para enfrentá-Ias,
para outras instâncias,
forme mencionado anteriormente, interesses individuais agregados gerariam
ação coletiva (Olson, 1965). O segundo é o de que a ação coletiva produz
:Ii inclusive não governamentais. necessariamente bens coletivos (Arrow, 1951). Definições sobre políticas pú-
!
Das diversas definições e modelos sobre políticas públicas, podemos ex- blicas são, em uma democracia, questões de ação coletiva e de distribuição de
11
trair e sintetizar seus elementos principais: bens coletivos e, na formulação da escolha racional, requerem o desenho de

• A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende incentivos seletivos, na expressão de Olson, para diminuir sua captura por
fazer e o que, de fato, faz. grupos ou interesses personalistas."
11
li • A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja Outros ramos da teoria neo-instirucionalista, como o institucionalisrno
!I materializada nos governos, e não necessariamente se restringe a histórico e o estruturalista, também contribuem para o debate sobre o papel

! 11
participantes
• A política pública é abrangente
formais, já que os informais são também importantes.
e não se limita a leis e regras.
das instituições na modelagem das preferências dos decisores. Para essas varian-
tes do neo-institucionalisrno, as instituições moldam as definições dos decisores,
• A política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem mas a ação racional daqueles que decidem não se restringe apenas ao atendi-
alcançados. mento dos seus auto-interesses. A ação racional também depende das percep-
• A política pública, embora tenha impactos a curto prazo, é uma política ções subjetivas sobre alternativas, suas conseqüências e avaliações dos seus
de longo prazo. possíveis resultados. Sem negar a existência do cálculo racional e auto-interes-
]1
• A política pública envolve processos subseqüentes após sua decisão e sado dos decisores, esses ramos elo neo-instirucionalismo afirmam que o cál-
proposição, ou seja, implica também implementação, execução
culo estratégico dos decisores ocorre de,ntro de uma concepção mais ampla
II e avaliação.
das regras, papéis, iden tidades e idéias."
I1I.
• Estudos sobre política pública propriamente dita focalizam processos,
II atores e a construção de regras, distinguindo-se dos estudos sobre política
11
11 social, cujo foco está nas conseqüências e nos resultados da política.
.il t~ Para uma revisão dessa literatura, ver, entre outros, Levi (1997), e para uma discussão da aplicação
iI de tipologias na análise de políticas públicas tomando como referência a teoria da escolha

I
racional, ver, entre outros, Ostrorn (1999).
15 O insrirucionalismo histórico vem dedicando espaço cada vez maior à importância das idéias na
formulação de poliricas públicas, em especial nas suas mudanças. Para uma análise da introdução,
11 na Grâ-Breranha, das idéias rnoneraristas em substituição às keynesianas, ver Hal! (1998).
li
80 81
!~
~~
f
I
Potf ncxs PÚt;UC/I.!) NO RRA\U Estaco da Arte da PesQuisa em Pulincas Publicas

Portanto, a visão mais comum da teoria da escolha racional, de que o seu processo, a importância das instituições, dado que, como lembra Melo
processo decisório sobre políticas públicas resulta apenas de barganhas nego- (2002), a literatura modelada pelo referencial teórico tradicional da política
ciadas entre indivíduos que perseguem seu auto-interesse, é contestada pela i pública faz tábula rasa das instituições.
visão de que interesses (ou preferências) são mobilizados não só pelo auto- ! A contribuição do neo-institucionalismo é importante porque a luta pelo
j interesse, mas também por processos instirucionais de socialização, por novas i
! poder e por recursos entre grupos sociais é o cerne da formulação de políticas
"I idéias e por processos gerados pela história de cada país. Os decisores agem e públicas. Essa luta é mediada por instituições políticas e econômicas que levam
se organizam de acordo com regras e práticas socialmente construídas, conhe- as políticas públicas para certa direção e privilegiam alguns grupos em detri-
cidas antecipadamente e aceitas (March & Olsen, 1995). Tais visões sobre o mento de outros, embora as instituições sozinhas não desempenham todos os
processo político são fundamentais para entendermos melhor as mudanças papéis - há também interesses, como nos diz a teoria da escolha racional,
nas políticas públicas em situações de relativa estabilidade.
t idéias, como enfatizarn o institucionalismo histórico e o estrutural, e a história,
Já a teoria da escolha pública (pub!ic choice) adota um viés normativamente
I como afirma o institucionalismo histórico.
cético quanto à capacidade
situações como auto-interesse,
do governo
informação
de formular políticas públicas devido a
incompleta, racionalidade limitada e I
I'
I
A despeito
institucionalista
das contribuições das diversas vertentes
para a análise de políticas públicas, deve-se lembrar que, como
da teoria neo-

captura das agências governamentais por interesses particularistas. Essa teoria é, ocorre com qualquer referencial teórico, é preciso ter clareza sobre quando e
provavelmente, a que demonstra mais mal-estar e desconfiança na capacidade como utilizá-Ia. Isso porque, como já argumentado anteriormente (Souza, 2003),
dos mecanismos políticos de decisão, defendendo a superioridade das decisões
t
tomadas pelo mercado vis-à-vis as tomadas pelos políticos e pela burocracia.
t analisar políticas públicas significa, muitas vezes, estudar O "governo em ação",

~ razão pela qual nem sempre os pressupostos neo-institucionalistas se adaptam


Aprofundando um pouco mais as contribuições do chamado neo- r, a essa análise.
institucionalismo para a área de políticas públicas, sabemos que, de acordo
t Ademais, os procedimentos metodológicos construídos pelas diversas
com os vários ramos dessa teoria, instituições são regras formais e informais vertentes neo-institucionalistas, em especial a da escolha racional, são marca-
que moldam o comportamento dos atores. Como as instituições influenciam t dos pela simplicidade analítica, pela elegância, no sentido que a matemática dá
os resultados das políticas públicas e qual a importância das variáveis

a essa palavra, e pela parcimônia, o que nem sempre é aplicável à análise de
institucionais para explicar resultados de políticas públicas?
t
políticas públicas. 16

A resposta está na presunção de que as instituições tornam o curso de


certas políticas mais fáceis do que outras. Ademais, as instituições e suas regras Considerações Finais
rede finem as alternativas políticas e mudam a posição relativa dos atores. Em
Procurei, aqui, contribuir para os estudos acadêmicos em políticas públi-
geral, instituições são associadas a inércia, mas muita política pública é formu-
cas, campo do conhecimento que busca. integrar quatro elementos: a própria
lada e implementada.
política pública (poliry), a política (politics), a sociedade política (polity) e as insti-
Assim, a teoria neo-institucionalista nos ajuda a entender que não são só
tuições que regem as decisões, os desenhos e a implementação das políticas
os indivíduos ou grupos que têm força .relevante influenciam as políticas públi-
públicas, focalizando seja seu processo, seja seus resultados.
cas, mas também as regras formais e informais que regem as instituições.
Outra importante contribuição das teorias neo-institucionalistas para o
campo das políticas públicas está na capacidade dessas teorias de incorporar \ti Sobre os problemas e as possibilidades teóricas e empíricas da pesquisa em políticas públicas no
Brasil. ver Faria (2003), Figueiredo & Figueiredu (1986), Meio (1999), Reis (2003) e Souza (2003).
às análises sobre políticas públicas, notadamente à análise da sua natureza e do

82 81
Ir

Pmi1ICA!> l'I'ltlllCAS NO BR ..••SIL Estado da Arte da Pescutsa em Políticas Públicas

li
:1

Disso pode-se concluir que o principal foco analítico da política pública FfGUEIREDO, M. & FIGUETREDO, A. C. Avaliação política e avaliação de
I
i
está na identificaçâo do tipo de problema que a política pública visa a corrigir,
políticas: um quadro de referência teórica. Revista fundação João Pinheiro,
1(3): 108-129, set. 1986.
na chegada desse problema ao sistema politico (polities) e à sociedade política
I (polity), no processo percorrido nessas duas arenas, e nas instiruiçôes / regras
FUCKS, M. Arenas de ação e debate públicos: conflitos ambientais e a emergência
do meio ambiente enquanw problema social no Rio de Janeiro. Dados, 41 (1):
que irão modelar a decisão e a implementação da política pública. 230-245, 1998.
f
I O entendimento dos modelos e das teorias resumidos aqui pode permitir GOODIN, R. & KLINGEjyIANN, H-O. (Eds.) NcwF-landbook of Politieal Sáem'e.
I· ao analista melhor compreender o problema para o qual a politica pública foi OxEord: OxEord Universirv Press, 1998.
i
1 desenhada, seus possíveis conflitos, a trajetória seguida e o papel dos. indivíduos, HALL, P The movement Erom keynsianism to monerarism: instirutional analysis
I and British economic policy in the 1970s. In: STEIMO, S.; THELEN, K. &
grupos e instituições que estão envolvidos na decisão e que serão por ela
i LONGSTRETH, F. (Eds.) Structuring Polities: histoncal institutionalism in
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caso das organizações sociais da saúde na Bahia, 2004. Tese de Doutorado, A análise privilegiará o processo de formação da agenda de políticas
Salvador: Núcleo de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal governamentais (agenda-settinj), procurando investigar de que forma uma ques-
da Baba.
tão específica se torna importante em um determinado momento, chamando
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Dois modelos, em especial, desenvolvidos na área de políticas públicas,
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SABATIER, P. (Ed.) Theories of tbe Policy ProcessoWestview: Westview Press, 1999. são formuladas e alteradas: o Modelo de Múltiplos Fluxos (Mu!tiple Streams Mode0,

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